POR QUE VOCÊ NÃO LUTA?

A visão de que cada nação possui o governo que merece é ilusória e precisa ser abolida. Sequer há o que se pode chamar de nação, e não porque o Estado-nação não respeite nações, mas porque o próprio conceito de nação está seriamente em xeque. Não existe o povo, por mais que o tópico-frasal da sociologia coaja qualquer sociólogo incipiente a dizer o contrário. O que acontece em um país como o nosso é a tendência auto-implosiva do Capital: uma plutocracia que impede o movimento revolucionário, porquanto este só representa perigo sendo massivo. Uma vez que estão destruídas as condições para que ele o seja (tome como base a mídia brasileira, que impossibilita o menor pensamento transgressor), fica na mão do indivíduo consciente a decisão: dada a impossibilidade democrática de atingir minhas metas e a inviabilidade de qualquer negociação pacífica com o Estado e demais forças, baluartes da moral do Ocidente, diria um Nietzsche, eu devo lutar e arriscar a piorar ainda mais drasticamente minhas condições de existência neste mundo ou eu devo me conformar, manter minha propriedade, minha liberdade, enfim, meus direitos civis, minha relação com a família, meus estudos e meu emprego? Parece que, diante de impasse de tal ordem, sempre escolheremos a segunda opção. Mas, para ser auxiliado por um provérbio simples contudo verdadeiro, “nada é eterno”. O que se depreende disso? Aparentemente, o momento da luta pela ruptura irreversível do sistema é invariavelmente empurrado para frente e jamais concretizado. Não há como imaginarmos, de fato, que poderia haver uma “anarquização” da sociedade moderna a ponto de transformar poderios incalculáveis como o produto nacional bruto e o exército americanos em cenários tão imprevisíveis quanto as Farc no território colombiano ou as milícias mexicanas em guerra de trincheiras com o Estado. A própria constituição do rebelde como exceção é a quase refutação de qualquer esperança. Para a vida dos ainda vivos no momento deste texto, e do seu autor, o cenário é tão ou mais desanimador: escolho minha profissão estável, minha ficha criminal limpa e meu conhecimento socrático-cristão a contragosto, mesmo ciente de que são postulados inversamente proporcionais à “sociedade” como se constitui de fato (não passando de idealismos vis, disfarçáveis para alguns, mas intransponíveis para todos), por julgar que só encurtaria minha vida se lutasse contra tudo e todos, ou reduziria cabalmente meu já ridículo quinhão. Faticamente, assim funcionam as coisas. Onde está, então, a mágica que torna o inimigo invencível do homem um respeitante do ditado de que “nada seja eterno”? Nele próprio. O invencível (figura sem corpo, apenas a idéia que temos enquanto somos escravos do próprio Ideal) é a vítima derradeira de seu próprio sucesso. As contradições do Capitalismo tornam-se mais agudas à medida que seu êxito se torna mais inquestionável. Há um ponto de ruptura nas auto-vitórias do maleável Capital e da casca de todo seu conteúdo, a moral do Ocidente. As fendas já aparecem. Existe um momento em que as condições de existência do regime não podem ser mantidas nem que se o almejasse: contramedidas apenas aceleram o colapso, e por mais que tal lição seja aprendida o colapso, em si, não pode ser evitado. Não procede a crítica de Marx de que “o que um homem vê, os outros vêem, ou o vêem vendo”, apontando para o fato de que, se o homem faz sua História, então ao se corrigir o rumo da História que Marx queria levar a cabo, a história realizada é o Capitalismo (Fim da História, no qual já depositei minhas fichas). Digamos que apenas se espera pelo inevitável. Longe de uma visão de espírito (neo-hegeliana), trata-se da constatação, pelo homem que se enrolou no pólo natureza-cultura, de que ele, o homem, junto de seus produtos, é a natureza. E pulsa. Como vida, não pode se negar a vivê-la excedendo o limite “x”. Esse limite “x” é o dia da derrocada do sistema capitalista em decorrência das próprias ultra-contradições e da soma das vontades individuais da grande maioria de manter o sistema intacto (o que implodirá as últimas ilusões de chances que tais grupos poderiam possuir). Não me encarem como um profeta, mas como um bom leitor. Sigamos…: a saturação da moral do Ocidente se avizinha. O tal dilema da escolha pessoal, lutar ou se conformar, deixará de fazer sentido. Será o momento de cada um agarrar sua oportunidade. Obviamente, muitos se recusarão a agarrá-la, mas cada fracasso terá seu papel: amantes da vida precisam de seres humanos inferiores para exercerem sua dominação (paradigma natural). Não desejo ser mal-interpretado. Significa que o homem moderno não rompe integralmente com seu passado, uma vez que coexistirá (e coexiste, pois há homens modernos hoje, embora não no comando do que quer que seja) com os pseudo-modernos, criaturas que atualmente parecem ditar a História e que no entanto não compreendem ou não podem evitar o problema futuro de ter compreendido hoje que não se tratam de indivíduos modernos, mas entes mais fracos, pré-modernos, pré-históricos. A diferença fundamental é que no leme da embarcação histórica encontraremos, na coexistência reformulada do fim do Capital, os modernos. Lembre-se que, coletivamente, ao olhar ao redor, jamais fomos modernos. Se você é um moderno e guarda seu tesouro, sua vida pré-moderna será transcendida e transvalorada logo. É bem verdade que muitos nessas circunstâncias morreram sem ver a verdadeira Aufklärung sangrenta. E outros vão morrer. Mas isso fazia parte da modernidade deles. Há alguns modernos que vêm antes dos outros. Nem por isso são menos modernos. A História está sendo feita, não há Idealismo em minha convicção: é que os modernos dão suas parcelas de contribuição desde muito antes deste texto, que aliás nasceu de seus esforços; e embora isoladamente esses esforços não consigam vencer o inimigo chamado de “o invencível”, quem está tramando, neste exato minuto, em laboratório, a própria e inaudita morte são os pré-modernos, figuras que já divisam sua extinção no horizonte (nenhuma contramedida pode surtir efeito se se permanece no âmbito da visão progressista autofágica). Se há algo de desesperador na vida, é a vida, aquela mesma que cria o sentimento do desespero (e já é um privilégio usufruí-lo!), que recai no auto-perceptível fatalismo. Alguns andam lendo meu blog e me apelidando de oráculo. Porém, eu sou o oráculo do fim dos oráculos: a única e caprichosa meta-tendência quem traça são vocês. A tendência do auto-expurgo do mundo. O Ocidente é um monstro que se come a si mesmo e quanto mais come mais julga o prato delicioso sendo portanto apenas bom senso e não qualquer dom premonitório que me permite asseverar que ele nunca deixará de se comer até que suas funções vitais sejam desligadas – porque ele acredita piamente que está cada vez mais corpulento, quando seu aspecto ao observador alheio (o moderno, imerso no estômago do monstro e que pode ser ejetado na ocasião oportuna) é o do definhamento. E não há meios de um monstro que só triturou tudo com seus dentes de repente aprender a fazer outra coisa… É a natureza desse bicho que se crê anti-natural e imortal. Mas o que é a imortalidade? Tem-se de estar vivo para não estar morto, ou para pensar nesses dilemas. E a vida não pode ser anti-natural, posto que da natureza provém. Portanto, sem sentido, o monstro explode. Esse bicho acredita no Fim da História. Mas a natureza não acredita em equilíbrios…

27/07/2008

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