[ARQUIVO] O PONTUAL

Originalmente publicado em 3 de março de 2010.

Mais uma vez esta reflexão – e reflexão não significa mastigação? – “cinematográfica”: a maioria de nossa vida, de nossos ofícios, é de enfado. Segundos, pílulas de atos incontestes. No grande homem da História ou simplesmente na vida daquele que não era nada, mas sabia ter seus mini-dias perfeitos, de zelo e beleza. Acabei de assistir à majestosa final da Copa do Mundo de 70, exibida na íntegra, em cores e renarrada. Talvez sem tanta realeza para moleques anos 2000, que não aprenderam ainda o gosto clássico. Partida, em geral, morosa, cheia, no entanto, de picos e flashes, de explosões de velocidade e de manobras divinas, tão breves quanto áureas. Linhas de passes dos sonhos… Esse não é um artigo sobre futebol, mas encontrei ao acaso a ilustração perfeita. E o jogador ideal para discorrer sobre minha “pontualidade”: o badalado Pelé. Não estava no seu jogo perfeito, na exibição maior deste mundial – só que suas figurações de luxo foram o bastante para eternizar a(s três) estrela(s). Talvez despontar demais, se outros também davam conta do recado, fosse falta de elegância! Normalmente o aniversariante não é o piadista da festa, o mais desenvolto (até porque não é quem bebe mais, tem obrigações protocolares), nem a pessoa que está mais bem-vestida, mantendo a discrição salutar. Simplicidade calha bem sob os holofotes, durante a tensão da decisão. Pois bem: cada um de nós é um Pelé renascido, inventivo a seu modo. Grande parte desse jogo de 90min ou 90 anos é uma passagem com falhas, impaciências, soros, feiúras, falta de harmonia, insegurança, enfim, aborrecimento, senão ansiedade (“vai, não vai”).

Eu sou pingos. Pingos de textos. Acontecem muitos mal-entendidos e angústias nesses intervalos entre um artigo e outro; sinto-me mortal! A tacada milimétrica vem na hora certa – e desaparece no mesmo instante, pulverizada pelo seu próprio sucesso: foi quase que uma neblina, uma picada de inseto, que não sentimos, não somos nós, éramos outros, focados, jogadores ancestrais e cascudos, não “pensamos”, só executamos aquilo para que viemos a esse mundo. Nosso ofício. Até a casta dos “favorecidos” sabe dessa crueldade da distribuição das apoteoses na natureza. Animais sublimes não perderiam tempo se lamentando! O consolo é o vizinho talentoso… O castelo dele também cai. O castelo de qualquer Napoleão ainda é só de areia. Podemos invocar nossos self olímpicos como uma tequila é entornada: um rasgo mal-sentido; o impacto deve ficar para os expectadores na sala, para o relato do avô – talvez Zeus agisse inconscientemente, castigasse sem temer, sem a pena, tão humana…

A confiança é tanta, em resumo, que o artista se dá ao luxo de desligar seu motor, a parte de seu organismo responsável pela eficácia máxima, hibernar mesmo, a fim de que a máquina não seja depreciada com o banal. É-se nobre o suficiente para aceitar uma magra coleção de vitórias, tal é a representatividade, a integridade, delas. Cobremos menos – e com isso mais! – de nós mesmos…

[ARQUIVO] ECCE HOMO 0.1

Originalmente publicado em 17 de junho de 2009.

Com ninguém a gente é menos aparentada do que com seus pais”

engolir sapos faz, irremediavelmente, um mau caráter – e inclusive estraga o estômago”

a grosseria (…) é, de longe, a forma mais humana da objeção”

onde a gente despreza não se pode fazer guerra”

Não é Spinoza que devo ler, mas Pascal. Na realidade, ambos!

No fim das contas ninguém pode captar nas coisas, incluídos os livros, mais do que ele mesmo já sabe.”

em casos específicos chegaram a testemunhar para mim o quanto a adaptação aos meus escritos ‘deteriora’ o gosto. (…) Simplesmente não se suporta mais os outros livros, menos ainda os filósofos. (…) Me disseram que não é possível largar um livro meu quando se o tem nas mãos – que eu perturbo inclusive o descanso noturno…”

não faltam aqueles com os quais a gente pode se comunicar…”

“‘Schopenhauer como educador’ é (…) a minha história mais íntima, incluído meu vir-a-ser.”

P. 101: Sobre a carga de leitura obrigatória em nossas vidas. Sobre o graduar-se e depois despoluir-se. O insuportável de ser uma Soneca! De OUVIR o Ceariba, de ser aconselhado pelo Guilherme, ou por qualquer zé bosta. Achar minha própria essência no período de férias e ir perdendo todo o avanço ao longo do semestre… Fim de um ciclo! Já vinha meditando sobre essa falta do momento épico.

tudo o que é grande, uma obra, uma ação, volta-se – assim que está acabada – sem demora contra aquele que a executou…”

[ARQUIVO] ONE-DIMENSIONAL MAN: Estudos em Ideologia da Sociedade Industrial Avançada, 1964. – Herbert Marcuse

Originalmente publicado em 12 de fevereiro de 2010.

INTRODUÇÃO: A Paralisia da Crítica

Até mesmo a análise mais empírica das alternativas históricas parece especulação irreal, e a adesão a ela uma questão de preferência pessoal (ou grupal).”

  1. AS NOVAS FORMAS DE CONTROLE

Impressões: texto charmoso, períodos curtos e um conhecimento extraordinário: um pastiche de tudo que eu mesmo sei. Não sei se é meu estado de espírito de momento, mas estou rindo das definições do nosso querido Ocidente totalitário.

Como toda a teoria exposta já é minha conhecida (eu diria que é uma arte trezentos sujeitos dizerem a mesma coisa de formas diferentes), vou anotar minhas sensações:

Eu costumo viciar no texto e orientar meu dia por ele – enquanto leio e enquanto a experiência é recente, torturo-me com a perspectiva de “esquecê-lo” e ficar idiota, no que já percebo um auto-deboche, pois não sou eu exatamente, mas o inexorável quadro de humores e superficialidades a que logo somos dragados. E veja: durante o dia 18 conversarei alegremente sobre este livro – hoje, na madrugada do dia 17, eu ainda penso: jamais falarei uma palavra, é “inútil”. Como se minha necessidade fisiológica não estivesse acima dos parâmetros funcionais.

Talvez – talvez – eu esteja ficando maluco e a única medicação que posso tomar é: dosar as leituras em cronogramas diários mais fixos que aqueles que vinha tomando (foda-se O AMANHÃ, pensemos apenas em termos de saúde mental), e bem mais modestos. No máximo 2 capítulos por dia em horário sem sol se o teor deles for tão pesado quanto o deste 1(+INTRO). Logo, para que eu não me sinta mal por estar sendo lerdo ou aquém do que deveria ser na bosta da universidade, me autorizo aqui, expressamente, a demorar… O engraçado é que eu vicio nessa coisa maldita, não consigo passar o dia sem ler. Mas… toda vez que me sentir culpado: “EU NÃO PRECISO MAIS LER NADA NO MUNDO SE NÃO QUISER!”.

  1. O FECHAMENTO DO UNIVERSO POLÍTICO

(…)

  1. A CONQUISTA DA CONSCIÊNCIA INFELIZ: DESSUBLIMAÇÃO REPRESSIVA

Eros e Civilização é considerado a continuação desta obra.

DES-sub… não é perda da OPORTUNIDADE de sublimar, mas é esvaziar o sentido da ação sublimante, quer seja: o onanismo não é mais “proibido”, então como pode constituir alívio quando executado? Banal. Ora, isso (essa liberalização, tolerância) indica a marcha rumo à condição trágica. Sexo como não-vergonha. O sujeito se revoltará menos à medida que a sociedade dá mais vazão a seu inconsciente.

  1. O FECHAMENTO DO UNIVERSO DA LOCUÇÃO

(…)

  1. PENSAMENTO NEGATIVO: A DERROTADA LÓGICA DO PROTESTO

(…)

  1. DO PENSAMENTO NEGATIVO PARA O POSITIVO: RACIONALIDADE TECNOLÓGICA E A LÓGICA DA DOMINAÇÃO

(…)

  1. A VITÓRIA DO PENSAMENTO POSITIVO: FILOSOFIA UNIDIMENSIONAL

Para uma história do positivismo: Saint-Simon, Comte e Fourier.

Wittgenstein: como NÃO filosofar com o martelo.

A limitação da filosofia à descrição degustativa do abacaxi (analítica): não é um problema fundamental, como de onde vem a fruta ou o que se faz para comprá-la, quem dirá “o que é o ser?”.

essa aceitação radical do empírico viola o empírico”

Sim, pode-se falar e pensar daquilo e naquilo que não é”

  1. O COMPROMISSO HISTÓRICO DA FILOSOFIA

(…)

  1. CATÁSTROFE DA LIBERTAÇÃO

(…)

  1. CONCLUSÃO

A verdadeira fisionomia de nossa época se mostra nas novelas de Samuel Beckett”

O protesto social não só não é eficaz como é prejudicial, por iludir a massa de sua eficácia pontual – omitindo a conversão do povo, outrora força revolucionária, em força de coesão.

SILVIA Y BRUNO – Lewis Carroll, Ou o Ovídio moderno. (trad. esp. Axel Alonso Valle)

¿Cuántos aficionados a la lectura (no digamos ya un ciudadano tristemente típico de los que únicamente lee la prensa deportiva o las revistas «del corazón») son capaces de mencionar hoy en día algún otro libro de Carroll aparte de las dos «Alicias»? Muy pocos. Y de esos pocos, la gran mayoría nombraría su otra obra magna, el extenso poema precursor de la literatura del absurdo La caza del snark. No obstante, como en el caso de todos los autores referidos, y de cualquier otro escritor que merezca ser calificado como tal, la producción de Carroll fue muchísimo más abundante.

Podríamos hablar de las decenas de miles de cartas que escribió a lo largo de su vida, muchas de ellas a los cientos de «amiguitas» cuya amistad siempre se esforzó por ganar y cultivar, y que constituían la mayor alegría de su, en ocasiones solitaria, existencia de soltero. (…) una selección de ellas ha merecido publicación en diversas ocasiones. También debemos mencionar sus obras matemáticas, la mayoría de ellas firmadas con su nombre real, Charles Lutwidge Dodgson. (Este siempre deseó mantener separado su alter ego literario de su yo real frente a los desconocidos, pues temía que su faceta de autor de libros infantiles le restara crédito cuando quisiera tratar temas más serios….) Al margen de sus escritos puramente especializados, dirigidos a colegas de profesión y expertos, compuso otros tantos en los que insertaba los problemas matemáticos en relatos o escenas noveladas, mediante los cuales buscaba acercar y popularizar estas materias entre el gran público, mostrar lo divertidas e interesantes que podían llegar a ser si se les daba una presentación lúdica.”

No obstante, como poeta «puro» o serio, Carroll nunca pasó de la segunda fila. Admirador de Blake, Coleridge, Wordsworth o el «poeta laureado» Tennyson, trató de plasmar sus preocupaciones e inquietudes emocionales y espirituales a la manera de estos, pero nunca logró estar a su altura en este ámbito.”

Los dos libros de Silvia y Bruno supusieron el mayor fracaso comercial y de crítica de su autor, pero con la perspectiva que dan los más de 100 años transcurridos desde que viesen la luz, resulta posible valorarlos en su contexto social y temporal, y atendiendo a la influencia que tendrían en escritores posteriores.

Silvia y Bruno y La conclusión de Silvia y Bruno fueron publicados en 1889 y 1893 respectivamente, y se gestaron durante más de 20 años partiendo de un relato breve escrito en 1867 para la revista Aunt Judy’s Magazine, «La venganza de Bruno», en el que el autor conoce a un par de hadas (los hermanos que posteriormente cederían sus nombres para el título de los libros) mientras da un paseo por un bosque en un día muy caluroso.”

Curiosamente, según cuenta el ilustrador de La caza del snark, Henry Holiday, en su

artículo «The Snark’s Significance» [La relevancia del snark], el famoso poema iba en un principio a figurar en Silvia y Bruno, [perfeito paralelo com Jabberwocky] pero la extensión que finalmente alcanzó la composición hizo cambiar de idea a Carroll y que este lo publicase de manera independiente.”

«¡Usted me crea una serie de problemas adicionales al ignorar tanto el texto! He tenido que reescribir varios pasajes, para que esté de acuerdo con la ilustración…», decía Carroll en una de sus cartas.”

De hecho, la imagen de la pequeña Silvia fue una de las cuestiones que más preocupó a Carroll, y que motivó las primeras discusiones. Harry Furniss, en su autobiografía Confessions of a caricaturist [Confesiones de un caricaturista], publicada en 1902, afirmaba haber recibido por carta instrucciones como estas por parte del escritor:

[Silvia y Bruno] no son hadas a lo largo de todo el libro, sino niños. Todas estas condiciones hacen que su vestimenta constituya hasta cierto punto un rompecabezas. No deben tener alas; eso está claro. Y ha de tratarse de ropa completamente normal para la vida londinense. Debería ser lo más extravagante posible, al límite de lo que se considera presentable en sociedad. Tal vez las amistades pudieran decir: «¡Qué ropa más rara llevan estos niños!», pero no deberían poder afirmar: «¡No son humanos!»…”

Ojalá me atreviera a prescindir de toda ropa: los niños desnudos resultan tan perfectamente puros y adorables, pero la Sra. Grundy(*) se pondría furiosa; no es una opción. Entonces la pregunta es: ¿qué cantidad mínima de ropa le satisfaría? (…) Detesto de un modo tan absoluto esa moda monstruosa de los tacones altos (y, de hecho, he planeado atacarla en este mismo libro), que me resultaría seguramente imposible permitir que mi dulce y pequeña heroína fuera víctima de ella.”

(*) Personaje de ficción de la obra Speed the plough («Ara más rápido», 1798) del dramaturgo inglés Thomas Morton (1764-1838), que desde su aparición pasó al imaginario colectivo anglosajón como encarnación del decoro.

¿Podría eliminar esas hombreras de sus mangas? ¿Por qué deberíamos observar deferencia alguna a una moda espantosa que quedará extinta de aquí a un año? Después de la fealdad sin parangón de la «crinolina», pienso que esas mangas de hombros altos son la peor cosa inventada para las damas en nuestra época. ¡Imagínese lo horrorizadas que estarían si una de sus hijas tuviera realmente esa forma!” “también creo que podríamos arriesgarnos a hacer su vestido de hada transparente. ¿No le parece que podríamos enfrentarnos a la Sra. Grundy hasta ese punto?”

Cada una de sus dos partes se abre con un poema acróstico dedicado a una de sus amiguitas; en el tono nostálgico y sombrío de ambos se puede percibir nítidamente el pesar que le produce al escritor verse viejo y solitario, abandonado una y otra vez por sus amiguitas a medida que estas crecían y se casaban, frustrados ya sin solución los anhelos de un lejano en el tiempo ‘mediodía de ensueño’

El primero de los poemas está dedicado a Isa Bowman, quien fuera una de las amiguitas favoritas de Carroll de cualquier época. La conoció en 1886 durante los ensayos del primer musical que se hizo de Alicia en el País de las Maravillas, obra en la que tenía un pequeño papel. Por aquel entonces ella contaba 12 años, y era la mayor de varias hermanas actrices. Carroll quedó muy impresionado por la niña, pero no comenzó a entablar amistad con ella, llevarla de excursión y recibirla como invitada hasta septiembre de 1887. Durante los 8 años siguientes mantuvieron una estrecha relación, por carta y en diversas y frecuentes visitas. Gracias a su intermediación, Isa logró el papel protagonista en la primera reposición del musical de Alicia en 1888, y el escritor consiguió del mismo modo muchos otros trabajos para ella y sus hermanas. Su feliz amistad terminó en 1895 cuando Isa le anunció sus planes de boda, a lo cual él respondió de manera ofendida y agresiva, destrozando unas rosas que la joven, ya veinteañera, llevaba en el cinturón. Aunque Carroll se disculparía enseguida, no tardarían en romper el contacto. El poema que le dedicó en Silvia y Bruno es un doble acróstico: su nombre puede formarse uniendo la primera letra de cada uno de sus nueve versos, agrupados en tercetos monorrimos, o las tres primeras letras de cada uno de estos últimos; una muestra más del desbordante ingenio creativo del autor.”

El segundo poema, el que introduce La conclusión de Silvia y Bruno, es asimismo un acróstico, aunque mucho más sutil: uniendo la tercera letra de cada verso se forma el nombre de Enid Stevens, a la que conoció en 1891 en la casa familiar de esta en Oxford. Enid era la «bella hermana» de 8 años de una de sus alumnas de lógica en la Oxford High School, también amiguita suya. Cohen [mau biógrafo] nos cuenta en su biografía de Carroll: «Su amistad con Enid se fue afianzando poco a poco. La ‘pidió prestada’ a menudo, la llevó a pasear, imprimió tarjetas de visita para ella, la recibió en sus habitaciones, sola o con su madre, para tomar el té, y consiguió que Gertrude Thomson pintase un retrato de ella, que colgó encima de la repisa de su chimenea». Carroll dedicó mucho tiempo y esfuerzo a su amistad con la pequeña Enid, y esta siempre recordó con alegría los años que compartieron entre juegos, meriendas y excursiones. Fue una de sus últimas amiguitas: durante los años finales de vida, invirtió cada vez más tiempo en trabajar y menos en sus relaciones sociales, obsesionado con escribir antes de morir una lista de trabajos que tenía en mente (algunos de los cuales menciona en el prefacio de Silvia y Bruno).”

uno de los poemas, la divertida y descabellada «Canción del jardinero», se extiende a lo largo de todo el libro (con 8 estrofas en el primer volumen, y una última en el segundo). Los críticos coinciden en señalar que esta es posiblemente la composición más conseguida de la obra.”

Hablemos ahora del argumento y los personajes: Silvia y Bruno son una pareja de jóvenes hermanos, de unos 10 y 5 años aproximadamente, hijos del rector o gobernante de Exotilandia, un país fantástico habitado por duendes y vecino de Hadalandia, el país de las hadas, cuyos soberanos son los Titania y Oberón shakespearianos (el propio Bruno, que junto con su hermana experimentará una transformación en hada durante el relato, posee una personalidad traviesa y bulliciosa muy similar a la del Puck de El sueño de una noche de verano).”

el subrector ha urdido una conspiración con el lord canciller para sustituir a su hermano como dirigente vitalicio de Exotilandia aprovechando una ausencia de éste en un viaje al extranjero. Mediante argucias consiguen que el rector firme antes de partir un edicto que nombra a Sibimet emperador de Exotilandia, consiguiendo así su propósito.”

La trama de los pequeños Silvia y Bruno se entrelaza desde el principio con otra que se desarrolla de manera paralela en el mundo real del autor, la Inglaterra del siglo XIX, al cual pertenece el propio narrador de la historia, un anciano heptagenario que, salvo por la diferencia de edad, podría ser perfectamente el propio Carroll.”

Por esta razón, una primera lectura de la obra suele resultar muy confusa, dado que la narración salta frecuentemente de Exotilandia a Inglaterra sin previo aviso –muchas veces en un simple cambio de párrafo, o incluso dentro de uno– con las entradas y salidas en trance del narrador. La historia comienza, por ejemplo, en mitad de una frase y sin poner en situación al lector, lo cual resulta tremendamente desconcertante: el narrador acaba de experimentar bruscamente su primer «viaje astral» a Exotilandia y está observando lo que allí sucede sin que nadie repare en su presencia. Pero no es hasta el segundo capítulo cuando averiguamos que en realidad se encuentra en el interior de un vagón de tren camino a Elveston. Dada la naturaleza «narcoléptica» del narrador, capaz de quedarse «dormido» (esto es, de entrar en trance) en mitad de cualquier conversación, el lector se verá acompañándolo en sus constantes escapadas extracorporales a Exotilandia a lo largo de buena parte del relato, mas debido a la brusquedad de dichas excursiones a veces se sentirá un tanto desubicado.”

Aparte de estos claros paralelismos entre los personajes de uno y otro mundo, sus propios nombres remiten al mundo campestre en que viven duendes y hadas: Silvia, para empezar, significa «habitante del bosque» en su latín originario; el apellido de lady Muriel, Orme, es «olmo» en francés; el de Arthur, Forester, deriva claramente del inglés forest («bosque»); y el de Eric Lindon se parece sospechosamente al también inglés linden («tilo»). El pueblo de pescadores en el que se desarrolla la trama amorosa de Muriel, Eric y Arthur se llama además Elveston, que suena curiosamente parecido a elves-town, «pueblo de los elfos».”

La lengua de trapo de Bruno puede llegar a resultar cargante (¡díganselo a este traductor!), y el exceso de almíbar hace desear en algunos momentos que aparezca en escena la Reina de Corazones gritando «¡que les corten la cabeza!» para ponerle un poco de emoción al asunto.”

Silvia y Bruno, además, constituye la obra de Carroll que mejor nos permite conocer a la persona, Charles L. Dodgson, que hay detrás de la máscara del pseudónimo: sus preocupaciones, anhelos, frustraciones y debilidades. Este libro no es seguramente el más idóneo para alguien que nunca haya pisado el País de las Maravillas, o viajado a bordo del barco que persigue al snark, pero para los que ya se hallan irremediablemente fascinados por ese mundo fantástico y desean conocer en lo más íntimo a su creador (llevándose de propina una buena ración de su genio), Silvia y Bruno es una obra imprescindible.”

Las composiciones originales de Carroll son siempre muy musicales, con una métrica estricta y una rima muy marcada precisamente a tal objeto.”

BLUNO OU BDUNO: “Por último, quisiera explicar brevemente cómo he decidido adaptar el lenguaje infantil de Bruno, cuyas características en inglés no pueden trasladarse directamente a nuestro idioma. En líneas generales, se expresa como una persona adulta, pero he adjudicado a su forma de hablar una serie de particularidades que espero transmitan la sensación de que se trata de un niño de unos cuatro o cinco años: primero, un defecto de rotacismo (dificultad para pronunciar el fonema /r/ –la «r fuerte»–, el cual sustituye continuamente por los fonemas /d/ o /ſ/ –la «r suave»–), muy habitual en los niños que están aprendiendo a hablar; segundo, una tendencia a regularizar formas verbales irregulares y a inventar palabras extrapolando ciertas reglas lingüísticas generales, como las que rigen la formación de los distintos grados del adjetivo, incurriendo en ocasiones en sobrecorrección; tercero, simplificación de grupos consonánticos complejos; y cuarto, desórdenes y otros errores de pronunciación en palabras largas, complicadas o poco comunes. Para facilitar la comprensión de la manera de expresarse del personaje, he señalado en cursiva todas las palabras «alteradas» según el criterio anterior, [mas não tive a paciência de replicá-lo aquí; conquanto é bem óbvio quando acontece!] de manera que el lector pueda localizarlas e interpretarlas con facilidad. Soy consciente de que esto quizá dé gráficamente una impresión de recargamiento al texto, pero he querido destacar la claridad del diálogo por encima de consideraciones estéticas.”

Axel Alonso Valle

* * *

Encorvados con amarga aflicción

o divertidos por alguna escena,

revoloteamos de sol a sol.

La jornada bebemos con sed fiera

y, desde su mediodía de ensueño,

ignoramos el fin que nos espera.”

Y así fue que al final me vi en posesión de una indigesta ensalada de papeles –si el lector tiene la bondad de disculpar el doble sentido– que solamente necesitaba un hilvanado, sobre el hilo conductor de una historia ordenada, para constituir el libro que esperaba escribir. ¡Solamente! La tarea, al principio, parecía completamente irrealizable, y me dio una idea, mucho más clara de lo que nunca había tenido, del significado de la palabra «caos»; y creo que debieron de transcurrir 10 años, o más, antes de que lograra organizar lo suficiente dichos retazos como para ver a qué tipo de historia apuntaban, ya que esta tenía que surgir de los episodios, y no al revés. § No cuento todo esto por un ánimo egotista, sino porque creo de veras que algunos de mis lectores estarán interesados en estos detalles de la «génesis» de un libro, cuestión que, una vez finalizada, parece tan simple y directa que podrían suponer que fue escrito de corrido, página a página, como uno escribiría una carta, comenzando por el principio y terminando por el final.”

No sé si Alicia en el País de las Maravillas era una historia original –yo, al menos, no fui un imitador consciente al escribirla–, mas lo que sí sé es que, desde su publicación, han aparecido alrededor de una docena de libros de cuentos similares, cortados exactamente por el mismo patrón. El camino que yo exploré de forma tímida –creyendo ser «el primero que se había adentrado en ese océano silente»– es ahora una calzada más que transitada: hace tiempo que todas las flores de sus márgenes fueron pisoteadas hasta enterrarlas en el polvo; y estaría exponiéndome al desastre si hiciera una nueva tentativa en ese estilo.”

En primer lugar, una Biblia para niños. Esta obra tendría como única base verdaderamente fundamental pasajes y dibujos cuidadosamente escogidos, apropiados para la lectura de un niño. Un principio de selección, que yo adoptaría, sería que la religión se presentara al niño como una revelación de amor, sin que exista necesidad de angustiar y confundir su mente juvenil con la historia del crimen y el castigo. (Sobre dicho principio omitiría, por ejemplo, la historia del Diluvio Universal.)“El libro debería poseer un tamaño manejable, una cubierta bastante vistosa, un tipo de letra claro y legible y, sobre todo, ¡gran cantidad de dibujos, dibujos y más dibujos!” Por crer que este livro é para adultos… talvez eu seja um adulto que conseguiu ainda conservar ser criança (o mais difícil dos milagres).

Los pensamientos más tristes de todos deben de haber pertenecido a aquellos que imaginaban realmente una existencia de ultratumba, pero una mucho más terrible que la aniquilación: una existencia como espectros vaporosos, intangibles, prácticamente invisibles, errantes, durante interminables eras, en un mundo de sombras, sin nada que hacer, nada por lo que tener esperanza, ¡nada que amar!¹ En mitad de los alegres versos de Horacio, ese genial bon vivant, destaca una pavorosa palabra cuya tristeza absoluta le llega a uno al corazón. Es la palabra exilium en el famoso pasaje:

[¹ Não compreendeu o helenismo!]

Omnes eodem cogimur, omnium

Versatur urna serius ocius

Sors exitura et nos in aeternum

Exilium impositura cymbae.”

Y muchos en estos días, me temo, aun cuando creen en una existencia tras la muerte mucho más real que la que Horacio jamás soñó, la ven pese a todo como una especie de «exilio» de todos los placeres de la vida, por lo que adoptan la teoría de Horacio, y dicen: «comamos y bebamos, pues mañana moriremos».

Asistimos a espectáculos, como el teatro –y digo «asistimos» porque yo también voy a representaciones, siempre que tengo oportunidad de ver una realmente buena–, y mantenemos alejado, si nos es posible, el pensamiento de que quizá no regresemos vivos. ¿Pero cómo sabe usted –querido amigo, cuya paciencia le ha ayudado a soportar este prolijo prefacio– que no será quizá su suerte, cuando la dicha se halle en su punto más álgido, experimentar la afilada punzada, o el mortífero desvanecimiento, que anuncia la crisis final; ver, con vago asombro, a amigos que se inclinan con inquietud sobre usted; escuchar sus susurros cargados de preocupación; tal vez formular usted mismo, con labios temblorosos, la pregunta: «¿Es grave?», y que le digan: «Sí, el fin está cerca» (y ¡oh, qué distinta parecerá la vida cuando se pronuncien esas palabras!)?; ¿cómo sabe usted, digo, que todo eso no le sucederá acaso esta misma noche?”

¡Mañana, y mañana, y mañana!”

Si la idea de una muerte súbita se le presenta, a usted, como algo especialmente aterrador al imaginar que le sucediera en un teatro, entonces no le quepa la menor duda de que este último es pernicioso para usted, por muy inofensivo que pueda ser para otros, y que está corriendo un peligro mortal al ir. Tenga la certeza de que la regla más segura es que no deberíamos atrevernos a vivir en ningún sitio en que no nos atrevamos a morir.” Não morrer na CAPES.

Pero no puedo sino contemplar con profundo asombro y pesar al cazador que, de manera completamente cómoda y segura, puede hallar placer en algo que supone, para una criatura indefensa, un terror extremo y una muerte agónica; más profundo aún, si el cazador es alguien que ha jurado predicar a los hombres la Religión del Amor universal; y más profundo que nada, si resulta ser uno de esos seres «sensibles y delicados», cuyo mismo nombre sirve como símbolo del Amor –«tu amor hacia mí fue maravilloso, superior al de las mujeres»–, ¡y cuya misión en este mundo es sin duda ayudar y consolar a todos los afligidos!

¡Adiós, adiós, invitado!

Mas escucha mis palabras:

plegarias eleva a Dios

quien a hombre y bestia ama.

Más se elevan si se ama

al ratón como al león,

pues nuestro Dios bienamado

ama toda la creación(*).

(*) Los versos pertenecen al final de The rime of the ancient mariner

* * *

algunos vociferaban «¡Pan!» y otros «¡Impuestos!», mas nadie parecía saber

qué era lo que querían en realidad.”

Nunca antes había oído tal clamor… ¡y a esta hora de la mañana, además! ¡Y tan unánime! ¿No le parece algo realmente sorprendente?

Yo apunté, de manera discreta, que mi impresión era que pedían distintas cosas, pero el canciller no escuchó ni por un segundo mi sugerencia.”

¿Es que no puedes mantenerlos juntos? El rector llegará enseguida. ¡Dales la señal para que comiencen la marcha! –Se suponía obviamente que yo no debía oír todo aquello, pero apenas pude evitarlo, teniendo en cuenta que mi barbilla se hallaba prácticamente sobre el hombro del canciller.”

¡Hurra! ¡Abajo! ¡La! ¡Consti! ¡Tución! ¡Menos! ¡Pan! ¡Más! ¡Impuestos!”

¡Buenos días! –saludó el muchachito, dirigiéndose, de un modo más o menos general, al canciller y los camareros–. ¿Sabéis dónde está Silvia? ¡La estoy buscando!

¡Está con el rector, según creo, æ’l! –contestó el canciller con una profunda reverencia. [earl?]

¿Ha venido también el otdo pdofesod? –preguntó Bruno con voz temerosa.

Sí, llegaron juntos. El otro profesor es… bueno, es posible que él no os caiga tan bien. Es algo más «soñador», ¿sabéis?

Ojalá Silvia fuera algo más soñadora –comentó Bruno.

¿A qué te refieres, Bruno? –dijo Silvia.

Dice que no puede, ¿sabes? Pero yo cdeo que no es que no pueda, es que no quiere.

¡Que no puede soñar! –repitió el perplejo rector.

Eso dice –insistió Bruno–. Cuando le digo: «¡Dejemos ya las leciones!», ella dice: «Oh, ¡eso ni soñadlo!».

Siempre quiere dejar las lecciones –explicó Silvia– a los 5 minutos de haber empezado.

¡Cinco minutos de lecciones al día! –dijo el rector–. ¡A ese ritmo no aprenderás mucho, jovencito!

Eso es justo lo que dice Silvia –replicó Bruno–. Dice que no quiero apdended mis leciones. Y yo le digo, una y otda vez, que no puedo hacedlo. ¿Y qué cdees que dice ella? Dice: «No es que no puedas, ¡es que no quieres!».

Vayamos a ver al profesor –dijo el rector, evitando sabiamente continuar con la discusión. Los niños se bajaron de sus rodillas, cada uno de ellos agarró una mano, y el feliz trío echó a andar hacia la biblioteca, conmigo detrás. Para entonces, yo había llegado ya a la conclusión de que nadie (a excepción, durante unos breves momentos, del lord canciller) era capaz en absoluto de verme.

¿Y qué le pasa? –preguntó Silvia, caminando de manera un poco más tranquila de lo normal, con idea de servir de ejemplo a Bruno, el cual no paraba de brincar al otro lado.

Lo que le pasaba, aunque espero que ya esté recuperado, era lumbago, reumatismo y esa clase de cosas. Ha estado tratándose a sí mismo, ¿sabéis?: es un doctor muy sabio. De hecho, ha inventado 3 nuevas enfermedades, ¡además de una nueva forma de romperse la clavícula!

Un hombre regordete y de aspecto jovial, ataviado con una toga floreada y con un libro de gran tamaño debajo de cada brazo, entró con paso presto por el extremo contrario de la sala, y empezó a cruzarla en línea recta sin reparar en los niños.

Estoy buscando el tercer volumen –dijo–. ¿Por un casual no lo habrá visto?”

¡Es a mis hijos a quienes no está viendo usted, profesor! –exclamó el rector, agarrándolo por los hombros y dándole la vuelta para que los mirara.

El profesor se carcajeó con fuerza: después los observó atentamente a través de sus grandes anteojos, durante unos instantes, sin decir nada.

Finalmente, se dirigió a Bruno:

Espero que hayas pasado una buena noche, hijo.

Bruno puso cara de desconcierto.

He pasado la misma noche que usted –contestó–. ¡Sólo ha habido una desde ayed!

¿Son pupilos de alguien? –preguntó.

No, no lo somos –saltó Bruno, el cual creía estar perfectamente capacitado para responder aquella pregunta él mismo.

El profesor meneó la cabeza apenado.

¿Ni siquiera a media jornada?

¿Pod qué íbamos a sedlo a media jodnada? –repuso Bruno–. ¡No somos ojos!

Ah, ¿y en qué dirección? –contestó el rector, añadiendo hacia los niños–: Tampoco es que me importe. Lo que pasa es que él cree que afecta al tiempo. Es un hombre maravillosamente listo, ¿sabéis? A veces dice cosas que sólo es capaz de entender el otro profesor. ¡Y a veces dice cosas que nadie es capaz de entender! ¿Cuál es la dirección, profesor? ¿Arriba o abajo?

¡Ninguna de las dos! –dijo el profesor, dando una suave palmada–. Se está poniendo de lado, si es que puede expresarse así.

¿Y qué clase de tiempo produce eso? –indagó el rector–. ¡Atended, niños! ¡Vais a oír algo que vale la pena saber!

Tiempo horizontal –señaló el profesor, y luego salió directo hacia la puerta, de tal modo que a puntísimo estuvo de pasarle por encima a Bruno, el cual logró apartarse de su camino por los pelos.

¿Verdad que es sabio? –dijo el rector, siguiéndolo con la mirada, una llena de admiración–. Decididamente, ¡su nivel de conocimientos resulta arrollador!

¿Pero de qué sirve llevar paraguas alrededor de las rodillas?

Con lluvia normal –admitió el profesor– no servirían de mucho. Pero si alguna vez lloviera en horizontal, no tendrían precio, ¿sabéis?… ¡sencillamente no tendrían precio!

Y esta es, por supuesto, la escena inicial del primer volumen. Ella es la heroína. Y yo soy uno de esos personajes secundarios que únicamente hacen acto de presencia cuando el desarrollo de su destino lo requiere, y cuya última aparición se da en el exterior de la iglesia, ¡mientras esperan para felicitar a la feliz pareja!.”

«¡… no podía presentárseme mejor ocasión para un experimento telepático! Imaginaré su rostro y luego compararé el retrato con el original»

Al principio, ningún resultado coronó mis esfuerzos, aunque «dividí mi ágil mente» por aquí y por allá, de un modo que estaba seguro habría hecho a Eneas ponerse verde de envidia: pero el óvalo vislumbrado seguía tan provocadoramente vacío como siempre; una simple elipse, como de algún diagrama matemático, sin ni siquiera los focos a los que podría habérseles asignado los papeles de nariz y boca.”

Con cada una de aquellas visiones fugaces, el rostro parecía tornarse más infantil e inocente y, cuando por fin logré eliminar por completo el velo con mi mente, se trataba, inconfundiblemente, ¡de la preciosa cara de la pequeña Silvia!

«¡De modo que, o bien he estado soñando con Silvia –me dije– y esta es la realidad, o he estado realmente con ella, y esto es un sueño! ¡Me pregunto si no será la propia vida un sueño!»

«¡Oh, la noche del viernes! ¡Cuán lejos queda aún!»

«Es un hombre demasiado sensible –pensé– para haberse vuelto un fatalista. ¿Mas qué otra cosa puede querer decir con eso?»

¿Crees en el destino?

La hermosa desconocida giró la cabeza enseguida ante la súbita pregunta.

¡No, no creo! –dijo sonriendo–. ¿Y usted?

¡No… no era mi intención hacerle esa pregunta! –tartamudeé, sorprendido por haber iniciado una conversación de un modo tan poco convencional.

La sonrisa de la dama mudó en risa: no una de burla, sino la risa de una niña feliz que se siente totalmente cómoda.

¿Ah, no? –dijo–. ¿Entonces ha sido un caso de lo que ustedes los médicos llaman «cerebración inconsciente»?

No soy médico –repuse–. ¿Acaso lo parezco? ¿O qué le hace pensar eso?

Ella señaló el libro que yo había estado leyendo, el cual descansaba de tal modo que su título, Enfermedades cardiacas, quedaba claramente a la vista.

¡Existe tanta ciencia escrita que nadie ha leído jamás; y hay tanta ciencia pensada que aún no ha sido escrita! Mas, si se refiere a toda la raza humana, entonces pienso que ganan las mentes: todo lo registrado en los libros debe haber estado antes en la mente de alguien, ya sabe.”

¡Me temo que algunos libros quedarían reducidos a papel en blanco! –observó.

Así es. La mayoría de las bibliotecas se verían terriblemente menguadas en volumen. ¡Pero considere tan sólo lo que ganarían en calidad!

* * *

Uggug, cielo, ¡ven y siéntate conmigo!”

¡El golfo siempre se las arregla para tirar su café!”

milady era la esposa del subrector (…) Uggug (un niño gordo y feísimo, aproximadamente de la misma edad que Silvia, con la expresión de un cerdo campeón de un concurso de peso) era el hijo de ambos. Silvia y Bruno, junto con el lord canciller, completaban un grupo de 7 personas.”

Se trata, de hecho, de un problema muy simple de hidrodinámica. (Lo cual quiere decir una combinación de agua y fuerzas.) Si consideramos una piscina, y un hombre de gran fuerza (como es mi caso) que se dispone a zambullirse en ella, tenemos un ejemplo perfecto de esta ciencia. He de admitir –continuó el profesor, en tono más bajo y con la mirada gacha– que necesitamos un hombre de fuerza excepcional. Debe ser capaz de elevarse desde el suelo de un salto hasta aproximadamente el doble de su propia altura, girando en el aire a medida que asciende, para así caer de cabeza.”

Supongamos –prosiguió, doblando su servilleta en un elegante festón– que esto representa lo que quizá sea la gran necesidad de nuestra era: la Piscina Portátil del Turista Activo. Uno puede referirse a ella de manera abreviada, si lo desea –añadió mirando al canciller–, mediante la sigla PPTA.”

Una gran ventaja de esta piscina –retomó el profesor su explicación– es que requiere solamente unos 2 litros de agua…

¡Yo no llamaría a eso piscina –observó su subexcelencia– a menos que su Turista Activo se sumerja por completo!

Y en ese instante la sala se vio invadida por un clamor áspero y confuso, en el que las únicas palabras audibles eran: «¡Menos… pan! ¡Más… impuestos!». El anciano estalló en carcajadas.” “Y esta vez las palabras se oyeron con absoluta claridad, y con la precisión del tictac de un reloj: «¡Más… pan! ¡Menos… impuestos!».”

— …Pero ¿qué quieren decir con «menos impuestos»? ¿Cómo pueden bajar más? ¡Abolí el último de ellos hace un mes!

¡Ha sido restablecido, æ’l, y por propia orden de su æ’l! –dicho lo cual, presentó otros edictos para que los examinara.

¡Todo está resuelto! –anunció el rector, sin perder el tiempo en preliminares–. La subrectoría ha sido suprimida, y mi hermano designado para actuar como vicerrector siempre que me halle ausente. De modo que, como voy a estar de viaje en el extranjero durante una temporada, asumirá sus nuevas funciones de inmediato.

Milady sonrió en aprobación de la opinión de su esposo, y continuó:

¿Soy entonces yo obicerrectora?

Si decides emplear ese título… –asintió el rector–, pero el tratamiento apropiado será «excelencia». Y confío en que «sus excelencias» respetarán el acuerdo que he preparado. La disposición que más me preocupa es la siguiente –desenrolló un pergamino de gran tamaño y leyó en voz alta–: «Ítem: que trataremos con amabilidad a los pobres». El canciller lo redactó por mí –añadió, mirando al alto funcionario–. Supongo que la palabra «ítem» tiene un profundo

significado legal, ¿no?”

¿No habría que leerlo antes en alto? –inquirió milady.

¡No hace falta, no hace falta! –exclamaron al mismo tiempo el subrector y el canciller, con febril entusiasmo.

En absoluto –convino el rector en tono suave–. Tu esposo y yo lo hemos revisado juntos. Establece que él ejercerá la total autoridad de rector, y que podrá disponer de la renta anual adscrita al cargo, hasta mi regreso o, de no producirse, hasta que Bruno alcance la mayoría de edad; y que entonces deberá ceder, a Bruno o a mí según sea el caso, la rectoría, la renta no gastada y el contenido del Tesoro, el cual ha de conservarse, intacto, bajo su cuidado.

Las despedidas, mejores cuanto más cortas –dijo el rector–. Todo está listo para mi viaje. Mis hijos están esperando abajo para decirme adiós. –Besó de forma solemne a milady, estrechó las manos de su hermano y del canciller, y se fue de la sala.

Los 3 aguardaron en silencio hasta que el sonido de unas ruedas anunció que el rector se encontraba ya lo suficientemente lejos; entonces, para mi sorpresa, empezaron a carcajearse de manera incontrolable.

¡Qué gran ardid, oh, qué gran ardid! –exclamó el canciller. Tras lo cual el vicerrector y él unieron sus manos y se pusieron a dar grandes brincos por la sala. Milady era demasiado digna para brincar, pero emitió una risa parecida al relincho de un caballo, y agitó su pañuelo sobre su cabeza: estaba claro para su muy limitado entendimiento que se había hecho algo muy inteligente, pero aún no sabía el qué.

Este es el que leyó pero no firmó, ¡y este el que firmó pero no leyó! Ya has visto que estaba todo tapado, salvo el espacio donde había que firmar…”

“…«Ítem: que ejercerá la autoridad de rector, en ausencia de este». ¡Oh!, eso ha sido cambiado a «que será gobernador vitalicio absoluto, con el título de emperador, si es elegido por el pueblo para tal cargo». ¿¡Qué!? ¿Eres emperador, cielo?”

Aún no, querida –contestó el vicerrector–. Por el momento, no basta con enseñar este papel. Todo a su debido tiempo.”

«Ítem: que trataremos con amabilidad a los pobres». ¡Eso se ha omitido por completo!

¡Pues claro! –dijo su esposo–. ¡No vamos a preocuparnos por los miserables!

Estupendo –contestó milady, con gran énfasis, y retomó de nuevo la lectura–: «Ítem: que el contenido del Tesoro sea conservado intacto». ¡Caramba, eso se ha cambiado a «estará a la absoluta disposición del vicerrector»! ¡Oh, Sibi, qué truco más astuto! ¡Sólo imagínatelo: todas las joyas! ¿Puedo ir a ponérmelas directamente?

Esto… todavía no, amorcito –repuso de manera incómoda su esposo–. Entiende que la opinión pública aún no está del todo lista para ello. Debemos ir con tiento. Por supuesto tendremos el carruaje para nosotros de inmediato. Y yo tomaré el título de emperador tan pronto como podamos celebrar elecciones. Pero será difícil que toleren que usemos las joyas mientras sepan que el rector sigue vivo. Debemos extender el rumor de que ha muerto. Una pequeña conspiración…

¡Una conspiración! –gritó contentísima la dama, dando palmas–. ¡Qué sorpresa, me encantan las conspiraciones! ¡Con lo interesantes que son!

¡Comed, y no lloréis! –fueron sus escuetas y sencillas órdenes, y los pobres niños se sentaron uno junto al otro, pero no parecían tener ganas de comer.”

¡Aquí tienes agua, bébetela! –bramó Uggug, vertiendo una jarra de agua sobre la cabeza del viejo.

¡Bien hecho, hijo! –gritó el vicerrector–. ¡Así es como hay que tratar a esa gente, para que aprenda!

¡Qué niño más listo! –convino la vicerrectora–. ¿Verdad que es muy alegre?

¡Que lo muelan a palos! –voceó el vicerrector, mientras el viejo pordiosero sacudía el agua de su capa raída y volvía a levantar la vista en actitud sumisa.

Por cierto, el viejo acuerdo decía algo sobre que Bruno heredaría la rectoría –recordó milady–. ¿Cómo queda eso en el nuevo? El canciller soltó una risita.

Exactamente igual, palabra por palabra –dijo–, con una salvedad, milady. En vez de «Bruno», me he tomado la libertad de poner… –bajó la voz hasta un susurro– ¡de poner «Uggug», ya sabe!

¡Uggug, cómo no! –exclamé, en un arranque de indignación que no pude seguir conteniendo. Pronunciar incluso aquella única palabra me resultó un esfuerzo titánico; mas, una vez proferido aquel grito, todo esfuerzo cesó de inmediato: la escena entera desapareció barrida por una ráfaga de viento y me vi incorporado en mi asiento, con la mirada fija en la joven dama del rincón opuesto del vagón, la cual se había levantado el velo del rostro, y me observaba con una expresión de divertida sorpresa.

Si hubiera tenido una novela de terror en las manos –continuó ella–, algo sobre fantasmas o dinamita, o asesinatos a medianoche, resultaría comprensible: esas historias no valen el chelín que cuestan a menos que le causen a uno pesadillas.

aparentaba ser, prácticamente, una chiquilla: imaginé que apenas habría cumplido los 20 años (…) «No obstante –cavilé–, en otros 10 años, Silvia tendrá su aspecto, y hablará como ella.»

“…Los fantasmas de tren corrientes… quiero decir, los fantasmas de la literatura de trenes corriente, son algo lamentable. Me siento inclinada a decir, con Alexander Selkirk(*): «¡Su mansedumbre resulta pasmosa!». Y nunca llevan a cabo ningún asesinato a medianoche. ¡No podrían «revolcarse en sangre» para salvar sus vidas!

(*) Marinero escocés (1676-1721) famoso por haber vivido solo durante 4 años y 4 meses (de 1704 a 1709) en una isla entonces deshabitada del archipiélago de Juan Férnandez, en Chile. Se cree que Daniel Defoe se inspiró en parte en su historia para la creación de su novela Robinson Crusoe. El verso mencionado por la dama no es en realidad de Selkirk, sino del poeta inglés William Cowper (1731-1800), autor de The solitude of Alexander Selkirk («La soledad de Alexander Selkirk»), obra también inspirada en las experiencias del marinero. [N. del T.]

«Revolcarse en sangre» es una frase muy expresiva, ciertamente. Me pregunto si es aplicable a cualquier fluido.

Creo que no –contestó enseguida la dama, como si ya hubiera reflexionado sobre ello, hacía largo tiempo–. Ha de ser algo espeso. Por ejemplo, podría revolcarse en salsa de pan. Esta, al ser blanca, resultaría más apropiada para un fantasma, ¡suponiendo que quisiera revolcarse!”

«¡Ser un septuagenario, calvo y con anteojos tiene sus ventajas después de todo! –me dije–. En vez de un joven tímido y una doncella, intercambiando monosílabos con voz entrecortada entre terribles silencios, nos encontramos aquí con un anciano y una chiquilla, totalmente a sus anchas, ¡charlando como si se conociesen desde hace años!»

¿Cree usted entonces –proseguí en voz alta– que en ocasiones deberíamos pedirle a un fantasma que se sentase? ¿Acaso poseemos autoridad alguna para ello? En Shakespeare, por ejemplo… ahí aparecen muchos… ¿hace Shakespeare alguna vez la acotación: «Cede una silla al fantasma»?

La dama adoptó una expresión intrigada y pensativa durante un instante: luego hizo un ademán de aplauso.

¡Sí, así es! –gritó–. Le hace decir a Hamlet: «¡Descansa, descansa, espíritu turbado!».”

calló entre risas argentinas.”

Shakespeare debió de viajar en tren, aunque fuera únicamente en sueños: «espíritu turbado» es una frase realmente acertada. —«Turbado» en referencia, sin duda –se reincorporó ella a la charla–, a los sensacionales libritos que suelen leerse principalmente en los trenes. El vapor, cuando menos, ¡ha servido para generar un tipo completamente nuevo de literatura inglesa!

Sin duda –repetí yo–. El verdadero origen de todos nuestros libros de medicina… y de cocina…

¡No, no! –interrumpió ella de manera jovial–. ¡No hablaba de nuestra literatura! Nosotros somos bastante atípicos. Pero las emocionantes novelitas románticas, en las que el asesinato aparece en la página 15, y la boda en la 40, se deben con seguridad al vapor, ¿no le parece?

Y cuando viajemos por medio de la electricidad, si me permite desarrollar su teoría, tendremos folletos en vez de libritos, y el asesinato y la boda se producirán en la misma página.

¡Un desarrollo digno de Darwin! –exclamó la dama con entusiasmo–. Sólo que usted invierte su teoría. En vez de convertir un ratón en un elefante, ¡usted haría lo contrario! –Mas entonces nos metimos en un túnel, y yo me retrepé en mi asiento y cerré los ojos por un momento, tratando de recordar algunos de los incidentes de mi reciente sueño.

Creyó ver un elefante

que alto un pífano tocaba;

mas luego advirtió que era,

de su esposa, una carta.

Por fin me doy cuenta –dijo–:

¡esta vida es bien amarga!

¡Y menudo personaje disparatado cantaba tales disparates! Parecía tratarse de un jardinero; aunque uno loco, sin duda, por el modo en que blandía su rastrillo; más loco, por cómo, de tanto en tanto, rompía a bailar con frenesí; ¡más loco que nadie, por el alarido con el que profirió los últimos versos de la estrofa!

Hasta cierto punto estaba describiéndose a sí mismo, pues tenía los pies de un elefante: pero el resto de él era piel y hueso; y las briznas de paja suelta que le sobresalían por todas partes parecían indicar que en un principio llevaba esta metida bajo la ropa, y que prácticamente toda ella se le había salido ya.

Silvia y Bruno esperaron pacientemente hasta el final de la primera estrofa. Entonces Silvia se aproximó sola (dado que a Bruno le había entrado una repentina vergüenza) y se presentó tímidamente diciendo:

Disculpe, ¡me llamo Silvia!

¿Y quién es esa otra cosa? –preguntó el jardinero.

¿Qué cosa? –dijo Silvia, girándose–. Oh, ese es Bruno. Es mi hermano.

¿Era tu hermano ayer? –inquirió el jardinero ansiosamente.

¡Pues claro! –exclamó Bruno, que se había acercado poquito a poco, y al que no le gustaba nada que se hablara de él sin tomar parte en la conversación.

¡Ah, bien! –dijo el jardinero con una especie de gruñido–. Aquí las cosas cambian así. ¡Cada vez que miro se ha transformado por fuerza en algo distinto! Pero a pesar de ello, ¡hago mi tarea! Me levanto a las 5 con el canto del gallo…”

¡Recuerda que pájaro durmiente, tarde hincha el vientre!”

“…A mí no me gustan nada los gusanos. ¡Siempde me quedo en la cama hasta que el gallo se los ha comido todos!

¡Qué cara tienes para contarme un cuento como ese! –exclamó el jardinero.

A lo cual Bruno contestó sabiamente:

No hace falta tened cara para contad un cuento: sólo boca.”

El viejo pordiosero debía de estar muy sordo, ya que hizo caso totalmente omiso a los vehementes gritos de Bruno, y continuó andando con gran esfuerzo y agotamiento, sin detenerse ni un instante hasta que los niños se colocaron delante de él y le ofrecieron el trozo de bizcocho. El pobre chiquillo estaba completamente sofocado, y sólo pudo articular la palabra: «¡Bicicocho!», no con la sombría decisión con la que la había pronunciado su excelencia de forma tan reciente, sino con una encantadora timidez infantil, levantando la vista hacia el rostro del anciano con ojos que amaban «al ratón como al león».

El anciano le quitó el bizcocho de las manos y lo devoró ansiosamente, como habría hecho una hambrienta bestia salvaje, mas no correspondió a su pequeño benefactor con ninguna palabra de agradecimiento; únicamente gruñó: «¡Más, más!», y clavó una mirada feroz en los niños, que se asustaron un poco.

¡No hay más! –dijo Silvia con lágrimas en los ojos–. Yo me he comido el mío. Fue vergonzoso dejar que lo echaran de ese modo. Lo siento mucho…

No escuché el resto de la frase, pues mis pensamientos habían regresado, con gran sorpresa, a lady Muriel Orme, quien había pronunciado hacía nada aquellas mismas palabras de Silvia; así es, y con la misma voz de esta, ¡y con sus ojos amables y suplicantes!”

Cuando el arbusto desapareció por completo de nuestra vista, se reveló una escalera de mármol que descendía en la negrura. El anciano abrió la marcha, y nosotros lo seguimos expectantes.” “un extraño resplandor argénteo, que parecía darse en el aire, ya que no había lámparas a la vista, y, cuando por fin llegamos a una zona de suelo llano, la sala en la que nos encontramos estaba iluminada casi como a plena luz del día.”

En otro lugar, tal vez, me habría maravillado ver frutas y flores creciendo juntas; allí, mi mayor asombro era que jamás había contemplado antes frutas o flores como aquellas. Por encima de ellas, cada muro albergaba una vidriera circular, y rematando todo había una cúpula que parecía estar cubierta por entero de joyas.

Con asombro escasamente menor, me giré hacia un lado y a otro, tratando de averiguar cómo habíamos logrado entrar en la sala, pues no había ninguna puerta y todas las paredes se hallaban cubiertas por las preciosas y tupidas enredaderas.”

¡Padre, padre! –repitió Bruno, y, mientras los felices niños recibían abrazos y besos, yo no pude hacer otra cosa que frotarme los ojos y decir: «¿Adónde han ido los harapos?», pues el anciano estaba vestido ahora con ropajes reales que centelleaban con joyas y bordados de oro, y llevaba ceñida en torno a la cabeza una corona del mismo metal precioso.

¿Dónde estamos, padre? –susurró Silvia, abrazando con fuerza el cuello del anciano, y con su mejilla sonrosada apretada afectuosamente contra la de él.

En Elfolandia, cariño. Es una de las provincias de Hadalandia.

Pero yo creía que Elfolandia estaba lejísimos de Exotilandia, ¡y hemos recorrido una distancia ridícula!

Vinisteis por el Camino Real, cielo. Sólo aquellos de sangre real pueden viajar por él, pero tú lo eres desde que me nombraron rey de Elfolandia, lo cual fue hace casi un mes. Enviaron 2 embajadores para asegurarse de que su invitación, para ser su nuevo soberano, me llegara. Uno era un príncipe, de modo que pudo venir por el Camino Real, y hacerlo sin que nadie salvo yo lo viera; el otro era un barón, así que tuvo que viajar por el camino normal, y me imagino que aún no ha llegado.

¿Entonces cuánto hemos viajado? –inquirió Silvia.

Sólo unas mil millas, cielo, desde que el jardinero os abrió la puerta.

¡Mil millas! –repitió Bruno–. ¿Puedo comedme una?

¿Comerte una milla, pequeño granuja?

No –corrigió Bruno–. Me defiero a si puedo comedme una de esas fdutas.

Bruno corrió entusiasmado a la pared y cogió una fruta cuya forma era similar a la de un plátano, pero que tenía el color de una fresa.

Se la comió con una sonrisa de felicidad que fue decayendo gradualmente, hasta convertirse, cuando se la hubo terminado, en un rostro verdaderamente apático.”

Lo son para vosotros, cariño, porque no pertenecéis a Elfolandia, todavía. Pero para mí son reales.

Bruno puso cara de extrañeza.

Yo mismo intenté coger unas cuantas, pero era como tratar de asir el aire, así que me rendí al poco tiempo y regresé junto a Silvia.”

un guardapelo en forma de corazón, tallado aparentemente a partir de una única gema, de un vivo color azul, con una fina cadenita de oro unida a él.”

Ahora, Silvia, mira esto. –Y le mostró, sobre la palma de su mano, un guardapelo de un intenso color carmesí, con la misma forma que el azul y, como este último, unido a una delicada cadenita de oro.”

¡Y este también tiene unas palabdas! –señaló Bruno–. Silvia… querá… a… todos.

Ahora ves la diferencia –dijo el anciano–: colores y palabras diferentes. Escoge uno de ellos, tesoro. Te daré el que más te guste.

Es muy agradable que te quieran –apuntó–, ¡pero más aún querer a otras personas! ¿Puedo quedarme el rojo, padre?

El anciano no respondió, pero pude ver que sus ojos se llenaban de lágrimas cuando bajó la cabeza y apretó sus labios contra la frente de Silvia en un largo y cariñoso beso.

Me asaltó nuevamente una sensación de desconcierto respecto a cómo íbamos a lograr regresar –pues daba por sentado que adonde quiera que fueran los niños, yo los acompañaría–, pero por sus mentes no pareció pasar ni la más mínima sombra de duda, mientras abrazaban y besaban a su padre, susurrando, una y otra vez: «¡Adiós, querido padre!». Y entonces, de forma veloz y repentina, la oscuridad de la medianoche pareció caer sobre nosotros, y a través de ella resonó de manera estridente una extraña y alocada canción:

Creyó ver a la repisa

un búfalo encaramado:

mas luego advirtió que era

sobrina de su cuñado.

«¡Si no te largas ya –dijo–

la poli vendrá volando!»

¿Quiénes son tus allegados? –preguntó Bruno.

¡Pues sea quien sea el que ha llegado, por supuesto! –respondió el jardinero–. Ya podéis pasar, si queréis.

Pequeña, como ves, pero más que suficiente para los dos. Siéntate en el sillón, viejo amigo, ¡y deja que te eche otro vistazo! Pues, ciertamente, ¡sí se te ve un poco abatido! –dijo, y adoptó un solemne aire profesional–. Prescribo ozono, quantum sufficit; disipación social, fiant pilulae quam plurimae(*): ¡tómense, en banquetes, 3 veces al día!

(*) «háganse píldoras en abundancia».

* * *

¡Pero doctor! –protesté–. ¡La alta sociedad no «recibe» 3 veces al día!

¡Eso es lo que usted se cree! –contestó alegremente el joven médico–. En casa, tenis sobre hierba, 3 de la tarde. En casa, piscolabis, 5 de la tarde. En casa, música (en Elveston no se invita a cenar), 8 de la tarde. Carruajes a las 10. ¡Ahí lo tiene!

Sí… la conozco. –Y el serio doctor se ruborizó ligeramente al añadir–: Sí, coincido contigo. Es realmente hermosa.

¡Casi me enamoro perdidamente de ella! –Proseguí con picardía–. Hablamos…

¡Cena algo! –Interrumpió Arthur¹ con aire de alivio, cuando la criada entró con la bandeja. Y resistió firmemente todos mis intentos de volver al tema de lady Muriel hasta que la tarde prácticamente se hubo agotado. Entonces, cuando nos hallábamos sentados contemplando el fuego y la conversación derivaba en silencio, realizó una apresurada confesión.

No tenía intención de contarte nada sobre ella –dijo (sin dar ningún nombre, ¡como si no hubiera más que una «ella» en el mundo!)– hasta que la hubieras visto algo más y te hubieras formado una opinión propia; pero de algún modo me lo sonsacaste. Y no he dicho una palabra de esto a nadie más. ¡Pero a ti sí puedo confiarte un secreto, viejo amigo! ¡Así es! Lo que supongo dijiste en broma, ¡es cierto en mi caso!

¡No fue nada más que eso, créeme! –dije con sinceridad–. ¡Cielo santo, hombre, si le triplico la edad! Pero si es tu elegida, entonces no me cabe duda de que no hay persona más buena…

…ni dulce –continuó Arthur–, ni pura, ni abnegada, ni sincera, ni… –y calló bruscamente, como si no pudiera confiar en sí mismo para seguir hablando sobre una cuestión tan sagrada y preciosa.

¹ Curiosamente Arthur & Sylvia são os nomes dos pais do garoto (o terceiro de 5 filhos homens) que inspirou outro ícone das novelas infantis, ao lado das de Carroll: Peter Llewelyn Davies, depois transfigurado por James Barrie em Peter Pan (1904)! Outra coincidência: Peter Davies serviu – e foi condecorado – na I Guerra; já dois filhos de Alice Liddell, a “Alice do mundo real”, foram mortos no confronto – não que filhos de europeus famosos morrendo ou se destacando com bravura numa guerra européia em grande escala fosse uma ‘ocorrência rara’, mas só ao não serem plebeus já se torna algo pitoresco… Curiosamente, enquanto Alice Liddell nunca sofreu por ser protagonista de um livro (e, ademais, suas semelhanças com a heroína ficcional são esparsas), ao contrário, rendendo-lhe fama e dinheiro até o fim dos dias, Peter Davies terminou se suicidando por nunca conseguir se livrar da associação ao “menino que nunca amadurece” (os tablóides ingleses estamparam, no início dos 1960: Morre Peter Pan atropelado por um trem…)! Peter Davies, uma casa editorial, foi fundada por ele.

Me los imaginé paseando juntos, tranquila y amorosamente, bajo un dosel de árboles, en un precioso jardín de su propiedad, y recibiendo la bienvenida de su fiel jardinero, a su vuelta de alguna breve excursión.

Parecía bastante natural que este último se sintiera desbordado de gozo ante el regreso de un señor y una señora tan encantadores –¡y qué aspecto más extrañamente infantil tenían! Podría haberlos confundido con Silvia y Bruno–; ¡pero menos natural que lo expresara con bailes tan alocados y canciones tan delirantes!

Creyó ver una serpiente

que en griego lo interrogaba;

mas luego advirtió que era

un jueves de otra semana.

«¡Lo que sí lamento –dijo–

es que ahora ya no habla!»

…y menos natural que nada que el vicerrector y milady se encontraran a mi lado, hablando acerca de una carta abierta que el profesor, quien aguardaba en actitud dócil a pocos metros, acababa de entregarle.”

«…y por ello le rogamos gentilmente que acepte la corona, para la cual ha sido elegido de manera unánime por el Consejo de Elfolandia; y que permita que su hijo Bruno (cuya bondad, inteligencia y belleza han llegado a nuestros oídos) sea considerado príncipe heredero»

¡No seas tonta, y deja de decir sandeces! Nuestra única oportunidad es que no vea a esos 2 mocosos. Si eres capaz de lograrlo, puedes dejarme el resto a mí. Yo le haré creer que Uggug es un dechado de inteligencia y todo eso.

Está claro que tenemos que cambiarle el nombre por el de Bruno, ¿no? –aventuró milady.

El vicerrector se frotó la barbilla.

¡Hum! ¡No! –dijo cavilante–. No serviría. El niño es tan rematadamente idiota que jamás aprendería a contestar a él.

¡Cómo que idiota! –gritó milady–. ¡No es más idiota que yo!

Tienes razón, querida –contestó en tono sedante el vicerrector–. ¡Desde luego que no!

Milady se quedó contenta.

Su adiposidad el barón Doppelgeist.

¿Por qué se presenta con un nombre tan raro? –dijo milady.

Le fue imposible cambiárselo durante el viaje –respondió mansamente el profesor– porque venía cargado.

Ve tú a recibirlo –le indicó milady al vicerrector– y yo me ocuparé de los niños.

Bueno, así es –respondió, agachando modestamente la mirada–. Mis ancestros fueron todos célebres por su genio militar.

Milady sonrió gentilmente.

Se trata a menudo de algo hereditario –comentó–; igual que el amor por la repostería. [confeitaria]

El barón pareció ofenderse ligeramente, y el vicerrector cambió de tema de manera sutil.

La cena estará pronto lista –dijo–. ¿Me concede el honor de acompañar a su adiposidad a la habitación de invitados?

¡Desde luego, desde luego! –asintió con entusiasmo el barón–. ¡Nunca se debe hacer esperar a la cena! –Dicho lo cual, salió de la sala casi al trote siguiendo al vicerrector.

Cierto –asintió el barón–. El enemigo, como iba diciendo, nos superaba ampliamente en número, pero yo marché con mis hombres directamente al corazón de… ¿qué es eso? –exclamó el héroe bélico en tono agitado, colocándose detrás del vicerrector, cuando una extraña criatura se lanzó como loca hacia ellos, blandiendo una pala.

Sólo es el jardinero –respondió el vicerrector en tono alentador–. Es totalmente inofensivo, se lo aseguro. ¡Escuche, está cantando! Es su pasatiempo favorito. Y una vez más volvieron a oírse aquellas agudas notas discordantes:

Creyó ver bajar de un bus

a un empleado de banca;

mas luego advirtió que era

un hipopótamo: «¡Hala!

Si a cenar viniese –dijo–

¡no dejaría migaja!».

El barón pareció de nuevo ligeramente ofendido, pero el vicerrector se apresuró a explicar que la canción no se refería a él, y que, de hecho, no tenía ningún sentido.”

Permítame presentarle a mi hijo –dijo el vicerrector; añadiendo, en un susurro–, ¡uno de los muchachos más sobresalientes y listos que jamás ha habido! Trataré de que le demuestre parte de su inteligencia. Sabe todo lo que los demás muchachos desconocen, y en tiro con arco, pesca, pintura y música, sus dotes son… pero júzguelo usted mismo. ¿Ve aquella diana de allí? Va a dispararle una flecha. Querido muchacho —dijo a continuación en voz alta–, a su adiposidad le complacería verte disparar. ¡Traed el arco y las flechas de su alteza!

Uggug puso una cara de gran enfurruñamiento cuando le entregaron el arco y la flecha, y se preparó para el disparo. Nada más salir volando el proyectil, el vicerrector propinó un fuerte pisotón en la punta del pie al barón, que profirió un grito de dolor.

¡Sostenía el arco con tamaña torpeza que parecía imposible!–musitó. Pero no cabía ninguna duda: allí estaba la flecha, ¡justo en el centro de la diana!

El lago está ahí al lado –dijo a continuación el vicerrector–. ¡Traed la caña de pescar de su alteza! –Y Uggug sujetó la caña de malísima gana, y dejó colgando la mosca sobre el agua.

¡Tiene un escarabajo en el brazo! –chilló milady, pellizcando el brazo del pobre barón más fuerte que si 10 langostas se lo hubieran atenazado a la vez con sus pinzas–. Esa variedad es venenosa –explicó–. ¡Pero qué lástima! ¡Se ha perdido cómo sacaba el pez del agua!

Un enorme bacalao muerto yacía en la orilla, con el anzuelo en la boca.

Siempre había creído –comentó el barón entre titubeos– que los bacalaos eran peces de agua salada.

No en este país –señaló el vicerrector–. ¿Vamos adentro? Hágale alguna pregunta a mi hijo de camino… ¡sobre cualquier tema que guste! –Y el malhumorado muchacho recibió un violento empujón al frente para que caminara al lado del barón.

Podría decirme su alteza –empezó cautelosamente el barón– ¿cuál sería el total de 7 por 9?

¡Tuerza a la izquierda! –chilló el vicerrector, adelantándose con aspereza para indicar el camino, de forma tan brusca que chocó con su desafortunado invitado, el cual cayó pesadamente de bruces al suelo.

¡Cuánto lo lamento! –exclamó milady, mientras su esposo y ella lo ayudaban a ponerse de nuevo en pie–. ¡Mi hijo se disponía a decir «63» cuando se ha caído!

La cena se sirvió a su debida hora, y cada nuevo plato parecía acrecentar el buen humor del barón, mas todos los esfuerzos para que expresase su opinión sobre la inteligencia de Uggug fueron vanos, hasta que el interesante muchacho abandonó la sala, y se le vio por la ventana abierta rondando el jardín con un cestillo, el cual estaba llenando de ranas.”

Ug… quiero decir, ¡muchacho! Ven un segundo, ¡y trae al maestro de música contigo! Para pasarle las páginas de la partitura –agregó como explicación.”

¿Qué mútsica fa a quegueg?

La sonata que su alteza toca tan deliciosamente –dijo el vicerrector.

Tsu altesa no tiene… –empezó a decir el maestro de música, pero fue bruscamente interrumpido por el vicerrector.

¡Silencio, señor! Vaya a pasarle las hojas de la partitura a su alteza. Querida –a la vicerrectora–, ¿le mostrarás qué hacer? Y mientras tanto, barón, yo le enseñaré un mapa sumamente interesante que tenemos… ¡de Exotilandia, Hadalandia y ese tipo de cosas!

—…¡Come como un tiburón! ¡Que yo lo mencionara resultaría escasamente apropiado!

Su esposa captó la idea, y al momento empezó a soltar indirectas de lo más sutiles y delicadas.

¡Pero mire qué corta es la vuelta a Hadalandia! ¡Si saliera mañana por la mañana, llegaría allí en poco más de una semana!

Puede volver 5 veces en el tiempo que le llevó venir una sola… ¡si sale mañana por la mañana!

Mientras ocurría todo aquello, la sonata resonaba por la sala. El barón no pudo evitar admitir para sí que la interpretación estaba siendo magnífica, pero sus intentos de captar el más mínimo atisbo del joven músico fueron inútiles. Cada vez que estaba a punto de lograr verlo, el vicerrector o su esposa se colocaban inevitablemente en medio, señalando algún nuevo punto del mapa, y ensordeciéndolo con algún nuevo nombre.

En aquel momento la puerta se abrió: un rostro gordo y furioso se asomó por ella; una voz, ronca por la ira, bramó:

¡Mi habitación está llena de ranas; me marcho! –La puerta volvió a cerrarse.

Y la noble composición seguía todavía sonando en la sala, pero era la magistral ejecución de Arthur la que originaba los ecos y me conmovía la misma alma con la delicada música de la inmortal Sonata Pathetique;¹ y no fue hasta que hubo expirado la última nota que el cansado pero feliz viajero fue capaz de pronunciar las palabras «¡Buenas noches!» e ir en busca de su muy necesitada almohada.”

¹ Sonata nº 8 de Beethoven, Opus 13.

Al dar las 5, Arthur propuso –esta vez sin vergüenza alguna– que lo acompañara hasta el Hall a fin de que pudiera conocer al earl de Ainslie, quien lo había alquilado para pasar la estación, y me reencontrara con su hija lady Muriel.”

Advertí, no obstante, y lo hice con agrado, indicios de un sentimiento que iba mucho más allá de un mero aprecio cordial en su encuentro con Arthur –aunque esto sucedía, según colegí, prácticamente a diario–, y la conversación que mantuvieron, en la que el earl y yo participamos sólo de manera ocasional, tuvo lugar con una comodidad y una espontaneidad difícil de encontrar salvo entre amigos que han mantenido una relación muy larga”

No resulta difícil imaginar una situación –dijo Arthur– en la que las cosas necesariamente no tendrían peso, en relación unas con otras, aun manteniendo cada una de ellas su peso usual, si se la considerase de manera aislada.

¡Qué terrible paradoja! –exclamó el earl–. Díganos cómo sería posible. Nunca lo adivinaremos.

Bien, imagine esta casa, tal cual, situada a unos cuantos miles de millones de millas por encima de un planeta, y con ninguna otra cosa lo bastante cerca como para perturbarla; no hay duda de que cae hacia el planeta, ¿cierto?

El earl asintió con la cabeza.

Desde luego… aunque tardaría varios siglos en hacerlo.

¿Y habría té de las 5 mientras tanto? –dijo lady Muriel.

Eso y otras cosas –señaló Arthur–. Los ocupantes vivirían sus vidas, crecerían y morirían, ¡y la casa seguiría cayendo, cayendo, cayendo! Pero en cuanto al peso relativo de las cosas: nada puede ser pesado, ya saben, salvo si intenta caer, y algo se lo impide. ¿Están todos de acuerdo?

Todos lo estábamos.

Entonces, si cojo este libro y lo sostengo con el brazo extendido, está claro que siento su peso. Está tratando de caer y yo se lo impido. Y, si lo suelto, cae al suelo. Pero si estuviéramos todos cayendo a la vez, no podría tratar de caer más rápido, ¿comprenden?, ya que, si lo suelto, ¿qué otra cosa podría hacer sino caer? Y, como mi mano estaría cayendo también, a la misma velocidad, nunca la abandonaría, pues eso supondría adelantarla en la carrera. ¡Y jamás podría rebasar el suelo, también en caída!

Lo entiendo con claridad –dijo lady Muriel–, ¡pero resulta mareante pensar en cosas así! ¿Cómo puede obligarnos a ello?

Hay una idea más curiosa todavía –me atreví a decir–. Supongamos un cordel atado a la casa, desde abajo, y del que tira alguien en el planeta. Entonces, por supuesto, la propia casa va más deprisa que su ritmo natural de caída, pero los muebles, junto con nuestros nobles cuerpos, seguirían cayendo a su antigua velocidad, ¡por lo que se quedarían atrás!

Subiríamos hasta el techo, prácticamente –apuntó el earl–. Lo cual acarrearía de manera inevitable una conmoción cerebral.

Para evitar eso –dijo Arthur–, habría que fijar los muebles al suelo, y atarnos nosotros a ellos. Entonces el té de las cinco podría tener lugar tranquilamente.

¡Con un pequeño inconveniente! –interrumpió lady Muriel de modo alegre–. Tendríamos que agarrar las tazas para que bajaran con nosotros, pero ¿qué hay del té?

Me había olvidado del té –confesó Arthur–. Eso, sin duda, subiría hasta el techo… ¡a no ser que decidiera bebérselo en mitad de la ascensión!

E tudo isso o danado do Carroll imaginou antes de poder conhecer uma estação da Nasa!

La canción de los pescadores se escuchaba cada vez más cerca y clara, a medida que su barca se aproximaba a la playa, y habría bajado para verlos descargar su flete de pescado si el microcosmos a mis pies no hubiera excitado aún más mi curiosidad.

Un viejo cangrejo, que no cesaba de moverse frenéticamente de un lado a otro de la charca, me tenía particularmente fascinado: existía una cierta vacuidad en sus ojos fijos y una violencia sin sentido en su comportamiento que recordaba, de manera irresistible, al jardinero que se había hecho amigo de Silvia y Bruno; mientras lo miraba, llegaron a mis oídos las notas con que concluía la melodía de su alocada canción.

El silencio que se produjo a continuación se vio roto por la dulce voz de Silvia:

¿Podría dejarnos salir al camino, por favor?

¡¿Qué?! ¿Para ir otra vez tras ese viejo pordiosero? –gritó el jardinero, que se puso a cantar:

Creyó ver un gran canguro¹

que molía en molinillo:

mas luego advirtió que era

un tónico en comprimidos.

«Si lo tomara –saltó–

¡me pondría muy malito!»

¹ De caranguejo a canguru num átimo!

—…Así que, ¿sería tan amable de…?

¡Pues claro! –respondió de inmediato el jardinero–. Yo siempre soy amable. Nunca soy desagradable con nadie. ¡Ya está! –Y abrió la puerta de un tirón, dejándonos salir al polvoriento y amplio camino.

¿Qué era lo que teníamos que hacer con él, Bruno? ¡Se me ha olvidado por completo!

¡Bésalo! –era la invariable receta de Bruno en casos de duda y dificultad. Silvia lo besó, pero no dio ningún resultado–. Fdótalo al devés –fue su siguiente sugerencia.

“…varios árboles, en la ladera de la colina vecina, estaban subiendo lentamente por ella, en solemne procesión, al tiempo que un apacible arroyuelo, que había estado fluyendo a nuestros pies un momento antes, formando pequeñas ondas, comenzó a crecer, a espumar, a silbar y a burbujear, de un modo verdaderamente alarmante.

¡Fdótalo de otda manera! –chilló Bruno–. ¡Pdueba de ariba abajo! ¡Core!

Fue una feliz idea. Frotarlo de arriba a abajo surtió efecto, y el paisaje, que había estado mostrando signos de enajenación mental en diversas direcciones, regresó a su estado normal de sobriedad; a excepción de un ratoncillo de color pardoamarillento, que seguía correteando como loco por el camino, en una y otra dirección, meneando enérgicamente la cola como un pequeño león.”

El ratón se puso en el acto a trotar con un paso ceremonioso, cuyo ritmo podíamos seguir sin dificultad. El único fenómeno que me produjo un cierto desasosiego fue el rápido aumento de tamaño de la pequeña criatura que estábamos siguiendo, que se parecía más y más a un verdadero león a cada momento que pasaba.”

Ningún miedo pareció pasar por la mente de los niños, que le dieron suaves palmadas y lo acariciaron como si se tratase de un poni de las islas Shetland.

¡Ayúdame a subid! –gritó Bruno. Y un momento después Silvia lo levantó hasta el ancho lomo de la mansa bestia, y ella se sentó detrás de él, de lado. Bruno llenó ambas manos de melena y simuló guiar a aquel nuevo tipo de corcel–. ¡Are! –aquello pareció bastar a modo de indicación verbal: el león inició al instante un medio galope tranquilo y pronto nos vimos en el corazón del bosque. Y digo «nos vimos», pues tengo la seguridad de que yo los acompañaba, aunque me siento totalmente incapaz de explicar cómo me las arreglé para mantener el ritmo de un león a dicho aire. Pero ciertamente yo era parte del grupo cuando nos topamos con un viejo pordiosero que estaba cortando leña, y a cuyos pies el león hizo una profunda reverencia, momento en el cual los niños desmontaron y se lanzaron a los brazos de su padre.

¡De mal en peor! –dijo el anciano para sí en tono caviloso cuando los niños hubieron terminado su relato, algo confuso, de la visita del embajador, construido sin duda a partir del rumor general, pues ellos no lo habían visto en persona–. ¡De mal en peor! Ese es su destino. Lo veo, pero no puedo alterarlo. El egoísmo de un hombre mezquino y artero, de una mujer ambiciosa y necia, de un niño lleno de rencor y falto de amor… todos llevan en una dirección: ¡de mal en peor! Y vosotros, queridos míos, debéis sufrirlo por algún tiempo, me temo. Empero cuando las cosas estén peor que nunca, podéis acudir a mí. Es poco lo que puedo hacer de momento…”

Que el engaño, el rencor, la ambición

duerman en la noche de la razón,

¡hasta que la flaqueza sea fuerza;

las tinieblas, fulgor;

y todo mal se invierta!

La nube de polvo se extendió por el aire, como si estuviera viva, adoptando formas curiosas que cambiaban sin cesar.

¡Está fodmando letdas! ¡Y palabdas! –susurró Bruno, agarrándose, un poco asustado, a Silvia–. ¡Pero no consigo leedlas! ¡Hazlo tú, Silvia!”

—…Primero, ¿por qué me llamas Benjamín?

¡Es parte de la conspiración, amor! Uno debe tener un alias, ¿sabes?…

¡Oh, así que un alias! ¡Vaya! Y segundo, ¿con qué objeto compraste esta daga? Venga, ¡nada de evasivas! ¡No puedes engañarme!

¡Oh, no hables tú de conspiraciones! –la cortó violentamente su esposo, tirando la daga al interior del armario–. Sabes tanto de dirigir una conspiración como una gallina. Lo primero que hay que hacer es conseguir un disfraz. ¡Mira esto!

Y con comprensible orgullo se ciñó el gorro y los cascabeles, y el resto del disfraz de bufón, le guiñó un ojo a su esposa y preguntó con ironía:

¿Doy el pego o no?

Los ojos de milady brillaron con absoluto entusiasmo conspirativo.

¡Totalmente! –exclamó, dando palmadas–. ¡Tienes todo el aspecto de un payaso!

El «payaso» sonrió con recelo. No estaba completamente seguro de si aquello era un halago o no.

¿Quieres decir un bufón? Sí, esa era mi intención. ¿A que no te imaginas cuál es tu disfraz? –Y procedió a deshacer el paquete, mientras la dama lo observaba extasiada.

¡Oh, qué maravilla! –gritó, cuando el disfraz estuvo por fin extendido–. ¡Un disfraz espléndido! ¡De mujer esquimal!

¡Cómo que de esquimal! –bramó el otro–. Toma, póntelo, y mírate en el espejo. ¿Pero es que no ves que es un oso? –El vicerrector calló de repente, al oírse una áspera voz que aullaba:

«Mas luego advirtió, no obstante,

que era un oso sin cabeza».

Tendré que practicar un poco la forma de andar –dijo milady, mirando a través de la boca del oso–: ya sabes que al principio es imposible no comportarse un poco como un humano. Y por supuesto dirás: «¡Arriba, Bruin!»,¹ ¿a que sí?

¡Por supuesto que sí! –contestó el cuidador, agarrando la cadena que colgaba del collar del oso con una mano, mientras con la otra hacía restallar un pequeño látigo–. Ahora da una vuelta a la habitación bailando un poco. Muy bien, querida, muy bien. ¡Arriba, Bruin! ¡Arriba te digo!

[¹ Diz-se dos ursos marrons.]

¡Deja que te tome el pulso, hijo mío! –solicitó el preocupado padre–. Ahora saca la lengua. ¡Ah, lo que pensaba! Tiene un poco de fiebre, profesor, y ha sufrido una pesadilla. Métalo en la cama inmediatamente y dele un jarabe que le baje la temperatura.

El motivo por el que lo he mencionado, profesor, era pedirle que tuviera la amabilidad de presidir las elecciones. Como entenderá, ello conferiría respetabilidad al asunto para que no hubiera sospechas de nada turbio…

¡Me temo que no puedo, excelencia! –balbuceó el anciano–. ¿Y si el rector…?

¡Cierto, cierto! –interrumpió el vicerrector–. Su posición, como profesor de la corte, no lo vuelve oportuno, lo admito. ¡Pues nada! Entonces las elecciones se llevarán a cabo sin su intervención.

¡Es siempde tan desagadable! –añadió Bruno lastimeramente–. Ahora que padde ya no está, todos lo son con nosotdos. ¡El león se podtó mucho mejod!

Pero tenéis que hacer el favor de aclararme –contestó el profesor con gesto de preocupación– cuál es el león, y cuál el jardinero. Es sumamente importante no confundir 2 animales así uno con otro. Y en su caso, es muy probable que ocurra, dado que ambos tienen boca, ¿sabéis?…

¿Siempde confunde unos animales con otdos? –preguntó Bruno.

Bastante a menudo, me temo –confesó con franqueza el profesor–. Por ejemplo, están la conejera y el reloj del salón –señaló–.

Uno los confunde un poco… porque los dos tienen puertas, como sabéis. Ayer mismo, ¿os lo podéis creer?, metí unas lechugas en el reloj, ¡y traté de dar cuerda al conejo!

¿Y el conejo madchaba, después de habedle dado cuedda? –inquirió Bruno.

El profesor se llevó las manos a la cabeza, y gimió:

¿Que si marchaba? ¡Me parece que sí! ¡De hecho, se ha marchado! Y a dónde… ¡eso es lo que no puedo averiguar! Lo he intentado todo… me he leído entero el artículo «Conejo» en la enciclopedia…

Bueno, verá, la cifra lleva doblándose muchos años –respondió el sastre, de forma un poco desabrida– y creo que me gustaría que me pagara ya. ¡Son 2 mil libras!

¡Oh, eso no es nada! –observó el profesor con despreocupación, hurgando en su bolsillo, como si siempre llevara por lo menos dicha cantidad consigo–. ¿Pero no preferiría esperar 1 añito más y que pasen a ser 4 mil? ¡Piense tan sólo en lo rico que sería! ¡Podría ser rey, si quisiera!

No sé si querría ser rey –dijo el hombre, pensativo–. ¡Pero desde luego parece un buen montón de dinero! Está bien, creo que esperaré…

¡Claro que sí! –asintió el profesor–. Veo que es usted muy sensato. ¡Que tenga un buen día!

¿Tendrá algún día que pagarle esas 4 mil libras? –preguntó Silvia cuando la puerta se cerró tras el acreedor.

¡Nunca, mi niña! –contestó enfáticamente el profesor–. Seguirá doblándola, hasta que muera. ¡Entenderéis que siempre merece la pena esperar 1 año más para conseguir el doble de dinero! Y ahora, ¿qué os gustaría hacer, amiguitos míos? ¿Os parece bien que os lleve a ver al otro profesor? Es una ocasión excelente para una visita –dijo para sí, echando un vistazo a su reloj–: normalmente se toma un breve descanso, de 14 minutos y ½, sobre esta hora.

A CREATURE OF CHAOS: “iba descubriendo a cada momento nuevas habitaciones y corredores en aquel misterioso palacio, y con escasa frecuencia lograba encontrar de nuevo los ya visitados.”

¡Nos estás gastando una broma, anciano encantador! –dijo–. ¡Aquí no hay ninguna puerta!

La habitación no tiene puertas –explicó el profesor–. Tendremos que entrar por la ventana.

De modo que fuimos hasta el jardín y no tardamos en hallar la ventana de la habitación del otro profesor. Era una ventana en la planta baja, y se encontraba invitadoramente abierta; el profesor aupó primero a los 2 niños para que entraran, y después él y yo trepamos al alféizar para seguirlos.

El otro profesor estaba sentado frente a una mesa, con un gran libro abierto delante, sobre el cual tenía la frente apoyada; abrazaba el libro con ambos brazos, y roncaba con fuerza.

Lee así, por lo general –comentó el profesor–, cuando el libro es muy interesante, ¡y entonces a veces cuesta mucho conseguir que atienda!

¡Qué ensimismado está! –exclamó el profesor–. ¡Debe de haber llegado a una parte del libro interesantísima! –Y descargó una buena lluvia de golpes sobre la espalda del otro profesor, mientras gritaba sin parar–: ¡Eh! ¡Eh! –Luego le dijo a Bruno–: ¿No es asombroso que esté tan abstraído?

¡Eso es! –exclamó el profesor, encantado–. ¡Eso servirá, no hay duda! –Y cerró el libro con tanta brusquedad que pilló con fuerza la nariz del otro profesor entre las hojas.

Este se levantó al instante y llevó el libro al fondo de la habitación, donde lo devolvió a su sitio en la librería.

He estado leyendo 18 horas y ¾ –dijo–, y ahora me tomaré un descanso de 14min30. ¿La charla está lista?

—…La gente nunca disfruta de la ciencia abstracta, ya sabe, cuando le ruge el estómago. Y también está el baile de disfraces. ¡Oh, será de lo más entretenido!

¿En qué momento será el baile? –preguntó el otro profesor.

En mi opinión debería celebrarse al principio del banquete… viene muy bien para que la gente rompa el hielo, ya sabe.¹

Sí, ese es el orden correcto. Primero el conocer; luego el comer; y después el placer… ¡pues estoy seguro de que cualquier charla que imparta será un placer para nosotros! –dijo el otro profesor, el cual no había dejado de darnos la espalda en ningún momento, ocupado como estaba en sacar los libros, uno por uno, y colocarlos cabeza abajo. Un caballete, que sostenía una pizarra, se hallaba cerca de él, y, cada vez que le daba la vuelta a un libro, hacía una marca en el encerado con un trozo de tiza.

¹ Todos esses eventos demorarão centenas de páginas para acontecer!

Deje que lo intente –dijo el otro profesor, sentándose al pianoforte–. Supongamos, por ejemplo, que comienza en la bemol –añadió, tocando la nota en cuestión–. ¡La, la, la! Creo que estoy dentro de la octava. –Volvió a tocar la nota y apeló a Bruno, que se encontraba a su lado–: ¿La he cantado como es debido, hijo?

No, no lo ha hecho –respondió Bruno con gran decisión–. La ha cantado como bebido.

Había una vez un cerdo sentado a solas

junto a una fuente rota,

que día y noche se lamentaba;

a un corazón de piedra habría conmovido

verlo retorcerse las pezuñas y soltar gemidos

porque era incapaz de saltar.”¹

¹ Também esta música-estorieta demorará a concluir, na boca de Bruno, no epílogo!

Los extremos son siempre malos –comentó el profesor, con gran seriedad–. Por ejemplo, la sobriedad es algo muy bueno, cuando se practica con moderación: pero incluso esta, cuando se lleva al extremo, tiene desventajas.

«¿Qué desventajas?» fue la cuestión que me vino a la cabeza; y, como de costumbre, Bruno la formuló por mí:

¿Qué debe en cajas?

Esta es una de ellas –continuó el profesor–: cuando un hombre está achispado (ese es un extremo, sabéis), ve una sola cosa como si fueran 2. Pero cuando está extremadamente sobrio (ese es el otro extremo), ve 2 cosas como si fueran una sola. En ambos casos, se trata de algo igual de inconveniente.

¿Qué significa «inconviniente»? –susurró Bruno a Silvia.

La diferencia entre «conveniente» e «inconveniente» se ilustra mejor por medio de un ejemplo –dijo el otro profesor, que había oído la pregunta–. Si sencillamente piensas en cualquier poema que contenga las 2 palabras… como…

El profesor se tapó las orejas con las manos y adoptó una expresión consternada.

Si se le deja empezar un poema –informó a Silvia–, ¡no parará de recitar! ¡Nunca lo hace!

¿Alguna vez se ha puesto a recitar un poema y nunca ha parado? –indagó Silvia.

En 3 ocasiones –dijo el profesor.

Bruno se puso de puntillas hasta que sus labios estuvieron a la altura del oído de Silvia.

¿Y qué paso con esos tdes poemas? –susurró–. ¿Los está deciendo ahora?

¡Calla! –le instó Silvia–. ¡El otro profesor está hablando!

Adelante, entonces –dijo el profesor–. Lo que tiene que ser, será.

¡Recuerda eso! –le susurró Silvia a Bruno–. Es una regla muy buena para las veces en que te haces daño.

¡Y también para cuando hago duido! –contestó el descarado jovenzuelo–. ¡Así que decuéddelo usted también, señorita.

Sus palabras fueron bastante severas, pero soy de la opinión de que, cuando uno desea realmente despertar en el criminal una conciencia de su culpabilidad, no debería pronunciar la frase con los labios muy cerca de su mejilla, dado que concluirla con un beso, por muy accidental que sea, debilita terriblemente el efecto.”

«Pedro es pobre –dijo el noble Pablo–

mas su amigo fiel siempre yo he sido;

y, aunque mis medios son escasos,

ya que dar no, prestar me permito.

¡Qué pocos, salvo por interés,

ayudan al que lo necesita!

¡Pero a Pedro yo le prestaré,

pues sensible soy, 50 libras!».

¡Cuán inmenso fue el gozo de Pedro

al ver a su amigo tan solidario!

¡Con qué alegría firmó el acuerdo

por el cual quedaría endeudado!

Y dijo Pablo: «No está de más

que fijemos del retorno el día.

Siguiendo un buen consejo, será

de mayo el cuarto, al mediodía».

«¡Pero si ya es abril! Día uno,

si no me equivoco –dijo Pedro–.

Cinco semanas se irán al punto:

¡apenas duran un pestañeo!

Dame, para montar una empresa

y especular, al menos un año.»

«Es imposible cambiar la fecha.

Ha de pagarse el 4 de mayo.»

«¡Qué remedio! –suspiró el deudor–.

Me marcho: abóname el importe.

Ganaré 1 libra honesta o 2

con una sociedad por acciones.»

«Si parezco insensible, lo siento:

te haré el préstamo, naturalmente;

mas, por unas semanas, encuentro

que no será… en fin, conveniente.»

Cada semana, Pedro volvía,

para marcharse apesadumbrado;

la respuesta siempre era la misma:

«Hoy no te puedo dar lo que hablamos».

Y pasaron las lluvias de abril

cinco semanas, prácticamente–

y aún Pablo replicaba así:

«Por el momento, ¡no es conveniente!».

Llegó el 4, y Pablo, puntual,

se presentó allí con un letrado.

«Creí mejor venir a tu hogar,

y dejar ya todo esto zanjado.»

¡Qué desesperación la de Pedro!

Mechones se arrancaba frenético,

y muy pronto sus rubios cabellos

formaron en el suelo gran séquito.

El letrado quieto lo observaba

con lástima medio contenida:

una lágrima en su ojo temblaba;

su mano el acuerdo sostenía.

Pero cuando al fin la profesión

de nuevo en su corazón se impuso,

dijo: «La Ley no tiene señor;

si no pagas seguirá su curso».

Y habló Pablo: «¡Cómo me arrepiento

de mi visita aquel día aciago!

¡Considera lo que haces, Pedro!

¡No serás más rico al estar calvo!

¿Crees que arrancándote los rizos

lograrás que mengüen tus problemas?

Frena esta violencia, te lo pido:

¡pues sólo más disgusto me creas!».

«Nunca a sabiendas infligiría

en tan buen corazón –Pedro dijo–

innecesario dolor o herida.

Mas, ¿por qué tan estricto, ‘amigo’?

Por muy legal que a lo mejor sea

pagar un préstamo inexistente,

¡yo creo que resulta un sistema

en extremo grado inconveniente!

«¡Tanta nobleza en mi alma no existe

como en la de algunos de estos tiempos!

Pablo se sonrojó, pues humilde

era, y bajó la vista al suelo–.

¡La deuda me dejará pelado

y me atribulará para siempre!»

«¡No, no, Pedrito! –repuso Pablo–.

¡No te quejes así de tu suerte!

«No te falta en casa el alimento;

eres respetado en todo el mundo,

y en la barbería, según creo,

rizas tus patillas a menudo.

Aunque la nobleza nunca alcances

te quedarás corto, ni lo intentes–,

la vía honesta tienes delante

¡aunque sea muy inconveniente!»

«Cierto es –dijo Pedro–, vivo estoy;

el mundo todavía me admira,

y una vez a la semana voy

a rizar y aceitar mis patillas.

Pero un activo insignificante

e ingresos nulos son mi presente:

abusar del capital, ya sabes,

¡es en cualquier caso inconveniente!»

«¡Pero paga! –exclamó su amigo–.

Mi buen Pedrito, ¡paga tus deudas!

¿Qué importa si al completo tu ‘activo’

resulta devorado por ellas?

Ya tardas una hora en pagar;

aunque ser generoso procuro.

Me irrita, pero bueno, ¡da igual!

¡NO TE APLICARÉ INTERÉS NINGUNO!»

«¡Cuánta bondad! –gritó el pobre Pedro–.

Empero ¡deberé mi alfiler

de corbata, mi piano, mi cerdo

e incluso mi peluca vender!»

Al poco todo aquello echó alas,

y, con cada vuelo, diariamente,

él se veía (y suspiraba)

en situación menos conveniente.

Pasaron semanas, meses, años:

Pedro quedó hecho un saco de huesos.

Y una vez hasta rogó, llorando:

«¿Te acuerdas, Pablo, de aquel dinero…?».

El cual contestó: «¡Te prestaré,

cuando pueda, todos mis ahorros!

¡Ah, Pedro, qué dicha obra en tu haber!

¡Decir que te envidio es decir poco!

«Estoy engordando, como ves,

y mi salud no es del todo buena.

Ya no siento el júbilo de ayer

al oír la llamada a la cena.

Pero tu figura es leve y fina,

y retozas igual que un muchacho:

¡el rancho es una diaria alegría

para apetitos así, tan sanos!».

«De veras que sé –Pedro repuso–

en qué feliz estado me veo.

Mas podría prescindir con gusto

de parte de esos lujos que tengo.

Lo que tú llamas sano apetito

supone del hambre mordedura.

Y, cuando no hay qué llevarse al pico,

¡el toque a fagina es cruel tortura!

«Ni un espantapájaros querría

este abrigo, o botas así.

¡Ah, Pablo, 5 míseras libras

harían otro hombre de mí!»

«Pedrito, me llena de sorpresa

escucharte hablar en ese tono.

¡Temo que no eres consciente apenas

de tus muchos motivos de gozo!

«No corres riesgo de criar manteca;

resultas pintoresco en harapos;

te salvas de sufrir las jaquecas

que el dinero trae bajo el brazo.

Y tienes tiempo de cultivar

el contento, virtud muy decente,

en pro de lo cual tu estado actual

¡te será de lo más conveniente!»

«Aunque penetrar –contestó Pedro–

tus hondos pensamientos no pueda,

no obstante, en tu carácter encuentro

alguna pequeña inconsistencia.

Tomártelo pareces con calma

cuando una promesa has de cumplir;

pero ¡ay, si de cobrar se trata!:

¡persona tan puntual jamás vi!»

Su amigo: «Toda cautela es poca

en lo que concierne a soltar ‘plata’;

para los cobros, como bien notas,

soy la puntualidad encarnada.

Uno ha de reclamar lo que es suyo;

mas, al prestar dinero a la gente,

¡se le debe permitir –propugno–

escoger ocasión conveniente!».

Un cierto día, mientras roía

Pedro un mendrugo –su dieta usual–,

se presentó Pablo de visita

y estrechó su mano con afán.

«Tus frugales costumbres conozco:

como herir tu orgullo no quisiera

por entrar con extraños curiosos,

¡he dejado a mi abogado fuera!

«Bien recuerdas, no me cabe duda,

con qué desdén todos te miraban

cuando empezó a irse tu fortuna.

¡Yo nunca te puse mala cara!

Y cuando tus pocas posesiones

perdiste y te viste marginado,

no he de recordarte cómo entonces

de ti me apiadé cual un hermano.

«Así pues, te ofrecí mi consejo

rebosante de sabiduría,

a cambio de nada, aunque es cierto

¡que haber cobrado por él podría!

Pero me abstengo de mencionar

mis buenas acciones: larga estela.

Ya que alardear, como sabrás,

es una cosa que odio de veras.

«¡Qué extensa parece ser la lista

de todos los favores que he hecho,

desde aquellos vagos, mozos días,

al préstamo de abril el primero!

El cual secó mis escasos fondos,

aunque de ello no hubieses sospecha;

pero tengo un corazón de oro

¡Y VOY A PRESTARTE OTRAS CINCUENTA!»

«No será así –Pedro contestó,

lágrimas de gratitud llorando–.

Nadie recuerda, mejor que yo,

tus servicios en años pasados;

y he de admitir que esta nueva oferta

es generosísimo presente.

Con todo, hacer uso de ella

¡no me parece muy conveniente!»

…enseguida veréis la diferencia entre «conveniente» e «inconveniente». Ahora la entendéis del todo, ¿a que sí? –añadió, mirando con gesto amable a Bruno, el cual se encontraba sentado, junto a Silvia, en el suelo.

Sí –dijo Bruno, en voz muy baja. Una respuesta tan sucinta era algo muy inusual, tratándose de él, pero en aquel momento me pareció verlo un tanto agotado. De hecho, se subió al regazo de Silvia mientras hablaba, y apoyó la cabeza en su hombro–. ¡Cuántos vedsos tenía el poema! –susurró.”

El otro profesor observó a Bruno con cierta preocupación.

La criaturita debería irse a la cama de una vez –dijo con aire autoritario.

¿Por qué de una vez? –preguntó el profesor.

Porque no puede irse de dos veces –respondió el otro profesor.

El profesor aplaudió con suavidad.”

La acción de los nervios –empezó a decir con entusiasmo– es curiosamente lenta en algunas personas. Una vez, ¡tuve un amigo que tardaba años y años en sentir una quemadura hecha con un atizador al rojo!

¿Y si simplemente se le pellizcaba? –inquirió Silvia.

Entonces tardaría mucho más en sentirlo, naturalmente. De hecho, dudo que el hombre llegara a hacerlo jamás. Quizá sus nietos sí.

No me gustaría sed nieto de un abuelo al que habieran pellizcado, ¿y usted, hombde señod? –susurró Bruno–. ¡Podería llegadle justo cuando quisiera estad contento! [o etéreo professor idoso da realidade alternativa começa a interagir com as crianças élficas]

¿Pero es que acaso no quieres estar siempre contento, Bruno?

No siempde –dijo Bruno con aire pensativo–. A veces, cuando estoy demasiado contento, quiero estad un poquito tdiste. Entonces se lo cuento a Silvia, ¿sabe?, y ella me pone algunas leciones. Y todo se aregla.

Siento que no te gusten las lecciones –dije yo–. Deberías hacer como Silvia. ¡Ella siempre está ocupada a lo largo del día!

¡Yo también! –señaló Bruno.

¡No, no! –lo corrigió Silvia–. ¡Tú estás ocupado a lo corto del día!

¿Y cuál es la diferencia? –preguntó Bruno–. Hombde señod, ¿no es el día tan codto como ladgo? Quiero decid, ¿no dura siempde lo mismo?

Dado que nunca había considerado la cuestión desde ese punto de vista, sugerí que lo mejor era que le preguntaran al profesor, y al instante salieron corriendo para solicitar la ayuda de su anciano amigo. El profesor paró de limpiar sus anteojos para pensar sobre aquello.

Los niños volvieron, con paso lento y cavilante, para comunicar su respuesta.

¿A que es sabio? –preguntó Silvia en un reverente susurro–. Si yo fuera así de sabia, me dolería la cabeza el día entero, ¡estoy segura!

Parecéis estar hablando con alguien… que no está ahí –observó el profesor, girándose hacia los niños–. ¿Quién es?

Bruno puso cara de extrañeza.

¡Yo nunca hablo con nadie cuando no está aquí! –respondió–. No es de buena educación. ¡Uno debería siempde esperad a que llegue antes de hablad con él!

El profesor miró con inquietud en mi dirección, y dio la impresión de estar atravesándome una y otra vez con la mirada sin verme.

¿Con quién habláis entonces? –dijo–. Aquí no hay nadie, ¿sabéis?, excepto el otro profesor… ¡que tampoco está aquí! –agregó frenético, dando vueltas y vueltas sobre sí mismo como una perinola–. ¡Niños! ¡Ayudadme a buscarlo! ¡Rápido! ¡Se ha perdido otra vez! Los niños se pusieron en pie al momento.”

Bruno cogió un librito muy pequeño de la librería, y lo abrió y sacudió imitando al profesor.

Aquí no está –dijo.

¡Ahí no puede estar, Bruno! –señaló Silvia con indignación.

¡Pues claro que no! –contestó su hermano–. ¡Si estuviera aquí, se habdía caído del libdo al sacudidlo!

¿Ha llegado a perderse en alguna ocasión anterior? –inquirió Silvia, levantando una esquina de la alfombra frente a la chimenea y echando un vistazo debajo.

Lo hizo una vez –explicó el profesor–: se perdió en un bosque…

¿Es que no era capaz de encontdadse otda vez? –preguntó Bruno–. ¿Pod qué no gditó? Está claro que se habdía oído a sí mismo, podque no podía andad muy lejos, ¿sabéis?

Probemos a llamarlo a voces –propuso el profesor.

¿Y qué gritamos? –dijo Silvia.

Pensándolo bien, no lo hagáis –contestó el profesor–. El vicerrector podría oíros. ¡Se está volviendo terriblemente estricto!

Aquello recordó a los pobres niños todos los problemas que les habían hecho acudir a su viejo amigo. Bruno se sentó en el suelo y comenzó a llorar.

¡Es tan cduel! –sollozó–. ¡Y deja que Uggug me quite todos mis juguetes! ¡Y la comida es una podquedía!

¿Qué has tenido hoy para cenar? –preguntó el profesor.

Un tdocito de cuedvo muedto –fue la amarga contestación de Bruno.

Quiere decir pastel de grajo –explicó Silvia.”

¿No le parece una pedsona amable, hombde señod?

Desde luego que sí –dije yo. Pero el profesor no se percató de mi comentario. Se había puesto un bonito gorro con una larga borla, y se encontraba eligiendo uno de los bastones del otro profesor de una bastonera en una esquina de la habitación.

iniciará la conversación (no se puede beber una botella de vino sin abrirla antes)” Hoje na padaria (4/6/23) um garoto de 3 ou 4 anos recebeu uma água mineral de sua mãe na fila do caixa e pôs-se a virar a garrafa, entornada na boca… Para sua surpresa o líquido não desceu nem molhou sua garganta sedenta, pois a garrafa ainda estava fechada… Tem razão, como se há de beber o vinho sem sacar a rolha?! Parte tão importante quanto ficar bêbado!

Creyó ver volando en torno

a la lámpara un albatros:

mas luego advirtió que era

un sello postal barato.

«Mejor vete a casa –dijo–

¡o acabarás empapado!»

Para entonces habíamos llegado ya hasta el jardinero, quien se hallaba a la pata coja, como de costumbre, regando afanosamente un macizo de flores con una regadera vacía.

¡Pero si no tiene agua! –le explicó Bruno, tirándole de la manga para llamar su atención.

Así pesa menos –repuso el jardinero–. Si está muy llena, el brazo acaba doliendo. –Y siguió con su trabajo, al tiempo que canturreaba para sí:

¡O acabarás empapado!”

No me importaría dejarle salir a usted –dijo el jardinero–. Pero no debo abrir la puerta a los niños. ¿Se cree que desobedecería las reglas? ¡Ni por un chelín y medio!

El profesor extrajo cuidadosamente un par de chelines.

¡Con eso valdrá! –gritó el jardinero, mientras tiraba la regadera por encima del macizo de flores, y sacaba un puñado de llaves: una grande, y varias otras de menor tamaño.

He observado a menudo que una puerta se abre mucho mejor con su propia llave.

La llave grande resultó ser la correcta al primer intento; el jardinero abrió la puerta y extendió la mano para recibir el dinero.

El profesor meneó negativamente la cabeza.”

El jardinero puso cara de no entender nada, y permitió que saliésemos; pero mientras cerraba la puerta detrás de nosotros, lo oímos cantar para sí con aire meditabundo:

Creyó ver una cancela

que con una llave abría,

mas luego advirtió que eran

2 reglas de 3 seguidas.

«¡Y este gran misterio –dijo–

pa mí es claro como el día!»

¡Vaya, vaya! –dijo el bondadoso anciano–. Tal vez os siga, uno de estos días. Pero debo volver, ahora mismo. Veréis, dejé la lectura en una coma, ¡y es un fastidio no saber cómo acaba la frase! Además, el primer sitio por el que tenéis que pasar es Canilandia, y los perros siempre me han puesto un pelín nervioso. Pero viajar será muy sencillo en cuanto haya acabado mi nuevo invento: sirve para transportarse, ¿sabéis? Le falta únicamente un poquitín más de trabajo.

¿No será eso muy cansado, transportarse uno mismo? –inquirió Silvia.

Ah, no, mi niña. Verás, cualquier cansancio que uno sufra por transportar, ¡se lo ahorra siendo transportado! ¡Adiós, preciosos! ¡Adiós, señor! –añadió para mi gran sorpresa, y me estrechó la mano de manera afectuosa.

¡Adiós, profesor! –contesté, mas mi voz sonaba extraña y distante, y los niños no se percataron en lo más mínimo de nuestra despedida. Era evidente que ni me veían ni me oían cuando, abrazados tiernamente el uno al otro, continuaron la marcha con paso audaz.”

¡Ubuf, uof bufuofhau! –gruñó por fin–. ¡Guofbau hauguau ubuf! ¿Bou guaubau guofbufhau? ¿Bou guou? –interpeló a Bruno, con severidad.

Naturalmente Bruno entendió todo aquello, sin excesivos problemas. Todas las hadas entienden el perruno –esto es, la lengua de los perros–. Pero como puede que vosotros lo encontréis un poco difícil, sólo al principio, mejor será que os lo traduzca: «¡Humanos, en verdad lo creo! ¡Un par de humanos perdidos! ¿Qué perro es vuestro amo? ¿Qué queréis?».

Los cortesanos no se fijaron para nada en mí, pero Silvia y Bruno fueron el blanco de muchas miradas inquisitivas, y de numerosos comentarios susurrados, de los cuales sólo alcancé a oír con claridad uno –realizado por un perro salchicha a un amigo suyo–: «Bau guof guauhau uofbau ubuf, ¿au bau?» («Pues no es demasiado fea para ser una humana, ¿no crees?»)”

Ouvi rumores de que Barkhtin é o maior lingüista desta sociedade!

A continuación el centinela rascó violentamente la puerta y profirió un agudo y fuerte ladrido que hizo estremecerse a Bruno de la cabeza a los pies.

¡Uofhau guau! –dijo una voz profunda desde el interior. (Lo que significa «¡Adelante!» en perruno.)”

¿Bou guou? –fue lo primero que preguntó.

¡Cuando su majestad se dirija a vosotros –corrió a susurrarle el centinela a Bruno– deberíais levantar las orejas!

Bruno miró a Silvia con actitud vacilante.

Pdeferiría no hacedlo, pod favod –contestó–. Me dolería.

¡Pero si no duele nada! –dijo el centinela con cierta indignación–. ¡Mira! ¡Se hace así! –Y levantó las orejas como 2 señales ferroviarias.

¡Cuál fue el asombro –por no decir el horror– de todos los allí reunidos, cuando Silvia no hizo otra cosa que acariciarle la cabeza a su majestad, mientras Bruno le agarraba las largas orejas y simulaba atárselas bajo el mentón!

El centinela dejó escapar un fuerte gemido; un hermoso galgo –que al parecer era una de las damas de honor– sufrió un desvanecimiento, y el resto de los cortesanos se apartó a toda prisa, y dejó un amplio espacio para que el enorme terranova se abalanzara sobre los audaces extraños y los despedazara.

Sólo que… no lo hizo. Al contrario, su majestad incluso sonrió –hasta donde puede hacerlo un perro– y (los demás perros no dieron crédito a lo que vieron, pero así ocurrió, de todos modos) ¡meneó la cola!

¡Hau uof auguof! –(Esto es: «¡Jamás vi cosa igual!») fue el grito unánime.

Su majestad echó una mirada severa a su alrededor, y soltó un leve gruñido, que produjo un silencio instantáneo.

¡Conducid a mis amigos a la sala de banquetes! –ordenó, poniendo tanto énfasis en «mis amigos» que varios de los perros no pudieron evitar rodar sobre sus lomos y ponerse a lamer los pies de Bruno.”

Pero era obvio que los niños no tenían mucha práctica en modales palaciegos. Silvia únicamente estrechó la gran pata; Bruno se abrazó a ella; el maestro de ceremonias parecía estupefacto.”

Bueno, un sueñecito no le hará daño –dijo el maestro, que acto seguido se marchó. Apenas pude oír sus palabras, lo cual no es de extrañar: se encontraba apoyado en la borda de un navío, a muchas millas del muelle donde yo estaba. El barco se perdió tras el horizonte, y yo me hundí de nuevo en el sillón.

¡Es un modo de proceder tremendamente inusual, majestad! –exclamó el gruñidor mayor, a punto de ahogarse por el disgusto de ser dejado al margen, dado que se había puesto su mejor traje de gala, confeccionado enteramente con pieles de gato, para la ocasión.

Los escoltaré yo mismo –repitió su majestad, suave pero firmemente, despojándose de las vestiduras reales, y cambiando su corona por otra más pequeña–, y tú puedes permanecer en palacio.

¡Me alegdo! –le susurró Bruno a Silvia cuando estuvieron lo bastante lejos como para que el gruñidor no pudiera oírlos–. ¡Estaba muy enfadadísimo! –Y no sólo acarició a su escolta real, sino que incluso lo abrazó por el cuello exultante de gozo.

¡Es todo un alivio –dijo– alejarse del palacio de cuando en cuando! La realeza perruna lleva una vida insulsa, ¡os lo aseguro! ¿Te supondría…? –y esto se lo dijo a Silvia, en voz baja, y con aspecto de sentirse un poco tímido y avergonzado–. ¿Te supondría mucha molestia lanzar simplemente ese palo para que te lo traiga?

Silvia se quedó por un instante demasiado atónita como para hacer nada: le parecía una imposibilidad monstruosa que un rey quisiera correr detrás de un palo. Pero Bruno estaba a la altura de la ocasión, y con el alegre grito de «¡Venga! ¡Tdáelo, perito bueno!» lo arrojó por encima de un matorral. Un instante después el monarca de Canilandia había saltado las matas, recogido el palo y vuelto al galope con él en la boca a donde estaban los niños. Bruno se lo quitó de manera muy decidida.

¡Pero el trabajo es el trabajo! –dijo el rey canino por fin–. Y yo debo retornar al mío. No podría ir más lejos –agregó, consultando un reloj para perros que colgaba de una cadena alrededor de su cuello–, ¡ni aunque hubiera un gato a la vista!

Se despidieron afectuosamente de su majestad y continuaron adelante, con paso cansado.

¡Estoy casi segura de que son las puertas de Hadalandia! Sé que son totalmente doradas, padre me lo dijo, ¡y brillan tanto, tanto! –agregó en tono soñador.”

Yo sabía, por alguna extraña iluminación mental, que un gran cambio estaba produciéndose en mi dulce amiguita (pues tal me gustaba considerarla) y que estaba trascendiendo la simple condición de duende de Exotilandia para pasar a ser una verdadera hada.

El cambio tardó más en llegar en el caso de Bruno, pero se completó en ambos antes de su llegada a las puertas doradas, a través de las cuales sabía que me sería imposible seguirlos. No pude hacer otra cosa que permanecer fuera y echar una última mirada a los 2 encantadores niños antes de que desapareciesen en su interior y las puertas doradas se cerraran con un potente estruendo.

¡Y menudo estruendo!

¡Nunca se cerrará como una puerta de armario normal! –explicó Arthur–.”

¡Así que ahora debes irte realmente a la cama, anciano! No estás para nada más. Da fe oficial el Dr. Arthur Forester.”

“…La primera vez que te hablé de… –empezó a decir Arthur, tras un largo e incómodo silencio–, es decir, cuando hablamos por primera vez de ella, ya que creo que fuiste tú quien sacó el tema, mi propia situación en la vida me impedía cualquier otra cosa que no fuera adorarla a distancia, y me encontraba dándole vueltas al plan de dejar finalmente este lugar e instalarme en alguna otra parte lejos de cualquier posibilidad de reencontrarme con ella. Esto parecía ser lo único provechoso que podía hacer con mi vida.

¿Y crees que eso habría sido juicioso? –dije yo–. ¿No permitirte esperanza alguna?”

Lo que quería contarte es lo siguiente –continuó su relato–: Esta tarde me han llegado noticias de mi abogado. No puedo entrar en los detalles del asunto, pero el resultado es que mi fortuna material es mucho mayor de lo que pensaba, y me encuentro (o pronto me encontraré) en posición de ofrecerle matrimonio, sin que ello resulte imprudente, a cualquier dama, incluso en el caso de que esta no aportara nada. Y hablando de ella, dudo que lo hiciera: el earl es pobre, según creo. Pero yo dispondría de suficiente para los 2, incluso si nos fallase la salud.

Y en cuanto a… a lady Muriel, a pesar de mis esfuerzos, no logro adivinar sus sentimientos hacia mí. Si hay amor, ¡lo oculta! ¡No, debo esperar, debo esperar!”

Arthur me escribió 1 o 2 veces durante el mes, pero en ninguna de sus cartas había mención alguna a lady Muriel. No obstante, su silencio no era un mal augurio: a mi modo de ver se trataba del comportamiento natural de un enamorado, el cual, aun cuando su corazón estuviese cantando «Es mía», temía plasmar su felicidad en las frías frases de una carta, prefiriendo en cambio esperar a contarlo de palabra. «Sí –pensé–; ¡escucharé su canción victoriosa de sus propios labios!»

¡No esperes demasiado! –contesté en tono alegre–. ¡Un corazón apocado nunca conquistó mujer hermosa!

Quizá sea ese mi problema. Pero de verdad que todavía no me atrevo a decirle nada.

No –replicó Arthur con firmeza–. No ha entregado su corazón a nadie: eso lo sé. Dicho lo cual, si ama a alguien mejor que yo, ¡que así sea! No estropearé su felicidad. El secreto morirá conmigo. Pero ella es mi primer… ¡y mi único amor!

Teme excesivamente su destino

o posee un pequeño desierto,

quien no se atreve a saltar al vacío

aun pudiendo así ganar el cielo.(*)

(*) James Graham (1612-1650), primer marqués de Montrose [tradução adaptada].”

¡No me atrevo a preguntarle si hay otro! –dijo de forma apasionada–. ¡Saberlo me rompería el corazón!

¿Y te parece sensato vivir con la duda? ¡No debes desperdiciar tu vida por un «y si…»!

¡Te digo que no me atrevo!

¿Quieres que lo averigüe yo por ti? –pregunté, con la libertad de un viejo amigo.

¡No, no! –respondió con expresión afligida–. Te ruego que no digas nada. Mejor esperar.

Uno no puede mantener que las hadas nunca son codiciosas, ni egoístas, ni enfadadizas, ni embusteras, porque eso sería absurdo, ¿sabes? Por tanto, ¿no crees que a lo mejor no les vendría mal recibir alguna pequeña reprimenda y castigo de vez en cuando?

De verdad que no veo por qué no debería intentarse, y estoy prácticamente seguro de que, si tan sólo uno pudiese atrapar un hada, y ponerla contra el rincón, y tenerla a pan y agua durante un día o dos, ello descubriría un carácter totalmente mejorado; o le bajaría un poco los humos, en cualquier caso.

La siguiente cuestión es: ¿cuál es la mejor época para ver hadas? Creo que puedo contarte todo lo que hay que saber al respecto.

La primera regla es que debe tratarse de un día realmente caluroso, uno que podamos considerar estable, y tienes que sentirte un poquito somnoliento, pero no tanto como para no poder mantener los ojos abiertos, atención. Deberías sentirte además ligeramente… «feérico», podríamos llamarlo, o «inquieto»; los escoceses dicen eerie, y quizá sea una palabra más bonita; si no sabes lo que significa, me temo que me resulta prácticamente imposible de explicar; habrás de esperar a encontrarte con un hada, y entonces lo sabrás.

Y la última regla es que los grillos no deberían estar cantando. No puedo detenerme a explicarlo; tendrás que fiarte por el momento.

De modo que, si todas estas cosas se dan al mismo tiempo, tienes muchas posibilidades de ver un hada, o, al menos, bastantes más que si no fuera así.

Lo primero que advertí, mientras paseaba ociosamente por un claro en el bosque, fue que había un escarabajo de gran tamaño, tendido boca arriba en el suelo, que luchaba por darse la vuelta, y me agaché sobre una rodilla para ayudar a la pobre criatura. Con algunas cosas, ¿sabes?, uno nunca puede estar totalmente seguro de lo qué le gustaría a un insecto: por ejemplo, me vería incapaz de decidir, suponiendo que yo fuera una polilla, si preferiría que me mantuviesen apartado de la vela o que me dejaran volar directamente hasta ella y quemarme; (…) pero sí guardo la absoluta certeza de que si fuera un escarabajo y hubiese rodado sobre mi caparazón hasta quedar panza arriba, estaría siempre encantado de que me ayudasen a levantarme.”

Puedo decirte, además, que no tenía alas (no creo en las hadas aladas) y que poseía un abundante cabello largo y castaño y unos grandes y sinceros ojos del mismo color, y con esto he hecho todo lo que he podido para darte una idea de cómo era.

Silvia (averigüé su nombre más tarde) se había arrodillado, como estaba haciendo yo, para ayudar al escarabajo, pero a ella le hizo falta algo más que un palito para ponerlo de nuevo sobre sus patas; no pudo hacer otra cosa que, con ambos brazos, empujar al pesado insecto sobre su costado, y mientras lo hacía no paró de hablarle, medio regañándolo y medio consolándolo, como haría una niñera con un niño que se hubiese caído al suelo.”

Silvia miniatura

…¿Y de qué sirve tener 6 patas, querido, si cuando quedas panza arriba sólo puedes agitarlas en el aire? Las piernas están pensadas para caminar con ellas, ¿sabes? No empieces ya a sacar las alas; aún no he acabado. Ve a ver a la rana que vive detrás de ese ranúnculo y dale saludos de mi parte, de Silvia… ¿puedes decir «saludos»?

Y ahora tengo tiempo para hablarte de la regla sobre los grillos. Siempre cesan de cantar cuando pasa un hada, porque un hada es una especie de reina para ellos, supongo –en cualquier caso es un ser mucho más grande que un grillo–; así que siempre que estés dando un paseo y los grillos dejen repentinamente de cantar, puedes estar seguro de que están viendo un hada.”

“–soy todo un erudito en historia natural, ¿sabes? (por ejemplo, siempre puedo diferenciar a los gatos de los patos de un solo vistazo)–”

A la sazón, en un instante, un destello de luz interior pareció iluminar una parte de mi vida que prácticamente había quedado en el olvido: las extrañas visiones que había experimentado durante mi viaje a Elveston, y pensé, súbitamente dichoso: «¡Aquellas visiones están destinadas a tener relación con mi vida real!».

Para entonces, aquella sensación de «inquietud» había regresado, y de pronto observé que no había ningún grillo cantando, así que me entró la completa certeza de que «Bruno» andaba muy cerca, por alguna parte.

Y así era: tan cerca que a punto había estado de pisarlo sin darme cuenta; lo cual habría sido terrible, suponiendo claro está que resulte posible pisar un hada: mi creencia es que su naturaleza es similar a la de los fuegos fatuos, y a estos no hay forma de pisarlos.

Piensa en algún niño de gran hermosura que conozcas, con mejillas sonrosadas, grandes ojos oscuros y pelo castaño y revuelto, e imagina después que es lo bastante pequeño como para caber sin dificultad en una taza de café, y tendrás una imagen muy atinada de él.

¿Cómo te llamas, pequeño? –fue lo primero que dije, con voz tan suave como pude. Y, por cierto, ¿por qué razón iniciamos siempre las conversaciones con niños pequeños preguntándoles sus nombres? ¿Es porque pensamos que un nombre ayudará a hacerlos un poco mayores? Nunca se te ha ocurrido preguntárselo a un hombre adulto real, ¿eh?, ¿a que no? Empero fuese cual fuese el motivo, sentí la absoluta necesidad de saber su nombre; de modo que, como no respondió a mi pregunta, la repetí un poco más fuerte–: ¿Cómo te llamas, jovencito?

¿Y usted? –contestó, sin alzar la vista.

Le dije mi nombre con modales muy delicados, ya que era demasiado pequeño como para enfadarme con él.

¿Duque de Algo? –preguntó, mirándome durante sólo un instante, para luego seguir con lo que estaba haciendo.

De nada –dije, levemente avergonzado por tener que confesarlo.

Es usted lo bastante gdande para sed 2 duques –comentó la criaturita–. Supongo que entonces será sid algo, ¿no?

No –respondí, con creciente vergüenza–. No poseo ningún título.

(…)

Dime cómo te llamas, por favor.

Bduno –contestó en el acto el pequeñín–. ¿Pod qué no lo pdeguntó antes «pod favod»?

(…)

¿Eres una de las hadas que enseñan a los niños a ser buenos?

Bueno, a veces tenemos que hacedlo –dijo Bruno–, y es un fastidio enodme. –Al decir esto, partió salvajemente por la mitad un pensamiento silvestre y pisoteó los trozos.

¿Qué es lo que estás haciendo, Bruno? –pregunté.

Estdopead el jaddín de Silvia –fue su única respuesta en un principio. Pero a medida que seguía rompiendo las flores, refunfuñó para sí–: Esa gduñona mala… no quiso dejadme id a jugad esta mañana… dijo que tenía que acabad antes mis leciones… ¡cómo no! ¡Pero voy a chinchadla bien!

¡Oh, Bruno, no deberías hacer eso! –exclamé–. ¿No sabes que eso es vengarse? ¡Y la venganza es algo malvado, cruel y peligroso!

¿Ven-gansa? –dijo Bruno–. ¡Qué palabda más divedtida! Supongo que dice que es cduel y peligorosa podque si la gansa se acedcara demasiado, ¡podería acabad en la olla!

Se cayó –repitió Bruno, muy serio–, y si alguna vez viera a una oruga caedse, sabdía que es una cosa muy seriísima, y no estaría ahí sentado sondiendo… ¡y ya no le voy a contad nada más!

Tienes toda la razón, Bruno, he sonreído sin querer. ¿Ves?, ya vuelvo a estar totalmente serio.

Me lavo la cara de vez en cuando, ¿sabes, Bruno? La luna nunca lo hace.

¡Oh, ya lo sé! –exclamó Bruno, y se inclinó hacia delante y añadió en un susurro cargado de solemnidad–. La cara de la luna se ensucia más y más cada noche, hasta que se pone totalmente negda. Y entonces, cuando está sucia del todo, así –se pasó la mano por sus propias mejillas sonrosadas mientras hablaba–, se la lava.

Eres prácticamente la primera hada que he visto en mi vida. ¿Alguna vez has visto a otra persona aparte de mí?

¡Un montón! –dijo Bruno–. Las vemos cuando vamos andando pod el camino.

Pero ellas no pueden veros a vosotras. ¿Cómo es que nunca os pisan?

No pueden pisadnos –explicó Bruno, con cara de estar divirtiéndose con mi ignorancia–. Mire, imagínese que está caminando pod aquí… así –dijo haciendo unas pequeñas marcas en el suelo–, y que hay un hada, que soy yo, caminando pod aquí. Muy bien, entonces pone un pie aquí, y otdo pie aquí, así que no pisa al hada.

La explicación no parecía mala del todo, pero no me convenció.

¿Y por qué no iba a poner el pie donde está el hada?

No sé pod qué –contestó el pequeñajo en tono pensativo–, pero sí sé que no lo haría. Nunca nadie ha pisado un hada.

Me invitaron una vez, la semana pasada –asintió Bruno, con gran circunspección–. Fue para lavad las fuentes de sopa… digo, las fuentes de queso…. me hizo sentid bastante impodtante. Y sedví en la mesa. Y cometí apenas un solo fallo.

¿Cuál fue? –dije–. No te dé vergüenza contármelo.

Sólo que llevé unas tijeras para codtad la tednera –reveló Bruno con despreocupación–. Pero lo que me hizo sentid más impodtante fue que ¡le llevé al dey una vaso de sidda!

¡Qué importante! –exclamé, mordiéndome el labio para contener la risa.

¡A que sí! –añadió Bruno con mucha seriedad–. ¡No todo el mundo ha tenido un honod como ese!, ¿sabe?

Aquello hizo que me pusiera a pensar en las diversas excentricidades que calificamos de «un honor» en este mundo, pero que, después de todo, no poseen ni un ápice más de honor que del que disfrutó Bruno cuando le llevó al rey un vaso de sidra.

¿Qué hace con un zoro cuando lo tiene? –replicó Bruno–. Sé que vosotdos los gdandullones cazáis zoros.

Traté de pensar en alguna buena razón por la que los «grandullones» debiéramos cazar zorros y él no cazara caracoles, pero no se me ocurrió ninguna; de manera que dije, finalmente:

Bueno, supongo que tanto dan unos como otros. Iré a cazar caracoles algún día.

Cdeía que no sería tan tonto –soltó Bruno– como para id usted solo a cazad caracoles. Sin alguien que lo sujetase del otdo cuedno, ¡nunca conseguiría atdapad a uno!

Pues claro que no iré solo –contesté, totalmente serio–. Por cierto, ¿son los caracoles de ese tipo los mejores para la caza, o recomiendas los que no tienen concha?

Oh, no, nunca cazamos los que no tienen concha –explicó Bruno, estremeciéndose ligeramente ante la idea–. Siempde se enfadan un montón cuando lo haces y, además, si te caes encima, ¡están muy pejagosísimos!

Adelante –contesté yo–; me encantan las canciones.

¿Qué canción quiere? –inquirió Bruno, a la vez que tiraba del ratón hasta un sitio desde el que pudiera verme bien–. La más bonita es «Dan, dan». Era imposible resistirse a una indirecta tan clara como aquella; no obstante, fingí reflexionar durante un momento, y luego dije:

Pues esa es mi favorita.

Eso demuestda que entiende de música –comentó Bruno, con un gesto de agrado–. ¿Cuántas campanillas le gustaría escuchad? –Y se metió el pulgar en la boca para ayudarme a pensarlo.

Bduno” no “sofá-de-rato”

Nunca antes había escuchado música floral –no creo que resulte posible, a no ser que se esté en el estado de «inquietud»– y no sé muy bien de qué modo darte una idea de cómo era, salvo diciendo que sonaba como un repique de campanas a mil millas de distancia.”

¡Levanta! Muere el día.

Los búhos ululan, ¡dan, dan!

¡Despierta! En el lago,

los elfos ya tocan, ¡dan, dan!

Saludando a nuestro rey,

¡cantan, tan, tan!”

El dey de las hadas es Oberón, y vive al otdo lado del lago, y a veces lo cduza en una pequeña badca, y nosotdos vamos a decibidlo; y entonces cantamos esta canción, ¿sabe?

¿Y luego cenáis con él? –dije yo, de manera pícara.

No debería hablad –replicó Bruno con irritación–; interumpe la canción.

Le dije que no volvería a hacerlo.

Yo nunca hablo cuando estoy cantando –continuó, muy serio–, así que usted tampoco debería. –Después afinó las campanillas una vez más, y entonó:

¡Escucha! Por aquí y allá

las notas convocan, ¡dan, dan!

En los rápidos alegres

las campanas doblan, ¡dan, dan!

Saludando a nuestro rey,

¡trinan, nan, nan!

¡Contempla! En las ramas

qué faroles brillan, ¡dan, dan!

Son ojos de moscones

que la cena alumbran, ¡dan, dan!

Saludando a nuestro rey,

¡bailan, lan, lan!

¡Deprisa! Prueba y gusta

las viandas que esperan, ¡dan, dan!

La melaza se guarda…

¡Silencio, Bruno! –interrumpí con un susurro de alerta–. ¡Viene Silvia!

Aunque por qué estos dos niños que nunca antes habían sido tan felices debían estar llorando me resultaba un misterio.

Yo me encontraba muy feliz igualmente, pero naturalmente no lloré: los «grandullones» nunca lo hacen, ya sabes –les dejamos todo eso a las hadas–. Aunque creo que debía de estar lloviendo un poco justo en ese momento, pues descubrí unas pocas gotas sobre mis mejillas.”

Entonces se alejaron de allí juntos con paso tranquilo y en actitud cariñosa, internándose entre los ranúnculos, cada uno rodeando al otro con el brazo, susurrando y riendo por el camino, y sin volver la mirada hacia este pobre narrador ni una sola vez. Bueno sí, una: justo antes de que los perdiera totalmente de vista, Bruno giró un poco la cabeza y se despidió descaradamente con un leve movimiento de la misma. Y ese fue el único agradecimiento que recibí por las molestias que me había tomado. Lo último que vi de ellos fue esto: Silvia estaba inclinándose abrazada al cuello de su hermano, diciéndole al oído en tono persuasivo: «¿Sabes, Bruno? He olvidado por completo esa palabra tan difícil. Dila otra vez. ¡Vamos! ¡Sólo una vez, cariño!».

Pero Bruno no quiso volver a intentarlo.”

la «hora bruja» de las 5 ya había llegado, y sabía que los encontraría preparados para tomar una taza de té y charlar tranquilamente.

Lady Muriel y su padre me brindaron una bienvenida deliciosamente cálida. No eran del tipo de gente que lo recibe a uno en salones decorados a la última moda, que ocultan cualquier sentimiento de esa clase que por un casual pudieran albergar bajo la impenetrable máscara de una placidez convencional. El hombre de la máscara de hierro¹ era, no cabe duda, una rareza y una maravilla en su propia época: ¡en el Londres moderno nadie volvería la cabeza para cerciorarse de lo que había visto! No, estas eran personas auténticas. Cuando parecían estar contentos, era porque realmente lo estaban”

¹ Dumas

¡…y traiga con usted, si es posible, al doctor Forester! Estoy segura de que le sentaría bien un día en el campo. Me temo que estudia demasiado…

Tuve «en la punta de la lengua» el decirle: «¡La belleza de usted es su única materia de estudio!», pero me la mordí justo a tiempo, con una sensación similar a la de alguien que, al cruzar la calle, ha estado a punto de verse arrollado por un cabriolé.

…y pienso que lleva una vida muy solitaria –continuó diciendo ella, con una dulce seriedad que no permitía sospecha alguna de un doble sentido–. ¡Convénzalo para que venga! Y no olvide el día: el martes siguiente al que viene. Podemos llevarlos nosotros. Sería una pena que fueran en tren: ¡el paisaje del camino es tan bonito! Y en nuestro carruaje descubierto caben justamente 4 personas.

¡Oh, le convenceré! –dije con confianza, pensando que, en caso de querer evitar que fuera, ¡habría de recurrir a toda mi capacidad de persuasión!

El picnic tendría lugar en 10 días, y aunque Arthur aceptó de inmediato la invitación que le llevé, nada de lo que yo pudiera decirle lo animaría a hacer una visita –ni solo ni con mi compañía– al earl y su hija en el ínterin. No; temía «desgastar su hospitalidad», dijo; que ya «lo habían visto suficiente por el momento» y, cuando al fin llegó el día de la excursión, se encontraba tan puerilmente nervioso e incómodo que creí conveniente organizarnos de manera que fuésemos a la casa cada uno por nuestra cuenta, siendo mi intención llegar algo más tarde que él, con objeto de darle tiempo para recuperarse del encuentro.

«Y este claro –me dije– parece traer a mi memoria algo que no puedo recordar con claridad: ¡tiene que ser el lugar donde vi a aquellos niños-hada!»

Me faltan palabras para describir la belleza del pequeño grupo, acostado en una zona musgosa sobre el tronco del árbol caído, con el que tropezó mi mirada ansiosa: Silvia reclinada con el codo hundido en el musgo, y su carrillo sonrosado descansando sobre la palma de su mano, mientras Bruno yacía a sus pies con la cabeza en el regazo de su hermana.”

No es que les tenga manía –dijo Bruno en tono despreocupado–, pero pdefiero los animales dectos.

Pero bien que te gustan los perros cuando agitan la cola –lo interrumpió Silvia–. ¡No lo niegues, Bruno!

Un pero tiene más cosas, ¿veddad que sí, hombde señod? –recurrió Bruno a mí–. ¿A que no le gustaría tened un pero con sólo cabeza y cola?

Reconocí que un perro de ese tipo resultaría poco interesante.

No hay ningún perro así –apuntó Silvia con gesto pensativo.

¡Pero lo habdía –exclamó Bruno– si el pdofesod lo acodtara para nosotdos!

¿Acortarlo? –dije yo–. Eso es nuevo. ¿Cómo lo hace?

Tiene una curiosa máquina… –empezó a explicar Silvia.

Una máquina muy curiosísima –la cortó Bruno, que no estaba en absoluto dispuesto a dejar que le robaran la historia–, y si mete unacosaoloquesea pod un extdemo, ¿sabe?, y el pdofesod le da a la manivela, ¡sale supedcodto pod el otdo lado!

Y un día, cuando estábamos en Exotilandia, ¿sabe?, antes de venid a Hadalandia, Silvia y yo le llevamos un gdan cocoddilo. Y él lo acodtó para nosotdos. ¡Qué pinta más gdaciosa tenía! No dejaba de mirad a su aldededod, diciendo: «¿Adónde ha ido el desto de mí?». Y entonces puso unos ojos tdistes…

Los 2 ojos no –interrumpió Silvia.

¡Claro que no! –dijo el pequeñín–. Sólo el que no podía ved adónde había ido el desto de él. Pero el ojo que sí podía…

¿Cómo de corto era el cocodrilo? –pregunté, pues la historia se estaba enrevesando un poco.

La mitad que cuando lo cogimos; así –indicó Bruno, extendiendo sus brazos al máximo.

Traté de realizar el cálculo de cuánto era aquello, pero me resultaba demasiado difícil. ¡Por favor, querido y pequeño lector, hazlo tú por mí!

Pero no dejaríais a la pobre criatura así de corta, ¿no?

No. Silvia y yo lo hicimos pasad otda vez pod la máquina y lo estiramos hasta… hasta… ¿cuánto fue, Silvia?

Dos veces y media su longitud, y un poquitín más –señaló Silvia.

Imagino que no preferiría estar así a de la otra forma, ¿me equivoco?

¡Oh, sí que lo hacía! –interpuso Bruno–. ¡Estaba odgulloso de su nueva cola! ¡Jamás vio un cocoddilo más odgulloso! Era capaz de girad sobde sí mismo y subid andando pod su cola, y pod su lomo, ¡hasta llegad a su cabeza!

Hasta la misma cabeza no –dijo Silvia–. Eso es imposible, ¿sabes?

¡Oh, pero una vez lo hizo! –exclamó Bruno en tono triunfante–. Tú no lo viste, ¡pero yo sí! Caminaba de puntillas, para no despedtadse a sí mismo, podque cdeía que estaba dodmido. Y se subió con las 2 patas a su cola. Y andó y andó pod su lomo, y luego pod su fdente. ¡Y una pizquitina pod su nariz! ¡Ahí lo tienes!

Aquello era mucho peor que el rompecabezas anterior. ¡Por favor, querido niño, ayúdame otra vez!

¡Pues yo no me creo que ningún cocodrilo haya caminado nunca sobre su propia frente! –gritó Silvia, demasiado alterada por la controversia como para limitar el número de sus negaciones.

¡No sabes pod qué lo hizo! –replicó desdeñoso su hermano–. Tenía un muy buen motivo. Oí que dijo: «¿Qué me impide caminad sobde mi pdopia fdente?». Así que naturalmente lo hizo, ¿sabes?

Si ese es buen motivo, Bruno –tercié yo–, ¿qué te impide a ti trepar a ese árbol?

“…¡Es que 2 pedsonas no pueden hablad cómodamente, cuando una está tdepando a un ádbol, y la otda no!

A mí me parecía que una conversación difícilmente podía resultar «cómoda» en mitad de una escalada a un árbol, incluso si ambas personas estaban haciéndolo; pero oponerse a cualquier teoría de Bruno entrañaba un claro peligro, así que pensé que era mejor dejar pasar la cuestión, y pedir que me hablaran de la máquina que alargaba cosas.”

¡Escrito! –susurró Silvia.

Hum…, habíamos escdibidito una canción infantil, y el pdofesod la espachoró para nosotdos para que fuera más ladga. Decía: «Había un hombdecito, que tenía un tdabuquito, y las balas…».

Sé cómo sigue –interrumpí–. ¿Pero os importaría recitármela alargada?… quiero decir, tal como salió del rodillo.

Le pediremos al profesor que se la cante –dijo Silvia–. Recitársela sería estropearla.

Me gustaría conocer al profesor –apunté yo–. Y que todos vinierais conmigo para ver a unos amigos míos que viven cerca de aquí. ¿Os gustaría?

No creo que al profesor le apetezca –contestó Silvia–. Es muy tímido. Pero a nosotros nos encantaría. Aunque sería mejor que no fuésemos con este tamaño, ¿sabe?

La dificultad ya se me había pasado por la cabeza, y tenía la sensación de que quizá resultaría ligeramente embarazoso presentar en sociedad a 2 amigos tan diminutos.

¿Y qué tamaño tendréis? –inquirí.

Lo mejor es que vayamos como… niños normales –contestó Silvia con aire pensativo–. Es el tamaño más fácil de lograr.

¿Sería posible que vinieseis hoy? –dije, pensando: «¡Entonces podríais estar presentes en el picnic!».

Silvia lo meditó unos instantes.

Hoy no –contestó–. No hemos preparado las cosas. Iremos… el próximo martes, si quiere. Y ahora, Bruno, ya es hora de que vayas a estudiar tus lecciones.

¡Ah, pero eso ya lo has hecho! –exclamó Silvia de manera alegremente triunfante.

¡Pues entonces te «desbesaré»! –Y se colgó del cuello de su hermana con ambos brazos para esta novedosa, pero aparentemente no muy dolorosa, operación.

¡Se parece mucho a besar! –observó Silvia, tan pronto como sus labios se vieron otra vez libres para el habla.

¡No tienes ni idea! ¡Te he quitado un beso con otdo! –respondió Bruno de forma muy severa, mientras se alejaba.

Muy bien –asentí yo–, que sea el martes que viene. ¿Pero dónde está el profesor? ¿Fue con vosotros a Hadalandia?

No –dijo Silvia–. Pero prometió que vendría a vernos, algún día. Está preparando su charla. Así que tiene que quedarse en casa.

¿En casa? –repetí yo como si me hallara en un sueño, sin estar del todo seguro de qué había dicho ella.

Sí, señor. El lord y lady Muriel están en casa. Haga el favor de seguirme.

No hubo necesidad de que yo mantuviera viva la conversación. Lady Muriel y Arthur se hallaban claramente en ese estado sumamente placentero en el que uno no ha de ponderar cada pensamiento, al acudir este a los labios, con el miedo de que «esto no será bien recibido… esto ofenderá… esto dará una impresión demasiado seria… esto parecerá frívolo»; como amigos que se conociesen de toda la vida, en total sintonía, su charla se desgranaba sin interrupción.”

“—«¿Qué nos impide?» ¡Qué argumento más auténticamente femenino! –rio Arthur–. ¡Una dama nunca sabe sobre qué lado recae el onus probandi… la carga de la prueba!”

¿Por qué debería despojar a mi vecino

de sus bienes contra su voluntad?”

(*) “Isaac Watts (1674-1748): poeta, teólogo, pedagogo y lógico inglés, considerado el padre de la composición de himnos litúrgicos en su lengua. Los versos presentados forman parte de un grupo de canciones moralizantes dirigidas a niños, una de sus temáticas predilectas como escritor. Carroll parodió en Alicia en el País de las Maravillas uno de sus poemas más conocidos durante la era victoriana: «Contra la holgazanería y las pillerías». [N. del T.]

«Despojo a mi vecino de sus bienes porque los quiero para mí. ¡Y lo hago contra su voluntad porque no hay ninguna posibilidad de que consienta a ello!»

«¿Qué me impide caminar sobre mi propia frente?»

Quienquiera que fuese, ¡espero que lo conozcamos en el picnic! –dijo lady Muriel–. Es una cuestión mucho más interesante que: «¿No resultan pintorescas estas ruinas?», «¿No son adorables esos tonos otoñales?». ¡Tendré que responder a esas 2 preguntas 10 veces, como mínimo, esta tarde!

¡Ese es uno de los suplicios de la sociedad! –apuntó Arthur–. ¿Por qué no puede la gente dejarle a uno disfrutar de las maravillas de la naturaleza sin tener que decirlo a cada momento? ¿Por qué debería ser la vida un largo catecismo?

Culpa de los poetas!

Pues en una galería de arte resulta igual de horrible –observó el earl–. Visité la Real Academia de las Artes el pasado mayo, con un joven artista presuntuoso: ¡y a qué tormento me sometió! No me habría molestado que criticara los cuadros él solo, pero tenía que mostrarme de acuerdo con él… o de lo contrario haber discutido, ¡lo cual habría sido peor!

¿Es que alguna vez ha conocido a un hombre presuntuoso que alabara un cuadro? Aparte de pasar desapercibido, ¡lo que más teme es ver demostrada su falibilidad! Si elogias un cuadro una vez, tu reputación de infalible pende de un hilo. Supongamos que se trata de un cuadro figurativo y te atreves a decir que «dibuja bien». Alguien le toma las medidas y descubre que una de las proporciones es incorrecta en 3 milímetros. ¡Estás acabado como crítico! «¿No dijiste que dibujaba bien?», preguntan tus amigos con sarcasmo, mientras agachas la cabeza y te sonrojas. No. El único camino seguro, en caso de que alguien diga que «dibuja bien», es encogerse de hombros. «¿Que si dibuja bien?», repites con aire pensativo. «¡Ja!». ¡Esa es la manera de convertirse en un gran crítico!

El orador era un hombre corpulento, cuyo rostro amplio, chato y pálido quedaba delimitado al norte por un flequillito, al este y al oeste por unas patillitas, y al sur por una barbita, que en conjunto componían un halo uniforme de pequeñas cerdas color marrón claro. Sus facciones estaban tan desprovistas de expresión que no pude evitar decir para mis adentros –de manera irreprimible, como atrapado en una pesadilla–: «sólo están esbozadas, ¡aún no han recibido los toques finales!».

¡Oh, qué arquitecto más talentoso! –murmuró Arthur de forma inaudible, salvo para mí y lady Muriel–. ¡Capaz de predecir el efecto exacto que tendría su obra, una vez en ruinas, siglos después de su muerte!”

¡pero un fondo sin neblina, ya saben, resulta sencillamente burdo! Sí, ¡necesitamos la indefinición!”

PROGRAMA ESTÉTICO DE ÍNDIO

Desde su punto de vista, es una aserción correcta. Pero para cualquiera con alma para el arte, una visión así es ridícula. La naturaleza es una cosa. El arte, otra. La naturaleza nos muestra el mundo tal cual es. Pero el arte, como nos dice un autor latino… el arte, sabe usted… he olvidado las palabras…

Ars est celare Naturam –interpuso Arthur con deliciosa prontitud.

¡Qué ruinas más encantadoras! –dijo a voz en grito una joven dama con anteojos, la personificación misma del progreso de la razón, mirando a lady Muriel, como adecuada destinataria de todos los comentarios realmente originales–. ¿Y no le parecen admirables esos tonos otoñales de los árboles? ¡A mí sí, profundamente!

¿Y no es sorprendente –continuó la joven dama, pasando con asombrosa celeridad del sentimiento a la ciencia– que el simple impacto de ciertos rayos de colores en la retina nos proporcione un placer tan exquisito?

¿Ha estudiado usted entonces fisiología? –inquirió cortésmente cierto médico de joven edad.

Arthur esbozó una sonrisa.

Entonces, ¿nunca ha oído la teoría de que el cerebro también está invertido?

¡Desde luego que no! ¡Qué hecho más hermoso! ¿Pero cómo puede demostrarse?

Así –contestó Arthur, con toda la seriedad de 10 profesores fundidos en uno–: lo que llamamos «vértice» del cerebro es en realidad su «base», y viceversa; es una simple cuestión de nomenclatura. Este último polisílabo zanjó la cuestión.

Nos «servimos» nosotros mismos, ya que la bárbara costumbre moderna (que combina 2 cosas buenas de tal modo que asegura las incomodidades de ambas y las ventajas de ninguna) de ir de picnic con sirvientes que lo atiendan a uno, no había llegado aún a aquella apartada región, y naturalmente los caballeros ni siquiera ocuparon sus sitios hasta que las damas estuvieron debidamente provistas de todas las comodidades imaginables. Entonces me aprovisioné de un plato de algo sólido y un vaso de algo líquido y encontré un hueco para sentarme al lado de lady Muriel.

Lo habían dejado libre, al parecer, para Arthur, en su calidad de extraño distinguido, pero a este le había entrado la timidez y se había colocado junto a la joven dama con anteojos, cuya voz chirriante ya había desatado sobre la sociedad frases de tal ominosidad como «¡el hombre es un conjunto de rasgos de personalidad!» o «¡lo objetivo es alcanzable únicamente a través de lo subjetivo!», las cuales Arthur estaba soportando con coraje; pero varios de los rostros presentaban expresiones alarmantes, por lo que consideré que era hora de introducir algún tema menos metafísico.”

No hay nada que un niño bien regulado odie tanto como la regularidad. Pienso que un muchacho realmente sano disfrutaría enormemente de la gramática griega… ¡si tan sólo pudiera aprenderla cabeza abajo!”

«A cada uno sus sufrimientos, todos son hombres»

—…¡Imagínese, no gustarle una criatura tan adorable y tan persuasiva y asfixiantemente cariñosa como una serpiente!

¡Que no le gustan las serpientes! –exclamé–. ¿Acaso es algo así posible?

No, no le gustan –repitió con una fingida seriedad que realzaba su atractivo–. No les tiene miedo, ¿sabe? Pero no le gustan. ¡Dice que se agitan demasiado!

Me encontraba más sorprendido de lo que quería admitir. Había algo tan asombroso en este eco de las mismas palabras que había oído escasas horas antes de labios de aquel duendecillo del bosque, que sólo por medio de un gran esfuerzo logré decir, en tono despreocupado:

Muriel, que no era una de esas cantantes que consideran de rigueur negarse a cantar hasta que no se lo han pedido 3 o 4 veces, y han alegado falta de memoria, pérdida de voz y otras razones conclusivas para su silencio, comenzó de inmediato:

Tres tejones hay sobre un pedrusco musgoso

junto a una oscura vereda:

cada uno sueña que es un monarca en su trono,

por lo que no hay quien los mueva.

Aunque su viejo padre languidezca solo,

no hay forma de que se muevan.

Tres sardinas que rondan en torno a la roca

anhelan sentarse arriba:

cada una intenta plasmar en trémulas notas

su hallazgo, que endulzaría,

piensan, su vida. Así pues, con voces rotas,

gimen y se desgañitan.

«¡Tejón, sus hijos se han extraviado, me temo.

¡Y las mías me han dejado!»

«Pues sí –respondió aquel–; está usted en lo cierto.

Muy poco los vigilamos.»

Y así los pobres padres mataron el tiempo,

llorando desconsolados.

En ese momento, Bruno paró súbitamente de cantar. —La canción de las saddinas necesita otda melodía, Silvia –dijo–. Y yo no puedo cantadla ¡si no la tocas para mí!

Silvia se sentó al momento sobre un champiñón diminuto que crecía casualmente frente a una margarita, como si esta fuese el instrumento musical más corriente del mundo, y se puso a tocar los pétalos a la manera de teclas de órgano. ¡Y qué música tan deliciosa y diminuta producían!”

Y si, en una ocasión diferente

de escenario florido e intrascendente,

pudiera elegir qué quiero cenar,

«¡Pide por esa boca tu manjar!».

Oh, veo enseguida

qué vida tendría:

¡del pudin de Ipergis probar ración

con una copa de suave Acigón!

Ya puedes dejad de tocad, Silvia. Puedo haced la otda melodía mucho mejod sin acompasamiento.

Quiere decir «sin acompañamiento» –susurró Silvia, sonriendo ante mi cara de perplejidad; luego simuló cerrar los registros del órgano.

(y era su deseo): «¡Oh, las colas prenderles

con pincitas a montones!»

Debería mencionar que señaló los paréntesis, en el aire, con el dedo. Me pareció un plan estupendo. Ya sabes que no hay sonido que los represente, como tampoco lo hay para una pregunta.

Imagina que le has dicho a tu amigo: «Hoy estás mejor», y que quieres que entienda que le estás haciendo una pregunta; ¿qué puede ser más sencillo que dibujar simplemente un «?» en el aire con el dedo? ¡Te entendería enseguida

«¡Oh, sardinillas traviesas –gritó el menor–, con aletas vagabundas!»

Y los tejones trotaron hasta la playa

que bordeaba la bahía.

Cada uno en la boca una sardina llevaba

exultante de alegría,

cuyas voces sobre las olas resonaban:

«¡Hurra, hurra! ¡Viva, viva!».”

Y yo no pude evitar desear que existiese una regla tal en la sociedad que estableciera que, al finalizar una canción, el propio cantante debía decir lo que se esperaba y no dejárselo al público. Supongamos que una joven dama acaba de gorgoritear («con voces rotas») la exquisita letra de Shelley «I arise from dreams of thee»: ¡cuánto más agradable sería que, en vez de tener que decir uno «¡Oh, gracias, gracias!», que fuera la joven dama la que hiciese el comentario, mientras se pone los guantes y las apasionadas palabras «¡Oh, apriétalo contra el tuyo o terminará por romperse!» aún resuenan en los oídos!”

¡Sabía que pasaría! –añadió ella en voz baja, a la vez que yo daba un respingo por el repentino estrépito del cristal roto–. Ha estado usted el último minuto sujetando la copa de lado, ¡y dejando que se derramara todo el champán! ¿Se había dormido? ¡Siento muchísimo que mi canción haya tenido un efecto tan narcótico!

«Primero reunir un conjunto de hechos y después elaborar una teoría.» Ese, según creo, es el auténtico método científico. Me incorporé, froté mis ojos y empecé a reunir hechos.”

Y ahora, ¿qué teoría de profundo y largo alcance había de elaborar a partir de ellos? El investigador se sintió confundido. ¡Un momento! Un hecho había escapado a su atención. En tanto que todos los demás se encontraban en grupos de 2 y 3 personas, Arthur se hallaba solo; mientras todas las lenguas estaban hablando, la suya en cambio permanecía en silencio; todos los rostros mostraban alegría, pero el suyo estaba sombrío y apesadumbrado. ¡Eso sí que era un hecho! El investigador pensó que debía elaborarse una teoría sin demora.

Lady Muriel se había levantado y dejado el grupo hacía unos instantes. ¿Podía ser esa la causa de su abatimiento? La teoría apenas alcanzaba la categoría de hipótesis de trabajo. Claramente, se requerían más hechos.”

Pues lady Muriel había ido a recibir a un extraño caballero, apenas visible en la distancia; y luego regresó con él, hablando ambos de manera entregada y gozosa, como viejos amigos largo tiempo separados; y después fue de un grupo a otro, presentando al nuevo héroe del momento; y él, joven, alto y apuesto, se movía a su lado con gracia, y el porte erguido y el paso firme de un soldado. Ciertamente, ¡la teoría no auguraba nada bueno para Arthur! Su mirada se cruzó con la mía, y vino hasta donde me encontraba.

Es muy apuesto –opiné.

¡Odiosamente apuesto! –murmuró Arthur; luego sus propias palabras de amargura le hicieron sonreír–. ¡Suerte que sólo me has oído tú!

Doctor Forester –dijo lady Muriel, que acababa de unírsenos–, permita que le presente a mi primo Eric Lindon… el capitán Lindon, debería decir.

Arthur se deshizo de su malhumor de forma total e inmediata al levantarse para ofrecer su mano al joven soldado.

He oído hablar de usted –dijo–. Me alegro mucho de conocer al primo de lady Muriel.”

El semblante de Arthur volvió a ensombrecerse, y pude adivinar que fue únicamente para distraer sus pensamientos que ocupó de nuevo su sitio junto a la joven dama metafísica, y retomó su interrumpida conversación.”

Hablando de Herbert Spencer –empezó–, ¿de veras no encuentra ninguna dificultad lógica en considerar la naturaleza como un proceso de involución, que va de la homogeneidad coherente definida a la heterogeneidad incoherente indefinida?

«las cosas que son mayores que una misma cosa son mayores entre sí»(*)

(*) Carroll recoge aquí (según explica en el prefacio de La conclusión de Silvia y Bruno) una perversión estudiantil de la primera noción común o primer axioma de los Elementos de Euclides, que afirma que «las cosas que son iguales a una misma cosa son iguales entre sí». [N. del T.]

Pero otras mentes quizá necesiten algún no-sé-qué lógico… se me olvidan los términos técnicos.

Para un argumento lógico completo –empezó Arthur con admirable solemnidad–, necesitamos 2 prememas

(…)

¿Pero qué nombre recibe el argumento en su conjunto?

Un silogilismo.(*)

¡Ah, claro! Ya me acuerdo. Pero no necesito un silogilismo, sabe usted, para demostrar el axioma matemático que ha mencionado.

Ni para demostrar que «todos los ángulos son iguales», supongo.

¡Oh, por supuesto que no! ¡Una da una verdad sencilla como esa por sentada!

(*) “En su «explicación» de la estructura de un argumento lógico, el personaje de Arthur realiza varios juegos de palabras con la intención de tomar el pelo y poner en evidencia a su resabida interlocutora. «Prememas» (nótese el uso de la cursiva) sustituye a «premisas», «confusión» a «conclusión» y «silogilismo» a «silogismo». Naturalmente, los juegos de palabras eran distintos (y más claros, me temo) en el original inglés. [N. del T.]

Pasando igualmente desapercibido para la mujer, Arthur se encogió ligeramente de hombros y separó ampliamente las manos, como diciendo: «¿Qué más puedo decirle?», y se alejó de allí, dejando a la dama hablar de sus fresas por «involución», o como las prefiriera.”

el problema de cómo llevar a 5 personas a Elveston, con un carruaje en el que sólo cabían 4, debía ser resuelto de algún modo.”

La mejor alternativa, tal como yo lo veía, era que quien volviese andando a casa fuera yo, y así lo propuse sin tardanza.

¿Seguro que no le importa? –respondió el earl–. Me temo que no cabemos todos en el carruaje, y no quiero decirle a Eric que abandone a su prima tan pronto.

Lejos de importarme –aseguré–, lo preferiría. Así tendré tiempo de hacer un bosquejo de estas hermosas y antiguas ruinas.

Te haré compañía –interpuso de pronto Arthur. Y, en respuesta a lo que supongo fue una expresión de sorpresa por mi parte, agregó en voz baja–: De verdad que me parece una opción más apetecible. Estaría realmente de más en el carruaje.

Creo que yo también iré a pie –dijo el earl–. Tendrás que contentarte con Eric como escolta –añadió hacia lady Muriel, que se nos había unido mientras hablábamos.

Deberás ser tan entretenido como Cerbero: «tres caballeros en uno» –se dirigió lady Muriel a su acompañante–. ¡Será una gran hazaña militar!

¿Cuánto tardarás en hacer tu boceto? –preguntó Arthur.

Bueno –contesté–, me gustaría dedicarle una hora. ¿No consideráis mejor marchar sin mí? Regresaré en tren. Sé que pasa uno dentro de una hora más o menos.

De manera que dejaron que me las arreglara solo, y no tardé en hallar un sitio confortable donde sentarme, al pie de un árbol, desde el cual tenía una buena vista de las ruinas.”

He vuelto para recordarte –dijo Arthur– que pasa un tren cada 10 minutos…

¡Tonterías! –repuse–. ¡No es el metro de Londres!

¡Sí que lo es! –insistió el earl–. Esto forma parte de Kensington.

¿Por qué hablas con los ojos cerrados? –inquirió Arthur–. ¡Despierta!

Creo que es este calor el que me está dando sueño –aduje, con la esperanza, pero sin la seguridad completa, de estar diciendo algo con sentido–. ¿Estoy despierto ahora?

Me parece que no –dictó el earl–. ¿Qué piensa usted, doctor? ¡Sólo tiene un ojo abierto!

¡Y donca como un oso! –gritó Bruno–. ¡Despiedte, querido anciano! –Y Silvia y él se pusieron manos a la obra, girándole la pesada cabeza de un lado a otro, como si su unión con los hombros fuera algo carente de cualquier importancia.

El profesor abrió finalmente los ojos y se incorporó, parpadeando hacia nosotros con absoluta perplejidad. [dissociação]

¿Tendría la amabilidad de decir –se dirigió a mí con su acostumbrada y añeja cortesía– dónde nos encontramos ahora mismo… y quiénes somos, empezando por mí?

Creí conveniente empezar por los niños.

Esta es Silvia, señor, y este es Bruno.

¡Ah, sí! ¡A ellos los conozco muy bien! –murmuró el anciano–. Soy yo el que más preocupado me tiene. Y quizá tendría la bondad de mencionar, al mismo tiempo, cómo he llegado aquí.

Se me ocurre un problema más serio –me atreví a indicar–, y es cómo va a volver.

Visto como un problema ajeno, resulta de lo más interesante. Visto como una parte de la biografía de uno mismo, es, debo admitir, ¡muy angustioso!”

¡Cierto, cierto! –respondió el profesor–. (…) En cuanto a mí, creo que dijo que era…

¡Usted es el pdofesod! –chilló Bruno en su oído–. ¿No lo sabía?

¡Ha venido desde Exotilandia! ¡Y queda muy lejísimos de aquí! El profesor se puso en pie de un brinco con la agilidad de un muchacho.

Le preguntaré a ese inocente campesino, con ese par de cubos que contienen (aparentemente) agua, si sería tan amable de indicarnos el camino. ¡Inocente campesino! –continuó alzando la voz–. ¿Podría decirnos por dónde se va a Exotilandia?

El inocente campesino se giró con una sonrisa avergonzada.

¿Eh? –fue toda su respuesta.

¡Por-dónde-se-va-a-Exotilandia! –repitió el profesor.

El inocente campesino dejó sus cubos en el suelo y se puso a pensar.

Ah, yo no…

Debería mencionar –lo interrumpió precipitadamente el profesor– que cualquier cosa que diga podrá utilizarse como prueba en su contra.

El inocente campesino recogió al instante sus cubos.

¡Tonces no diré na! –contestó con brusquedad, y se alejó a paso rápido.

¡Camina muy deprisa! –comentó el profesor con un suspiro–. Pero sé que era lo que había que decir. He estudiado vuestras leyes inglesas. En cualquier caso, preguntémosle a ese otro hombre que viene. No es inocente, ni un campesino…, pero no sé si alguno de los 2 puntos posee una importancia vital.

Se trataba, de hecho, del honorable Eric Lindon, el cual, al parecer, había cumplido con su tarea de acompañar a lady Muriel a casa y se encontraba ahora paseando tranquilamente frente a esta última, subiendo y bajando por el camino, y disfrutando de un solitario cigarro.

As viagens estão ficando mais freqüentes e mais curtas, Desmond, cuidado!

Si no le es molestia, señor, ¿podría decirnos el camino más corto a Exotilandia? –Pese a su apariencia extravagante, el profesor era, por esa naturaleza esencial que ningún disfraz sería capaz de ocultar, un caballero de los pies a la cabeza.

El nombre no me suena –dijo–. No estoy seguro de poder ayudarle.

No está muy lejos de Hadalandia –indicó el profesor.

Las cejas de Eric Lindon se elevaron un poco al escuchar estas palabras, y una sonrisa divertida, que educadamente trató de reprimir, se dibujó fugazmente en su apuesto semblante.

¡Está un pelín chiflado! –murmuró para sí–. ¡Pero es un anciano bien alegre! –Después se volvió hacia los niños–: ¿Y no podéis ayudarle vosotros, pequeños? –dijo con un tono de amabilidad que pareció ganárselos en el acto–. ¡Seguro que vosotros lo sabéis!

¿A cuántas millas está Babilonia?

Tres veces veinte más diez.

¿Puedo llegar sin más luz que una vela?

Así es, ¡y hasta volver!(*)

(*) Los versos forman parte de una canción infantil popular en Inglaterra durante el s. XIX. [N. del T.]

A esas alturas estaba claro para mí que Eric Lindon no era consciente en absoluto de mi presencia. Incluso el profesor y los niños parecían haber dejado de verme, y yo permanecía en mitad del grupo, tranquilo como un fantasma, observando sin ser visto.

¡Qué perfectamente isócrono! –exclamó el profesor con entusiasmo. Tenía su reloj en la mano, y estaba contando con atención las oscilaciones de Bruno–. ¡Mide el tiempo de manera tan precisa como un péndulo!

Pero hasta los péndulos –apuntó el bondadoso y joven soldado, mientras liberaba su mano con cuidado del agarre de Bruno– ¡dejan de ser divertidos en algún momento! Vamos, ¡ya está bien, jovencito! La próxima vez que nos veamos, podrás repetir. Entretanto, más vale que llevéis a este anciano caballero a la calle Estrafalaria, número…

¡La encontdaremos! –gritó Bruno entusiásticamente, mientras se llevaban al profesor, tirando de él.

¡Cuarenta! –gritó de manera estentórea–. ¡Aunque no le he cantado las 40, sí se las he gritado! –agregó para sí–. ¡El mundo está loco, señores míos, loco de remate! –Encendió otro cigarro y siguió paseando hacia su hotel. [A resposta era 70.]

¿Quiere un cigarro?

Gracias, no fumo.

¿Hay algún manicomio en las inmediaciones?

No, que yo sepa.

Pensé que a lo mejor sí. Acabo de encontrarme con un lunático. ¡El viejo más estrafalario que jamás he visto!

Y así, charlando amistosamente, pusimos rumbo a casa y nos deseamos mutuamente «buenas noches» en la puerta de su hotel. Ya a solas, noté cómo la sensación de «inquietud» me asaltaba de nuevo, y vi, frente a la puerta del número 40, las 3 figuras que tan bien conocía.

¡No, no! Es la casa correcta –respondió de manera jovial el profesor–, pero es la calle equivocada. ¡Ahí es donde hemos cometido el fallo! Lo mejor ahora será…

Todo terminó. La calle se encontraba desierta. La vida ordinaria me rodeaba y la sensación de «inquietud» había desaparecido.

¿Nos acompaña a la iglesia? –pregunté.

No, gracias –repuso cortésmente–. No es… exactamente… lo mío, sabe usted. Es una institución magnífica… para los pobres. Cuando estoy con mi gente, voy; sólo por dar ejemplo. Pero aquí no me conocen, conque creo que me dispensaré de aguantar un sermón. ¡Los predicadores de los pueblos son siempre tan aburridos!

Cualquier devoto esteticista –o esteta religioso, ¿cómo he de llamarlo?– moderno habría calificado el servicio de burdo y frío; para mí, recién llegado de una iglesia londinense cada vez más cambiada bajo la batuta de un supuesto párroco «católico», fue indescriptiblemente refrescante.

No hubo ningún desfile teatral de recatados niños de coro esforzándose al máximo para no sonreír como bobos bajo la mirada admirada de la congregación; la parte de la gente en el servicio la realizó esta misma, sin ayuda, salvo por un puñado de buenas voces, situadas juiciosamente aquí y allá entre ellos, que evitaron que el canto se descarriara demasiado.

No se asesinó la noble música contenida en la Biblia y la liturgia, por medio de su recitación en un apagado tono monocorde, sin más expresividad que una muñeca parlante.

No, las oraciones se rezaron, las lecturas se leyeron y –lo mejor de todo– el sermón se hizo hablado; y me vi repitiendo, cuando salíamos de la iglesia, las palabras de Jacob cuando «despertó de su sueño»: «¡No hay duda de que el Señor se encuentra aquí! ‘Esta no es sino la casa del Señor, y esta la puerta del Cielo’».

Sí –asintió Arthur, aparentemente en respuesta a mis pensamientos–, esos servicios de la «Iglesia alta» se están convirtiendo rápidamente en puro formalismo. La gente está empezando a verlos cada vez más como «espectáculos», a los cuales únicamente «asisten» en el sentido francés. Y resulta especialmente perjudicial para los niños. Se sentirían mucho menos cohibidos disfrazados de hadas en un musical navideño. Con todas esas vestiduras y entradas y salidas a escena, y hallándose siempre en évidence, ¡no me sorprende que la vanidad consuma a esos petimetres descarados!”

(*) “William Paley (1743-1805), filósofo y teólogo utilitarista inglés. Es conocido sobre todo por su exposición del argumento teleológico de la existencia de Dios en su obra Natural Theology («Teología natural») [oximoro]. Fue un influyente defensor de la teoría del «diseño inteligente» del universo. La idea central de su pensamiento es que dicho diseño queda demostrado por la felicidad o bienestar general evidente en el orden físico y social de las cosas. [N. del T.]Teoria com que teve de lidar Darwin em suas contínuas autocensuras.

el modo de sacar a la luz los pensamientos más profundos de Arthur no era asentir ni disentir, sino simplemente escuchar.”

El Bien y el Mal habían sido transformados de alguna manera en Ganancia y Pérdida, y la religión se había convertido en una especie de transacción comercial. Demos gracias por que nuestros pastores estén empezando a adoptar una visión más noble de la vida.” Que bom que começaram, faltava terminar…

En el Antiguo Testamento, sin duda, se apela constantemente a recompensas y castigos como motivos para las acciones. Esa enseñanza funciona mejor con los niños, y los israelitas parecen haber sido, mentalmente, completos niños. Guiamos así a nuestros hijos, al principio, pero apelamos, lo antes posible, a su sentido innato del Bien y el Mal; y, cuando esa etapa ha quedado firmemente atrás, recurrimos al motivo más elevado de todos: el deseo de semejanza, y unión, con el Bien Supremo.”

Mirad la letra de los himnos litúrgicos. ¡Qué corrompida está, hasta la médula, por el egoísmo! ¡Pocas composiciones humanas hay más totalmente degradadas que algunos himnos modernos!

Yo cité la estrofa:

Cuanto te demos, Señor,

mil veces será recompensado.

¡Daremos pues siempre con agrado,

generoso Creador!(*)

(*) Este fragmento pertenece al himnario The holy year del religioso y literato inglés Christopher Wordsworth (1807-1885), sobrino del famoso poeta William Wordsworth. [N. del T.]

Tras dar muchas razones positivas para ser caritativo, el pastor concluyó con: «y, por todo lo que deis, ¡recibiréis una recompensa mil veces mayor!». Oh, que la absoluta mezquindad de un motivo tal sea expuesta ante hombres que conocen bien lo que es el autosacrificio, ¡que son capaces de apreciar la generosidad y el heroísmo!”

¿Acaso existe prueba más sólida de la Bondad Original que debe haber en esta nación que el hecho de que la religión nos haya sido predicada como una especulación comercial, durante un siglo, y que todavía creamos en Dios?”

Eso espero –contestó Arthur–, y, aunque no quiero ver legalizadas las «disputas en la iglesia», debo decir que nuestros pastores disfrutan de un enorme privilegio, que malamente merecen, y del cual abusan de manera terrible. Ponemos a nuestro hombre en un púlpito y prácticamente le decimos: «Ahora puedes hablarnos desde ahí durante media hora. ¡No abriremos la boca siquiera para interrumpirte! ¡Todo se hará a tu gusto!». ¿Y qué nos da él a cambio? Palabrería estúpida, que, de serte dirigida durante una cena, pensarías: «¿Es que me toma por idiota?».

Cuando me aproximaba al extremo del andén, del cual surgía una empinada e irregular escalera de madera que conducía al mundo superior, vi a dos pasajeros que, obviamente, habían llegado en el tren, pero en los cuales, por extraño que parezca, yo no había reparado en absoluto, a pesar del escaso número de viajeros que se habían apeado. Se trataba de una mujer joven y de una niña; la primera, hasta donde podía juzgarse por las apariencias, era una niñera, o posiblemente una niñera-institutriz, al cuidado de la chiquilla, cuyo rostro refinado, más aún que su vestido, la distinguía como de una clase superior a la de su acompañante.

El semblante de la niña mostraba finura, pero también agotamiento y tristeza, y contaba una historia (o eso fue lo que me pareció leer) de gran enfermedad y sufrimiento, sobrellevada con dulzura y paciencia. Portaba una pequeña muleta con la que ayudarse al andar; y ahora se encontraba plantada frente a larga escalera, mirándola con gesto taciturno, esperando aparentemente a poder reunir el coraje suficiente para emprender el penoso ascenso.”

(*) Lucus a non lucendo es una frase latina del gramático del siglo IV Mario Servio Honorato que afirma, con intención irónica, que la palabra «arboleda» en latín –lucus– procede del verbo lucere («resplandecer») supuestamente porque el ramaje de los árboles impide el paso de la luz del sol. La frase se usa generalmente como ilustración del peligro de emparentar etimológicamente dos palabras sólo porque se parecen. [N. del T.]

Cerrar los párpados, cuando algo parece volar hacia el ojo, es uno de tales actos, y decir: «¿Puedo ayudar a la niña a subir las escaleras?» constituyó otro. No fue que se me ocurriera pensamiento alguno de ofrecer ayuda, y que después hablara; el primer indicio que tuve de la probabilidad de dicho ofrecimiento fue el sonido de mi propia voz, y descubrir que había sido realizado. La criada calló por unos momentos, paseando dubitativamente su mirada de la niña a su cargo hasta mí, y luego de nuevo a ella.”

¡Por favor! –fue todo lo que dijo, mientras una leve sonrisa se dibujaba fugazmente en el cansado y pequeño rostro. La levanté con escrupuloso cuidado, y su bracito se aferró al instante de manera confiada alrededor de mi cuello.

La niña pesaba muy poco –tan poco, de hecho, que se me pasó por la cabeza la ridícula idea de que me estaba resultando bastante más fácil subir con ella en brazos que si no la llevase–, y, cuando alcanzamos el camino en lo alto, con sus surcos producidos por carros y sus piedras sueltas –obstáculos formidables todos ellos para una niña coja–, descubrí que de mis labios había salido: «Más vale que cargue con ella durante este tramo tan accidentado», antes de haber establecido ninguna conexión mental entre su escabrosidad y mi pequeña y mansa carga.

¡Ya se ha tomado demasiadas molestias, señor! –exclamó la criada–. Ella puede caminar perfectamente en llano. –Pero al oírse la sugerencia, el brazo ceñido a mi cuello se cerró apenas un poquitín más en torno a él, e hizo que me decidiera a contestar:

De veras que no pasa nada. La llevaré un poco más. Voy en su misma dirección.

La niñera no planteó más objeciones, y el siguiente en hablar fue un niño andrajoso, descalzo y con una escoba al hombro, que cruzó el camino y simuló barrerlo frente a nosotros, aunque se encontraba perfectamente seco:

¡Denos medio penique! –suplicó el golfillo, con una sonrisa de oreja a oreja en su sucia cara.

¡No se lo dé! –advirtió la damita en mis brazos. Las palabras parecían duras, pero su tono era la ternura personificada–. ¡Es un pequeño gandul! –Y emitió una dulce risa argentina que jamás había oído de otros labios que no fueran los de Silvia. Para mi asombro, el muchacho, de hecho, comenzó igualmente a reír, como si existiera una cierta complicidad sutil entre los 2, cuando echó a correr por el camino y desapareció por un agujero en el seto.

Pero regresó enseguida, tras haberse deshecho de la escoba y provisto de un exquisito buqué de flores de misterioso origen.

¡Compre un ramillete, compre un ramillete! ¡Sólo medio penique! –salmodió, arrastrando melancólicamente las palabras como un mendigo profesional.

¡No se lo compre! –fue el edicto de Su Majestad, mientras observaba la harapienta criatura a sus pies con una altanería que parecía curiosamente mezclada con un tierno interés por ella. Pero esta vez me rebelé, e ignoré el mandato real. No renunciaría a unas flores tan preciosas, y con unas formas tan completamente nuevas para mí, por orden de ninguna jovencita, por muy imperiosa que esta fuese. Compré el buqué, y el chiquillo, tras meterse el medio penique en la boca, hizo el pino, como si quisiera determinar si la boca humana está realmente adaptada para servir de hucha.

Con un asombro que crecía por momentos, dirigí mi atención a las flores, y las examiné una por una: no había ni una sola entre ellas que pudiese recordar haber visto con anterioridad. Finalmente me volví hacia la niñera.

¿Crecen estas flores por aquí de manera silvestre? Jamás he visto… –pero las palabras murieron en mis labios. ¡La niñera se había volatilizado!

Ya puede bajarme, si quiere –señaló Silvia suavemente.

Yo obedecí sin decir nada, y no pude hacer otra cosa que preguntarme: «¿Estoy soñando?», al descubrir a Silvia y Bruno caminando uno a cada lado de mí, cogidos de mis manos con la pronta confianza de la niñez.

¡Ahora sois más grandes que la última vez! –empecé por decir–. ¡Creo de veras que deberíamos presentarnos de nuevo! Hay mucho de vosotros que nunca he visto antes, ¿sabéis?

¡Está bien! –respondió alegremente Silvia–. Este es Bruno. No se tarda nada. ¡Sólo tiene un nombre!

¡Tengo otdo nombde! –protestó Bruno, con una mirada de reproche a la maestra de ceremonias–. Y es… ¡señod!

¿Habéis venido a verme a mí, niños? –pregunté yo.

Recuerde que le dijimos que vendríamos el martes –explicó Silvia–. ¿Tenemos el tamaño adecuado para ser niños normales?

Totalmente adecuado para ser niños –contesté, añadiendo mentalmente: «¡Aunque no seáis niños «normales», en modo alguno!»–. ¿Pero qué le ha pasado a la niñera?

¿Entonces no era sólida, como Silvia y tú?

No. No podería tocadla, ¿sabe? Si caminara hacia ella, ¡la atdavesaría!

De veras que pensé que se daría cuenta –dijo Silvia– cuando Bruno la hizo pasar accidentalmente por un poste de telégrafo. Acabó partida por la mitad. Pero usted estaba mirando en la dirección contraria.

Sentí que realmente había dejado pasar una oportunidad: ¡ser testigo de un acontecimiento como que una niñera acabe «partida por la mitad» no le ocurre a uno 2 veces en la vida!

Lo hizo Bruno –señaló Silvia–. Es lo que se llama un «flizz».

¿Y cómo haces un flizz, Bruno?

El pdofesod me enseñó –dijo este–. Pdimero coges mucho aire…

¡Oh, Bruno! –interpuso su hermana–. ¡El profesor dijo que no lo contaras!

¡Ya se ha tomado demasiadas molestias, señor! Ella puede caminar perfectamente en llano.

Bruno rio de forma jovial cuando me giré precipitadamente hacia un lado y otro, buscando por todas partes a quien había hablado.

¡Fui yo! –proclamó lleno de regocijo, con su propia voz.

Para entonces nos encontrábamos ya cerca del Hall.

Aquí es donde viven mis amigos –indiqué–. ¿Entraréis a tomar el té con ellos?

Bruno dio un pequeño brinco de júbilo, y Silvia dijo:

Sí, por favor. Te apetece un poco de té, ¿a que sí, Bruno? No lo ha probado – me explicó– desde que salimos de Exotilandia.

¡Y no era buen té! –añadió su hermano–. ¡Era muy flojísimo!”

La sonrisa de bienvenida de lady Muriel no logró disimular del todo la expresión de sorpresa con que contempló a mis nuevos acompañantes.

Los presenté como era debido.

Esta es Silvia, lady Muriel. Y este es Bruno.

¿Algún apellido? –inquirió ella, con ojos que chispeaban de diversión.

No –contesté yo con gravedad–. Ninguno.

Ella se rio, pensando obviamente que hablaba en broma, y se inclinó para besar a los niños; un saludo al que Bruno se sometió de manera reluctante; Silvia lo devolvió con creces.

Mientras Arthur (que había llegado antes que yo) y ella proporcionaban a los niños té y bizcocho, yo traté de entablar conversación con el earl; pero este se hallaba inquieto y distrait, por lo que apenas logramos avanzar. Al fin, con una súbita pregunta, reveló la causa de su intranquilidad.

¿Me permite echar un vistazo a esas flores que tiene en la mano?

¡Con mucho gusto! –dije, pasándole el buqué. Yo sabía que la botánica era una de sus disciplinas favoritas, y estas flores me eran tan completamente desconocidas y misteriosas que sentía genuina curiosidad por ver qué diría un botánico de ellas.

Las flores no disminuyeron su desasosiego. Por el contrario, se fue poniendo más y más nervioso a medida que las examinaba.

¡Estas son todas de la India central! –exclamó, dejando a un lado parte del buqué–. Son raras, incluso allí, y nunca las he visto en ningún otro punto del mundo. Estas 2 son mexicanas… Esta… –Se levantó apresuradamente y la llevó a la ventana para examinarla con más luz, mientras el rubor producido por la emoción se le subía hasta la misma frente–… es, estoy casi seguro… pero tengo aquí un libro de plantas de la India… –Cogió un volumen de la librería y se puso a pasar las páginas con dedos temblorosos–. ¡Sí! ¡Compárela con este dibujo! ¡Es idéntica! Esta es la flor del upas, un árbol que crece por lo general sólo en el corazón de la selva; y la flor se marchita tan rápido una vez cortada, ¡que resulta prácticamente imposible conservar su forma o color más allá siquiera de sus contornos! Y, aun así, ¡esta está en plena floración! ¿Dónde ha conseguido estas flores? –añadió con jadeante ansiedad.

Yo le eché una mirada a Silvia, quien, silenciosa y solemnemente, se llevó un dedo a los labios, y luego le hizo una seña a Bruno para que la siguiera, y corrió afuera al jardín; y me vi en la situación de un acusado en un juicio cuyos dos principales testigos han sido conducidos repentinamente fuera de la sala.

¡Permítame regalarle las flores! –balbuceé finalmente, sin idea alguna de cómo salir del atolladero–. ¡Usted sabe mucho más que yo sobre ellas!

¡Las acepto con sumo agradecimiento! Pero todavía no me ha dicho… –había comenzado a decir el earl, cuando fuimos interrumpidos, para mi gran alivio, por la llegada de Eric Lindon.”

El navío partió rumbo a occidente:

su albatros emprendió el vuelo;

una punzada en el pecho ella siente,

pues queda sola y en duelo.

Mas una reveladora sonrisa

se dibuja en su semblante:

«¡Pensará en mí… ¡oh, sí, pensará en mí

en tanto se halle distante!

»Aunque tú, océano, te interpones,

su unión dos vidas proclaman:

no hay distancia entre fieles corazones

que con tal pasión se aman.

Y confío en que mi buen marinero,

por siempre, y a cada instante,

pensará en mí… ¡oh, sí, pensará en mí

mientras se encuentre distante!».”

Con objeto de ahorrarle más sufrimiento a mi amigo, me levanté para marcharme justo en el momento en que el earl se disponía a repetir su particularmente embarazosa pregunta acerca de las flores.

Todavía no me ha…

¡Sí, ya he probado el té, gracias! –corrí a atajarlo–. Y ya es más que hora de que nos vayamos. ¡Buenas noches, lady Muriel!”

Sí, ya no hay remedio –terció Silvia–, ¡pero les dará lástima cuando descubran que han desaparecido!

¿Cómo van a desaparecer?

Bueno, el cómo, no lo sé. Pero se esfumarán. El ramillete no era más que un flizz, ¿sabe? Bruno lo creó.

El buqué se desvaneció, como Silvia había augurado, y 1 o 2 días después, al realizar Arthur y yo una nueva visita al Hall, encontramos al earl y a su hija, junto con la anciana ama de llaves, fuera en el jardín, examinando los cierres de la ventana del salón.

Estamos llevando a cabo una investigación –explicó lady Muriel, acercándose para recibirnos–, y los admitimos en ella, como inductores del suceso, para que nos cuenten todo lo que saben acerca de esas flores.”

—…Las flores han desaparecido durante la noche –continuó, volviéndose hacia Arthur–, y tenemos la completa seguridad de que nadie de la casa las ha tocado. Alguien ha debido de entrar por la ventana…

Pero los cierres no han sido forzados –informó el earl.

Tuvo que ser mientras usted se hallaba cenando, milady –dijo el ama de llaves.

Eso es –asintió el earl–. El ladrón debió de verle traer las flores –se dirigió a mí–, y advertiría que no las llevaba consigo al marcharse. Y debía de estar al tanto de su gran valor, ¡el cual es sencillamente inestimable! –exclamó, preso súbitamente de la excitación.

¡Y usted no llegó a decirnos cómo las consiguió! –afirmó lady Muriel.

Tal vez algún día –balbuceé yo– me sea posible decírselo. Pero por el momento, ¿me dispensarían de ello?

El earl puso cara de decepción, pero contestó de forma amable:

Está bien, no haremos preguntas.

Aunque le consideraremos un pésimo testigo de la acusación –añadió lady Muriel en tono pícaro, al tiempo que accedíamos al cenador–. Lo declaramos a usted cómplice del robo, y lo sentenciamos a reclusión en aislamiento y a ser alimentado con agua, pan y… mantequilla. ¿Quiere azúcar?

—…Si, al menos, las flores hubieran sido comestibles, uno podría haber sospechado de un ladrón de muy distinto tipo…

¿Se refiere a esa explicación universal para todas las desapariciones misteriosas: que el culpable fue el gato? –dijo Arthur.

Así es –respondió ella–. ¡Qué conveniente sería que todos los ladrones fueran del mismo tipo! ¡Resulta tan confuso que unos sean cuadrúpedos y otros bípedos!

A ARTE DA TELEOLOGIA OU A TELEOLOGIA DA ARTE: “¿Le vale así?: el último suceso es un efecto del primero, pero la necesidad de ese suceso es una causa de la necesidad del primero.”

ZERO PATHOS, INFINITAS PATAS…FÍSICAS: “Por ejemplo, la raza humana posee un tipo de forma: bípeda. Otro conjunto, que va del león al ratón, es cuadrúpedo. Baje 1 peldaño o 2 más y llegará a los insectos de 6 patas: hexápodos; un nombre precioso, ¿no es cierto? Pero la belleza, en nuestro sentido de la palabra, parece disminuir a medida que descendemos: la criatura se vuelve más… yo no calificaría de «fea» a ninguna de las criaturas de Dios… más tosca. Y, cuando cogemos el microscopio, y seguimos bajando, nos topamos con animálculos, terriblemente toscos, ¡y con un número de patas inmenso!”

“…las ranas y las arañas no nos son exactamente necesarias, ¿verdad, Muriel?

Lady Muriel se estremeció perceptiblemente: saltaba a la vista que era un tema desagradable.”

¡La grandiosidad del paisaje, cuál si no! Está claro que la grandiosidad de una montaña, según mi percepción, depende de su tamaño relativo con el mío. Doble la altura de la montaña, y naturalmente se vuelve 2 veces más grandiosa. Reduzca la mía a la mitad, y producirá el mismo efecto.

A solução está no advento dos pigmeus nesta hercúlea Terra, que uma vez já derrubou os desdenhosos gigantes!

Pero déjeme proseguir –pidió el earl–. Tendremos una 3ª raza de hombres, de 10 centímetros de altura; una 4ª, de 2 centímetros…

¡No podrían comer ternera y carnero normal, estoy segura! –interpuso lady Muriel.

Cierto, hija mía, se me olvidaba. Cada grupo debe tener sus propias vacas y ovejas.

Y su propia vegetación –añadí yo–. ¿Qué podría hacer una vaca de 2 centímetros de altura con una hierba que se mece con el viento muy por encima de su cabeza?

Es cierto. Hemos de contar con un pasto dentro del pasto, por así decirlo. La hierba corriente haría las veces de un verde palmeral para nuestras vacas de 2 centímetros, a la vez que en torno a la raíz de cada alto tallo se extendería una diminuta alfombra de hierba microscópica. Sí, creo que nuestro esquema funcionará relativamente bien. Y resultaría muy interesante entrar en contacto con las razas por debajo de nosotros. ¡Los bulldogs de 2 centímetros serían unas criaturitas preciosas! ¡Dudo que nadie pudiera echar a correr al verlos, ni siquiera Muriel!

¿No crees que deberíamos tener igualmente una serie in crescendo? –planteó lady Muriel–. ¡Imagínate medir 100 metros de alto! ¡Uno podría utilizar un elefante como pisapapeles y un cocodrilo como tijeras!

[Pero entonces la Inglaterra destruiría el mundo!]

¿Y haría usted que las razas de diferentes tamaños se comunicasen entre sí? –inquirí–. ¿Entrarían en guerra unas con otras, por ejemplo, o firmarían tratados?

Pienso que hemos de descartar la guerra. Cuando uno es capaz de aplastar una nación entera de un solo puñetazo, no puede llevar a cabo una guerra en igualdad de condiciones. Pero cualquier cosa que involucrara únicamente un choque de intelectos sería posible en nuestro mundo ideal, pues, naturalmente, debemos conceder capacidades mentales a todos, independientemente del tamaño. Quizá la regla más justa sería que, cuanto más pequeña fuese la raza, ¡mayor debería ser su desarrollo intelectual!

¿Estás diciendo –intervino lady Muriel– que esos hombrecillos de 2 centímetros discutirán conmigo?

¡Desde luego, desde luego! –afirmó el earl–. ¡La fuerza lógica de un argumento no depende del tamaño de la criatura que lo expone!

Ella sacudió la cabeza con indignación.

¡Yo no discutiría con ningún hombre que midiera menos de 15 centímetros! –exclamó–. ¡Lo pondría a trabajar!

¿En qué? –quiso saber Arthur, que escuchaba todos aquellos disparates con una sonrisa divertida.

¡Bordando! –respondió ella al instante–. ¡Qué bordados más bonitos haría!

No obstante, si hicieran un mal trabajo –apunté yo– no podrías discutir la cuestión. No sé por qué, pero convengo en que no podría hacerse.

La razón es –explicó lady Muriel– que uno no podría sacrificar hasta tal punto su dignidad.

¡Por supuesto que no! –se mostró Arthur inmediatamente de acuerdo–. Sería como discutir con una patata. Disculpen el juego de palabras, ¡pero eso enterraría por completo la propia dignidad!

Con Bduno no se discute!

el persistente zumbido de las abejas me confundía, y el aire transmitía una somnolencia que interrumpía y mandaba a la cama cada pensamiento antes de haber sido completamente formado; así que lo único que pude decir fue:

Eso depende por fuerza del peso de la patata.”

«¡Qué extraño! Estaba seguro de encontrarme hablando con lady Muriel. ¡Pero se trataba de Silvia desde el principio!». E hice otro gran esfuerzo por decir algo que tuviera algún sentido:

¿Es por la patata?”

Y puse todo mi empeño en dar unos pocos pasos, pero el suelo se deslizó hacia atrás, exactamente a la misma velocidad que yo era capaz de imprimir a mis piernas, de modo que no avancé ni un ápice. Silvia se echó a reír otra vez.”

¡Es usted un anciano adorable! –exclamó, poniéndose de puntillas para darle un beso, mientras él se inclinaba con solemnidad para recibir el saludo–. ¡Consigue dejarme perpleja! ¡Son varios los niños a los que no he estado chinchando!

El profesor regresó junto a su amigo, y en esta ocasión la voz dijo:

Dile que los traiga aquí… ¡a todos!

O mais provável é que no mundo exótico o professor se veja em terceira pessoa (como idoso) e esteja reencarnado espiritualmente como criança,¹ agora que a transformação em fada dos dois irmãos foi completada. (Assim foi, efetivamente, por um tempo.)

¹ Já essa teoria não pôde se confirmar.

Es Bruno quien llora, y es mi hermano, y, por favor, los 2 queremos irnos; él no puede caminar, ¿sabe?; está… soñando, ¿ve usted? –Esto lo dijo en un susurro, por miedo a herir mis sentimientos–. ¡Permítanos atravesar la Puerta de Marfil!”

Será que o professor se transformou no próprio Bruno? Sabemos quem é Sílvia no mundo real, mas não havia a contraparte “brunífera”. Deveria ser Arthur, conquanto… um casal romântico incestuoso não é recomendável para um romance infantil! No fim, Bruno não era ninguém…

Resultaba muy difícil estirar las piernas lo suficiente como para tocar el suelo, mientras Silvia me guiaba a través del estudio.”

Apenas tuve tiempo de echar una ojeada al otro profesor, el cual se encontraba sentado leyendo, de espaldas a nosotros, antes de que el profesor nos hiciera pasar por la puerta, y la cerrara después. Bruno se encontraba allí, cubriéndose el rostro con las manos y llorando amargamente.” A segunda hipótese foi descartada (observação já da 1ª leitura)!

¿Pod qué existen las pieddas? Hombde señod, ¿lo sabe usted?

Tienen una utilidad –dije yo–, aunque no sepamos cuál. ¿Para qué sirven los dientes de león, por ejemplo?

¡Bruno! –murmuró Silvia en tono reprobatorio–. ¡No debes decir «hombre» y «señor» a la vez! ¡Recuerda lo que te expliqué!

¡Nunca ha habido niño más impertinentísimo! –se exasperó Silvia, frunciendo el ceño hasta que sus resplandecientes ojos dejaron prácticamente de verse.

¡Y nunca ha habido niña más ignorantísima! –replicó Bruno–.

¿Pero por qué dices «dieleontes», Bruno? La palabra correcta es «dientes de león».

Es por ir dando tantos brincos –dijo Silvia, riendo.

Sí, así es –asintió Bruno–. Silvia me dice las palabdas, y entonces, cuando doy saltos, se baten todas en mi cabeza… ¡hasta que hacen espuma!

Entonces, ¿no encontró usted el camino de regreso a Exotilandia? –le pregunté al profesor.

¡Oh, sí que lo hice! –contestó–. No dimos con la calle Estrafalaria, pero hallé otro camino. He ido y vuelto varias veces desde entonces. Tenía que estar presente en las elecciones, ¿sabe?, como autor de la nueva Ley Monetaria. El emperador exhibió tal amabilidad que deseó que yo conservase el mérito de la misma. «¡Ocurra lo que ocurra (recuerdo perfectamente las palabras del discurso imperial), si resultara estar vivo el rector, vosotros daréis fe de que el cambio de moneda es obra del profesor, y no mía!» ¡Nunca antes en mi vida me habían ensalzado tanto! –Unas lágrimas resbalaron por sus mejillas con el recuerdo, el cual al parecer no era agradable en su totalidad.

¿Se ha dado al rector por muerto?

Un bufón itinerante, que iba con un oso bailarín (los cuales se las arreglaron para entrar en palacio, un día), ha estado diciéndole a la gente que viene de Hadalandia, y que el rector murió allí. Yo quería que el vicerrector lo interrogara pero, por desgracia, milady y él siempre se encontraban fuera dando un paseo cuando aparecía el bufón. Sí, ¡se ha dado por muerto al rector! –Y las mejillas del anciano se vieron surcadas por más lágrimas.”

Quería hacer que todos los habitantes de Exotilandia fuesen el doble de ricos que antes para así aumentar la popularidad del nuevo Gobierno. El problema era que casi no había dinero en el tesoro público para hacerlo. De modo que yo sugerí que podía conseguirlo doblando el valor de cada moneda y billete de Exotilandia. Es la solución más sencilla posible. ¡Me extraña que a nadie se le ocurriese antes! Nunca se vio un alborozo tan generalizado. Las tiendas están repletas de gente de sol a sol. ¡Todo el mundo compra de todo!”

¿Cómo de lejos queda Exotilandia? –inquirí, para cambiar de tema.

A unos 5 días de marcha, pero uno debe regresar cada cierto tiempo. Como profesor de la corte, he de estar en todo momento con el príncipe Uggug, ¿comprende? La emperatriz se pondría furiosa si lo dejara solo, aunque fuera únicamente por una hora.

Pero, sin duda, cada vez que viene aquí se ausenta durante 10 días como mínimo, ¿no es cierto?

¡Oh, más aún! –exclamó el profesor–. Una quincena, en ocasiones. Pero, naturalmente, tomo nota de la hora exacta de mi salida ¡para poder hacer retroceder el tiempo de la corte a ese mismo instante!

Perdone –dije yo–. No comprendo.

Sin contestar, el profesor extrajo de su bolsillo un reloj de oro cuadrado, con 6 u 8 manecillas, y lo sostuvo en el aire para que yo lo inspeccionara.

Esto –empezó– es un reloj exotilandés…

Debí haberlo supuesto.

…que posee la peculiar propiedad de que, en vez de marchar con el tiempo, es este el que marcha con el reloj. Confío en que ahora me haya entendido.

Apenas –admití.

Permita que le explique. Si no se manipula, sigue su propio ritmo. El tiempo no le afecta.

He conocido relojes así –observé.

Hacerlo hacia delante, sobrepasando la hora real, es imposible, pero puedo moverlas hasta un mes para atrás: ese es el límite. Y entonces uno encuentra que todos los acontecimientos se repiten de nuevo, con cualquier alteración que la experiencia pueda sugerir.”

No lo pruebe ahora. Le prestaré el reloj unos cuantos días para que pueda divertirse haciendo experimentos.”

«¡Ángel adorable! –pensé–. ¿Cómo voy a conseguir que tu mente inocente comprenda la idea del ‘deporte’ de la caza?» Y mientras observábamos, cogidos de la mano, la liebre muerta, de pie frente a ella, traté de explicar el concepto con palabras que ella pudiese entender.”

Pero si a los hombres les gustan las liebres, ¿por qué… por qué…? –la voz le temblaba y sus preciosos ojos estaban inundados de lágrimas.

Mucho me temo que no les gustan, querida niña.

A todos los niños les encantan –señaló Silvia–. Y a todas las damas.

Siento decirlo, pero incluso algunas damas van en ocasiones de cacería.

Silvia se estremeció.

¡Oh, no, las damas no! –suplicó de corazón–. ¡Lady Muriel no!

No, ella nunca lo hace, estoy convencido… pero esta es una visión demasiado triste para ti, querida. Probemos a buscar alguna…

Pero Silvia aún no estaba satisfecha. En un tono solemne y apagado, con la cabeza inclinada y las manos unidas, formuló su pregunta final:

¿Ama Dios a las liebres?

¡Sí! –respondí yo–. ¡De eso no me cabe duda! Ama a todas las criaturas vivientes. Hasta a los hombres que cometen pecados. ¡Cómo no va a amar a los animales, que son incapaces de ello!

No sé qué significa «pecado» –declaró Silvia. Y yo no traté de explicárselo.

Ven, mi niña –dije, intentando alejarla de allí–. Dile adiós a la pobre liebre y vayamos a buscar moras.

En tal caso –observó Silvia–, creo que la patata tendría todo el derecho a preguntarle a usted su peso. ¡Puedo imaginarme sin problemas una patata Jersey Royal de calidad verdaderamente superior rehusando discutir con alguien que pese menos de 95 kilos!

Con un gran esfuerzo recuperé el hilo de mis pensamientos.

¡Qué rápido empezamos a desvariar! –observé.

«¡Y toda esa extraña aventura –pensé– ha ocupado el espacio de una sola coma en el discurso de lady Muriel! ¡Una única coma, para la cual los gramáticos nos dicen que ‘contemos uno’ (Tuve la certeza de que el profesor había hecho retroceder amablemente el tiempo para mí hasta el punto exacto en que me había quedado dormido.)

Cuando, unos minutos después, abandonamos la casa, el primer comentario de Arthur fue sin duda uno extraño.

Hemos pasado ahí sólo 20 minutos –señaló– y no he hecho otra cosa que escuchar tu conversación con lady Muriel, y sin embargo, de algún modo, ¡me siento exactamente como si hubiese estado hablando con ella durante por lo menos 1 hora!”

Pero tenía demasiado aprecio por mi propia reputación de persona cuerda como para atreverme a explicar lo que había sucedido.”

Llegará en el último tren –anunció en el tono de quien está continuando una conversación en vez de empezando otra.

¿Te refieres al capitán Lindon?

Sí, el capitán Lindon –asintió Arthur–. Obvié su nombre porque me pareció que estábamos hablando de él. El earl me dijo que llega esta noche, aunque mañana es el día en que sabrá si le conceden el ascenso que está esperando. Me extraña que no se quede un día más en la ciudad para enterarse del resultado, si es que realmente le preocupa tanto como piensa el earl.

Es un hombre magnífico –reconoció Arthur–, pero confieso que las noticias serían buenas, para mí, ¡si recibiera su ascenso y su orden de incorporación a filas al mismo tiempo! Le deseo toda la felicidad del mundo… con una excepción. ¡Buenas noches! –Habíamos llegado a casa para entonces–. Esta noche no soy una buena compañía… es mejor que esté solo.

¿Quiere unírsenos? –me propuso el earl, después de un intercambio de saludos con él, lady Muriel y el capitán Lindon–. Este joven inquieto está esperando un telegrama y vamos a la estación para recogerlo.

También hay una mujer inquieta implicada –añadió lady Muriel.

Eso se sobreentiende, hija mía –contestó su padre–. ¡Las mujeres nunca están tranquilas!

Para una generosa apreciación de las mejores cualidades de uno mismo –apuntó excelentemente la hija–, no hay nada como un padre, ¿no es cierto, Eric?

Los primos no participan en ello –comentó este, y entonces, de algún modo, la conversación pasó a dos «duólogos», tomando los jóvenes la delantera, con los 2 hombres de mayor edad siguiéndolos a un paso menos ansioso.

¿Y cuándo volveremos a ver a sus pequeños amigos? –preguntó el earl–. Son unos niños singularmente cautivadores.

Estaré encantado de traerlos, cuando pueda –respondí–. Pero yo mismo desconozco cuándo tendré ocasión de verlos otra vez.

No voy a interrogarle –declaró el earl–, pero no hay nada de malo en mencionar que ¡a Muriel sencillamente le atormenta la curiosidad! Conocemos a la mayor parte de la gente de los alrededores y ella ha estado tratando de adivinar sin éxito en qué casa podrían estar alojándose.

Tal vez algún día pueda arrojar un poco de luz al respecto, pero de momento…

Gracias. Tendrá que sobrellevarlo lo mejor que pueda. Le diré que es una gran oportunidad para practicar la paciencia. Pero le cuesta verlo desde ese punto de vista. ¡Vaya, ahí están los niños!

Sí que lo estaban; esperaban (-nos, al parecer) en unas escaleras que permitían salvar una cerca, lo cual no podían haber hecho más que escasos momentos antes, pues lady Muriel y su primo habían pasado por delante de ella sin verlos.

La visión que alberga inicialmente un niño de la vida –comentó el earl, con esa encantadora y triste sonrisa tan suya– es que es un periodo que ha de dedicarse a la acumulación de posesiones que puedan llevar encima. Esa visión se modifica con los años.

Pero el amable anciano no era alguien con quien un niño, ya fuera humano o feérico, pudiera estar cohibido durante mucho tiempo, y al poco ella ya había cambiado mi mano por la suya, permaneciendo únicamente Bruno fiel a su primer amigo. Alcanzamos a la otra pareja justo cuando llegaba a la estación, y tanto lady Muriel como Eric saludaron a los niños como si los conocieran de toda la vida, este último diciendo:

¿Así que llegasteis a Babilonia alumbrándoos sólo con velas, después de todo?”

¿Qué? ¿Los conoces, Eric? –exclamó–. ¡Este misterio crece cada día más!

Entonces debemos andar por el tercer acto –observó Eric–. No esperarás que el misterio se resuelva antes de que llegue el quinto, ¿no?

“…Escenario: un andén del ferrocarril. Se apagan las luces. Entra el príncipe (disfrazado, por supuesto) y su fiel criado. Este es el príncipe… –dijo cogiendo la mano de Bruno–. ¡Y aquí está su humilde sirviente! ¿Qué es lo que ordena a continuación su alteza real? –Y dedicó una reverencia de aires profundamente cortesanos a su desconcertado amiguito.

¡Tú no eres un sidviente! –exclamó Bruno desdeñoso–. ¡Eres un cabellero!”

¡Cuarto acto! –proclamó, con un repentino cambio de tono–. Se encienden las luces. Luces rojas y verdes. Se escucha un lejano retumbar. ¡Entra un tren de pasajeros!”

¿Alguna vez ha convertido la vida real en una obra dramática? –dijo el earl–. Pruebe a hacerlo ahora. A menudo me entretengo así. Considere este andén nuestro escenario. Hay buenas entradas y salidas a ambos lados, ¿ve? Un excelente decorado de fondo: una locomotora real que se desplaza arriba y abajo. Todo este bullicio, y la gente que va de acá para allá, ¡han tenido que requerir un cuidadoso ensayo! ¡Con qué naturalidad actúan! ¡Sin mirar ni un instante al público! Y los grupos son siempre totalmente nuevos, ¿se da cuenta? ¡Nada de repeticiones!

Tan pronto como empecé a asimilar aquel punto de vista, me pareció realmente admirable. Incluso un mozo que pasaba, con una carretilla llena de equipaje, daba tal impresión de realismo que uno sentía la tentación de aplaudir. Tras él apareció una madre enfadada, con el rostro encendido, arrastrando a 2 niños que chillaban, y llamando a alguien que iba detrás: «¡John! ¡Venga!». Entra John, muy sumiso, muy callado, y cargado de paquetes. Y detrás de él, a su vez, venía una asustada y joven niñera, la cual llevaba en brazos a un rechoncho bebé, que también chillaba. Todos los niños lo hacían.

¡Un estupendo detalle de la interpretación! –dijo el anciano en un aparte–. ¿Se ha percatado de la expresión aterrorizada de la niñera? ¡Era sencillamente perfecta!

Ha dado usted con un filón completamente nuevo –aseguré–. Para la mayoría de nosotros la vida y sus placeres se asemejan a una mina que se halla prácticamente agotada.

¡Ya lo ve! –exclamó el earl–. Para cualquiera con verdadero instinto dramático, ¡sólo ha acabado el preludio! Lo bueno aún está por venir. Uno va al teatro, paga los 10 chelines de una butaca, ¿y qué recibe por su dinero? Quizá se trate de un diálogo entre un par de granjeros, poco naturales con sus exageradamente caricaturescos atuendos de granjeros, menos naturales aún en sus forzados gestos y poses, y nada naturales en absoluto en sus intentos por transmitir jovialidad y espontaneidad al hablar. Vaya en cambio a sentarse a un vagón de tren de 3ª clase, ¡y tendrá el mismo diálogo, pero real como la vida misma! Asientos de 1ª fila, sin orquesta que obstruya la visión… ¡y gratis!

Me pregunto si Shakespeare tenía eso en mente –cavilé en voz alta– cuando escribió: «El mundo entero es un escenario».

La vida es, desde luego, un drama; uno con pocos bises… ¡y ningún buqué! –añadió en tono soñador–. ¡Nos pasamos media vida lamentándonos de las cosas que hicimos en la otra mitad!

»Y el secreto para disfrutar de ella –prosiguió, recuperando el tono alegre– ¡es la intensidad!

Pero no en el sentido esteticista moderno, imagino. Como esa joven dama, en Punch,¹ que abre una conversación diciendo:

«¿Es usted intenso?».”

¹ “Punch, or The London Charivari was a British weekly magazine of humour and satire established in 1841 by Henry Mayhew and wood-engraver Ebenezer Landells. Historically, it was most influential in the 1840s and 1850s, when it helped to coin the term “cartoon” in its modern sense as a humorous illustration. From 1850, John Tenniel [ilustrador de Alice no País…] was the chief cartoon artist at the magazine for over 50 years. § After the 1940s, when its circulation peaked, it went into a long decline, closing in 1992. It was revived in 1996, but closed again in 2002.” “the term ‘cartoon’ then meant a finished preliminary sketch on a large piece of cardboard, or cartone in Italian. Punch humorously appropriated the term to refer to its political cartoons, and the popularity of the Punch cartoons led to the term’s widespread use.” “Punch enjoyed an audience including Elizabeth Barrett, Robert Browning, Thomas Carlyle, Edward FitzGerald, Charlotte Brontë, Queen Victoria, Prince Albert, Ralph Waldo Emerson, Emily Dickinson, Herman Melville, Henry Wadsworth Longfellow, and James Russell Lowell.”

Supongamos que A y B están leyendo la misma novela mediocre, sacada de una biblioteca pública. A nunca se preocupa por comprender al cien por cien las relaciones entre los personajes, de las que tal vez dependa todo el interés de la historia; se «salta» todas las descripciones del escenario y todos los pasajes que le parecen relativamente aburridos; a los que sí lee, ni siquiera les dedica una atención somera; sigue con el libro –por el simple deseo de terminar y encontrar otra ocupación– horas después de cuando debería haberlo dejado; ¡y llega al «finis» en un estado de completo hastío y depresión! B se entrega en cuerpo y alma al acto, siguiendo el principio de que «cualquier cosa digna de hacerse, es digna de hacerse bien»; domina las genealogías; evoca imágenes en su mente al tiempo que lee sobre el escenario; lo mejor de todo, cierra con resolución el libro al final de algún capítulo, mientras su interés se halla aún en su punto álgido, y traslada su atención a otras cuestiones; de modo que, la próxima vez que se permite una hora de lectura, es como si un hombre hambriento se sentase a cenar; y, cuando acaba el libro, ¡regresa a su quehacer cotidiano como «un gigante renovado»!”

nunca descubre que es basura, sino que se deja llevar hasta el final, intentando creerse que está disfrutando. B cierra el libro con suavidad, tras haber leído una docena de páginas, se dirige a la biblioteca ¡y lo cambia por uno mejor! Dispongo aún de otra teoría para aumentar el goce vital… es decir, si no he agotado su paciencia. Temo que me considere una vieja cotorra.”

La teoría es que deberíamos experimentar nuestros placeres con rapidez, y nuestros dolores con lentitud.

Pero ¿por qué? Yo lo habría dicho al revés.

Al experimentar el dolor artificial, el cual puede ser tan banal como desee, de manera lenta, el resultado es que, cuando sobreviene un dolor real, por muy severo que este sea, lo único que necesita hacer es dejar que avance a su ritmo normal, ¡y cesará en un momento!

Muy cierto –convine–, pero ¿qué pasa con el placer?

Pues que, al experimentarlo rápidamente, puede introducir una cantidad mucho mayor en la vida. Se requieren 3 horas y media para escuchar y disfrutar de una ópera. Imagine que fuera capaz de asimilarla, y gozar de ella, en media hora. ¡Entonces puedo disfrutar de 7 óperas en el tiempo que usted tarda en escuchar una!

He oído tocar un aire –declaró–, en modo alguno corto, de principio a fin, con variaciones y todo, ¡en 3 segundos!

¿Cuándo? ¿Y cómo? –inquirí ansiosamente, con cierta sensación de estar soñando otra vez.

Lo hizo una pequeña caja de música –respondió con voz suave–. Tras haberle dado cuerda, el regulador, o alguna cosa, se rompió, y la canción entera sonó, como he dicho, en unos 3 segundos. ¡Pero tuvo necesariamente que tocar todas las notas, ya sabe!

¿Y le gustó? –pregunté, con toda la severidad de un abogado en el turno de repreguntas.

¡Pues no! –confesó de forma sincera–. ¡Pero en aquel momento, sabe usted, no tenía el oído educado para apreciar ese tipo de música!

un improvisado drama teatral creado especialmente para mí.”

Hasta donde uno podía tomar nota del tiempo en un momento de horror como aquel, disponía de unos 10 claros segundos, antes de que el expreso llegara a su altura, para cruzar las vías y coger a Bruno. Si lo logró o no, fue algo totalmente imposible de adivinar; lo siguiente que se supo fue que el expreso había pasado, y que, con resultado de vida o muerte, todo había acabado. Cuando la nube de polvo se hubo despejado, y la vía se aclaró de nuevo a nuestros ojos, vimos con el corazón agradecido que el niño y su salvador estaban ilesos.

¡Todo bien! –nos dijo Eric en voz alta y alegre, mientras cruzaba otra vez la vía–. ¡Está más asustado que lastimado!”

No había llegado ningún telegrama.”

¿No sería mejor que os devolviera el reloj del profesor? Cuando seáis hadas os resultará demasiado grande para cargar con él; ya sabéis.”

¡Oh, qué va! –dijo–. Cuando nos hagamos pequeños, ¡el deloj también lo hará!

E irá directamente a las manos del profesor –agregó Silvia– y usted ya no podrá usarlo más, así que más vale que lo haga ahora cuanto pueda. Debemos menguar cuando se ponga el sol. ¡Adiós!

¡Y sólo faltan 2 horas para el crepúsculo! –dije mientras reanudaba mi paseo–. ¡He de aprovechar el tiempo!

Y por fin se fue cada una por su lado. Esperé hasta que se hubieron alejado unos 20 metros la una de la otra, y entonces atrasé el reloj 1 minuto. El instantáneo cambio fue asombroso: las 2 figuras parecieron regresar al momento a donde se encontraban antes.”

y así el diálogo entero se repitió, y, cuando se separaron por 2ª vez, las dejé seguir sus diversos caminos, y continué con mi paseo por el pueblo.”

justo cuando el pensamiento me pasaba por la mente, el accidente que estaba imaginando se produjo. Había una pequeña carreta parada en la puerta del «Gran Almacén de Sombreros de Señora» de Elveston, cargada de cajas de cartón que el carretero estaba transportando al interior de la tienda, una a una. Una de las cajas se había caído al suelo, pero casi no parecía que mereciera la pena acercarse a recogerla, ya que el hombre regresaría en un momento. Sin embargo, en aquel instante, un joven montado en bicicleta dobló bruscamente la esquina de la calle y, al tratar de esquivar la caja, volcó su máquina, y resultó arrojado de cabeza contra la rueda de la carreta. El carretero corrió a socorrerlo, y él y yo levantamos al infortunado ciclista y lo llevamos adentro. Tenía un corte en la cabeza por el que sangraba, y una de sus rodillas parecía herida de gravedad; se decidió, pues, sin demora que lo mejor era trasladarlo de inmediato a la consulta del único traumatólogo del lugar. Ayudé a vaciar la carreta y a colocar en ella unas cuantas almohadas que sirvieran de lecho al herido, y fue únicamente cuando el carretero hubo subido a su asiento en el vehículo, y se disponía a salir para la consulta, que me acordé del extraño poder que poseía para deshacer todo aquel daño.

«¡Mi momento ha llegado!», me dije, mientras hacía retroceder la manecilla del reloj, y vi, casi sin sorprenderme esta vez, que todo regresaba al lugar que ocupaba en el instante crítico en que me percaté inicialmente de la caja caída.

Sin perder 1 segundo, salí a la calle, recogí la caja y la devolví a la carreta; un momento después la bicicleta había torcido la esquina, pasado la carreta sin impedimento ni obstáculo, y desaparecido al poco en la distancia, en una nube de polvo.

«¡El delicioso poder de la magia! –pensé–. ¡Qué cantidad de sufrimiento humano he… no sólo aliviado, sino aniquilado, en realidad!» Y me quedé observando la descarga de la carreta, con una agradable sensación de virtud consciente y el reloj mágico aún abierto en mi mano, pues albergaba curiosidad por saber qué pasaría cuando llegáramos nuevamente al momento exacto en que había hecho retroceder la manecilla.

El resultado fue uno que, de haber meditado la cuestión con detenimiento, podría haber previsto: al alcanzar la marca la manecilla del reloj, la carreta –que ya se había alejado y se encontraba para entonces a media calle de distancia– reapareció de nuevo frente a la puerta, y en el momento de echar a rodar, a la vez que –¡oh, desdichado sueño dorado de universal benevolencia que había deslumbrado mi fantasiosa imaginación!– el joven lesionado retornó a su abultado lecho de almohadas, con su pálida faz contraída en una rígida expresión que revelaba un dolor soportado con entereza.

«¡Oh, reloj mágico, te burlas de mí! –dije para mis adentros, en tanto salía del pueblo y enfilaba el camino hacia la costa que conducía a mi alojamiento–. El bien que creí poder hacer se ha desvanecido como un sueño; ¡el mal de este mundo problemático es la única realidad duradera!»”

Se preguntarían inicialmente quién era yo, después me verían, luego bajarían la cabeza y dejarían de pensar en mí. Y en cuanto a echarme de manera violenta, tal suceso habría de tener lugar necesariamente al principio, en este caso. «De modo que si al final logro entrar –me dije–, ¡todo riesgo de expulsión habrá desaparecido!»

El carlino se sentó sobre sus cuartos traseros, como medida de precaución, a mi paso; pero como no presté atención alguna al tesoro que estaba guardando, me dejó ir sin lanzar siquiera un ladrido de amonestación. «Quien se adueña de mi vida –parecía estar diciéndose, entre sibilantes resuellos– empuña la correa. ¡Pero quien se adueña del Daily Telegraph…!» Mas no me enfrenté a esta espantosa contingencia.” Jornal ainda em operação.

Los presentes en el salón –entré directamente, ¿entiendes?, sin llamar al timbre ni dar aviso alguno de mi acercamiento– eran 4 niñas sonrosadas y risueñas, de edades comprendidas entre los 14 y los 10 años, que aparentemente venían hacia la puerta (mas descubrí que, en realidad, estaban caminando hacia atrás), al tiempo que su madre, sentada junto al fuego con labores de aguja en el regazo, decía, justo en el momento de entrar yo en la habitación: «Ahora, niñas, podéis ir a abrigaros para salir de paseo».

Para mi total asombro –pues no me encontraba todavía acostumbrado a la acción del reloj– «todas las sonrisas cesaron» (utilizando las palabras de Browning) en las 4 bonitas caras, y las niñas sacaron piezas de labor, y se sentaron. Ninguna se percató en lo más mínimo de mi presencia, mientras yo acercaba una silla sin hacer ruido y me sentaba a observarlas.

Una vez desdobladas las costuras, y listas las 4 para empezar, su madre dijo: «¡Por fin habéis terminado! Podéis guardar vuestras labores, niñas». Pero estas hicieron caso omiso del comentario; por el contrario, se pusieron de inmediato a coser, si es que esa es la palabra apropiada para describir una operación que jamás antes había contemplado. Cada una de ellas enhebró su aguja con un corto cabo de hilo, unido a la labor, del que una fuerza invisible comenzó al instante a tirar, haciendo que atravesara la trama y arrastrara la aguja tras de sí; los hábiles dedos de la pequeña costurera cogieron esta en el otro lado, pero sólo para soltarla enseguida, una vez más.” As 4 Moiras & Penélope

Y de este modo procedió el trabajo, deshaciéndose a un ritmo constante, y con los vestiditos cuidadosamente cosidos, o lo que quiera que fuesen, apedazándose sin parar. De tanto en tanto, una de las niñas hacía un alto cuando el hilo recuperado se volvía incómodamente largo, lo enrollaba en un carrete y recomenzaba con otro pequeño cabo.

Finalmente la labor quedó reducida por completo a retazos, que guardaron, y la dama se dirigió en primer lugar a la habitación de al lado, caminando de espaldas, y haciendo el siguiente comentario descabellado: «Todavía no, queridas: primero debemos terminar con la costura».” Pero por que no hablaba al revés??

Tras lo cual, no me sorprendió ver a las niñas brincando de espaldas tras ella, a la vez que exclamaban: «¡Oh, madre, hace un día precioso para salir a pasear!».” Quadro lynchiano.

¿Has visto a gente comer tarta de cerezas, y dejar cada cierto tiempo de manera cuidadosa un hueso del fruto en los platos desde sus labios? Pues algo parecido tuvo lugar durante aquel terrorífico –¿o debería decir tal vez «fantasmagórico»?– banquete. Un tenedor vacío se eleva a los labios, donde recibe una pieza bien cortada de carnero, y rápidamente la lleva hasta el plato, donde se une en el acto y por sí sola a la carne que ya se encuentra allí. Al poco pasaron uno de los platos, provisto de una tajada entera de carnero y dos patatas, al caballero que presidía la mesa, que restituyó en silencio la tajada a la pata, y las patatas a la fuente.

Su conversación resultó ser, si es que ello era posible, más desconcertante que su forma de cenar. Comenzó cuando la muchacha más joven se dirigió, repentinamente y sin provocación previa, a su hermana mayor:

¡Oh, qué cuentista eres! –dijo.

Yo esperaba una contestación desabrida por parte de la hermana pero, en cambio, esta se giró riendo hacia su padre, y dijo, en un estentóreo susurro teatral:

¡Ser ella la novia!

El padre, para cumplir con su parte en una conversación que parecía propia únicamente de lunáticos, contestó:

Susúrramelo al oído, cariño.

Pero ella, en vez de susurrar (aquellas niñas no hacían nunca lo que se les decía), repuso, en voz muy alta:

¡Claro que no! ¡Todo el mundo sabe lo que quiere Dolly!

Y la pequeña Dolly se encogió de hombros, y dijo, terriblemente malhumorada:

¡Vamos, padre, no te metas conmigo! ¡Ya sabes que no quiero ser dama de honor de nadie!

Y la cuarta será Dolly –fue la estúpida respuesta de su padre.

Aquí metió baza la número tres:

¡Oh, pero ya lo han decidido, querida madre, en serio! Mary nos lo contó todo. Será 4 semanas después del próximo martes… y vendrán 3 de sus primas para hacer de damas de honor… y…

¡A ella no se le olvida, Minnie! –contestó la madre entre risas–. ¡Ojalá decidieran casarse de una vez! No me gustan los noviazgos largos.

Y Minnie cerró la conversación –si es que una serie tan caótica de comentarios merece tal nombre– con:

¡Imagínate! Esta mañana pasamos por delante de Cedars, justo cuando Mary Davenant se estaba despidiendo desde la verja del señor… no recuerdo su nombre. Nosotras por supuesto miramos hacia otro lado.

Para entonces me encontraba tan desesperadamente confuso que dejé de escuchar y seguí la cena hasta la cocina. ¿Pero qué necesidad, oh, lector hipercrítico, decidido a no creer ni un punto de esta rara aventura, hay de relatarte cómo el carnero se colocó en el asador, y se desasó lentamente; cómo las patatas se envolvieron en sus pieles, y se entregaron al jardinero para que las

enterrara; cómo, cuando el carnero llegó finalmente a estar crudo, el fuego, que había pasado gradualmente de un infierno al rojo a una simple llama, se extinguió tan bruscamente que el cocinero tuvo apenas el tiempo justo para atrapar su última chispa en el extremo de una cerilla; o cómo la criada, tras haber retirado el carnero del asador, se lo llevó (caminando de espaldas, por supuesto) fuera de la casa, al encuentro del carnicero, el cual venía (también de espaldas) por el camino?

Cuanto más vueltas le daba a aquella extraña aventura, más se enredaba sin solución el misterio, y supuso un verdadero alivio encontrar a Arthur en el camino y convencerlo de que me acompañara al Hall para averiguar qué noticias había traído el telégrafo.”

¡Entonces el telegrama ha llegado! –afirmé.

¿No lo sabía? Oh, lo había olvidado: llegó después de abandonar usted la estación. Sí, todo ha salido bien; Eric ha recibido su ascenso y, como ya ha hablado con Muriel de sus planes, tiene asuntos en la ciudad que debe atender sin demora.

He decidido aceptar un empleo en la India que me han ofrecido. Allí, en el extranjero, supongo que encontraré un motivo por el que vivir; ahora mismo soy incapaz de ver ninguno.”

¿Cuánto lo siente exactamente? –pregunté, con picardía.

Tdes cuadtos de metdo –respondió Bruno con absoluta solemnidad–. Y yo también lo sento un poquitín –agregó, cerrando los ojos para no ver su propia sonrisa.

No se dice «lo ponimos» –apuntó Silvia con gran seriedad.

Bueno, entonces «le ponimos» –saltó su hermano–. ¡Nunca logdo decoddad cuándo hay que usad «lo» y cuándo «le»!

Dejad que os ayude a buscarlo –me ofrecí. De modo que Silvia y yo iniciamos una «expedición» entre todas las flores, pero no dimos con ningún bebé.

¿Y qué tendrá lugar en el teatro? –indagué yo.

Primero celebran su banquete de cumpleaños –explicó Silvia–; después Bruno

representa unos fragmentos de Shakespeare, y luego les cuenta una historia.

No, sólo los interpretará –aclaró Silvia–. No se sabe prácticamente el texto de ninguno. Cuando veo cómo va vestido, tengo que decirles a las ranas de qué personaje se trata. ¡Siempre están impacientes por adivinarlo! ¿No oye cómo preguntan todas «¿Cuál? ¿Cuál?»? –Y así era: hasta que Silvia lo explicó, parecía que únicamente croaban, pero ahora era capaz de distinguir el «¿Cuad? ¿Cuad?» con total claridad.

¿Pero por qué tratan de adivinarlo antes de verlo?

No lo sé –confesó Silvia–, pero siempre lo hacen. ¡A veces empiezan a hacer conjeturas semanas y semanas antes del día!

O relógio do protagonista ainda estará invertendo o tempo?!

Y no tenía sentido, según Bruno, representar un «fragmento» de Shakespeare cuando no había nadie que lo viera (como ves, no me contó a mí como alguien).”

¡Hamlet! –anunció de pronto la voz clara y dulce que yo tan bien conocía. El croar cesó por completo y al instante, y yo me giré hacia el escenario, con cierta curiosidad por ver cuáles eran las ideas de Bruno respecto al comportamiento del personaje más importante de Shakespeare.

Según este eminente intérprete del drama, Hamlet vestía una corta capa negra (que empleaba principalmente para taparse el rostro, como si sufriera un fuerte dolor de muelas), y caminaba separando mucho hacia fuera las puntas de los pies.

¡Sed o no sed! –comentó Hamlet en tono alegre, y después hizo el pino varias veces, provocando la caída de la capa en plena actuación.

Me sentí un poco decepcionado; la concepción que tenía Bruno del papel me parecía falta de solemnidad.

¿No recitará más del soliloquio? –le susurré a Silvia.

Creo que no –me contestó esta de igual forma–. Suele hacer el pino cuando no se sabe más partes del texto.

Bruno había resuelto entretanto la cuestión desapareciendo del escenario, y las ranas se pusieron inmediatamente a preguntar el nombre del próximo personaje.

¡Lo sabréis cuando lo veáis! –gritó Silvia, al tiempo que recolocaba a 2 o 3 ranitas que se las habían arreglado para ponerse de espaldas al escenario–. ¡Macbeth! –añadió, al reaparecer Bruno.

Macbeth se había envuelto en algo que le pasaba por encima de un hombro y bajo el brazo contrario, y que se suponía que era, creo, un plaid(*) escocés. Sujetaba una espina de planta en la mano, con el brazo totalmente extendido, como si le diera un poco de miedo.

(*) Prenda tradicional escocesa, usada especialmente como uniforme de gala por militares y gaiteros, consistente en una pieza alargada de tartán que se envuelve alrededor del cuerpo. Se lleva por lo general en combinación con el conocido kilt, con el cual debe ir siempre a juego. [N. del T.]

¿Es esto una daga? –inquirió Macbeth, con tono de cierta perplejidad, y al momento las ranas elevaron un coro de respuesta: «¡No! ¡No!» (a esas alturas yo ya había aprendido a entender perfectamente su croar).

¡Es una daga! –proclamó Silvia con voz autoritaria–. ¡Callad! –El croar cesó en el acto.

Shakespeare no nos ha dicho, hasta donde yo sé, que Macbeth presentara en su vida privada ningún hábito de tal excentricidad como hacer el pino, pero Bruno lo consideraba claramente una parte absolutamente esencial del personaje, y abandonó el escenario realizando una serie de volteretas. No obstante, regresó otra vez momentos después, con el extremo de un mechón de lana (dejado probablemente en la espina por una oveja que pasaba) bajo el mentón, el cual constituía una magnífica barba, que le llegaba prácticamente hasta los pies.

¡Shylock! –anunció Silvia–. ¡No, disculpad! –rectificó a toda prisa–. ¡El rey Lear! No me había fijado en la corona. (Bruno se había provisto ingeniosamente de una, que le quedaba perfectamente, cortando la parte central de un diente de león a fin de dejar hueco para su cabeza.)

El rey Lear se cruzó de brazos (poniendo su barba en peligro inminente) y dijo, en un suave tono explicativo:

¡Sí, un dey de los pies a la cabeza! –Y a continuación calló, como si se hallara considerando cuál podía ser el mejor modo de demostrar esto. Y aquí, con todo el respeto posible a Bruno como crítico shakespeariano, debo expresar mi opinión de que no era intención del poeta que sus 3 grandes héroes trágicos tuviesen unos hábitos personales tan extrañamente parecidos; al igual que tampoco creo que hubiera aceptado la facultad de hacer el pino como prueba alguna de pertenencia a una casta real. Mas, al parecer, el rey Lear, tras una profunda reflexión, fue incapaz de dar con ningún otro argumento con el que probar su realeza, y, como aquel era el último de los «fragmentos» de Shakespeare («Nunca hacemos más de tres», explicó Silvia en susurros), Bruno ofreció al público una larguísima serie de piruetas antes de retirarse por fin, dejando a las extasiadas ranas en un clamor conjunto de «¡Otro! ¡Otro!» que supongo constituía su modo de pedir un bis. Pero Bruno no resurgió en escena hasta que llegó el momento de contar la historia.

Cuando al fin apareció caracterizado de sí mismo, noté un sensible cambio en su comportamiento. No ejecutó más volteretas. Obviamente opinaba que, por muy apropiado que pudiera ser el hábito de hacer el pino para don nadies como Hamlet y el rey Lear, Bruno jamás sacrificaría su dignidad hasta tal punto.

Había una vez un datón y un cocoddilo y un hombde y una cabda y un león. –Nunca antes había escuchado introducir el dramatis personae en una avalancha tan temerariamente atropellada, y esta me dejó sin aliento alguno. Hasta Silvia se quedó boquiabierta, y dejó que 3 de las ranas, que parecían haber empezado a cansarse del espectáculo, se metieran de un brinco en la zanja sin realizar ningún intento de detenerlas.

»Y el datón encontdó un zapato, y cdeyó que era una tdampa para datones. Así que se metió dentdo, y se quedó allí muchósimo tiempo. —¿Y por qué se quedó? –preguntó Silvia. Su función parecía ser muy similar a la del coro en una obra griega: tenía que espolear al orador, y hacerlo hablar mediante una serie de preguntas inteligentes.

Podque cdeía que no podía salid de allí –explicó Bruno–. Era un datón listo. ¡Sabía que no podía escapad de las tdampas!

Al parecer, tenían los niños su tamaño “normal” de hada en esta escena… Pues, ¿qué diente-de-león va a ser corona para una cabeza, no fuera una microcabeza, mismo la de un niñito?

Pero ¿por qué entró en un principio? –insistió Silvia.

…y saltó y saltó –continuó Bruno, ignorando la pregunta–, y pod fin logdó salid. Entonces miró la etiqueta del zapato. Y en ella aparecía el nombde del hombde, pod lo que supo que no era su zapato.

¿Había pensado que lo era? –atacó de nuevo Silvia.

¿No te he dicho ya que cdeía que era una tdampa para datones? –replicó el indignado orador–. Pod favod, hombde señod, ¿podería haced que Silvia pdestase atención? –Esto hizo callar a su hermana, que pasó a ser toda oídos; de hecho, ella y yo habíamos pasado a ser la práctica totalidad de la audiencia, pues las ranas no paraban de marcharse dando saltos, y apenas quedaban ya allí unas pocas.

»Así que el datón le dio al hombde su zapato. Y el hombde se puso a dad botes, podque sólo tenía uno, y tenía muchas ganas de encontdad el otdo.

En ese momento aventuré una pregunta:

¿Te refieres a botes de alegría o a que iba a la pata coja?

A las 2 cosas –dijo Bruno–. Y el hombde sacó a la cabda del saco. –«Pero no habías mencionado el saco antes», dije yo. «Ni lo volveré a haced», contestó Bruno–. Y le dijo a la cabda: «Te quedarás pod aquí hasta que yo vuelva». Y el hombde se fue y cayó en un pdofundo hoyo. Y la cabda dio vueltas y más vueltas. Y pasó bajo el ádbol. Y meneó la cola. Y levantó la vista hacia el ádbol. Y cantó una tdiste cancioncilla. ¡Nunca habéis oído una igual!

¿Puedes cantarla, Bruno? –le pedí.

Sí, puedo –respondió Bruno en el acto–. Pero no lo haré. Haría llorad a Silvia…

¡No es cierto! –lo cortó Silvia con gran indignación–. ¡Y no me creo para nada que la cabra la cantara!

¡Sí que lo hizo! –aseguró Bruno–. La cantó entera. Yo vi cómo la cantaba con su ladga badba…

No pudo cantarla con su barba –interpuse yo, esperando pillar al pequeñajo–: una barba no es una voz.

¡Pues entonces no poderías pasead con Silvia! –exclamó Bruno en tono triunfal–. ¡Ella no es un pie!

Decidí que lo mejor era seguir el ejemplo de Silvia y guardar silencio por un rato. Bruno era demasiado listo para nosotros.

Y cuando tedminó de cantad la canción, salió coriendo: en busca del hombde, ya sabéis. Y el cocoddilo fue detdás de ella, para moddedla, ¿entendéis? Y el datón siguió al cocoddilo.

¿No iba corriendo el cocodrilo? –inquirió Silvia, que luego se dirigió a mí–: Los cocodrilos corren, ¿no?

Yo sugerí que lo correcto era decir que «se arrastran».

No coría –aclaró Bruno– y no se arastdaba. Se movía con dificultad como un baúl de viaje. Y levantaba tantósimo la badbilla al caminad…

¿Por qué lo hacía? –lo interrumpió Silvia nuevamente.

¡Podque no le dolían las muelas! –espetó Bruno–. ¿Es que necesitas que lo esplique todo? Si le habieran dolido las muelas, naturalmente habdía ido con la cabeza baja, así, ¡y se la habdía envuelto en un montón de mantas calientes!

Si hubiera tenido alguna –arguyó Silvia.

¡Claro que tenía! –replicó su hermano–. ¿Acaso piensas que los cocoddilos salen a pasead sin mantas? Y fdunció el entdecejo. ¡Y a la cabda sus cejas le dieron muchósimo miedo!

Así que el hombde saltó, y saltó, y finalmente consiguió salid del hoyo.”

Silvia se quedó otra vez ligeramente boquiabierta por el asombro: aquel rápido salto de un personaje a otro de la historia la había dejado sin aliento.

Y salió coriendo… en busca de la cabda, ya sabéis. Y oyó gduñid al león…”

Los leones no gruñen –dijo Silvia.

Este sí –afirmó Bruno–. Y tenía la boca gdande como un admario. Y en ella cabían un montón de cosas. Y el león pedsiguió al hombde… para comédselo, ¿sabéis? Y el datón coría detdás del león.

Pero el ratón corría tras el cocodrilo –recordé yo–; ¡no podía perseguir a los dos!

Bruno dejó escapar un suspiro ante la falta de luces de su público, pero explicó de manera muy paciente:

Sí que pedseguía a los dos: ¡podque iban en la misma dirección! Cogió pdimero al cocoddilo, y después no alcanzó al león. Y cuando cogió al cocoddilo, como tenía unas tenazas en el bolsillo, ¿qué cdeéis que hizo?

No se me ocurre nada –reconoció Silvia.

¡Nadie podería adivinadlo! –gritó Bruno con gran regocijo–. ¡Pues que le sacó el diente al cocoddilo!

¿Qué diente? –me atreví a preguntar.

Pero no había manera de poner en apuros a Bruno.

¡El diente con el que iba a modded a la cabda, pod supuesto!

No podía estar seguro de que no lo iba a hacer –sostuve–, a no ser que le sacara todos los dientes.”

¡Le… sacó… todos… los dientes!

¿Y por qué se quedó esperando el cocodrilo a que se los sacaran? –planteó Silvia.

No le quedó más demedio –sentenció Bruno.

Yo aventuré otra pregunta:

¿Pero qué pasó con el hombre que dijo: «Puedes quedarte por aquí hasta que yo vuelva»?

No dijo «puedes quedadte» –explicó Bruno–. Dijo «te quedarás». Igual que me dice Silvia: «Estudiarás tus leciones hasta las 12». ¡Oh, ojalá –añadió con un leve suspiro– Silvia dijera: «Puedes estudiad tus leciones»!

¿Pero qué pasó con el hombre?

Bueno, el león se alabanzó sobde él. Pero taddó tanto en caed que estuvo tdes semanas en el aire…

¿Y se quedó el hombre esperando todo ese tiempo? –inquirí.

¡Claro que no! –repuso Bruno, deslizándose de cabeza por el tallo de la dedalera hasta el suelo, pues la historia se acercaba claramente a su fin–. Vendió su casa e hizo las maletas, mientdas el león caía. Y se mudó a otda ciudad. Así que el león se comió al hombde equivocado.

Aquello era obviamente la moraleja; de manera que Silvia realizó su último anuncio a las ranas:

¡La historia ha acabado! ¡Y de veras que no sé –agregó, en un aparte hacia mí– qué es lo que hemos de aprender de ella!

Yo tampoco lo tenía del todo claro, así que no sugerí nada, pero las ranas parecían bastante contentas, con moraleja o sin ella, y se limitaron a elevar en ronco coro «¡Adiós! ¡Adiós!» mientras se alejaban dando brincos.

Lady Muriel se encontraba absolutamente radiante de felicidad: a la luz de aquella sonrisa, la tristeza no podía existir, e incluso Arthur recobró el buen ánimo ante ella, y, cuando lady Muriel comentó: «Como ve, estoy regando mis flores, aun cuando hoy es el día del sabbat», su voz casi mostró el viejo tono de alegría en su respuesta:

Las obras piadosas se permiten incluso en sabbat. Pero hoy no lo es. El día del sabbat ya no existe.”

¿Entonces usted permitiría a los niños jugar en domingo?

Sin duda. ¿Por qué convertirlo en un día fastidioso para sus naturalezas inquietas?

«¡Los domingos no debo jugar con mi muñeca! ¡Los domingos no debo cavar en el jardín!». ¡Pobre niña! ¡Desde luego tenía abundantes motivos para odiar el domingo!”

Cuando, siendo niña, abría por primera vez los ojos en una mañana de domingo, una deprimente sensación de anticipación, que aparecía como muy tarde el viernes, culminaba. Sabía lo que me aguardaba, y mi deseo interior, por no decir expreso, era: «¡Ojalá fuera ya por la tarde!». No se trataba de un día de descanso, sino de lecturas, catecismos (el de Watts) y tratados sobre conversos, criadas piadosas y muertes edificantes de pecadores que salvaron su alma.

Desde primera hora debíamos aprender de memoria himnos y pasajes de las Escrituras hasta las 8 en punto, momento en que orábamos en familia, para después desayunar, de lo cual nunca me era posible disfrutar, en parte por el ayuno previo, y en parte por el terror a lo que aún me esperaba.

A las 9 comenzaba la escuela dominical, y me indignaba que me pusieran en clase con los niños del pueblo, además de preocuparme que, en caso de cometer alguna equivocación, me humillaran delante de ellos.

El servicio religioso era un verdadero desierto de Zin [Israel]. Yo deambulaba por él, e instalaba el tabernáculo de mis pensamientos en el forro del cuadrado banco de la familia, los revoltosos movimientos de mis hermanos pequeños y el horror de saber que, el lunes, tendría que escribir, de memoria, una recapitulación del improvisado e inconexo sermón, el cual podía tratar de cualquier cosa menos de lo que se le suponía, y que sería juzgada por el resultado.

A continuación teníamos un almuerzo frío a la 1 (los criados no trabajaban ese día), escuela dominical otra vez de 2 a 4, y oficio de tarde a las 6. Los tiempos muertos entre una cosa y otra eran quizá la prueba más dura de todas, debido a los esfuerzos que tenía que hacer para pecar menos de lo habitual, leyendo libros y sermones tan estériles como el mar Muerto. Tan sólo había un horizonte de esperanza durante todo el día, y ese era la «hora de dormir», ¡la cual nunca llegaba demasiado pronto!”

El de que toda la naturaleza sigue unas leyes inmutables y ordenadas… la ciencia lo ha demostrado. De modo que pedirle a Dios que haga cualquier cosa (excepto cuando rezamos por bendiciones espirituales, por supuesto) es esperar un milagro, y no tenemos ningún derecho a hacer eso.

Sí, pero ahí entra en juego el libre albedrío; puedo elegir esto o aquello, y Dios puede influir en mi decisión.

¿De modo que no es usted fatalista?

¡Oh, no! –exclamó ella con franqueza.

—…¿Está de acuerdo entonces con que puedo, por un acto de libre voluntad, mover esta taza –continuó, acompañando la palabra con la acción– en esta o esta otra dirección?

Así es.

Mi mano se mueve debido a que ciertas fuerzas (eléctricas, magnéticas o de cualquier tipo que la «fuerza nerviosa» pruebe ser) actúan sobre ella por medio de mi cerebro. El origen de esa fuerza nerviosa, almacenada en este órgano, podría atribuirse probablemente, en caso de que la ciencia estuviese completa, a fuerzas químicas con que la sangre provee al cerebro, y que en última instancia derivan de la comida que ingiero y del aire que respiro.

¿Pero no sería eso fatalismo? ¿Dónde participa ahí el libre albedrío?

En la elección de los nervios –contestó Arthur–. La fuerza nerviosa del cerebro puede fluir de forma igualmente natural por un nervio que por otro. Hace falta algo más que una ley natural inmutable para decidir qué nervio la transmitirá. Ese «algo» es el libre albedrío.

Los ojos de lady Muriel brillaron.

«¿Instruirá al Todopoderoso quien con Él contiende?». ¿Negaremos nosotros, «el enjambre que nació al sol del mediodía», sintiendo en nuestro interior el poder de dirigir, hacia un sitio u otro, las fuerzas de la naturaleza (de la cual constituimos una parte tan insignificante), negaremos, en nuestra arrogancia sin límites, ese poder al Anciano de los Días? Diciendo a nuestro creador: «No pases de ahí. Fuiste el creador, ¡pero no puedes gobernar!»?

«Pues ¿cómo sabes tú, mujer, si salvarás a tu marido?»

I Corintios 7,16

Oh, nunca una estrella

se perdió aquí: ¡se alzaba en la lejanía!

¡Mira al este, donde miles más habitan!

¿Qué avatar en su tierra Visnú tendría?”

Robert Browning

El oeste es la tumba apropiada para todo el pesar y los suspiros, para todos los errores y las insensateces del pasado; ¡para todas sus esperanzas marchitas y sus amores enterrados! ¡Del este llega una fuerza, una ambición, una esperanza, una vida y un amor renovados! ¡Mira al este! ¡Sí, mira al este!

Mira al este!

» ¡Que desaparezcan, con la noche, el recuerdo de un amor difunto, las hojas marchitas de una esperanza malograda y las enfermizas tribulaciones y los sombríos remordimientos que aturden las mejores energías del alma, y que surjan, creciendo, ascendiendo como una riada viviente, la determinación viril, la voluntad tenaz y la mirada a los cielos de la fe: el fundamento de toda esperanza, la evidencia de lo invisible! »

Sueños, que eluden la comprensión del soñador;

manos rígidas, sobre el pecho de una difunta

madre, que nunca más devolverán con amor

los abrazos, ni tornarán ante el llanto en cuna;

de tales formas es mi deseo presentar

el relato que aquí acaba. ¡Deliciosa hada

que velas por aquel que vive para chincharte;

que quieres de corazón, que de broma regañas

al alegre y revoltoso Bruno! ¿Quién, al verte,

puede no amarte, preciosa, como lo hago yo?

¡Mi dulce Silvia, debemos decirnos adiós!”

* * *

[¡] Prefacio [!]

Permítanme expresar aquí mi sincera gratitud hacia los muchos críticos que han reseñado, ya sea de manera favorable o desfavorable, el volumen anterior.” “Ambos han servido sin duda para que el libro fuese más conocido y han ayudado a que el público lector se formara sus opiniones de él. Permítanme asimismo asegurarles aquí que el que me haya abstenido prudentemente de leer cualquiera de sus críticas no se debe a que no sienta respeto alguno por ellas. Soy de la sólida opinión de que un autor haría muy bien en no leer recensiones de sus libros: las desfavorables casi con toda seguridad le harán enfadarse, y las favorables, engreírse; y ninguno de estos resultados es deseable.” El Dostoievski inglés!

Me han llegado críticas, no obstante, de fuentes privadas, y mi intención es dar contestación a algunas de ellas. Una de tales críticas protesta por la censura excesivamente severa que hace Arthur sobre la cuestión de los sermones y los niños de los coros. Déjenme decirles, en respuesta, que no me responsabilizo personalmente de ninguna de las opiniones vertidas por los personajes de mi libro. Son tan sólo opiniones que, a mi juicio, podrían probablemente sostener las personas en cuyas bocas las pongo, y que eran dignas de tomarse en consideración.”

Respecto a ca’n’t, no se discutirá que, en todas las demás palabras terminadas en «n’t», estas letras son una abreviación de not; ¡y resulta sin duda absurdo suponer que, en este caso aislado, not queda representado por «’t»! De hecho, can’t es la abreviación adecuada de can it, del mismo modo que is’t lo es de is it. De nuevo, en wo’n’t, el primer apóstrofo es necesario porque la palabra would queda acortada aquí a wo’; pero considero correcto escribir don’t con un solo apóstrofo, porque la palabra do está aquí completa. En cuanto a palabras como traveler, sostengo que el principio correcto es doblar la consonante cuando el acento cae en esa sílaba, y dejar sólo una en caso contrario. Esta regla se observa en la mayoría de los casos (p.e., doblamos la «r» en preferred, pero dejamos una en offered), de manera que sólo estoy extendiendo a otros una regla ya existente. Admito, sin embargo, que no escribo parallel, como esta exigiría; pero es la etimología quien nos obliga a insertar la doble «l» en dicha palabra.”

Fue en 1873, creo ahora, cuando se me ocurrió por primera vez la idea de que un pequeño cuento de hadas (escrito, en 1867, para Aunt Judy’s Magazine, bajo el título de La venganza de Bruno) podría servir como núcleo de una historia más larga.” “De manera que este párrafo ha estado esperando veinte años su oportunidad de salir a imprenta: ¡más del doble del periodo que Horacio, de forma tan prudente, recomendaba «reprimir» las creaciones literarias!”

Y no fue hasta marzo de 1889 cuando, tras haber calculado el número de páginas que ocuparía el relato, decidí dividirlo en 2 partes y publicarlas por separado. Esto hacía necesario escribir una especie de conclusión para el primer volumen, y la mayoría de mis lectores, presumo, consideró esta la conclusión real cuando dicho volumen apareció en diciembre de 1889.”

MELHOR RATOS DO QUE PÉS: “El uso tremendamente peculiar que aquí se hace de un ratón muerto se ha extraído de la vida real. Una vez me encontré con un par de niños muy pequeños, en un jardín, que estaban echando un partido microscópico de críquet para 2. El bate tenía, me parece, más o menos el tamaño de una cuchara de servir, y la mayor distancia alcanzada por la pelota, en sus vuelos más audaces, era de unos 4 o 5 metros. La longitud exacta era por supuesto una cuestión de suprema importancia, y siempre se medía cuidadosamente (compartiendo amigablemente el bateador y el lanzador el duro trabajo) ¡con un ratón muerto!”

Los 2 axiomas cuasimatemáticos citados por Arthur en la p. 209 del vol. I («las cosas que son mayores que una misma cosa son mayores entre sí» y «todos los ángulos son iguales») fueron realmente enunciados, con toda seriedad, por estudiantes de una universidad situada a menos de 100 millas de Ely.”

Vol. II, p. 445. ¡El discurso en torno a la «obstrucción» no es un mero producto de mi imaginación! Está copiado palabra por palabra de las columnas del Standard, y fue pronunciado por sir William Harcourt, quien era, en aquel momento, miembro de la «oposición», en el National Liberal Club, el 16 de julio de 1890.”

Vol. II, p. 529. El comentario del profesor sobre una cola de perro («por ese lado no muerde») lo hizo en realidad un niño cuando lo avisaron del peligro que estaba corriendo por tirar de la cola del perro.”

ya fuese mi audiencia una docena de niñas de una escuela rural, una treintena o cuarentena en un salón londinense, o un centenar en un instituto, siempre las he encontrado francamente interesadas en atender, y profundamente apreciativas de la diversión que el relato proporcionaba.”

SAI PRA LÁ, CAC! “Mi intención era discutir, en este prefacio, de manera más exhaustiva de lo que lo hice en el volumen anterior, la «moralidad de la caza», en relación con las cartas que he recibido de amantes de esta última, en las que señalan los muchos y grandes beneficios que los hombres obtienen de ella, e intentan probar que el sufrimiento que inflige a los animales es demasiado insignificante para ser tenido en cuenta.” “Este es que Dios ha concedido al hombre un derecho absoluto a tomar las vidas de otros animales por cualquier causa que sea razonable, como la de proveerse de alimento, pero que no ha otorgado al hombre el derecho a infligir dolor, salvo en caso de necesidad; que el mero placer, o beneficio, no constituye una de dichos casos, y que, por consiguiente, ese dolor, infligido por esparcimiento, es cruel, luego no está bien.”

El lector de este párrafo probablemente asistió a un sermón la mañana del domingo pasado. Pues bien: que mencione, si es capaz, el nombre del texto, ¡y que exponga el tratamiento que le dio el pastor!” As aulas chatas e obrigatórias tomaram o lugar dos “sermões”… Não sabemos nem de onde vêm, só sabemos que elas existem!

Iglesias y chanzas

el Ejército de Salvación, con la mejor de las intenciones, me temo, ha contribuido en gran medida a que esto sea así, debido a la ordinaria familiaridad con la que tratan las cuestiones sagradas, y está claro que todo aquel que desee vivir con el espíritu de la oración «santificado sea tu nombre» debería hacer lo que esté en su mano, por poco que sea, para frenar eso.”

Navidad de 1893

* * *

Durante el siguiente mes, o 2, mi solitaria vida en la ciudad me pareció, en comparación, desacostumbradamente monótona y tediosa. Extrañaba a los agradables amigos que había dejado en Elveston, el cálido intercambio intelectual, la afinidad que otorgaba a las propias ideas una realidad nueva y vívida, pero quizá, más que nada, echaba en falta la compañía de las 2 hadas –o niños de los sueños, pues todavía no había logrado resolver la cuestión de quiénes o qué eran– cuyas encantadoras travesuras habían iluminado mi vida con su magia.

En horas de oficina –las cuales, me figuro, reducen a la mayoría de los hombres al estado mental de un molinillo de café o un rodillo escurridor–, el tiempo transcurría a toda velocidad como suele ser habitual; era en los recesos de la vida, las desoladas horas en que los libros y los periódicos eran incapaces de seguir satisfaciendo el hastiado apetito, y en que uno, devuelto a sus terribles cavilaciones, trataba –completamente en vano– de poblar el aire vacío con los queridos rostros de los amigos ausentes, cuando la verdadera amargura de la soledad se hacía sentir.

Una tarde, en que la vida me parecía un poco más pesada que de costumbre, fui paseando hasta mi club, no tanto con la esperanza de encontrar allí a algún amigo, pues Londres se hallaba ahora «fuera de la ciudad», sino con la sensación de que allí, al menos, escucharía «dulces palabras pronunciadas por el ser humano», y contactaría con su pensamiento.”

No –contestó Eric, con una voz firme que apenas dejó entrever un atisbo de emoción–; ese compromiso terminó. Sigo siendo «Benedick el hombre no desposado»

¹ Celibatário azedo de uma comédia de Shakespeare. Havia escrito essa curta nota semanas antes de ler Much Ado About NothingBenedick é divertidíssimo, retifico, e o azedume é uma fachada, mas serve como estereótipo-mor do “solteiro convicto” em toda a obra shakespeareana, demonstrando o bom gosto de Eric Lindon!

Aunque mis experiencias con los duendes parecían haber desaparecido de manera tan absoluta de mi vida que nada se encontraba más lejos de mi mente que la idea de volver a ver a mis amigos féericos, reparé entonces por casualidad en una pequeña criatura que se movía entre el césped que bordeaba el camino, y que no daba impresión de ser un insecto, ni una rana, ni ninguna otra criatura viva que pudiera concebir. Arrodillándome con cuidado, y creando una jaula improvisada con mis dos manos, atrapé al pequeño andarín, y me asaltó una súbita sensación de sorpresa y placer al descubrir que mi prisionero no era otro que ¡el mismísimo Bruno!”

Los conocimientos gramaticales de Bruno ciertamente no habían mejorado desde nuestro último encuentro.”

Cdeo que tienes derecho a comedme –dijo el pequeñajo, mirándome a la cara con una sonrisa encantadora–. Pero no estoy asolutamente seguro. Mejod espera a pdeguntadle a alguien antes de hacedlo.

Desde luego parecía razonable no dar un paso tan irrevocable como ese sin la debida consulta previa.

Definitivamente me informaré primero –dije–. Además, ¡todavía no sé si merecería la pena comerte!

Me imagino que soy un bocado muy deliciosísimo –señaló Bruno con tono de satisfacción, como si fuese algo de lo que estar bastante orgulloso.

¿Y qué estás haciendo aquí, Bruno?

¡No me llamo así! –replicó mi avispado amiguito–. ¿Es que no sabes que mi nombde es «¡Oh, Bduno!»? Así es como me llama siempde Silvia cuando decito mis leciones.

Bien, pues ¿qué estás haciendo aquí, oh, Bruno?

¡Estudiando mis leciones, pod supuesto! –aseguró con ese brillo pícaro en la mirada que siempre aparecía cuando sabía que estaba soltando algún disparate.

Yo siempde me apdendo mis leciones –dijo Bruno–. ¡Son las de Silvia las que me cuestan horores! –Frunció el entrecejo, como si estuviese realizando un terrible esfuerzo mental, y se dio unos golpecitos en la frente con los nudillos–. ¡Mi coco no me pedmite entededlas! –explicó con desesperación–. ¡Cdeo que me hacerían falta 2 cocos!

¿Pero a dónde ha ido Silvia?

¡Eso es justo lo que yo quiero sabed! –señaló desconsolado–. ¿De qué sidve que me ponga leciones, si luego no está aquí para esplicad las padtes difíciles?

Para mí eran solamente unos cuantos pasos, pero una gran cantidad para Silvia; de modo que tuve que poner mucha atención en caminar despacio, a fin de no dejar a la criaturita tan atrás como para perderla de vista.”

«Primero el placer y luego el trabajo» parecía ser el lema de estos diminutos seres, en vista de la cantidad de abrazos y besos que hubieron de intercambiar antes de poder pasar a otra cosa.

Y bien, Bruno –empezó Silvia en tono de reproche–, ¿no te dije que debías continuar con tus lecciones, a menos que oyeras lo contrario?

¡Es que oí lo contdario! –sostuvo Bruno, con un brillo travieso en la mirada.

¿Qué fue lo que oíste, diablillo?

Una especie de duido en el aire –señaló Bruno–, como si algo se moviera. ¿No lo oyó usted, hombde señod?”

Silvia tenía una forma –que no me resultaba excesivamente admirable– de evitar las paradojas lógicas de Bruno consistente en pasar súbitamente a otro orden de cosas, estratagema maestra que adoptó en esta ocasión.

Bueno, hay una cosa que debo decir…

¿Sabía usted, hombde señod –comentó Bruno con aire contemplativo–, que Silvia no puede contad? Cada vez que suelta: «hay una cosa que debo decid», ¡sé pedfectamente que dirá 2! Y siempde lo hace.

Dos cabezas piensan mejor que una, Bruno –respondí yo, sin tener una idea muy clara de adónde quería llegar con ello.

No me impodtaría tened 2 cabezas –se dijo Bruno en voz baja–: una para tomad la cena y otda para discutid con Silvia… ¿cdee usted que me vería más guapo si teniera 2 cabezas, hombde señod?

La cuestión, le aseguré, no admitía dudas.”

Sólo quedan 3 lecciones –señaló Silvia–: Ortografía, Geografía y Canto.

¿Aritmética no? –pregunté.

No, no tiene cabeza para la Aritmética…

¡Pues claro que no! –saltó Bruno–. Mi cabeza es para el pelo. ¡No tengo un montón de ellas!

… y es incapaz de aprenderse la tabla de multiplicación…

Pdefiero mil veces la Historia –apuntó Bruno–. Tú tienes que depetid esa tabla de multicomplicación

Y tú tienes que repetir…

¡No! –interrumpió Bruno–. La Historia se depite a sí misma. ¡Eso dijo el pdofesod!

Silvia estaba colocando unas letras sobre una pizarra: R-O-M-A.

A ver, Bruno –dijo–, ¿qué pone ahí?

Bruno miró las letras, en solemne silencio, durante un momento.

¡Sé lo que no pone! –contestó finalmente.

Eso no me vale –declaró su hermana–. ¿Qué pone?

Bruno miró de nuevo las misteriosas letras.

¡Oh, es «A-M-O-R» al devés! –exclamó. (Yo convine en que así era, desde luego.)

¿Cómo has hecho para ver eso? –preguntó Silvia.

He ponido los ojos bizcos –dijo Bruno–, y entonces lo he veído enseguida. ¿Puedo cantad ya la Canción del madtín pescadod ?”

Y ahí estaba, un gran mapamundi, extendido sobre el suelo. Era tan grande que Bruno tuvo que moverse por encima de él a gatas para señalar los lugares nombrados en la «lección del martín pescador».

Cuando un madtín pescadod ve una mariquita que se aleja volando, dice: «No sientas Timor, que soy muy Pacífico». Y cuando la atdapa, dice: «¡Deja de moverte para todos Laos, que me Kansas!». Cuando la tiene entde sus garas, dice: «¡Se te acabaron los Buenos Aires!». Cuando se la mete en el pico, dice: «Ahora te voy a Catar». Y cuando se la ha tdagado, dice: «Vas a conocer mis Honduras». Ya está.” Tradução genial.

Era una canción muy peculiar, por lo siguiente: el estribillo de cada estrofa aparecía en mitad de ella, en vez de al final. No obstante, la melodía era tan sencilla que no tardé en cogerla, y también logré hacer el estribillo coral; bueno, tal vez, hasta donde ello le es posible a una sola persona. Mis gestos hacia Silvia para que me ayudase fueron en vano; se limitó a sonreír con dulzura mientras negaba con la cabeza.”

No se dice «veído» –lo corrigió Silvia–; deberías decir siempre «visto».

Entonces tú no deberías pdeguntad: «¿Te has “leído” ya la lección?», ¡sino que deberías decid siempde que soy muy «listo»! Esta vez Silvia eludió la discusión dándose la vuelta y poniéndose a enrollar el mapamundi.

¡Las lecciones han terminado! –proclamó con una voz de lo más melodiosa.

¿Nada de lloros? –inquirí–. ¿No lloran siempre los niños pequeños cuando han de estudiar sus lecciones?

Yo nunca lloro después de las 12 –dijo Bruno–, podque entonces queda poco para la hora de la cena.

A veces, por la mañana –apuntó Silvia en voz baja–, los días que toca lección de Geografía, cuando ha sido desobe…

Sobre la mesa, aguardando mi regreso, había un sobre de ese peculiar tono amarillo que siempre anuncia un telegrama, y que debe de estar, en la memoria de tantos de nosotros, inseparablemente unido a algún súbito y gran pesar, algo que ha arrojado una sombra, que nunca será completamente retirada mientras estemos en este mundo, sobre la claridad de la vida.” Eu, brasileiro nascido em 1988, sempre associei telegrama a boas novas: foste aprovado no concurso!, etc.

la vida humana parece, en su conjunto, contener más penas que alegrías. Y, aun así, el mundo sigue girando. ¿Quién sabe por qué?”

“…y de inmediato me puse a hacer los preparativos necesarios para el viaje.”

Cierto, había emprendido este mismo viaje, y a la misma hora del día, 6 meses antes, pero muchas cosas habían sucedido desde entonces, y la memoria de un anciano no posee más que una leve retentiva de los acontecimientos recientes: busqué «el eslabón perdido» en vano. De repente mi mirada se topó con un banco –el único existente en el desangelado andén– en el cual había una dama sentada, y entonces toda la escena que había olvidado me asaltó de manera tan vívida como si estuviese teniendo lugar otra vez.”

La escena al completo retornó entonces vívidamente a mi memoria y, para acrecentar aún más la extrañeza de esta repetición, allí estaba el mismo anciano al que yo recordaba haber visto echado con tan malos modos por el jefe de estación a fin de hacerle sitio a su noble pasajera. El mismo, pero «con una diferencia»: ya no caminaba tambaleándose frágilmente por el andén, sino que de hecho se encontraba sentado al lado de lady Muriel, ¡y hablando con ella!”

Tal vez sea su aire –declaré–, o el trabajo duro… o mi vida relativamente solitaria; en cualquier caso, no me vengo sintiendo muy bien últimamente. Pero Elveston no tardará en reanimarme otra vez. ¡La prescripción de Arthur (es mi médico, ya sabe, y tuve noticias suyas esta mañana) es «abundante ozono, leche fresca y compañía agradable»!

¿Compañía agradable? –repitió lady Muriel, fingiendo meditar la cuestión en una bonita pose–. ¡Pues en serio que no sé dónde podemos encontrarle eso! Tenemos muy pocos vecinos. Pero lo de la leche fresca podemos arreglarlo. Cómpresela a mi vieja amiga la Sra. Hunter, allá, subiendo la colina. Puede confiar en su calidad. Y su pequeña Bessie va a la escuela a diario pasando por delante de donde se hospeda. Así que sería muy sencillo hacérsela llegar.

Verá que es un paseo nada duro: menos de 3 millas, me parece.

Bien, ahora que hemos zanjado ese asunto, deje que le devuelva el comentario. ¡No creo que tenga usted muy buen aspecto!

Me imagino que no –contestó en voz baja, y su semblante pareció ensombrecerse de repente–. He tenido algunos problemas últimamente. Es un tema que llevo queriendo consultarle mucho tiempo, pero me costaba escribirle al respecto. ¡Me alegra tanto disponer de esta oportunidad!

»¿Cree usted –comenzó nuevamente, tras un instante de silencio, de un modo visiblemente avergonzado, algo nada común en ella– que una promesa, hecha de manera voluntaria y solemne, es siempre vinculante… salvo, por supuesto, en caso de que su cumplimiento acarreara un verdadero pecado?

No se me ocurre ninguna otra excepción en este momento –respondí–. Esa rama de la casuística se trata normalmente, creo, como un problema de verdad o falsedad…

¿Seguro que el principio es ese? –interrumpió ella con ansiedad–. Siempre había creído que la enseñanza de la Biblia al respecto consistía en textos como «no os mintáis los unos a los otros», ¿me equivoco?

He considerado esa cuestión –contesté– y, a mi modo de ver, la esencia de mentir es la intención de engañar. Si uno hace una promesa, pensando totalmente en cumplirla, entonces en ese momento está sin duda actuando con sinceridad, y si posteriormente la rompe, ello no implica ningún engaño. No puedo calificarlo de falsedad.

Me ha aliviado usted un gran miedo –dijo–, pero es algo que por supuesto está mal, de algún modo. ¿Qué textos citaría usted para probarlo?

Cualquiera que hiciera hincapié en el pago de las deudas. Si A le promete algo a B, B tiene derecho a reclamárselo a A. Y el pecado de A, en caso de romper su promesa, me parece más análogo a robar que a mentir.

¿Sabe que pienso que fuimos viejos amigos desde el principio? –añadió con un tono divertido en total disonancia con las lágrimas que relucían en sus ojos.”

Yo era consciente desde hacía tiempo de que no estábamos en sintonía en lo relativo a la fe religiosa. Sus ideas sobre el cristianismo son muy sombrías; e incluso en lo que concierne a la existencia de un Dios, vive como en un estado de letargo. ¡Pero ello no ha afectado su vida! Ahora estoy convencida de que el ateo más absoluto puede llevar, aunque camine a ciegas, una vida noble y pura. Y si supiera la mitad de las buenas acciones… –Calló repentinamente, y volvió la cabeza.”

“…¡Dios no puede aprobar unos motivos tan bajos como esos! Aun así, no fui yo la que lo rompió. Yo sabía que me amaba y había realizado una promesa, y…

¿Entonces fue él quien lo hizo?

Me liberó de ella sin condiciones. –Ahora volvía a mirarme, habiendo recuperado del todo su calma habitual.

En ese caso, ¿cuál es el problema?

Es el siguiente: que no creo que lo hiciera libre y voluntariamente. Ahora, suponiendo que lo hiciera en contra de su voluntad, simplemente para satisfacer mis escrúpulos, ¿no conservaría su derecho sobre mí toda su fuerza? ¿Y no seguiría siendo vinculante mi promesa? Mi padre dice que no, pero no puedo evitar temer que su amor por mí haya influido en su decisión. Y no lo he consultado con nadie más. Tengo muchos amigos, pero para los días de sol radiante, no para los nubarrones y las tormentas de la vida; ¡no viejos amigos como usted!”

Si usted todavía lo ama de verdad…

¡No! –se apresuró a interrumpir ella–. Al menos… no de ese modo. Creo que lo amaba cuando me prometí, pero yo era muy joven; es difícil de decir. Pero fuera cual fuese el sentimiento, ahora ha desaparecido. El motivo por su parte es el amor; por el mío es… ¡el deber!

“…¿Es que esperas que la propuesta te la haga ella?

A Arthur se le escapó una sonrisa.”

El tipo más común de «boca holgazana» –procedió a explicar Arthur– es sin lugar a dudas la producida por el dinero que los padres dejan en herencia a sus propios hijos. Por consiguiente, imaginé un hombre (excepcionalmente inteligente, o excepcionalmente fuerte y trabajador) que había contribuido con tal cantidad de trabajo útil a las necesidades de la comunidad que su equivalente, en ropa, etc., era (pongamos) 5 veces lo que necesitaba para sí mismo. No podemos negar su derecho absoluto a repartir la riqueza sobrante tal como elija. De modo que, si deja 4 hijos a su muerte (dos hijos y dos hijas, por ejemplo), junto con recursos suficientes como para cubrir sus necesidades básicas durante toda una vida, no me parece que se esté cometiendo injusticia alguna con la comunidad si los hijos deciden no hacer otra cosa en ella que «comer, beber y ser felices». Estoy absolutamente convencido de que la comunidad no podría decir con justicia, en referencia a ellos: «Si algún hombre no quiere trabajar, que tampoco coma». Su respuesta sería aplastante: «El trabajo ya ha sido hecho, el cual es un justo equivalente de la comida que estamos tomando, y vosotros ya os habéis beneficiado de él. ¿En base a qué principio de la justicia podéis exigir 2 cuotas de trabajo por una de alimento?».

Estoy seguro, no obstante –dije yo–, de que hay algo de algún modo incorrecto si esas 4 personas son perfectamente capaces de realizar un trabajo útil, que la comunidad realmente necesita, y deciden sentarse y no hacerlo, ¿no?

El oro es en sí una forma de riqueza material, pero un billete de banco es sencillamente una promesa de ceder una cierta cantidad de ella cuando se solicite. Digamos que el padre de estas 4 «bocas holgazanas» había realizado 5 mil libras de trabajo útil para la comunidad. A cambio, esta le había entregado el equivalente a una promesa escrita de darle, cuando se le solicitase, 5 mil libras de comida, etc. Entonces, si él usa únicamente mil libras y deja el resto de los billetes a sus hijos, no cabe duda de que estos poseen todo el derecho a presentar estas promesas escritas y decir: «Danos la comida cuyo trabajo equivalente ya ha sido hecho». Ahora considero que merece la pena exponer este caso, pública y claramente. Me gustaría metérselo en la cabeza a esos socialistas que aleccionan a nuestros indigentes carentes de cultura con opiniones como: «¡Mira a esos aristócratas hinchados! Sin dar ni un palo al agua por sí mismos, ¡y viviendo del sudor de nuestras frentes!». Me gustaría obligarlos a que vieran que el dinero que esos aristócratas se gastan representa una cantidad de trabajo ya realizada para la comunidad, y cuyo equivalente, en riqueza material, se lo debe esta a ellos.” Hmm. Trabalho de quem? E por quanto tempo? Mil anos? Mais-valia acumulada de bilhões de pessoas? Então essa é sua justificativa para a manutenção da miséria para muitos e do luxo para pouquíssimos? Espero que Arthur não seja seu alter ego, sr. Carroll!

¿Y no podrían responder los socialistas: «Gran parte de ese dinero no representa en modo alguno trabajo honesto»? Si se pudiera rastrear su origen, yendo de poseedor en poseedor, aunque uno comenzase tal vez por varios pasos legítimos, como regalos, o legados, o «valores recibidos», pronto llegaría a un poseedor desprovisto de derecho moral a tenerlo, que lo obtuvo mediante fraude u otros delitos, y por supuesto sus descendientes no poseerían mayor derecho a recibir ese dinero que él.

Si empezamos a remontarnos más allá del hecho de que el poseedor actual de una cierta propiedad la obtuvo de manera honesta, y a preguntar si alguno anterior, en tiempos pasados, la consiguió por medio de un fraude, ¿quedaría a salvo propiedad alguna?” Óbvio que não. E do que tens medo, animal?

Mi conclusión general –continuó Arthur– desde el mero punto de vista de los derechos humanos, de un hombre frente a otro, fue esta: que si alguna «boca holgazana» y rica, que haya conseguido su dinero de manera legal, aunque no haya realizado por sí mismo ni una sola pizca del trabajo que representa, elige gastarlo en sus propias necesidades, sin contribuir con ningún trabajo a la comunidad a la que compra su comida y ropa, esa comunidad no tiene derecho a interponerse. Pero si consideramos la ley divina, la cosa cambia sensiblemente. Juzgado según ese criterio, un hombre así está indudablemente actuando mal si no utiliza, en beneficio de aquellos que lo necesitan, la fuerza o la habilidad que Dios le ha otorgado. Esa fuerza y habilidad no pertenecen a la comunidad, para satisfacer ninguna deuda; no pertenecen al hombre en sí, para su disfrute personal; pertenecen a Dios, para ser usadas de acuerdo a su voluntad, y se nos ha dejado meridianamente clara cuál es dicha voluntad: «haced bien, y prestad, sin esperar nada a cambio». Hoje Deus é a sociedade, e a sociedade se tornou Deus (não tem direito a nada, nem a qualquer apito moral, na verdade eram uns poucos filisteus e fariseus malditos).

Pero yo diría, hablando en general, que un hombre que se permite cualquier capricho que se le ocurre, sin privarse de nada, y simplemente da a los pobres parte de, o incluso toda, la riqueza que le sobra, sólo se está engañando a sí mismo si llama a eso «caridad».”

Pero incluso si gasta su dinero en sí mismo –insistí–, nuestro típico hombre rico muchas veces hace el bien, al emplear a gente que de otro modo carecería de trabajo, y eso resulta a menudo mejor que pauperizarlos dándoles el dinero.

¡Me alegro de que hayas hecho ese comentario! –contestó Arthur–. No querría abandonar el tema sin poner de manifiesto las 2 falacias contenidas en esa afirmación, ¡las cuales llevan tanto tiempo sin rebatirse que la sociedad las acepta ya como un axioma!

¿Cuáles son? –dije–. Yo ni siquiera veo una sola.

Una es simplemente la falacia de la ambigüedad: el supuesto de que «hacer el bien» (es decir, beneficiar a alguien) es necesariamente algo bueno (es decir, una cosa correcta). La otra es el supuesto de que, si una de 2 acciones determinadas es mejor que la otra, la 1ª es necesariamente una buena acción en sí misma. Me gustaría llamar a esta última la «falacia de la comparación», la cual da por hecho que lo que es bueno de manera relativa lo es, por ello, de manera absoluta.

Que sea la mejor que somos capaces de dar –respondió Arthur con confianza–. E incluso en ese caso «siervos inútiles somos». Pero permíteme que ponga un ejemplo de las 2 falacias. Nada ilustra mejor una falacia que un caso extremo, al cual incluye claramente. Suponte que encuentro 2 niños que se están ahogando en un estanque. Me lanzo corriendo a él y salvo a uno de los 2, para luego marcharme, dejando que el otro se ahogue. Está claro que «he hecho el bien» al salvarle la vida a un niño, ¿no? Pero… De nuevo, suponte que me cruzo con un extraño inofensivo, lo tumbo de un golpe y sigo mi camino. Obviamente eso es «mejor» que si a continuación hubiese saltado sobre él y le hubiera roto las costillas, ¿no? Pero…

Esos «peros» son completamente irrebatibles –apunté–. Mas me gustaría un caso extraído de la vida «real».

Bien, cojamos una de esas abominaciones de la sociedad moderna: un mercadillo benéfico. Es una interesante cuestión para considerar qué parte del dinero que llega al objetivo proyectado es auténtica caridad, y si esta se gasta incluso del mejor modo posible. Pero el tema requiere una clasificación ordenada, y un análisis, para una adecuada comprensión.

Tal análisis me complacería mucho –señalé–; es algo que muchas veces me ha intrigado.

De acuerdo, siempre que no te esté aburriendo. Pongamos que nuestro mercadillo benéfico haya sido organizado con objeto de proporcionar fondos a algún hospital, y que A, B y C ofrecen sus servicios elaborando artículos para la venta y ejerciendo de vendedores, mientras que X, Y y Z compran los artículos, y el dinero así pagado va al hospital.

»Hay 2 tipos distintos de tales mercadillos: uno donde el pago exigido es simplemente el valor de mercado de los productos proporcionados, [E o valor de custo, não?! Mas que mercadinhos muquiranas esses!] es decir, exactamente lo que uno tendría que pagar por ellos en una tienda; el otro, aquel en que se pide pagar unos precios exorbitantes. Debemos considerar cada uno por separado.

»Primero, el caso del «valor de mercado». Aquí A, B y C se hallan exactamente en la misma posición como comerciantes corrientes; la única diferencia es que donan lo recaudado al hospital. Prácticamente, están ofreciendo su trabajo especializado en beneficio del hospital. Esto en mi opinión es caridad genuina. Y no veo de qué otro modo mejor podrían ejercitarla. Pero X, Y y Z se encuentran exactamente en la misma posición que cualquier comprador corriente de productos. Hablar de «caridad» en relación con su parte en la transacción es un puro despropósito. Aunque es muy probable que ellos lo hagan.

»Segundo, el caso de los «precios exorbitantes». Aquí creo que lo más sencillo es dividir el pago en 2 partes: el «valor de mercado» y el excedente. La parte del «valor de mercado» se encuentra en la misma situación que en el primer caso; el excedente es lo único que hemos de considerar. Veamos: A, B y C no lo ganan, de modo que podemos dejarlos al margen de la cuestión; es un regalo de X, Y y Z al hospital. Y mi opinión es que no es la mejor manera de darlo; es mucho mejor comprar lo que quieran comprar, y dar lo que quieran dar, como 2 transacciones separadas; entonces se deja alguna posibilidad de que su motivación al dar pueda ser caridad real, en vez de tratarse de una motivación mixta: mitad caridad, mitad autocomplacencia. «La huella de la serpiente está sobre todo esto.» ¡Y es por ello que abomino completamente de actividades «benéficas» espurias como esas! –concluyó con inusual vehemencia, y decapitó salvajemente, con su bastón, un alto cardo al borde del camino, detrás del cual vi con sorpresa a Silvia y Bruno, allí de pie. Traté de detener el brazo de Arthur, pero era demasiado tarde. No estaba seguro de si el bastón los había alcanzado o no; sea como fuere, no le hicieron el más mínimo caso y, en cambio, sonrieron alegremente, y me saludaron con la cabeza; y de inmediato advertí que sólo eran visibles para mí; la influencia «inquietante» no había alcanzado a Arthur.

¿Sabe que ese bastón me ha atdavesado la cabeza? –dijo Bruno. (Para entonces habían rodeado a Arthur corriendo hasta llegar a mí, y cada uno me tenía cogido de una mano.)– ¡Justo pod debajo de la badbilla! ¡Menos mal que no soy un caddo!

Bueno, ¡de todos modos ya hemos terminado con el tema! –agregó Arthur–. Me temo que he estado hablando demasiado, para tu paciencia y mis fuerzas. Pronto deberé dar media vuelta. Estoy al borde del agotamiento.

«Cóbrate 3 pasajes, barquero.

Ten, te los pago de buen grado,

¡ya que conmigo (invisibles, empero)

un par de espíritus han cruzado!(*)»,

cité, involuntariamente.

(*) Estrofa final del poema Auf der Überfahrt («El pasaje») del autor alemán Johann Ludwig Uhland (1787-1862). Mi traducción ha sido realizada a partir de la versión inglesa que aparece en el original de este mismo volumen, obra de la traductora Sarah Austin (1793-1867). [N. del T.]

Para citas totalmente inapropiadas e irrelevantes –rio Arthur–, ¡«pocos hay que te igualen, y ninguno que te supere»! –Tras lo cual, retomamos nuestro paseo.

Se quedó plantado, vacilante, mirando primero un camino y después el otro; ¡una penosa imagen de absoluta indecisión!”

Arthur era totalmente inconsciente de que había otra voluntad distinta a la suya actuando sobre el bastón, y al parecer pensó que había adoptado una posición horizontal simplemente porque estaba apuntando con él.

Eso que hay bajo aquel seto, ¿no son Orchis? –observó–. Creo que eso me decide. Recogeré algunas de camino.

Entretanto, Bruno había corrido tras lady Muriel, y, dando numerosos saltos y gritos (audibles únicamente para Silvia y para mí mismo), de manera muy parecida a como si estuviera guiando ovejas, consiguió que diera media vuelta y caminase, con la vista recatadamente clavada en el suelo, en nuestra dirección.

¡La victoria era nuestra! Y, dado que era evidente que los enamorados, exhortados a reunirse de tal modo, debían encontrarse enseguida, yo me di la vuelta y me marché, esperando que Silvia y Bruno siguieran mi ejemplo, pues tenía el convencimiento de que cuantos menos espectadores hubiese, mejor sería para Arthur y su bondadoso ángel.

«¿Y cómo sería el encuentro?», me pregunté ensimismado mientras caminaba con resueltas zancadas.”

¡Se dieron la mano! –dijo Bruno, que trotaba a mi lado, en respuesta a la tácita pregunta.

¡Y se los veía contentísimos! –añadió Silvia desde el otro lado.

Pues entonces debemos continuar, al paso más rápido que podamos –señalé–. ¡Ojalá supiese cuál es el mejor camino a la granja de Hunter!

Seguro que en esta casita lo conocen –indicó Silvia.

Me imagino que sí. Bruno, ¿te importa acercarte corriendo a preguntar?

Silvia lo frenó, riendo, cuando su hermano ya se iba.

Espera un segundo –dijo–. Antes tengo que hacerte visible; ya sabes.

Y también audible, ¿me equivoco? –agregué yo, al tiempo que ella cogía la joya que le pendía del cuello, se la pasaba por encima de la cabeza de Bruno y le tocaba con ella los ojos y los labios.

Sí –asintió Silvia–, y una vez, ¿sabe?, le hice audible, ¡y olvidé volverlo visible! Y fue a comprar unos caramelos a una tienda. ¡El dueño se asustó tanto! Una voz pareció surgir del aire: «Pod favod, ¡quiero 50 gdamos de caramelos de cebada(*)!». ¡Y sobre el mostrador apareció un chelín, con un golpetazo! Y el hombre dijo:

«¡No puedo verte!». Y Bruno contestó: «¡Da igual que me veas o no, mientdas puedas ved el chelín!». Pero el hombre dijo que nunca vendía caramelos de cebada a personas que no fuera capaz de ver. Así que tuvimos que… ¡Bruno, ya estás listo! –Y este se alejó corriendo.

(*) Barley sugar drops en el original: caramelos de color ámbar que se elaboran hirviendo azúcar de caña en agua en la que se ha cocido cebada. [N. del T.]

No hubió espacio para pdeguntas –se excusó Bruno–. El cuadto estaba lleno de gente.

Estoy seguro de que es posible tirar al suelo a cualquiera –sostuve–, sin importar si es grueso o delgado.

No poderías tiradlo al suelo –repitió Bruno–. Es más ancho que alto, así que cuando está tumbado es más alto que cuando está de pie; ¡está claro entonces que no poderías tiradlo «al suelo»!

¿Podría usted decirme dónde se halla la granja de Hunter?–le pregunté al hombre, cuando se alejaba de la casa.

¡Sí que puedo, señó! –contestó con una sonrisa–. Soy John Hunter en persona, a su servicio. Está a no ma de media milla, l’única casa que se ve, pasá la curva del camino d’allá. Mi buena mujé está’n casa, si su asunto é con ella. ¿O a lo mejó le valgo yo?

Gracias –dije–. Quiero encargar algo de leche. Quizá lo mejor es que lo arregle con su esposa, ¿no?

Sí –asintió el hombre–. Ella s’ocupa de to eso. Que tenga buen día, señó… ¡y también sus querubines! –Y siguió su camino con paso trabajoso.

¡Los árboles equivocados! –se rio Silvia–. ¡Los árboles no pueden equivocarse! ¡No hay árboles equivocados!

¡Entonces tampoco puede habed ádboles corectos! –exclamó Bruno, y Silvia dejó la cuestión.

“…¿Alguna vez probaste un caballo, hombrecito?

¡Nunca! –negó Bruno con gran decisión–. Los caballos no son para comed. ¿Usted se los come?”

“…¿Sabes lo que dice el libro de poemas acerca de desperdiciar cosas adrede?

No –dijo Bruno–. ¿El qué?”

Podque despeddiciad… nosequenosecuántos… –empezó a repetir Bruno, bastante dispuesto, y a continuación se paró en seco–. ¡Ya no me acueddo de más!

Siempde… –repitió Bruno en voz baja, y entonces, súbitamente inspirado, añadió–: ¡siempde mirad adónde va!

¿Adónde va qué, precioso?

¡Pues la codteza, claro! –aclaró Bruno–. Entonces, si viviera para decid: «Ojalá tuviera esa codteza…» y todo eso, ¡sabdía dónde la tiré!

Esta nueva interpretación dejó completamente boquiabierta a la buena mujer, que regresó al tema de «Bessie».

¿No os gustaría ver la muñeca de Bessie, cielitos? Bessie, ¡lleva a la señorita y al caballerete a ver a Matilda Jane!

Es la nueva taberna –explicó la mujer–. Se encuentra justo de camino, a mano para los obreros, cuando vuelven del ladrillal, los días como hoy, con su salario semanal. Un buen montón de dinero se va de ese modo. Y algunos de ellos se emborrachan.

Entonces le conté la vieja historia de un cierto hombre de pueblo que se compró un pequeño barril de cerveza y puso a su esposa al cuidado del mismo, y de cómo, cada vez que quería tomarse su jarra, se la pagaba siempre directamente a ella, y ella nunca le «fiaba», y era una camarera totalmente inflexible que jamás le permitía excederse más de lo debido; cada vez que había que rellenar el barril, la mujer disponía de dinero en abundancia para ello, y lo que sobraba, lo metía en la hucha. Al terminar el año, él no sólo poseía una salud y un ánimo de primera, con ese aire indefinible pero inconfundible que siempre distingue al hombre sobrio del que «se pasa un poquitín», sino que además tenía una hucha llena de dinero, ¡ahorrado enteramente de su propio bolsillo!”

Cualquiera de los dones de Dios puede convertirse en una maldición, si no lo utilizamos con sabiduría. Pero debemos volver ya a casa. ¿Le importaría llamar a las niñas? ¡Estoy seguro de que Matilda Jane ha tenido compañía suficiente, por un día!”

Yo soy su mamá, y Silvia la niñera principal –explicó Bessie–; y Silvia me ha enseñado una canción de lo más bonita, ¡para que se la cante a Matilda Jane!

Oigámosla otra vez, Silvia –pedí, encantado de tener la oportunidad, que tanto tiempo llevaba deseando, de oírla cantar. Pero a Silvia le entró vergüenza y se acobardó al momento.

¡Oh, no, por favor! –me dijo, en un serio «aparte»–. Bessie se la sabe ya a la perfección. ¡Puede cantarla ella!

¡Eso, eso! ¡Que la cante Bessie! –animó la orgullosa madre–. Bessie también tiene una voz bonita –este fue otro «aparte» para mí–, ¡aunque esté mal que yo lo diga!

Matilda Jane, nunca miras

de mis libros los dibujos

que enseñarte yo procuro.

¡Has de estar ciega, Matilda!

Te cuento historias y enigmas,

mas no podemos hablar

pues no respondes jamás.

¡Te creo muda, Matilda!

Cielo, por mucho que insista,

nunca pareces oír

mis llamadas hacia ti.

¡Estás tan sorda, Matilda!

Matilda Jane, tú tranquila:

aunque seas muda, sorda

y ciega, alguien te adora,

¡y ese alguien soy yo, Matilda!”

¡Qué canción más bonita! –exclamó la mujer del granjero–. ¿Quién se inventó la letra, cielito?

Cr-creo que iré a buscar a Bruno –se excusó Silvia de forma pudorosa, y nos dejó a toda prisa. La curiosa niña parecía siempre temerosa de recibir elogios, o incluso simple atención.

Fue Silvia –nos informó Bessie, orgullosa de su información superior–; y Bruno creó la música… ¡y yo la canté! –circunstancia esta última, por cierto, que no hacía falta que nos notificara.

Seguimos, pues, a Silvia, y todos entramos juntos al salón. Bruno seguía aún en la ventana, con los codos apoyados en el alféizar. Aparentemente ya había terminado de contarle la historia a la mosca y encontrado una nueva ocupación.

¡No me imperumpáis! –dijo a nuestra llegada–. ¡Estoy contando los ceddos en el campo!

¿Cuántos hay? –inquirí.

Unos mil y cuatdo –señaló Bruno.

Querrás decir «unos mil» –lo corrigió Silvia–. No sirve de nada que añadas «y cuatro»: ¡no puedes estar seguro de esos 4!

¡Y tú te equivocas como siempde! –exclamó Bruno con triunfalismo–. Es sólo de los cuatdo de los que puedo estad seguro ¡podque están aquí, hocicando debajo de la ventana! ¡Los «mil» son los que he contado de manera apdoximada!

Tenemos que irnos, niños –anuncié–. Despedíos de Bessie. –Silvia rodeó con sus brazos el cuello de la muchachita y le dio un beso, pero Bruno guardó las distancias, con gesto desacostumbradamente tímido. («¡Yo sólo doy besos a Silvia!», me explicó más tarde.) La mujer del granjero nos acompañó a la puerta, y poco después habíamos emprendido ya el regreso a Elveston.

No voy a entrá –dijo–; hoy no.

¡Una jarra cerveza no t’hará daño! –le gritaron a coro sus amigos–. ¡Ni dos jarras! ¡Ni una docena!

No –se plantó Willie–. Me voy pa casa.

¿Qué? ¿Sin bebé na, Willie, compadre? –vocearon los demás. Pero el «compadre» no estaba por la labor de discutir y se dio media vuelta porfiado, mientras los niños lo flanqueaban para protegerlo de cualquier cambio en su súbita resolución.

¡Bien pronto llegas hoy, chacho! ¡Bien pronto! –Las palabras podrían haber sido una bienvenida, pero ¡oh, con qué tono de resentimiento las pronunció!–. ¿Qué t’ha hecho abandoná a tus alegres amigos, y los bailes y las tonterías? Imagino que traes los bolsillos vacíos, ¿eh? ¿O a lo mejó vienes pa vé morí a tu chiquilla? El bebé’stá muerto d’hambre, y no tengo bocao ni sorbo que darle. ¿Pero a ti qué ma te da? –Abrió el portillo con violencia y lo recibió con ojos encendidos por la furia.

Nos pareció totalmente natural entrar con ellos; en una ocasión distinta uno habría pedido permiso, pero yo tenía la sensación, no sabía por qué, de que éramos invisibles de algún modo misterioso, y tan libres de ir y venir como espíritus incorpóreos.”

No he bebío –le respondió él, en un tono más triste que airado–. Este bendito día no he probao una gota. ¡No! –vociferó, golpeando fuertemente la mesa con su puño cerrado y levantando la cabeza hacia su mujer con ojos brillantes–, ni jamá probaré otra gota de la maldita bebía… hasta que me muera… ¡con la ayúa de Dios mi creadó! –Su voz, que se había elevado súbitamente en un grito ronco, descendió de nuevo con la misma rapidez; luego volvió a bajar la cabeza y enterró el rostro entre sus brazos cruzados.

La mujer había caído de rodillas junto a la cuna, mientras su esposo hablaba. Ni lo miró ni pareció oírlo. Con las manos unidas sobre la cabeza, se balanceaba violentamente adelante y atrás.

¡Polly! –dijo con suavidad; y luego, más fuerte–: ¡Mi quería Poll!

Entonces ella se puso en pie y fue hasta él, con expresión aturdida, como si estuviera caminando en sueños.

¿Quién m’ha llamao «quería Poll»? –preguntó; su voz adoptó al hablar un tono de tierna picardía; sus ojos centelleaban, y la sonrosada luz de la juventud inundó sus pálidas mejillas hasta que pareció más una alegre chica de 17 que una ajada mujer de 40–. ¿Ha sío mi muchacho, mi Willie, que m’espera en el paso de la cerca?

También el rostro de él experimentó una transformación, bajo la acción de la misma luz mágica, hasta asemejar el de un tímido joven, y unos mozuelos aparentaban ser cuando él la rodeó con el brazo y la atrajo hacia sí, mientras con el otro arrojaba lejos el montón de dinero, como si su contacto le resultase odioso.

¡Cógelo, muchacha! –dijo–. ¡Llévatelo to! Y tráenos algo que comé, pero compra primero un poco leche pa’l bebé.

A mí me parecían nubes de lo más corrientes, ¡pero claro que yo no me había alimentado «de ambrosía celestial, y bebido la leche del Paraíso»(*)!

(*) Versos finales del poema Kubla Khan, de Coleridge. [N. del T.]”

…Querido amigo –se interrumpió de improviso–; ¿cree que el Cielo da comienzo en la tierra, para alguno de nosotros?

Para algunos –opiné–. Para algunas personas, tal vez, sencillas e inocentes como niños. Sabe que él dijo: «de ellos es el Reino de los Cielos».

Lady Muriel entrelazó sus manos y levantó la vista al cielo despejado con una expresión que había visto muchas veces en los ojos de Silvia.”

¿Qué había de hacerse? ¿Se había fundido la vida del mundo de las hadas con la real? ¿O acaso compartía lady Muriel el estado de «inquietud», y poseía por tanto la capacidad de adentrarse conmigo en el mundo feérico? Me disponía a decir algo («Estoy viendo a un viejo amigo mío en el camino; si no lo conoce, ¿quiere que se lo presente?») cuando ocurrió algo extrañísimo: lady Muriel habló.

Estoy viendo a un viejo amigo mío en el camino –dijo ella–: si no lo conoce, ¿quiere que se lo presente?

Me pareció despertar de un sueño, ya que aún notaba con fuerza la sensación de «inquietud», y la figura ante mis ojos parecía cambiar a cada instante, como una de las imágenes de un caleidoscopio: en un momento era el profesor, ¡y al siguiente era alguien distinto! Para cuando llegó a la cancela, no cabía duda de que era otra persona, y sentí que el proceder correcto era que lady Muriel, y no yo, lo presentara. Ella lo saludó amablemente y, tras abrir la cancela, invitó a pasar al venerable anciano –un alemán, a todas luces– que miraba a su alrededor con expresión confundida, ¡como si él también acabase de despertar de un sueño!

No, ¡claramente no se trataba del profesor! Mi viejo amigo no podría haberse dejado crecer una barba tan magnífica desde la última vez que nos vimos; además, me habría reconocido, pues yo albergaba la seguridad de no haber cambiado tanto durante ese tiempo.”

sus amplios anteojos (uno de los complementos que le conferían un aspecto tan incómodamente similar al del profesor)”

¡La riqueza ilimitada sólo puede conseguirse haciendo las cosas al revés!”

MOEBIUS:

¿Alguna vez ha visto el rompecabezas del anillo de papel?–prosiguió Mein Herr, dirigiéndose al earl–, ¿en el que coge un pedazo de papel, y une sus extremos, retorciendo antes uno, como si quisiera juntar la esquina superior de un extremo con la esquina inferior del otro?

Sí, conozco ese rompecabezas –afirmó lady Muriel–. El anillo tiene una sola superficie y un solo borde. Es muy misterioso. —La bolsa es exactamente igual, ¿no es cierto? –sugerí yo–. ¿No es la superficie externa de uno de sus lados continua con la superficie interna del otro lado?

Su aspecto recordaba de un modo tan extraño al de una niña, confusa ante una lección difícil, y Mein Herr se comportaba, por el momento, de forma tan parecida al viejo profesor, que me invadió un total desconcierto; la sensación de «inquietud» era profundamente intensa en mí, y me sentí casi impelido a decir: «¿Lo entiendes, Silvia?». No obstante, logré guardar silencio con gran esfuerzo, y dejé que el sueño (si es que lo era, en realidad) se desarrollase hasta el final.”

“…¿Pero por qué la llama la «bolsa de Fortunatus», Mein Herr?

El adorable anciano le sonrió jovialmente de oreja a oreja, exhibiendo un parecido más fiel al profesor que nunca.

¿Es que no lo ve, mi niña… quiero decir, milady? Todo lo que está dentro de la bolsa, también está fuera, y viceversa. ¡Así que tiene toda la riqueza del mundo en esa pequeña bolsa! Su pupila aplaudió, con desaforado placer.”

O CAVALO HAMSTER

En su país –comenzó a decir Mein Herr sin previo aviso, sorprendiendo a todos–, ¿dónde acaba todo el tiempo que se pierde?

Lady Muriel puso un gesto serio.

¿Quién sabe? –susurró medio para sus adentros–. Todo lo que uno sabe es que se ha ido… ¡para no volver!

Bueno, en mi… quiero decir, en un país que visité –rectificó el anciano–, lo guardan; ¡y resulta de lo más útil, años después! Por ejemplo, imagine que tiene una tarde larga y tediosa por delante; nadie con quien hablar; nada interesante que hacer, y aún quedan horas para irse a la cama. ¿Qué hace entonces?

Me pongo de muy mal humor –admitió ella con franqueza– ¡y me entran ganas de lanzar cosas por la habitación!

Cuando eso le sucede a… a la gente que visité, nunca actúan así. Mediante un breve y sencillo proceso, que no puedo explicarle, guardan las horas inútiles y, en alguna otra ocasión, cuando por un casual necesitan tiempo adicional, lo vuelven a sacar.

El earl escuchaba con una sonrisa ligeramente incrédula.

¿Por qué no puede explicar el proceso? –inquirió.

Mein Herr tenía preparada una razón a prueba totalmente de réplicas.

Porque no tienen palabras, en su lengua, para trasmitir las ideas necesarias. Podría explicárselo en… en… ¡pero no lo entendería!

¡Claro que no! –dijo lady Muriel, dispensando generosamente a Mein Herr de tener que dar el nombre del idioma desconocido–. Yo nunca lo he aprendido… al menos, no para hablar con fluidez, ya sabe. Por favor, ¡cuéntenos más cosas maravillosas!

Conducen sus trenes sin motores de ningún tipo: lo único que se necesita es maquinaria para detenerlos. ¿Le parece eso suficientemente maravilloso, milady?

¿Pero de dónde extraen su fuerza motriz? –me atreví a preguntar.

Mein Herr se giró al momento, para mirar al nuevo interlocutor. Después se quitó los anteojos, los limpió y me volvió a mirar, con evidente perplejidad. Pude ver que estaba pensando, de hecho, al igual que yo, que debíamos de habernos visto antes.

Utilizan la fuerza de la gravedad –dijo–. Es una fuerza que también se conoce en su país, ¿me equivoco?

Pero para eso haría falta una vía que bajara en pendiente –señaló el earl–. No se pueden tener todas las vías de tren cuesta abajo, ¿cierto?

Son todas así – reveló Mein Herr.

Pero no por ambos extremos.

Por ambos extremos.

¡Entonces me doy por vencido! – exclamó el earl.

¿Puede explicar el proceso? –pidió lady Muriel–. ¿Sin usar esa lengua que soy incapaz de hablar con fluidez?

No hay problema –contestó Mein Herr–. Cada vía ferroviaria se halla en un largo túnel, perfectamente recto; de modo que, como es lógico, el punto medio del mismo está más próximo al centro del planeta que los dos extremos; con lo cual todos los trenes recorren la mitad del camino cuesta abajo, y eso les proporciona impulso suficiente para recorrer la otra mitad cuesta arriba.

Gracias. Lo he entendido a la perfección –dijo lady Muriel–. Pero la velocidad, en el punto medio del túnel, ¡debe de ser terrible! Mein Herr estaba evidentemente muy complacido por el perspicaz interés que lady Muriel ponía en sus comentarios. A cada momento que pasaba, el anciano parecía más hablador y desenvuelto.

¿Le gustaría conocer nuestros métodos de conducción? –inquirió sonriente–. Para nosotros, ¡un caballo desbocado no supone problema alguno!

Lady Muriel sufrió un leve estremecimiento.

Para nosotros es un peligro muy serio –explicó.

Ello se debe a que su carruaje se encuentra totalmente detrás del caballo. Su caballo echa a correr, y el carruaje lo sigue. Quizá el animal tenga el bocado entre los dientes. ¿Quién lo va a detener? Y usted sale disparada, ¡cada vez a mayor velocidad! ¡Y finalmente se produce el inevitable disgusto!

¿Pero y si el caballo de usted se las arregla para que el bocado se le quede entre los dientes?

¡No importa! No nos preocuparía. Los arreos de nuestro caballo están unidos al mismo centro de nuestro carruaje. Hay dos ruedas delante de él, y dos detrás. Se fija al techo un extremo de un amplio cinturón, que se hace pasar por debajo del caballo, y cuyo otro extremo se sujeta a un pequeño… lo que ustedes llaman «cabrestante», creo. El caballo coge el bocado con los dientes. Echa a correr. ¡Nos movemos a 10 millas por hora, como un rayo! Hacemos girar nuestro pequeño cabrestante: 5 vueltas, 6, 7 y… ¡puf! ¡Nuestro caballo se levanta del suelo! Que galope en el aire cuanto le apetezca: nuestro carruaje permanece quieto. Nos sentamos alrededor de él, y lo observamos hasta que se cansa. Entonces lo bajamos. ¡Nuestro caballo se alegra mucho, muchísimo, cuando sus pezuñas vuelven a pisar el suelo!

Porque no van a la par, milord. El extremo de una rueda se corresponde con el lateral de la rueda contraria. De modo que primero un costado del carruaje se eleva, y luego el otro. Y durante todo el proceso, no para de balancearse. ¡Ah, uno ha de ser un buen marinero para conducir nuestros carruajes-barco!

¿Dónde lo conoció? –le pregunté a lady Muriel, una vez que Mein Herr se hubo marchado–. ¿Y dónde vive? ¿Y cuál es su verdadero nombre?

Lo… conocí… –respondió en actitud pensativa–, ¡no puedo recordar dónde, en realidad! ¡Y no tengo idea de dónde vive! ¡Ni he oído nunca que tuviera otro nombre! Es muy curioso. ¡Nunca antes me había dado por pensar en lo misterioso que es!

Espero que nos volvamos a encontrar –comenté–; despierta en mí un gran interés.

Estará en nuestra fiesta de despedida, dentro de 2 semanas –señaló el earl–. Usted naturalmente vendrá, ¿no es así? Muriel tiene muchas ganas de reunir a todos nuestros amigos una vez más, antes de que nos vayamos del pueblo.

Y entonces me explicó, pues lady Muriel nos había dejado solos, que estaba tan ansioso por alejar a su hija de un lugar con tal cantidad de recuerdos dolorosos relacionados con el compromiso con el comandante Lindon, ya cancelado, que habían acordado celebrar la boda dentro de un mes, después de la cual Arthur y su esposa se irían de viaje al extranjero.

¡No olvide venir el martes siguiente al próximo! –me recordó cuando nos despedíamos con un apretón de manos–. Ojalá pudiese traer consigo a esos encantadores niños que nos presentó en verano. ¡Y hablamos del misterio de Mein Herr! ¡No es nada comparado con el misterio que parece rodearlos a ellos! ¡Nunca olvidaré esas maravillosas flores!

Los traeré si me es posible – dije yo. Pero cómo cumplir una promesa como aquella, cavilé durante mi camino de regreso a nuestro alojamiento, ¡era un problema que se me escapaba completamente!

Me encanta leer cartas, pero sé muy bien lo cansado que es escribirlas.”

Pero la persona más tímida y que se atasca más a menudo en una conversación dará necesariamente la impresión contraria al escribir una carta. Quizás haya necesitado media hora para redactar su segunda frase, pero ahí está, ¡justo después de la primera!”

Ello se debe simplemente a que nuestro sistema de escritura de cartas está incompleto. Un escritor tímido debería poder mostrar que lo es. ¿Por qué no debería hacer pausas al escribir, al igual que haría hablando?

Me refiero a que uno debería poder ser capaz, cuando no quiere que alguna cosa sea tomada en serio, de expresar ese deseo, ya que la naturaleza humana está constituida de tal modo que cualquier cosa que uno escribe en serio se interpreta como una broma, ¡y al revés! En cualquier caso, ¡eso es lo que ocurre al escribir a una dama!

El primer pensamiento que acude a la mente –procedió Arthur– al leer cualquier cosa particularmente vil o brutal, llevada a cabo por un congénere, suele ser la percepción de un nuevo nivel de profundidad pecaminosa revelado debajo de nosotros, y nos parece contemplar ese abismo desde alguna posición superior, muy distante de él.

Las causas que actúan desde fuera son su entorno: lo que el Sr. Herbert Spencer llama su «medio». El punto que quiero dejar claro ahora es este: que un hombre es responsable de su acto de elección, pero no de su medio. Por consiguiente, si estos dos hombres realizan, en una ocasión determinada, cuando se ven expuestos a una tentación igual, esfuerzos iguales por resistir y elegir lo correcto, su condición, a ojos de Dios, debe ser la misma. Si Él está complacido en uno de los casos, también lo estará en el otro, y al contrario.

Aun así, debido a sus diferentes medios, uno puede lograr una gran victoria sobre la tentación, mientras el otro cae en algún negro abismo criminal.

Lo lamento muchísimo –me disculpé–; fue realmente imposible que vinieran conmigo… –En aquel momento mi intención era ciertamente acabar la frase, y fue con una sensación de absoluto asombro que no soy capaz de describir de manera adecuada, que me oí añadir–: pero se reunirán aquí conmigo durante la tarde. – Esas fueron las palabras, pronunciadas con mi voz, y que al parecer salieron de mis labios.

Me refugié en el silencio. La única respuesta honesta habría sido: «El comentario no era mío. Yo no lo dije, ¡y es completamente falso!». Pero no tuve el valor moral de hacer tal confesión. No resulta muy difícil, creo, adquirir reputación de «lunático», pero es asombrosamente complicado deshacerse de ella, y me pareció completamente seguro que una declaración como esa justificaría del todo la expedición de una orden de lunatico inquirendo(*).

(*) En el antiguo sistema legal inglés, una orden judicial para que las autoridades indagasen si una persona estaba cuerda o no. [N. del T.]

Cuando las cosas a mi alrededor me parecieron nuevamente reales, Arthur se encontraba diciendo:

Me temo que es irremediable: su número ha de ser finito.”

Cuando la gente habla de «la última novedad musical», ¡esta siempre me recuerda a alguna melodía que escuché de niña!”

Llegará un día (si el mundo dura lo suficiente) –dijo Arthur– en el que cada melodía posible habrá sido compuesta, cada juego de palabras posible, realizado… –lady Muriel se retorció las manos como una reina de la tragedia– y, algo aún peor, ¡cada libro posible, escrito!, ya que el número de palabras es finito.

MACHADIANO

Pero sin duda los locos siempre escribirían libros nuevos, ¿no? –agregó–. ¡No podrían escribir los libros cuerdos otra vez!

Cierto –asintió Arthur–. Pero sus libros también se acabarían. El número de libros locos está limitado por el número de locos.

Y dicho número crece cada año –terció un hombre pomposo, al cual reconocí como el autodesignado animador del día del picnic.

Eso dicen –contestó Arthur–. Y cuando el 90% de nosotros lo seamos –parecía tener muchas ganas de soltar disparates–, a los manicomios se les dará el uso que les corresponde.

¿Que es…? – inquirió el hombre pomposo.

¡Acoger a los cuerdos! – exclamó Arthur–.

“…Los locos dominarán el mundo, fuera. Lo harán de un modo un tanto extraño, no cabe duda. Los choques de trenes serán cosa habitual; no pararán de estallar buques de vapor; la mayoría de las ciudades arderán hasta los cimientos; la mayor parte de los barcos acabarán hundidos…

¡Y casi todos los hombres morirán! –murmuró el hombre pomposo, que se hallaba clara y completamente turbado.

Ciertamente –asintió Arthur–. Hasta que finalmente habrá menos locos que hombres cuerdos. Entonces saldremos del manicomio, ellos entrarán, ¡y las cosas volverán a su estado normal!

¡Está bromeando! –masculló al final para sí, en un avergonzado tono de desdén, mientras se alejaba a grandes zancadas.

¿Cuándo diría usted que comienza la propiedad de un plato de sopa?

Esta es mi sopa –replicó ella en actitud severa–, y la que tiene delante de usted, la suya.

No cabe duda –dijo Arthur–, ¿pero cuándo comencé a poseerla? Hasta el momento de servirla en el plato, era propiedad de nuestro anfitrión; mientras era ofrecida a la mesa, el camarero, podríamos decir, la guardaba en fideicomiso; ¿pasó a ser mía cuando la acepté? ¿O cuando se me colocó delante? ¿O cuando tomé la primera cucharada?

¡Cómo le encanta discutir! – fue todo lo que dijo la anciana señora, pero lo dijo en voz alta, esta vez, sintiendo que los presentes tenían derecho a saberlo.

Arthur sonrió pícaramente.

¡Me apostaría gustoso con usted un chelín –continuó diciendo– a que el Eminente Abogado a su lado –¡ciertamente, es posible decir algunas cosas de modo que requieran mayúsculas iniciales!– no es capaz de responderme!

Yo nunca apuesto – replicó la señora con desabrimiento.

¿Ni siquiera puntos de 6peniques al whist(*)?

¡Nunca! –repitió–. El whist es bastante inocente… ¡pero apostando…! – La señora se estremeció.

(*) Un popular juego de naipes victoriano. [N. del T.]

Me temo que no puedo aceptar esa visión –dijo–. Considero que la introducción de pequeñas apuestas en los juegos de cartas fue uno de los actos más morales que la sociedad, como tal, ha llevado jamás a cabo.

[A opinião do mais britânico dos britânicos, Carroll!]

¿Y cómo es eso? –preguntó lady Muriel.

Porque sacó los naipes, de una vez por todas, de la categoría de juegos en los que es posible hacer trampas. Miren el modo en que el cróquet está desmoralizando a la sociedad. Las damas están empezando a hacer trampas en él, de manera terrible y, si se las descubre, se limitan a reírse, y dicen que es divertido. Pero cuando hay dinero en juego, eso es imposible. No se acepta al tramposo como alguien ocurrente. Cuando un hombre se sienta a jugar a las cartas y les estafa dinero a sus amigos, no se divierte mucho con ello… ¡a no ser que considere divertido que lo tiren a patadas por las escaleras!

Si todos los caballeros pensaran tan mal de las damas como usted –comentó mi vecina con cierto resentimiento–, habría muy pocas… muy pocas… –Pareció vacilar sobre cómo concluir la frase, pero finalmente eligió «lunas de miel» como palabras seguras.

Al contrario –repuso Arthur, al tiempo que la sonrisa traviesa regresaba a su faz–: si la gente adoptara mi teoría, el número de lunas de miel… de una clase totalmente nueva… ¡aumentaría muchísimo!

¿Y podemos conocer esa nueva clase de lunas de miel? –pidió lady Muriel.

Llamemos X al caballero –comenzó a explicar Arthur, elevando un poco el tono de voz, ya que ahora se veía con una audiencia de 6 personas, incluyendo a Mein Herr, el cual estaba sentado al otro lado de mi pareja polinominal– e Y a la dama a la que piensa proponerle matrimonio. Él solicita una «luna de miel de prueba». Se le concede. De inmediato, la joven pareja, acompañada por la tía abuela de Y como carabina, parte para un viaje de un mes, durante el cual dan muchos paseos a la luz de la luna, y tienen muchas conversaciones a solas, y cada uno puede formarse una idea más correcta del carácter del otro, en 4 semanas, de lo que habría sido posible en una cantidad igual de años, cuando se ven bajo las restricciones normales de la sociedad. ¡Y es únicamente tras su regreso que X decide si al final le planteará o no la trascendental pregunta a Y!

En 9 casos de cada 10 –proclamó el hombre pomposo–, ¡decidiría romper el compromiso!

Entonces, en 9 casos de cada 10 –replicó Arthur– se evitaría una unión poco idónea, ¡y se salvaría a las 2 partes del sufrimiento!

Las únicas uniones realmente poco idóneas –apuntó la señora mayor– son las efectuadas sin el suficiente dinero. El amor puede llegar después. ¡Pero se necesita dinero para empezar!

Esta observación se lanzó a la concurrencia como una especie de desafío general y, como tal, varios de los que lo oyeron lo aceptaron inmediatamente. El dinero pasó a ser la tónica de la conversación durante cierto rato, y un eco intermitente de la misma volvió a escucharse cuando colocaron el postre sobre la mesa, los criados abandonaron la habitación y el earl inauguró el vino en su bien recibida vuelta en torno a la mesa.

“…Es una verdadera delicia experimentar, una vez más, la sensación de tranquilidad que lo invade a uno cuando los camareros abandonan la habitación… cuando uno puede conversar sin la sensación de estar siendo espiado, y sin que constantemente le pasen platos a uno por encima del hombro. ¡Cuánto más sociable resulta ser capaz de servirle el vino a las damas y de pasar los platos a aquellos que desean servirse!

En ese caso, tenga la amabilidad de mandar esos melocotones para acá –dijo un gordo de tez colorada, que estaba sentado más allá de nuestro pomposo amigo–. ¡Llevo deseando que lleguen, diagonalmente, cierto tiempo!

Sí, se trata de una innovación espantosa –contestó lady Muriel–, dejar que los camareros vayan sirviendo el vino alrededor de la mesa durante el postre. Para empezar, siempre dan la vuelta con él en el sentido equivocado… ¡lo cual, por supuesto, siempre trae mala suerte a todos los presentes!

¡Mejor ir en el sentido equivocado que no ir en absoluto! –interpuso nuestro anfitrión–. ¿Le importaría servirse? –dijo hacia el gordo de tez colorada–. Creo que usted no es abstemio, ¿o sí?

¡Por supuesto que sí! –replicó este, pasando las botellas–. En Inglaterra se gasta casi el doble de dinero en bebida que en cualquier otro producto alimenticio. Lea esta tarjeta. –¿Qué persona con tendencia a abrazar cualquier moda pasajera no lleva siempre los bolsillos llenos de literatura apropiada?–. Las columnas de distinto color representan las cantidades gastadas en diversos productos alimenticios. Observe las 3 más altas. Dinero gastado en mantequilla y leche: 35 millones; en pan: 70 millones; en bebidas alcohólicas: ¡136 millones! Si por mí fuera, ¡cerraría todas las tabernas del país! Examine esa tarjeta, y lea el lema: «¡Ahí es donde va a parar todo el dinero!».

¿Ha visto la tarjeta probebidas alcohólicas? –inquirió Arthur en tono inocente.

¡No, señor! –repuso el orador de forma violenta–. ¿Cómo es?

Prácticamente idéntica a esta. Las columnas de colores son las mismas. La única diferencia es que, en vez de las palabras «Dinero gastado en», pone: «Ingresos derivados de la venta de»; y, en vez de «¡Ahí es donde va a parar todo el dinero!», su lema es: «¡De ahí viene todo el dinero!».

El hombre de tez colorada frunció el ceño, pero obviamente consideraba que Arthur no merecía su atención. De modo que lady Muriel rompió una lanza a su favor.

¿Sostiene usted –inquirió– que las personas pueden promover de manera más efectiva la abstención del consumo de bebidas alcohólicas si ellas mismas son abstemias?”

Ninguno de nosotros se atrevió a reír, pues el hombre de tez colorada estaba claramente furioso.”

Lo que causa principalmente el fracaso de una cena de gala es la escasez… no de carne, ni de bebida, siquiera, sino de conversación.

¡Nunca he visto una cena de gala inglesa –apunté yo– en la que se acabara la charla!

Disculpe –contestó respetuosamente Mein Herr–; yo no he hablado de «charla». He dicho «conversación». Todos esos temas como el tiempo, la política o los chismorreos locales son algo desconocido entre nosotros. Resultan o insulsos o controvertidos. Lo que nosotros necesitamos para conversar es un tema original y de interés. Para asegurarnos de ello, hemos probado diversas estrategias: pinturas en movimiento, criaturas salvajes, invitados en movimiento y un humorista giratorio. Pero este último es adecuado únicamente en fiestas pequeñas.

»¡Capítulo uno! ¡Pinturas en movimiento! –proclamó la voz argentina de nuestra anfitriona.

La mesa de comedor tiene la forma de un anillo circular –comenzó a explicar Mein Herr en tono suave y soñoliento, el cual, no obstante, podía oírse perfectamente en el silencio–. Los invitados están sentados en el lado interior además de en el exterior, habiendo accedido a sus sitios por una escalera de caracol desde la habitación situada en el piso de abajo. A lo largo de la parte central de la mesa discurren unos pequeños raíles, y hay un tren con una interminable cola de vagones que da vueltas por ella impulsado mecánicamente; en cada vagón hay 2 pinturas, apoyadas una contra otra de cara a los comensales. El tren da 2 vueltas durante la cena y, tras la primera, los camareros giran las pinturas de cada vagón, haciendo que miren en la dirección opuesta. Así, ¡cada invitado ve todas las pinturas!

¡Capítulo dos! ¡Criaturas salvajes! …

Encontrábamos las pinturas en movimiento ligeramente monótonas –continuó Mein Herr–. La gente no quería hablar de arte de principio a fin de una cena; de modo que probamos con criaturas salvajes. Entre las flores que repartíamos por la mesa (igual que hacen ustedes), aparecía por acá un ratón, por allá un escarabajo; por acá una araña –lady Muriel se estremeció–, por allá una avispa; por acá un sapo, por allá una serpiente –«¡Padre!», saltó lady Muriel con desazón. «¿Has oído eso?»–; ¡así que teníamos mucha materia de conversación!

Esta vez no siguió silencio alguno.

¡Tercer capítulo! –proclamó lady Muriel de inmediato–. ¡Invitados en movimiento!

Incluso las criaturas salvajes resultaban monótonas –prosiguió el orador–. De manera que dejamos que los invitados eligieran sus propios temas y, para evitar el aburrimiento, los cambiábamos de sitio a ellos. Hicimos una mesa de dos anillos, y el interior giraba lentamente en círculo, sin parar, junto con el suelo del centro de la habitación y la línea interior de invitados. Así, se iba situando a cada uno de estos frente a todos los invitados exteriores. Era un poco confuso, en ocasiones, tener que empezar una historia con un amigo y acabarla con otro, ¡pero todas las estrategias tienen sus fallos, ya saben!

¡Capítulo cuarto! –corrió a anunciar lady Muriel–. ¡El humorista giratorio!

Descubrimos que, para grupos pequeños, una estrategia excelente era tener una mesa redonda con un hueco en el centro lo suficientemente grande como para que cupiese un invitado. En él colocábamos a nuestro mejor conversador. Giraba despacio sobre sí mismo, poniéndose de cara sucesivamente a cada uno de los demás invitados, ¡sin parar ni un segundo de contar entretenidas anécdotas!

¡No creo que me gustara! –murmuró el hombre pomposo–. ¡Me marearía dar vueltas de ese modo! Declinaría la… – Pareció caer en la cuenta en ese instante de que tal vez el supuesto que había hecho no quedaba garantizado por las circunstancias; dio un apresurado trago de vino, que se le atragantó.

Pero Mein Herr había recaído en su estado de ensimismamiento, y no añadió nada más. Lady Muriel dio la señal, y las damas abandonaron la sala.”

¡Resultan encantadoras, no cabe duda! Encantadoras, pero muy frívolas. Nos arrastran, por así decirlo, a un nivel inferior. Ellas…

¿No requieren todos los pronombres un nombre que los anteceda? –inquirió con suavidad el earl.

“…El pensamiento es libre. Con ellas, nos vemos limitados a temas banales: arte, literatura, política y otros así. Uno puede soportar discutir de materias sin importancia como esas con una dama. Pero no hay hombre, en sus cabales… –paseó una severa mirada por la mesa, como si estuviese desafiando a los invitados a que lo contradijeran– ¡que haya hablado de vino con una dama! –Probó su copa de oporto, se reclinó en su silla y levantó el vino a la altura de su ojo, como para verlo al trasluz de la lámpara–. ¿La añada, milord? –inquirió, dirigiendo una mirada a su anfitrión.”

No –siguió diciendo… ¿y por qué sucede, me detengo a preguntar, que, al retomar el hilo interrumpido de un diálogo, uno siempre comienza con este monosílabo desprovisto de alegría? Tras meditarlo angustiosamente, he llegado a la conclusión de que el propósito es el mismo que el del colegial, cuando la suma en la que está trabajando se ha convertido en un embrollo sin solución, y cuando desesperado coge la esponja, lo borra todo y empieza de nuevo. Exactamente del mismo modo, el orador apabullado, mediante el simple proceso de negar todo lo que se ha afirmado hasta entonces, descarta de un plumazo la discusión entera, y puede «empezar como es debido» con una nueva teoría–. No –siguió diciendo–; no hay nada como la mermelada de cereza, después de todo. ¡Eso es lo que yo digo!

¡No en todas sus cualidades! –interpuso un hombrecillo de manera entusiasta y estridente–. En lo que respecta a la riqueza del tono general, no digo que tenga rival. Pero en cuanto a la delicadeza de la modulación… lo que podría llamarse los «armónicos» del sabor… ¡a mí deme una buena mermelada de frambuesa!

Yo mismo lo he visto fijar la edad de una mermelada de fresa con un margen de error de un día (y todos sabemos lo difícil que es poner fechas a esa mermelada) ¡probándola una sola vez!”

«La mermelada de cereza es la mejor para un mero claroscuro de sabor; la de frambuesa se presta mejor a esas discordancias resueltas que persisten de manera tan encantadora en la lengua, pero para un absoluto arrebato de perfección azucarada, ¡las demás mermeladas no tienen nada que hacer frente a la de albaricoque!». ¿No les parece muy bien dicho?”

La discusión pasó entonces a ser general, y sus palabras se perdieron en una mezcolanza de nombres, en la que cada invitado pronunciaba alabanzas a su propia mermelada favorita. Finalmente, a través del barullo, la voz de nuestro anfitrión consiguió hacerse oír:

¡Reunámonos con las damas! –Estas palabras parecieron traerme de vuelta a la realidad, y tuve la seguridad de que, durante los últimos minutos, había caído otra vez en el estado de «inquietud».

«¡Un extraño sueño! –me dije mientras desfilábamos escaleras arriba–. ¡Hombres adultos discutiendo, con tanta seriedad como si fuesen cuestiones de vida o muerte, los irremediablemente triviales detalles de meras exquisiteces culinarias, que no estimulan más funciones superiores humanas que los nervios de la lengua y el paladar! ¡Qué espectáculo más humillante sería una discusión así en la realidad!»

En ese momento, de camino al salón, recibí de manos del ama de llaves a mis pequeños amigos, vestidos con unos trajes de noche de lo más exquisitos, y más radiantes en su aspecto, arrebolado por la expectativa de goce, de lo que nunca antes los había visto. Aquello no me sorprendió, sino que acepté el hecho con la misma apatía irracional con que uno recibe los sucesos de un sueño, y apenas era consciente de una vaga ansiedad respecto a cómo iban a desenvolverse en una situación tan nueva para ellos… olvidando que la vida cortesana de Exotilandia era un entrenamiento más que suficiente para alternar en el mundo más sustancial.”

¿Cuánto habéis viajado, bonita? –insistió la joven dama.

Silvia puso cara de confundida.

Una milla o 2, creo –dijo con aire dubitativo.

Una milla o tdes –terció Bruno.

No se dice «1 milla o 3» –lo corrigió Silvia.

La joven dama mostró su aprobación con un asentimiento de cabeza.

Silvia tiene toda la razón. No es habitual decir «1 milla o 3».

Lo sería… si lo diciéramos lo bastante a menudo –apuntó Bruno.

Ahora quien puso cara de confundida fue la joven dama.

¡Es muy ingenioso, para su edad! –musitó–. No eres mayor de 7, ¿verdad, precioso? –añadió en voz alta.

No soy tantos –contestó Bruno–. Soy uno. Silvia es una. Silvia y yo somos 2. Ella me enseñó a contad.

¡Oh, no te estaba contando!, ¿sabes? –aclaró la joven dama entre risas.

¿Es que no has apdendido a hacedlo? –dijo el niño.

La joven se mordió el labio.

Sólo tengo una edad –contestó Bruno–. Nadie tiene 7 edades.

¿Y eres el hermano de esta jovencita? –dijo a continuación la dama, evitando hábilmente el problema.

¡Yo no soy «su» hedmano! –saltó Bruno–. ¡Silvia es «mi» hedmana!

Y la estrechó con ambos brazos mientras añadía–: ¡Es compeletamente mía!

Era una de esas intérpretes a las que la sociedad califica de «brillantes», y se lanzó a ejecutar la más hermosa de las sinfonías de Haydn con un estilo que era claramente el producto de años de paciente estudio con los mejores maestros. Al principio parecía ser la perfección de la música a piano, pero tras unos cuantos minutos empecé a preguntarme, con hastío: «¿Qué es lo que le falta? ¿Por qué no se extrae placer de ello?».

Entonces me puse a escuchar con gran atención cada una de las notas, y el misterio se aclaró por sí solo. Existía una corrección mecánica casi perfecta… ¡pero eso era todo! No estaban sonando notas equivocadas, naturalmente: la pianista se sabía la pieza demasiado bien como para que eso ocurriera, pero se daba la irregularidad justa del compás para dejar al descubierto que ella no poseía verdadero «oído» para la música; la falta justa de fluidez en los pasajes más elaborados para revelar que no creía que su audiencia mereciera un auténtico esfuerzo; la monotonía mecánica justa en la acentuación para despojar de alma todas las modulaciones celestiales que estaba profanando; en resumen, resultaba simplemente irritante, y, cuando hubo tocado el final del tirón y ejecutado el último acorde como si, ahora que había terminado con el instrumento, le diese igual cuántas cuerdas rompía, ni siquiera me vi capaz de fingir unirme al estereotipado «¡Oh, gracias!» que fue pronunciado a coro a mi alrededor.”

Es lo que ella merece –replicó Arthur, en sus trece–, pero la gente alberga tantos prejuicios en contra de la pena capital que…

¡Ya empiezas con las tonterías! –exclamó su prometida–. Pero a ti te gusta la música, ¿no? Eso dijiste hace un momento.

¿Que si me gusta la música? –repitió para sí el doctor en voz baja–. Mi querida lady Muriel, hay música y música. Tu pregunta es dolorosamente vaga. También podrías preguntarme, para el caso: «¿Te gusta la gente?».

Lady Muriel se mordió el labio, frunció el ceño y dio una patadita en el suelo. Como representación dramática de mal humor, resultó un claro fracaso. Sin embargo, logró engañar a uno de sus espectadores, y Bruno corrió a interponerse, como pacificador de una riña en gestación, con el siguiente comentario:

¡A mí me gusta la gente!

Arthur plantó una cariñosa mano en la cabecita de ensortijados cabellos.

¿Qué? ¿Toda la gente? –inquirió.

No toda –explicó Bruno–. Sólo Silvia… y lady Muriel… y él… –dijo, señalando al earl– y tú… ¡y tú!

No deberías señalar a la gente –le recriminó Silvia–. Es de muy mala educación.

En el mundo de Bruno –observé yo– sólo hay 4 personas… ¡dignas de mención!

¡En el mundo de Bruno! –repitió lady Muriel con gesto pensativo–. Un mundo luminoso y florido, en el que la hierba siempre es verde, la brisa siempre sopla con suavidad y nunca se juntan nubarrones; donde no hay bestias salvajes, ni desiertos…

Desiertos tiene que haber –apuntó Arthur de manera firme–, al menos si se tratara de mi mundo ideal.

¿Pero qué utilidad puede tener un desierto? –planteó lady Muriel–. No me creo que quisieras un páramo en tu mundo ideal.

Arthur sonrió.

¡Pues claro que sí! –aseguró–. Un páramo resultaría más necesario que un ferrocarril, ¡y muchísimo más propicio para la felicidad general que unas campanas de iglesia!

¿Pero para qué lo querrías?

Para practicar música en él –respondió él–. Todas las damas jóvenes sin oído musical, pero que aun así insisten en aprender, deberían ser conducidas, cada mañana, 2 o 2 millas al interior del páramo. Allí cada una encontraría un cómodo cuarto habilitado para ellas, y también un piano barato de 2ª mano, en el que podría tocar durante horas, ¡sin añadir ni una sola punzada de innecesario dolor al conjunto del sufrimiento humano!

Lady Muriel miró alarmada en derredor suyo, no fuese a ser que alguien oyera de pasada aquella atroz opinión. Pero la hermosa pianista se encontraba a una distancia segura.

Has de admitir al menos que es una joven dulcísima, ¿no te parece? –dijo a continuación.

Oh, sin duda. Tan dulce como el agua con azúcar, si quieres… ¡y casi igual de interesante!

¡Eres incorregible! –dijo lady Muriel, quien luego se giró hacia mí–: Espero que la Sra. Mills le haya parecido una pareja interesante para la cena.

¡Oh, así que ese es su nombre! –repuse–. Pensaba que sería más largo.

Y así es y será «bajo su propia cuenta y riesgo» (signifique lo que signifique eso) si alguna vez se atreve a dirigirse a ella de ese modo. ¡Es la «Sra. Ernest-Atkinson-Mills»!

Es una de esas advenedizas –intervino Arthur– que piensan que, por añadir a su apellido todos sus nombres de pila sobrantes, con guiones entre medias, pueden darle al mismo un toque aristocrático. ¡Como si no fuera ya bastante difícil recordar un solo apellido!

¡Es un señor muy mayor! –comentó Silvia, observando con admiración a Mein Herr, quien se había instalado en un rincón, desde el cual sus afables ojos nos sonreían a través de un gigantesco par de lentes–. ¡Y qué barba más adorable!

¿Cómo se llama? –susurró Bruno.

Se llama Mein Herr –le respondió Silvia, del mismo modo.

Bruno meneó la cabeza con impaciencia.

¡«Manjad» es como llama a la comida que le gusta, no a él mismo, tonta! –Recurrió entonces a mí–: ¿Cómo se llama, hombde señod?

Ese es el único nombre del que tengo constancia –dije yo–. Pero parece encontrarse muy solo. ¿No os da lástima su cabello gris?

Me da lástima él –matizó Bruno–, pero su pelo no, ni una pizca. ¡Su pelo no puede sentid!

Bien, vayamos a hablar con él y animémoslo un poco –sugerí–; quizá descubramos cómo se llama a sí mismo.

«¡La hosca vejez y la juventud no pueden vivir juntas!… ¡Ahora miradme bien, niños! Vosotros diríais que soy un hombre mayor, ¿no?»

No sé si es usted un hombde mayod –repuso Bruno, mientras su hermana y él, ganados por la suave voz, se acercaban al hombre un poco más, con pasitos cortos–. Cdeo que tiene ochenta y tdes años.

¡Qué exactitud! –exclamó Mein Herr.

Hay razones –contestó Mein Herr apaciblemente–, que no puedo explicar con libertad, para no mencionar explícitamente personas, lugares o fechas. Sólo voy a permitirme un comentario: que el periodo de vida comprendido entre los 165 y los 175 años resulta especialmente seguro.

Del siguiente modo: uno consideraría que nadar es un entretenimiento muy seguro, si apenas le llegasen noticias de que alguien muriese por ello. ¿Me equivoco al pensar que jamás ha oído que nadie se haya muerto entre esas 2 edades?

Entiendo lo que quiere decir –asentí–, pero me temo que no puede demostrar que la natación es segura, basándose en el mismo principio. No resulta raro oír que alguien se ha ahogado.

En mi país –dijo Mein Herr– nadie se ahoga nunca.

¿No hay aguas lo suficientemente profundas?

¡En abundancia! Pero no podemos hundirnos. Todos somos más ligeros que el agua. Dejen que se lo explique –añadió, al ver mi gesto de sorpresa–: imagine que desean obtener una raza de palomas de una forma o un color concretos; ¿no seleccionan, año tras año, aquellas que se aproximan más a la forma o el color que quieren, y se quedan con esas, deshaciéndose de las demás?

Así es –respondí–. Lo llamamos «selección artificial».

Exacto –dijo Mein Herr–. Pues bien, nosotros la hemos practicado durante algunos siglos, seleccionando sin cesar a la gente más ligera; de modo que, ahora, todo el mundo es más ligero que el agua.

Entonces, ¿nunca pueden ahogarse en el mar?

¡Nunca! Sólo en tierra (por ejemplo, cuando asistimos a una representación en un teatro) nos vemos en una situación de peligro como esa.

¿Cómo es posible eso en un teatro?

Todos nuestros teatros son subterráneos. Sobre ellos se colocan grandes tanques de agua. En caso de que se declare un incendio, los grifos se abren, y un minuto después el teatro se halla inundado ¡hasta el mismísimo techo! De ese modo se acaba con el fuego.

Y con la audiencia, supongo.

Eso es secundario –repuso Mein Herr con despreocupación–. Pero tienen el consuelo de saber que, ahogados o no, son todos más ligeros que el agua. Aún no hemos llegado a que la gente sea más ligera que el aire, pero estamos en ello; quizá en otros mil años o así…

¿Qué hacen con la gente que pesa demasiado? –inquirió Bruno con gravedad.

Hemos aplicado el mismo proceso –continuó Mein Herr, sin percatarse de la pregunta de Bruno– a muchos otros propósitos. Hemos seleccionado sin cesar bastones de paseo, conservando siempre aquellos que permitían andar mejor, ¡hasta que hemos obtenido algunos que caminan solos! Lo mismo hemos hecho con el algodón hidrófilo, ¡hasta conseguir algodón más ligero que el aire! ¡No tiene ni idea de lo útil que es como material! Lo llamamos «imponderal».

¿Para qué lo emplean?

Pues principalmente para empaquetar objetos que han de enviarse por correo. Hace que pesen menos que nada, ¿sabe?

¿Y cómo saben los empleados de la oficina postal cuánto ha de pagar usted?

¡Eso es lo hermoso del nuevo sistema! –exclamó Mein Herr de forma exultante–. Ellos nos pagan a nosotros, ¡no al revés! A veces me dan hasta 5 chelines por enviar un paquete.

¿Y su Gobierno no se opone?

Bueno, sí que plantea algunas objeciones. Dice que sale muy caro, a la larga. Pero la cuestión está meridianamente clara, según sus propias normas. Si yo envío un paquete que pesa medio kilo más que nada, pago 3 peniques; de modo que, naturalmente, si pesa medio kilo menos que nada, yo debería recibir 3 peniques.

¡Sí que es un artículo útil! –dije.

¡Qué cosa más útil es un mapa de bolsillo! –comenté.

Eso también es algo que hemos aprendido de su nación –dijo Mein Herr–: la cartografía. Pero lo hemos llevado mucho más lejos. ¿Cuál considera que es el mapa más grande que poseería verdadera utilidad?

Uno de en torno a 15 centímetros por milla.

¡Sólo eso! –exclamó Mein Herr–. Nosotros no tardamos en llegar a los 6 metros por milla. Luego probamos con cien metros por milla. ¡Y después vino la idea más grandiosa de todas! Hicimos un mapa del país, en serio, ¡a una escala de una milla por milla! —¿Y lo han usado mucho? –inquirí.

Tanto falam do escritor espanhol que utilizou essa anedota… Mas veja só!

O que é sempre péssimo para um vôo e excelente para um mapa? Que tenha escala!

Todavía no ha sido desplegado nunca –apuntó Mein Herr–; los granjeros se opusieron: decían que cubriría todo el campo, ¡bloqueando la luz del sol! De modo que en la actualidad usamos el propio campo como mapa, y le aseguro que funciona casi igual de bien. Deje que le haga yo ahora otra pregunta. ¿Cuál es el mundo más pequeño en el que le gustaría vivir?

PAINTBALL XIX

Pero un científico amigo mío, que ha realizado varios viajes en globo, me asegura que ha visitado un planeta tan pequeño que ¡fue capaz de recorrer una vuelta entera a pie alrededor de él en 20 minutos! Se había producido una gran batalla, justo antes de su visita, que terminó de un modo bastante curioso: el ejército derrotado huyó a toda velocidad, y a los poquísimos minutos se encontró cara a cara con el ejército vencedor, el cual marchaba de regreso a casa, ¡y este se asustó tanto al verse entre dos ejércitos, que se rindió en el acto! Naturalmente eso le hizo perder la batalla, aunque, de hecho, había matado a todos los soldados del bando contrario.

Los soldados muedtos no pueden huid –apuntó Bruno con expresión pensativa.

«Matado» es un tecnicismo –repuso Mein Herr–. En el pequeño planeta del que hablo, las balas estaban hechas de una suave sustancia negra que dejaba una marca en todo lo que tocaba. De manera que, tras una batalla, lo único que había que hacer era contar cuántos soldados de cada bando estaban «muertos», lo cual quiere decir «marcados por detrás», ya que las marcas por delante no contaban.

¿Entonces no se podía matar a nadie, a no ser que saliera corriendo? –planteé yo.

Mi amigo científico descubrió un procedimiento mejor que ese. Advirtió que, si las balas se disparaban en dirección contraria alrededor del mundo, alcanzarían al enemigo por la espalda. Después de eso, los peores tiradores pasaron a ser considerados los mejores, y el peor de todos siempre conseguía el primer premio.

¿Y cómo decidían cuál era el peor tirador de todos?

En este planeta, [la Tierra] según me han contado, una nación está formada por varios súbditos, y un rey, pero en el pequeño planeta del que hablo, lo estaba por varios reyes, ¡y un súbdito!

Dice usted que le han «contado» lo que sucede en este, nuestro planeta –observé–. ¿Sería mucho suponer que usted mismo es un visitante de otro planeta? Bruno aplaudió preso de la emoción.

¿Es usted el hombde en la luna(*)? –exclamó. Mein Herr pareció incomodarse.

No estoy en la luna, querido –dijo evasivamente–. Volviendo a lo que estaba diciendo, creo que ese método de gobierno debería ser satisfactorio. Verán, los reyes, sin duda, crearían leyes contradictorias unas con otras, por lo que el súbdito nunca podría ser castigado, porque, hiciese lo que hiciese, siempre estaría obedeciendo alguna de ellas.

(*) Un personaje que, en diversas leyendas y mitos de todo el mundo y en una canción infantil inglesa, se dice, habita en la luna. Cada una de las fuentes otorga distintas características y aspecto a dicha figura. [N. del T.]

¡Oh, bueno! Somos viejos ahora y, sin embargo, yo mismo fui niño, una vez… al menos eso creo.

No pude evitar reconocer para mis adentros que parecía desde luego una suposición bastante improbable, viendo su enmarañado cabello cano y la larga barba, que hubiera sido niño alguna vez.

¿Le gusta la gente joven? –pregunté.

Los jóvenes –respondió–. No exactamente los niños. Solía enseñar a jóvenes, hace muchos años, en mi querida y antigua universidad.”

Dígame una cosa –rogó, posando su mano de manera imponente sobre mi brazo–. Pues soy forastero en su tierra, y apenas sé de sus modos de educación, aunque algo me dice que estamos más adelantados que ustedes en el ciclo eterno del cambio, y que muchas de las teorías que hemos probado y encontrado ineficaces, ustedes también las probarán, con un entusiasmo más exacerbado, y también encontrarán el fracaso, ¡con una desesperación más amarga!

Fue extraño ver cómo, a medida que hablaba, y sus palabras fluían de forma cada vez más libre, con una cierta elocuencia rítmica, sus facciones parecían resplandecer con una luz interior, y todo su cuerpo dio la impresión de transformarse, como si hubiera rejuvenecido 50 años en un instante.”

No sé lo que es una ópera –contestó Silvia medio susurrando.

¿Cómo entonces llamas el aire?

No conozco ningún nombre para él –repuso Silvia, levantándose del instrumento.

¡Pero esto es maravilloso! –exclamó el conde, siguiendo a la niña, y dirigiéndose a mí, como si yo fuese el dueño de este prodigio musical y debiera conocer por tanto la fuente de su música–. ¿Usted la ha oído tocar esto, más pronto… digo «antes de esta ocasión»? ¿Cómo llama el aire?

Yo negué con la cabeza, pero me vi salvado de más preguntas por lady Muriel, que se acercó a pedirle una canción al conde.

Este separó las manos excusándose, y agachó la cabeza.

Pero milady, ya he revisionado… digo revisado… todas sus canciones; ¡y no habrá ninguna apropiada para mi voz! ¡No son para voces de bajo!

¡Pues claro que no puede, si es farancés! ¡Los faranceses nunca pueden hablad un inglés tan buenósimo como nosotdos! –Y Silvia se llevó consigo al voluntario cautivo.

¿A cuáles de sus profesores valoran ustedes más, a los que se entiende con facilidad o a los que hacen sentirse a uno confundido cada vez que hablan?

Me sentí obligado a admitir que por lo general admirábamos más a los profesores a quienes no entendíamos del todo.

Justamente –dijo Mein Herr–. Así es al principio. Bien, nosotros estábamos en esa fase hace unos 80 años… ¿o eran 90? Nuestro profesor predilecto se expresaba peor cada año, y cada año lo teníamos en mayor admiración… ¡del mismo modo que sus aficionados al arte denominan «neblina» al más hermoso elemento paisajístico, y admiran una vista con desaforado placer cuando no pueden ver nada! Ahora le voy a decir cómo acabó la cosa. Nuestro ídolo impartía clases de Filosofía Moral. Pues bien, sus pupilos no entendían ni jota, pero se lo aprendieron todo de memoria, y cuando llegó el momento de los exámenes, respondieron con ello, y los examinadores dijeron: «¡Magnífico! ¡Qué profundidad!».

¿Pero de qué sirvió eso a los jóvenes después?

¿Acaso no lo ve? –repuso Mein Herr–. Ellos se convirtieron a su vez en maestros, y repitieron de nuevo todas esas cosas, y sus alumnos las pusieron en el examen, y los examinadores las aceptaron, ¡y nadie tenía la más mínima idea de qué quería decir todo aquello!

¿Y cómo acabó?

Del siguiente modo: nos levantamos un buen día y descubrimos que no había nadie allí que supiera nada de Filosofía Moral. De forma que la abolimos; profesores, clases, examinadores y todo lo demás. Y si alguien quería aprender algo al respecto, tenía que descubrirlo por sí mismo, ¡y pasados otros 20 años o así ya había varios hombres que realmente sabían algo de la materia! Ahora dígame otra cosa. ¿Cuántos años de aprendizaje pasa un joven antes de que lo examinen, en sus universidades?

Le dije que 3 o 4 años.

¡Exactamente lo mismo que hacíamos nosotros! –exclamó–. Les enseñábamos un poquito y, justo cuando empezaban a asimilarlo, ¡se lo sacábamos todo de nuevo! Vaciábamos nuestros pozos antes de que estuviesen a ¼ de su capacidad; cosechábamos nuestras huertas con las manzanas todavía en flor; ¡aplicábamos la severa lógica de la aritmética a nuestros pollos, mientras dormían pacíficamente en sus cascarones! No cabe duda de que pájaro durmiente, tarde hincha el vientre, pero si el pájaro se levanta tan escandalosamente temprano que el gusano está todavía bien bajo tierra, ¿cuáles son entonces sus posibilidades de desayunar? No muchas, reconocí.

¡Vea pues cómo funciona eso! –prosiguió de manera ansiosa–. Si quieren vaciar sus pozos tan pronto… porque supongo que me dirá que es lo que deben hacer, ¿no?

Así es –dije–. En un país superpoblado con este, únicamente las oposiciones…

Mein Herr alzó las manos como si estuviese fuera de sí.

¿Qué, otra vez? –gritó–. ¡Creía que desaparecieron hace 50 años! ¡Oh, este upas de las oposiciones! ¡Bajo cuya mortífera sombra todo el genio original, todo el estudio exhaustivo, toda la incansable diligencia de una vida mediante los cuales nuestros antepasados tanto hicieron avanzar el conocimiento humano, deben lenta pero inevitablemente marchitarse para verse reemplazados por un sistema de cocina, en el que la mente humana es una salchicha, y lo único que nos preguntamos es cuánta materia indigerible puede embutirse en su interior!

Siempre, después de estos arranques de elocuencia, parecía perder el control durante un momento y mantenerse asido al hilo de sus pensamientos por alguna palabra aislada.

Embutirse, sí –repitió–. Sufrimos toda esa fase de la enfermedad; ¡fue horrible, se lo garantizo! Naturalmente, como la oposición era una prueba general, intentábamos incluir en ella exactamente lo que se quería, ¡y el gran objetivo a alcanzar era que el candidato no necesitase saber nada que no entrara en el examen! No digo que alguna vez se consiguiera del todo, pero uno de mis propios alumnos (perdone el egotismo de un anciano) estuvo muy cerca de ello. Tras el examen, me expuso los escasos datos que sabía pero no había sido capaz de incluir en su respuesta, ¡y puedo asegurarle que eran nimios, señor, absolutamente nimios!”

En aquella época, nadie había dado con la estrategia mucho más racional de esperar los destellos individuales de genio y recompensarlos a medida que apareciesen. Por tanto, metíamos a nuestro desafortunado alumno en una botella de Leyden, lo cargábamos hasta las cejas, luego aplicábamos el electrodo de una oposición y extraíamos una magnífica chispa, ¡que muy a menudo rompía la botella! Pero ¿qué más daba eso? Le poníamos una etiqueta de «chispa de sobresaliente», ¡y la dejábamos en la repisa!

¿Pero el sistema más racional…? –sugerí.

¡Ah, sí!, ese vino después. En vez de dar toda la recompensa por aprender de una sola vez, solíamos pagar por cada buena respuesta a medida que se producían. ¡Qué bien me acuerdo de mis clases de aquellos días, con una pila de moneditas a mi lado! Era: «¡Una respuesta excelente, Sr. Jones!» (eso se traducía en un chelín, la mayoría de las veces). «¡Bravo, Sr. Robinson!» (lo cual valía media corona). Le voy a decir qué tal funcionó. ¡Ningún alumno aprendía un solo dato que no tuviera su premio! Y cuando llegaba de la escuela un muchacho inteligente, ¡recibía más dinero por aprender de lo que nos pagaban a nosotros por enseñarle! Entonces surgió la moda más disparatada de todas.

¿Qué, otra moda? –dije.

Es la última –dijo el anciano–. Debo de haberle cansado con mi largo relato. Cada college(*) quería para sí a los muchachos inteligentes; de manera que adoptamos un sistema que habíamos oído que resultaba muy popular en Inglaterra: los colleges competían entre sí por los jóvenes, ¡que se subastaban al mejor postor! ¡Qué idiotas éramos! De un modo u otro, estaban obligados a venir a la universidad. ¡No hacía falta que les pagáramos! ¡Y todo nuestro dinero se iba en conseguir que los más listos fueran a un college en vez de a otro! La competencia era tan fuerte que al final los simples pagos monetarios no bastaron. Cualquier college que quisiera conseguir a algún joven especialmente brillante tenía que abordarlo en la estación y perseguirlo por las calles. El primero que lo alcanzase tenía derecho a llevárselo.

(*) En el Reino Unido, las universidades tradicionales como Oxford y Cambridge son federaciones de colleges: instituciones autónomas de enseñanza superior que ofertan distintas carreras académicas y que poseen órganos de dirección independientes. [N. del T.]

Ocho o 9 directores de college se habían reunido a las puertas (no se permitía la entrada a ninguno), y el jefe de estación había dibujado una línea en la acera, e insistía en que todos permanecieran detrás de la misma. ¡Las puertas se abrieron de golpe! El joven salió disparado a través de ellas y enfiló como un relámpago calle abajo, ¡mientras los directores proferían verdaderos gritos de emoción al verlo! El supervisor dio la salida, mediante la vieja fórmula establecida: «¡Semel! ¡Bis! ¡Ter! ¡Currite!»(*), ¡y la caza dio comienzo! ¡Oh, era algo digno de verse, créame! En la primera esquina el alumno tiró su lexicón de griego; más adelante, su manta de viaje; después varios objetos pequeños; a continuación su paraguas; por último, lo que supongo más apreciaba, su pequeña maleta, pero el juego había acabado: el esférico director de… de…

¿De qué college? –pregunté.

… de uno de ellos –reanudó su relato– había puesto en práctica la teoría (su propio descubrimiento) de la velocidad acelerada, y atrapó al joven justo enfrente de donde yo me encontraba. ¡Nunca olvidaré aquel frenético y emocionante forcejeo! Pero pronto llegó a su fin. ¡Era imposible escapar de aquellas manazas huesudas!

¿Puedo preguntarle por qué se refiere a él como el «esférico» director? –dije.

El epíteto aludía a su forma, que era una esfera perfecta. ¿Usted es consciente de que una bala, otro ejemplo de esfera perfecta, cuando cae en línea totalmente recta, se mueve con velocidad acelerada?

Yo asentí en silencio.

Pues bien, mi esférico amigo (como me enorgullezco en llamarlo) se entregó a la investigación de las causas de ello. Descubrió que eran 3. Uno: que es una esfera perfecta. Dos: que se mueve en línea recta. Tres: que su movimiento no es ascendente. Cuando estas 3 condiciones se cumplen, uno obtiene velocidad acelerada.

Me parece que no –dije–, si me permite discrepar. Imagine que aplicamos la teoría al movimiento horizontal. Si una bala se dispara horizontalmente, esta…

… no se mueve en línea recta –terminó tranquilamente mi frase.

Tiene usted razón –reconocí–. ¿Qué hizo su amigo a continuación?

Lo siguiente era aplicar la teoría, como usted correctamente sugiere, al movimiento horizontal. Pero el cuerpo que se desplaza, que tiende siempre a caer, necesita un apoyo constante, si ha de moverse en una verdadera línea horizontal. «Entonces», se preguntó, «¿qué proporcionará apoyo constante a un cuerpo en movimiento?». Y su respuesta fue: «¡Las piernas humanas!». ¡Ese fue el descubrimiento que inmortalizó su nombre!

¿Que era…? –dije a modo de indirecta.

No lo he mencionado –fue la delicada contestación de mi sumamente insatisfactorio informador–.

(*) Versión latina de «¡A la de una! ¡A la de dos! ¡A la de tres! ¡Ya!».”

Ahora le voy a decir cómo nos curamos de esa moda absurda de pujar unos contra otros por los estudiantes más listos, ¡igual que si fueran artículos de una subasta! Justo cuando la moda había alcanzado su punto álgido, y uno de los colleges había anunciado una beca de mil libras anuales, uno de nuestros turistas nos trajo el manuscrito de una antigua leyenda africana… casualmente llevo una copia de la misma en mi bolsillo. ¿Quiere que se la traduzca?”

Entonces, con uno de esos convulsivos sobresaltos que le despiertan a uno en el momento exacto en que va a quedarse dormido, me di cuenta de que los profundos tonos musicales que me emocionaban no pertenecían a Mein Herr, sino al conde francés. El anciano seguía aún estudiando el manuscrito.”

Era una necesidad política (o eso nos aseguró y nosotros le creímos, aunque jamás lo hubiéramos sabido hasta ese momento) que existiesen 2 partidos para cada cuestión y sobre cualquier tema. En política, los 2 partidos, que ustedes habían encontrado necesario instituir, se llamaban, según nos contó, Whigs y Tories.(*)

(*) Whigs y Tories eran los nombres que recibían respectivamente las facciones liberal y conservadora del Parlamento inglés hasta mediados del s. XIX.”

“…estos 2 partidos, que siempre mostraban una hostilidad crónica mutua, se turnaban en la dirección del Gobierno, y, según creo, el partido que resultaba no estar en el poder recibía el nombre de «oposición», ¿cierto?

Ese es el nombre –asentí–. Desde el principio ha habido, siempre que hemos tenido Parlamento, 2 partidos, uno en el poder y otro en la oposición.

Bien, la función de los «gobernantes» (si puedo llamarlos así) era hacer todo lo posible por el bienestar de la nación, en cuestiones tales como declarar guerras y paces, tratados comerciales, etc., ¿no es así?

Sin duda –dije.

Y la función de los «opositores» era (según nos aseguró nuestro viajero, aunque en un principio nos costase mucho creerlo) impedir que los «gobernantes» tuvieran éxito en cualquiera de esas cosas, ¿cierto?

Criticar y enmendar sus medidas –lo corregí–. ¡Sería antipatriótico obstaculizar al Gobierno en sus acciones por el bien de la nación! Siempre hemos considerado al patriota el mayor de los héroes, ¡y que un espíritu antipatriótico es uno de los peores males humanos!”

Le puedo asegurar –escribe– que, por antipatriótico que tal vez le parezca, la función reconocida de la «oposición» es obstaculizar, de cualquier modo no prohibido por la ley, la acción del Gobierno. Este proceso se denomina «obstrucción legítima»; y el mayor triunfo que la «oposición» puede llegar a disfrutar es el de tener la oportunidad de señalar que, debido a su «obstrucción», ¡el Gobierno ha fracasado en todas las acciones que emprendió por el bien de la nación!

Su amigo no lo ha expresado correctamente del todo –comenté–. La oposición se alegraría sin duda de señalar que el Gobierno ha fracasado por su propia culpa, ¡pero no que lo ha hecho a causa de la «obstrucción»!

¿Usted cree? –contestó él apaciblemente–. Permita que le lea ahora este recorte de periódico que mi amigo adjuntó en su carta. Es parte de la crónica de un discurso público, realizado por un hombre de Estado que era por aquel entonces miembro de la oposición:

Al cierre de la sesión, pensaba que no tenían razón ninguna para estar descontentos con la suerte de la campaña. Habían derrotado al enemigo en todos los puntos. Pero la persecución debía continuar. Tan sólo tenían que presionar a un enemigo desorganizado y falto de moral.

Y bien, ¿a qué etapa de su historia nacional cree usted que se estaba refiriendo el orador?

En realidad, el número de guerras victoriosas que hemos librado durante el último siglo –contesté, con un cálido sentimiento de orgullo británico– es demasiado elevado para que adivine, con alguna posibilidad de éxito, en cuál nos encontrábamos inmersos en ese momento. Sin embargo, nombraré la India como la más probable. El Motín(*) había sido sin duda prácticamente aplastado en el momento en que se pronunció ese discurso. ¡Qué alocución más hermosa, viril y patriótica debió de ser! –exclamé en un arranque de entusiasmo.

(*) El Motín de la India o Rebelión de la India de 1857 fue un levantamiento del ejército cipayo de la Compañía de las Indias Orientales inglesa, que desembocó en otras sublevaciones populares y en un intento de restauración de los regímenes mogol y maratha en el subcontinente. La revuelta fue completamente sofocada un año después, con una durísima represión.”

Nos pareció extraño, al principio –prosiguió, tras esperar educadamente mi respuesta unos momentos–, pero nuestro respeto por su nación era tan grande que, cuando nos hicimos a la idea, ¡lo aplicamos en todos los aspectos de la vida! Fue «el principio del fin» para nosotros. ¡Mi país nunca más volvió a levantar cabeza! –Y el pobre y anciano caballero emitió un hondo suspiro.

El siguiente paso (tras reducir a nuestro Gobierno a la impotencia y poner freno a toda nuestra legislación útil, lo cual no nos llevó excesivo tiempo) fue introducir lo que llamábamos «el glorioso principio británico de la dicotomía» en la agricultura. Convencimos a muchos de los terratenientes de que dividieran a sus trabajadores en 2 partidos y les asignaran posturas enfrentadas. Se los llamaba, al igual que a nuestros partidos políticos, «gobernantes» y «opositores»; el trabajo de los gobernantes era arar, sembrar, o cualquier otra cosa que se necesitara, tanto como pudieran en un día, y al llegar la noche se les pagaba de acuerdo a la cantidad realizada; el trabajo de los opositores era obstaculizar el de los primeros, y se les pagaba del mismo modo proporcional. Los terratenientes descubrieron que tenían que pagar únicamente la mitad de dinero que antes en salarios, y no advirtieron que la cantidad de trabajo realizada era de tan sólo una cuarta parte de la que se hacía previamente; de manera que, en un primer momento, acogieron la medida con gran entusiasmo.”

En un breve espacio de tiempo, las cosas se acomodaron a una rutina regular. No se realizaba ningún trabajo en absoluto. De manera que los gobernantes no obtenían dinero, y los opositores recibían la paga completa. Y los terratenientes nunca descubrieron, hasta que la mayoría de ellos estuvieron arruinados, que los granujas habían acordado esa situación, ¡y se repartían la paga entre ellos! Mientras aquello duró, ¡se producían visiones curiosas! No son pocas las veces que he visto a un labrador, con 2 caballos enganchados al arado, esforzándose al máximo por hacerlo avanzar, al tiempo que el labrador de la oposición, con 3 burros sujetos al extremo contrario, ¡se afanaba con todas sus fuerzas en hacerlo retroceder! ¡Y el arado no se movía ni un ápice en ninguna de las 2 direcciones!”

«Como el daño ya está hecho, quizá sea

usted tan amable de hacer las maletas,

pues 2 (su hija y su yerno) son compañía,

mas 3 no entran en dicha categoría.

Iniciaremos un programa de ahorro;

para obtener efectivo hallaré el medio.

¡Y no crea, suegra, que meterá el morro

en todo ello», bramó Tottles (e iba en serio).

La música pareció desvanecerse. Mein Herr estaba hablando de nuevo con su voz normal.

Dígame una cosa más –pidió–. ¿Estoy en lo cierto al pensar que en sus universidades, aunque un hombre permanezca en una tal vez 30 o 40 años, lo examinan, una vez y no más, al final de los primeros 3 o 4?

Así es, sin duda –admití.

Entonces, ¡prácticamente examinan a un hombre al comienzo de su carrera! –dijo para sí mismo el anciano, más que para mí–. ¿Y qué garantías tienen de que retiene el conocimiento por el cual lo han recompensado… por adelantado, podríamos decir?

Ninguna –reconocí, sintiéndome un poco desconcertado ante la deriva de sus comentarios–. ¿Cómo logran ustedes ese objetivo?

Examinándolo al final de sus 30 o 40 años, no al principio –respondió con tranquilidad–. De media, el conocimiento que se halla entonces es de 1/5 aproximadamente del que había inicialmente, produciéndose el olvido a un ritmo muy constante, y aquel que olvida menos, se lleva el mayor honor y la mayor recompensa.”

“…Cuando un hombre parece estar volviéndose ignorante, o estúpido, de un modo alarmante, algunas veces se niegan a seguir sirviéndole. ¡No tiene usted ni idea de con qué entusiasmo comienza a refrescar un hombre los conocimientos de ciencias o idiomas que había olvidado cuando su carnicero le ha cortado el suministro de ternera y carnero!

¿Y quiénes hacen de examinadores?

Los jóvenes que acaban de llegar, rebosantes de saber. Le resultaría curioso –prosiguió– ver a unos simples muchachos examinando a tales ancianos. Conocí a un hombre al que pusieron a examinar a su propio abuelo. Fue un poco doloroso para ambos, sin duda. El añoso caballero estaba calvo como una bola de billar…

¿Cuán calvo sería eso? –No tenía ni idea de por qué había hecho esa pregunta. Me dio la sensación de que se me estaba reblandeciendo el cerebro.”

Había una vez un datón… un datón muy pequeño… ¡un datón muy diminutísimo! ¡Jamás se vio datón tan enano!…”

¿Y nunca le pasó nada, Bruno? –pregunté yo–. ¿No tienes ninguna otra cosa que contarnos de él, aparte de que era tan diminuto?

Nunca le sucedió nada –repuso Bruno con solemnidad.

¿Y por qué? –planteó Silvia, la cual estaba sentada con la cabeza sobre el hombro de su hermano, esperando pacientemente una oportunidad para comenzar su propia historia.

Podque era demasiado diminuto –explicó Bruno.

¡Esa no es excusa! –dije–. Por minúsculo que fuese, le podría haber pasado alguna cosa.

Bruno me dirigió una mirada compasiva, como si considerase que yo era muy estúpido.

Era demasiado diminuto –repitió–. Si le pasara algo, moriría… ¡era de lo más diminutísimo!

¡Ya basta de hablar de su tamaño! –interpuso Silvia–. ¿Aún no has inventado nada más sobre él?

Todavía no.
—Pues, entonces, ¡no deberías empezar una historia hasta que sepas cómo seguir! Ahora calla, sé bueno y escucha la historia que he pensado yo.

Y Bruno, que había agotado ya prácticamente toda su inventiva, por haber empezado de manera demasiado precipitada, se resignó en silencio a prestar atención.

El viento susurraba entre los árboles –«¡Menudos modales!», interrumpió Bruno. «Eso da igual», le contestó Silvia– y había caído la noche… una hermosa noche con luna, y los búhos ululaban… —¡Haz como que no eran búhos! –rogó Bruno, acariciando la mejilla de su hermana con su manita regordeta–. No me gustan los búhos. Tienen unos ojos muy gdandísimos. ¡Haz como que eran pollos!

¿Te asustan sus enormes ojos, Bruno? –pregunté.

A mí no me asusta nada –contestó Bruno en el tono más despreocupado que pudo poner–; son feos con esos ojazos. Cdeo que si lloraran, las lágdimas serían tan gdandes… ¡como la luna! –Se echó a reír de manera alegre–. ¿Alguna vez lloran los búhos, hombde señod?

Ninguna vez lloran –respondí en actitud seria, tratando de emular la forma de hablar de Bruno–; no tienen nada de qué lamentarse, ¿sabes?

¡Oh, eso no es veddad! –exclamó Bruno–. ¡Les da muchósima pena cuando matan a los pobdes datones!
—Pero me figuro que no será así si tienen hambre.

¡Usted no sabe nada de búhos! –apuntó Bruno desdeñoso–. Cuando tienen hambde, les da mucha, mucha pena habed matado a los datoncitos, podque si no lo habiesen hecho tenerían algo para cenad, ¿sabe usted?

¡No hablaba de gazapo de equivocación, tonta! –respondió Bruno con un alegre brillo en los ojos–. ¡Gazapos de los que coren pod el campo!

¡No digas que «picó»! –suplicó Bruno–. Sólo las cosas pequeñas pican… cositas finas y codtantes, con filo…

Háblanos pod favod del picnic de Bduno, ¡y no de leones moddisqueantes”

No se pueden consedvad pdomesas si no hay sal, podque se echan a pedded. Y consedvaba su cumpleaños en el segundo estante.”

¿Cuánto tiempo lo tuvo? –pregunté yo–. Nunca puedo conservar el mío más de veinticuatro horas.

¡Pero si un cumpleaños ya dura eso pod sí solo! –exclamó Bruno–. ¡Usted no sabe consedvadlos! ¡Este niño tuvo el suyo un año entero!

Ser bueno ya es una especie de regalo, ¿no crees? –declaré.

¡Una especie de degalo! –repitió Bruno–. ¡A mí me parece una especie de castigo!

¡Oh, Bruno! –terció Silvia, casi con tristeza–. ¿Cómo puedes decir eso?

Acto seguido, se sentó muy derecho y puso una cara ridículamente solemne–. Pdimero uno debe sentadse más tieso que velas…

«¿Pod qué no te has cepillado el pelo? ¡Ve a cepilládtelo ahora mismo!». Luego: «¡Oh, Bduno, no debes doblad las hojas de las madgaritas!». ¿Apdendió usted a deletdead con madgaritas, hombde señod?”

los niños que se aprenden sus lecciones a la perfección, siempre conservan sus cumpleaños, ¿sabe? De modo que, como no podía ser de otro modo, ¡ese niño mantuvo el suyo!”

Puedes llamadlo Bduno, si quieres –comentó el pequeñín con aire indiferente–. No era yo, pero hace más interesante la historia.

Y la vaca dijo: «¡Muuu! ¿Qué vas a hacer con toda esa leche?». A lo que Bruno contestó: «Por favor, señora, la quiero para mi picnic». La vaca contestó a su vez: «¡Muuu! ¡Pero espero que no la vayas a hervir!». Y Bruno dijo: «¡Claro que no! ¡La leche recién ordeñada está tan buena y calentita que no hace falta hervirla!»

No era un glotón, sabe usted, pod celebdad el picnic totalmente solo –quiso aclarar Bruno, tocándome el moflete para llamar mi atención–. Lo que pasa es que no tenía hedmanos ni hedmanas.

¡Pero Bduno no estaba asustado! –aclaró el propietario del nombre–. ¡Así que siguió siendo negdo!

¡No, qué va! ¡Siguió siendo rosa! –rio Silvia–. Si fueras negro, no te daría besos como este, ¿sabes?

«… si se acercaba un niño regordete y jugoso, ¡solía abalanzarme sobre él y zampármelo! ¡Oh, no tenéis ni idea de lo delicioso que resulta… un niño suculento!»

«¡Oh, hubo un desayuno nupcial de lo más encantador! En un extremo de la mesa había un pudin de pasas. ¡Y en el otro un hermoso cordero asado! ¡Oh, no os imagináis lo delicioso que resulta… un buen cordero asado!» El cordero dijo entonces: «¡Oh, señor, le ruego que no hable sobre comerse corderos! ¡Hace que me entren escalofríos!». A lo que el león contestó: «Oh, bueno, ¡no hablaremos de eso, pues!».

Lo que dijo el león: «Ahora, corderito tonto, vete a casa con tu madre y nunca vuelvas a hacer caso a viejos zorros. Y sé muy bueno y obediente».

»Lo que el león le dijo a Bruno: «Ahora, Bruno, lleváte esos zorritos a casa contigo y enséñalos a ser buenos y obedientes. ¡No como ese viejo malvado sin cabeza!»«Sin ninguna cabeza», remachó Bruno.

»Lo que Bruno le dijo a los pequeños zorros: «A ver, zorritos, vais a recibir vuestra primera lección de buen comportamiento. Voy a meteros en la cesta, junto con las manzanas y el pan, y no debéis comeros ni las unas ni lo otro, ni nada de nada, hasta que lleguemos a mi casa, y entonces os daré de cenar».

»Lo que los zorritos le dijeron a Bruno: nada.

«Zorrito mayor, ¿te has comido tú las manzanas?». Y el zorrito mayor respondió: «¡No, no, no!». –Resulta imposible describir el tono con el que Silvia repitió este veloz y conciso «¡no, no, no!». Alcanzo como mucho a decir que fue como si un patito excitado hubiese tratado de emitir las palabras: demasiado rápido para ser un graznido de pato y, sin embargo, demasiado áspero para tratarse de ninguna otra cosa–. Bruno dijo entonces: «Zorrito mediano, ¿te has comido tú las manzanas?». Y el zorrito mediano contestó: «¡No, no, no!». Luego Bruno dijo: «Zorrito menor, ¿te has comido tú las manzanas?». Y el zorrito menor intentó articular: «¡No, no, no!», pero tenía la boca tan llena que le fue imposible, y sólo pudo decir: «¡Uac, uac, uac!»;

“–«¿Qué significa ‘hete aquí’?», preguntó Bruno. «¡Silencio!», contestó Silvia–.”

«Zorrito mayor –continuó Silvia, abandonando la forma narrativa en su entusiasmo–, tú has sido tan bueno que apenas puedo creer que me hayas desobedecido, pero me estoy temiendo que te has comido a tu hermana pequeña.» Y el zorrito mayor dijo: «¡Uauac, uauac!», y entonces algo hizo que se atragantara. Bruno miró dentro de su boca, ¡y estaba llena! –Silvia paró de hablar para tomar aliento; Bruno se tumbó entre las margaritas y me lanzó una mirada de triunfo. «¿No es fabuloso, hombde señod?», dijo. Yo me esforcé por adoptar un tono crítico: «Es fabuloso», contesté, «¡aunque aterrador!». «Puede sentadse un poquitín más cedca de mí, si lo desea», ofreció Bruno.

Así, Bruno dijo: «Zorrito mayor, ¿te has comido a ti mismo, granuja?». Y este dijo: «¡Uauac!». Y Bruno vio entonces que lo único que quedaba en la cesta era ¡la boca del zorrito! Así que la cogió, la abrió y ¡sacudió y sacudió! Y, por fin, ¡consiguió sacar al zorrito de su propia boca! Y luego dijo: «¡Abre otra vez la boca, pequeño malvado!». ¡Y sacudió y sacudió, hasta que logró sacar al zorrito mediano! Y a continuación ordenó a este último: «¡Ahora abre tú la boca!». ¡Y sacudió y sacudió, hasta que logró sacar al zorrito menor, junto con todas las manzanas, y todo el pan!

Y aprendieron sus lecciones del derecho y del revés, y cabeza abajo. Y Bruno por fin hizo sonar otra vez la gran campanilla. «¡Tin, tin, tin! ¡A cenar, a cenar, a cenar!» Y cuando los zorritos bajaron… –«¿Llevaban delantales limpios?», interrogó Bruno. «¡Por supuesto!», respondió Silvia. «¿Y cucharas?» «¡Sabes que sí!» «No estaba seguro», dijo Bruno– ¡lo hicieron más lentos que un caracol! Y dijeron: «¡Oh! ¡No habrá cena! ¡Sólo el gran vergajo!». Pero cuando entraron en la habitación, ¡vieron una cena magnífica! –«¿Con bollos?», preguntó Bruno a gritos y dando palmas–. Con bollos y bizcocho y… –«¿… y mermelada?», sugirió Bruno–. Sí, mermelada… y sopa… y… –«¡… y confites!», intervino Bruno nuevamente, y Silvia pareció satisfecha.”

“…y jamás volvieron a comerse unos a otros… ¡ni a sí mismos!”

Y, en el silencio subsiguiente, la última estrofa de la canción de Tottles resonó por la habitación.

Ved qué tranquila reside la pareja

en su nuevo nidito de las afueras.

La mujer, entre lágrimas, resignada,

acepta llevar una vida más llana.

Pero de rodillas pide una merced:

«¡Tesorito, no te enfades, te lo ruego:

puede que mamá venga por 2 o 3…».

«¡Ni pensarlo!», aulló Tottles (e iba en serio).”

¡Pues claro! –profirió en voz alta lady Muriel–. ¡Bruno! ¿Dónde estás, bonito?

Pero no contestó ningún Bruno; aparentemente, los 2 niños habían desaparecido de forma tan súbita, y misteriosa, como la canción.

Quedaban únicamente unos 8 o 9 –a los que el conde les estaba explicando, por vigésima vez, cómo había estado mirando a los niños durante la última estrofa de la canción; cómo había echado entonces una ojeada por la habitación, para ver qué efecto había tenido «la gran nota de pecho» sobre su audiencia, y cómo, al mirar otra vez, ambos habían desaparecido– cuando empezaron a oírse exclamaciones de consternación por todas partes, momento en que el conde finalizó bruscamente su relato para unirse al clamor.”

Los invitados que aún quedaban allí dieron la impresión de estar más que contentos de irse, dejándonos solos al conde y a nosotros 4.”

¿Quién son, entonces, estos adorables niños, le ruego me diga? –preguntó–. ¿Por qué vienen, por qué van, en este modo tan poco ordinario?

El conde pareció disponerse a hacer más preguntas, pero se contuvo.

La hora se vuelve tarde –señaló–. Le deseo una muy buena noche, milady. Me traslado a mi cama, para soñar… ¡si es que, en realidad, no soy soñando ya! –Dicho lo cual, abandonó presto la habitación.

¡No se vaya todavía, no se vaya! –rogó el earl cuando me preparaba para seguir al conde–. ¡Usted no es un invitado!, ¿sabe? ¡Los amigos de Arthur están aquí en su casa!”

La majestad del pensamiento reemplaza el trabajo manual. El intenso esfuerzo intelectual de un hombre, más los golpecitos a un puro, equivalen a las ideas banales, añadiendo la labor de bordado más elaborada, de una mujer. ¿Esa es tu opinión, no es cierto, sólo que mejor expresada?”

Descanso del cuerpo y actividad de la mente –interpuse–. Hay algún escritor que dice que ese es el summum de la felicidad humana.

Não seria ao revés?

resulta imposible imaginar cualquier forma de vida, o raza de seres inteligentes, en la que la verdad matemática perdiese su razón de ser.”

Suponga que descubre un remedio para alguna enfermedad que hasta la fecha se creía incurable. Bien, es algo delicioso en el momento, sin duda; tremendamente interesante; tal vez le reporte fama y fortuna. Pero ¿luego qué? Centre su mirada en el futuro, unos pocos años después, en una vida en la que no existen las enfermedades. ¿De qué vale, entonces, su descubrimiento? Milton hace prometer demasiado a Jove.

El caso de la ciencia militar resulta aún más evidente –señaló el earl–. Sin pecado, la guerra sería sin duda imposible. Aun así, cualquier mente que haya tenido en esta vida algún interés profundo, no pecaminoso en sí, encontrará por sí sola con seguridad alguna línea de trabajo posterior que le agrade. Puede que Wellington no tuviera más batallas que librar y, con todo,

No dudamos que, para alguien tan leal,

otras tareas más nobles debe haber

que la batalla que libró en Waterloo,

¡y la victoria siempre suya ha de ser!(*)

(*) Tennyson, Ode on the death of the Duke of Wellington

Tomad el caso de la matemática pura, por ejemplo: una ciencia independiente de nuestro presente entorno. Yo mismo la he estudiado un poco. Considerad el tema de las circunferencias y elipses: lo que llamamos las «curvas de segundo grado». En una vida futura, que un hombre descubriera absolutamente todas sus propiedades sería únicamente cuestión de unos años (o de cientos de años,…) (…) podría pasar a las curvas de tercer grado. Pongamos que con ellas tardara 10 veces más (como veis, disponemos de tiempo ilimitado). Me resulta difícil imaginar que su interés en la materia durara siquiera tanto, y, aunque no existe límite al grado de las curvas que podría estudiar, ciertamente el tiempo necesario para agotar toda la novedad y el interés del tema sería completamente finito, ¿no? E igual con todas las demás ramas de la ciencia.”

«¿Y ahora qué? Con nada más por aprender, puede uno descansar satisfecho de conocimientos, con toda la eternidad aún por delante?» (…) A veces he pensado que uno podría, en esa situación, decir: «Es mejor no ser», y rezar por la aniquilación personal: el nirvana de los budistas.”

Pero con el paso de los eones, todas las razones creadas alcanzarían finalmente y sin duda alguna el mismo nivel límite de saciedad. Y, llegados a ese punto, ¿qué ilusión queda?”

GISNO 16/17: “Me he imaginado a un niño pequeño, que juega con juguetes en el suelo de su cuarto, y que es capaz, no obstante, de razonar y de pensar sobre cómo será su vida 30 años más tarde. [2035 é logo ali] ¿No podría ocurrir que se dijera a sí mismo: «Para entonces me habré cansado ya de juegos de cubos y bolos. ¡Qué aburrida será la vida!»? Sin embargo, si avanzamos esos 30 años, descubrimos que es un gran estadista, lleno de intereses y que experimenta placeres mucho más intensos de lo que su vida como bebé podía ofrecerle; placeres totalmente inconcebibles para su mente infantil y que ningún lenguaje acorde sería capaz de describir en absoluto.”

La música del Cielo puede ser algo que esté más allá del poder de nuestra imaginación. ¡Pero aun así, la música terrenal es hermosa! Muriel, hija mía, ¡cántanos algo antes de que nos vayamos a la cama!”

¡Y nuestra breve vida aquí –dijo el earl a continuación– es, respecto a esa hora grandiosa, como un día de verano para un niño! El cansancio se va apoderando de uno a medida que la noche avanza –añadió, con un deje de tristeza en su voz– ¡y empieza a desear irse a la cama! Y escuchar esas gratas palabras: «¡Vamos, pequeño, es hora de dormir!».

¡Oh, Bruno! –exclamó Silvia–. ¿Es que no sabes que los búhos acaban de despertarse? Pero las ranas se fueron a la cama hace un siglo.

Entonces comprendí cómo uno en ocasiones, al cruzar un bosque una tarde en calma, ve una hoja de helecho que se mece sin parar, totalmente por sí sola. ¿Te ha pasado a ti alguna vez? La próxima, trata de ver al hada que duerme sobre ella, si puedes, pero hagas lo que hagas, no cojas la hoja; ¡deja dormir a la criaturita!”

¡Ya puede usted dar las buenas noches! –rio lady Muriel, levantándose y cerrando la tapa del piano mientras hablaba–. ¡Cuando no ha parado de cabecear todo el tiempo que he estado cantando para usted! A ver, ¿de qué trataba la canción? –demandó imperiosamente.

Lady Muriel abrió la marcha hasta el salón de fumar, donde, ignorando todas las costumbres de la sociedad e instintos caballerosos, los 3 Señores de la Creación nos acomodamos en unas mecedoras bajas y dejamos que la única dama presente se moviera grácilmente entre nosotros para satisfacer nuestras necesidades en forma de refrescos, cigarrillos y lumbre. No es cierto: fue uno de los 3, únicamente, el que tuvo la caballerosidad de ir más allá del habitual «gracias» y de citar la exquisita descripción del poeta de cómo Geraint se sintió conmovido, al ser servido por Enid(*)

(*) De Idylls of the king, de Tennyson”

¡Qué delgadas parecen ser las barreras que separan a un cristiano de otro cuando uno ha de enfrentarse con los grandes acontecimientos de la vida y la realidad de la muerte!”

(*) “El wesleyanismo es una rama del protestantismo cristiano que se fundamenta en las creencias y obras teológicas de los hermanos y reformistas evangélicos del s. XVIII John y Charles Wesley.”

«¿Pero hay un médico allí?», escuchamos decir a Arthur, y una voz profunda, que no habíamos oído hasta entonces, contestó: «Muerto, señor. Falleció hace 3 horas».

Lady Muriel se estremeció y ocultó el rostro entre las manos, pero en ese momento cerraron con cuidado la puerta principal, y no oímos nada más.”

Muriel… amor mío… –Dejó de hablar y los labios le temblaron, pero enseguida continuó con más seguridad.

»Muriel… cariño… me… requieren… en la ensenada.

¿Es imprescindible que vayas? –suplicó ella; acto seguido se levantó de su asiento y apoyó las manos en los hombros de su prometido, con sus grandes ojos cuajados de lágrimas fijos en el rostro de él–. ¿Es imprescindible, Arthur? Quizá suponga… ¡la muerte!

Él la miró a los ojos sin acobardarse.

Supone la muerte –dijo, en un ronco susurro–, pero… cariño… me llaman. Y ni siquiera mi vida misma… –Le falló la voz, y no añadió más.

Durante un instante ella permaneció totalmente en silencio, con los ojos alzados en una mirada de impotencia, como si incluso las oraciones fueran ahora inútiles, al tiempo que sus facciones se agitaban y estremecían con la gran agonía que estaba soportando. Entonces pareció llegarle una súbita inspiración que iluminó su semblante con una dulce y extraña sonrisa.

¿Tu vida? –repitió ella–. ¡No puedes darla, pues no te pertenece!

Arthur se había recuperado para entonces, y pudo responder con absoluta firmeza:

Eso es cierto –dijo–. Ya no me pertenece a mí, sino a ti, mi… ¡futura esposa! Y tú me… ¿me prohíbes que vaya? ¿No me dejarás marchar, querida mía?

Sin soltar las manos, lady Muriel apoyó suavemente su cabeza sobre el pecho de él. Nunca antes había hecho tal cosa en mi presencia, por lo que me di cuenta entonces de lo profundamente emocionada que debía de estar.

Sí te dejaré –afirmó, en voz baja y tranquila–, con Dios.

Y con los pobres de Dios –susurró él.

Y con los pobres de Dios –agregó ella–. ¿Cuándo ha de ser, amor mío?

Mañana por la mañana –respondió él–. Y tengo mucho que hacer hasta entonces.

A las 8 de la mañana estábamos de vuelta en el Hall, y encontramos a lady Muriel, al earl y al viejo párroco esperándonos. Fue una procesión extrañamente triste y silenciosa la que llegó hasta la pequeña iglesia, y regresó de allí; y no pude evitar sentir que aquello se parecía mucho más a un funeral que a una boda; y eso era, de hecho, para lady Muriel: un funeral en vez de una boda; tal era el peso del presentimiento (como más tarde nos dijo) que albergaba de que su flamante marido se dirigía a su muerte.”

Llevo todo lo que voy a necesitar como médico, ciertamente. Y mis propias necesidades personales son pocas: ni siquiera llevaré nada de mi guardarropa; hay un traje de pescador, de confección, esperándome en mi alojamiento. Iré únicamente con mi reloj, unos cuantos libros y… espera: hay un libro que me gustaría incluir, un Nuevo Testamento de bolsillo, para usarlo junto a los lechos de los enfermos y los moribundos…

¡Llévate el mío! –pidió lady Muriel, que salió corriendo escaleras arriba para cogerlo–. No tiene nada escrito salvo «Muriel» –dijo al regresar con él–. ¿Quieres que ponga…?

¿Acaso no eres tú mía? ¿Acaso –dijo recuperando su característica actitud pícara–, como diría Bruno, no me «pedteneces»?”

«¿Estamos destinados, nosotros 4, a volver a encontrarnos alguna vez a este lado de la tumba?», me pregunté, mientras regresaba a casa. Y el repicar de una campana distante pareció responderme: «¡No! ¡No! ¡No!».”

Nuestros lectores habrán seguido con doloroso interés las crónicas que hemos venido publicando cada cierto tiempo sobre la terrible epidemia que, en los últimos dos meses, se ha llevado a la mayoría de los habitantes de la aldea de pescadores colindante con el pueblo de Elveston. Los últimos supervivientes, que ascienden únicamente a 23 personas, de una población que, hace apenas 3 meses, superaba las 120, fueron desalojados el pasado miércoles, bajo la autoridad de la Junta Local, e instalados de manera segura en el Hospital del Condado: de modo que el lugar es ahora una auténtica «ciudad de los muertos», sin una sola voz humana que rompa su silencio.

El grupo de rescate consistió en 6 recios hombres, pescadores de los contornos, dirigidos por el médico residente del hospital, el cual acudió con dicho propósito, encabezando un convoy de ambulancias. Los 6 hombres habían sido seleccionados –de entre un número mucho mayor que se había ofrecido para esta «misión desesperada»– por su fuerza y robusta salud, pues la expedición se consideraba, incluso ahora, cuando la enfermedad ha pasado su pico de virulencia, no desprovista de peligro.”

Nueve hombres, 6 mujeres y 8 niños componían los 23 pacientes. No ha sido posible identificarlos a todos, ya que algunos de los niños –sin familiares supervivientes– son bebés, y 2 hombres y una mujer no han sido capaces hasta el momento de ofrecer contestaciones racionales, al estar sus capacidades cerebrales completamente en suspenso.”

Aparte de los pobres pescadores y sus familias, había sólo 5 personas a tener en cuenta, y se determinó, más allá de cualquier duda, que todas ellas figuraban entre los fallecidos. Es un triste placer hacer constar aquí los nombres de estos auténticos mártires que, sin duda, ¡merecen como el que más figurar en la gloriosa lista de los héroes de Inglaterra! Son los siguientes:

El Rvdo. James Burgess, magíster en Humanidades, y su mujer Emma. Era el párroco de la ensenada, cuya edad no alcanzaba los 30 años, y con únicamente 2 de matrimonio. En su casa se encontró un documento en el que constaban las fechas de sus muertes.

Junto a los suyos situaremos el honorable nombre del Dr. Arthur Forester, el cual, a la muerte del médico local, afrontó noblemente el inminente peligro de muerte, en vez de dejar a esa pobre gente abandonada en su hora de máxima necesidad. No se halló ningún registro de su nombre, ni de la fecha de su defunción, pero el cadáver fue fácilmente identificado, pese a ir vestido con un traje corriente de pescador (el cual se había procurado a su llegada a la aldea, según se sabe), por una copia del Nuevo Testamento, regalo de su esposa, que fue hallada sobre su pecho, cerca del corazón, y bajo sus manos cruzadas. No se consideró prudente retirar el cuerpo para su traslado a otro lugar de entierro, y, de acuerdo a ello, fue inhumado sin demora in situ, junto con otros 4 encontrados en distintas casas, con toda la debida reverencia. Su esposa, cuyo nombre de soltera era lady Muriel Orme, contrajo matrimonio con él la misma mañana en la que emprendió su misión de sacrificio.”

Desde su ingreso en el hospital, 2 de los hombres y 1 de los niños han muerto. Se albergan esperanzas para todos los demás, aunque hay 2 o 3 casos en que las fuerzas vitales parecen encontrarse tan completamente agotadas que una recuperación final está en contra de todo pronóstico.”

Me entristecía regresar al lugar y sentir que nunca jamás volvería a ver la jovial sonrisa de bienvenida que había aguardado mi llegada hacía tan pocos meses. «Y, con todo, si lo encontrase aquí –susurré, mientras seguía con ensimismamiento al mozo que llevaba mi equipaje en una carretilla–, y si ‘de pronto estrechara mi mano y preguntase mil cosas sobre mi hogar’, ello no… ‘ello no me resultaría extraño’(*)

(*) Versos extraídos del poema In memoriam de Tennyson, compuesto justamente en recuerdo de un amigo fallecido.”

mis viejos y queridos amigos –pues así los consideraba, realmente, aunque casi no hacía ni medio año desde que los había conocido–: el earl y su hija enviudada.”

Ella se retiró el velo de la cara al ver que me aproximaba y avanzó a mi encuentro con una sonrisa tranquila y una serenidad mucho mayor de la que habría podido esperar.

¡Verle por aquí otra vez es casi como volver a los viejos tiempos! –dijo, en tono de verdadero agrado–. ¿Se ha pasado ya a ver a mi padre?”

Sentémonos un rato y charlemos tranquilamente –sugirió ella. La calma, rayante en la indiferencia, con que se comportaba me sorprendió un poco. Apenas podía sospechar yo la férrea contención que se estaba imponiendo a sí misma.

¿Recibió mi carta?

Sí, pero fui posponiendo mi respuesta. Resulta tan difícil decir… por carta…

Las compuertas habían cedido finalmente, y la ola de dolor fue la más terrible que jamás hube presenciado hasta el momento. Haciendo caso totalmente omiso de mi presencia, se arrojó sobre la hierba, enterrando el rostro en ella, y aferrándose con las manos a la pequeña cruz de mármol–. ¡Oh, precioso, precioso mío! –sollozó–. ¡Dios te tenía reservada una vida tan hermosa!

Me sobresaltó oír, de tal forma repetidas por lady Muriel, las mismas palabras de la adorable niña a la que había visto lamentarse con tanta amargura por la liebre muerta. ¿Se había transferido algún misterioso influjo del espíritu de aquella dulce hada, antes de su regreso a Hadalandia, al espíritu de la mujer que tanto cariño le tenía? La idea parecía demasiado descabellada para creerla.”

El anciano se levantó de la silla, con una sonrisa, para darme la bienvenida, pero su autodominio era muy inferior al de su hija, y las lágrimas le surcaron el rostro cuando cogió mis manos entre las suyas, y las estrechó cálidamente.”

¡Sé que usted toma el té de las 5 –me dijo, con la encantadora actitud vivaracha que tan bien recordaba–, incluso aunque le sea imposible imponer su traviesa voluntad a la ley de la gravedad, y hacer que las tazas desciendan por el espacio infinito un poco más rápido que el té!

Este comentario marcó el tono de nuestra conversación. Por tácito consenso, evitamos, durante aquel primer encuentro de los 2 tras su inmensa desgracia, los dolorosos temas que llenaban nuestros pensamientos, y charlamos como niños alegres que jamás hubieran conocido preocupaciones.

…y mi padre intentó darle explicación por medio de un chiste espantoso relacionado con la expresión ad «naóseam». Pues bien, el perro soltó la pieza ósea, no porque le hubiera disgustado el juego de palabras, lo cual habría probado que era un perro con gusto, sino simplemente para descansar las mandíbulas, ¡pobrecillo! ¡Me dio tanta pena! ¿No quiere unirse a mi asociación benéfica para la dotación de bolsillos a los perros? ¿Qué le parecería a usted tener que llevar su bastón en la boca?

Estoy totalmente de acuerdo –dijo lady Muriel–, pero ¿no condenan los autores ortodoxos esa opinión, porque sitúa al hombre al mismo nivel de los animales inferiores? ¿No marcan ellos una clara frontera entre la razón y el instinto?

Esa era, ciertamente, la visión ortodoxa, hace una generación –explicó el earl–. La veracidad de la religión parecía sustentarse por completo en la afirmación de que el hombre era el único animal racional. Pero ya no es así. El hombre aún puede afirmar su derecho a ciertos monopolios, tales, por ejemplo, como el uso de un lenguaje que nos permite aprovechar el trabajo de muchos mediante la «división del trabajo». Pero la creencia de que disponemos del monopolio de la razón hace tiempo que fue desterrada. Y ello no se vio seguido, aun así, de ninguna catástrofe. Como dice un viejo poeta: «Dios sigue en su sitio».

Não tivesse pressa, sr. Carroll! Onde há divisão do trabalho e “razão” há crise e catástrofe!

(*) “Joseph Butler (1692-1752) fue un filósofo y teólogo inglés, obispo primero de Bristol y luego de Durham, autor de diversas obras de gran influencia en pensadores posteriores. En una de las más importantes, The analogy of religion, natural and revealed («Analogía de la religión, natural y revelada»), expone su visión de que no existen pruebas que demuestren que la «fuerza vital» de los animales desaparece a su muerte. [N. del T.]”

A veces he pensado que lo único que podría llegar alguna vez a hacer que dejara de creer en un Dios perfectamente justo es el sufrimiento de los caballos…”

Los sufrimientos de los caballos –planteé– están causados principalmente por la crueldad del hombre. De modo que es tan sólo uno de los muchos casos en los que el pecado hace sufrir a otros que no son el propio pecador. ¿Pero no encuentra mayores dificultades cuando el sufrimiento lo inflige un animal sobre otro? Pongamos, el de un gato que juega con un ratón. Suponiendo que no tuviese responsabilidad moral, ¿no es un misterio más oscuro que el de un hombre que fuerza a un caballo más allá del límite?

Mencionó usted la «división del trabajo», hace un momento –dije–. Sin duda, es algo que alcanza una maravillosa perfección en una colmena de abejas, ¿no cree?

Tan maravillosa, tan completamente sobrehumana –contestó el earl– y tan enteramente inconsistente con la inteligencia que muestran en otras cuestiones, que no me cabe ninguna duda de que es puro instinto, y no, como algunos sostienen, una razón de un nivel muy elevado. ¡Fíjese en la absoluta estupidez de una abeja cuando trata de pasar por una ventana abierta! No «intenta» pasar, en ningún sentido razonable de la palabra: ¡simplemente se va chocando aquí y allá hasta dar con la salida! De un cachorrito que se comportase así, diríamos que es imbécil. Y, sin embargo, ¡se nos pide que creamos que su nivel intelectual excede el de sir Isaac Newton!

¡Trampa, trampa! –prorrumpió lady Muriel, en un tono triunfante de lo menos filial–. ¡Pero si tú mismo acabas de decir: «la mente de la abeja»!

Pero no he dicho «mentes», hija mía –repuso el earl con suavidad–. Se me ha ocurrido, como solución más probable al «misterio de la abeja», que un enjambre posee una sola mente común. Estamos acostumbrados a ver una sola mente que anima un conjunto sumamente complejo de miembros y órganos, cuando estos se hallan unidos. ¿Cómo sabemos que es imprescindible una conexión material? ¿No podría bastar la mera proximidad? De ser así, ¡un enjambre de abejas no es más que un único animal cuyos muchos miembros no están ligados!

Es una idea sorprendente –admití– que requiere una noche de descanso para su correcto entendimiento. Tanto la razón como el instinto me dicen que debería marcharme a casa. ¡Buenas noches, pues!

Abandonamos el camino para internarnos bajo el sombrío dosel de la enramada, la cual formaba una estructura de una simetría casi perfecta, agrupada en encantadoras bóvedas de arista, o que se prolongaba, hasta donde alcanzaba la visión, en interminables naves centrales y laterales, coros y presbiterios, como si se tratara de una catedral fantasmal, erigida en sueños por un poeta trastornado.” Um matemático bêbado ou poeta (o que dá no mesmo) é mesmo coisa de outro mundo…

Siempre, en este bosque –comenzó a decir lady Muriel tras un breve silencio (silencio que resultaba natural en aquella solitaria penumbra)–, ¡me da por pensar en las hadas! ¿Puedo hacerle una pregunta? –agregó de manera titubeante–. ¿Cree usted en las hadas?

El momentáneo impulso que sentí de hablarle de mis experiencias en aquel mismo bosque fue tan fuerte que tuve que hacer un verdadero esfuerzo por contener las palabras que acudían en tropel a mis labios.

Si por «creer» se está refiriendo a «creer en su posible existencia», le digo que sí. Ya que en lo que respecta a su existencia real, naturalmente, se necesitarían pruebas.

Decía usted, el otro día –continuó ella–, que aceptaría cualquier cosa, para la que hubiera indicios suficientes, que no fuese a priori imposible. Y me parece que mencionó los fantasmas como ejemplo de un fenómeno probable. ¿Serían las hadas otro caso?

Así lo creo. –Me costó reprimir nuevamente el deseo de añadir más, pero aún no estaba seguro de que mi interlocutora fuese a aceptar mi confesión.

¿Y tiene usted alguna teoría sobre qué tipo de lugar ocuparían en la Creación? ¡Dígame qué piensa acerca de ellas! ¿Tendrían, por ejemplo, suponiendo que tales seres existieran, responsabilidad moral de alguna clase? Quiero decir –su tono jocoso y despreocupado cambió de súbito a uno profundamente serio–, ¿serían capaces de pecar?

Pueden razonar, quizás a un nivel inferior al de los hombres y las mujeres; nunca por encima, pienso yo, de las facultades de un niño; y, con absoluta seguridad, poseen sentido de la moral. Sería absurdo que existiera un ser así sin libre albedrío. De manera que ello me induce a concluir que tienen la capacidad de pecar.

¿Cree, pues, en las hadas? –exclamó encantada, haciendo un repentino ademán, como si fuese a batir palmas–. Entonces, dígame, ¿qué razones tiene para ello?

Yo me resistía todavía a llevar a cabo la revelación que, estaba convencido, se acercaba.

Creo que hay vida en todas partes, no únicamente material, no sólo aquella palpable a nuestros sentidos, sino también inmaterial e invisible. Creemos en nuestra propia esencia inmaterial, llámela «alma», o «espíritu», o como prefiera. ¿Por qué no iban a existir otras esencias similares a nuestro alrededor, no ligadas a un cuerpo visible y material? ¿No creó Dios este enjambre de alegres abejas para que danzaran bajo este sol durante una hora de gozo, sin otro objeto, que podamos concebir, que el de aumentar la felicidad general que sentimos?

A burrice de todo metafísico é sempre esta palavra: fim.

Lady Muriel no hizo más preguntas. Continuó andando en silencio a mi lado, con la cabeza baja y las manos fuertemente entrelazadas. Se limitó, en tanto progresaba mi relato, a realizar alguna que otra inspiración brusca y superficial, como una niña que jadeara de gozo. Y le dije que nunca antes le había revelado a nadie ni en susurros mi doble vida, y mucho menos (pues la mía podría haber pasado por una ensoñación diurna) la doble vida de esos 2 adorables niños.

Y cuando le hablé de las locas travesuras de Bruno, se echó a reír de manera alegre; y cuando le hablé de la dulzura de Silvia, de su generosidad absoluta y su amor sin reservas, inspiró hondo, como alguien que recibe al fin unas preciosas noticias por las que el corazón ha suspirado largo tiempo; y por sus mejillas resbalaron lágrimas de felicidad, que se perseguían unas a otras.” O estágio da filha, princesa fada, pelo mundo humano terminou, teria dito seu pai e rei.

He sentido muchas veces el intenso deseo de encontrarme con un ángel –susurró, en voz tan baja que apenas alcanzaba a oírla–. ¡Me alegro tanto de haber conocido a Silvia! Quedé prendada de esa niña desde el primer momento en que la vi… ¡Escuche! –se interrumpió bruscamente–. ¡Es Silvia cantando! ¡Estoy segura! ¿No reconoce su voz?

He oído cantar a Bruno, más de una vez –dije–, pero nunca a Silvia.

Yo sólo la he oído en una ocasión –repuso lady Muriel–. Fue el día que usted nos trajo aquellas misteriosas flores. Los niños habían salido corriendo al jardín, y yo vi a Eric venir en esa dirección, y me acerqué a la ventana para saludarlo; Silvia estaba cantando, bajo los árboles, una canción que jamás había oído. La letra era algo así: «Creo que es amor, siento que es amor». Su voz sonaba muy lejana, como en un sueño, pero era tan hermosa que no podía expresarse con palabras… tan dulce como la primera sonrisa de un bebé, o el primer destello de los blancos acantilados de Dover cuando uno regresa al hogar tras años llenos de tedio… una voz que parecía inundarlo a uno de paz y pensamientos divinos… ¡Escuche! –exclamó, interrumpiéndose otra vez por la emoción–. ¡Esa es su voz, y se trata de la misma canción!

Nos quedamos totalmente callados, y un instante después los 2 niños aparecieron, dirigiéndose directamente hacia nosotros a través de un paso con forma de arco entre los árboles. Cada uno rodeaba al otro con un brazo, y el sol poniente dibujaba un halo dorado en torno a sus cabezas, como los que uno ve en las imágenes de los santos. Estaban mirando en nuestra dirección, pero era evidente que no nos veían, y no tardé en percatarme de que lady Muriel había entrado por una vez en un estado bien conocido por mí, y en el que ahora los 2 nos encontrábamos, el de «inquietud»; y de que, aunque nosotros pudiésemos ver perfectamente a los niños, éramos totalmente invisibles para ellos.”

Dime: ¿cuál es el hechizo, cuando sus polluelos pían,

que incita al ave a volver a su nido?

¿O despierta a la cansada madre, cuyo bebé se desgañita,

para acunarlo hasta que se ha dormido?

¿Qué magia actúa sobre el infante, radiante de alegría,

que lo mueve a emitir gorgoritos?

Acto seguido tuvo lugar la más extraña de todas las experiencias extrañas que marcaron el maravilloso año cuya historia estoy escribiendo: la experiencia de oír cantar a Silvia por primera vez. Su parte era muy breve –apenas unas pocas palabras–, la cual entonó de una forma tímida, y realmente bajísima, casi inaudible, pero la dulzura de su voz resultaba simplemente indescriptible; nunca había oído sobre la faz de la tierra una música como aquella.”

Es un secreto; nadie sabe cómo vino, ni cómo marchó:

¡pero el nombre del secreto es amor!”

¡Qué bonitósimo! –exclamó el pequeñín, al pasar los 2 por nuestro lado, tan cerca que nos retiramos un poco para dejarles sitio, y parecía que sólo teníamos que extender una mano para tocarlos, pero no hicimos el intento.

¡Es inútil que tratemos de detenerlos! –dije yo, mientras desaparecían en las sombras–. ¡Ni siquiera podían vernos!

¡Han salido de nuestras vidas! –Exhaló otro suspiro; y los 2 guardamos silencio hasta que salimos al camino principal, en un punto cercano a mi alojamiento.”

¡Buenas noches, querido amigo! Que nos veamos pronto… ¡y a menudo! –añadió con una afectuosa calidez que me llegó al corazón–. ¡«Pues pocos son aquellos a los que estimamos!»

¡Buenas noches! –repuse–. Tennyson dijo eso de un amigo más digno que yo(*).

¡Tennyson no tenía ni idea! –replicó ella descaradamente, con un toque de su antigua jovialidad infantil; después nos separamos.

(*) En su poema To the Rev. F. D. Maurice («Al reverendo F. D. Maurice»). [N. del T.]”

* * *

¿Estará Uggug en el banquete? –preguntó Bruno. Ambos niños parecieron intranquilizarse ante la sombría alusión.

¡Pues claro! –rio el profesor suavemente–. ¿Acaso no sabéis que es su cumpleaños? Se brindará a su salud y todo eso. ¿Qué sería el banquete sin él?

Muchósimo más agdadable –dijo Bruno. Pero lo dijo apenas en un susurro, y nadie excepto Silvia lo oyó.

El profesor volvió a reír.

Primero tendrá lugar la charla –explicó–. Es algo en lo que insiste la emperatriz. Dice que la gente comerá tanto en el banquete que tendrá demasiado sueño para atender en caso de que fuese después, y quizá tenga razón. Habrá un pequeño refrigerio, nada más llegar la gente; una especie de sorpresa para la emperatriz, ¿sabéis? Desde que ya no es… bueno, tan inteligente como antes… hemos creído aconsejable preparar pequeñas sorpresas para ella. Luego viene la charla…”

¡Hoy es el día de la medicina! Sólo administramos medicamentos una vez por semana. ¡Si empezásemos a hacerlo a diario, los frascos no tardarían en quedar vacíos!”

¿Qué?, ¡enfermar el día equivocado! –exclamó el profesor–. ¡Oh, eso sería inaceptable! ¡Un criado que se pusiera enfermo el día equivocado sería despedido fulminantemente! Esta es la medicina para hoy –prosiguió, bajando un gran frasco de un estante–. Yo mismo hice el preparado esta mañana temprano. ¡Pruébalo! –dijo, tendiéndole el frasco a Bruno–. ¡Moja el dedo y pruébalo!

¿Que está asqueroso? –repuso el profesor–. ¡Naturalmente! ¿Qué sería la medicina, si no estuviese asquerosa?

Agdadable –apuntó Bruno.

Me disponía a decir… –dijo el profesor de manera titubeante, bastante sorprendido por la pronta réplica de Bruno– ¡que eso sería inaceptable! La medicina ha de saber mal, ¿sabes? Tenga la bondad de llevar este frasco al comedor de la servidumbre –le dijo al lacayo que contestó a la campanilla–, y dígales que es su medicina para hoy.

¿Quién debe tomarla? –preguntó el lacayo, mientras se llevaba el frasco.

¡Oh, aún no lo he decidido! –respondió el profesor con energía–. Iré enseguida a resolverlo. En cualquier caso, ¡dígales que esperen hasta que yo llegue! ¡Es realmente maravilloso –dijo, girándose hacia los niños– el éxito que he tenido en la cura de enfermedades! Estas son algunas de mis notas. –Cogió del estante una pila de papelitos, sujetos en grupos de 2 y 3–. Mirad, por ejemplo, este caso: «Pinche número 13 recuperado de fiebre común, febris communis». Y ved lo que pone en la nota adjunta: «Administré al pinche número 13 una dosis doble de medicina». ¿No es algo de lo que enorgullecerse?

Uno puede conservar un medicamento durante años y años, ¡pero nadie quiere conservar jamás una enfermedad! Por cierto, venid a ver el estrado. El jardinero me pidió que fuera a comprobar si servía. Más vale que vayamos antes de que oscurezca.”

¡Un anciano! –gritó el profesor, en tanto cruzaba rápidamente la habitación con gran entusiasmo–. ¡Debe de ser el otro profesor, que se perdió hace muchísimo tiempo!

¡El banquete! –gritó el otro profesor, levantándose como un resorte y llenando la habitación con una nube de polvo–. En tal caso, más vale que vaya a… a pasarme un poco el cepillo. ¡Hay que ver cómo estoy!

¡Y ahí sigue todavía ese simpático jaddinero! –exclamó Bruno encantado cuando salíamos al jardín–. ¡Seguro que lleva cantando esa misma canción desde que nos fuimos!

¡Por supuesto que sí! –repuso el profesor–. Si dejara de hacerlo, no sería él, ¿sabes?

¿Y quién sería? –quiso saber Bruno, pero el profesor pensó que lo mejor era hacer oídos sordos a la pregunta–.

Es que quería saber qué comen los erizos, así que estoy reteniendo a este para ver si come patatas…

Sería mucho mejor que retuviera una patata –sugirió el profesor–, ¡y que viera si el erizo se la come!

¡Esa sería la forma correcta, sin duda! –exclamó el encantado jardinero–. ¿Vienen a ver el estrado?

…mas luego advirtió que eran

2 reglas de 3 seguidas.

«¡Y este gran misterio –dijo–

pa mí es claro como el día!»

Lleva meses enteros con esa canción –observó el profesor–. ¿Aún no ha terminado?

Sólo queda una estrofa –contestó el jardinero apenado. Y, con lágrimas resbalándole por las mejillas, cantó la estrofa final:

Creyó ver un argumento

que en papa lo convertía:

mas luego advirtió que era

de jabón una pastilla.

«¡Algo tan horrendo –dijo–

mis esperanzas fulmina!»

Ahogándose en sollozos, el jardinero corrió a adelantarse unos metros respecto a los demás, con objeto de ocultar su emoción.”

¡Oh, desde luego! –dijo el profesor–. Esa canción es la historia de su vida, ¿sabes?

Lágrimas provocadas por una compasión siempre a flor de piel relucieron en los ojos de Bruno.

¡Me da muchósima pena que no sea el papa! –dijo–. ¿A ti no, Silvia?

Bueno… no estoy segura –repuso Silvia de manera muy vaga–. ¿Eso le alegraría? –preguntó al profesor.

El que no se alegraría sería el papa –observó este–. ¿No es precioso el estrado? –inquirió, cuando entramos en el pabellón.

Bueno, no es exactamente una charla sobre magia –dijo el profesor, a la vez que colocaba unas cuantas máquinas de aspecto curioso sobre la mesa–. De todos modos, ¿qué sabes hacer? ¿Alguna vez has traspasado una tabla, por ejemplo?

¡Muchas veces! –respondió Bruno–. ¿No es ciedto, Silvia?

El profesor se sorprendió claramente, aunque trató de disimularlo.

Eso debe ser estudiado –murmuró para sí, mientras sacaba una libreta de notas–. Lo primero… ¿qué tipo de tabla?

¡Díselo! –le susurró Bruno a Silvia, abrazándose a su cuello.

Díselo tú –contestó Silvia.

No puedo –dijo Bruno–. Es una palabda espinosa.

¡Tonterías! –rio Silvia–. Eres capaz de decirla sin problemas, si haces el esfuerzo. ¡Vamos!

Multi… –lo intentó Bruno–. Empieza así.

¿De qué habla? –exclamó el confundido profesor.

Se refiere a que ha repasado muchas veces la tabla de multiplicación –explicó Silvia.

El profesor puso cara de indignación y volvió a cerrar su libreta.

Oh, pero eso es otra cosa totalmente distinta –dijo.

Es un montón muy gdandísimo de otdas cosas –matizó Bruno–. ¿A que sí, Silvia?

Un estrepitoso toque de trompetas interrumpió aquella conversación.

Me sorprendió enormemente el gran cambio que unos pocos meses habían obrado en los rostros de la pareja imperial. Una mirada perdida constituía ahora la expresión usual del emperador, mientras que en el rostro de la emperatriz aparecía y desaparecía, de manera intermitente, una sonrisa sin sentido.”

¡Una mesa corriente de caoba! –gruñó, señalándola desdeñosamente con el pulgar–. ¿Por qué no se fabricó de oro, me gustaría saber?”

¡Y luego está el bizcocho! ¡De pasas corrientes y molientes! ¡Por qué no se elaboró de… de… –Se produjo otra interrupción–. ¡Y el vino! ¡Un simple madeira de toda la vida! ¿Por qué no…? ¡Y esta silla! Eso es lo peor de todo. ¿Por qué no fue un trono? Las otras omisiones podrían disculparse, ¡pero lo de la silla es inaceptable!

¡Lo que yo no puedo aceptar –terció la emperatriz, en exaltada sintonía con su furioso marido– es la mesa!

¡Bah! –soltó el emperador.

¡Es algo muy lamentable! –repuso con suavidad el profesor, en cuanto tuvo ocasión de hablar. Tras pensarlo un momento, reforzó el comentario–: ¡Todo –añadió, dirigiéndose a la concurrencia en general– es muy lamentable!

¡Cuente unos chistes, profesor, ya sabe… sólo para que la gente se relaje y se sienta cómoda!

¡Cierto, cierto, señora! –contestó con docilidad el profesor–. Este muchachito…

¡No haga ningún chiste sobde mí, pod favod! –exclamó Bruno, al tiempo que los ojos se le llenaban de lágrimas.

No lo haré si no quieres –dijo el bondadoso profesor–. Era sólo algo sobre una misión de infante-ría: un juego de palabras inofensivo… pero es igual. –Entonces se volvió hacia la multitud y se dirigió a ellos en voz alta–: ¡Siéntanse como 6! –voceó–. ¡Como 5! ¡Como 4! ¡Y como 3! ¡Entonces se sentirán como 2!

Hubo una sonora carcajada por parte de todos los asistentes, y después un gran número de susurros confundidos: «¿Qué ha dicho? Algo sobre comer, me parece…».

Que traigan unas espinacas, profesor, ya sabe, para sorprender a los invitados.

Si quiere sodpdended a la gente –apuntó Bruno–, debería ponedles danas vivas en la espalda.

Pero la emperatriz ya había comido bastante y, de algún modo –no pude percatarme del proceso exacto–, todos nos vimos entonces en el pabellón, cuando el profesor se disponía a dar comienzo a la largamente esperada charla.

En ciencia… de hecho, en la mayoría de las cosas… normalmente es mejor empezar por el principio. En algunas, por supuesto, es mejor empezar por el otro extremo. Por ejemplo, si uno quisiera pintar un perro de verde, lo más conveniente sería quizá empezar por la cola, ya que por ese lado no muerde. De modo que…

¿Puedo ayudadle? –interrumpió Bruno.

¡A pintad un pero de vedde! –exclamó Bruno–. ¡Usted puede empezad con la boca, y yo…!

Un axioma, como saben, es algo que uno acepta sin contradicción. Por ejemplo, si yo dijese: «¡Aquí estamos!», sería aceptado sin oposición alguna, y es una buena forma de empezar una conversación. De manera que eso sería un axioma. O, de nuevo, suponiendo que yo dijese: «¡Aquí no estamos!», eso sería…

¡… una bola! –gritó Bruno.

¡Oh, Bruno! –dijo Silvia, en un susurro de amonestación–. ¡Pues claro que sería un axioma, si el profesor lo dijera!

Tal vez fuese un «aquí-asoma» –replicó Bruno–, ¡pero no sería veddad!”

Por ejemplo, tomen el axioma: «Nada es mayor que sí mismo»; esto es, «Nada puede contenerse a sí mismo». Cuántas veces se oye decir a la gente: «Estaba tan alterado, que era absolutamente incapaz de contenerse». ¡Pues claro que era incapaz! ¡El que estuviera alterado no tenía nada que ver en ello!

¡Escuche una cosa! –saltó el emperador, que estaba empezando a ponerse un poco nervioso–. ¿Cuántos axiomas nos va a enunciar? A este ritmo, ¡no llegaremos a los experimentos hasta dentro de una semana!”

Sólo hay –consultó nuevamente sus notas– 2 más que sean realmente necesarios.

Pues léalos y pasemos a los especímenes –refunfuñó el emperador.

El primer axioma –leyó en voz alta el profesor con gran premura– consta de las siguientes palabras: «Lo que es, es». Y el segundo, de estas otras: «Lo que no es, no es». Ahora vamos a pasar a los especímenes. La primera bandeja contiene cristales y otras cosas. –Acercó esta hacia sí y volvió a consultar su libreta–. Algunas de las etiquetas, debido a una adhesión insuficiente… –Entonces calló otra vez, y examinó cuidadosamente la página con sus gemelos–. No puedo leer el resto de la frase –dijo finalmente–, pero lo que dice es que las etiquetas se han despegado, y las cosas, mezclado…

¡Deje que yo las vuelva a pegad! –gritó Bruno con entusiasmo, el cual empezó a lamer las etiquetas como si fuesen sellos postales y a colocarlas en los cristales y las demás cosas. Pero el profesor corrió a apartar la bandeja lejos de su alcance.

¡Podrían acabar pegadas en los especímenes equivocados!, ¿sabes?”

Nuestro primer espécimen –anunció, mientras colocaba el frasco delante del resto de cosas– es… es decir, se llama… –entonces lo levantó, y volvió a examinar la etiqueta, como si pensara que a lo mejor había cambiado desde la última vez que la miró– se llama aqua pura, agua corriente, el fluido que anima…

¡Hip, hip…! –empezó a entonar el jefe de cocina entusiásticamente.

¡… pero no embriaga! –se apresuró en continuar el profesor, a tiempo de detener por poco el «¡Hurra!» que estaba iniciándose.

En aquel momento le hizo una seña al jardinero para que subiera al estrado, y con su ayuda empezó a montar lo que parecía una enorme caseta para perros, de la que salían proyectados por ambos lados unos tubos cortos.

Pero ya hemos visto elefantes con anterioridad –refunfuñó el emperador.

Sí, ¡pero no a través de un megaloscopio! –repuso el profesor exaltado–. Ustedes saben que no pueden ver una pulga, como es debido, sin una lente de aumentos… lo que llamamos un «microscopio». Pues bien, exactamente del mismo modo, uno no puede ver un elefante como es debido sin una lente de reducción. Hay una en cada uno de estos pequeños tubos. ¡Y esto es un megaloscopio! El jardinero traerá a continuación el siguiente espécimen. Retiren por favor ambas cortinas, en aquel extremo de allí, ¡y abran paso al elefante!

«¡Creyó ver un elefante, que alto un pífano tocaba!». Hubo un momentáneo silencio, y entonces su áspera voz volvió a oírse en la distancia: «’Mas luego…’, ¡venga, arriba! ‘Mas luego advirtió que era…’, ¡so!, ‘que era, de su esposa, una…’ ¡abran paso, que viene!».

Y entró marchando o bamboleándose –difícil decir qué palabra es la correcta– un elefante, sobre sus patas traseras, mientras tocaba y sujetaba con las delanteras un pífano gigantesco.”

¡El espécimen está ahora listo para su observación! –proclamó–. ¡Es exactamente del tamaño de un ratón común: Mus communis!

Es muy pequeño –dijo con voz grave–. Más de lo que suelen serlo los elefantes, ¿me equivoco?

El profesor dio un brinco de gozosa sorpresa.

¡Su alteza imperial ha hecho una observación perfectamente lógica!”

¡Mantengan cerrada la puerta del microscopio! –gritó–. ¡Si la criatura escapase, con este tamaño…! –Pero el daño ya estaba hecho. La puerta se había abierto de golpe, y un momento después el monstruo andaba suelto, pisoteando a los aterrorizados espectadores, que no paraban de lanzar chillidos.

Pero el profesor no perdió su aplomo.

¡Descorred esas cortinas! –gritó. Y así se hizo. El monstruo juntó sus patas, y de un tremendo salto desapareció en el cielo.

¿Dónde está? –inquirió el emperador, frotándose los ojos.

En la provincia de al lado, me imagino –respondió el profesor–. ¡Habrá salvado como mínimo 5 millas con ese salto! Lo siguiente es explicar uno o 2 procesos. Pero veo que apenas tengo sitio para maniobrar… la criaturita está relativamente en medio…

Nuestro segundo experimento –anunció el profesor, mientras Bruno regresaba a su asiento, frotándose aún los codos ensimismado– es la producción de ese fenómeno apenas-visto-pero-que-seráenormemente- admirado: ¡la luz negra! Ustedes han contemplado la luz blanca, la roja, la verde, etcétera, ¡pero nunca, hasta este día maravilloso, han contemplado ojos distintos a los míos la luz negra! Esta caja –indicó, levantando el objeto con cuidado de la mesa, tras lo cual lo cubrió con un montón de mantas– está totalmente repleta de ella. Lo logré de la siguiente manera: metí una vela encendida en un armario a oscuras y cerré la puerta. Naturalmente, este estaba en ese momento lleno de luz amarilla. Luego cogí un bote de tinta negra y lo vertí sobre la vela y, para mi deleite, ¡cada chispa de luz amarilla pasó a ser negra! ¡Ese fue sin duda el momento de mayor orgullo de mi vida! Entonces llené una caja con ella. Y ahora… ¿querría alguien asomarse debajo de las mantas para verla?

¿Qué has visto en la caja? –lo interrogó Silvia.

¡Nada! –respondió Bruno con pesar–. ¡Estaba demasiado oscuro!

¡Ha descrito a la perfección el aspecto de la luz negra! –exclamó el profesor con entusiasmo–. Esta y la nada resultan tan extremadamente similares, a primera vista, ¡que no me extraña que no haya logrado distinguirlas! Procederemos ahora al tercer experimento.

¿Cuánto hemos de esperar? –gruñó el emperador.

El profesor miró su reloj.

Bueno, creo que bastarán mil años para empezar –dijo–. Entonces liberaremos cuidadosamente la pesa y, si todavía muestra (como quizá sea el caso) una ligera tendencia a caer, la engancharemos otra vez a la cadena, y la dejaremos durante 8 mil años.

La emperatriz experimentó entonces uno de esos destellos de sentido común que sorprendían a todos los que la rodeaban.

Entretanto habrá tiempo para otro experimento –señaló.

¡Desde luego! –exclamó el encantado profesor–. Volvamos al estrado y pasemos al cuarto experimento.

»Para este último experimento, tomaré un cierto álcali, o ácido, no recuerdo qué. Ahora verán lo que ocurre cuando lo mezclo con un poco de… –cogió en ese momento un frasco y lo miró con aire dubitativo– cuando lo mezclo con… con algo…

El emperador interrumpió entonces:

¿Cuál es el nombre de la sustancia? –preguntó.

No me acuerdo –se disculpó el profesor– y se le ha caído la etiqueta. –Vació rápidamente el frasco en el otro y, con una tremenda explosión, ambos volaron en pedazos, perturbando todos los aparatos, e inundando el pabellón con un denso humo negro. Yo me levanté al instante, aterrado, y… y me vi de pie frente a mi solitaria chimenea, donde el atizador, tras caer finalmente de la mano del durmiente, había tirado las tenazas y el recogedor, y sacudido la tetera, lo cual había llenado el aire de nubes de vapor. Con un suspiro de cansancio, me encaminé hacia la cama.

Me alegro de verlo tan animado –comencé por decir–. La última vez, recuerdo, pasaba casualmente por aquí justo cuando lady Muriel salía de la casa. ¿Sigue ella viniendo a visitarlo?

Sí –repuso de forma pausada–. No s’ha olvidao de mí. No pierdo de vista su guapa cara muchos días seguíos. Bien m’acuerdo de la primera ve que vino, despué de vernos en la’stación de tren. Me dijo que vendría pa compensarme. ¡Dulce chiquilla! ¡Imagínese! ¡Pa compensarme!

Péssima tradução de um “sotaque” rural.

Pasó lo siguiente, ¿sabe? Tábamos los dos esperando’l tren en la’stación. Y yo m’había sentao n’el banco. Y el jefe’stación vie y me manda a paseo… pa que la dama puea sentarse, ¿entiende?

Lo recuerdo todo –asentí–. Yo estaba allí ese día.

Minnie era mi nieta, señó, que vivía conmigo. Murió hace cosa d’un par de mese, quizá 3. Era una linda chiquilla, y buena, también. ¡Ah, pero la vía s’hace rara y solitaria sin ella!”

Así que dice: «¡Haga como que soy su Minnie!», dice. «¿No le preparaba Minnie el té?» «Sí», le digo yo. Y prepara el té. «¿Y no l’encendía Minnie la pipa?», dice luego. «Sí», contesto. Y me enciende la pipa. «¿Y no le sacaba Minnie el té al porche?» Y yo digo: «Bonita», le digo, «¡me parece qu’eres ella!». Y s’echa a llorá un poco. Los dos lloramo un poco…

«El resultado de esa combinación, tal vez se hayan dado cuenta, ¡ha sido una explosión! ¿Quieren que repita el experimento?»

El otro profesor entró leyendo un gran libro que sujetaba justo frente a sus ojos. Un resultado de que no fuese mirando por dónde iba fue que tropezó, mientras cruzaba el salón, salió por los aires, y cayó pesadamente de bruces en mitad de la mesa.”

Si no me tropezara, no sería yo –dijo el otro profesor.

El profesor puso cara de gran horror.

¡Oh, Bruno! –Esto era un susurro por parte de Silvia–. ¡No es de buena educación pedir un plato antes de que esté servido! Su hermano le respondió de la misma forma.

Pero a lo mejod me olvido de pedidlo, cuando llegue, ¿sabes?; a veces sí que me olvido de cosas –agregó, al ver que Silvia se disponía a susurrarle algo más.

Y esta última no osó contradecir aquella afirmación.

Para entonces, un camarero le había servido a Bruno un plato lleno de algo, lo cual hizo que se olvidara del pudin de pasas.

Otra ventaja de las cenas de gala –explicó el profesor alegremente, para quien quisiera escucharle– es que lo ayuda a uno a ver a sus amigos. Si quieres ver a un hombre, ofrécele algo de comer. Con los ratones pasa lo mismo.”

Hace mucho calor en la sala, con toda esta gente –le comentó el profesor a Silvia–. Me pregunto por qué no ponen algunos bloques de hielo en la chimenea. Uno la llena de carbón en el invierno, ya sabes, y se sienta en torno a ella para disfrutar del calor. ¡Qué agradable sería llenarla de hielo y hacer lo mismo con el fresquito!

A pesar del calor que hacía, la idea le provocó un ligero escalofrío a Silvia.

Hace mucho frío fuera –señaló–. Hoy casi se me congelan los pies.

¡Eso es culpa del zapatero! –repuso con jovialidad el profesor–. ¡Cuántas veces habré tenido que explicarle que debería hacer botas con pequeños soportes de hierro bajo las suelas, para instalar candiles! Pero nunca piensa. Nadie tendría frío, si tan sólo atendieran a esos pequeños detalles. Yo mismo siempre utilizo tinta caliente en invierno. ¡A poca gente se le ocurre alguna vez! ¡Con lo simple que es!

¡Qué gato más gordo! –exclamó el lord canciller, inclinándose por delante del profesor para dirigirse a su pequeño vecino de asiento–. ¡Es totalmente asombroso!

Era tdemendamente goddo al entdad –dijo Bruno–, así que sería muchósimo más asombdoso que adelgazara en un momento.

¿Y esa fue la razón, supongo –planteó el lord canciller–, de que no le dieras el resto de la leche?

No –negó Bruno–. Fue pod una dazón mejod. ¡Le quité el platito podque no le estaba gustando nada!

A mí no me lo parece –apuntó el lord canciller–. ¿Qué te hizo pensar eso?

Podque gduñía con la gadganta.

¡Oh, Bruno! –exclamó Silvia–. ¡Así es como expresan los gatos que están contentos!

Bruno no parecía convencido.

No es buen modo –objetó–. ¡Tú no decirías que estoy contento, si hiciera ese duido con la gadganta!

¡Qué niño más singular! –musitó para sí mismo el lord canciller, pero Bruno lo había oído.

¿Qué significa «un niño singulad»? –le susurró a Silvia.

Significa «un» niño –le contestó Silvia, también susurrando–. Y «plural» significa 2 o 3.

Entonces me alegdo muy muchósimo de sed un niño singulad –declaró Bruno con gran énfasis–. ¡Sería horible sed 2 o tdes niños! ¿Y si no jugaran conmigo?

¿Por qué deberían hacerlo? –planteó el otro profesor, despertando repentinamente de un profundo ensimismamiento–. Es posible que estuviesen dormidos, ¿sabes?¹

¹ Possível influencia sobre Blackbeard em One Piece?!

Los niños no se van a dormir todos a la vez, ¿sabes? Con lo que estos muchachos… ¿pero de quién estás hablando?”

Ya no queda nada por hacer, ¿verdad?

Bueno, la cena aún no ha terminado –recordó el profesor con una sonrisa de desconcierto–, ni el calor que hemos de soportar. Espero que disfrute de la cena, aunque sepa a poco, y que no le importe el calor, aunque sepa a mucho.

¡Oh, eso pasa por acidente, en dealidad! –empezó a argumentar Bruno, con tanta vehemencia, que era obvio que ya le había planteado aquella misma dificultad al gato–. Me lo ha esplicado todo, mientdas se bebía la leche. Dijo: «Les enseño a los datones juegos nuevos, y a ellos les encanta». Y luego: «A veces pasan acidentes, y los datones se matan a sí mismos». Y luego: «Siempde me da muchósima pena, cuando sucede». Y luego…

Si le diera tantísima pena –terció Silvia, con cierto desdén–, ¡no se comería a los ratones después de haberse matado a sí mismos!

Pero era obvio que también esta dificultad había sido tenida en cuenta en la exhaustiva discusión ética que acababa de tener lugar.

«Los datones muedtos nunca ponen ojeciones a que se los coman»

«No tiene sentido despeddiciad unos buenos datones»

¡No ha tenido tiempo de decir tantas cosas! –interrumpió Silvia en tono indignado.

¡No sabes cómo hablan los gatos! –replicó Bruno desdeñosamente–. ¡Lo hacen muy dapidísimo!

¡Caramba, casi me olvido de la parte más importante del acto! El otro profesor ha de recitar un cerdo de un cuento… quiero decir, un cuento de un cerdo –se corrigió a sí mismo–. Tiene unas estrofas introductorias al principio, y al final.

No puede tener estrofas introductorias al final, ¿o sí? –dijo Silvia.

Espera a escucharlo –la instó el profesor–, entonces lo entenderás. No estoy seguro de que no tenga también alguna por la mitad. –Se puso en pie en ese momento, y se produjo un silencio instantáneo en todo el salón de banquetes; evidentemente, esperaban un discurso.

Los pajarillos enseñan

a sonreír a unos tigres,

de cualquier malicia libres;

sonreír sin doblez, digo,

con la boca en semicírculo:

esa es la forma admisible.”

Jamás conocí a un cerdo tan grueso,

que se bamboleara tanto al andar,

y que pudiese, por mucho que lo intentara,

¡hacer algo semejante a saltar!”

Cuando el otro profesor terminó de recitar esta última estrofa, cruzó el salón hasta la chimenea y metió la cabeza por el conducto. Al hacerlo, perdió el equilibrio, cayó de cráneo en la parrilla vacía y quedó tan firmemente atascado en ella que llevó cierto tiempo conseguir sacarlo de allí. —Cdeí que quería ved cuánta gente había dentdo de la chibenea –había tenido tiempo de decir Bruno.”

¡Se le debe de haber quedado la cara negra! –señaló la emperatriz con preocupación–. ¿Quiere que mande traer un poco de jabón?

No, gracias –rechazó el ofrecimiento el otro profesor, manteniendo la cara girada hacia otro lado–. El negro es un color totalmente respetable. Además, el jabón sería inútil sin agua…

Los pajarillos escriben

libros de gran interés,

lectura para los chefs;

lectura, digo, no asados:

el texto, si está tostado,

deja de verse tan bien.”

¡Qué historia más tdiste! –dijo Bruno–. Empieza tdiste, y acaba más tdiste aún. Cdeo que voy a llorad. Silvia, déjame tu pañuelo, pod favod.

No lo tengo aquí –susurró Silvia.

Entonces, no lloraré –declaró Bruno valientemente.

¡Bueno, bueno! –dijo–. ¡Prueba un poco de vino de primavera! –Llenó un vaso y se lo dio a Bruno–. ¡Bebe esto, bonito, y ya no serás el mismo!

¿Quién seré? –preguntó Bruno, deteniéndose cuando se lo llevaba a los labios.

¿Por qué has de meter siempre criaturas en las historias? –preguntó el profesor–. ¿Por qué no introduces acontecimientos, o circunstancias?

Había una vez una coincidencia dando un paseo con un pequeño accidente, y se encontraron con una explicación, una explicación viejísima, tan vieja que iba completamente doblada sobre sí misma, y parecía más un enigma… –Cesó repentinamente su relato.

¡Por favor, siga! –exclamaron ambos niños. El profesor se sinceró:

Me resulta muy difícil inventar una historia de ese tipo. ¿Qué tal si Bruno cuenta una primero?

Los pajarillos ocultan

sus crímenes en carteras,

y de ciervos connivencia;

connivencia y luego palos,

pues acaban devorados

si la memoria flaquea.”

¡Beban a la salud del emperador! –Un gorgoteo generalizado resonó por todo el salón–. ¡Tres hurras por el emperador! –Este anuncio se vio seguido por el murmullo más débil posible, y el canciller, con una presencia de ánimo admirable, proclamó inmediatamente–: ¡El emperador va a hablar!”

Pese a mi escasa disposición a ser el emperador… dado que todos así lo deseáis… ya sabéis lo mal que el difunto rector manejaba las cosas… con semejante entusiasmo como habéis mostrado… él os perseguía… os cobraba demasiados impuestos… sabéis quién es el más indicado para ser emperador… mi hermano carecía de sentido común…

Cuánto podría haber durado aquel curioso discurso resulta imposible de decir, pues justo en ese momento un huracán sacudió el palacio hasta los cimientos, abriendo de golpe las ventanas, apagando algunas de las lámparas y llenando el aire de nubes de polvo, las cuales adoptaban formas extrañas y parecían formar palabras.

Pero la tormenta amainó tan súbitamente como se había levantado: las ventanas volvieron a cerrarse; el polvo desapareció; todo estaba como un instante antes… a excepción del emperador y la emperatriz, en los cuales se había producido un cambio maravilloso. La mirada perdida y la sonrisa sin sentido se habían esfumado: todos podían ver que estos dos extraños seres habían recobrado el juicio.

Y nos hemos comportado, mi esposa y yo, como dos bellacos redomados. No merecemos mejor calificativo. Cuando mi hermano se marchó, perdisteis al mejor rector que habéis tenido jamás. Y yo he hecho todo lo posible, pues soy un maldito hipócrita, para lograr con argucias que me convirtierais en emperador. ¡A mí! ¡Alguien que apenas tiene cerebro para ser limpiabotas!

El lord canciller se retorció las manos con desesperación.

¡Está loco, buenos señores! –había empezado a decir. Pero el emperador y él dejaron repentinamente de hablar… y, en mitad del silencio absoluto que siguió, se oyó que alguien llamaba a la puerta principal.

Se trataba desde luego de una visión lastimosa: los harapos que colgaban de su cuerpo estaban totalmente salpicados de barro; su cabello cano y su larga barba se encontraban salvajemente revueltos. Aun así, caminaba erguido, con paso majestuoso, como si estuviese acostumbrado a impartir órdenes, y, lo que resultaba más extraño de todo, Silvia y Bruno lo acompañaban, aferrados a sus manos y mirándolo con mudas expresiones de amor.”

Para su completo asombro, el emperador se arrodilló al acercarse el pordiosero, y con la cabeza inclinada murmuró:

¡Perdónanos!

¡Perdónanos! –repitió de manera dócil la emperatriz, al tiempo que se arrodillaba al lado de su esposo.

El paria sonrió.

¡Levantaos! –dijo–. ¡Os perdono! –Y la gente vio maravillada que se había producido un cambio en el viejo pordiosero, a la vez que hablaba. Lo que hasta entonces habían parecido mugrientos andrajos y manchas de barro resultaron ser en realidad atavíos reales, con bordados de oro y centelleantes gemas. Todos lo reconocieron entonces, e hicieron una reverencia ante el hermano mayor, y auténtico rector.

»¡Hermano mío y cuñada mía! –empezó a decir este último, con una voz clara que se escuchó en todo el vasto salón–. No vengo a molestaros. Sigue gobernando, como emperador, y hazlo sabiamente. Pues he sido elegido rey de Elfolandia. Mañana regreso allí, y no abandonaré el reino, salvo para… para… –Le tembló la voz y, con una expresión de inefable ternura, colocó sus manos en silencio sobre las cabezas de los 2 niños que lo flanqueaban, agarrados a él.”

¡Dios santo! ¡Todo el mundo se había olvidado del príncipe Uggug!”

Permitid que os lo explique. Sin-cuidado y Cuidados eran dos hermanos gemelos. Cuidados, como sabéis por el refrán, mató al asno. Y detuvieron por equivocación a Sin-cuidado, y fue a él a quien colgaron. De manera que Cuidados sigue vivo todavía. Pero vivir sin su hermano ha hecho de él alguien muy taciturno. Esa es la razón de que la gente diga: «¡Allá penas y Cuidados!».”

¡Gracias! –dijo Silvia efusivamente–. Es extremadamente interesantísimo. Tal como yo lo veo, ¡eso lo explica todo!

Bueno, todo todo no –replicó el profesor de manera modesta–. Hay 2 o 3 problemas científicos…

¿Qué impresión general te dio su obesidad imperial? –preguntó el emperador al jefe de su guardia.

Mi impresión fue que su obesidad imperial tiene cada vez más tendencia a…

¿A qué?

Todos aguardaron la siguiente palabra con el aliento contenido.

¡A pinchar!

¡Como desee su alteza! Su obesidad imperial es… –No logró articular ni una palabra más.

La emperatriz se levantó presa de una súbita preocupación.

¡Vayamos a buscarlo! –gritó. Y todo el mundo se dirigió en tromba hacia la puerta.

¡Preocupadín, majestad! –estaba diciendo–. ¡Eso es lo que está, no cabe duda!”

Puercoespín –dijo Silvia.

Nos levantamos con gran apremio y seguimos a los niños escaleras arriba. Nadie se percató en lo más mínimo de mi presencia, pero esto no me sorprendió en absoluto, ya que hacía largo rato que me había dado cuenta de que era totalmente invisible para todos ellos, hasta para Silvia y Bruno.”

Su voz era una especie de mezcla: había rugidos de león y bramidos de toro, y de vez en cuando un chillido como el de un loro gigante.”

¡Un puercoespín! ¡El príncipe Uggug se ha convertido en un puercoespín!

¡Un nuevo espécimen! –exclamó el encantado profesor–. Déjenme pasar, se lo ruego. ¡Debería ser catalogado de inmediato! Pero lo único que hicieron los hombres musculosos fue hacerle retroceder de un empujón.

¡Cómo que catalogarlo! ¿Es que quiere que lo devore? –gritaron.

¡Olvídese de especímenes, profesor! –dijo el emperador, abriéndose camino entre la multitud–. ¡Díganos cómo ponerlo a salvo!

¡Una jaula grande! –repuso de inmediato el profesor–. ¡Traed una jaula grande –indicó en general hacia la gente– con fuertes barrotes de acero y una reja levadiza como la de una trampa para ratones! ¿Alguien tiene a mano algo así, por un casual?

No parecía algo que nadie fuese a tener a mano y, sin embargo, le trajeron una en el acto; curiosamente, resultó que había una en mitad de la galería.

¡Colocadla de cara a la puerta, y subid la reja! –Esto se hizo en un momento.

»¡Ahora unas mantas! –voceó el profesor–. ¡Este es un experimento de lo más interesante!

¡El experimento ha sido un éxito! –proclamó–. Todo lo que hace falta ahora es darle de comer 3 veces al día, a base de zanahorias picadas y…

¡Olvídese por el momento de su comida! –lo interrumpió el emperador–. Volvamos al banquete. Hermano, tú primero, por favor. –Y el anciano, acompañado de sus hijos, encabezó el desfile de gente escaleras abajo.

¡Ahí tienes el destino de una vida sin amor! –le dijo a Bruno, mientras regresaban a sus sitios. A lo cual este contestó:

¡Yo siempde he querido a Silvia, así que nunca pincharé como lo hace él!

Ahora el príncipe Uggug pincha mucho, ciertamente –comentó el profesor, que había oído las últimas palabras–, pero por muy puercoespín que sea, ¡sigue teniendo sangre real! Una vez que acabe el festín, voy a llevarle un pequeño regalo… sólo para que se calme, ya sabéis; no es agradable vivir en una jaula.

¡Mi viejo enemigo! –gimió el profesor–. Lumbago, reumatismo, esas cosas. Creo que iré a tumbarme un rato. –Y salió renqueando del salón, bajo la compasiva mirada de los 2 niños.

¡No tardará en ponerse mejor! –dijo en tono jovial el rey elfo–. ¡Hermano! –agregó, girándose hacia el emperador–. Tengo algunos asuntos que discutir contigo esta noche. La emperatriz cuidará de los niños. –Y los 2 hermanos se marcharon juntos, cogidos del brazo.

A la emperatriz los niños le parecieron una compañía bastante triste. No sabían hablar de otra cosa que no fuera «el querido profesor» y «qué pena que esté tan malito», hasta que acabó por hacer la bien recibida propuesta: «¡Vayamos a verlo!».

Tenemos que llevarlo a pasar una temporada en la playa –dijo Silvia de manera tierna–. ¡Le hará muchísimo bien! ¡Y el océano es tan grandioso!

¡Pero una montaña lo es más! –opinó Bruno.

¿Qué tiene el mar de grandioso? –repuso el profesor–. ¡Pero si cabría dentro de una taza de té!

Sólo parte de él –lo corrigió Silvia.

Bueno, únicamente se necesitaría un cierto número de tazas de té para contenerlo todo. ¿Y dónde estaría entonces la grandiosidad? En cuanto a la montaña… ¡uno podría trasladarla entera en una carretilla, si se dispusiera de unos cuantos años!

Reducida a pedazos en la carretilla… no tendría un aspecto grandioso –admitió Silvia con franqueza.

Pero cuando los juntas otda vez… –empezó a decir Bruno.

Cuando seas mayor –saltó el profesor–, ¡sabrás que uno no puede recomponer montañas así como así! Uno vive y aprende, ¿sabes?

Pero no tiene pod qué hacedlo la misma pedsona, ¿no? –planteó Bruno–. ¿No vale con que yo viva y Silvia apdenda?

¡Yo no puedo aprender sin vivir! –protestó Silvia.

¡Pero yo puedo vivid sin apdended! –replicó Bruno–. ¡Sólo tienes que ponedme a pdueba!

¡Pero yo sé todo lo que sé! –insistió el pequeñín–. ¡Sé muchósimas cosas! Todo, escepto las cosas que no sé. Y Silvia sabe todo lo demás.

El profesor emitió un suspiro y se dio por vencido.

¿Sabes lo que es un boojum?

¡Sí lo sé! –gritó Bruno–. ¡Es eso que se come y se puede haced en el hodno o fuera de él!

Se refiere a un «bollo» –explicó Silvia en un susurro.

No puedes hacer un bollo fuera del horno –observó el profesor en tono suave.

Bruno rio con desvergüenza.

¡Seré yo quien le cuente una fáluba! –se lanzó Bruno a toda prisa–. Érase una vez una langosta, una uraca y un maquinista. Y la moraleja es que hay que acostumbdadse a maddugad…

¿Cuándo inventaste esa fábula? –quiso saber el profesor–. ¿La semana pasada?

¡No! –contestó Bruno–. ¡Hace muchósimo menos! ¡Pdueba otda vez!

No se me ocurre –se rindió el profesor–. ¿Hace cuánto?

¡Todavía no lo he hecho! –exclamó Bruno en actitud triunfante–. ¡Pero sí he inventado una genial! ¿Se la cuento?

Que o livro não possua uma moraleja para Bduno, isso me deixará aterradoramente triste! Um Uggug mais fofinho…

¿Pero cómo regresó a la repisa de la chimenea tras su primera caída? –preguntó la emperatriz. (Era la primera pregunta lógica que había formulado en toda su vida.)

* * *

Soy tan alegre como largo es el día, salvo cuando hay que meditar sobre alguna cuestión sumamente difícil.”

La nota contenía únicamente 5 palabras: «Venga inmediatamente, por favor. Muriel».”

«¡Se trata sólo de Eric Lindon, después de todo! –pensé, en parte aliviado y en parte irritado–. ¡Desde luego, no es razón para haberme hecho venir!»

«Los pasteles del funeral se sirvieron fríos en el banquete de bodas»

(Hamlet)

Sobraban más preguntas. La seguí al interior de la casa con expectación. Allí en la cama yacía –pálido y agotado, una simple sombra de su antiguo yo– ¡mi viejo amigo, regresado de entre los muertos!”

¡Arthur! –exclamé. Me vi incapaz de decir nada más.

¡Sí, he vuelto, viejo amigo! –dijo con un hilo de voz, y sonrió al cogerle yo la mano–. Él –añadió, señalando a Eric, que se encontraba allí al lado– me salvó la vida. Me trajo de regreso. ¡Después de a Dios, Muriel, esposa mía, es a él a quien debemos estar agradecidos!

Le estreché la mano a Eric en silencio, y luego al earl, y de común acuerdo nos trasladamos todos a la zona más oscura de la habitación, donde podíamos hablar sin molestar al inválido, que yacía, callado y feliz, sosteniendo la mano de su mujer y contemplándola con ojos que resplandecían con la firme e intensa luz del amor.”

«¡Y este era su rival! –pensé–. ¡El hombre que le había arrebatado el corazón de la mujer que amaba!»

pero no, aquello no eran en absoluto incoherencias producto del delirio.”

Aquella me pareció una buena oportunidad para escabullirme sin tener que hacerla pasar a ella por ninguna clase de despedida; de modo que, tras saludar al earl y a Eric con la cabeza, abandoné en silencio la habitación. Este último me siguió escaleras abajo y afuera, a la noche.

¿Vivirá? –le pregunté, tan pronto estuvimos lo bastante lejos de la casa como para poder hablar en un tono normal.

¡Vivirá! –respondió con un énfasis cargado de entusiasmo–. Los médicos están totalmente de acuerdo al respecto. Todo lo que necesita ahora, dicen, es reposo, tranquilidad absoluta y buenos cuidados. Para nada le faltarán reposo y tranquilidad aquí; y, en cuanto a los cuidados, ¡vaya!, creo más que posible… –se esforzó por hacer que su temblorosa voz asumiera un tono de picardía– que, en su actual alojamiento, ¡reciba un trato bastante bueno.”

Final decepcionantemente carola.

Ni el propio Bruno podría haber subido las escaleras con paso tan ligero al tiempo que avanzaba a tientas en la oscuridad, sin que me hubiese detenido a prender una cerilla en la entrada dado que sabía que había dejado la lámpara encendida en mi sala de estar.

Pero no fue ninguna luz de lámpara corriente lo que me bañó cuando entré en la habitación, con una extraña, nueva y vaga sensación de que el lugar se encontraba bajo el efecto de algún encantamiento sutil.”

un anciano circunspecto con vestiduras reales, reclinado en una butaca, y 2 chiquillos, una niña y un niño, de pie junto a él.” Santíssima trindade, três reis magos e blá-blá-blá…

¿Todavía tienes la joya, hija mía? –estaba diciendo el anciano.

¡Oh, sí! –exclamó Silvia con inusitado entusiasmo.

»¿Acaso crees que sería capaz de perderla u olvidarla? –Deshizo el lazo que rodeaba su cuello, mientras hablaba, y puso la joya en la mano de su padre.

Bruno la observaba admirado.

¡Qué bdillo más bonito! –dijo–. ¡Es igual que una estdellita doja! ¿Puedo cogedla?

¡Silvia! ¡Mira! –exclamó–. Puedo ved a tdaves de ella cuando la levanto hacia el cielo.

»Y no es doja para nada: ¡oh, es de un azul de lo más pdecioso! ¡Y las palabdas son totalmente distintas! ¡Mírala!

Silvia estaba ya también bastante excitada a estas alturas, y los 2 niños sostuvieron la joya al trasluz y entre los 2 leyeron letra por letra la inscripción: «Todos querrán a Silvia».

¡Caramba, [Cadamba] esta es la otda joya! –exclamó Bruno–. ¿No te acueddas, Silvia? ¡La que no escogiste!

Silvia se la quitó, con expresión confundida, y la sostuvo primero a contraluz y luego abajo.

¡Es azul, de una manera –dijo suavemente para sí misma–, y roja, de la otra! Pero yo creía que había 2 joyas… ¡Padre! –exclamó de pronto, depositando el guardapelo otra vez en la mano de este. ¡Ahora creo que era la misma joya todo el rato!

Entonces la elegiste en vez de ella misma –apuntó Bruno con aire cavilante–. Padde, ¿es eso posible?

Sí, mi niña –le respondió el anciano a Silvia, sin advertir la embarazosa pregunta de su hermano–, era la misma joya, pero elegiste de manera totalmente correcta. –A continuación volvió a anudar el lazo en torno al cuello de su hija.

Silvia querá a todos… todos querán a Silvia –susurró Bruno, que luego se puso de puntillas para besar la «estrellita roja»–. Cuando uno la mira, es doja y addiente como el sol… y cuando uno mira a tdavés de ella, ¡es delicada y azul como el cielo.

Pero oh, Silvia, ¿qué es lo que hace que el cielo sea de un azul tan bonito?

Los dulces labios de Silvia formaron las palabras de su respuesta, pero su voz se escuchó débil y muy distante. La visión estaba desvaneciéndose rápidamente ante mi ansiosa mirada, pero tuve la impresión, en ese último momento de desconcierto, de que quien se asomaba a través de esos confiados ojos castaños no era Silvia…”

GLOSSÁRIO HISPÂNICO (suplemento):

albaricoque: damasco

álgido (= PT): culminante, máximo; frio (o português só carrega esta segunda conotação).

almíbar: caramelo

alternar (= PT): revezar

apuesto: galante

arista: aresta

arrebolado: corado, cor do arrebol (nuvens durante o nascer ou pôr do sol)

berrinche: pirraça

bisagra: dobradiça

bote: quique (el bote de la pelota)

búho: coruja

butaca: cadeira

cerciorarse: assegurar-se, certificar-se

chanza: gracejo

chaparrón: aguaceiro

chinchar: chatear, atentar

columpio: balança, gangorra

conejera: gaiola do coelho

cormorón: corvo-marinho

cotorra: tagarela

cuerdo: lúcido

daga: adaga

desangelado: sem-graça

espachurrar: amassar, achatar

espinaca: espinafre

estrafalario (= PT): extravagante

fajina: o toque para refeições, no exército

flequillito: franjinha

fresa: morango

galimatias (sing.) (= PT): abobrinha

gandul: fanfarrão, traste (= PT gandulo)

gazapo: coelho jovem; mancada. Carroll (ou o tradutor de Carroll) utiliza a expressão em duplo sentido.

golfo: pivete

grajo: gralha, urubu

granuja: vigarista, patife

guardapelo: medalhão

guión: hífen

hucha: cofrinho

jarabe: xarope

lumbre: lume

melocotón: pêssego

mendrugo: pão dormido, esmola reles

moflete: bochecha

mora: amora

oporto: vinho do porto, vinho forte

oruga: lagarta ou verdura

páramo (= PT): charneca, brejo, lugar parado no tempo ou entediante, fim de mundo

patillitas: pequenas hastes de óculos

penique: péni ou centavo

perinola: ventoinha (brinquedo)

polilla: sinônimo de mariposa, que também existe em espanhol

pordiosero: mendicante

respingo: salto

riada: enchente

salvar: no sentido de transpor.

seto: cerca-viva

subasta: leilão

tejón: texugo

tiza: giz

zanja: vala

zoquete: pateta

[ARQUIVO] CEM ANOS APÓS O PROJETO VONTADE DE POTÊNCIA OU ESCOMBROS MUSICAIS

Originalmente publicado em 13 de janeiro de 2010 (anotações de 26/01 a 01/02/09); conteúdo condensado e observações enxertadas em março de 2024.

I. Da Vontade de Poder para a Gênese e Interpretação da Filosofia do Poder de Nietzsche

You’re reaching your nadir

Your will has disappeared

Como babacas com a bunda colada a suas poltronas poderiam entender o meta-alcance trágico do Nietzsche e Marx? Referência à velocidade relativa do trem-bala:¹ jamais será possível aos passageiros fazer essa verificação.

¹ (P.S. 2024) Cfr. DESENCANTO E REENCANTO DO MUNDO, 22 de janeiro de 2009, https://seclusao.org/2021/01/01/desencanto-e-reencanto-do-mundo/.

Se, porém, libertarmos a vontade schopenhaueriana do seu fundamento metafísico, o que resta é apenas uma vontade de existência

A única coisa que inexiste – e cuja inexistência está demonstrada – é a autoconservação do sistema, o mítico ponto de equilíbrio.

A “sociedade do poder” é aquela configuração mais poderosa já vista: age com poder sobre seu entorno, diminuindo ao máximo a imprevisibilidade. Efeitos colaterais: desastres naturais são fenômenos cada vez mais freqüêntes, “regulando o sistema”, readicionando a imprevisibilidade que o sistema político pensou exterminar. E na vida urbana o sedentarismo seguro dá lugar aos desastres contumazes de automóvel, boa parte letal.

II. A Filosofia na Idade Trágica dos Gregos: Da Sabedoria dos Filósofos Trágicos à Inversão do Socratismo

(…)

III. Espinosa e Nietzsche: A Vontade de Poder

(…)

IV. Nietzsche e Kant: Em Torno do Niilismo

(…)

V. A Corporeidade como Esquematismo da Razão em Kant e Nietzsche

(…)

VI. Hegel e Nietzsche, Hermeneutas da Modernidade

Levar o mal da Europa para fora.

POR QUE AS GUITARRAS ELÉTRICAS VIERAM DEPOIS DE HIROSHIMA? A música clássica é sabidamente música romântica, para além do nome. O Classicismo chega atrasado nessa arte das artes. No século XX temos Stravinsky, um Baudelaire atrasado. Qual é a realidade representada pelo espelho da Bay Area nos anos 1980? Disposable Heroes se parece com o Vietnã. Peace Sells com o arrocho dos regimes comunistas orientais. The System has Failed com a (primeira) Guerra do Golfo somente (14 anos de hiato). United Abominations cheira a apartheid. O indie me recorda a fossa econômica das massas no reaganismo. O rap anos 90 é tão Martin Luther King…

ONE PIECE: Não deixar a academia me intoxicar. Ela fala de um século perdido (século vazio). E chega de reformadores! Eu realmente mexo com IT: Idade Trágica! Depois de sorrir no enterro, eu irei presenciar jovens que choram no parto de seus filhos… O lado insuportável da egomania: os millennials, meus coetâneos!

VII. O Papel da Idéia de Eterno Retorno na Gênese do Projeto de Transmutação de Valores

Aos olhos de Nietzsche a crítica de todos os valores estava concluída no momento em que, no início de janeiro de 1889, a sua consciência se afundou no silêncio”

Quando se vem a conhecer aquilo que se é já é tarde demais para ser o que em tese se gostaria de ser.

O que faz o cristianismo? Condena o passado, sempre, qualquer que seja a vertente. E insiste na promessa do futuro. Já o desprezo do passado (característico do supra-homem) não equivale a nenhuma malversação. É como se ele fosse uma ponte permanente para algo mais.

FROM THE PAST COMES THE STORMS: Desprezar não é nem passar uma borracha, nem endeusar. O futuro pune em ambos os casos. O inaceitável é que a agressão e o trauma não sirvam de estímulo, mas de paralisante. A nuvem negra do cristão é achar que a vida vai melhorar – que é desejável que ela melhore.

VIII. Nietzsche e a Modernidade: Considerações em Torno da II Intempestiva

De onde vem a distância necessária para se falar sobre a época, estando dentro dela?”

não significa que a destruição total não seja possível (…) mas ser possível quer dizer ter já ocorrido na imaginação”

IX. Pragmatismo e Perspectivismo

Citações de Rorty e Peirce.

X. Nietzsche e Pessoa

(…)

[ARQUIVO] DIÁRIO DE UMA VIAGEM A FORTALEZA

Originalmente publicado em 10 de janeiro de 2010. Escrito entre 30 de janeiro e 1º de fevereiro de 2008.

30/01/2008

Talvez também sob influência de meu pessimismo contumaz, das minhas mais recentes leituras (num prazo de dois anos) e do desprezo que sinto por interlocutores de pensamento vil é que apresento este fragmento. É necessário deixar claro que o “interlocutor vil” em questão é um magnata cearense de nome Pelé, sem embargo, não conservo a mínima vergonha de meus antecedentes familiares (ele vem a ser meu tio-primo), resquício algum de racismo regional (vulgo xenofobia) ou aversão por cidadãos financeiramente afortunados. O que não tolero é a incapacidade dos ricos em complementar sua educação socratizando-se um pouco que seja – para ser mais atual-televisivo: vestindo as sandálias da humildade. Tampouco apresento, então, a essa altura, qualquer desprezo pela nomenclatura do maior atleta da História deste universo! É só um codinome, e ter chegado a ele tem lá seu método… Seu erro, meu algoz, foi ter aberto a boca demais! Isso e apenas isso…

Eu, tão lento para apreender opiniões concisas acerca de terceiros, descrevê-lo-ia como um sujeito de mediano para bom no entender político, no que dependesse de nosso primeiro encontro. Mas, de segunda, afirmo: és um parvo, um paspalho! Das coisas da vida, da essência invisível, do mundinho paralelo, do faz-de-conta de que I. falou tu nada entendes! Como aquele povaréu de Tianguá, só há uma coisa que mova sua vida: o dinheiro. É inútil encobrir teus anseios com esta capa, homúnculo! Para essas futilidades se é sempre competente, se desejável. De resto você não passa de um velhaco com alma de menino – não, nada de “puro”… Apenas parece distante do olhar filosófico e próximo demais do seu útero-sol, padece de um complexo de Édipo mal-resolvido. Por tabela, é um amoral inconsciente. E não são estas bestas (ou burros de carga) da igreja os mais perigosos? A filha, N., não pode julgá-lo porque não o conhece. Olha para cima ao divisá-lo – aliás, como toda e qualquer Electra. Eu não sofro desse problema, incontornável na terra (não-física) do cabresto, onde ser de elite não significa muito, no meu mundo de (não-)valores.

Sua infantil presunção de que, assim se julga e não esconde nem por um minuto à mesa, se trata de um homem culto quase me comove. Porque homens cultos não podem afirmar a juventude como único período de erro. Sua concepção assoberbada da vida, neste ponto, só já não me assustava pelas prévias revelações de seu caráter fascista.

No momento troco poucas frases com meu tio – menos pretensioso e de raciocínio mais ligeiro que o de Pelé, o pseudo-mecenas da família Ferreira. Mas tais balbuciações já se afiguram como material suficiente, meu caro “Maluco Beleza das Metamorfoses Ambulantes”, para tecer o único elogio à pessoa aqui em evidência: seu correr na praia – ou caminhada, já que é um frágil, mesmo – é meu escrever. Sim, que falta me faz descascá-lo, debulhá-lo nestas folhas como insípido feijão que vem a ser! Enquanto isso (já não sei mais se falo dele ou para você – de você ou para ele; com você ou 2ª pessoa, com tu ou a terceira), nosso nobre magnata precisa de seu retiro existencial bi-semanal. Pode me enganar, vou fingir que no pacote não está inclusa aquela masturbadela na água quentinha do nascer do sol – coisas bem-aceitas para um cara casado que enfrenta a crise da meia-idade.

Mas o papo, comigo, raras vezes esteve ou foi tão prosaico. Parece (ou mais do que parece) que peguei uma raiva excessiva do sujeito. É que realmente usar Darwin para a raça humana é chumbo grosso… E um indivíduo, ou menos, ente, que se auto-define como conhecer e interessado em buscar mais conhecimento, tolerante, bom ouvinte, reflexivo, sempre aberto a novas quebras de paradigmas (e que não sabe por certo o que representa um sintagma, p.ex.), não pode ter 10% do utilitarismo neo-yuppie (ops, embaralhei dois nomes) apresentado na pior festa que freqüentei desde que boêmio sou (o churrasco do enterro e da fossa). Se foi uma ocasião ruim é por dois (e entrelaçados) motivos: não bebi o suficiente e você (de novo minha mistura pronominal, já não dou um dedo mínimo) estava presente. (Mesmo Dostoievsky mistura pessoas na conjugação.)

O que depõe a meu favor neste cenário de aparente sordidez é que, se não bebi e não usufruí dos dotes das convidadas como mais desejaria (além dos regalos alimentícios), ao menos posso lembrar de cada ato falho seu (do Pelé!) sem a mínima distorção. O caro colega, deixe-me ver, acredita no bem e no mal. Nunca ouvira falar de Nietzsche. E nem que o Raul é um dos brasileiros mais escutados e idolatrados fora de palco de todos os últimos 400 anos. O que pode ser mais ridículo que um homem que acredita no diploma universitário como sinônimo de credibilidade irrefutável? Nem Descartes e Kant juntos!

31/01/08

(fim do 1º mês de um ano de até agora agonia gástrica)

Sabe o que é bastante interessante também?”

O quê?

Que em virtude de meu atual patamar…”

Vá às favas, com todo o respeito que seu ar grisalho merece mas que as ligações neurais comprometem!

Eu sob a mais crônica das diarréias certamente tenho, ainda, um pensamento mais ajustado e coerente que o seu! [Neste ponto decidi-me pelo emprego definitivo da interpelação direta, num misto de falta de vontade de escrever “fascista” a cada duas linhas e de excesso de disposição de fantasiar uma repulsa à la genro-sogro – explicando melhor: gosto da alternativa impossível em que sou um desafiante jovem, apontando o dedo de maneira não-acovardada para a cara do tolo pai de uma princesinha metida a roqueira… Em termos mais breves: meus devaneios com o corpo, o sorriso, a ginga e a burrice da distante prima N. — infelizmente distante em vários sentidos – parecem tornar Pelé alguém mais custoso de engolir, até porque a filha já é comida o suficiente]

01/02/08

Torcendo para escapar do Inferno…

#offtopic MEGADETH et al. (A luz no fim do túnel)

(comentando execuções aleatórias no meu MP3 player.)

  1. Train of Consequences

A estória de um assaltante de trem cargueiro e a moral por trás de seus atos me convocam novamente a uma série de questionamentos de natureza recente: o bem, o mal, os subjugados a eles e os acima dos valores. Minha opinião não é escutada por ninguém que não eu mesmo. A teoria dos grupos de influência não precisa ser lembrada aqui porque considero as pessoas suficientemente autônomas para escolherem seus veículos de comunicação, interlocutores e ações por si próprias. Eu sou apenas mais um canal, uma fonte informativa, integrante de um todo mais complexo ou descartável.

Figuras como Deus são ambíguas, duais. E representações como o diabo ou o ladrão são consideradas “puras” no sentido da essência. Mas hoje ouço falar tão pouco no diabo! Ninguém razoável e com mais de 6 anos realmente acredita em uma forma de vida (ou de morte) parecida, pois já incorporou as lições fundamentais do processo de socialização: o mal está no homem, que ejeta os direitos humanos não por outro motivo que a necessidade de controlar seus sórdidos e irrefreáveis (doutro modo) impulsos.

Fazer o certo e fazer o errado. Ser sacana e ter peso na consciência. Receber o castigo merecido. Essas discussões estão enredadas ao passado. Na situação da sociedade dos jogos ou niilista o único valor de si é aquele percebido por si mesmo, imortalizado em alguma imagem auto-louvável. O ladrão de cargas dilapida todas as vidas dos passageiros e trabalhadores do trem ao pilhar seus pertences. Conquanto não se é um deles, seus atos variam da aprovação à indiferença, em cujo trajeto mora a inveja. Às vezes penso como a vida do roubo é fácil: um sujeito se apropriou do meu televisor e do meu micro sem executar nenhuma transação financeira. Usou da violência, da imprevisibilidade física. Mas o complicado é cogitar-se pondo em prática esse “fácil”. Por que eles podem e eu não posso? Questões de berço (não literalmente, mas de uma ótica fatalista – há os furtadores provenientes de berços de ouro maciço).

  1. Killing Yourself to Live (Black Sabbath)

O ano deve ser um dos da irreversível crise do welfare state. “This is not the way the world was meant” e “Take a look around, what do you see? Pain, suffering and misery”. Além, claro, do título da música. Um ambiente de insegurança suportável graças às benesses teatrais da liquidez do dinheiro. Só o que almejo é o mesmo lar doce lar alheio, e com menos papel-moeda. O montante suficiente, que seja.

A onda de violência obriga o indivíduo a desconfiar de todos e se ver seguro – se possível – apenas dentro de seus próprios portões, ou jaula, a dita propriedade privada, capaz de resguardar até certo ponto todos os outros, tudo que já perdeu sua liquidez e não é mais pertencente a nada nem ninguém. Nem ao capital estrangeiro.

  1. Gears of War

Se a cultura não fosse a simples negação da natureza e respeitasse mais os princípios de sua Mãe o ser humano, além de cagar novas vidas e impor-lhes o ônus do trabalho, não fabricaria um arsenal nuclear, terminando, com tal atitude, por mais desestabilizar que “ajudar” (não precisa ser ajudada) sua biosfera. Uma mente tão corrupta olha a Terra com bons olhos só enquanto não coleciona as prometidas colônias espaciais que permitirão nossa continuidade. Vã continuidade. Viagem modorrenta. Muito curioso esse desenvolvimento, no sentido cíclico mesmo. Nada de linhas retas ascendentes. As marchas da guerra [ou equipamentos, armas] não pensam na preservação da espécie. Não há a menor garantia de que uma hora a rachadura não abra de vez. É um empreendimento de incomensurável risco, bem ao gosto do modo de produção ocidental e… está caduco dizer ocidental. No passado foram os muçulmanos, depois os soviéticos, japoneses… Agora qualquer olhos-puxados. O mundo. A família acabou. O Eu a engoliu juntamente com tudo. Os co(o)rporativistas ainda carregam aqueles livros debaixo do braço, mas, tal qual qualquer imbecil adaptado ou jogado de lado, só aguardam uma brecha para aparecer. Cada um com sua colossal melancia, preocupados que estão todos em se mostrar. Saldo final: não há um singular juiz. Os tecnicistas criaram um monstro que pode reduzir toda a filosofia ao nada instantaneamente… É… venceram!

* * *

Esses boletins sonoros estão me agradando e podem “intervir” na programação futura (Filosofia – Chauí).¹ Terei cerca de cem possibilidades extras…

¹ Este foi um presente de um primo distante do meu pai pelo qual sou muito grato, especialmente dado meu momento desarticulado em terras estranhas e possuído pelas terríveis marcas da saudade (do quê é que não sei, mas tenho certeza que é a parte de maior desamparo no anthropological blues). Neste preciso momento o amigo atencioso está em seus últimos minutos de praia e já vai retornar a seu meio. Eu não. Acrescento que, para saldar honrosamente meu débito, devo reler esses fragmentos ao chegar em casa e cumprir com o combinado: enviar-lhe por e-mail as ementas solicitadas da área de sociologia da UnB. a Mesmo que seu presente – e o meu futuro – não lhe – me – tenha custado nada, considero a necessidade dessa troca para a continuidade sem turbulências do cotidiano; afinal, humanos, culturalmente, vivem se devendo favores.

a Aposto que me esqueci disso!

Uma de minhas maiores vontades momentâneas é tomar uma cerveja gelada, não obstante meu sistema digestório-excretor precisar de um tempo até se restabelecer. Consolar-me-ei em pensar – e só pensar – no dia em que serei auto-sustentável e terei um novo lar – ainda que eu esteja pensando no aluguel: enquanto se pagar em dia, é todo seu. A independência… Uma cerveja gelada é um pedaço disso, por isso a quero tanto. Porém, conforme venho tentando me ensinar ultimamente, em lembretes mentais esporádicos, vive-se um dia de cada vez e, exilado, é-se plenamente impotente, o inverso de plenipotente. Um exílio implica em um outro exílio ao fim do primeiro, pois a terra natal terá mudado, eu mesmo terei, e será necessária uma readaptação ao local e aos afazeres de origem. E em verdade desconheço se poderei fazê-los todos, esses afazeres. Depende muito das circunstâncias. Ainda assim, ainda se puder, teimosamente deles prorrogarei minha licença, em prol de um só: as leituras atrasadas, que só parecem se agigantar enquanto os prazos encolhem e se tornam onerosos. Pelo menos já me livrei da autofobia e, no horizonte, nem o amor eu vejo. Agora bastam as músicas e as renovações, transferências, trancamentos e reda(reden)ções…

O QUE É LOLICON? Debate acadêmico compreensivo e supramoral.

Na cultura pop nipônica, lolicon (ロリコン, em algumas instâncias transliterado lolicom) é um gênero de mídia ficcional em que garotas jovens (ou apenas de aparência jovem) surgem em contextos sexuais ou ao menos românticos. O termo, um portmanteau (contração, fusão) das palavras inglesas “Lolita” e “complexo” (como em “complexo de Édipo” – ironicamente, Vladimir Nabokov, autor de Lolita, odiava a psicanálise; para um conceito de complexo “melhorado” no reino da psicologia, cfr. Jung, Os arquétipos e o inconsciente coletivo). Mas lolicon pode também significar afeto ou desejo, por parte do consumidor, direcionado a personagens com essa característica (ロリ, as lolis), e por extensão ser empregado para designar fãs dos respectivos personagens ou obras que os contemplam.

Associado com formas irrealistas e estilizadas presentes nos mangás, animes e videogames, [conforme abaixo] lolicon na cultura otaku é entendido como diferente da atração por materiais reais vinculados a garotas jovens ou atração direta por garotas jovens (parafilia, pedofilia, efobofilia) (Galbraith 2016, McLelland 2011b, Kittredge 2014). Dessa forma, o conceito de lolicon cruza com o de moe.

POLÊMICA ATRÁS DE POLÊMICA:

SOCIOLOGIA, PSICOLOGIA, SEXOLOGIA, LITERATURA, ECONOMIA, RELIGIÃO, HISTÓRIA JAPONESA E DOS MEIOS DE COMUNICAÇÃO DE MASSA NOS SÉCULOS XX E XXI: Não há esfera que fique de fora da discussão!

O primeiro termo deriva da novela Lolita, vertida pela primeira vez ao japonês na década de 1970, época em que no Japão imagens hoje chamadas “do gênero shōjo” (idealização artística da mulher não-adulta) se expandiam e adquiriam imensa popularidade. Durante o “lolicon boom”, como chamaremos esse período iniciado nos anos 1970 e completamente desenvolvido nos anos 80 (no Japão), a terminologia se sedimentou entre os otakus, querendo dizer atração por bishōjo (idealização artística da mulher não-adulta considerada esteticamente bela – é isso que o prefixo bi- acrescenta à conceituação de shoujo dada acima: a idéia, ademais, de beleza) precoces.

Onde, no shoujo, a idade da “heroína” pode flutuar dos 8 aos 18 anos, aproximadamente, o acréscimo do adjetivo jovem tende a restringir o alvo da atração do leitor a uma faixa etária mais estrita e inferior, flutuando entre os 8 e os 15, genericamente falando, isto é, a pubescência tardia ou a maturidade do desenvolvimento feminino são descartadas, havendo preferência por personagens mais jovens que “colegiais” (equivalentes à idade em que cursariam o ensino médio).

Com o tempo, essa restrição etária, baseada nas preferências dos otakus, foi baixando, isto é, se tornando ainda mais estreitamente intervalada. O alvo da atração ou afeição recuou para uma preferência por representações mais infantis, variando dos 8 aos 12 anos, de forma geral, excluindo-se, agora, as séries finais do ensino fundamental, oitavo e nono ano, antigas sétima e oitava série (para tomar as séries escolares como referência-base). Doze anos era a idade da protagonista da novela de Vladimir Nabokov (idade em que, se espera, conclua-se a sexta série ou sétimo ano).

O artwork comum nesse boom (explosão, em termos midiáticos) foi fortemente influenciado pelo caráter arredondado dos traços dos mangás shōjo já existentes antes do fenômeno (é importante destacar que inicialmente este gênero é/era marqueteado, no Japão, para garotas como leitoras-padrão ou consumidoras finais). Isso significa que na arte destinada aos homens houve um recuo do realismo dos traços para favorecer formas mais “graciosas” e estilizadas, o que por fim é entendido como a aproximação a um conceito de “eroticismo” ou “erotização” fofos (kawaii ero). Nos anos 80 este era um estilo artístico subcultural, porém hoje em dia, em escala global, trata-se de fenômeno mainstream.

Para quem desconhece o histórico do fenômeno, no entanto, pareceria que o lolicon boom seria extinto no fim da década 1980 e não seria exportado do Japão, pois houve um grande arrefecimento do movimento e o que sobrou do subgênero foram alguns poucos mangás de natureza abertamente erótica. O que explica que o fenômeno tenha se revigorado desde então, após um hiato que será discutido mais abaixo, e com receio de tornar-me repetitivo aqui, é que o lolicon boom representava um tempo em que o material era dirigido a garotas jovens e no entanto houve a reapropriação do material pelo público masculino como efeito colateral imprevisto (podemos dizer, então, que duas vezes num período de 20 anos). Quando o público reage de uma forma diferente e amplia-se a base de consumo, mudam as regras da produção cultural.

Além disso, uma onda de pânico moral direcionado contra “mangás [ditos] perniciosos”, especificamente na década de 90, quando atingiu seu auge, tornou lolicon quase uma palavra proibida ou maculada, sendo a explicação “extra-estética” de sua decadência temporária. Leis de pornografia infantil em certos países abrangem material ficcional (desenhos provocativos de crianças), enquanto que noutros a legislação é mais branda, incluindo o próprio Japão (McLelland 2016). Logo houve uma divisão geral em dois campos mutuamente opostos, ditos militantes ou ativistas, nos pólos mais extremos: os adversários e os apoiadores da tese de que representar crianças imageticamente em atos pré-sexuais ou sexuais seria um crime de abuso sexual e contra os direitos da infância.

Críticos de mídia geralmente associam o lolicon a uma separação muito mais discernível entre ficção e realidade do que seria permitido, antes de tudo, para que o debate acima referido fizesse sentido. Antes de tudo – a repetição da expressão não é à toa –, o que se quer entender é a sexualidade sui generis daqueles que se enquadram no rótulo otaku (parte desse complexo debate já foi empreendida nos primeiros artigos enciclopédicos desta série no rafazardly, que chega com este post ao terceiro episódio, e faz sua primeira ‘ponta’ ou participação no blog-afiliado Seclusão Anagógica, devido à natureza eminentemente mais filosófica da discussão; os dois anteriores tratavam diretamente do fenômeno moe – recomendo a leitura, aqui e aqui).

Embora a referência principal seja ao trabalho de Nabokov,¹ os japoneses também extraíram sua concepção de “Lolita”, “loli” e “Lolita complex” do livro – e particularmente do título do livro – de outro autor, quase no mesmo período, que leu ou não leu Nabokov (certamente sabia do livro e do título do livro), mas que escreveu de forma não-ficcional sobre o assunto: Russell Trainer, The Lolita Complex (1966, traduzido ao japonês em 1969) (Takatsuki 2010).

¹ Que, a essa altura do campeonato (embora me seja irritante ter de esclarecer algo tão patente e óbvio), exige a imediata clarificação, para evitar mal-entendidos e novos pânicos morais: a novela de Nabokov que – eu dizia – NÃO faz apologia à pedofilia (concepção muito difundida por quem não leu ou leu mal o livro), sendo um trabalho de ficção que antes contém uma mensagem subjacente contrária, pois retrata Dolores Haze –“Lolita”– como uma criança abusada cuja infância foi roubada pelo protagonista e narrador. Este seu abusador, primeiro padrasto e depois amante de Lolita (ou talvez primeiro amante e depois padrasto, dependendo da perspectiva), auto-apelidando-se Humber Humbert, vem a ser claramente, na novela, desde as primeiras páginas, quando inicia sua história num presídio, como confessa, um doente psiquiátrico, além de criminoso e homicida (ele não assassina Lolita, receio dar o spoiler, mas quem ainda quiser conferir a obra depois deste alerta, não tendo-o feito até hoje, fique à vontade para descobrir a que me refiro quando chamo o protagonista de autor de um homicídio…).

O livro de Trainer é o que se pode chamar de um tratado de psicologia “popular” (compreensível para não-iniciados) em que seu autor usa o termo complexo de Lolita para designar os homens adultos que sentem atração por garotas pré-pubescentes e púberes (Stapleton 2016). A única diferença entre o sentido antigo de Trainer (década de 70) e o mais atual do termo, usado na esfera otaku, seria a transposição da atração erótica, de forma completa, de pessoas reais para representações gráficas e ficcionais, o que Trainer não pesquisou. Daí ser este um assunto necessariamente polêmico, mas não-necessariamente condenável, ao menos para quem puder manter uma posição impessoal e algo compreensiva ou tolerante (no sentido de que não é preciso concordar com uma determinada estética para entender que ela é possível de existir, ou que mesmo que seja repulsiva isso não signifique automaticamente que é criminosa ou apologética da prática da pedofilia; no sentido, ainda, de que concepções morais de um pesquisador, sobretudo ocidental, não deveriam preestabelecer o resultado de suas pesquisas e antecipar suas conclusões sobre o assunto) (Matt 2014, Galbraith 2021).

Por fim, lolicon, defendem outros estudos mais recentes que a exposição de Trainer, seria apenas um macrocosmo de representações visuais em que o erotismo velado ou o erotismo explícito (pornografia) representam apenas microcosmos, de forma que o conteúdo leve e associado apenas ao carisma de tais personagens costuma recair sob o manto do conceito de moe, o que complexifica sobremaneira a questão, fazendo ver que existem no mínimo duas vertentes do que vem se chamando todo este tempo de lolicon. Portanto, a primeira asserção que podemos elaborar em resposta à pergunta mais imediata que com certeza o parágrafo inicial deste artigo suscita é (a pergunta seria: “Lolicon é pornografia?”): Depende. Há obras lolicon pornográficas e obras lolicon não-pornográficas.

PULSÃO & SENTIMENTO:

Tentando equilibrar extremos inconciliáveis

Conforme Akira Akagi (1993), que além de acadêmico ocupa posição editorial no mercado japonês, o termo se afastou muito do que seria intuível de acordo com a novela de Nabokov: a anteposição de um parceiro, homem, muito mais velho a uma – basicamente – criança do sexo feminino. Para Akagi não há dúvida de que lolicon descreve ou exprime um desejo ou necessidade por coisas “fofas, agradáveis, bonitas […] impregnadas de feminilidade infantil” nas páginas dos mangás e nos quadros dos animes lidos e assistidos pelo público otaku ou lolicon em específico. Além disso, Akagi já não vê o fenômeno como confinado ao universo masculino, nem ao adulto masculino: essa pulsão viria de diferentes extratos do público, tanto homens quanto mulheres, de qualquer faixa etária.

Galbraith pesquisou enfaticamente a obsessão do público japonês pelo 2D da questão: a bidimensionalidade e inanidade do alvo da preferência loli, citando os conceito parelhos de “two-dimensional fetishism” (nijikon fechi, fetichismo bidimensional) e “two-dimensional syndrome” (nijikon shōkōgun, síndrome bidimensional ou síndrome das duas dimensões).

Por mais que soe repulsiva ao leitor-padrão qualquer tentativa de tolerar esse comportamento considerado “anômalo” por nossos standards, é salutar observar que, como todas as fake news e qualquer clima de histeria suscitado em nossas sociedades, os eventos repressivos ao lolicon boom dos anos 90 no Japão sucederam a um gatilho sensacionalista que partiu da dita imprensa marrom ou de tablóide estilo inglês, como sói acontecer: por causa de manchetes de jornais pouco esclarecedoras e artigos no geral contendo assunções, lolicon passou a ser uma ofensa ou estigma, sobretudo depois da prisão, em 1989, de Tsutomu Miyazaki, serial killer (incomum o suficiente na sociedade japonesa) de garotas jovens reputadas como lolitas. Miyazaki foi retratado como o estereótipo perfeito do que queriam demonizar como otakulolicon. Mais adiante entraremos em detalhes sobre os crimes de Miyazaki e seus traços de personalidade. O que nos interessa agora, independentemente da veracidade das alegações, seria colocar o caso num contexto adequado de causa-efeito sem tentar extrapolá-lo ou situá-lo como o big bang de vários males sociais que – sim – existem na cultura conservadora do Japão.

Para esse fim gosto de evocar um exemplo mais próximo de nós. Culpar toda a indústria e todos os fãs de um determinado gênero pelas ações de um criminoso, seja uma série de crimes ou um crime, seria como dizer que um assassino em série brasileiro que fosse fã da seleção brasileira exemplificaria que o futebol é pernicioso para as pessoas. Uma hipérbole simplificadora. Faz-nos lembrar como o Ocidente passou a demonizar os videogames em inúmeras instâncias, principalmente na era Mortal Kombat – também nos “puritanos” 90, mas dessa vez nos Estados Unidos – e depois, de novo, após o Massacre de Columbine (o que é uma longa, longa história para ser tratada aqui…). Até hoje nenhum estudo concluiu que videogames aumentam a violência no mundo real e, creia-me, há milhares deles, partindo de todos os espectros – portanto, ajamos com prudência e cautela neste assunto “parente” (violência e sexo parecem estar sempre coligados em nossa sociedade, seja a ocidental específica ou quando travamos conhecimento e intercâmbio com os gostos orientais, já repararam?).

(*) Aproveito este ponto da discussão para explicar o termo “supramoral” presente no título do post: aplico-o aqui no mesmo sentido de “extra-moral” no artigo de Nietzsche, Sobre a Verdade e a Mentira em um Sentido Extra-Moral, uma lição de humildade em epistemologia e perspectivismo (algumas traduções trazem não-moral no lugar, mas esse termo tende a confundir o leitor, sendo mais próximo de amoral ou mesmo de imoral, o que geraria o que aqui queremos evitar, o clássico pânico moral). Como Nietzsche também escreveu Muito além do bem e do mal, continuando suas idéias deste primeiro artigo em época mais madura de sua filosofia, super- ou supra- é um bom termo ou prefixo para designar a tentativa de uma discussão que esteja ou pretenda estar acima da moral (burguesa, em que vivemos), não sem prescindir da ética, mas tentando desviar de suas principais armadilhas limitadoras (a moral de uma época e sua capacidade de achatar e deformar o pensamento dos observadores, efeito jamais subestimado o bastante, i.e., a noção de que o bem e o mal são conceitos absolutos definidos desde o início dos tempos e imutáveis).

Esse mesmo episódio catalisador (a prisão de Miyazaki) pode ter influenciado a criação, na subcultura otaku, do termo moe, justamente para evitar as conotações pejorativas que contaminaram o termo lolicon (Galbraith 2016), pelo menos durante a postura da mídia japonesa de atacar o fenômeno (o que foi revertido posteriormente). O termo lolicon, no entanto, nunca foi abandonado de todo. Desde a passagem do ápice do pânico moral da grande mídia e do “furacão caso Miyazaki” parece ser menos pejorativo e menos malvisto (embora eu não tenha como avaliar como se dá seu uso cotidiano no próprio território japonês em diferentes contextos públicos).

A LONGA HISTÓRIA DO MANGÁ E O ETERNO BINARISMO SHOUNEN-SHOUJO/BISHOUNEN-BISHOUJO

Por incrível que possa parecer, o que vem acima foi tencionado como mera introdução ao tópico! Primeiro precisamos traçar o histórico do veículo mangá antes de compreendermos ainda melhor o lolicon (dos três meios de comunicação de massa invariavelmente citados ao lado dessa estética, o mangá é o mais influente de todos, tendo ditado vários cânones às animações televisivas e cinematográficas e aos jogos eletrônicos).

Após certa estagnação (seja de vendas ou de inovações estéticas) nos mangás direcionados ao público feminino jovem durante os anos 50 e 60, os anos 1970 foram muito prolíficos no terreno do shōjo. Novas maneiras de desenho, novas narrativas e roteiros, novos temas envolvidos nas páginas, como conflitos psicológicos, papéis sociais e, por que não, a sexualidade. Inegavelmente foi a incorporação deste último tema pelos mangakas que atraiu mais homens a consumir também shoujo em detrimento de apenas seus “mangás típicos”, os shounen. Alguma assimetria pode ser percebida aqui: enquanto que hoje muitas mulheres lêem shounen, tendo esse termo perdido seu significado de raiz, nos anos 70 era menos comum que garotas lessem mangás de garotos, ou pelo menos não na mesma proporção avassaladora que os gostos masculinos se metamorfosearam. O que acontece com a cultura japonesa e é difícil para um não-iniciado introjetar é que a intenção mercadológica não determinou o interesse público neste contexto, e lá a indústria tentara segmentar as leituras por sexo, o que, se é feito aqui, tem contornos menos pronunciados. Por exemplo: nunca fui censurado ou tratado pejorativamente porque via Powerpuff Girls na infância; meninas não são necessariamente tomboy só porque lêem Marvel e DC (excluamos os gatekeepers da análise, os fãs tóxicos, que existem em qualquer terreno cultural!).

Sucede que o fenômeno japonês não é nada curioso, olhando de uma perspectiva mais afastada. Continuando com exemplificações, e mal comparando, seria como se Alice no País das Maravilhas, um livro em tese destinado a crianças, fosse um dia lido por gente adulta, e muito comentado e pesquisado –– Ora, isso realmente aconteceu e acontece, contrariando “o intuito original do criador”, se é que Lewis Carroll pensava que sua multifacetada obra era tão unidimensional assim… Talvez os editores ingleses da época tivessem uma visão mais estreita? De todo modo, pouco adiantou, e o público, que é também agente, seguiu seus próprios gostos e orientações.

Por falar em Alice e Carroll, a primeira aparição do termo “Lolita complex” num mangá (e não num livro de psicologia) deu-se precisamente em Kyabetsu-batake de Tsumazuite, Stumbling Upon a Cabbage Patch [Deparando-se com/Tropeçando em uma folha de repolho é como eu traduzo, mas não cacei uma tradução oficial em português], inspirado em Alice no País das Maravilhas, serialização iniciada em junho de 1974 na revista de shoujo Bessatsu Margaret. Shinji Wada, o autor, desenhou uma cena em que um personagem masculino diz num balão que “Lewis Carroll era um homem de caráter bizarro por gostar só de crianças pequenas”, fala que evidentemente não deve ser confundida com a opinião do autor nem servir para subestimar o leitor, que não encara falas ficcionais como verdades, ainda mais tendo em conta que era um mangá humorístico. Uma piada inocente, estilo Michael Jackson, que não é nada estranha a qualquer conhecedor 101 de Alice no País das Maravilhas e o processo de criação do livro, parte da biografia do matemático e poeta Lewis Carroll. (Mais um caso em que teremos que encerrar o debate ou recorrer a opiniões infundadas, pois não há nada que comprove mais do que realmente se sabe, i.e., que Carroll era um sujeito apartado e nunca cometeu nenhum ato de pedofilia nem manifestava expressa atração por “garotinhas”, nem por Alice Liddell, sua “musinha” inspiradora – inclusive esse epíteto é questionável; ela apenas recebeu o livro, mas a heroína parece ter sido criada com outros arquétipos infantis em vista, fora da família Liddell, talvez uma síntese mental de todas as crianças vitorianas, como sói acontecer com escritores. Dou a mesma margem de presunção de inocência ao vilipendiado rei do pop Michael Jackson até que me provem o contrário.)

COMPLICAÇÕES:

A CULTURA JAPONESA NÃO É PARA PRINCIPIANTES!

Os primeiros exemplos da estética lolicon foram influenciados por desenhistas homens que conscientemente introjetaram traços shōjo em sua técnica (Schodt 1996, Kinsella 1998), bem como por mangás eróticos criados por mulheres mesmas, material esse em tese dirigido a homens conforme os editoriais das revistas em que era publicado (Shigematsu 1999). O nu artístico, fotografia de crianças reais, no âmbito shōjo, era popular na época (anos 70): uma coleção intitulada Nymphet: The Myth of the 12-Year-Old (Ninfeta: O mito dos doze anos de idade) foi publicado na Terra do Sol Nascente em 1969, até antes da década em estudo. Em 1972 e 1973 é que se reportam “ondas de Alice” ou um Alice boom específico, dentro do boom shoujo maior. Nessa onda estratificada, fotos de pessoas reais eram o tema.¹

¹ Mais uma vez: sobre fotografias nudistas de crianças (não-pornográficas) e a época vitoriana de Carroll, indico a leitura cuidadosa de https://seclusao.org/2023/12/02/lewis-carroll-serieosultimospolimatas/, em particular as seções “Hobby (em alto nível) da fotografia (1856–1880)”, “Sexualidade de Carroll & Algumas considerações sobre o surgimento da arte da fotografia” e “Os diários perdidos”.

A tendência não se limitou aos mangás. Na mídia impressa, revistas dedicadas ao homem adulto possuíam fotos eróticas, relatos ficcionais e ensaios sobre a beleza única da garota jovem. Por que essa evolução da preferência do homem japonês, entretanto? Teoriza-se que a própria legislação coercitiva fomentou esse gosto: havia a interdição de mostrar pêlos das partes íntimas; uma saída menos óbvia – talvez para nós – do que promover ensaios com mulheres em idade legal que praticavam a raspagem total (o que nós só fomos adotar também mais tarde, no Ocidente, como “prática higiênica” ou “padrão”) foi então adotada pelas editoras: procurar modelos femininas na idade em que ainda não exibiam pelugem. Essa lei “anti-obscenidade” que data do Japão imperial só foi corrigida de fato em 1991, quando já não importava muito. Mesmo assim, a lei continua proibindo pêlos, por exemplo, na indústria pornô. Mas em representações artísticas e desenhos a restrição caiu. Às vezes parece que as autoridades japonesas se preocupam mais com a aparição de pêlos vaginais ou escrotais que com toda a psique do ser humano, todavia.

Primeira página do mangá mais famoso de Hideo Azuma (1950-2019), Cybele. Gō Itō identifica este trabalho como a transposição do erotismo ficcional para figuras mais redondas e irrealistas (Circularidade, redondez – atributos que raramente associamos a imagens que suscitem sex appeal no Ocidente, pelo menos nas últimas décadas – nosso ideal de beleza prefere linhas magras nas personagens, tornando o trabalho de Azuma imensamente inocente e pueril a quaisquer olhos contemporâneos!), mais próximas aos traços revolucionários e à “redondez” ou rotundidade dos personagens (totalmente a-sexualizados) de Osamu Tezuka nos anos 50 (Tezuka é praticamente o Pai do Mangá, e sua arte é AINDA MAIS RECHONCHUDA que o visto acima!).

ANOS 80:

FORMAÇÃO DA ESTÉTICA LOLI & IMPORTÂNCIA DAS CONVENÇÕES OU ANIME EVENTS NIPÔNICOS

O advento do lolicon não teria sido possível sem a criação da Comiket (sigla para Comic Market), uma convenção feita principalmente para comercializar dōjinshi (material de fãs, sem intermediação de editoras) entre o público leitor e autores amadores. A feira foi criada em 1975 pelo grupo Meikyu (Labirinto), composta por homens adultos fãs dos traços shōjo. Em 1979 apareceu o fanzine Cybele, de Hideo Azuma, que continha em seu primeiro exemplar uma paródia erótica do conto da Chapeuzinho Vermelho. Azuma seria batizado posteriormente como o “fundador oficial” do lolicon. Antes de Cybele o estilo dominante nos seinen (o shoujo para adultos) e nos mangás abertamente pornográficos era o gekiga, resumível em seu ultra-realismo, ângulos pontudos, certa atmosfera carregada (sombria e séria) e dark hatching (não traduzirei o termo – para entendê-lo, verificar o esquema de cores, digo, sombreamentos, já que mangás nascem em preto e branco, de Berserk, que personifica muito bem essa técnica). Em suma, havia mangás eróticos até esse momento, basicamente fotorrealistas em suas representações. O que o trabalho de Azuma fez foi uma abrangente estilização imagética, com sombreamentos, quando necessários, bastante tendentes ao branco ou cinza mais claro, linhas circulares, atmosfera fantástica, tomada de empréstimo dos shōjo, segundo o próprio Azuma. Essa indicação é muito importante na compreensão do fenômeno loli como, se é que é, uma perversão ficcional, que se desconecta do desejo por crianças do mundo real.

Embora as figuras tenham deixado de ter tão “circulares” ou “rechonchudas” quanto eram sob o lápis de Azuma, o espírito de “irrealismo” cartunesco das personagens foi o que perdurou na estética lolicon até a atualidade. Mas além do fator erótico Azuma nunca se levou a sério – todas as suas criações eram mangás de humor ou sátira. Em que pese Azuma achar que seus cartuns tivessem um apelo erótico, somente uma minoria concordava consigo a princípio. Porém, gradualmente o gekiga foi sendo deixado de lado mesmo pelos leitores de pornografia, que aderiram a sua revolução no traço. Houve um período de transição com corpos mais realistas e faces infantilizadas, até que o azumismo (tanto corpo quanto rosto) se tornasse hegemônico no mangá.

E a feira Comiket, introduzida acima, ironicamente criada por homens para receber majoritariamente mulheres, teve uma “invasão” de otakus homens em edições de anos subseqüentes. Registra-se que no primeiro ano do evento, 1975, 9 em cada 10 participantes eram do sexo feminino. Em 1981 a demografia já era parelha (50-50%) (Lam 2010). Argumenta-se, ainda, que o lolicon ganhou força como reação ao yaoi (mangá com imagens homoeróticas de homens vendido mais entre as mulheres, e desenhados também por autoras mulheres).

Faltava a “profissionalização” do fenômeno de nicho, que veio a acontecer principalmente por intermédio das publicações de grande porte Lemon People e Manga Burikko, ambas iniciadas em 1982. No primeiro editorial, a Lemon People até declarava com orgulho: “Temos o monopólio dos quadrinhos lolicon!”, demonstrando que naqueles anos pioneiros o termo não era derrogatório (como se tornou nos 90) (Kimi 2021). Houve ainda magazines (mensais, com vários mangás serializados dentro) como Manga Hot Milk (nome sugestivo…), Melon Comice Halfliter. Tudo como que se confundia nessa época despida ainda dos conceitos norteadores da atualidade: ilustrativamente, a própria palavra otaku só foi cunhada na própria revista Burikko, e em 1983!

Inicialmente uma revista sem fins lucrativos exclusivamente com arte gekiga, a Burikko se transformou totalmente um ano depois, esse mesmo 1983, quando passou a ser editada por Eiji Ōtsuka (Nagayama 2020), que sempre propalou a idéia de “vender mangás shoujo para garotos”. Em novembro daquele ano, ainda dividindo páginas entre gekiga e lolicon, a equipe da revista começou a receber cartas de leitores solicitando que parassem com os traços gekiga. De dezembro em diante o subtítulo da Burikko se tornou “Totally Bishōjo Comic Magazine” [revista para quadrinhos completamente bishoujo].¹

¹ Se não é uma instância de dessexualização popular de uma mídia consumível, diria que é pelo menos uma bidimensionalização e caricaturização dessa sexualização (além do caráter 2D associado a fotografias em contraste com as “mulheres reais”, as mesmas que são fotografadas, é importante reparar no “salto” da foto ao desenho, retirando os resquícios de 3D que ainda havia no hobby, e em seguida o salto do desenho realístico ao desenho cada vez mais auto-referente ou inverossímil).

Manga artists mulheres ficaram famosas durante esse boom de publicações, como Kyoko Okazaki e Erika Sakurazawa. Essas eram “rainhas” ou precursoras do movimento. Se há um “pai do lolicon”, Azuma, há um “rei do loli”, Aki Uchiyama, quem produzia 160 páginas de mangá por mês para cumprir suas metas.¹ Uchiyama teve mangás publicados não só na Lemon People como na revista ainda mais mainstream Shōnen Champion.

¹ Mais de 5 páginas por dia. Levando em conta que os autores de shounen que adoecem cumprindo agendas de séries semanais com poucos recessos anuais precisam cumprir uma cota de aproximadamente 3 páginas/dia hoje, essa cifra é assustadora e terrível na esfera das leis trabalhistas japonesas – quanta desumanidade!

Imagens de Clarisse (1979) são mais difíceis de encontrar do que se pensa! Créditos: https://fullfrontal.moe/

AS PRIMEIRAS ANIMAÇÕES DE MANGÁS EROGE

&

AS PRIMEIRAS VEDETES (ASSEXUALIZADAS COMO ROBÔS)

O primeiro anime pornô foi o nada-criativamente-batizado Lolita Anime, que durou de 1984 a 1985. Personagens icônicas desse período são Clarisse do filme Lupin III: Castle of Cagliostro (1979) e Lana do desenho para TV Future Boy Conan (1978), ambos dirigidos por Hayao Miyazaki (que odeia o fato de Clarisse ter se tornado um ícone loli). Clarisse se tornou instantaneamente objeto de culto, ajudada por resenhas em Gekkan Out, Animec e Animage. Uma série de zines ou mangás amadores com novas estórias de Clarisse era tão numerosa que virou um subgênero em si: Clarisse mangas! Essas mangás quase nunca eram abertamente eróticos, tendiam mais para uma leitura segura para garotas e garotos a partir dos 14 ou 15 anos.

Uma peculiaridade que só mesmo sendo japonês para entender por completo é que muitas das primeiras personagens lolicon nasceram do entrecruzamento entre mecha e bishoujo, mecha sendo o segmento com estórias que contenham e que se centrem em máquinas futuristas.¹ Kaoru Nagayama destaca a estréia de Daicon III Opening Animation (um anime que nem veio a ser comercializado ou terminado, mas que hoje é cultuado apenas com base na sua abertura, um grande feito técnico para o período, tendo sido mostrada numa convenção em 1981) como o marco zero desse crossover tão bizarro lolicon/sci-fi.

¹ A versão japonesa de “carros possantes e mulheres”? Cremos que não falte o elemento musical (os japoneses adoram o rock), mas com certeza a cerveja, ou doses copiosas de saquê, não entram nessa equação tríplice ou quádrupla!

Como já foi verificado neste artigo, animes inicialmente propagandeados para meninas, como Magical Princess Minky Momo (1982–1983), um dos primeiros do subgênero hoje profuso magical girls/isekai, explodiram em audiência – de ambos os sexos. Helen McCarthy sugere que os animes (diferente dos mangás, mais antigos, lembre-se) lolicon estão enraizados em shows de garotas com poderes mágicos como Minky Momo, pois a presença de heroínas metamorfas teria o poder de nublar as linhas entre a menina e a mulher (McCarthy & Clements 1998).¹,²

¹ Eu como criança não podia esconder a fascinação que as seqüências de transformação das sailors me provocavam – mesmo que eu fosse um pirralho de 7-8 anos vendo o anime na finada Rede Manchete. OBS: Repare no tamanho das pernocas – sempre me dizem, gracejando, que 2/3 do corpo dessas beldades são pura perna. Nada chubby como a arte dos 70/80-85, e tampouco nada loli: são legítimas adolescentes (no enredo) com aparência/corpo de mulher, diria Naoko Takeuchi, autora do mangá que explodiu mesmo quando virou anime. Isso se explica pelo que será dito no próximo tópico, já que Sailor Moon é dos anos 90. Acima, Minako, a Sailor Venus, como “garota normal” e depois de se transformar com a ajuda do broche, com uniforme estilizado de marinheiro. Veremos o “fetiche do uniforme” ressurgir em comentários sobre Evangelion e Kill la Kill, mais abaixo!

² Quantas teorias da genealogia do lolicon já percorremos? Isso mostra a complexidade do fenômeno. Com o perdão da expressão, a complexidade do complexo…

FLUTUAÇÕES: RETRAÇÃO DO BOOM E REVIVAL 90

(+ TODO PAÍS TEM SEU CHARLES MANSON)

Na reta final do boom, que extinguir-se-ia por si mesmo, segundo alguns, porque “os leitores/espectadores não tinham qualquer compromisso com o loliconper see “não tinham meninas jovens como seu objeto sexual”, a maioria dos criadores e consumidores do nicho erótico já havia migrado para um estilo mais diversificado e mesclado de traço bishoujo, resumível em “caras de bebê e peitões”, híbrido fetichista menina-mulher o que já não se consideram aspectos lolicon. Na própria Comiket, mangás lolicon declinaram sensivelmente em popularidade a partir de 1989, sendo substituídos por dōjinshi eróticos nas novas bases, abrangendo “novos tipos de fetiche” e uma onda de “erotismo softcore” que caía e ainda cai bem, segundo as demografias, entre homens e mulheres indistintamente, em particular quando se fala de yuri (subgênero de mangá de romance lésbico).¹

¹ Uma coisa que me chama a atenção é que o mangá erótico homem-homem surgiu e proliferou primeiro que o lésbico no Japão: normalmente em sociedades patriarcais a aceitação do lesbianismo se dá muito antes, ou desde o início (vide a Grécia Antiga), enquanto que o homoerotismo macho-macho é visto com muito mais reticência, senão completa interdição (Europa moderna ~1500-~1950). Os gregos tinham uma sociedade regulada pelo amor pederasta homem mais velho-moço, mas havia um código de ética tão estrito sobre essas relações que este assunto não podia ser discutido em público nem interferir na vida familiar heteronormativa da polis (seria mais grave que pular a cerca entre casados entre nós – não, pior do que falar abertamente sobre ‘ser traído’ pelo parceiro formal!). Já o lesbianismo era “ignorado” e não sofria sanções (ainda falando de Grécia Antiga), ao passo que imaginamos que, se uma mulher sáfica fosse descoberta, em coordenadas geográficas não muito distantes de onde floresceu a Filosofia, 1000 anos depois, seria levada imediatamente às torturas, ao “julgamento” (unilateral da Igreja Católica) e à sentença de queimar na fogueira.

Apesar de ser um parágrafo policialesco, temos que cobrir esta parte da história também: no mesmo 1989, lolicon e otaku se transformaram da noite para o dia em tópicos controversos, com o pânico moral pós-prisão de Tsutomu Miyazaki, um adulto na casa dos 20 anos que seqüestrou e matou 4 garotas entre os 4 e os 7 anos, além de violar os corpos já sem vida. Fotos do quarto de Miyazaki abarrotaram os jornais de então: uma extensa coleção de VHS, incluindo filmes de terror/slashers (subgênero de maníaco que age sozinho e mata suas vítimas com armas brancas em estórias ficcionais) supostas inspirações de seus atos; volumes de mangá, dentre eles shōjo e lolicon, etc. A “culpa” dos atos de Miyazaki foi atribuída pelo jornalismo japonês à cultura de então (poderíamos dizer que a mídia estava culpando a própria mídia? sim, o nicho ultra-conservador dos telejornais e mídia impressa para velhos ortodoxos culpando mídias que não compreendiam ou que eram fenômenos de menos de 20 anos de idade). Diziam que ao ler e assistir o que leu e assistiu Miyazaki sentiu sua inibição para cometer crimes reduzida, e achou mais fácil trafegar a tênue linha que separa ficção de realidade. Todos argumentos espúrios. Até onde sei a linha que separa páginas de mangá ou o écran da vida real continua sendo grossíssima! Curiosamente, nenhum outro Miyazaki apareceu, para confirmar a “empiria” da tese criminalística… De qualquer forma, o que aqui nos interessa é que este serial killer foi tachado de otaku, e a imagem do otaku impressa na população nacional como “gente social e sexualmente imatura”. Talvez os imperadores pedófilos que causavam guerras envolvendo milhões de vidas fossem gente social e sexualmente muito mais madura – que regressão, meu Japão!! (contém ) A conseqüência natural e imediata foi um expurgo das redações, estúdios, bancas e livrarias de material “tendente ao grotesco” ou a estéticas ditadas pelo mundo otaku. Muitos subgêneros de mangá foram considerados perniciosos por um tempo. Alguns artistas da subcultura dōjinshi foram presos na esteira do escândalo Miyazaki. E demoraria alguns anos até a poeira voltar a baixar…

Em suma, os anos 90 viveram basicamente da volta da dicotomia shounen/shoujo, com séries como Sailor Moon (vide nota acima) e Magic Knight Rayearth supostamente fazendo sucesso apenas com seu público tencionado: garotas. Não sei se aqui no Brasil é que a atração por algo tão “diferente do que estávamos acostumados” funcionou diferente, mas desconfio que o fenômeno do “macho que assistiu/leu Sailor Moon religiosamente” no Japão está subestimado pela fonte bibliográfica do artigo da Wikipédia e outros consultados!

Como tudo na vida, a estética lolicon não mais parecia decadente e enjoativa para o público otaku e nem voltou a ser problematizada com o mesmo ardor pelos veículos de comunicação quando voltou a despontar no fim do milênio e começo dos 2000. A principal revista mensal com compilados de capítulos de mangás lolicon deste período revivalista foi a Comic LO

¹ Obviamente que LOli era um trocadilho intencional a ser evocado, mas o O também é acrônimo para “only”: “Só” lolitas.

E ENTÃO, O QUE É (UM)A LOLITA JAPONESA?

Deu para perceber que nenhum conceito de lolicon é exaustivo e definitivo – infelizmente. Alguns persistem em defini-lo com base na idade dos personagens expostos (mas principalmente personagens femininas), outros entendem ser um tipo de traço, estilo ou técnica de desenho, resultando em personagens necessariamente pequenos, normalmente representando mulheres de busto chato, independentemente da idade (adultas podem ser lolis, segundo a cultura japonesa, modificando o que Nabokov instalou com sua obra). Para tentar adicionar algum conteúdo a tais definições já tentadas, diríamos que a maioria dos lolicon works fixa-se em tropos como personagens ingênuos, antagonizando ou contrastando com personagens “precoces” (com um senso anômalo de perversão ou conhecimento erótico-sexual), ou personagens nuançados, coquettes. Para complicar, lolicon é usado indiscriminadamente para artes explicitamente eróticas, implicitamente eróticas ou com zero erotismo (Aoki 2019).

Kaoru Nagayama (2020) constata que leitores de mangá eles mesmos definem lolicon como mangás a conter “heroínas [protagonistas] de idade inferior à de uma estudante do ensino médio”, o que novamente não nos ajuda, pois os tais “leitores de mangá” discordam entre si, segundo o próprio Nagayama. Outros nichos “preferem” caracterizar o lolicon como estrelando “qualquer figura menor de idade”, outros dizem que “abrange a sociedade inteira, desde que as personagens se enquadrem na estética”, outros vão além e citam “que não tenham excedido o ensino primário” (ala fanática e considerada abertamente pedofílica em seus gostos). Elisabeth Klar (2013) observa que female characters “oscilam em idade”, seja porque cada mangá estabelece seus parâmetros, seja porque uma mesma personagem pode apresentar uma idade física “x” com comportamento atribuível a uma idade mental “y”, e Klar alega que é esse contraste, o mais das vezes, que gera o conflito que possibilita o relato da estória, ou sua categorização no lolicon. Ilustração peculiar seria a roribabā, (arquétipo da “Lolita vovó”), deliberadamente de design infantil e que se porta como alguém idoso. Ao contrário do que se disse acima (que quando o fenômeno arrefeceu nos 80 os traços mais curvilíneos para o corpo já não eram loli), traços secundários que denotem madurez corporal podem ser tolerados ou catalogados dentro do lolicon (Galbraith 2011). Argumentos da plot podem ainda justificar a aparência demasiado jovem de entidades não-humanas ou sobre-humanas (vampiras, bruxas, monstros que tomaram a forma humana) (Galbraith 2009).¹

¹ Me reservo ao direito de explicar, neste momento, um personagem que vem a calhar para enriquecer a discussão: trata-se de Biscuit Krüger de Hunter X Hunter, que considero uma subversão ou paródia do tropo. Sempre faço questão de ressaltar, para os que não sabem, que o autor do mangá, Yoshihiro Togashi, é casado com Takeuchi, a autora de Sailor Moon. Não significa que ela o influenciou – mas ao mesmo tempo significa. Explico: Togashi com certeza está informado e influenciado por toda a repercussão do shoujo que veio antes de sua própria produção. Ambos são quase da mesma idade, mas Hunter X Hunter, sendo um mangá de 1999, incorpora todas as lições dos anos 90, diferentemente de Yu Yu Hakusho, mangá de Togashi contemporâneo a Sailor Moon e, com efeito, bastante diferente – enquanto que HxH produz uma quebra do binarismo de gêneros e é mais do que nunca uma aproximação com o shoujo – na época de YYH ambos não eram casados, então podemos considerar que Togashi era um de Takeuchi (talvez vice-versa?), mais famosa então –: Togashi não tinha como não se interessar por uma produção tão influente como foi Sailor Moon, independentemente de quem a criou. Sigamos à personagem que para mim sintetiza uma forma de “contar a estória de uma loli de forma inusitada para o fã, sem desagradá-lo” (e destaco que só seria loli segundo aqueles que defendem que o lolicon é definível pelo traço, não pelo psicológico ou idade das personagens):

TRANSITANDO ENTRE O LOLI E O NÃO-LOLI:

Estudo de caso de Biscuit Krüger

Biscuit Krueger (Bisky ou Bisky-chan para os íntimos) é uma mulher de 57 anos, mestra do shingen-ryu (espécie de karate neste mundo ficcional) e é um hunter (caçador) de 2 estrelas. Na obra de Togashi, hunters são as criaturas mais poderosas, pois a seleção para se tornar um caçador são bastante rigorosas e secretivas; dentre os próprios hunters, aqueles que obtêm mais destaque (como possuir 2 estrelas de mérito, das 3 possíveis) são a nata em termos de poder e eficiência. Eis uma dessas pessoas, no frágil corpo que se contempla acima. Embora muito nos interessasse discorrer sobre todas as suas técnicas e um pouco do sistema de poder do anime, nos ateremos ao que é necessário para a discussão do lolicon (ou crítica ao lolicon) aqui.

Introduzida num momento tardio da estória, ela é supostamente, por alguns episódios, uma antagonista dos 2 co-protagonistas, garotos de 12 anos de idade (Gon e Killua): “Garotinhos são tão inocentes. E é tão divertido arruinar suas amizades…”, ela diz, de si para si, enquanto banca a stalker ou parte rumo à captura de suas presas, em sentido metafórico.

Porém, sua antipatia por ambos era só uma fachada para conseguir aproximar-se: testemunhando a inexperiência conjugada com o talento não-polido de ambos durante a missão em que os três estavam envolvidos (vencer um jogo entre caçadores numa ilha gigantesca), ela não pode evitar, dada sua natureza de “mãezona”, se converter de imediato em figura de mestre e conselheira para os dois (a segunda mestra oficial de nen da dupla – nen sendo o equivalente ao ki ou força vital neste universo). “Vou treinar vocês a partir de agora, e de graça. Mas definitivamente não pegarei leve!!” (aos dois) / “Por que coisas que brilham como pérolas polidas sempre aceleram o meu coração?” (para si mesma)

A primeira subversão vem do fato de que Bisky não é um “artefato”, “coisa”, cobiçado(a) por homens mais velhos e que ignora suas intenções (paradigma dos personagens ingênuos ou tapados), resiste ou tenta “transitar” entre os dois (tornando-se uma companheira coquete do bando). Antes, a relação dela com os personagens é absolutamente assexual – mesmo quando Gon e Killua pensavam que ela fosse apenas uma garota, como eles – Bisky não está em relação com homens mais velhos, então o estereótipo de loli fica comprometido –– por outro lado seu design evoca o lolicon… E, ao mesmo tempo, bem no princípio parecia que ela seria a predadora e eles os predados… Dupla, tripla subversão…

Cedo na estória – desde a introdução de Biscuit, i.e. – o espectador aprende algo que os garotos continuarão ignorando por um bom tempo, através de outro personagem (Gon, em realidade, a série inteira; Killua sendo o único a desvendar o segredo, eventualmente): Binolt, um assassino infiltrado no jogo, possui o talento de aprender tudo sobre o físico e mental de seu adversário ao comer fios de seu cabelo. É nesse momento que o personagem ergue sua guarda e entra em desesperação, pois ao “comer” alguns cachos de Biscuit após cortá-los com sua tesoura de assassino, se dá conta de que seu alvo não é uma pobre e vulnerável criança, mas uma verdadeira senhora in disguise, a Loba e não Chapeuzinho num vestido mais claro… Porém os motivos de por que Biscuit é ou está dessa maneira são ainda obscuros para o expectador por mais alguns episódios… Pode ter a ver com sua técnica antropomórfica, uma espécie de boneca espiritual massagista que ajuda usuários de nen a relaxar e conservar por mais tempo a juventude… Mas isso fica como hipótese ou conjetura – e ainda não explica o ar cutesy e a falta de intenção de Bisky de confessar sua idade (ela até a revela para os garotos, mas há evidentemente alguma peça faltando, e isso aumenta a intriga de quem acompanha a trama…).

Como caçadora de tesouros, ela ingressa na ilha atrás de uma das cartas, que para o vencedor será convertida no item que contém; mas durante a competição, ao treinar os protagonistas, o presente sai melhor do que a encomenda: ela descobriu duas jóias humanas que ajudou a polir. Sua personalidade deliberadamente astuta e mentirosa num corpo “que não deveria ser o seu” é o cerne da personagem. E o talento de Biscuit para ludibriar é atestado quando o grupo é forçado a se aliar temporariamente com uma figura ambígua, pode-se dizer, um rival do tenro passado de Gon: o veterano e caprichoso hunter Hisoka. Bisky percebe instintiva e instantaneamente que ele mente, porque está acostumada a mentir e enganar pessoas, sendo sincero no que diz, mas escondendo coisas dos garotos. Ela própria consegue enganá-lo, ou mantê-lo curto na coleira, demonstrando que é mestra no quesito.

Vários eventos depois, fica claro que para ganhar o jogo o trio teria de lutar fisicamente com um esquadrão terrorista que estava mais perto de coletar as cartas necessárias para se sagrarem campeões. O problema é que esse trio de rivais não cogitava a possibilidade de dividir o prêmio nem travar um duelo honroso, recorrendo a táticas extremas, manipulando e matando suas vítimas se necessário. E – um dos charmes do anime em todo seu curso, aliás – Killua e Gon especialmente são mais fracos que os três adultos: eles são hunters (o que já é excepcional o bastante) crianças tentando sobreviver entre outros hunters adultos. Pelo menos dessa vez eles estão acompanhados de Bisky, que sabe muito bem o que fazer. O trio forma um plano cuidadoso e há lutas individuais para sanar a situação (o grupo de Gon não cederá as cartas a Genthru, o Bomber, usuário de um nen com características literalmente explosivas). No momento mais fenomenal da personagem, Biscuit se isola com um dos lutadores do trio Bomber. Ele não entende por que ela se afastaria de seus amigos, se isso a deixaria em visível desvantagem, afinal ela era a “menininha” do trio. Mostrando seu grande trunfo, ela responde que seu oponente é um tolo e não percebeu a diferença de nível de poder entre os dois: ela quer eliminá-lo sem testemunhas (nesse momento Bara, o alvo, sente o suor frio descer-lhe a nuca). Bisky começa a reverter de forma: seu corpo adquire uma massa incomparável e ela libera sua verdadeira força, ficando com este aspecto:

Com um só soco ela deixa seu adversário inconsciente – parece que não precisava matá-lo, afinal de contas. Mas antes disso ele havia, de olhos arregalados, perguntado por que ela se escondia sob a aparência de uma criança. Ela diz que tem dois motivos: 1) esconder seu real potencial dos inimigos; 2) ela odeia sua aparência verdadeira e pouco feminina. O tropo que Togashi gostaria de comentar fica aqui muito mais claro: por conveniência, até personagens que não são loli gostariam de ser loli se pudessem, sendo algo esteticamente mais aprazível e bastante vantajoso num shounen ou coisa do tipo (mangá de batalhas). É como uma queda da quarta parede na discussão do lolismo. Gostaria de me estender ainda mais sobre essa personagem fascinante que ainda ajuda os dois garotos-protagonistas ulteriormente no enredo, porém sairia do escopo do artigo!

Folha de designs de Bisky, incluindo sua “massagista de nen”, criatura artificial.

Coloração equivocada: não é tão raro nas adaptações mangá-anime. No mangá, obviamente, ela possui um design preto e branco, exceto quando aparece na capa (e o erro parece ter decorrido daí mesmo, cf. capa do volume 15, que não deve ter tido a aprovação prévia de Togashi), que DEVERIA CORRESPONDER à iteração mais conhecida de Bisky (o anime iniciado em 2011, retificado). Antes disso, porém, o anime de 1999 (num arco OVA) a representou com base no cabelo e olhos colorizados de forma errônea na capa do vol. 15, em que aparece com mechas castanhas e íris azul no lugar dos olhos rosa e cachos louros canônicos (talvez internamente não tenham entendido que Togashi quis realmente posicionar apenas a boneca que serviu de inspiração para o design da personagem como cover da edição, e não a personagem per se!). Essa Bisky “equivocada” dos anos 90 é hoje considerado um design mais realista (?) devido às cores mais escuras e expressões mais sérias dos rostos como eram a praxe então.

Um exemplo mais moderno, ainda “em execução” ou “em andamento”, do “tropo comentado/invertido” da loli ou do pós-loli, como eu batizaria, é Jewelry Bonney de One Piece. Esperaria o término do mangá ou de sua participação no mangá antes de uma análise idêntica à que fiz com Bisky.

FUTURO E INOVAÇÕES?¹

¹ Este tópico do Wikipedia já estaria mais para “passado”, por isso eu o abreviei aqui.

O lolicon é proeminente hoje no Superflat,¹ a uma espécie de escola de arte fundada por Takashi Murakami. Entre os desenhistas desse movimento encontramos Mr. (esse é o nome estilizado do artista!) e Henmaru Machino (Darling 2001). Murakami ficou famoso por promover um ensaio de fotos com Britney Spears na temática lolicon¹ para a capa da revista japonesa Pop (Ashcraft 2010).

¹ Sobre o SUPOSTO envolvimento da pop idol ocidental e Princess of Pop em controvérsias relativas à sexualização de under-age girls no Japão (!), vide a partir do 3º parágrafo do tópico “ANATOMIA DO LOLICONISMO”, abaixo!

LOLICON X MOE

A resposta típica a moe characters seria o amor platônico. No lolicon isso não é tão simples. Estamos presos numa tempestade nebulosa aqui: o moe está incluso, inclui o lolicon, ou ambos são antagônicos, ou interpenetram-se em alguns pontos? Por exemplo: em Neon Genesis Evangelion, qual é o “coeficiente de sexualização das personagens”? Das colegiais e da principal adulta da trama, Misato, que num spin-off beija o protagonista Shinji de 14 anos de idade (para apimentar aqui a discussão), um beijo romântico, não apenas “selinho” – na cena, a personagem adulta sabia que morreria nos segundos subseqüentes e que o destino da criança era provavelmente o mesmo… na sua opinião isso atenua o impacto do “beijo molhado” na cena? Asuka e Rei, para começo de conversa, são moe ou loli? É possível que sejam moe e loli? O que elas insinuam e não mostram pode ser catalogado como “do gênero”? Por exemplo, não vemos nada erótico partindo de Asuka, vemos cenas semi-eróticas de Rei; por outro lado, Asuka fala quase sempre em sexo, e Rei é “frígida” e andrógina. São designs fofos, mas são também atraentes para o público masculino mais velho? E qual das pulsões prevalece no final, se é possível dar uma resposta unívoca? O autor de Neon Genesis Evangelion evoca em várias entrevistas a vontade de subverter o próprio gênero anime como um todo, quem dirá as sub-noções a ele atreladas de moe e lolicon – porém não podemos deixar o autor falar pela obra, até porque: 1) ele pode estar errado; 2) pode estar apenas fazendo campanha de marketing, autopromoção. Para complicar a equação, Shinji tem um envolvimento homoerótico velado – talvez interpretável como narcisismo, uma vez que a criatura em questão, Kaworu, não é humana, é, aliás, no lore de Evangelion, um anjo, denominação per se de entidades assexuadas – no anime clássico; mais explícito nos filmes Rebuild – mas não se consuma, é um relacionamento platônico. Já com Asuka, o “herói melindroso e realista” Shinji divide seu primeiro beijo…

Com o perdão da rima, menos em comum com o moe/loli, mais em comum com a estética adulta e angular de Sailor Moon. Além disso, Asuka “se transforma” num mecha, componente essencial dos anos 70 resgatado por Anno 20 anos depois.

Kaworu Nagisa, “o último anjo” ou “a tentação final”, um anjo antropomorfo que dá a liberdade de escolha ao EVA-01 e provavelmente serve de gatilho para o fim do projeto da Instrumentalidade Humana (fim da individuação, e da humanidade como a conhecemos, o bad ending da estória).

A icônica cena no elevador entre Asuka e Rei, o que mais se aproxima de uma DR entre “amigas” em NGE.

Curiosamente, no último filme de Evangelion (Evangelion: 3.0+1.0 Thrice Upon A Time), que estende a estória original (na verdade contradizendo-a, inclusive no sobrenome de personagens como Asuka), Shinji, envolto no acidente que demarca o fim do antigo anime, fica suspenso em criogenia por alguns anos. A realidade que ele conhecia (se o anime já era pós-apocalíptico, digamos que este quarto filme da série final de Hideaki Anno seria pós-pós-apocalíptico em seu máximo) não existe mais. Todos os seus companheiros de escola se tornaram pessoas adultas. Mesmo o seu novo interesse amoroso (ou antes o interesse é que parte dela…), Mari Makinami (não mais Asuka) – que é capaz de se abrir quanto aos sentimentos mais íntimos, ao contrário de Asuka –, é uma mulher mais velha (não tanto quanto Misao, que já está morta) – menos Rei, mas Rei descobre não ser humana, num sentido bastante melancólico… Fato é que os personagens da trama foram tão deslocados do ambiente original que já não há qualquer traço de loliconismo feminino na produção (antes, há lolilaconismo, se puderem perdoar o poeta). A vedetização das heroínas em seus supersuits e supermechas obliterando Anjos (os “vilões” da narrativa) ainda são presença obrigatória, servindo de pretextos excitantes por alguns minutos, mas num soft adult mode, conjugado com o carisma moe de suas atuações e falas um tanto infantis ou menos pretensiosas que o enredo total no meio das trocas de tiro.

Redesign anos 2010 de Asuka e a personagem-piloto exclusiva da tetralogia Rebuild of Evangelion, Mari Makinami (“retirando sex-appeal da piloto-mulher”, diriam alguns). Sobre Asuka Langley: “O character designer, Yoshiyuki Sadamoto, concebeu Asuka para ser a protagonista da série, mas ao contemplar melhor as opções percebeu que haveria muita verossimilhança com outros animes já co-digiridos por Anno e desenhados por ele, como Gunbuster e Nadia.” Sobre este último anime, conferir a dinâmica do casal protagonista Jean-Nadia, dita como protótipo da relação Shinji-Asuka.

John Oppliger da AnimeNation identifica Ro-Kyu-Bu!, Kodomo no Jikan e Moetan como exemplos de séries que desafiam a distinção entre moe e lolicon mediante o uso de innuendos sexuais: “Satiriza-se a santidade casta do moe; “Essas produções não hesitam em brincar com os espectadores e demonstrar como as linhas demarcatórias entre loli e moe são puramente perspectivísticas e idiossincráticas”. Por fim: “O ’moe-style’ lolicon apresenta um erotismo leve e  domado, com meros traços gráficos eróticos, como vislumbres de roupa íntima, desistindo de qualquer cena sexual propriamente dita”

¹ TERCEIRO ESTUDO DE CASO?

Bom, quase tudo sobre isso eu já expressei em minha análise de NGE acima. Gostaria de citar Kill la Kill como outra produção (também do estúdio Gainax, não há coincidência aí) como obra (deliberadamente) divisiva, com uma protagonista andrógina, tomboy, voz grossa – demorou até o episódio 2 para eu identificar que era do sexo feminino –, obrigada a vestir um uniforme de batalha sexy (ridiculamente sexy, over-the-top, como se diz na gringa, e que parece nada tapar, quase só mesmo os mamilos e a própria vagina) – uma entidade viva – para ganhar poderes, embora com o tempo ela se torne a melhor amiga do dito uniforme e o introjete casualmente, como faria uma sailor transformada. A protagonista, Ryuko Matoi, não deixa de lutar de maneira rude e bárbara, exibindo tantos panty-shots (panchira, grande tropo do gênero) quantos murros e golpes no estilo JoJo’s Bizarre Adventure old school ou Hokuto no Ken (protótipos da porradaria de macho alfa, com ligeiras nuances de romance bem no pano de fundo), ao contrário de Sailor Moon e seus movimentos de balé graciosos e magia ou os mechs envenenados e que entram em “modo berserk” de Evangelion (sendo, numa palavra, uma protagonista badass). Neste caso, porém, há um innuendo, como o artigo original do Wikipedia dizia – innuendo é insinuação –, de que, se há, o interesse amoroso de Ryuko é sua melhor amiga Mako, mas o final é “aberto” nesse sentido.

Numa só palavra, sendo grosseiro como não permite um artigo acadêmico: se Ryuko Matoi fosse de verdade, e se nós fôssemos outro personagem do enredo, preferencialmente um(a) colega de sua idade, gostaríamos tanto de abraçá-la, compadecendo-nos de seu indizível sofrimento emocional durante a saga, quanto de fodê-la e de sermos seu/sua namoradinho(a) e andarmos de mãos dadas por aí. De novo a Gainax acertou no meio da cultura otaku, com bombas de efeito moral (pun intended) capazes de confundir os próprios otakus-receptores tanto ou mais que a crítica especializada e as autoridades “policialescas” (já que não podemos dizer que haja padrecos ou crentes “enchendo o saco” por bobagens no Japão como os há por aqui).

Nota extra: meu primeiro pensamento sobre a série, confirmado, diria, em sua maior parte após terminar de assistir o curto anime, foi que Kill la Kill é a mais ambiciosa e mais bem-conduzida paródia-hômage a Sailor Moon jamais produzida. Se pode ser argumentado qualquer ponto antitético a essa tese e “pró-moe” em relação a Kill la Kill é que apesar de ser mais velha que uma sailor no começo da estória de Takeuchi (14), Ryuko, 17, parece mais jovem.

A comilona Mako Mankanshoku: essa cena faz sem dúvida referência ao último episódio de Evangelion clássico, em que, após a recusa da instrumentalidade humana, Rei aparece correndo para a aula atrasada, também com trajes azuis, segurando uma torrada com a boca.

ANATOMIA DO LOLICONISMO E MESCLA COM DADDY ISSUES OCIDENTAIS

(Inútil, inútil, inútil!…, diria Dio Brando)

Akira Akagi identificou 5 temas primordiais dos lolicon mangas em sua análise de 1993: sadomasoquismo, “objetos tentaculares” [agora eu ri] (literalmente tentáculos aliens ou robôs em formato peniano), fetiches “mecha” [isso não estaria incluso no tema anterior?] (fusão máquina-mulher), paródias eróticas de animes e mangás do mainstream e “material simplesmente indecente ou pervertido”, observando também [mas que observador tendencioso… quase me arrependo de tê-lo colocado nesse artigo, pois ele retirou a discussão das profundezas oceânicas e a atirou na superfície de uma piscina de plástico!] “lesbianismo” e “masturbação” [ou seja, esse autor carola considera que lolicon representa tudo que é degenerado, e na mente de pessoas caducas tudo é degenerado… mesmo o amor sáfico ou o ato de masturbar-se!]. O crítico de mídia [creio que a esse ponto da minha matéria, que traduz alguns trechos da Wikipedia, devo esclarecer que no Brasil essa expressão certamente seria substituída por “antropólogo” ou “sociólogo”, que são as faculdades que formam os críticos dos mass media por excelência – nada tem que ver com jornalismo, embora um jornalista possa ser crítico de mídia também…] Setsu Shigematsu argumenta que essas formas de substituição e mímica possibilitam ao lolicon “transformar o sexo heteronormativo e tradicional numa paródia completa da sociedade”. Obras mais extremas neste universo figuram ainda coerção, estupro, incesto, bondage [já foi citado acima em sadomasoquismo] e hermafroditismo [não há nada de extremo nisso!!!], este último tópico corroborado por Matthews 2011.

Nagayama, terceiro estudioso citado neste subtítulo, diz que maioria dos mangás lolicon PORNOGRÁFICOS [agora sim foi traçada uma linha, porque o lolicon-sem-mais não pode ser resumido aos atributos do parágrafo precedente de forma alguma] lidam com “a consciência do pecado”, ou servem como sensibilizantes de tabus, da culpa e da compulsão [isso por si só explicaria sua origem específica na sociedade japonesa – mas hoje trata-se de fenômeno mundial]. Alguns mangás retratam a mulher como a beneficiária da experiência libertadora como resultado, a parceira realmente ativa da relação, a sedutora de homens. Noutros, o tropo e a realidade misógina do “homem como mal absoluto que preda vítimas indefesas” têm mais relevância. Seria uma exposição nua e crua da fragilidade dos personagens, ou quase sempre das personagens, das mulheres. O autor alega que se um mangá mostra o sexo entre duas crianças estaria isento da “consciência do pecado” validado pela inocência mútua do ato, além de evocar no leitor nostalgia e uma visão idealizada do passado, mais puro. Outros mangás tentam instilar esse desejo de nostalgia-agora, de repetir a infância, na psique problemática de seus personagens, principalmente nos mais abstratos em termos de estória e também character design. Mas Nagayama alerta: “É só porque é ficção e porque a ficção se distingue claramente da realidade que alguém experiencia a parte moe, estando implícito na fala que a “parte lolicon” é o resto maldito da equação. Não saberia o público (especificamente lolicon) apreciar a diferença entre ficção e realidade mais – teria perdido essa capacidade, que presumo inata no homem?

O governo da cidade de Tóquio já lançou campanhas maciças de banimento de artes eróticas questionáveis em animes, mangás e videogames. Durante um destes fuzuês que parecem cíclicos, My Wife Is A Grade Schooler [Minha Esposa é uma Colegial], mangá hoje fora de circulação, foi lançado. E esse trabalho foi a maior vítima da campanha. Quando o mangá foi mostrado na TV (não como anime, mas em canais de notícia, que filmaram suas páginas), post-its foram usados para censurar os locais mais sugestivos das caricaturas. Porém, aí ocorreu um efeito histérico reverso: os tais post-its induziram o público a imaginar as cenas ainda mais sugestivas do que eram de fato. O mangá era de “humor extremo” ou gag manga e criticava o cinismo da sociedade japonesa, incluindo sua hipocrisia pedofílica. Não são poucas as teorias de que o mangá foi parar no noticiário para servir de bode expiatório para toda uma geração de content creators, mas, novamente, o público underground passou a ter mais acesso à obra graças a essa tática asinina (mostrar o que se quer esconder… e mostrar apenas de forma censurada). Faremos um cruzamento inesperado do mundo totalmente japa ao mundo mais american way impossível ao descrever a capa do primeiro tankoubon de My Wife… como bastante alusivo a uma série de fotografias da super pop idol Britney Spears… Com efeito, a ascensão de Britney ao estrelato coincide com a exportação definitiva (segunda, terceira onda, não importa qual onda, mas dessa vez sem a recessão das outras, pois que vige até o momento) do modelo mangá-anime-videogames com estética japonesa traduzidos para os nossos continentes. Basta ver que digitando-se o nome do mangá “proibido” o google remete primeiro a sites sobre Britney Spears. Como se deu essa súbita associação transoceânica inimaginável? Não sei se essa capa e esse material é tão difícil de encontrar mesmo hoje na internet, mas vejo paródias-de-paródias como “If my wife became a high school student…” aparecendo na pesquisa… o que isso conota é o famoso meme: a namorada pergunta ao namorado: “Você ainda me amaria se eu virasse um verme?”. E creio que fique no terreno do meme. Ou, o que é mais grave e sensacionalista por parte da mídia ocidental, existe a hipótese de que o título japonês sempre tenha comportado a restritiva “se…” e que não estejamos falando de um mangá que parodia um gag manga, i.e., o círculo completo da auto-paródia, mas apenas de um e mesmo produto, da década passada, conforme encontrei visualmente na seguinte forma:

No que isso divergiria de um Goku magicamente transformado em criança num shounen absolutamente de classificação livre, ainda casado com uma idosa, faz meu cérebro coçar… pois não há resposta possível! Talvez o problema seja que a estória aqui contada seja mais interessante que Dragon Ball GT (uma chance de mais de 99,9%)… Realmente indignante para os puritanos. Desculpe não manter um tom neutro, mas às vezes a neutralidade é mentirosa, e aqui a desfaçatez da “discussão” (nem chamaria disso) ultrapassa todos os limites da inocuidade das picuinhas humanas… Que políticos japoneses percam tempo com esse tipo de palavrório contra “esse tipo de mangá” em vez de convencer sua população de que precisam de emigrantes (do ponto de vista do resto do globo), e jovens, e racialmente ecléticos, isso sim me deixa possesso! Uma sociedade que prefere, sendo uma exportadora de cultura, deixar-se morrer aos poucos por pura e simples xenofobia… Não deixa de ser irônico!

Mesma mochila vermelha, [parece que a obra da capa acima É a original; logo, a tradução anglófona da Wikipedia conduz a um erro fatal] mesma camisa de malha azul, vestido de noiva tal qual. Não é coincidência. Murakami, fotógrafo, dentre outros ofícios, e Seiji Matsuyama, o autor de My Wife Is A Grade Schooler (IF MY WIFE WAS, retificando, o que é grotescamente diferente, ainda mais no mundo da ficção – aliás, IF já denota que é ficção!), estiveram conversando no twitter sobre fotografia e sua relação com mangás ero. Matsuyama postou alguns links da Pop Magazine em seu website, com trabalhos que ele realizou como freela. Matsuyama chama suas criações de “Takashi Murakami x Britney Spears x My Wife Is A Grade Schooler collaboration” (uma tríade do mangá do polêmico autor, do ditocujo autor e do fotógrafo avant-garde com a cantora – diria influencer se essa palavra já existisse até seu auge lá pelos 2007 – que mais vendia no momento, e ainda sustenta inúmeros recordes que, se pensarmos nas mudanças no mercado da música, parecem inquebrantáveis para sempre). Murakami defende no twitter que esse tipo de projeto se destina precipuamente a indicar que mangá é arte. Aqui eu pego o bonde sensacionalista de um artigo da Kotaku (que não sabe se é pró-ocidente, pró-oriente, anti-todo mundo, site de fofoca, de games…).¹ Ashcraft (jornalista da Kotaku) pondera, a respeito:

“Se a legislação [japonesa] sobre crianças virtuais deveria ter passado [sido aprovada] ou se essas imagens são arte ou pornografia [veremos abaixo que COM CERTEZA não são (mais) pornografia, in this day an age, e felizmente!] está além do escopo deste artigo [5 parágrafos mal-redigidos!]. O que está em discussão aqui é se Britney Spears ‘sabia o que estava fazendo’. Ela sabia que estava participando? [em quê, esclareça o leitor! nas filmagens de Eyes Wide Shut, de Kubrick por acaso?!?] Estava por dentro do plano? Que essas imagens nessas fotografias estão conectadas ao que alguns críticos [que críticos?] estão chamando de pornografia infantil?”

Título isentão da matéria: Was Britney Spears Bamboozled Into Virtual Child Porn Protest Art?

¹ Pergunte-se por que Tim Rogers, o mais celebrado resenhista de lá, pulou do barco e hoje consegue muito mais audiência em seu canal-solo no YouTube!

MINHA PRAGMÁTICA E SUPRAMORAL OPINIÃO SOBRE TODA ESSA POLÊMICA-CHINFRIM, NÃO SEM ANTES APRESENTAR AS TAIS FOTOS DO “POLÊMICO” ENSAIO DE BRITNEY POR MURAKAMI, SE É QUE PRECISA (Hollywood, você já foi bem melhor com suas vedetes!):

Uma coisa podemos dizer: não é uma mulher recatada e do lar! Ah, e nem de longe as poses mais provocativas da diva, sou obrigado a dizer a quem não sabe ainda… Acho que homens babões atrás de mero fetiche imagético ficaram bastante decepcionados… E peraí… quantos anos Britney tem aqui? “Pornografia infantil”?!? Faz-me rir!

Se algo o desagrada, você, leitor, censor, ou se algo soa-lhe eticamente inconveniente, ignore, faça shadow ban, mas NÃO TENTE SUPRIMIR O MATERIAL com a ajuda de leis governamentais – isso fomentará a circulação do material de forma ilícita. Esse raciocínio ÓBVIO ainda não chegou à mente da maioria do público nem muito menos das autoridades escandalizadas, por sinal, daí a profusão de polêmicas inócuas com que lidamos! E especificamente sobre Spears: não subestimem a inteligência desta mulher e artista! “Sim e não”, caro Ashcraft (repórter homem sem qualquer tipo de suscetibilidade ou mesmo libido, imagino, o que inclui senso artístico); ela sabia “no que estava se metendo”, mas sua opinião era de que essas fotos ingénues nada tinham a ver com pornografia infantil, nem com pornografia dela mesma – fim do debate e da “polêmica”!

Meme que flagrei hoje, 20 de janeiro de 2024, na minha timeline: “If my father was a…?” parece ser a “idéia” central, para além de algumas referências implícitas a alguns animes para quem souber saborear os detalhes. Memes não possuem uma lógica que deva ser encarada com um códice moral ou olhar de julgador, simplesmente se ri deles ou se os ignora… Quanto mais eu demorar para publicar este artigo, mais referencial memético encontrarei para acrescentar, então é melhor terminar de uma vez!

PALAVRAS FINAIS, POR ORA

(estou ficando cansado…)

Em 2014 estabeleceu-se que obras lolicon ficariam de fora das leis de restrição japonesas em pornografia infantil. Um jurista do caso declarou que “Pornografia de mangá, anime e feita em CG [computer graphics] não viola diretamente os direitos de garotas e garotos. Não foi cientificamente validado que esse material possa vir a causar danos mesmo de modo indireto. Sem essa validação, punir autores, veiculadores e usuários se torna ditatorial”.

Estatisticamente, o abuso de menores está em queda no Japão desde os anos 60-70, justamente anos do boom lolicon. McLelland diz que “garotos” ou “garotas”, personagens desse tipo de mídia, são na verdade a hipóstase de um “terceiro gênero”. Steven Smet defende que o lolicon é um “exorcismo de fantasias” que inclusive ajuda a explicar a queda da criminalidade sexual no país. Galbraith sustenta ainda que esse tipo de arte e movimento, tornando-se profundo, promove o debate aberto dos temas da otaku culture com os meios de comunicação de massa, pondo a descoberto seus principais problemas éticos.

Um estudo de 2012 da Sexologisk Klinik (governo dinamarquês) não encontrou evidências de que desenhos que ilustrem explícito abuso sexual de crianças conduzam a abusos no mundo real. Sharalyn Orbaugh defende que mangás que contêm menores vítimas de abuso ou pelo menos engajados em atividades sexuais podem ser uma ferramenta de auxílio para menores que foram vítimas lidarem com o trauma.

Hiroshi Nakasatomi, do campo do direito, diz que a estética lolicon pode distorcer os desejos sexuais do leitor e induzir a crimes [alguém do direito falando em causa-efeito de forma tão simples, quanta novidade!]. Nakasatomi crê ainda que esse tipo de arte viola os direitos da criança, visão compartilhada pela ONG CASPAR (fundada em meio à repercussão do caso do serial killer Miyazaki).

A feminista Kuniko Funabashi entende que o lolicon contribui, sim, para a violência sexual por iconografar principalmente garotas em posições passivas e subordinadas e “apresentar o corpo feminino como uma posse do homem”. Mais um do Direito, o sr. Shin’ichirou Harata, toma o cuidado de ressalvar que qualquer lei sobre o assunto não pode indistintamente tratar material ficcional e real sob o mesmo crivo, cabendo ao “fã” ter discrição e “noção da quarta parede” em trabalhos potencialmente ambivalentes. Este jurista acredita que há ética no meio, e que o selo moe representaria justamente o lado ou metade “mais benigno(a)” deste universo, sendo o baluarte de uma ética otaku (a segunda vez que lemos essa opinião nesta espécie de suma de resenha crítica que vimos desempenhando).

Dilton Rocha Ferraz Ribeiro analisa que até o momento atual leis para restrição e leis que são contra restrição de materiais lolicon se mantêm estáveis nos últimos anos, sem tendência para reviravoltas acentuadas seja para um lado, seja para outro. Catherine Driscoll e Liam Grealy acreditam que há pressão internacional sobre o Japão para aprovar leis de censura e que no direito local tende-se a falar de um “excepcionalismo cultural” aplicável à cultura nipo. Deveríamos nos perguntar também por que legislações anti-armamentistas aprovadas pela própria ONU não encontram qualquer salvaguarda nos Estados Unidos da América, se não queremos ser aqui hipócritas!

Alguns mangakás e estudiosos dos mangás comparam o caso do lolicon (obviamente a taxa de pedófilos entre os leitores é muito baixa, como em qualquer segmento social) com a do público yaoi: a maioria dos leitores habituais desses mangás com enredos homossexuais masculinos é composta por heteros. Uma preferência literária não-condizente com a sexualidade cotidiana, portanto.

O teórico queer Yuu Matsuura (não confundir com o personagem fictício de mesmo nome) afirma em alto e bom som que personagens 2D são artefatos não-humanos e que desejo orientado a tais dispositivos não é qualificável como desejo sexual, a não ser que fosse de uma outra espécie não-humana, não-animal, figurativa, nova, sem precedentes, mesmo no campo do imaginário (pois é diferente até de ler um romance de cavalaria e sonhar com uma consumação platônica ou carnal). Matsuura diz que quem qualifica lolicon como “pornografia infantil” incorre num conceito para isso por ele formulado, “hiper-sexualismo antropomorfo”(*), alegando que há mais na natureza e nas pulsões humanas que essa visão clássica e ultrapassada. Segundo Matsuura essa tendência possui implicações bem desumanas, quer seja, a marginalização dos classificáveis como adeptos do nijikon, palavra que apareceu mais cedo no texto quando expusemos Galbraith (se quisermos passar grosso modo por esse conceito sem perder tanto de seu conteúdo originário, pensar basicamente na categorização “assexual” que cunhamos no Ocidente em tempos recentes). Só o que sabemos é que, enquanto seres vivos, temos pulsão-por-algo, esse algo não necessitando ser de nossa espécie, ou mesmo tridimensional, ou real.

(*) 対人性愛中心主義, taijin seiai chūshin shugi.

Akira Akagi entende que de décadas para cá a idealização do herói típica do público masculino sofreu intensa metamorfose (fenômeno ligado à decadência do gekiga): “Leitores de lolicon não necessitam de um pênis para ter prazer, eles sentem necessidade de êxtase por uma garota. […] Identificam-se COM A garota, e sentem com isso um prazer que o Ocidente até Freud classificaria de masoquista”. Gō Itō vai além e diz que já ouviu em entrevistas com mangakás: “A criança loli que eu desenhei sendo estuprada era eu”. Ele entende esse tipo de comentário, generalizadamente, como uma metáfora: o sujeito sendo estuprado pela sociedade e seu grito de protesto.

Kaoru Nagayama complementa essas posições dizendo que o leitor de lolicon não é estático e flui entre a perspectiva do observador voyeur onisciente e insensível num segundo para no outro identificar-se com cada personagem da trama e seus sofrimentos ou deleites, fazendo sínteses existenciais dessa experiência em poucos instantes. Co-autora do Book of Otaku (1989), a feminista Chizuko Ueno entende que o lolicon, sendo uma orientação clara para o bishōjo fictivo, é “completamente alheio à pedofilia”, e não perdeu a essência cute atribuída ao fenômeno moe em nenhum momento de sua evolução. Teria sido, sim, uma resposta masculina, dos que se sentiam excluídos dessa estética mais “fofa”, para também passarem a fazer parte do circuito bishoujo, apesar da demografia das editoras inicialmente direcionar-lhes apenas material shoujo. Em outros termos, o “homem”, para o “japonês médio”, já não é o mesmo, dos anos 50 para cá. Isso é tão óbvio, e tão corrente para nós, que até esquecemos que o Japão viveu um sistema rígido de patriarcado muito mais severo e estendido que os nossos diferentes patriarcados (considerando os dois tipos de colonização da América, a Europa, a Oceania, a Rússia, etc.), e que a revolução de costumes deles, ao menos nos meios de expressão artística, foi muito mais acelerada.

Partindo para a análise da sexualidade japonesa e deixando um pouco de lado os mangás, abstraindo o fenômeno evidente de que “a arte-influencia-a-vida-e-a-própria-arte” por um parágrafo apenas, e considerando somente as mudanças sociais e seus efeitos na arte (análise de causação linear), o sociólogo Kimio Itou atribui a emergência do lolicon às mudanças progressivas das relações intergênero no país. Para Itou a resposta mais óbvia que a juventude masculina japonesa do pós-guerra encontrou ao se sentir inferiorizada e imatura diante de mulheres cada vez mais independentes e assertivas, liberadas para o mercado de trabalho, foi procurar um refúgio imediato em formas de arte em que “dispunham de objetos passionais ainda fáceis de administrar, como na época de seus próprios pais [pais no coletivo de ‘apenas homens’] para com suas esposas submissas”. Eixo simplista de pensamento, como o dos que espumam por uma isonomia completa entre material de ficção e realidade para punição por pedofilia, porém agrega à discussão, sem dúvida, pois é uma das facetas do fenômeno.

Kinsella, informado pelo comentário de Itou, concorda, mas diz que há obviamente a influência feminina: a parcela das consumidoras mulheres também se interessa por ver homens mais vulneráveis e “desnudos”, mais convincentes e vulneráveis, em suas estórias, o que efetivamente acontece nos mangás que derrubam os tropos clássicos do shounen. Kinsella resume: o lolicon é um modo de lidar com a ansiedade social, prevalente na sociedade japonesa, em que participam ambos os sexos.

Este artigo é parte de uma série de traduções da Wikipédia inglesa sobre animes ou tópicos tangentes, mas acrescento ou removo detalhes ou conteúdos conforme minha predileção – a ponto de o artigo final se tornar quase irreconhecível se cotejado ao artigo da Wikipedia, tantas modificações e inserções eu faço. De fato, se tornou meu artigo em vez de apenas mera tradução. Às vezes – mas não sempre –, com o intuito de facilitar ao leitor, grifo os trechos mais pessoais de azul. Meus hiper-links não conduzem ao próprio site wikia, mas a outros artigos do rafazardly ou do seclusão (meus blogs), quando presentes.   

próximo da série “anime & mangá”: O QUE É SHOTACON? (o oposto diametral de LOLICON, ou antes a complementaridade de sexo do LOLICON, i.e., o mesmo fenômeno, só que espelhado para o masculino)

[ARQUIVO] A TEIA DE ESCOLHAS E DETERMINISMO NAS TEMPORADAS MAIS RECENTES DE LOST

Originalmente publicado em 11 de maio de 2009.

A despeito da atratividade da idéia de que se pode viajar para o passado, o autor dessa série escolheu o fatalismo, a irrevogabilidade das culpas: o passado refeito é exatamente o passado que havia sido feito! Um círculo histórico fechado.

Paradoxo do avô – mato meu avô quando meu pai sequer havia nascido. Mas e então? Resposta: não matei, eis o impossível. O que está no passado é imutável. Significa que qualquer viagem no tempo “já houve” nesta época para onde se viajou. Você já esteve diante do seu jovem avô, apontou-lhe a arma, a bala pegou de raspão, você voltou à máquina e quando perguntou a seu pai se o pai dele já havia sofrido um atentado à vida, ouviu falar do maluco que era você.

APLICAÇÃO NA ILHA Nunca começa, mas eis o universo. Os viajantes que “aparecem do nada” e assumem cargos. Normal do ângulo dos nativos. Ah, o Ben sabia que um avião viria a cair ali… A primeira rixa, do ângulo do Ben, entre ele e Sayid foi: “Sim, sou um assassino!” – tiros no peito. “Por que aquele homem, dos outros, me agrediu?” Sem embargo, como mostrou o desenrolar do capítulo sua memória infantil foi extirpada. Todos os “novos dharma” estarão envolvidos na questão do massacre, mas é de se pensar quantos anos ainda faltam. Mais reflexões poderão ser ensaiadas por essa mente balbuciante assim que flashes do futuro forem exibidos (Locke x Ben; Sun, a esposa do desaparecido Jin, etc.).

* * *

Originalmente publicado em 8 de junho de 2009.

A viagem nº 1 de Desmond não foi como a de todos os outros. Ele foi para o futuro, mas se estava lá não podia morrer no passado. Daniel sofreu na carne ao subestimar, com seu novo corpo, sua sina.

ESSAYS ON SUICIDE AND THE IMMORTALITY OF THE SOUL – Hume, 1755 (1783, edição comentada de um eclesiástico desocupado!). BÔNUS: fragmentos da ELOISE de Rousseau, em inglês.

NOTA DO EDITOR

Hume’s essays on the suicide and the immortality of the soul were completed around 1755 and printed as part of a book of essays titled Five Dissertations. When pre-release copies of Five Dissertations provoked controversy among influential readers, Hume and his printer Andrew Millar agreed to have the 2 essays physically removed from the printed copies. (…) Rumours about the 2 withdrawn essays circulated for years, and clandestine copies appeared anonymously in French (1770) and later in English (1777). In 1783 the 2 essays were published more openly, and this time with Hume’s name attached. Like the 1770 and 1777 publications, the 1783 publication was not authorized by Hume. [e quem disse que precisava?] Along with Hume’s 2 essays, the anonymous editor of the 1783 edition included his own critical notes to Hume’s 2 pieces, and excerpts from Rousseau’s La Nouvelle Heloise on the subject of suicide.” “A copy of the original 2 essays as they were printed in Five Dissertations is in the possession of the National Library of Scotland. That copy contains 19 corrections in Hume’s hand and is Hume’s final surviving revision of the essays. None of these corrections appear in the 1783 edition.” Mau trabalho, editor! Aliás, veremos quão ruim é esse editor que sabia quão pouco “valia” ao ocultar seu nome no devido tempo!

ON SUICIDE

IF Suicide be criminal, it must be a transgression of our duty either to God, our neighbour, or ourselves. — To prove that suicide is no transgression of our duty to God, the following considerations may perhaps suffice.”

Every event is alike important in the eyes of that infinite being, who takes in at one

glance the most distant regions of space, and remotest periods of time.” Tudo importa. Até Hume viu isso. Schopenhauer, que elogiou este artigo, não o viu! Não importa que um cristão ou um fenomenólogo o diga.

judgement” “judgment”

burden” “burthen”

Formas americana e britânica da ortografia, respectivamente. Realmente faltou uma revisão minimamente competente do material!

What is the meaning then of that principle, that a man who tired of life, and hunted by pain and misery, bravely overcomes all the natural terrors of death, and makes his escape from this cruel scene: that such a man I say, has incurred the indignation of his Creator by encroaching on the office of divine providence, and disturbing the order of the universe? Shall we assert that the Almighty has reserved to himself in any peculiar manner the disposal of the lives of men, and has not submitted that event, in common with others, to the general laws by which the universe is governed? This is plainly false; the lives of men depend upon the same laws as the lives of all other animals; and these are subjected to the general laws of matter and motion. The fall of a tower, or the infusion of a poison, will destroy a man equally with the meanest creature; an inundation sweeps away every thing without distinction that comes within the reach of its fury.”

In order to destroy the evidence of this conclusion, we must shew a reason why this particular case is excepted; is it because human life is of such great importance, that ‘tis a presumption for human prudence to dispose of it? But the life of a man is of no greater importance to the universe than that of an oyster.” “If I turn aside a stone which is falling upon my head, I disturb the course of nature, and I invade the peculiar province of the Almighty, by lengthening out my life beyond the period which by the general laws of matter and motion he had assigned it.” “It would be no crime in me to divert the Nile or Danube from its course, were I able to effect such purposes. Where then is the crime of turning a few ounces of blood from their natural channel? — Do you imagine that I repine at Providence or curse my creation, because I go out of life, and put a period to a being, which, were it to continue, would render me miserable? Far be such sentiments from me; I am only convinced of a matter of fact, which you yourself acknowledge possible, that human life may be unhappy, and that my existence, if further prolonged, would become ineligible; but I thank Providence, both for the good which I have already enjoyed, and for the power with which I am endowed of escaping the ill that threatens me.”

When I fall upon my own sword, therefore, I receive my death equally from the hands of the Deity as if it had proceeded from a lion, a precipice, or a fever.” Suponho que tal ‘panteísmo’ fosse inaceitável em sua época, daí a censura!

JESUS CRISTO ESCOLHEU O SUICÍDIO, i.e., previu sua morte e não resistiu a ela (seria blasfemo que imitássemos o ato de Deus-enquanto-homem?): “If my life be not my own, it were criminal for me to put it in danger, as well as to dispose of it; nor could one man deserve the appellation of hero, whom glory or friendship transports into the greatest dangers, and another merit the reproach of wretch or miscreant¹ who puts a period to his life, from the same or like motives.”

¹ A edição traz “misereant”. Misery ant!

“‘Tis impious, says the old Roman superstition, to divert rivers from their course, or

invade the prerogatives of nature.¹ ‘Tis impious, says the French superstition, to inoculate for the small-pox,² or usurp the business of providence by voluntarily producing distempers and maladies. ‘Tis impious, says the modern European superstition, to put a period to our own life, and thereby rebel against our Creator; and why not impious, say I, to build houses, cultivate the ground, or fail upon the ocean?”

¹ Verdade seja dita, isso hoje seria um crime ecológico hediondo, a menos que estudos mostrassem de forma incondicional que isso beneficiaria a natureza e as populações em torno do curso original e do novo curso do rio!

² Resta-nos saber o que seria inocular a varíola…

But you are placed by providence, like a sentinel,¹ in a particular station, and when you desert it without being recalled, you are equally guilty of rebellion against your almighty sovereign, and have incurred his displeasure.”

¹ “Centinal” no original.

I ask, why do you conclude that providence has placed me in this station?” “But providence guided all these causes, and nothing happens in the universe without its consent and co-operation. If so, then neither does my death, however voluntary, happen without its consent; and whenever pain or sorrow so far overcome my patience, as to make me tired of life, I may conclude that I am recalled from my station in the clearest and most express terms.” De fato, o suicida seria especial nesse sentido: estaria em maior comunhão com deus no momento de seu ato supremo: poderia até se comunicar com ele, como uma sibila.

The difference to the whole will be no greater than betwixt my being in a chamber and in the open air. The one change is of more importance to me than the other; but not more so to the universe.” Lição de humildade, verdadeiramente.

A man may disturb society[,] no doubt, and thereby incur the displeasure of the Almighty: But the government of the world is placed far beyond his reach and violence.”

A MAN who retires from life does no harm to society: He only ceases to do good; which, if it is an injury, is of the lowest kind. — All our obligations to do good to society seem to imply something reciprocal. I receive the benefits of society, and therefore ought to promote its interests; but when I withdraw myself altogether from society, can I be bound any longer? But allowing that our obligations to do good were perpetual, they have certainly some bounds; I am not obliged to do a small good to society at the expense¹ of a great harm to myself; why then should I prolong a miserable existence, because of some frivolous advantage which the public may perhaps receive from me? If upon account of age and infirmities, I may lawfully resign any office, and employ my time altogether in fencing against these calamities, and alleviating, as much as possible, the miseries of my future life: why may I not cut short these miseries at once by an action which is no more prejudicial to society?”

¹ “Expence” no original.

A MAN is engaged in a conspiracy for the public interest; is seized upon suspicion; is threatened with the rack; and knows from his own weakness that the secret will be extorted from him: Could such a one consult the public interest better than by putting a quick period to a miserable life? This was the case of the famous and brave Strozi of Florence.”¹

¹ Strozzi, família itálica, rival dos Médici ou Medici. Banqueiros e posteriormente financistas e políticos. Tendo perdido na luta civil pelo controle de Florença, foram banidos e arruinados em 1434. Os Strozzi se recompuseram e posteriormente governaram Siena; houve então uma guerra entre Florença e Siena. Depois as famílias tiveram casamentos entre si – a família Médici, considera-se, teve mais benefícios dessa união que a primeira família. O evento a que alude David Hume é provavelmente este: “After the republic was overthrown in 1530 Alessandro de’ Medici attempted to win Filippo Strozzi’s support, but Strozzi declined and instead, retired to Venice. After the murder of Alessandro in 1537, Strozzi assumed leadership of a group of republican exiles with the object of re-entering the city but having been captured and subsequently tortured he committed suicide.”

He invades the business of providence no more than the magistrate did, who ordered his execution; and his voluntary death is equally advantageous to society, by ridding it of a pernicious member.”

I believe that no man ever threw away life, while it was worth keeping. For such is our natural horror of death, that small motives will never be able to reconcile us to it; and though perhaps the situation of a man’s health or fortune did not seem to require this remedy, we may at least be assured that any one who, without apparent reason, has had recourse to it, was curst with such an incurable depravity or gloominess of temper as must poison all enjoyment, and render him equally miserable as if he had been loaded with the most grievous misfortunes.” Um problema congênito no cérebro, diria Sakyo, O Apostador.

Um ensaio muito mais morno do que o esperado, mas pelo menos mantém Hume no esquadrão dos filósofos ocidentais que realmente merecem ser lidos, nem que uma só vez!

ON THE IMMORTALITY OF THE SOUL

Matter and spirit are at bottom equally unknown, and we cannot determine what qualities inhere in the one or in the other.” “Abstract reasonings cannot decide any question of fact or existence.”

As the same material substance may successively compose the bodies of all animals, the same spiritual substance may compose their minds” “The most positive asserters of the mortality of the soul never denied the immortality of its substance. And that an immaterial substance, as well as a material, may lose its memory or consciousness, appears in part from experience, if the soul be immaterial.”

what is incorruptible must also be ingenerable. The Soul therefore[,] if immortal, existed before our birth; and if the former existence no ways concerned us, neither will the latter.”

But if any purpose of nature be clear, we may affirm, the whole scope and intention of man’s creation, so far as we can judge by natural reason, is limited to the present life.” Se intenção houvesse, seria esse o caso. Acontece que não há nenhuma finalidade preconcebida (assada no forno para nosso consumo) na existência humana – o que não nos impede de viver o presente como finalidade.

WHAT cruelty, what iniquity, what injustice in nature, to confine all our concern, as well as all our knowledge, to the present life, if there be another scene still waiting us, of infinitely greater consequence?” Hume quer dizer, em poucas palavras: não haver céu e inferno não é objeção à imortalidade d’alma, se os padrecos insistem tanto em que a alma TEM de ser imortal; logo, não estou sendo um herege ao dizê-lo.

A pair of shoes perhaps was never yet wrought to the highest degree of perfection which that commodity is capable of attaining. Yet it is necessary, at least very useful, that there should be some politicians and moralists, even some geometers, poets, and philosophers among mankind.” Sócrates se sentiria orgulhoso da analogia!

ON the theory of the Soul’s mortality, the inferiority of women’s capacity is easily accounted for. Their domestic life requires no higher faculties, either of mind or body. This circumstance vanishes and becomes absolutely insignificant, on the religious theory: the one sex has an equal task to perform as the other; their powers of reason and resolution ought also to have been equal, and both of them infinitely greater than at present.”

Shall we therefore erect an elysium for poets and heroes like that of the ancient¹ mythology?”

¹ “Antient”

Punishment, according to our conception, should bear some proportion to the offence. Why then eternal punishment for the temporary offences of so frail a creature as man? Can any one approve of Alexander’s rage, who intended to exterminate¹ a whole nation because they had seized his favorite horse Bucephalus?”

¹ “Extirminate”

CILA OU CARIBDE: “HEAVEN and Hell suppose 2 distinct species of men, the good and the bad; but the greatest part of mankind float betwixt vice and virtue. — Were one to go round the world with an intention of giving a good supper to the righteous, and a sound drubbing to the wicked, he would frequently be embarrassed in his choice, and would find that the merits and the demerits of most men and women scarcely amount to the value of either.”

By the Roman law those who had been guilty of parricide and confessed their crime, were put into a sack alone with an ape, a dog, and a serpent, and thrown into the river. Death alone was the punishment of those who denied their guilt, however fully proved. A criminal was tried before Augustus, and condemned after a full conviction, but the humane emperor, when he put the last interrogatory, gave it such a turn as to lead the wretch into a denial of his guilt. ‘You surely (said the prince) did not kill your father.’ This lenity suits our natural ideas of right even towards the greatest of all criminals, and even though it prevents so inconsiderable a sufferance.¹ Nay[,] even the most bigotted priest would naturally without reflection approve of it, provided the crime was not heresy or infidelity; for as these crimes hurt himself in his temporal² interest and advantages, perhaps he may not be altogether so indulgent to them.”

¹ “Sufference”.

² O grifo em “temporal” é do próprio Hume.

The damnation of one man is an infinitely greater evil in the universe, than the subversion of a thousand millions of kingdoms. Nature has rendered human infancy

peculiarly frail and mortal, as it were on purpose to refute the notion of a probationary state; the half of mankind die before they are rational creatures. Muito bom – e lamentável sabermos sobre a alta taxa de mortandade infantil à época (ou queria Hume dizer que maioria dos adultos não passava de crianças grandes?)!

THE Physical arguments from the analogy of nature are strong for the mortality of the soul, and are really the only philosophical arguments which ought to be admitted with regard to this question, or indeed any question of fact.” Porque se uma “alma” reencarna ou transmigra, não faz sentido falar que é uma alma, se a memória lhe é extirpada.

The last symptoms which the mind discovers are disorder, weakness, insensibility, and stupidity, the forerunners of its annihilation.”

Trees perish in the water, fishes in the air, animals in the earth. Even so small a difference as that of climate is often fatal. What reason then to imagine that an immense alteration, such as is made on the soul by the dissolution of its body and all its organs of thought and sensation, can be effected without the dissolution of the whole?” “yet no one rejects the argument drawn from comparative anatomy. The Metempsychosis is therefore the only system of this kind that philosophy can harken to.”

NOTHING in this world is perpetual, every thing however seemingly firm is in continual flux and change, the world itself gives symptoms of frailty and dissolution. How contrary to analogy, therefore, to imagine that one single form, seemingly the frailest of any, and subject to the greatest disorders, is immortal and indissoluble?”

How to dispose of the infinite number of posthumous existences ought also to embarrass the religious theory. Every planet in every solar system we are at liberty to imagine peopled with intelligent mortal beings, at least we can fix on no other supposition. For these then a new universe must every generation be created beyond the bounds of the present universe, or one must have been created at first so prodigiously wise as to admit of this continual influx of beings.” E quanto gasto energético – um universo não é coisa barata! Mas é o religioso que estiola até o zero o valor deste único universo conhecível…

When it is asked whether Agamemnon, Thersites, Hannibal, Varro, and every stupid clown that ever existed in Italy, Scythia, Bactria or Guinea, are now alive; can any man think, that a scrutiny of nature will furnish arguments strong enough to answer so strange a question in the affirmative? The want of argument without revelation sufficiently establishes the negative.” Ri demais do trecho, pois Hume enfia no mesmo saco romanos e bárbaros, como que para despeitar os eclesiásticos de seu tempo, e junta numa fila só Agamêmnon, herói mitológico (embora seja uma figura homérica cinza, trágica, num sentido bem inferior a Aquiles…), com Térsites, o “palhaço” do mito – embora não respaldado por Homero ele mesmo, mas por modificações futuras, como a de Shakespeare –, quase “térmites”, aliás, e conquistadores da historiografia, como Aníbal, e, por fim, intelectuais inofensivos, legíveis até (estou estudando latim por ele): Varro, o “maníaco da etimologia” (conquanto todo homem das artes daquele tempo participasse também da política)!

Were our horrors of annihilation an original passion, not the effect of our general love of happiness, it would rather prove the mortality of the soul. For as nature does nothing in vain, she would never give us a horror against an impossible event.” Só o que protege a imortalidade da alma é a convicção na imortalidade da alma. Essa sim será imortal, quanto dure o homem! Wishful thinking arquetípico.

“‘TIS an infinite advantage in every controversy to defend the negative. If the question be out of the common experienced course of nature, this circumstance is almost, if not altogether, decisive.”

Some new species of logic is requisite for that purpose, and some new faculties of the mind, that may enable us to comprehend that logic.”

Como seria de esperar, essa “edição crua” não viria à luz, mesmo em tempos pós-censura (brincadeira, esses tempos são uma fábula!) sem os obrigatórios comentários morais e “atenuadores”, objetando o autor original… E aqui vamos nós a esses anexos, para um tico de diversão!…

ANTI SUICIDE

Organizado em notas, entre parênteses, ao artigo ON SUICIDE…

(1) “THIS elaborate eulogium on philosophy points obliquely at religion, which we Christians consider as the only sovereign antidote to every disease incident to the mind of man.”

Neither priestcraft, nor magisterial powers, however, cramped the progress of improving reason, or baffled the genius of enquiring man.” Hahaha! A ousadia

In truth, the superior advantage and necessity of the Christian religion seems manifest from this particular circumstance, that it has taken away every possible restraint from natural religion, allowing it to exert itself to the utmost in finding out the fundamental truths of virtue,¹ and in acquiescing in them, in openly avowing and acknowledging them when revealed, in extending the views and expectations of men, in giving them more just and liberal sentiments,² and in publickly and uniformly disclaiming any intention of establishing a kingdom for its votaries or believers in this world.” O argumento mais estúpido que já li: o cristianismo é uma forma superior de moral porque veio depois dos antigos, i.e., os antigos eram o cume da filosofia – que razão Deus teria para suprimi-los senão para colocar em seu lugar o que vem a ser melhor na seqüência – a fé cristã?! Argumento “histórico” e uma imbecil faca de dois gumes: tudo o que acontece, deve acontecer!… inclusive a MORTE DE DEUS, no futuro de Hume e desse editor…

¹ Como se por séculos não matassem na fogueira qualquer um que se desviasse 1mm das poderosas e absurdas constrições do monoteísmo mais tirânico! Como o helenismo foi livre, talvez unicamente livre acima de qualquer outro modo de vida possível, só podemos tentar entender por contraste com nossa própria servidão voluntária…

² Justamente com o enfraquecimento da religião… Que grande coincidência! Mas, ó!, era tudo parte do plano divino!

They tally exactly with the present circumstances of mankind, and are admirably adapted to cure every disease, every disorder of the human mind, to beget, to cherish, and confirm every pure, every virtuous, every pious disposition.” Não creio que agüentarei mais muito tempo lendo essas groselhas velhas!

MANKIND are certainly at present in a state of the deepest corruption and depravity, and at the same time apt to continue strangely insensible of the misery and danger to which, under the government of infinite wisdom, it necessarily renders them.” Sou obrigado a concordar que essa insensibilidade estranha não é só muito estranha como um tanto mórbida! Que ratos religiosos como esse ainda vivam entre nós após a força civilizacional, em 300 anos, ter finalmente descrido da autenticidade transcendental dessas velhas escrituras, no entanto, é algo que me tira do sério a cada dia!… Porque que quisessem ser idiotas no século XVIII inglês não me afeta no mais mínimo… mas outro papo é continuar com esse discurso, num mundo igualmente corrupto e depravado (porque ainda e persistentemente cristão)!

(2) CLEOMENES, king of Sparta, when suffering under misfortune, was advised to kill himself by Tharyceon. ‘Thinkest thou, wicked man, to shew thy fortitude by rushing upon death, an expedient always at hand, the dastardly resource of the basest minds? Better than we, by the fortune of arms, or overpowered by numbers, have left the field of battle to their enemies; but he who, to avoid pain, or calamity, or censures of men, gives up the contest, we are to seek death, that death ought to be in action. It is base to live or die only for ourselves. All we gain by suicide is to get our own reputation, or doing the least service to our country. In hopes, then, we may yet be of some use to others, both methinks are bound to preserve life as long as we can. Whenever these hopes shall have altogether abandoned us, death, if sought for, will readily be found.’ Quanta cretinice argumentar pró-cristianismo pelas aspas de um espartano (provavelmente forjadas) – QUANTO DESPEITO A TUDO QUE É NOBRE! Além disso, curioso como os religiosos, antes de Durkheim, nunca tenham percebido um só exemplo de suicídio altruísta!

(3) “Is it possible to conceive the author of nature capable of authenticating a deed, which ultimately terminates in the total annihilation of the system?” Não, e por isso me pergunto todo santo dia: como foi o cristianismo possível?

IMMORTALITY OF THE SOUL [comments]

Uma pergunta, antes de tudo: nós filósofos não nos queremos meter em escolástica – por que então os escolásticos insistem em meter o pé na filosofia? Exigem dos filósofos uma lógica sobre-humana, eu diria in-umana! Por que os comentam e criticam, então, em vez de relegá-los ao ostracismo? Deve se explicar por um sentimento cruel de inveja irreprimível

(1) “How many live and die in this salutary conviction, to whom these refined speculations must forever remain as unintelligible as if they had never been formed!” E ainda assim temos aqui um refinado crítico de tais opiniões refinadas!

(2) “The substance of the soul we do not know, but are certain her ideas must be immaterial.” Idéias materiais?! Coisa nova!

(3) “Whoever, yet, of all the assertors of the soul’s immortality, presumed to make a monopoly of this great privilege to the human race? Who can tell what another state of existence may be, or whether every other species of animals may not possess principles an immortal as the mind of man?” Olha, muitos e muitos eclesiásticos já excluíram os animais do paraíso (ou do inferno)! Aposto que a maioria veio até antes de seus comentários, senhor apócrifo!

(4) “There is not a single word in all this elaborate and tedious deduction, which has not been urged and refuted five hundred times.” Cuidado com a postura de atacar não prestando atenção aos próprios flancos – pode ser um ataque suicida (no Brittish pun intended)! Se um curto artigo de um mero cético é tão tedioso, vá ler a bíblia, ora pois!

(5) “The truth is, that form which all mankind have deemed immortal, is so far from being the frailest, that it seems in fact the most indissoluble and permanent of any other we know. All the rational and inventive powers of the mind happily conspire to proclaim her infinitely different in nature, and superior in dignity to every possible modification of pure matter.” “Que a vida não tenha se extinguido no planeta – este é meu divino argumento de por que a alma é indubitavelmente imortal!”, diz esse paspalho.

What judgement should we form of that principle which informed and enlightened a Galileo, a Copernicus, or a Newton?” Que ele era natural, pagão, conseqüente, imanente (não insipirado!). E não vamos esquecer que todos eles foram perseguidos pela Igreja – porque deus quis, na sua opinião! Strange ways… até mesmo para Jeová! Fora que os artistas mais inspirados também o foram…

Antes de abandonar esse mar de merda aos 70% da extensão do documento (anexos que, confesso, não li por inteiro), chequemos, ao menos, algo literariamente elogiável, i.e., as visões antitéticas de Rousseau (que não é nenhum santo, acrescentemos, o que aumenta a hipocrisia do editor que resolveu utilizar um filósofo mundano para atacar outro, só porque aquele concordava consigo!).

The following Letters on SUICIDE are extracted from Rousseau’s ELOISA. LETTER CXIV. To Lord B——-.

I will never dispose of it, till I am certain that I may do it without a crime, and till I have not the least hope of employing it for your service.” Como é tolo(a) – pare de hamletianizar sobre isso e faça-o de uma vez!

I adore the supreme Being — I owe every thing to you; I have an affection for you; you are the only person on earth to whom I am attached.” O(a) autor(a) da carta se dirige com efeito a um humano (o que é óbvio – mas poderia ser uma “carta de suicídio endereçada a Deus”, numa hipótese excepcional).

Roebeck¹ [sic] wrote an apology for suicide before he put an end to his life. I will not, after his example, write a book on the subject, neither am I well satisfied with that which he has penned, but I hope in this discussion at least to imitate his moderation.”

¹ “Johan Robeck (1672–1739) was a Swedish-German theologian and philosopher who justified and committed suicide.” O mais interessante do verbete na wikipedia: “He wrote a book permitting suicide from a theological point of view, entitled Exercitatio philosophica de morte voluntaria (A philosophical exercise about voluntary death, 1736). His book started a debate among Europeans of his time, which included Rousseau and Voltaire, especially after he himself committed suicide by drowning in the river Weser near Bremen, Germany. Robeck’s argument is based upon the idea of life as a gift, given by God, who therefore gave up for his rights in the gift. Anyone can destroy a gift, according to Robeck’s argument; therefore, suicide is legitimate. (…) (…) Robeck’s suicide is referenced in the old woman’s story at the end of chapter XII in Voltaire’s 1759 novel Candide, ‘…but I have met only 12 who have voluntarily put an end to their misery—3 negroes, 4 Englishmen, 4 Swiss, and a German professor called Robeck.’ [Cândido ou O Otimismo: leitura muito melhor que A Nova Heloísa, pelo visto…]

if I sacrifice my arm to the preservation of something more precious, which is my body, I have the same right to sacrifice my body to the preservation of something more valuable, which is the happiness of my existence.”

They consider a man living upon earth as a soldier placed on duty. God, say they, has fixed you in this world, why do you quit your station without his leave? But you, who argue thus, has he not stationed you in the town where you was born, why therefore do you quit it without his leave? is not misery, of itself, a sufficient permission? Whatever station Providence has assigned me, whether it be in a regiment, or on the earth at large, he intended me to stay there while I found my situation agreeable, and to leave it when it became intolerable.”

I agree that we must wait for an order; but when I die a natural death, God does not order me to quit life, he takes it from me; it is by rendering life insupportable, that he orders me to quit it. In the first case, I resist with all my force; in the second, I have the merit of obedience.”

This is one of the quibbles of the Phaedo, which, in other respects, abounds with sublime truths. If your slave destroys himself, says Socrates to Cebes, would you not punish him, for having unjustly deprived you of your property. § Prithee, good Socrates, do we not belong to God after we are dead? The case you put is not applicable; you ought to argue thus: if you encumber¹ your slave with a habit which confines him from discharging his duty properly, will you punish him for quitting it, in order to render you better service? the grand error lies in making life of too great importance; as if our existence depended upon it, and that death was a total annihilation. Our life is of no consequence in the sight of God; it is of no importance in the eyes of reason, neither ought it to be of any in our sight; when we quit our body, we only lay aside an inconvenient habit.”

¹ “incumber”.

Socrates being condemned, by an unjust judgment, to lose his life in a few hours, had no occasion to enter into an accurate enquiry whether he was at liberty to dispose of it himself. Supposing him really to have been the author of those discourses which Plato ascribes to him, yet believe me, my lord, he would have meditated with more attention on the subject, had he been in circumstances which required him to reduce his speculations to practice; and a strong proof that no valid objection can be drawn from that immortal work against the right of disposing of our own lives, is, that Cato read it twice through the very night that he destroyed himself.”

What is the fate of those sons of sensuality, who indiscreetly multiply their torments by their pleasures? they in fact destroy their existence by extending their connections in this life; they increase the weight of their crimes by their numerous attachments; they relish no enjoyments, but what are succeeded by a thousand bitter wants; the more lively their sensibility, the more acute their sufferings; the stronger they are attached to life, the more wretched they become.”

It would be as ridiculous to suppose that life can be a blessing to such men, as it was absurd in the sophister Possidonius to deny that is was an evil, at the same time that he endured all the torments of the gout.”

We drag a painful and melancholy life, for a long time before we can resolve to quit it; but when once life becomes so insupportable as to overcome the horror of death, then existence is evidently a great evil, and we cannot disengage ourselves from it too soon.”

This is not all. After they have denied that life can be an evil, in order to bar our right of making away with ourselves; they confess immediately afterwards that it is an evil, by reproaching us with want of courage to support it.”

O Rome, thou victrix of the world, what a race of cowards did thy empire produce! Let ArriaEponina,² Lucretia,³ be off the number; they were women. But Brutus, Cassius, and thou great and divine Cato, who didst share with the gods the adoration of an astonished world, thou whose sacred and august presence animated the Romans with holy zeal, and made tyrants tremble, little did thy proud admirers imagine that paltry rhetoricians, immured in the dusty corner of a college, would ever attempt to prove that thou wert a coward, for having preferred death to a shameful existence.”

¹ “Árria era casada com o cônsul romano Aulo Cecina Peto. Quando o marido e o filho ficaram gravemente doentes ao mesmo tempo e a criança morreu, ela fez todos os preparativos para o funeral e compareceu pessoalmente, sem que o marido soubesse de nada. Toda vez que visitava o marido, Árria dizia-lhe que o menino estava melhorando. Quando a emoção ameaçava denunciá-la, ela se desculpava, saía do quarto e, nas palavras de Plínio, o Jovem, ‘entregava-se à dor’, em seguida, retornava para o marido com um comportamento mais calmo. (…) Escriboniano foi morto e Peto foi levado para Roma de navio. Árria queria embarcar no navio como escrava, o que não lhe foi permitido fazer. Então ela alugou um barco de pesca e nessa pequena embarcação seguiu o grande navio. (…) Na presença do imperador Cláudio, Árria atacou abertamente a esposa do líder da rebelião, Escriboniano, por fornecer voluntariamente provas à acusação, gritando: ‘Ouço-a dizer que poderia continuar vivendo após Escriboniano ter morrido em seus próprios braços?’ Foi esta a frase que alertou a todos sobre sua intenção de morrer ao lado de Peto. § Seu genro, Trásea, tentou convencê-la a viver, perguntando se ela iria querer que sua própria filha se matasse caso ele fosse condenado à morte. Árria insistiu que ela não se oporia, contanto que sua filha (também chamada Árria) tivesse pelo menos vivido muitos anos felizes com Trásea antes do eventual suicídio, assim como ela mesma tinha vivido com Peto. (…) Essa resposta aumentou a ansiedade dos parentes e ela foi observada com mais atenção. Percebendo isso, Árria disse que eles não poderiam impedi-la de se matar. Enquanto falava, pulou da cadeira e bateu a cabeça com grande força contra a parede, caindo inconsciente. Quando voltou a si, disse: ‘Eu disse a vocês que encontraria uma maneira difícil de morrer se vocês me negassem uma maneira fácil.’ § Quando o marido hesitou em se suicidar, Árria pegou a adaga, enfiou-a no peito e devolveu-a ao marido com as palavras ‘Paete, non dolet’ (‘Peto, não dói.’).” Grande mulher! Cf. John Nicholson, Paetus and Arria. A tragedy, in five acts. Lackington, Allen, and Co., Londres, 1809.

² Esta é figura mais obscura e não consegui apanhar detalhes diretos de seu êxito: Júlio Sabino escondeu-se com sua esposa Eponina ou Peponila por 9 anos, mas seria posteriormente capturado e levado à capital imperial, onde foi executado em 78 sob ordens do imperador Vespasiano (r. 69–79). A história do casal, e principalmente a figura de Eponina, tornar-se-ia popular na França durante os séculos XVIII e XIX.”

³ Lucrécia é o exemplo mais famoso de mulher suicida da Roma antiga, por isso não deslindei o verbete.

but tell me, thou great and valiant hero, who dost so courageously decline the battle, in order to endure the pain of living somewhat longer; when spark of fire lights upon your hand, why do you withdraw it in such haste? how? are you such a coward that you dare not bear the scorching of fire? nothing, you say, can oblige you to endure the burning spark; and what obliges me to endure life? was the creation of a man of more difficulty to Providence, than that of a straw? and is not both one and the other equally the work of his hands?”

none but a fool will voluntarily endure evils which he can avoid without a crime; and it is very often a great crime to suffer pain unnecessarily.” Maldito seja o dogma do “arrependimento”, manhoso dispositivo milenar de tortura psicológica de povos inteiros!

cut off this leg, which endangers my life. I will see it done without shrinking, and will give that hero leave to call me coward, who suffers his leg to mortify, because he dares not undergo the same operation.”

let a magistrate on whom the welfare of a nation depends, let a father of a family who is bound to procure subsistence for his children, let a debtor who might ruin his creditors, let these at all events discharge their duty; admitting a thousand other civil and domestic relations to oblige an honest and unfortunate man to support the misery of life, to avoid the greater evil of doing injustice; is it, therefore, under circumstances totally different, incumbent on us to preserve a life oppressed with a swarm of miseries, when it can be of no service but to him who has not courage to die?” Considerando o sexo de Eloísa/Heloísa, em tempos tão machistas, de “mulheres serem menos que homens” (e, o que é mais, considerando o Cristianismo como inerentemente machista), me admira que ainda quisessem condená-la ao inferno eterno só por se matar!

Though hunger, sickness, and poverty, those domestic plagues, more dreadful than savage enemies, may allow a wretched cripple to consume, in a sick bed, the provisions of a family which can scarce subsist itself, yet he who has no connections, whom heaven has reduced to the necessity of living alone, whose wretched existence can produce no good, why should not he, at least, have the right of quitting a station, where his complaints are troublesome, and his sufferings of no benefit?”

In fact, why should we be allowed to cure ourselves of the gout, and not to get rid of the misery of life? do not both evils proceed from the same hand?” A gota e a vida. A água. Poético.

let them shew how it can be less criminal to use the bark for a fever, than to take opium for the stone. (…) if we regard the means, both one and the other are equally natural”

are we then to make no alteration in the condition of things, because every thing is in the state he appointed? must we do nothing in this life, for fear of infringing his laws, or is it in our power to break them if we would? no, my lord, the occupation of man is more great and noble.” = It is not against law to kill yourself.

THE CRUX: “My lord, I appeal to your wisdom and candour; what more infallible maxims can reason deduce from religion, with respect to suicide? If Christians have adopted contrary tenets, they are neither drawn from the principles of religion, nor from the only sure guide, the Scriptures, but borrowed from the Pagan philosophers. Lactantius and Augustine, the first who propagated this new doctrine, of which Jesus Christ and his apostles take no notice, ground their arguments entirely on the reasoning of Phaedo, which I have already controverted” “In truth, where do we find, throughout the whole bible, any law against suicide, or so much as a bare disapprobation of it; and is it not very unaccountable, that among the instances produced of persons who devoted themselves to death, we do not find the least word of improbation against examples of this kind? nay, what is more, the instance of Samson’s voluntary death is authorized by a miracle” “would this man, who lost his strength by suffering himself to be seduced by the allurements of a woman, have recovered it to commit an authorised crime, as if God himself would practice deceit on men?” Parece que o europeu-médio da época odiava Sansão pela sua “fraqueza feminil”, outro indício de misoginia neste livro.

Thou shalt do no murder, says the decalogue; what are we to infer from this? if this commandment is to be taken literally, we must not destroy malefactors, nor our enemies: and Moses, who put so many people to death, was a bad interpreter of his own precept. If there are any exceptions, certainly the first must be in favour of suicide, because it is exempt from any degree of violence and injustice, the two only circumstances which can make homicide criminal; and because nature, moreover, has, in this respect, thrown sufficient obstacles in the way.”

True repentance is derived from nature; if man endures whatever he is obliged to suffer, he does, in this respect, all that God requires of him; and if any one is so inflated with pride, as to attempt more, he is a madman, who ought to be confined, or an impostor, who ought to be punished.”

If we would offer a sacrifice to the supreme Being, is it nothing to undergo death?” “Such are the liberal precepts which good sense dictates to every man, and which religion authorises.”

you do not endure less than myself; and your troubles, like mine, are incurable; and they are the more remediless, as the laws of honour are more immutable than those of fortune. You bear them, I must confess, with fortitude. Virtue supports you; advance but one step farther, and she disengages you. You entreat¹ me to suffer; my lord, I dare importune you to put an end to your sufferings;² and I leave you to judge which of us is most dear to the other. Why should we delay doing that which we must do at last? shall we wait till old age and decrepit baseness attach us to life, after they have robbed it of its charms, and till we are doomed to drag an infirm and decrepit body with labour, and ignominy, and pain? We are at an age when the soul has vigour to disengage itself with ease from its shackles, and when a man knows how to die as he ought; when farther advanced in years, he suffers himself to be torn from life, which he quits with reluctance. Let us take advantage of this time, when the tedium of life makes death desirable; and let us tremble for fear it should come in all its horrors, at the moment when we could wish to avoid it. I remember the time, when I prayed to heaven only for a single hour of life, and when I should have died in despair if it had not been granted. Ah! what a pain it is to burst asunder the ties which attach our hearts to this world, and how advisable it is to quit life the moment the connection is broken!” Não pense que você é um deus ou um Átlas que pode carregar tudo nas costas! A mente doentia de Rousseau fazia com que ele cancelasse todas as suas conclusões perfeitas, mas não importa a antítese, com tamanha tese que se auto-sustenta! Ou seja: dane-se o que diz a carta de resposta mais abaixo, esta primeira é a melhor e mais ética delas, com toda certeza.

¹ “intreat”

² Esse trecho me fazia pensar, à primeira leitura, que a autora era a própria Heloísa, e que essa fosse a correspondência de um casal apaixonado. Como veremos abaixo esta não é a interpretação correta! Ainda mantenho, no entanto, meu elogio aos “casais suicidas perfeitos”, da ficção ou da História, como Árria e Peto mais acima, em outra nota deste artigo.

May the friendship which invites us preserve our union to the latest hour! O what a pleasure for 2 sincere friends voluntary to end their days in each others arms, to intermingle their latest breath, and at the same instant to give up the soul which they shared in common! What pain, what regret can infect their last moments?” Romeu e Julieta, Meruem & Komugi. E todos os casais perfeitos. Belo e moral.

LETTER CXV. ANSWER.

I am an Englishman, and not afraid to die” Then die already! E se parece infantil de minha parte dizê-lo, saibam que assim R. terminará essa carta fictiva de resposta a alguém meditando o suicídio: “If it has no power to restrain you, die! you are below my care.”

Thou art no man; thou art nothing; and if I did not consider what thou mightest be, I cannot conceive any thing more abject.”

It is certainly most probable that the life of man is not without some design, some end, some moral object.” E se você não criar os seus próprios objetos morais, passará toda a vida ensinando aos outros aquilo que nem sequer sabe ou tem (predicadores religiosos, os “virtuosos” da modernidade!).

Is it lawful for you therefore to quit life? I should be glad to know whether you have yet begun to live?” Cuidado, você acabará incitando seu interlocutor ao suicídio falando dessa forma, caro “cavalheiro”!

Thou unhappy wretch! point out to me that just man who can boast that he has lived long enough”

You are not ashamed to exhaust common-place topics, which have been hackneyed over a hundred times” Todos nós fazemos isso, porque nunca houve nada de novo sob o sol da eternidade, idiota! Ei, o que é que há com esses europeus centuplicadores que sequer entendem o Um (a inexistência do indivíduo, ou seja, a inaplicabilidade da moral cristã)? Todos censuram seus antípodas com “isso já foi dito 100, 500 vezes”, mas isso também já foi dito infinitas vezes!!

Life is an evil to a wicked man in prosperity, and a blessing to an honest man in distress: for it is not its casual modification, but its relation to some final object which makes it either good or bad.” Essa sentença só admite algum grau de aceitabilidade após o marxismo: temos pelo que lutar quando somos uns miseráveis!

I have lost all hope of seducing a modest woman, I am obliged therefore to be a man of virtue; I had much rather die.” Ou essa é uma novela moral lésbica da época do Iluminismo (impossível!) ou eu errei: o autor da primeira carta não era Eloísa/Heloísa; talvez da segunda? Mas não, o escritor foi identificado no cabeçalho da 1ª carta como Lord B. Portanto, não se trata de um ataque misoginista repentino entre um “casal de amigos-amantes”, pelo menos – é uma carta misoginista, com certeza, mas falando da categoria mulher em geral, não a uma mulher em específico, o que não ajuda muito Rousseau quando consideramos sua obra como um todo (cria-se um educador sem preconceitos)! Agora vejo cem por cento justificado o juízo nietzschiano de que Rousseau era uma tarântula moral. Moral da história, enfim: deixa teu amigo sofrer pela mulher que ele quiser, não o menoscabes!

correct your irregular appetites” Uau, que profundas palavras! Se apenas todos as sorvessem! A panacéia universal!

Grief, disquietude, regret, and despair, are evils of short duration, which never take root in the mind”

Reflect thoroughly, young man; [cry baby na linguagem hodierna] what are ten, 20, 30 years, in competition with immortality? Pain and pleasure pass like a shadow; life slides away in an instant; it is nothing of itself; its value depends on the use we make of it.” Muito bem-dito, mas isso não é em nada um argumento anti-suicídio!

The good that we have done is all that remains, and it is that alone which marks its importance.” O final do parágrafo é que é hediondo: quem disse que o bem que fazemos remanesce? Falta-lhe niilismo!, diria um irmão mais velho de Rousseau ou Senhor B., se ele tivesse nascido na Vila da Folha! Os amigos são o bem que fazemos pelo caminho!… ops, espera aí…

Your death does injury to no one? I understand you! You think the loss I shall sustain by your death of no importance; you deem my affliction of no consequence.” Não, imbecil – teu amigo até te convidou para te matares junto com ele; não sejas tão presunçoso!

Are not you apprehensive left your death should be attended with a loss more fatal, which would deprive the world and virtue itself of its brightest ornament?” Tudo isso de uma pessoa que você acaba de chamar de wretched?! O que é um fodido para o mundo, se talvez nem Platão tivesse sido nada de mais? Deixe que os outros trabalhem e superem cristianamente sua perda – ou não seriam ovelhinhas dignas de seu bom pastor!

And if she should survive you, are not you afraid to rouse up remorse in her bosom, which is more grievous to support than life itself?” Mais uma vez subestimando a força mental feminina, Rousseau, apenhei-o no pulo! Ou era só um tique de um de seus personagens?! Mas cuidado quando, ao redigir uma ficção, não acabe recheando a trama apenas de elementos do mundo real – como essa podre religião milenarista que é o alvo de toda a discussão pelo correio! Ou vai acabar estragando a própria “coisa real”, os resquícios de dignidade que ainda pudessem haver em ser cristão!

do you owe nothing to your native country, and to those unhappy people who may need your existence!” Ah sim, sempre somos mais úteis como potenciais soldadinhos que levarão canhonadas no bucho à próxima briguinha de príncipes que surgir no “jardim Europa”!

The laws, the laws, young man! did any wise man ever despise them? Socrates, though innocent, out of regard to them refused to quit his prison.” Errado: Sócrates seria muito mais obediente à lei se aceitasse o exílio. Ele foi egoísta e anti-ateniense. Não só isso, mas seu ato de fato derrubou Atenas, iniciou sua lenta decadência… Poder-se-ia inverter a sentença rousseuana com total certeza de não incorrer em erro algum: algum homem sábio já deixou de desprezar as leis de seu país? E é Rousseau quem fala aqui, um revolucionário, ou pelo menos um dos antepassados dos revolucionários europeus que conhecemos e enaltecemos… que ironia repulsiva!

Thou weak and abject man! what resemblance is there between Cato and thee?” Agora o cristão está fazendo acepção de pessoas? Quando antes não fazia nem entre humanos e pulgas!

Ah vain wretch! hold thy peace: I am afraid to profane his name by a vindication of his conduct. At that august and sacred name every friend to virtue should bow to the ground, and honour the memory of the greatest hero in silence.” Parece que CATO, O SUICIDA era inexoravelmente adorado pelos moralistas de Pla(n)tão do século de Rousseau! Sendo assim, não é o suicídio que irá macular a imagem de ninguém para as gerações futuras, estou correto?!

When Rome was no more, it was lawful for the Romans to give up their lives” Cada um tem seu conceito privado de Roma – interessante, pois eu tenho também o meu!

But thou, what art thou? what hast thou done?” Ainda bem que isso é ficção. Mas estou com medo – extemporâneo, embora – da possibilidade de Rousseau ter induzido mais de um de seus “amigos” à auto-supressão após a leitura de suas delicadas cartinhas, em sua vida pessoal! “Você é um verme, você não tem a grandeza necessária para recorrer ao suicídio” – é como pedir a prova, chamar ao desafio! Imagine o estado de espírito de alguém já muito aflito lendo tais “exortações”!

Know, that a death, such as you meditate, is shameful and surreptitious. It is a theft committed on mankind in general.” Foda-se! A humanidade nada tem a ver com a droga do suicida, ESSE É TODO O DEBATE, e isso não devia escapar à pena do mais sensaborão dos romancistas! Ajuste a perspectiva, pare de falar da grandeza do mundo, reduza-a até os olhos de uma mosca – ou de um depressivo – se preciso!

distribute my fortune; make me rich.” Melhor frase de Rousseau em todos esses fragmentos! Enfim, na escala “evolucionária” R. é o elo perdido entre os padrecos metafísicos que escreviam para o público em vez de apenas meditar de si para si mesmos (sem importunar ninguém) e “os filósofos”, no sentido clássico. Rousseau era uma aranha que não suportava tecer teias, e odiava os filósofos mais do que qualquer filósofo médio já os odeia, por necessidade da vocação… Com um ódio não-justificável, isto é! Porque a postura de Hume, Kant ou Schopenhauer contra a filosofia é bem diferente, bem mais digna…

NOTAS ACERCA DAS “CARTAS”

Surpreendentemente os autores das notas a Rousseau parecem não ter relação com os autores das notas a Hume (autênticos padrecos de paróquia), ou então eram os mesmos sujeitos em dias muito mais bem-humorados ou ensolarados de suas vidas, porque não grifei nenhuma passagem em verde, nada li de absurdo nessas linhas finais!

Is the letter a forgery, or does the author reason only with an intent to be refuted? [toda ficção é forjada, ora] What makes our opinion in this particular dubious, is the example of Robeck, which he cites, and which seems to warrant his own. Robeck deliberated so gravely that he had patience to write a book, a large, voluminous, weighty, and dispassionate book; and when he had concluded, according to his principles, that it was lawful to put an end to our being, he destroyed himself with the same composure that he wrote.” O que dizer desse tal Robeck ou Roebeck ou Röbeck? Nem o conheço e já o estimo tanto, muito mais que Tertuliano (autor de uma homília chamada Sobre a virtude da paciência)!

how many instances are there, well attested, of men, in every other respect perfectly discreet, who, without remorse, rage, or despair, have quitted life for no other reason than because it was a burden to them, and have died with more composure than they lived?”

The power of committing suicide is regarded by Pliny as an advantage which men possess even above the Deity himself.

Deus non sibi potest mortem consciscere si velit quod homini dedit optimum in tantis vitae paenis.’

Lib. II. Cap. 7”

SINOPSES DE (ALGUNS) LIVROS INDISPENSÁVEIS PARA A FORMAÇÃO DO HISTORIADOR – Episódio II: A historiografia marxista: Parte 1: Os fundadores

A parte 1 privilegiará os fundadores da historiografia marxista, Marx e Engels. A parte II, subsecutiva a este post, dará ênfase aos escritos de cunho mais histórico e político do período posterior. Pode soar estranho dizer que num compilado historiográfico não estejamos, num episódio ou outro, dando ênfase a escritos históricos, mas o historicismo marxista é tão rico que há uma parte complementar, talvez até mais numerosa, destinada à análise da História também do prisma estrutural, envolvendo Filosofia, Direito, Economia, Geografia (no que pode se distanciar da guerra, política e história o bastante a fim de ser considerado um livro marxista ‘fora da disciplina da História’, artificialmente falando; apenas para advertir o leitor de que será dada ênfase a conceitos econômicos aos quais seria legítimo se introduzir primeiro), Cultura (Estética embutida), Antropologia, Sociologia, dentre outros campos do saber.

É na função de síntese ou panorama geral de toda essa infra-estrutura que regula a superestrutura simplesmente “histórico-econômica” dos acontecimentos vigentes que se faz necessário esse segmento “introdutório” a Marx, Engels e seus continuadores.

Brevemente, procuraremos incluir numa SINOPSE: Episódios III ou qualquer número em diante (ou seja, SINOPSE: Marxismo: partes 2 em diante) – varredura marxista que pode levar algum tempo na série historiográfica como um todo – algumas obras dos seguintes autores (antecipamos estes pratos de comida para salivar o intelecto insaciável do leitor):

Hobsbawm

Dobb

Chomsky

Eagleton

Plekhanov

Lenin

Clara Zetkin

Rosa Luxemburgo

Guevera

Baudrillard

Arrighi

Braudel

Carr

Gramsci

Lafargue

Lukács

Althusser

Schumpeter

Malm

Wallerstein

Mao Zedong,

não necessariamente nessa ordem!

Esclarecimento importante: o grande fecho, i.e., a análise integral d’O Capital e dos Grundrisse, obras máximas do Marxismo, virão no epílogo da vertente marxista dessas sinopses!

[Os fundadores]

Índice dos livros que serão apresentados em panorama neste artigo:

ENGELS, As guerras camponesas na Alemanha

ENGELS, A situação da classe trabalhadora na Inglaterra

ENGELS, A Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado

MARX & ENGELS, O Manifesto Comunista

MARX, O Dezoito de Brumário de Luís Bonaparte


ENGELS, As Guerras Camponesas na Alemanha

 

Der deutsche Bauernkrieg no original, este é um livreto de Friedrich Engels, maior colaborador vivo de Marx e divulgador do marxismo no século XIX, contendo relatos dos levantes camponeses do século XVI no território da atual Alemanha, conhecidos como Guerra dos Camponeses, evento que durou apenas alguns meses entre 1524 e 1525. Foi a resposta de Engels, no exílio na Inglaterra, aos levantes operários que sacudiram a Europa no período imediatamente precedente (a redação da obra é de 1850). Compara-se uma revolta na época do socialismo organizado com uma revolta 300 anos adiantada, antes mesmo da sedimentação da própria dominação burguesa e do proletariado urbano, ou seja, tentativa de uma revolução destinada ao fracasso, posto que de uma fase hiper-precoce do Capital. E no entanto essencialmente trata-se do mesmo fenômeno em estudo: trabalhador(es) oprimido(s) X opressor(es) (dono(s) dos meios), embora haja aqui um ingrediente extra: o cisma protestante, que torna a leitura muito interessante para quem julga que Marx e Engels não tratavam o assunto com a atenção ou o respeito devido (a variável da religião na História). Uma das principais fontes de Engels foi o também alemão e historiador seu contemporâneo Wilhelm Zimmermann.

Resumo geral

Engels identifica os cavaleiros como a “classe média” teutônica do século XVI, fazendo o papel da pequena-burguesia que ainda inexistia. Como sempre, esta “classe intermediária”, embora de origem popular, trai os mais pobres, escolhendo se aliar à elite. Seria o caso de Martim Lutero, o revolucionário religioso, como retratado no livro. Em vez de usar a popularização dos escritos sagrados em prol de uma liberalização das camadas inferiores, Lutero, que, ao mesmo tempo, atacava os príncipes e líderes seculares corruptos de então, punha uma coleira nas reivindicações sociais dos camponeses, apelando para as passagens mais reacionárias da Bíblia, que pediam submissão e resignação à vontade divina (nada mais que à vontade dos senhores). Em outros termos, transformava o Novo Testamento numa apologia da hierarquia social de seu tempo. Faltava consciência de classe aos camponeses e artesãos emergentes para se organizarem contra as velhas autoridades do regime feudal, o que explica o conflito e seu fracasso em transgredir a ordem vigente, bem como o não-maturamento de outras condições materiais.

A Alemanha ainda submetida à organização colonial do Império Romano e as classes emergentes do século XVI, com mais detalhes

Composta essencialmente de cidades-Estados do velho regime, o território da atual Alemanha era governado em cada pequena porção por seu próprio déspota/suserano. O que desencadeou chamas de revoltas populares foi o progressivo aumento dos impostos, um problema a que nós não somos estranhos. As despesas militares dos príncipes não paravam de crescer, bem como a nobreza e até a classe média dos isentos de taxação (incluindo, evidentemente, o clero, sempre defensor do status quo), sobre os quais a autoridade destes autoproclamados príncipes divinos em verdade jazia, só aumentavam a carga sobre as camadas mais pauperizadas. O campo minado estava armado para a explosão de um conflito civil.

Ao mesmo tempo, em contraste, o Direito Romano ia renascendo, neste meio um tanto feudal, e era canalizado para centralizar a administração dos pequenos feudos e principados e explorar cada vez mais a mão-de-obra barata. Não havia, fora das classes médias urbanas e da elite, o que se pudesse chamar de cidadania. Era difícil que rebeliões ultrapassassem o caráter de episódios inconseqüentes, isolados. Thomas Müntzer e outros radicais enxergaram a potencialidade da união dos oprimidos e intentaram organizar uma sublevação conjunta (principalmente a partir da Turíngia).

Mesmo os cavaleiros, guerreiros de tipo medieval, foram perdendo importância e, conseqüentemente, renda, pois a descoberta da pólvora e o cultivo da ciência militar tornou exércitos numerosos e imensas cavalarias uma arte obsoleta para a guerra. Não havia mais a necessidade do soberano residir em fortalezas, castelos, então inexpugnáveis, antes da introdução das armas de fogo. Ademais, o não-rebaixamento do clero nas mesmas proporções indignou ainda mais a classe decadente dos cavaleiros.

Mesmo que ocupando posição relativamente privilegiada, o mundo se secularizava, e as ordens religiosas perdiam autoridade política. O mercantilismo, a difusão da imprensa e até valores humanistas como os do Renascimento Italiano foram corroendo a aura da Igreja Católica, e os protestantes iniciavam sua história, nunca de forma pacífica, já que se tratava sempre de ocupar espaços (sobre quem eram os legítimos porta-vozes de Deus). Não à toa Lutero é produto deste meio de rápida corrupção da religião oficial e dos “santos”. Sua campanha anti-clerical iniciou em 1517 na cidade de Wittenberg. Mas Lutero pode ser considerado um Müntzer “amaciado” e “moderado”, e aquele que ficou mais famoso e consagrado, porque não desejava uma reforma “de cima a baixo” do organismo social – era o que Marx e Engels chamariam de um revolucionário de tipo burguês em um ambiente feudal decadente.

O camponês alemão do século XVI não podia caçar, pescar ou plantar sem pagar altas taxas aos donos das terras; não havia nascido ainda o conceito de propriedade pública como hoje a conhecemos e, por outro lado, os senhorios em seu conjunto haviam se apoderado de todas as faixas de terra (podemos falar em escala européia, embora o livro dê ênfase à “Alemanha”, ainda não-unificada). Além disso, se uma praga devastasse as plantações o senhor feudal nada devia aos miseráveis trabalhadores rurais. Até o matrimônio era pesadamente taxado. O camponês tampouco podia legar testamento aos seus, suas posses sendo apropriadas pelo suserano após a morte de cada indivíduo. O direito romano não alcançava essa camada de verdadeiros párias neste momento histórico.

Um documento que expressava o descontentamento dos camponeses organizados sob Müntzer veio à luz sob o título Os Doze Artigos da Floresta Negra, o manifesto deste movimento revolucionário de antanho. A tática dos soberanos de então foi fazer “pazes separadas”, isto é, dividir os revoltosos, fazendo concessões mínimas a cada bando, desmembrando e desarticulando a oposição. O francês Carlos V, reivindicando um trono acima dos demais senhores feudais, em nome do ainda nominalmente existente Império Romano, viria a ser um monarca ainda mais tirânico e opressivo para o camponês nas décadas vindouras à tentativa revolucionária destes anos 1520.

Seu parente Ferdinando recebeu o poder centralizador de que precisava em relação às províncias alemãs. Lutero ele mesmo não abraçou o movimento de Müntzer e – ele próprio à época considerado um herege segundo Edito de Worms – tachou os müntzeristas de hereges, pois “iam longe demais”. Lutero evocou o direito do príncipe e do senhor sobre suas ovelhas citando Romanos 13:1-7 (basicamente a enésima reiteração do dito Dai a César o que é de César, despolitizando inteiramente a questão). Müntzer, mais tarde incorporado ao cânone dos anabatistas, foi executado após a derrota dos camponeses. Se não o ímpeto revolucionário “total”, ao menos o burguês e protestante anabatista não arrefeceriam com o tempo, reverberando ainda em ondas sucessivas Alemanha, Suíça e Holanda afora.

ENGELS, A situação da classe trabalhadora na Inglaterra

Livro que precede o da revolta camponesa em 5 anos. Dessa vez trata-se do estudo de uma sociedade já industrializada, a Inglaterra vitoriana, de onde muitos revolucionários do séc. XIX tiravam as esperanças de que surgiria a deposição da burguesia, uma vez que era o centro burguês mais desenvolvido do mundo. Com efeito, trata-se do escrito longo de estréia de Friedrich Engels. A primeira tradução, do alemão para o inglês, demoraria 4 décadas. Engels o redigiu na própria Manchester, coração da Revolução Industrial. O livro foi escrito antes de Engels haver conhecido Marx e, portanto, não sofreu sua influência. Ainda assim, o método historiográfico de Engels foi bastante elogiado por aquele autor.

Resumo

A expectativa de vida do trabalhador industrial de Liverpool e Manchester era desalentadoramente mais baixa que a de qualquer outro trabalhador, mas mais acentuadamente que a do trabalhador rural. Só em Carlisle, cidade pequena, após a industrialização, a mortalidade infantil aumentou rapidamente em 7%. O problema é que a mortalidade infantil na região já era absurda (quase metade das crianças dos moinhos morria). Nas mesmas condições, a mortalidade dos adultos com menos de 40 anos de idade também cresceu 25%. Mais do que estatísticas, Engels apresentou o quadro trágico e cruento: agora trabalhando mais horas diárias, os trabalhadores recebiam bem menos por hora e viviam em condições higiênicas muito piores. A maior ironia talvez seja meta-histórica: Friedrich Engels cresceu filho de um barão da indústria têxtil bávara. Desde a primeira juventude foi um jornalista-ativista. Após sua viagem a trabalho para a Ilha, suas convicções se tornaram ainda mais extremas e embasadas.

ENGELS, A Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado

Longe de ser cronologicamente o primeiro trabalho da dupla Marx & Engels (seja como escritores-solo ou a quatro mãos), A Origem (…) é contudo um misto original de antropologia e economia primitiva e familiar, com bastante influência do etnógrafo Lewis Morgan, quem estudou os iroqueses e os senecas (tribos norte-americanas). Na verdade, foi o primeiro trabalho engeliano após a morte de Karl Marx e pode ser considerada uma co-autoria, embora Engels seja o editor final, uma vez que há subsídio de anotações antropológicas não previamente publicadas de Marx para a formação do volume. Uma triáide de terminologias cunhadas na obra e de importância central é a das famílias punaluanas, (1) sindiásmicas (2) e monogâmicas, (3) conforme seu modo de organização e perpetuação.

(1) Suposto estado original em que não havia o tabu do incesto com exceção do intergeracional e o casamento era livre entre irmãos e irmãs e primos e primas de qualquer ascendência. Além disso, as uniões tendiam a ser coletivas e os bens comuns a toda a “grande casa”, com poucas distinções entre os parceiros, exceto os sexos masculinos e femininos como designadores de papéis sociais bem-estabelecidos para os membros dessas uniões (seria uma situação intermédia entre o abandono do matriarcado, que faria parte de nossa pré-História e é tão difícil de estudar empiricamente, e a adoção de parâmetros androcêntricos. (2) Certa protomonogamia adquire relevo, mas não há clara transição entre os estágios 1, 2 ou 3. Assim como na poligamia islâmica atual, há algumas regras hierárquicas que passam a viger nos casamentos: algumas mulheres e/ou homens adquirem precedência sobre as(os) outras(os), assim como na poligamia de um homem que pode ter até quatro esposas a primeira esposa continua a ser a mais importante da família na configuração muçulmana. Adicionalmente, em caráter sintético, Engels afirma que alguns traços do feminismo, que hibernariam durante a terceira fase até sua reconquista nas lutas pelas revoluções européias, podiam ser detectados nesse tipo de sociedade ou “matrimônio híbrido”. (3) Formato patriarcal atualmente em vigor na maioria dos Estados-nações modernos, se não de caráter exclusivo pelo menos hegemônico (um homem e uma mulher, um lar). Reuniões homoafetivas já seriam extrapolações, toleráveis apenas a partir do fim do século XIX ou século XX em determinadas sociedades (o modo de produção em que vivemos ainda considera esta situação excepcional).

Alguns destes postulados, principalmente por derivarem de Morgan, que foi muito contestado em suas descobertas e modelos na Antropologia, já foram refutados, o que não prejudica o argumento-cerne do livro: o momento em que as sociedades ágrafas transitam para o patriarcado e a família proto-moderna, condições sine qua do estabelecimento do Estado (burguês) e da propriedade privada como norma absoluta.

MARX & ENGELS, O Manifesto Comunista

A chave para entender a historiografia marxista é seu conceito de trabalho. “A realidade histórica nada mais é que o trabalho objetificado, e todas as condições de trabalho fornecidas pela natureza, incluindo o corpo orgânico dos homens, são meras pré-condições e ‘momentos evanescentes’ do processo de trabalho.” [tradução minha] A inédita ênfase na matéria (daí o termo “materialismo”) como o fator determinante na História representa uma ruptura com todos os historiógrafos pregressos. Até o desenvolvimento da teoria do materialismo histórico por Marx, o fator determinante colocado acima de todas as relações de causa e efeito, diretor e motor da História, não deixava de ser de forma alguma uma espécie de agência divina, mais ou menos disfarçada, mesmo dentre historiadores ditos “fisicalistas” (que priorizavam o mundo físico em detrimento do “espiritual”). Faltava-lhes o senso dinâmico da matéria.

Deus tornou-se mera projeção da imaginação humana” – e mais: “ferramenta da opressão”. Aboliu-se essa esfera transcendental que objetificava indelevelmente o homem. O trabalho humano passa a ser o autor da História. Toda ideologia anterior – finalmente descoberta como descrição ideológica – é apenas o avatar ou a apologia do poder dominante, uma “história-contra-o-trabalhador”. “O primeiro ato histórico é… a produção da vida material em si mesma.” Portanto, a historiografia não só começa com o trabalho como termina necessariamente com a produção: “a história não se subsume ou auto-realiza em ‘auto-consciência’ ou ‘espírito do espírito’; [Hegel] em cada estágio histórico há um resultado material: uma soma de forças produtivas, uma relação historicamente criada entre e pelos indivíduos com a natureza, que é legada a cada geração subseqüente sem tirar nem pôr.” Este é um resumo ainda grosseiro do marxismo, tem-se de ter em mente, mas já nos serve como bússola.

Marx, O Dezoito de Brumário de Luís Bonaparte

Princípios gerais do pêndulo da História da Europa

Há duas trajetórias de uma revolução: a ascensional e a decrescente. A primeira se dá quando partidos cada vez mais radicais vão se sucedendo na liderança do movimento, para que ao fim, na configuração do modo de produção capitalista, o mais paradoxal deles seja engolido pela própria fome revolucionária e arrancado de qualquer posto de comando. A segunda é seu espelho, posto que gradualmente igual, embora invertida. Neste segundo modelo de revolução, os jacobinos, ou a população revoltada, o extrato mais anárquico, são os primeiros na linha de frente. Estes são sucedidos por revolucionários de parlamento, que acabam entregando o poder aos burgueses. Estes, por fim, vêem-se salvos temporariamente pelo exército, que não obstante os descarta tão logo a espiral da revolução tenha completado seu movimento descendente. Assim, recai-se na ditadura. É uma lição maquiavélica destrinchada por Marx ao longo do livro (descrevem-se aqui os três anos do jocoso parlamento burguês de meados do século XIX na França, sob o mando do sobrinho de Napoleão, Napoleão III, um simulacro da ditadura napoleônica clássica).

 

Em ambos os casos, o elo mediano, o desfecho equilibrado que parece ser o mais longevo, é o da classe revolucionária vitoriosa de 1789, não outra senão a burguesia, que é a solução considerada “menos ruim” na luta promovida entre as diversas classes. Não há a autoridade pusilânime de um ditador, porém ainda ali se encontram as forças armadas e sua “honra”. Ademais, com a segurança constitucional, o indivíduo parece se ver num mundo melhor que o estágio da guerra de todos-contra-todos. Voltou-se à estaca zero do mundo moderno.

 

Karl Marx foi o primeiro indivíduo a compreender acima do razoavelmente tal situação antitética e oscilatória, tal todo contraditório que em vez de dinâmico era estático em essência. Procura ensinar ao proletário que, justamente, não existe um “ensino” a ser transmitido: deve ser encontrada uma forma inédita de revolução, ao invés de se mimetizar o êxito burguês, que foi único, ao vencer o Antigo Regime e secularizou o indivíduo burguês (chamando-o de “homem universal”), tornando-o, por fim, e ao menos, histórico.

 

A este propósito, a alusão ao personagem da literatura alemã, Schlemiel (de etimologia iídiche, dialeto hebreu, particularmente disseminado entre os judeus radicados na Alemanha, querendo dizer tolo, estúpido, empregado de forma corrente como adjetivo), que vende sua sombra para o diabo em troca de privilégios pessoais porém vê tudo se perder, é perfeita: os políticos franceses são sua versão invertida, sombras sem homem. História sem acontecimentos efetivos. Uma aula de fenomenologia (corrente filosófica do séc. XX), já no século XIX.

Superando suas influências: Parto do materialismo histórico

O conceito de destino manifesto de um povo, de verve hegeliana, é duramente contradito por Marx nesta obra. A visão de que cada nação possui o governo que merece é ilusória e precisa ser abolida. Sequer há o que se pode chamar de “nação”, e não porque o Estado-nação não respeite nações, mas porque o próprio conceito de nação está seriamente em xeque. Não existe o povo, por mais que o tópico-frasal da socio-logia (estudo ou conhecimento sobre o povo) coaja qualquer sociólogo incipiente a dizer o contrário. O que acontece em um país como o Brasil, por exemplo, é a tendência auto-implosiva do Capital: o enraizamento de uma plutocracia que impede o movimento revolucionário, porquanto este só representa perigo sendo massivo. Uma vez que estão destruídas as condições para que ele o seja (tome como base a mídia brasileira, que impossibilita o menor pensamento transgressor e injeta desinformação incessantemente e em larga escala), fica na mão do (escasso) indivíduo consciente a decisão: dada a impossibilidade democrática de atingir a verdadeira meta coletiva e a inviabilidade de qualquer negociação pacífica com o Estado e demais forças, baluartes da moral do Ocidente, diria um Nietzsche, eu devo lutar e arriscar a piorar ainda mais drasticamente minhas condições de existência neste mundo ou eu devo me conformar, manter minha propriedade, minha liberdade, enfim, meus direitos civis, minha relação com a família, meus estudos e meu emprego (dilema básico do “proletário empregado”)? Parece que, diante de impasse de tal ordem, sempre escolheremos a segunda opção. Mas, para ser auxiliado por um provérbio simples contudo verdadeiro, “nada é eterno”.

O que se depreende disso? Na aparência, durante uma época corriqueira do regime burguês, o momento da luta pela ruptura irreversível do sistema é invariavelmente empurrado para frente e jamais concretizado. Não há como imaginarmos, de fato, que poderia haver uma “anarquização” da sociedade moderna a ponto de transformar poderios incalculáveis como o produto nacional bruto e o exército americanos em cenários tão imprevisíveis quanto as Farc no território colombiano ou as milícias mexicanas em guerra de trincheiras com o Estado. No entanto, a relação de hegemonia relativa norte-americana já decresceu bastante nas últimas duas décadas (2000-2020). De qualquer forma, para o indivíduo regrado pela ideologia ainda hegemônica, a própria constituição do “rebelde” como exceção e minoria absoluta é já a quase refutação de qualquer esperança revolucionária.

Onde está, pois, a mágica que torna o inimigo invencível do homem no único sentido autêntico (a classe dominante) um respeitante do ditado de que “nada seja eterno”? Nele próprio. O invencível (figura sem corpo, apenas a idéia que temos enquanto somos escravos do próprio Ideal) é a vítima derradeira de seu próprio sucesso. As contradições do Capitalismo tornam-se mais agudas à medida que seu êxito se torna mais inquestionável (paradigma do fim do milênio anterior: o neoliberalismo venceu o “socialismo real” e não há mais “ideologias”). Há um ponto de ruptura nas auto-vitórias do maleável Capital e da casca de todo seu conteúdo, a moral do Ocidente. As fendas já aparecem com muito mais nitidez para nossa geração.

Existirá um momento em que as condições de existência do regime não poderiam ser mantidas nem que se o almejasse: contramedidas apenas acelerarão o colapso, e por mais que tal lição seja aprendida o colapso, em si, não pode ser evitado. Os estratagemas recentes dos Estados Unidos da América e a irreversibilidade da desdolarização da economia mundial posta em marcha pelos BRICS são a demonstração perfeita.

Não procede a crítica liberal feita a Marx de que “o que um homem vê, os outros vêem, ou o vêem vendo”, apontando para o fato de que, se o homem faz sua História, então ao se corrigir o rumo da História que Marx queria levar a cabo (não é Marx, é a classe oprimida), a história realizada é o capitalismo em si, um oximoro ou hipóstase, posto que a palavra carece de definição e chega a ser deliberadamente igualada a um “fim da História” pelos ideólogos (sim, eles ainda existem) do establishment.

Numa análise pessoal, antes de confrontar-me com a obra marxista na fonte, em 2006, eu era partidário dessa ideologia paralisante de que “eu fazia parte da vitória”, e de que não havia mais classes, nem portanto luta pelo poder (este limitando-se a espelhar os desenvolvimentos econômicos em margens estreitas que jamais desestabilizariam as conformações do Estado moderno).

Digamos que apenas se espera pelo inevitável, uma vez que se tem consciência de que não houve fim da história. Longe de uma visão de espírito fatalista (neo-hegeliana), trata-se da constatação, pelo homem que se enredou no pólo natureza-cultura, percebendo-se sua síntese e culminação crítica, de que ele, o homem, junto de seus produtos, é a natureza e a cultura em simultâneo. Como fenômeno pensante e pulsante – vida viva –, não pode se negar a vivê-la excedendo o limite “x”, isto é, não pode destemporizar a história e a corrosão de determinado arranjo decadente das forças produtivas. Esse limite “x” é o dia da derrocada do sistema capitalista em decorrência das próprias ultra-contradições e da soma das vontades individuais da grande maioria de manter o sistema intacto, que só poderá ser reconhecido retroativamente. Pode ser que o século XXI seja o “limite x” para o historiador do futuro, que analisa os agentes da História passada.

A tal ponto as contradições se acirram que o tal dilema da escolha pessoal, lutar ou conformar-se, perde inclusive o sentido ou deixa de figurar no paradigma de uma escolha racional burguesa. Não significa que o homem moderno rompa de repente e integralmente com seu passado, uma vez que coexistirá (e coexiste, pois há homens modernos hoje, embora não no comando do que quer que seja) com os pseudo-modernos, criaturas que atualmente parecem ditar a História e que no entanto não compreendem ou não podem evitar o problema futuro de ter compreendido hoje que não alcançaram a modernidade (não abortaram em definitivo a revolução social), mas que são entes mais fracos, pré-modernos, pré-históricos, no sentido da história dialética.

A diferença fundamental é que no leme da embarcação histórica encontraremos, na coexistência reformulada do fim do Capital, os modernos como classe ou casta dominante. Lembre-se que, coletivamente, ao olhar ao redor, jamais fomos modernos. Há uma certa metafísica ou sentimento coletivo, não-falseável, e não equivocado, de que a classe dirigente atual atingiu seus limites e encontra-se diante de um apocalipse ou exaustão global. As próprias mudanças climáticas e a crise energética iminente com o fim das reservas de combustíveis fósseis são arautos deste “apocalipse do sistema financeiro”.

Aplicação da fenomenologia de Heidegger e outros filósofos continentais ao marxismo do XIX

Se há algo de desesperador na vida, é a vida, aquela mesma que cria o sentimento do desespero (e já é um privilégio usufruí-lo!), que recai no auto-perceptível fatalismo. O Ocidente é um monstro que se devora a si mesmo e quanto mais come de seu tecido em sua dieta canibal mais julga o prato delicioso, sendo portanto apenas bom senso e não qualquer dom premonitório que permite aos revolucionários com método asseverar que ele, este mundo, nunca deixará de se comer até que suas funções vitais sejam desligadas – porque ele acredita piamente que está cada vez mais corpulento, quando seu aspecto ao observador alheio (o moderno, imerso no estômago do monstro e que pode ser ejetado na ocasião oportuna) é o do definhamento. O mundo, coabitado por homens, no entanto, seguirá existindo temporal e geograficamente. E não há meios de um monstro que só triturou tudo com seus dentes de repente aprender a fazer outra coisa, pois seguiu um instinto, o de refutar o materialismo histórico… Não existe um estado de equilíbrio na natureza, apenas uma ideologia de alguns homens que tem fé nesse equilíbrio.

De volta ao século XIX europeu

 

Marx demonstra como os maus resultados econômicos franceses dos anos de 1851 e 1852 não se relacionam com a esfera política (contenda parlamento burguês enfraquecido X Luís Napoleão), mas apenas com os próprios resultados cíclicos das indústrias e do terceiro setor, uma vez que a próspera Inglaterra também sente o baque (com uma economia cada vez mais global, mesmo nações politicamente estáveis podem de um mês para o outro enfrentar reveses em sua balança comercial, e o século XIX foi o primeiro em que esse fenômeno, prenunciador da integração das economias nacionais em escala ainda mais severa, pôde ser observado). Especialmente na Grã-Bretanha, a superpotência de então, foi o crescimento exacerbado que causou a mordaça nos lucros dos capitalistas (intensificação da competição): o capitalismo é vítima de seu próprio sucesso.

 

O império do segundo Napoleão (nominalmente o terceiro) é um fantasma das lendas camponesas, refeito. É o idílio da massa camponesa que não quer a revolução; quer uma impossível volta ao passado, quer um imperador justo que governe para si, sem ter de se sentir historicamente responsável. Uma reprise de Napoleão que devia ser, no entanto, mais comedida: a França já não podia praticar aventuras militares pela Europa de forma igualmente impune.

O livro famosamente inicia recordando a frase de Hegel de que cada personagem histórico existiria duas vezes, quer seja, o original e sua cópia, a farsa. Luís Napoleão, Napoleão III, é o protagonista de uma comédia involuntária, um maquiavelismo embotado que se sabia, no íntimo, uma mera paródia. A nação inteira, em todas as suas classes e subclasses, fornece também os títeres desta cópia, deste teatro de marionetes. O regime de Napoleão III não tinha condições de se sustentar.

CONTINUA…

[ARQUIVO] IMPOSSÍVEL SER CLÁSSICO (no senso nietzschiano)

Originalmente postado em 2 de janeiro de 2010. Atualizado em 25 de dezembro de 2023.

Já abdiquei desse intuito nostálgico. O metal e seu caráter iconoclasta não poderiam existir sem que se estivesse “perdendo o jogo”, e os gregos não o estavam… Minha condição de duplo gauche não é por acaso. Há ainda o cigarro, as pernas fracas que não me permitem sonhar sequer com caminhadas homéricas montanha acima ou simples trilhas cachoeiras abaixo. Sou um simplório, mas um grande simplório! Não estou em busca de uma nova arte sublime, mas estou interessado tão-somente em chegar às culminâncias entrópicas do desenvolvimento de uma das mais antigas, uma bem judia… Para isso eu não preciso ser um anjo, aliás, pairar tão além do bem e do mal a ponto de subverter a ascese pela própria ascese!

[ARQUIVO] O ÓRFÃO

Originalmente postado em 30 de dezembro de 2009. Atualizado em 24 de dezembro de 2023, incluindo a revelação, via tratamento artístico, da inspiração ficcional que percorre o texto – a conhecida opressão dos saiyajins pelo monstro Freeza (o que não quer dizer que meu pai não seja um tirano) e seu melancólico final…

Querer o mal de um filho é muito mais cruel e insidioso do que desejar o mesmo para um pai? E quando essas não são as intenções declaradas, mas há a verificação desse prejuízo, de igual modo? Dolo ou culpa importa aqui? Não posso carregar o mundo nas costas!

Aquele que se volta contra quem o pôs no mundo, o lugar de onde afinal saiu, desencadeia um contra-senso fisiológico, mas se auto-golpear-se é possível e até mesmo bem razoável, essa cena trágica se mostra quase que uma regra, com regularidade na História. Há aí um despeito provocado por antecedentes, coisas que não dizem respeito ao ente desafiante. Assim parece ser com todos os homens desde Adão, a erguer a vista para os céus e indagar: “Por quê, Deus-Pai?”. Postura compreensível, se bem que o fim seja tristonho. A humanidade ainda não é forte e estabelecida o suficiente para sair do quintal de casa? Prefere ser tiranizada pelo dono do barro que a moldou? Fim da adolescência: momento de passos hesitantes, será que dá pra ir?, e se quiser voltar? Insustentável… “É terrível! Ele foi cortado em dois!” As histórias de rebeldia juvenil, escravização intra-genos/clã e tentativa de parricídio me atraem…

O sujeito que decide atacar, menospreza em demasia ou fere de fato a própria criatura que inseriu no mundo – essa é uma maldade genuinamente nascida ali, sem antecedentes, gerada numa realidade em corte, independente das situações antigas… porque aí recairíamos no problema do rabo da cobra! Que espécie de covardia louca é essa? Há mais tempo no mundo, muito mais chances de vencer! Provocar um inimigo que a gente sabe que vai derrubar. Existe algum mérito nisso? Em última instância, o filho está sempre num beco sem-saídas… a menos que haja um deus ex machina – mas se Deus é o inimigo! O ódio do filho contra o pai é sempre mais inocente, porque foi estimulado pela faísca pervertida do mais poderoso! Em nenhuma época uma classe mais alta cedeu caminho voluntariamente à mais baixa. A passagem de cetro é traumática. E se cada família, ou determinado número de famílias, for essa história do universo em microcosmo? Mas o filho não mata o pai! Ele furta o lugar do pai: “a cabeceira da mesa é minha!”. O último filho… é um sortudo ou um azarado? Às vezes o ar rabugento e despretensioso do dia a dia acaba levando à esterilidade do próprio sistema reprodutor, da própria extensão do sistema reprodutor! O egoísmo e a cegueira que fatiam inclusive o derradeiro tablete de carne, fazem respingar o último filete de sangue! Uma raça que já sofreu deveras!

Fazer mal inconscientemente não é desculpa. Parece que esse sempre foi o problema: títulos e fachadas. O mundo seria menos bárbaro se houvesse menos santos. No momento em que vem à tona o que a divindade fez… ela tem que se emendar! Se Ele resolve dissimular a tranqüilidade de um dia após o outro rumo ao infinito e não presta contas dos próprios atos, não pode haver mais mundo, senhor de que inteligência? Tombo, amargura e leito de morte. Os dinossauros se extinguiram por ambíguas imprudência e frieza glacial.

Vou narrar a história de um filho adotivo e orgulhoso de sua origem supostamente real, em algum confim do universo… Seu pai – o único de que se recorda – era um homem muito rico que odiava compartilhar as suas posses. Seu filho foi educado para construir seu próprio império a sua maneira, única forma de demonstrar seu valor e pedigree. Mas ai! O mundo muda! Se torna mais duro e impressionante, sob o preço de enfraquecer seus habitantes! O que o mais antigo fez, o novo e ainda valente já não podia! Pois cortam suas asas… O príncipe era sistematicamente humilhado pelo Rei na frente de seus humildes servos e também diante de seus asseclas, os nobres da côrte.

E sob as vistas, outrossim, dos amigos daquele. E como tais rapazes eram em parte afetados pela depreciação e pelas grosserias perpetradas pelo todo-poderoso, se solidarizavam. Assim ocorre com os mais fracos – se juntam para sofrer em bando. Foram formuladas as promessas de um destino melhor: ter, conquistar o império. E não devia haver mais impérios, aquele era o único, já englobava tudo! Para isso, o eterno empecilho teria que ser afastado! Isso era uma labuta incalculável. A muito custo, só se podia amealhar parcas migalhas… ah, mas se se era tenaz, e sangue daquele sangue… O mais perigoso era, ainda antes da idade, crer que descobriu um atalho. Não há atalhos para o Grande Poder! E nem satisfaz ser o segundo em Roma.

Foi aí que aconteceu de encontrar, em meio às peregrinações pelas províncias, um outro aventureiro-solo bastante combativo. Talvez fosse outro deserdado, a crescer longe dos auspícios do pai. Fato é que tinha muita sede de alguma coisa. O príncipe e seu bando viraram inimigos desse guerreiro e salteador anônimo. Pensando bem, tudo que esse tipo devia querer eram boas histórias para contar aos netos. E o bando principesco foi aniquilado por este inusitado personagem até o protagonista de nossa lenda se encontrar terrivelmente solitário.

Sem poder vencer seu adversário, mas tendo, em contrapartida, eliminado muitas vidas e deixado o algoz alquebrado, partiu em debandada. Orgulho ferido e, ambivalentemente, ampliado – era só cicatrizar as feridas. Tinha rompido com o pai, não pretendia mais se sujeitar aos caprichos e despotismos do Rei, mas precisava de seus médicos. Felizmente, descobriu que ele estava em viagem ao chegar ao seu palácio e, como fosse muito querido ali, dele cuidaram em segredo. O que de sua cabeça tomava conta era um misto de sensações estranhas… Do cumprimento final de seus planos à simples realização da vingança contra o último verme que se lhe opôs e o deixou nesse estado. Até que desse choque de idéias brotou uma conveniência.

Uma iluminação! Reordenar os peões, convocar os traidores, promover fissuras nas fileiras do exército paterno, torná-lo vulnerável a ameaças externas, ver o céu azul transmutar num verdadeiro caos de deposição de governo! Tudo isso graças ao forasteiro petulante! Iria pedir uma trégua. Seu sangue azul se enojava, mas era por nobre causa! Finalmente se aproximava, o dia com que tanto sonhara!

O príncipe e o forte guerreiro em farrapos e sem status, que só podia contar com a bravura, estabeleceram aliança. Um novo equilíbrio de forças era necessário para matar o Rei. Cheio de artimanhas e de astúcia, o príncipe agiu nos bastidores o quanto pôde e minou as forças da base de sustentação da Coroa de seu padrasto. O resto teria de ser em um duelo franco, mas se imaginava que um capitão resfriado já não podia com uma nau prestes a virar! Assim latejava o pulso do príncipe-escravo, à beira da planejada assinatura da alforria… Tantos anos pela frente para praticar o que quisesse, sem a “intervenção divina”!

O seu auxiliar, que com ele dividiria a vitória, não era problema para agora. Não havia espaço em seu coração mutilado pelo fado do berço! Na batalha final, o cruzamento crepuscular entre as hostes insurgentes e a cavalaria oficial, a exibição cavalar e inesperada de um poder que se mantinha latente só para enganar os jovens e os de memória desafortunada… Era assombroso o que o Rei era capaz de fazer. Depois de tantos anos, esmagaria o ingrato do filho adotivo, junto com aquela raça de depravados e taberneiros que levava consigo. A abelhinha e o enxame. Mas não podiam fazer muito mal. Eram insetos contra o “homem mais rico” – é ganancioso. A crueldade monstruosa vem sempre do mesmo lado. Do lado de quem está ganhando. E a justiça é medida em atos: quem morre merece morrer.

Por isso, meus irmãos, é que eu disse que inexistem atalhos. E o penetra plebeu não é alvo de nosso conto nuclear e de intrigas entre gerações, por isso não nos importa o que lhe aconteceu. Resta que o espectador saiba: o filho fracassou por subestimar aquele ímpeto oculto de alguém que ainda se mantém de pernas fortes e que já foi filho um dia. Na decisão, a diferença de forças flagrante paralisou os músculos do príncipe. Um ex-herdeiro angustiado, derramando suas primeiras lágrimas, em prantos, ou nem isso, pois perdeu a vontade de tudo. A marreta desce-lhe cachola abaixo. Estatelado, ainda grita encolerizado para o reino do nada o seu estribilho de oprimido. A última cólera. Que lhe estiola a alma, exaure o naco reserva de energia para soerguer-se e tentar lutar. Pouco importa. Nenhuma quantidade de esforço empregado surtiria efeito, o outro lado resistirá incólume. Esse é o superlativo da anemia e do fracasso, e da náusea, para quem lê. Uma vítima – desenhada desde os tempos antigos? A estrela não brilhou para este Édipo pela metade. Não era hora de arriscar.

Não agora, não ainda!

Por que montanhas levam milênios para se porem duras – e o caráter leva um pouco menos…

E a vida do Rei não perdeu o sentido, porque na posteridade haveria uma legião de descontentes de quem cuidar – talvez nos dois sentidos, bajular, absorver, converter, depois estar pronto para quando a cria resolver se desvencilhar, contra-atacar, arremessa-lo de encontro às pedras! –, muitos noviços e imprudentes, impacientes para tomar o lugar deste Júlio César de outras galáxias! E o hábito afia o tirano!

Consolo: no tempo apropriado, até o juízo de reis vacila, cambaleia, a justiça trai a pujança ancestral. A digestão do ódio não é imediata!

THE RADICAL CASE – Tom O’Carroll, 1980, 2013.

LEGENDA:

vermelho e negrito – trechos mais importantes, cerne do livro.

verde – desaprovo a idéia exposta

azul – meus comentários

PREFACE

I am a paedophile, and in the chapters that follow it will become apparent why I have felt it necessary to crash through the barriers of societal disapproval by speaking out. The fact that I have been able to do so owes much to the work, described in Part Three, of the Paedophile Information Exchange (PIE), a group with which I have been closely connected, which has been campaigning since its inception in 1974 for the open discussion of paedophilia, and for abolition of the laws against consensual sexual acts between children and adults.

PIE’s struggle has been a tough one. There have been threats, and violence, against us. Members’ careers have been shattered following ‘exposure’ in the press, and now, thanks to charges of ‘conspiracy to corrupt public morals’ levelled against PIE’s organisers (including myself), this struggle is about to see us into the dock at the Old Bailey. The writing of this book has been jeopardised on 2 occasions, in 1978 and 1979, when police raided my house, along with those of other PIE members, and seized a large quantity of research material. By the merest good fortune, the material seized on each occasion consisted largely of papers I had already studied and used in the draft of my book.

Such pressures are the penalty to be paid for speaking the unspeakable. And yet it is arguable that the ‘radical’ case presented here is not so radical at all. There are elements of our case on which PIE and myself no longer stand alone, and cannot easily be dismissed as a libertarian ‘lunatic fringe’: the recent report of the National Council for One Parent Families, Pregnant at School, has called for the abolition of the age of consent, for reasons which are completely in line with those advanced in relation to sex education, contraception and pregnancy in this hook, and there are other, equally ‘respectable’, bodies that now support the abolition, or lowering, of the age of consent. In the Netherlands, as readers unfamiliar with developments in Europe will discover in the coming pages, even major church organisations and political parties are coming to the conclusion that the laws designed to ‘protect’ children from sexual experiences actually do them more harm than good.”

families which deny children their sexual life, including the possibility of sexual contact with adults, are profoundly limited, however good they may be in other respects.”

As a lover of boys, I find myself tending to write more about relationships between boys and men than other forms of paedophilic encounters, including the apparently far more numerous contacts between girls and men. I have made a determined effort, however, to write a book on ‘paedophilia’, rather than on ‘boy-love’. There are already a number of books about the latter which strike me as far too parochial. Some boy-lovers write as though girls did not exist – especially as they fail to address themselves to the all-important question of consent, which can only be fully answered by reference to the impact that adults of either sex can have on children of either sex in sexual encounters. Unfortunately, a book on general ‘paedophilia’ runs the risk of obscuring important psychological differences, at least so far as male paedophilia is concerned, between boy-love and girl-love – differences which have major implications, especially for feminist critiques of paedophilia, which are sometimes over-reliant on a unitary view of the male sexual psyche.”

I find it irritating to write about ‘the penis’, ‘the vagina’, ‘masturbation’ and ‘sexual intercourse’. To use the 4-letter equivalents of these words – providing it is not done in an aggressive, expletive way – enables one to de-medicalise sex, to talk about it in the enthusiastic way that healthy folk think about it.”

Surprisingly enough, the point has been well taken by at least one group of relatively enlightened psychiatrists, Kraemer et al., in their book The Forbidden Love. Nevertheless, I have deferred to the view of my publisher, who feels that what I have to say is already controversial enough, and that any use of four-letter words could alienate otherwise sympathetic readers. I have at all points referred to ‘children’ rather than ‘kids’. Personally, I like the word ‘kids’. I find it attractive in the same way that it is pleasant to call a friend ‘Bill’ instead of ‘William’, or ‘tu’ instead of ‘vous’: it implies closeness, familiarity, friendly regard. But I also recognise that the word ‘kids’ is not a million miles from the idea of ‘mere kids’, or ‘little nuisances’. As readers will discover, this is not an idea I would wish to reinforce. Hence I have felt a formal designation to be appropriate.”

real names have not, for obvious reasons, been used.”

1. THE SEEDS OF REBELLION

It has always been hard for me to believe that there are children, boys or girls, who actually like erotic involvement with people much older than themselves. Harder for me, probably, than for a lot of those who so violently denounce paedophilia. So throughout my early adult years, that so many boys were on account of this was almost too good to me to be true, an impossible dream; although I learned to talk to them, shyly, tentatively, I never came even remotely close to sexual involvement.”

As an individual, I didn’t personally feel any need for non–parental adult affection, still less adult sexuality, any expression of which would have distressed me.”

Like many another child, when I was first told the facts of life (at school), my reaction was ‘My Mum and Dad couldn’t possibly do anything as dirty as that!’

There are those who will detect in all this the aetiology of my ‘perversion’. Let them. I am not interested in why I am a paedophile, any more than others are interested in why they are ‘normal’.”

But there are also plenty of children whose parents, fortunately, have a relatively healthy, animalistic view of sex. Their children grow up curious about it, wanting to know more about what Mum and Dad get up to, wanting to join in themselves, not being terrified of it, eager to involve themselves sexually with peers and adults alike.”

I was engaged to be married, for a while. She liked me well enough, and would have gone through with the marriage, given an ounce of encouragement. I told myself I loved her, in a Gideon,¹ cerebral way at least, and I tried to fool myself that I would come to love her body with more familiarity. Or rather I would lose my revulsion for it, just as a loathing for spiders can be mastered if one grits one’s teeth and makes a determined effort to get close to the little beasts.”

¹ Figura bíblica

after only a few months the engagement was broken. My few belaboured, pitiful performances between the sheets, all role-playing and false passion, should have told me the inevitable fate of any future such liaisons, but that did not prevent me trying again, many times.”

My hope was to find someone who wanted a man about the place to be a father and a breadwinner (or else house-husband to a career woman), rather than a giver of sexual love. At first I coyly described myself in the ads as ‘fond of children’, and met a number of divorcees and separated women, some of whom already had delightful children of their own.

In fact all sorts of women answered my ads, including, for no reason I could fathom, lots of nurses. One of these was a Chelsea swinger, who insisted on fellating me within an hour of meeting. It was a sort of sexual first aid, because I had told her I wasn’t very good at making love.”

astonishingly they accepted an ad in which I described myself as ‘crazy about choirboys, cub scouts and Alice-In-Wonderland little girls’. Even more astonishingly 7 women replied to it, though not one of them had taken what I said literally. Yet again I found myself faced with a dreary round of explanation and failure.”

If I had only lied my way out of it, all would have been well. The Head all but invited me to. ‘What’s all this about you telling a boy you love him?’ he said. ‘Surely it’s just a misunderstanding, isn’t it? You didn’t actually say that did you? Or maybe it was a joke of some sort?’

My suspension was to be lifted, and I was to receive sick pay for an indefinite period, under psychiatric attention, until such time as I was deemed medically fit to work again. At that point I was to be transferred to a teaching post elsewhere in the city.”

In some ways I was lucky. Despite everything, I had the unfailing, and doubtless ill-deserved, support of my parents. I had friends: old, loyal friends from my own schooldays. My staffroom colleagues were good to me too: they still made me feel welcome of an evening, over a beer at the local teacher’s club. Even the lonely daytime hours were less barren than they might have been, for I was at least able to apply myself to writing a novel with a paedophilic theme.”

That was my nadir. My time of total despair. Against the backcloth of all that had happened to me I couldn’t be relaxed, and cheerful and spontaneous with lads, as one needs to be. Instead I made a nervous, dry-mouthed, guilty, almost totally out-of-the-blue pass at the paper boy – whose own conversation had never been at all earthy or overtly sexual. The tension in my manner transmitted itself to him. I was behaving like a classic Strange Man, the kind of guy the poor child might have expected to leave him strangled in a ditch. Not surprisingly, he was terrified, and the more I tried to sound kind and reassuring, the more inescapably I knew I was sounding – and indeed behaving – like the loony I appeared to be.”

I had built my life on the belief that I loved boys. Yet for the sake of my lust there I was, large as life, terrifying a poor child out of his wits. There was no way in which I could fail to accept total culpability. It was different with Chris. I could blame all the trouble on the parents who were poisoning his mind, or the school who had sacked me for no more than being in love with a boy and saying so. But as I stood there face to face with Kevin, looking into those frightened eyes, I felt that every last shred of my integrity lay in tatters. I was nothing. Just a shit. Just a child molester.”

In fact I had neither the gun nor the courage, and although I went so far as to hack away at myself somewhat ineffectually with a blunt kitchen knife, I accepted my father’s timely intrusion without demur. I felt pathetic, gutless and lost. There seemed no move to make that could possibly make things better, and existence just drifted on, from one numb day to another.”

Why am I saying all this? What can be the point of rattling the skeletons in my own cupboard so publicly? There are several reasons, but perhaps the most important is that in doing so I will have given quite a powerful indication that it is not my intention to dodge any issues, or overlook any unpalatable truths. I know from my own life that there are problems, immense problems, in paedophilia” “People do not turn to paedophilia to avoid the responsibilities of an adult relationship, as some would have it believed – it seems to me that the responsibilities of a relationship with a child are in any case more onerous than one with an adult, not less.”

2. CHILDREN’S SEXUALITY: WHAT DO WE MEAN?

Não é o melhor caminho citar Psicanálise se se pretende um estudo sério!

Some even hide behind Freud to do so. Mary Whitehouse, leading British campaigner for so-called ‘morality’, talks of ‘the latency period’ when she wants to convey the idea of childish innocence.”

It is now medically recognised that masturbation, for instance, is entirely harmless, but most parents and teachers still steer children away from it and from any other expression of sexuality.”

The orgasm in an infant or other young male is, except for the lack of ejaculation, a striking duplicate of orgasm in an older adult . . . the behaviour involves a series of gradual physiologic changes, the development of rhythmic body movements with distinct penis throbs and pelvic thrusts, an obvious change in sensory capacities, a final tension of muscles, especially of the abdomen, hips and back, a sudden release with convulsions, including rhythmic anal contractions followed by the disappearance of all symptoms.”

Kinsey, Sexual Behaviour in the Human Male

In 5 cases of young pre-adolescents, observations were continued over periods of months or years, until the individuals were old enough to make it certain that true orgasm was involved; and in all of these cases the later reactions were so similar to the earlier behaviour that there could be no doubt of the orgastic nature of the first experience.” Como raios fizeram esse acompanhamento? Qual foi a metodologia ‘íntima’??

In the volume on the female, Kinsey reports the ‘typical reactions of a small girl in orgasm, made by an intelligent mother who had frequently observed her 3-year-old in masturbation’ [!!]. The mother had reported:

Lying face down on the bed, with her knees drawn up, she started rhythmic pelvic thrusts, about one second or less apart. The thrusts were primarily pelvic, with the legs tensed in a fixed position. The forward components of the thrusts were in a smooth and perfect rhythm which was unbroken except for momentary pauses during which the genitalia were readjusted against the doll on which they were pressed; the return from each thrust was convulsive, jerky. There were 44 thrusts in unbroken rhythm, a slight momentary pause, 87 thrusts followed by a slight momentary pause, then 10 thrusts, and then a cessation of all movement.

There was marked concentration and intense breathing with abrupt jerks as orgasm approached. She was completely oblivious to everything during these later stages of the activity. Her eyes were glassy and fixed in a vacant stare. There was noticeable relief and relaxation after orgasm. A second series of reactions began 2 minutes later with series of 48, 18 and 57 thrusts, with slight momentary pauses between each series. With the mounting tensions, there were audible gasps, but immediately following the cessation of pelvic thrusts there was complete relaxation and only desultory movements thereafter.”

Most of the activity occurred between the ages of 8 and 13, though there was some activity at every age.”

The cessation of pre-adolescent sex play in the later pre-adolescent years was taken by Fraud and many of his followers to represent a period of sexual latency. On the contrary, it seems to be a period of inactivity which is imposed by the culture upon the socio-sexual activities of a maturing child, especially if the child is female.

Pre-adolescent masturbation is, on the other hand, usually carried over from the pre-adolescent to the adolescent and adult years, probably because it does not fall under the restraints which are imposed on a socio-sexual activity.”

The most remarkable aspect of the pre-adolescent population is its capacity to achieve repeated orgasm in limited periods of time. This capacity definitely exceeds the capacity of teenage boys who, in turn, are much more capable than any older males.”

His work was undertaken among a sample of the white population in the United States, and although it is remarkable that so much pre-adolescent sexual activity was found to occur in such a society, which like our own has been traditionally divided between attempts on the one hand to deny that it exists and on the other to stamp it out, it is probable that much more sexual expression would be found in a similar survey undertaken in a sexually freer culture.”

Just as the homosexual activities of the Ancient Greeks were carefully censored from the attention of generations of schoolboys by Christian pedagogues, so there has been a similar conspiracy of silence on sexual behaviour in other cultures. Have you ever seen a TV documentary on child sex? Cameras and crews have been to all the right places, deep up the Amazon and into the Australian outback, but they never report on what the scholars know about juvenile sex.”

In a few permissive societies adults participate actively in the sexual stimulation of infants and young children. Hopi and Siriono parents masturbate their youngsters frequently.” Clellan S. Ford & Frank A. Beach, Patterns of Sexual Behaviour, 1951

Among the Kazak, adults who are playing with small children, especially boys, excite the young one’s genitals by rubbing and playing with them. In this society autogenital stimulation on the part of young children is accepted as a normal practice. Mothers in Alorese society occasionally fondle the genitals of their infant while nursing it. During early childhood Alorese boys masturbate freely and occasionally they imitate intercourse with a little girl. As the children grow older, however, sexual activity is frowned upon and during late childhood such behaviour is forbidden to both boy and girl. Actually, however, they continue their sexual activity, but in secret.”

Simulated coitus? At this point Ford and Beach slip into the same error as Malinowski, on whose famous study of the Trobriands they were relying. When Malinowski heard about real intercourse between quite small children, he simply couldn’t believe his ears, as might be expected in anyone with a Western background”

Some of my informants insisted that such small female children actually have intercourse with penetration. Remembering, however, the Trobriander’s very strong tendency to exaggerate in the direction of the grotesque, a tendency not altogether devoid of a certain malicious Rabelaisian humour, [!] I am inclined to discount those statements of my authorities. If we place the beginning of real sexual life at the age of 6 to 8 in the case of girls, and 10 to 12 in the case of boys, we shall probably not be erring very greatly in either direction”

B.M., The Sexual Life of Savages in North West Melanesia

There are, indeed, some societies in which enforcement of the prevailing incest regulations is the only major restriction on sexual activity among adolescents”

Ford and Beach report a number of institutionalized child-adult sexual contacts:

Among the Siwans (Siwa Valley, North Africa), all men and boys engage in anal intercourse.”

Among the Aranda aborigines (Central Australia), ‘pederasty’ is a recognised custom . . . Commonly a man, who is fully initiated but not yet married, takes a boy of 10 to 12, who lives with him as his wife for several years, until the older man marries.” Exemplo famoso.

They are convinced that boys can become pregnant as a result of sodomy, and a lime-eating ceremony is performed periodically to prevent such conception.

Of course, boys do not become pregnant. The Keraki got it monumentally wrong, and factors such as this make it all too easy for ‘advanced’, ‘superior’ westerners to assume that the customs of ‘primitive’ peoples can teach us nothing.” Quando há relato etnográfico de ingenuidade tão tocante, é quase certo que se trata de erro do próprio antropólogo, inclusive!

I do not feel we should ‘single out as peculiar’ men who fail to engage in anal intercourse, nor do I think fathers should push their children into unwanted sexuality, any more than they should prevent their sexual expression. Nevertheless, these accounts indisputably show us that given the opportunity children do develop a sexual life of their own, in which there is no ‘latency period’.”

AS LIMITAÇÕES DA RAÇA (CHAMADA HOMEM!):‘it may be thought that the need for continual sexual expression is only felt compulsively from adolescence onwards (and even then perhaps more in males than females), possibly due to the biologic, hormonal changes that occur around and immediately prior to puberty. Studies have revealed many cases in which the absence of hormones, following castration in men, and the menopause in women, makes no difference, or very little difference, to the continuance of pre-existing levels of sexual activity.’ Sexual feelings and behaviour patterns appear to depend on a much wider variety of factors than hormones alone.”

Kinsey points out that the average frequency of sexual outlet between adolescence and the age of 30 is 3 times per week. However, ‘There are a few males who have gone for long periods of years without ejaculating: there is one male who, although apparently sound physically, has ejaculated only once in 30 years. There are others who have maintained average frequencies of 10, 20, or more per week for long periods of time’

Perhaps the most famous study, even now, is that of 1937 by Bender and Blau, in which the authors stated:

This study seems to indicate that these children do not deserve completely the cloak of innocence with which they have been endowed by moralists, social reformers and legislators. The history of the relationship in our cases usually suggested at least some co-operation of the child in the activity, and in some cases the child assumed an active role in initiating the relationship.’

Interestingly, Bender and Blau’s attitude was highly traditional. They considered it their task to stop children from having an interest in sex. Their hospital ‘therapy’ was designed deliberately to crush sexual expression and to divert attention to more ‘normal’ childish interests.”

In many of the sexually freer cultures described earlier children were allowed to watch their parents’ intercourse, or were masturbated by their parents, without any discernible adverse effects in terms of creating anxiety or emotional disturbance.” “One should also add that children who come to the attention of psychiatrists account for only a proportion of those who have sex with adults – a very tiny proportion at that. Others, with more satisfactory home backgrounds, are far more likely to have undetected relationships.”

One wonders what ‘political’ motives J. Weiss et al. (‘A study of girl sex victims’, Psychiatric Quarterly, Vol. 29, 1955) would have come up with to explain Virginia’s sex play with a dog, without twigging the simple possibility that it turned her on!”

3. THE ‘MOLESTER’ AND HIS ‘VICTIM’

Take, for instance, the little girl who will happily smile at and chatter to a ‘nice man’, and will sit across his knee with her legs apart. If the man is susceptible to paedophilic feelings, he may be tempted to see this as ‘seductive’ behaviour, when the child in fact may be quite unaware of the way he is interpreting events – she may be exhibiting, in the traditional sense, all the ‘innocence’ of childhood (even though, quite independently, she may also be highly sexed and know how to give herself an orgasm).”

The various ‘participant victim’ studies reveal that children in this category are, typically, affection-seeking. In the bodily closeness of a caressing and touching relationship, it is exactly this sought-after affection that the paedophile provides.”

That there are men – particularly men – in our society who are presumptuous in matters of sex is all too obvious: nearly every woman is familiar with having to run an uncomfortable gauntlet of male presumptions, from wolf-whistling and ‘flashing’ to bum smacking and, for an unfortunate few, rape. As feminists have pointed out, some of this behaviour may spring not just from false presumptions as to what is acceptable to women, but from utter indifference to what is acceptable, or even from outright hostility.

At any rate, the fact is that we do live in a sexist society. Men are encouraged by their social and sexual upbringing towards exactly the attitudes of arrogant, aggressive, flesh-consumerism of which they stand accused.”

What I hope to show, however, is that there is much in consensual paedophilia, as opposed to child molesting, that presupposes a gentle, almost feminine type of sexual expression, rather than one which conforms to the masculine stereotype of dominance and aggression. Many people do not realise that there are consensual paedophilic acts, precisely because society makes no distinction between these acts and aggressively imposed ones. This absurdity is reflected in the legal phrase ‘indecent assault’, which covers not only cases of assault in the usual sense of that word, but acts which the child agreed to and perhaps, as is often the case, initiated.”

Far from being unrestrained sex maniacs their approaches to children are almost always affectionate and gentle, and the sex acts which occur, mostly mutual display and fondling, resemble the sexual behaviour that goes on between children.”

D.J. West

Miriam Darwin in the survey of 74 child victims in the California study was unable to show a case in which violence was used.”

Despite half a century of Fraudian indoctrination about infantile sexuality and despite changes of attitude concerning most other sexual deviations, abhorrence and fear of paedophilia have not decreased. Through parents and schools and other community groups children are constantly warned to look out for ‘The Stranger’ and to distrust anybody they do not know. Unfortunately the picture presented usually does not fit the facts of most cases and therefore affords little protection to the child. The danger of creating paranoid and xenophobic (fear of strangers) attitudes can be more damaging to child-rearing in general than paedophilic occurrences.”

Mohr & Turner

Although repeated researches (see Radzinowicz, 1957) have shown with great consistency that sexual offenders tend to keep to one particular type of sexual behaviour, often of a very partial kind, and very rarely gravitate to more serious types, this fact is strongly resisted by even the informed public. The rare exceptions receive great publicity, and in a population of 50 million even a rare event occurs somewhere every month or so. Such stereotypes profoundly affect the attitude of parents.”

I feel that children are likeable to paedophiles in ways that are not purely physical; this would be consistent with the idea that the paedophilic offender may actually feel affection for his victim. Lest you feel it is self-evident that someone committing a sexual assault likes his victim, I would point out that in a previous study I found results which suggested that some rapists, for example, commit offences in states of heightened anger arousal and appear to be concerned to hurt rather than to achieve sexual gratification.”

For a variety of good reasons, many sexual radicals completely reject medically-derived means of categorisation, which since Krafft-Ebing’s day have built up a picture of ‘the homosexual’ and ‘the paedophile’ as clinical entities”

The Concise Oxford Dictionary defines paedophilia as ‘sexual love directed towards a child’. It is interesting that the endlessly difficult word ‘love’ should find a niche in this definition. I am glad that it has. I find it more appealing, more related to my own sentiments than the more colourless alternative ‘sexual attraction towards a child’, and the inclusion of the word ‘love’ automatically excludes the possibility of ‘paedophilia’ being used in the context of ‘sexual hate directed towards a child’, i.e. sex based on hostility, such as that involved in the sadistic rape or murder of a child.” “What is being described here is what David Swanson calls ‘the classic paedophile’, whose other predominant characteristic is that he has a consistent and often exclusive interest in children as sexual partners. What is meant by ‘co-operation’ here is that the paedophile is ‘turned on’ by situations in which the child is erotically active. As long ago as 1912 this was pointed out in an important and sometimes overlooked work by Moll, who wrote: ‘handling the child’s genitals plays the chief part, frequently because the offender can himself obtain sexual gratification only through inducing sexual excitement in the child and watching this excitement.’” “All in all, he will want to be liked by children, and is likely to regard them as what the sociologists call ‘significant others’ – ones who count.”

In symbolic interactionist terms, some adults see children as ‘significant others’ whose judgements and appreciation are crucial for the adult’s self-concepts. Such adults would not jeopardise their self-concepts by committing acts which would detract from the child’s regard for them. We suggested, therefore, that among molesters who regard children as significant others, the offence would be of a nature not likely to alienate or harm the child.”

Charles McCaghy

It is a view widely held and one which found favour among our police and legal witnesses, that seduction in youth is the decisive factor in the production of homosexuality as a condition, and we are aware that this view has done much to alarm parents and teachers. We have found no convincing evidence in support of this contention.”

Wolfenden Report

Gagnon and Simon have pointed out that psychosexual orientation and responses are not learned in specifically sexual situations anyway, but rather through non-sexual interactions in early childhood. By around the age of 6, children have already developed ideas about what is ‘male’ and ‘female’ behaviour, and what is the ‘right’ behavioural pattern for them.”

More general anxieties on behalf of ‘the victim’, particularly the question of whether she or he will suffer psychological damage as a result of the experiences in question, are at least partly derived from the imposition of the very term ‘victim’ onto all child-adult sex relations, irrespective of whether they are forceful or gentle, unacceptable or acceptable to the child. The ultimate absurdity in clinging to the false distinction between ‘molester’ and ‘victim’ is to be found in a term encountered earlier, that of the ‘participant victim’. Those researchers who adopted this curious term presumably felt they had to make some concession to orthodox thinking: society could not all at once be expected to understand the idea of child-adult sex in which there was no victimisation.

Perhaps because ‘men’ are assumed to be the victimisers, I find that women are more apt to cling to the image of the child as a victim. Yet, ironically, it is 2 women researchers who have done much to dispel this myth.

Lauretta Bender was one of them. Her description of a group of sexually active children was followed up 16 years later by a further study of the same children, which looked into the question of whether there had been any discernible psychological damage evidenced in failure to develop a satisfactory adult life, both sexually and generally. She found no problems which she felt could reasonably be attributed to the sexual experiences. Remember 7-year-old Virginia, who had sex with a janitor? The experience neither put her off sex for life, nor made a nymphomaniac of her. She became a nurse, married at 21 and, in the words of the study, ‘became a happy wife and mother’.”

The psychological effects of sexual ‘assault’ on children have been researched on a scientifically rigorous basis (in a way which Bender’s studies never pretended to be) by Lindy Burton. Although Burton’s study included cases which could properly be called ‘assaults’, she is at pains to emphasise the consensuality often present in others.”

“‘Perhaps the most significant single characteristic of sexually assaulted children is their tendency to seek affection. The characteristic was noted by teachers (who did not know of their sexual experience) on both year’s testings. The most frequent comment regarding their behaviour was that they tended to sidle up to and hang around the teacher. In addition they were described as very anxious to bring objects to the teacher, always finding excuses for engaging him, very anxious to be in with the gang, trying to become the centre of attention, and tending to flashy dressing.’

While she suggests the possibility that the affection-seeking may represent a need to cling to familiar adults following an unsettling experience, Burton also recognises a totally different alternative (which is supported, as she says, by other studies), that children who need affection meet their sexual experiences in the course of their search for it. Burton even concedes that a further possibility cannot be ignored: ‘The affection seeking behaviour observed in this study might also indicate an attempt on the part of the child to replace the adult with whom he had a sexual relationship.’

Burton’s work was not designed to test the motive behind affection-seeking behaviour, however; so far as her study is concerned, the above comments are only speculations.”

Interestingly enough, some studies have indicated that those children who appear to make the quickest ‘recovery’ from sexual ‘assault’, are not the ‘participant victims’ but the ‘accidental’ ones: the minority who are molested in the true sense, in public parks, playgrounds and so on. Yet the paradox is easily explained. The ‘accidental’ victim is likely to receive a great deal of parental sympathy and support in relation to the incident. On the other hand, the child who is ‘found out’ having a relationship with an adult is likely to be made to feel guilty about it – especially by parents struggling to repress any unwelcome thoughts that their own inadequacies (especially in failing to give their child affection) could be responsible for the relationship developing in the first place. The issue is complicated slightly by the fact that some ‘participant victims’ come from homes which show no sensitivity at all to the prevailing sexual mores of society.”

The real disturbance may be much greater, however, in cases where the parents are very strong on ‘morals’, but not so good at being warm and loving towards their children.”

Take the case of an 11-year-old boy whose parents overheard him tell his brother about a man who was ‘having sex’ with him. There was a family scene, mother crying, father pacing up and down and vowing he would ‘kill the bastard’. The police were called in. The boy was interrogated over and over again by both parents and police.

The boy was taken to the police station where he was told to lower his trousers. A doctor examined his penis, retracting the foreskin. The boy was made to bend down while the doctor put a lubricated rubber sheath on his finger which he inserted into the boy’s rectum. The man was charged, denied it, and the boy was examined by the magistrates. The man was remanded on bail, so in order to prevent the boy meeting him again, he was sent to stay with relatives in Ireland until the trial 3 months later.

What seems to have happened was that the boy was rather deprived of affection from his parents who were cold and undemonstrative. He had often allowed the man to cuddle him, and this sometimes led to the man feeling him inside his trousers. If one can make a strong attempt to master the disgust this might evoke, and consider the possible damage done to the boy by being starved of love at home, by enduring the anger, fearful interrogation, and most of all by submitting to the formal repetition by the doctor of the acts which were causing all the trouble, one can see that the offender was the last one from whom the boy needed protection. As a psychiatrist involved in the case put it, ‘If he hadn’t been buggered by the man, he certainly had been by the doctor.’ I think Ingram’s point is not so much that the doctor’s, ‘buggery’ was awful as an act, but that in the circumstances it was necessarily carried out formally, with cold, clinical indifference to the boy’s feelings. While anal intercourse can itself be experienced as pleasant, within a loving relationship, a doctor’s examination is scarcely likely to be so.” “Nine years later the boy is now 20, cold, repressed, afraid of sex, isolated and friendless, depending on anti-depressants to make his moods tolerable.”

Only 3 years ago in our own country, [Holland] a 13-year-old boy was questioned from 9 A.M. until 5 P.M. in a small barred cell in a police station in order to extract evidence from him. He stubbornly maintained that nothing had happened, until the examiner said, ‘Good. If you keep on lying we will have to turn your friend loose. But your father has told me that he will waylay the fellow and kill him. Then your friend will be dead and your father will get 15 years in the clink for murder. And all because you persist in lying.’ Thereupon the young boy told everything, after which he went into a total psychological collapse.”

Strange, isn’t it, that society professes a concern for the child and obsessively keeps her/him away from adult sexuality as an expression of this concern, yet when – for whatever reasons – sexual contacts are found to have occurred, the child’s real interests fly out of the window. She or he may then be harangued by parents and the police, subjected to medical examination, dragged through the courts and debarred from seeing the adult friend in question. Some concern!”

Paederasty’, an older but not ancient word (first recorded literary usage in 17th century), is unequivocally sexual, by virtue of incorporating the Greek ‘erastes’, meaning (sexual) lover. It has been defined, pejoratively, as ‘sodomy with a boy’ (Concise Oxford Dictionary), and thus denotes a specific act, rather than a predilection or orientation. The word is less in use now than of old, particularly in the last century, when it was virtually a synonym of ‘sodomy’, as the ‘boy’ in question could be a youth or even a young man. The first part of both words comes from ‘pais’, meaning ‘boy’, but only in the case of ‘paedophilia’ has this first part been generalised to include children of either sex.” Curiosa inversão lingüística do grego ao português, em que pais é o exato oposto!

I am often asked what proportion of the adult population is paedophilic and whether more are attracted to boys than to girls, or vice versa. The answer to either question involves definitional problems and the practical difficulty of obtaining accurate data. Is a woman a paedophile if she gets a ‘buzz out of parenthood’? What about those mothers who report genital arousal while breast-feeding? Or fathers who think they are conventionally heterosexual, but who find to their alarm (as sometimes happens) that cuddling a young son can bring on an erection? Do people have to be exclusively attracted to children, or self-defined as paedophilic, for the label to be appropriate? And what do we mean by a ‘child’? Do we take puberty as the upper edge of childhood, or is the word ‘paedophilia’ to embrace the love of pubescent youngsters as well? Finally, in view of all these ambiguities, does the labelling process itself give a false impression of separable categories of people, when in fact the differences between them may be less important than the similarities? The problem of obtaining reliable data is even more difficult. Adults can be asked about their sexual preferences by means of a confidential questionnaire. Or inferences can be drawn about the sexual tastes of those whose behaviour leads them to court appearances for paedophilic offences. Or we can be guided by the professional experience of the psychiatrists to whom paedophiles go for ‘treatment’. None of these methods, or any others I have seen discussed, is at all satisfactory, for a variety of reasons. In particular, it cannot be over-emphasised that criminal statistics are misleading: a high percentage of those convicted of sexual offences involving children are not ‘classic’ paedophiles, i.e., they prefer an adult partner. In addition, only a small proportion of paedophiles have relationships which surface in the law courts. Of the practising paedophiles interviewed by Rossman, only 1% had ever been arrested (Parker Rossman, Sexual Experience Between Men and Boys: Exploring the Pederast Underground, p. 13). Dr. Edward Brongersma has written, ‘In a recently published French study, 129 men (average age 34 years) said they had had sexual contact with a total of 11,007 boys (an average of 85 different boys per man).[!] The laws which make such contact criminal are thus in practice ineffective. This enormously high dark number shows that the law has degenerated to pure arbitrariness against a few unlucky individuals.’

In response to an inquiry conducted among students at Nijmegen Catholic University in Holland, 13% of the boys and 18% of the girls reported that, as children, they had had at least one sexual contact with an adult” “Kinsey had data from 4,441 women, of whom 24% reported that they had been approached while they were pre-adolescent by adult males who appeared to be making sexual advances, or who had made sexual contacts with them. Half of these cases (52%) were of exhibitionism by the adult, and less than a quarter (22%) resulted in specifically genital contact with the child. At the University of California, 35% of the female students reported having had, as children, sexual relations with adults.”

The criminal statistics for England and Wales (…) found that in the year under study (1973) 88% male partners/victims and about 70% of female partners/victims in cases of indecent assault were under 16. In this year, 802 persons (8 of them female) were convicted of indecent assault on a male, and 3,006 (6 of them female) were convicted of indecent assault on a female.”

At the Old Bailey, in 1979, a defendant, Roger Moody, was acquitted of a charge of attempted buggery on a 10-year-old boy, on the directions of the judge, after it emerged that improper police questioning of the boy had yielded an unsound statement by the youngster. A further charge of indecent assault on the same boy was thrown out by the jury after only a 15-minute retirement. Both charges related to one alleged incident when the boy was sleeping on an adjacent mattress to the man during a holiday. The most important single feature of the proceedings was the testimony of the young ‘victim’ in court that he had not made a complaint against the man, but merely accepted the allegations as a possibility, when put to him by the police 18 months after the ‘offence’, and then without a parent being present, as required by the proper procedure for questioning children of that age. In other words – so the jury must have accepted – the police had got him to state that a crime with a maximum sentence of life imprisonment had been attempted, and that one carrying a maximum of 10 years’ prison had actually taken place, even though he eventually accepted in court that whatever he thought had touched him might have been a hand, and it might have been accidental, and it was as he was just waking up anyway. Interestingly, Roger Moody had freely admitted to being a paedophile and that he had a great deal of affection for the boy. The fact that, in the full knowledge of this, both judge and jury were unhesitatingly in favour of acquittal, amounts to a massive indictment of police handling of the case.”

4. PAEDOPHILIA IN ACTION

Sometimes he had fits of being playful, or when he wanted to kiss me he liked to pull my pigtails or tickle me in the ribs or give me a big cuddle. Once I saw him looking down my blouse as I was stooping to pick strawberries, and that is quite a discovery for a rather slim lass of that age, especially when you, as I was then, are terribly proud of the little breasts already beginning to form.

I well remember that I went red but carried on as if I hadn’t noticed, but felt like undoing my blouse to let Uncle Herman see even better that I was a growing girl. First I didn’t dare, but later about midday when we were hoeing I said that the heat was stifling (it was a very hot day) and, very bravely, took off my blouse so as to be just like Uncle Herman and looked very sportsmanlike showing my naked torso. I was, of course, too young for a bra.

The way he looked at me standing there in my jeans! But, funnily enough, I wasn’t shy any more. The hoeing was soon finished and we suddenly felt like a drink of lemonade, logically because the little drawing room in the summer house that Uncle Herman had built could not be seen from the other allotments.

He was just different from other occasions and I remember that he was flattering me terribly; that I was so big and that he had no idea (as if I didn’t know better) that I already had a bust, and whether growing didn’t hurt, and whether I knew they were not often so big to start with. . . . It was just small talk, but naturally I lapped it all up.

And I didn’t mind at all him squatting in front of me, when I was sitting on a tree stump, and feeling my small breasts and rubbing his fingers over my nipples. It was not nasty, dirty or repulsive because, well, because it was Uncle Herman. This is something that can never be explained, naturally, but can only be felt if you knew him as we children did. There was no question of a schoolgirl ‘crush’.

As always, one thing led to another, as far as I can remember it was hardly 10 minutes before I was standing stark naked in front of him, but well inside the house, safely behind the curtains. And even that seemed to happen of its own accord. When I folded my arms behind my head, because I had discovered in the mirror at home that it made my breasts look bigger, Uncle Herman said that I would soon be getting hairs too under my armpits, and I proudly blurted that I had some ‘down below’. This he would not believe (or pretended not to) because my armpits were still bare and, when I insisted, he of course dared me to prove it. When I began to take off my jeans he drew me further indoors, I knew that I had not planned to undress completely but, when I had taken my jeans down far enough to show him a few blonde hairs, I suddenly became very daring and stripped them off.

Naturally I knew that my little naked body didn’t look like anything, but then I felt almost like a film star, for Uncle Herman looked at me as if I were Sophia Loren. It was, of course, a funny feeling standing there naked, but not at all nasty, as it had been shortly before at the sports examination for basketball, when I had to take my knickers down. I was quite at ease with Uncle Herman and I remember vaguely that he said that he felt it was such a pity that he hadn’t got such a nice daughter (Uncle Herman and Aunt Koosje had no children). In any case he was being paternal, but not for long, for when I sat on his knee he began to kiss me and to stroke my breasts, belly and thighs with his big hands. Very soon his fingers were busy between my legs.

I experienced this as a tremendous sensation, not so much from what I felt, but from what he did. I think that I understood that he liked young girls and had grasped his chance and I willingly allowed him to do what he wanted. He was so dear to me and said such nice loving things. I look back on it now as an odd but fine first experience; in fact I liked it so much that, when I went home, I asked if I could come and ‘play Eva’ (as he called it) again. Uncle Herman wanted that, too, and we arranged to go to the allotment on the following day after the evening meal. Uncle Herman often worked there, but now no work was going to be done.

I wanted to pull off my dress at once but he pulled me towards him and began to talk to me terribly seriously and to say that we couldn’t do it any more and that he could be put in prison for what he had already done; that my parents would never forgive him if they discovered what had happened and so on.

But when I said that I enjoyed his seeing me naked and being stroked all over, we became sort of blood brothers in order to share our secret.

Then he undressed me and laid me on the old battered sofa and kissed me all over. I found it was a wonderful sensation. Gradually this summer I was being completely initiated and ‘woken up’, and soon Uncle Herman took off his clothes too and taught me how a girl can satisfy a man. He taught me all kinds of positions and the pleasures of licking and sucking but he kept himself completely in control (that I find a real achievement) and did not have actual sexual intercourse with me.

He found it, sometimes, sufficient just to look at me, especially when I was doing naked gymnastics for him (I was and still am very supple); then I saw his member get stiff in his trousers. One day we did something really crazy and ran, stark naked except for our rubber boots, through the pouring rain, to pick berries. We had wonderful fun and there was nobody to see us and when, dripping wet, we took refuge indoors again, we dried each other and had sex.

Once again I don’t want to defend what Uncle Herman did and certainly don’t want to praise paedophilia highly, but I spent just as fine a summer as he did. It came suddenly to an end when Daddy, who is a station master, was transferred again and perhaps that was a good thing.”

I myself have spoken to a number of prisoners and ex-prisoners who readily tell me that they can see nothing wrong with an attraction to little boys or girls, as long as any relationship is based on consent – but that they wouldn’t dream of saying the same thing to a prison psychiatrist.”

In the same way that countless women grow up, are married and go through their whole lives without realising that the attraction they feel for other women is, in fact, sexual and that they are really gay, many women do not identify their feeling of love and attraction to children as sexual. Perhaps they don’t really enjoy sex with men, but get enormous pleasure from cuddling, caressing and bathing children. They get satisfaction from this but don’t see their natural spontaneous feelings as anything to do with paedophilia. A friend of mine, whose girlfriend had a baby, enjoyed a close loving relationship with the child and did see it as sexual – they had a lot of fun together.

In Mexico, mothers and grandmothers often lick their babies’ genitals to soothe them to sleep. The babies obviously like it. Is this a sexual assault? Should they all be arrested? It’s well known that babies and small children need to be touched and held a lot, otherwise they suffer severe emotional problems that can continue throughout their lives. So when do we define a touch as sexual? And indeed should we make that distinction at all?

Some would define the sexuality or otherwise of a touch in terms of its effect on the toucher, i.e. if the touch is accompanied by specifically genital arousal in the toucher, then it is a sexual touch. So when the correspondent talks about the ‘enormous pleasure’ women get from cuddling and caressing children, it is a moot point whether this pleasure is genital. In terms both of semantic precision and of the clarity of thought which such precision implies, the distinction as to what is, and is not, sexual pleasure is important. On the other hand, we should not lose sight of the fact that the effect on the child is the important thing in the last analysis. Does it really make any difference to the baby whether the adult who gives it delight by licking its genitals is definitely turned on sexually, or turned on from a more generalised sensuality, or even from the ‘pure’ non-sexual motive of deriving satisfaction from the pleasure given to the child? As the correspondent rightly says, should we bother to make the distinction at all?

Her comments go a long way to explaining why female paedophilia, like lesbianism, is largely invisible in our society. Women have a licence to be intimate with children, and their motives for doing so are invariably interpreted as non-sexual, in all but undeniably sexual situations, chiefly coitus. Thus occasionally a woman appears before the courts if she has allowed or encouraged boys to have intercourse with her. By contrast, in the absence of coitus as a possibility, sexual acts between women and girls are rarely proceeded against. I imagine most people think they never happen and that women just do not want them – yet I personally know women who feel that a major part of their sexual response is towards little girls.

The following account of lesbian paedophilia appeared in Body Politic, the Canadian gay magazine, and relates a story from the youngster’s point of view. As will be seen, concern over the effects of a relationship need not be all one way.

Donna lives in a small town in staunch Presbyterian Ontario where everyone knows everyone else, and where <it’s difficult to be unconventional and almost impossible to be lesbian.>’

Sharon was a teacher at her public school.

She first taught me 6th grade. I guess I was attracted to her then though I didn’t think of it in sexual terms. But then I didn’t think of anything in sexual terms at the time.’

Sharon was a married woman – her husband was also a teacher – and she had 2 children. At the time, she was more than twice Donna’s age. The first woman Donna was actually involved with, however, was Jean.

I worked away from home the summer I was 14. I met Jean and was really impressed by her. But it’s hard to imagine going to bed with a schoolfriend’s mother. It was the next summer before I actually had the nerve to do it. I was 15 – she was 43. She was a beautiful woman, but our relationship was fraught with contradictions. I wanted it and initiated it, but I also felt guilty and fearful; I knew Jean’s life as a 43-year-old wife and mother of 7 children was complicated enough without the added burden of a lesbian relationship with a 15-year-old kid.’

Meanwhile, Donna had maintained a regular correspondence with Sharon.

It seems quite strange, looking back on it, the way we cultivated our friendship. Real child-adult friendships are probably quite rare. We wrote letters even though we only lived a few miles apart; that made it seem a bit furtive, too. I guess we had to be content with melodrama when we had so few opportunities to see each other and when there were no acceptable forms for expressing what we felt for each other. That is, until I came out for the first time.’

By the following summer, Sharon and Donna had been able to contrive some way of spending time together.

I had just turned 16 when I told her about Jean and me. In retrospect my big confession seems sort of unreal. We had been out canoeing and had gone ashore on a small island. It sounds very romantic, doesn’t it? I was a regular little Conspirator. Only it didn’t turn out exactly the way I had planned. I was more or less saying to Sharon <All right, if you feel the same way about me as I feel about you, don’t be afraid. You aren’t leading me astray. You aren’t taking me anywhere I haven’t already been.> Her reaction seemed mostly to be shock. I guess I wasn’t the most tactful 16-year-old.’

But Donna’s coming out about her relationship with Jean eventually did have the desired effect.

Sharon later told me that she felt strongly, almost magnetically drawn to me for those few minutes on the island and that her own responses were what really shocked her. Ours was her first lesbian relationship and seemed, for her, to carry all the significance of a first exploration of her sexual identity. But again I felt guilty. Partly because of society’s condemnation, should the nature of our relationship ever become known. But more because, although Sharon’s sexual orientation is to other women, she has chosen to live a heterosexual lifestyle. And I was a threat to her family – her security. Again, I wondered if maybe I wasn’t taking more from her in emotional support and understanding than I could return.’

In many people’s eyes, it would be inappropriate to say that Donna was a ‘child’ at the time of her association with Jean and Sharon. But what about Beth Kelly, now mature in years, and a radical lesbian feminist, who, as a ‘precocious’ 8-year-old, developed a relationship with a grown woman? She writes:

The first woman I ever loved sexually was my great-aunt; our feelings for each other were deep strong, and full. The fact that she was more than 50 years older than I did not affect the bond that grew between us. And, yes, I knew what I was doing – every step of the way – even though I had not, at the time, learned many of the words with which to speak of these things.

Aunt Addie was a dynamic, intelligent, and creative woman – who refused, all her life, to be cowed by convention. In an extended family where women played out <traditional> housewifely roles to the hilt, she stood out, a beacon of independence and strength. She was a nurse in France during the I World War, had travelled, read books, and lived for over 20 years in a monogamous relationship with another woman. Her lover’s death pre-dated the start of our sexual relationship by about 2 years. But we had always been close and seen a great deal of each other. In the summers, which my mother, brother and I always spent at her seashore home, we were together daily. In other seasons, she would drive to visit us wherever we were living, and often stayed for a month or so at a time…

I adored her; that’s all there was to it. I had never been taught at home that heterosexual acts or other body functions were dirty or forbidden, and I’d been isolated enough from other children to manage to miss a lot of the usual sexist socialisation learned in play.

It never occurred to me that it might be considered <unnatural> or <antisocial> to kiss or touch or hold the person I loved, and I don’t think that Addie was terribly concerned by such things either. I do know that I never felt pressured or forced by any sexual aspects of the love I felt for her. I think I can safely say, some 20 years later, that I was never exploited – physically emotionally, or intellectually – in the least.’

Eglington, Greek Love, Neville Spearman, London, 1971.

https://www.amazon.com/Greek-Love-J-Z-Eglinton/dp/1589636376

5. DO CHILDREN NEED SEX?

The difficulty of getting love and lust together again after they have been firmly severed in childhood is at the root of almost every problem of erotic relations between 2 people.”

James Prescott, an American neuropathologist, has gone so far as to suggest that sexual satisfaction early in life, and sensual – specifically, tactile – pleasuring in infancy, are a direct antidote to violence in adulthood. His theory is based on correlations between levels of violence in 49 pre-literate cultures for which data were available, and certain variables reflecting physical affection – such as the extent in each of the cultures to which infants were cuddled, caressed and played with, and the permitted levels of pre-marital and extramarital sex.

The method of measuring levels of ‘affection’ or ‘violence’ in any particular culture will of course always be open to dispute, but it is worthwhile pointing out that the scales used by Prescott were developed independently, by anthropologists.”

Six societies, apparent exceptions, were characterized by both high infant affection and high violence. But in five of these cultures a high value was placed on virginity and pre-marital sexual repression was the rule. On the other hand, 7 societies were characterized by both low infant physical affection and low adult physical violence. All of these were permissive towards early sexual behaviour – which tends to confirm the therapeutic value noted by some observers of the hugging and caressing of otherwise emotionally deprived children in paedophilic relationships.”

Prescott points to laboratory experiments with animals which are consistent with his theory. ‘A raging, violent animal,’ he says, ‘will abruptly calm down when electrodes stimulate the pleasure centres of the brain. Likewise, stimulating the violence centres of the brain can terminate the animal’s sensual pleasure and peaceful behaviour.’

6. TOWARDS MORE SENSIBLE LAWS

It is now over 4 years since PIE [ver a história do PIE nos capítulos finais] formulated its proposals on the age of consent, in the form of legal recommendations made to the Home Office Criminal Law Revision Committee. At the time, the proposals were received in total silence by the press, although we understand that at least one cabinet minister was impressed.”

7. THE PHILOSOPHY OF CHILDREN’S RIGHTS

The idea that children can have rights in any matter, never mind the contentious area of sexuality, is a new one, and at this stage in history it is still considered incumbent on those who talk of ‘children’s rights’ to provide some philosophical justification of their position.”

This paternalistic conception of children’s rights represents what is now entrenched, traditional thinking, at least in the Western democracies. It is to be seen most clearly set out in the United Nations Declaration of the Rights of the Child, which has its origin in a League of Nations declaration of 1924.” De fato, difícil de imaginar que algo emanado da Liga das Nações, em pleno entreguerras, que só jogou mais sal na ferida, seja sensato.

Thus in Principle 6 it is stated that ‘The child, for the full and harmonious development of his personality, needs love and understanding. He shall, wherever possible, grow up in the care and under the responsibility of his parents.’

Also in Principle 7, on education, it is stated: ‘The best interests of the child shall be the guiding principle of those responsible for his education and guidance; that responsibility lies in the first place with his parents.’Só hipocrisias. Pode-se mesmo dizer de algum indivíduo até hoje que ele teve jamais pais genuinamente sábios e ponderados?

The phrase ‘best interests of the child’ is one we shall be considering a lot during this chapter, for in it is embodied the assumption that the benevolent exercise of control of the child by its parents, or sometimes by the State, is incontestably the correct, indeed the only, way to secure the ‘best interests of the child’.”

When intervention occurs, bureaucratic discretion takes the place of family discretion. The statutes allowing for State intervention imply that the State’s representative will know what is in the child’s ‘best interests’.”

In addition to acts which are criminal for adults (e.g. armed robbery), children may be accused of delinquency for misbehaviour that is not criminal for adults. The so-called status offences, incorrigibility, truancy, running away, sexual precociousness, represent a confused mixture of social control and preventive care that has resulted in the confinement of thousands of children for the crime of having trouble growing up.” Rodham

The classic case of Maria Colwell illustrates the point perfectly. 7-year-old Maria’s stepfather, William Kepple, was found guilty of beating her to death, not long after a court had decided she must leave her foster home to live with him and her natural mother, Mrs. Pauline Kepple. Her natural father died when she was a baby.

Maria had been taken into local authority care when she was 6 months old, after an NSPCC investigation had revealed neglect by her mother. In the years that followed she was fostered with relatives in what was by all accounts a good and loving home, until Mrs. Kepple exercised her parental ‘right’ to the return of the child, unopposed by the local authority social worker in charge of the case.” Cf. https://en.wikipedia.org/wiki/Killing_of_Maria_Colwell.

The bureaucratic view, based on the dogma that every conceivable effort should be made to have the child brought up by its natural mother, was woefully doctrinaire and unsuited to the circumstances of the case. If only the law had had available some mechanism by which Maria’s own views could have been made known – she wanted to stay with her foster parents – the whole ghastly business need never have happened.

Fortunately, publicity surrounding the Colwell case, and others like it, contributed to the success of Dr. David Owen’s Parliamentary Bill which introduced provisions for children to be represented in court by advocates who would represent their interests separately from those of either the parents or the local authorities”

Richard Farson, author of Birthrights, published in the United States in 1974, is perhaps the most famous of them. John Holt, of Escape From Childhood renown, is another, and both owe a debt to the French historian Philippe Ariés, whose book Centuries of Childhood was the first in the field with a coherent development of the idea that the whole concept of ‘childhood’ – of children as necessarily ‘innocent’ and incapable beings – is a relatively recent invention.”

Before the 17th century, children were not thought of as innocent. Only then did innocence become the idea of childhood. It was at that time that children were no longer given indecent books to read and life began to be hidden from them. Previously, adults in the presence of children had talked and acted openly about sex and every other ‘adult’ matter. There was considerable sexual precocity. Louis XIV was in his wife’s bed at age 14. Girls often married at 13.”

(And one must bear in mind that the age of puberty was much higher then than now.)”

Farson rightly points to the power politics of religion coming to take the child’s mind as a battlefield: religion as a factor in education had been a matter of earnest theorizing since Plato, but the stressing of the peculiar importance of the child’s mind, especially the young child, because of his impressionability, was the preserve of the Jesuits of the Counter-Reformation. Hence their well-known saying: ‘Give me a child for the first 7 years, and you may do what you like with him afterwards.’

If it was felt that the child’s mind was a blank, it was at least conceded that his heart, or soul, was another matter. Those who fought for the control of the child’s mind, and through it for his heart and soul, at least began to take the child seriously as a person, even if it was only to mould and change him to a particular straight and narrow development.

Thus we have a curious, and paradoxical state of affairs in which 2 apparently mutually-exclusive views of the child develop hand in hand. One is that of the stern religionist who feels that as we are all ‘conceived in sin’, we are by nature sinful. We are imbued from the start with a devilish, lustful will, which has to be broken; hence the belief that children should be made from the earliest stages of life to feel tortured by guilt about masturbation: it had to be eliminated with the utmost ferocity. It was this doctrine which gave impetus from the 18th century onwards to all those stories about masturbation making one go blind or insane, and which meant that any discovered transgressions would be punished by the whip, or by locking up the child’s genitalia in absurd and obscene chastity devices designed to prevent self-manipulation.

Yet this very restriction of the child, this ferocious insistence that all his sexual feelings be repressed, was – at the same time – used to reinforce the sentimental notion of childhood ‘innocence’: not only is the child forced to be unsexual, but he is then praised for the ‘innocence’ of his nature, which is totally unnatural to him.”

Farson’s view of history, à la Ariés, is that a proper view of the child was held in former times and that we lost it. Others have found this ‘golden age’ idea rather simplistic, or at least insupportable in view of the grossness of child abuse in practically every era of history, including those eras before the ideas of ‘innocence’ and ‘protection’ took a hold.”

in the most advanced societies, particularly in the United States, young people can spend an extended adolescence of non-paying college work, during which they are economically dependent on parental support, right into their mid-20s or beyond. And if they don’t make it, if they leave high school, or the comprehensive, at the earliest opportunity, they remain similarly alienated by joining the dole queue, or going to a low-grade, low-income job in which their alienation from full adult status is similarly complete.” Bear the criminal, bear the criminal until it’s time to shine and to avenge your offended spirit! With hate, TO Jesus!

QUANDO OS SIONISTAS ERAM COMUNISTAS ELES ERAM MELHORES

Farson addresses his attentions to the merits of that-most-examined-of-all commune arrangement, the Israeli kibbutz. He points to a number of factors about the kibbutz which reduce parent-child conflict:

1) The child, supported by the kibbutz, is economically independent of his parents;

2) equality of the sexes eliminates the patriarchal family system;

3) the importance of the nurse allows the child to love someone other than his parents;

4) because nurses handle the primary discipline, the daily visits of parents and children can take place under ideal conditions;

5) jealousy and anger that have to be expressed in the family can be expressed in the kibbutz because the child can find more legitimate objects of aggression among peers; and

6) the collective framework shields the child from overprotective or domineering parents who might block his efforts to become independent.”

Underlying all these questions is a yet more fundamental range of questions about society’s expectations of its children: about the implicit, or explicit, aims of child rearing and of education, about each generation’s expectations for its children as they grow up, not only as individuals, but in terms of the future nature and achievements of society as a whole – though it is even an assumption to suppose that all societies have any expectations of their offspring: there are some happy-go-lucky peoples (or irresponsible, unimaginative ones?) who do not consciously impose values or goals of any sort, beyond what can be summarized in the slogan ‘Do your own thing’ (if by sheer chance, you happen to have developed one!).” Have money, be like me! Win, you fool! Said J.

The Israeli sense of purpose lies in fairly crude, but clearly defined, nationalism. Other examples of such a strong communal purpose can be found in a variety of religious communes, in Plato’s education of the ‘guardians’, and indeed in their ideological descendant, the English public school system (not, one would have thought, the most fruitful place at which to start the quest for children’s rights!).

But we must be careful that in any such quest we do not put the cart before the horse: we must first, like Plato, look to the nature of ‘the good’, and of a ‘just’ social order, before we can proceed to the issue of whether the idea of children’s rights is at all appropriate.”

John Rothchild & Susan Wolf , Children of the Counterculture, 1976.

The authors, themselves high-achieving, middle-class parents, admit to having ambitions for their own children, and make no bones about it. But at the same time they point out that the social ‘education’ of the counter-culture children was not nearly as disastrous as might be supposed. Despite their immensely dangerous surroundings, and their lack of formal education, or guidance of any sort, these children seemed to be growing up to be much more pleasant and self-reliant than conventional middle-class children. There appeared to be amongst them a sort of new breed of Noble Savage, like 12-year-old Andy Peyote, whom the authors met when he was hitch-hiking, alone, on a Californian highway. The son of a famous commune pioneer from the New Mexico hills, young Peyote – courteous, clean, intelligent, competent in the practical business of looking after himself, and neither a deadbeat nor a rebel (there being no rules or rule enforcers to rebel against) – clearly struck a romantic chord in the hearts of Rothchild and Wolf.” Um Tom Sawyer do mundo real?

I must admit it: letting children do what they want makes me nervous. I’m scared of anarchy. I used to like a reasonably orderly classroom, full of well-behaved children who put their hand up to ask questions one at a time, who paid attention to what I told them and didn’t give too much trouble. Even now, if I’m chatting to children who don’t know who I am, even if I’m being friendly and relaxed and informal, I tend to give the impression, despite myself, that I’m a schoolteacher. I don’t boss children around, but just in small things – like suggesting that they put their lollipop wrappers in a waste bin – I automatically find myself modelling their behaviour. This being the case, I find the romantic freedoms of the counter-culture completely hair-raising and devoutly to be avoided. On the other hand the freedom of A.S. Neill’s Summerhill: A Radical Approach to Education is a different matter.”

However, I cannot help but agree with the view of Paul Goodman, author of Growing Up Absurd, when he asserts that Neill, in encouraging children to govern themselves, was to some extent falsely imposing adult ideas: one man one vote, the social contract, political democracy, can be taken much too seriously.”

No geral o autor começa com gás seus capítulos, mas logo se torna um debate insosso de minúcias como “hora de ir para a cama”, citando sem descanso seu material bibliográfico. Além disso, quando chega, por exemplo, a citar Rawls ou feministas, eu preferiria ter contato com estas fontes na origem primeiro, para não corer o risco de estar sendo mal-conduzido por outras lentes. Destarte, me obrigo a praticamente pular para o próximo capítulo mais ou menos na metade do anterior. Em quase todos acabei por fazê-lo, até quase o fim do livro, em que O’Carroll (pseudônimo?) retoma vários pontos interessantes do início da obra!

8. ‘CONSENT’ AND ‘WILLINGNESS’

Basic elements constituting freedom of choice arguably include:

(i) a full knowledge of all the short- and long-term consequences to which participation in a sexual act could lead;

(ii) a developed notion of which sexual activities (and partners) are exciting and desirable;

(iii) control over the situation, so that withdrawal from it can be made at any point, if so wished.

These factors may prompt some approving nods as criteria for consent, if only because they appear to rule out most, if not all, children. Giving it a moment’s more thought, however, a problem arises: even adults, in embarking on a sexual encounter or relationship, cannot be sure ‘where it will all end’; nor do most people enter adulthood with a fixed idea as to the activities, and people, that might turn them on – the scope for experiment and discovery is a lifelong one. Only the third factor, that of control over the situation, appears to maintain its crucial importance when viewed in an adult context.

The usual mistake is to believe that sexual activity, especially for children, is so alarming and dangerous that participants need to have an absolute, total awareness of every conceivable ramification of taking part before they can be said to give valid consent. What there most definitely needs to be, is the child’s willingness to take part in the activity in question; whatever social or legal rules are operated, they must not be such as to allow unwilling children to be subjected to sexual acts. But there is no need whatever for a child to know ‘the consequences’ of engaging in harmless sex play, simply because it is exactly that: harmless.

Sex, especially the non-penetrative sex play to which child-adult activity is almost entirely confined in the case of younger children (i.e. those children of whom it can most readily be said that ‘They don’t know what they are doing’), is not in itself remotely dangerous – unlike playing in a busy road. Nor do children need firm ideas of what a particular new experience will be like, any more than do adults trying, say, ‘69’ for the first time: the activity may prove more, or less, exciting than they suppose, but as it is completely harmless there is no reason why it cannot be safely explored.

It will of course be pointed out that children who enter a sexual relationship blissfully and innocently unaware of sexual shame and guilt, could be in for a rude awakening when a relationship is discovered. This leaves a question. Should we protect children from sex (to avoid the consequences of the guilt and social retribution arising from it) or, alternatively, should we make the reduction of guilt a priority? Knowing the hideous consequences of guilt, and the harmlessness of sex per se, I myself don’t find it a particularly difficult question to answer.

In a nutshell, there is no reason why the same criteria of ‘consent’ that we would apply to a young adult signing on for a 9-year term in the Army, or for a life-long commitment in marriage, should operate at all: such criteria, which hang on mature judgement, are not necessary for the protection of the child’s best interests.” Discurso generalizado: Agora que você já é um hominho, pode morrer por nosso país; ou trabalhar no McDonald’s e ralar para sustentar novas crianças que deverão esperar 18 anos até cuidarem do próprio nariz (ou jogarem a vida no lixo)!

A lack of ability to ‘read’ an adult’s (possibly disguised) sexual wishes and intentions, and a failure to understand that their own (merely) friendly behaviour may be interpreted as intentionally seductive, could result in children allowing things to happen ‘before they know where they are’. Eager friendliness with an adult could quickly turn to apprehension, and perhaps to passive compliance in sexual acts which were not desired. Such a situation would plainly be unsatisfactory, for although the child might theoretically be able to say ‘no’, she or he might (perhaps through sudden fear of the adult, as a result of his unexpected behaviour) find herself or himself in practice unable to do so.”

The possibility that adults may tend to ‘engineer’ the willingness of children, that they may ‘manipulate’ their consent, gives rise to a great deal of unease, and needs to be considered at some length. It might be suggested, for instance, that no matter how precocious a young child’s sex education has been, there has to be a first time for all her/his experiences, and at this point the child is not in a position critically to evaluate whatever an adult partner says an experience will be like, or what it will lead to.” “In our culture, the words ‘disadvantage’, ‘manipulation’ and ‘vulnerability’ immediately spring to mind as concomitants of the younger partner’s lack of experience; in the pro-sexual cultures examined earlier, ideas roughly corresponding to our words ‘guidance’, ‘showing how’, or ‘initiation’, represent the prevailing way of thinking.”

In Britain it is enshrined in the 1944 Education Act that all children in all schools shall begin the day with an act of worship – the only element in the curriculum which is insisted upon by statute. This being the case – religion being considered to be of vital importance – one might have expected that there would be an equal concern in Government, at least as great as that in relation to sex, that children should not be subjected to ‘manipulation’ by ruthless adult salesmen offering every kind of creed; that these people should not be free to exploit the vulnerable minds of children. If it is true that children are incapable of making judgements about sexual relationships, how much more adept are they likely to be at judging the rival claims of Protestant and Catholic, or Jehovah’s Witnesses and the Exclusive Brethren?” “But no. Even though this is an important issue, adults are free to fill a child’s mind with any prejudice or bigotry they like, without any danger of facing a sentence for corrupting a minor, assault on a child’s mind, or anything else. Children are seen as fair game for the imposition of any religious belief or value system that the adult, particularly the parents, cares to impose.” Uma religião falocêntrica. Que ironia!

Why does society tolerate this? Partly, there is a vague feeling that it is better for a child to have some religion than none at all – not least because most religions emphasize a restrictive sexual ‘morality’!”

By a draconian anti-sexual emphasis of this sort, however, society would achieve (as it in fact does) a lasting repression of sexuality in children, and destructive feelings of sexual guilt lasting throughout life – exactly the vicious circle from which I am suggesting society should try to break free. Less heavy-handed measures might include support for extended, non-nuclear family arrangements, in which the infant’s upbringing would be less monopolized by one person than at present, and thus less subject to the idiosyncratic needs and projections of any one person.”

corporal punishment. There is no shortage of school teachers ready to beat out the fantasized ‘badness’ of their charges, largely for their own gratification. It is curious that this rates as such an unobjectionable activity in our society, especially among those who furiously oppose the sexual ‘corruption’ of children.”

Young children above the age of infancy become susceptible to manipulation of a less direct kind, characterized by deception. When children acquire language, they can be told untruths, from the relatively (though not entirely) benign Father Christmas myth, to the pernicious threat of the ‘bogeyman’, who comes to take away naughty children. Sexual myths usually fall into the pernicious category, alas, so that the whole area of sexuality becomes poisonously invested with mystery and darkness – and the perpetrators, far from being paedophiles, are usually ordinary parents who, because of their own sexual anxieties and conflicts, are inclined to deceive children with such classics of deception as the idea that babies are brought by the stork.”

A paedophile who concocts a non-sexual ‘reason’ for he and a small child to strip naked together, say, may succeed in arousing the child’s sexual curiosity and excitement. This would quite clearly be manipulation, based on exploiting the ignorance of the child as to the adult’s motives. Supposing, by contrast, the paedophile had been scrupulously non-manipulative. Supposing, instead of playing tricks, he had simply, and openly, invited the child to ‘play’ sexually. Both approaches would require for their success the child’s willing involvement and participation at all stages. The fact that in the more manipulative case the participation is induced by sleight of hand [destreza, astúcia] is really less important than the fact that the child is relaxed and enjoying the situation. Indeed, the sleight of hand may be an effective means of enabling the situation to occur ‘naturally’, so far as the child is concerned, without any embarrassment or uncertainty on the adult’s part.”

9. POWER AND EQUALITY

Not all women see this power relationship as necessarily a problem though. Having researched paedophilia for a higher degree thesis, Jane Gale has written (‘Paedophilia’, MA thesis for the University of Kent, 1978):¹

Sexual acts between children are often considered exploratory and are consequently acceptable. Between child and adult the act is not considered exploratory, but rather a power relationship as the adult has a greater life experience and a greater propensity for evil and by his superior physical and mental strength may harm the child far more than another child could. It must be remembered that the adult, if he has a greater propensity for evil; also has a greater propensity for good.¹ If a relationship should be deemed unacceptable because of the unequal distribution of power, then most heterosexual adult relationships are unacceptable.³ The greater life experience of the adult may be more beneficial to the child than a relationship with someone of his own age.’

¹ Essas bibliografias são impossíveis de encontrar.

² Argumento muito falacioso e conveniente, embora filosoficamente correto.

³ Correto. Aliás, maioria das homossexuais e parafílicas também.

Another model, made much of in J.Z. Eglington’s Greek Love (op. cit.), is that of teacher-pupil – the mentor relationship.”

The phrase ‘a woman trying to catch a man’ is much more familiar. Traditionally, it means trying to catch a man in marriage; to inveigle him into committing himself into a life-long contract, to lure him into providing her with emotional and economic security. Jill Richard¹ (‘Children’s sexuality’, Radical Therapist, Vol. 5, No. 1, 1976) and other feminists would doubtless agree that the politics of ‘catching your man’ are self-defeating, leading the woman into self-imposed bondage, dependency and inferior status. The implications for the man of the woman’s success in making her catch are also a matter of male regret: in winning a woman’s love, in winning regular sex, he pays the heavy price (usually too heavy, he feels) of being responsible or having commitments.

¹ [Da autora, um artigo mais contemporâneo – envolvendo a polêmica do retrocesso da prática do aborto legal nos EUA –: https://www.academia.edu/32396125/Pussy_Wars.]

Responsibility’ and ‘commitment’ are in fact distinctively key words of adult life and often relate to matters outside personal relationships (…) a priest may have a ‘great sense of commitment’ to the Church.” Compromisso e responsabilidade laboral – para o resto temos zero energia!

Faced with a woman who uses her personal-political art to get a man to sign on the dotted line of a life-long marriage contract, a man does need such maturity (and often hasn’t got it). He needs to be able to make subtle judgements about whether he and she are going to be suited to each other even when, in years to come, they may find each other a little less physically compelling. Notoriously, when people are romantically in love they are incapable of making such decisions sensibly: they become blind to the fact that because they ‘love’ each other now, this happy state may not last indefinitely. As Denis de Rougement (Love in the Western World, Anchor, New York, 1957) has eloquently argued, marriages based on the ideal of romantic love are built on shaky foundations, and the mere fact that a couple are adult when they make their decision does not alter this.”

Marriage is not so different from a hire-purchase contract. You don’t sign unless you can keep up the payments. And you don’t know your capacity for keeping up the payments unless you first have experience in handling money (or in marriage, the opposite sex) and your judgement is mature. Insufficiently mature judgement, it hardly needs saying, can land one with a great deal of misery and hardship.”

In the 60s and early 70s, it was the height of fashion to be a sexual revolutionary, a ‘swinger’, a wife or husband swapper, a group-sex, happy-go-lucky all-round fun-lover. The name of the game was to have sex without guilt. To enjoy the bodies of others, and let others enjoy one’s own, without the essentially selfish aspect of trying to own the person inside the body, without trying to trap her or him into a ‘heavy’, committed relationship, which would serve only to shackle a partner in a physical and emotional chastity belt for much of the time. If only people would let their partners go when they wanted to, instead of expending a lot of emotional energy on keeping them away from rivals, then all would be OK. Everyone would have a lot of sex fun. Everyone would be spontaneously warm and loving to everyone else, not exclusively to one closely-guarded body-and-soul mate. [Bom demais para ser verdade!]

The trouble is that in an adult context the issues are not nearly as simple as many people liked to pretend they were, or really thought they were. Some genuine, truly generous-hearted people, believed that the selfish aspects of possessive love could be broken if only people would trust each other: trust the stranger as much as the known quantity: trust the wife’s newly acquired boyfriend to be as unpossessive as oneself, so that one would not be in danger of ‘losing’ her, only ‘sharing’ her. [E se o commitment fosse tão sério: e daí se a perdesse? Outras andorinhas viriam…] Some people managed to make it work. Others saw the pitfalls, the potential for betrayal, the double-dealing in sexual diplomacy. They saw the fact that smooth and cynical operators of the new freedom could get themselves a lot of sex all over the place and still keep one person as their special possession. (…) And then, what about the need for stability and commitment in bringing up a family?” Quase a mesma coisa que um burocrata liberal inserido num regime de autogestão socialista!

The men in boy-man relationships know that most of the boys are not going to grow up gay: they are Ariel spirits, happy for the moment to give and receive affection and sex play, but soon they will fly away to girls and adulthood. One might as soon try to catch the wind as tie them down in a heavy, exclusive, jealous relationship. They’d be off and away before you could say ‘sexual politics’.” “What about the 13-year-old girl who falls desperately in love with an older man? Aren’t they all vulnerable to the adult’s sexual politics?” “Personally, I wouldn’t like to be a parent responsible for coldly squashing such a young love. I wouldn’t want to say to a 13-year-old daughter, ‘What do you see in the old goat? He’s only after one thing, and I’m not going to let you see him again!’

A friend of mine – we’ll call him Bill – went for a long holiday in Malta. Bill is a very likeable and perfectly ‘normal’ heterosexual, whose main passion in life is angling [fishing, no sentido social ou figurado, fisgar – aqui, me parecia o sentido mais literal e ‘inocente’ possível]. In the first week of Bill’s stay on the island, a boy of 9 or 10 came to watch him fishing. Over the next 6 weeks or so the lad was his constant companion. When the time came for Bill to return to England, the child wanted to go with him. When told this was impossible, he did everything in his power to persuade Bill to stay. There was a scene that was not merely tearful, but anguished – hysterical even – like those harrowing scenes we associate with a court that awards custody of a child to the ‘wrong’ parent. Bill was astonished and appalled. He had no idea how much the boy had fallen for him. One does not know why he felt such a bond with Bill, or what deep need inside the boy Bill was at least partly fulfilling. What is clear is that the trauma of parting cannot be attributed to the effects of sexual seduction, or to any ‘manipulation’ by the adult. There had been none of either.”

10. CHILDREN IN EROTICA AND PORNOGRAPHY

Child pornography and child prostitution are matters which provoke an even greater sense of outrage, if that is possible, than child-adult sexual relations as such, and with some good reason.

Whereas a paedophilic relationship may depend for its existence simply on sexual and emotional ties between the child and adult involved, both pornography and prostitution appear to have their primary raison d’être in the pursuit of money. Sometimes the child makes money on his own account, sometimes it finds its way into the hands of parents, almost always porn producers are motivated by profit.”

For most youth, it’s the only way to get exposed, the only way to get sex with men … I knew I was a homosexual at 9 years old, I knew what I wanted, but the only way I knew how to get it was to go to the theatre and ask for money. Maybe that’s hustling, but it was very fulfilling – it served its purpose.”

Richi McDougall

Exploitation of this sort is essentially a problem associated with poverty, such as that in Victorian England and many parts of the Third World today. The answer accordingly lies more in the elimination of poverty than in law enforcement. But it should also be realized that prostitution is to a great extent rooted in sexual restriction, not in sexual freedom: as Engels said, the price paid by Victorian society for its official code of strict monogamy was that prostitution flourished alongside it.”

It is in any case more than a little ironic that the anti-pornographers should be the ones to express anxiety on this score: the more God-fearing among them usually make no bones about beating the fear of God into their own children, and commend the use of corporal punishment in schools.”

“‘Pornography’, like ‘fornication’, is a term heavily laden with overtones of shame and degradation. There may indeed be a place for such a word, if we want to talk about depictions or descriptions of sex which is itself in some way shameful or degrading (such as the rape scene from the film Straw Dogs [Sob o Domínio do Medo, 1971],¹ or sexist representations which cast women as the mere playthings of men), but we need a positive word as well, to describe the joyous or beautiful representation of the human body and happy sexual acts – and we have such a word: ‘erotica’.

¹ [E observe: hoje um filme classificado para +16 apenas (essas classificações são sempre histéricas e reacionárias – significa: normalização do estupro)!]

The question of when a representation is degrading and when it is beautiful is of course massively subjective; but we cannot possibly move towards a society with a healthily guilt-free attitude towards sex if we continue to insist on defining all representations of sexuality as degrading rather than beautiful. Nor should the depiction of nude children, or children engaging in pleasurable sexual acts, necessarily call for the use of the word ‘pornography’ rather than ‘erotica’. We have already discussed the devastating consequences of taking a negative attitude to the sexual development of children: joyous erotica featuring children can be beneficial in contributing to a more positive, healthy attitude.

Having made this distinction, the words ‘soft core’ and ‘hard core’ become redundant. These terms are used by the police, and others whose job it is to distinguish not between ‘erotica’ and ‘pornography’, not between good and bad representations of sex, but between degrees of badness – usually between what is legally permissible (just about) and what is not.¹ This distinction – between, for instance, showing a non-erect penis (soft core) and an erect one (hard core)² – is a dimension of concern only for those who feel there is something intrinsically ‘worse’ about overtly depicted eroticism than, say, mere nudity, i.e. for those who start with a shame-faced attitude to sex.”

¹ Nos anos 90 foi vista uma revolução: a hardcore pornography se tornou mainstream.a E há HCP em todos os espectros: dos exploiters de extrema direita à “esquerda florida do amor livre” ressuscitada: idols de Bruna Surfistinha – cujo protótipo seria Deborah Secco, que certamente não rejeitaria o rótulo de ‘feminista’ sob a égide da ‘liberdade do que fazer com meu corpo’ – aí se enquadram. Infindas discussões, mas diria que esta última vertente não entende que em seu jogo de autoliberação acaba recaindo num perde-perde, e não num ganha-ganha, da velha desigualdade de gênero… A hipocrisia nesse campo vai longe, com trocadilhos de linguagem flertando com a “barreira da legalidade”: atrizes pornô de 18 anos são chamadas de barely legal. Publicações impressas do fim dos anos 90 tinham essa alcunha!

a Com algumas concessões da legislação: nada de sexo com animais nem coprofilia, p.ex., aspectos banidos do PornHub, a verdadeira meca virtual da “pornografia legalizada”.

² Claramente o discurso dos anos 70 sobre essa dicotomia nada tem a ver com os mesmos vocábulos… em 2023.

Traditionally, arguments against erotica have been directed towards the effect on the consumer.¹ Only recently, with the discovery of child erotica, has emphasis shifted to the production side. As it happens, the change of emphasis is justified: undoubtedly the strongest arguments against child erotica relate to the effects on the children involved in its production. However, it is worth bearing in mind that for the most part those who in the past have been most vocal against erotica – Lord Longford² is a good example – found themselves up against all sorts of evidential difficulties in trying to work out a clear case for clamping down on erotica, purely on the basis of arguments related to the consumer; one senses that many of the ‘antis’ were all but leaping around with glee to find that the involvement of children had given them a new angle, a new set of arguments.

¹ [Mesma discussão improfícua acerca dos videogames e violência (e, finalmente, pornografia, ainda mais agora que existe o ultra-realismo gráfico).]

² [Nulidade atual, se pensarmos que o google mal reconhece sua existência.]

There is still plenty of life in consumer-based arguments, despite the fact that trying to prove whether a book, or magazine, or whatever, tends to ‘deprave and corrupt’ has become a long-running legal farce. Trial after trial of books since the passing of the Obscene Publications Act 1959 in Britain has shown that it cannot be easily established, at least to a jury’s satisfaction, what effect erotic literature is likely to have on people, in any ‘moral’ sense.” Mas os neocons nunca desistirão desse projeto político fadado ao fracasso. A não ser que igrejas comecem a lucrar com a violência ou eroticidade das mídias e obras de arte… aí talvez tenhamos uma trégua!

A more serious argument for the intervention of the law would exist if it could be shown that exposure to sexual material tended to increase the consumer’s likelihood to commit sex crimes. Scientific approaches to the effects of erotica have been addressed both specifically to this question and to other defined behavioural effects (including measurable changes in social and moral attitudes). Much of the work has been poor in quality, including a number of the studies undertaken for the massive and much-vaunted American Presidential Commission Report of 1970 (Report on Pornography and Obscenity, American Government Printing Office, Washington, D.C., 1970).

One recent addition to the canon, Eysenck and Nias’s Sex, Violence and the Media makes a more valuable contribution. This work has done much to clarify the issues, by making sensible distinctions regarding the type of erotica in question and the disposition of the viewer. Unlike the American Commission, which adopted a ‘permissive’ approach on the basis that they could find no proof for any dangerous effects of erotica, Eysenck and Nias adopted the firm conclusion that both violent representations and certain types of pornography (here I use the word advisedly) do have deleterious effects. But they also agree that what they call good pornography (erotica) is harmless and can even be used profitably in therapy.

Having said this, I should point out that in the one country – Denmark – where the level of sex crimes has been minutely analysed since the abolition of all censorship, there has been an actual fall in some reported sex offences, including ‘child molesting’. It is only fair to add that the figures are hotly disputed on a number of grounds, but on any interpretation of the evidence to date it is hard to believe that the Danes are being turned into a nation of sex maniacs.”

They cite John Cleland’s Fanny Hill [Memórias de uma Mulher de Prazer, 1748¹] as their ‘good’ example:

¹ [‘it is considered <the first original English prose pornography, and the first pornography to use the form of the novel>. It is one of the most prosecuted and banned books in history. § The text has no swearing or explicit scientific terms for body parts, but uses many literary devices to describe genitalia. For example, the vagina is sometimes referred to as <the nethermouth>, which is also an example of psychological displacement. § A critical edition by Peter Sabor includes a bibliography and explanatory notes. The collection Launching Fanny Hill contains several essays on the historical, social and economic themes underlying the novel.’

Leia em https://gutenberg.org/cache/epub/25305/pg25305-images.html.]

Fanny Hill is perhaps as erotic a book as one could wish to read; it contains detailed descriptions of sexual intercourse in a great variety of positions, pre- and extra-marital sex, promiscuity and ‘unnatural’ [a palavra da época para homossexualidade] sexual behaviours. Yet the tone is one of enjoyment, women are not degraded by the men they consort with, and there is no violence to destroy this sense of good humour and enjoyment.’

If the book were to be filmed, [foi, e muito] they say,

We know of no evidence that such a presentation would do harm, and indeed there is evidence … that the effect on attitudes towards the other sex might be positive.’

By contrast, many commercially available films are not of this wholesome type:

Even when they do not overtly depict scenes of violence and degradation of women at the hands of men, such as rape, beatings and subordination, the tone is consistently anti-feminist, with women only serving to act as sexual slaves to men, being made use of, and ultimately being deprived of their right to a sexual climax – in the majority of such films, the portrayal ends with the men spraying their semen over the faces and breasts of the women …. The intention would seem to be simply to degrade women, and it is noteworthy that in many cases of rape the men involved either act in the same manner, or else urinate all over the women involved ….

(…)

The amount of overt sex in such films may not differ in any way from that shown in our hypothetical Fanny Hill film; what is important in marking the difference is the context, which is pro-love, pro-sex, and pro-women, in the one case, but anti-women, anti-love, and even anti-sex [fascist] (in the sense of gentle, pleasant, co-operative sex) in the other.’

It is claimed that those who start out by masturbating to ‘soft’ material inevitably find after a while that their response to it diminishes, and in the search for a more effective ‘kick’ they gravitate towards something more potent. An article in The Guardian (Lynn Owen, ‘Taboo or not taboo?’, 16 September, 1977, p. 11) drew attention to this theory in 1977 and made much of its alarming implications:

Judith Reisman, a media researcher from Ohio, traced how saturation with straightforward female stimulus like The Sun’s page 3 leads slowly but inevitably to the need for, and acceptance of, such things as paedophilia and incest and sexual violence. An acceptance not just among minorities, but among the general population …. Judith Reisman says <media conditioning into paedophilia and incest> is now leading, according to her researches, into child sadism.’

Fosse isso verdade o matrimônio clássico já teria sido banido como a ‘maconha’ como porta de entrada das outras drogas (sexuais) pesadas!! Imagine só o que Reisman não diria do instagram e do tiktok hoje, para ficarmos nas ‘redes sociais estritamente legais’… Tsc! Terceiro ponto: se todos são afetados, a pesquisadora deveria ter se tornado depravada para provar a própria tese… Não só eu mas o próprio autor percebeu essa contradição: “Strong stuff. As the perils of porn involve, in Ms Reisman’s view, the general population, not just those with a particular psychological disposition, no doubt everyone reading this will be asking themselves how far their own response to erotica substantiates the theory.”

Fosse essa lei verdadeira, eu não ouviria mais rock clássico: apenas metal extremo. Fosse essa lei verdadeira, eu não tiraria mais férias de 30 dias – tentaria tirar licenças remuneradas de 2 a 4 anos ou praticaria o suicídio ao não consegui-las. Fosse essa lei verdadeira, não assistiria mais séries ou animes, nem leria livros, já que já perscrutei Nietzsche, Dostoievski, Togashi, Oda, e não encontrei nada que a eles se equipare até o dia atual. Ao contrário, nossa existência funciona em ciclos, como os do corpo humano. Não há clínica de reabilitação para os inocentes e homeopáticos prazeres da vida… Talvez as academias de ginástica funcionem sob esse princípio: quem continua puxando a mesma carga de peso ou não começa a correr 15km, se satisfazendo com 10, seja tachado de um grande preguiçoso que deixou de ser fitness junkie…¹

Firstly, the half truth. I know that my own response to erotica, and that of a numbers of paedophile acquaintances, is indeed subject to the Law of Diminishing KicksWhereas at one time, when they first became available to me, pictures of (merely) nude boys were a powerful stimulus to masturbation, the response gradually wore off; after this, only ‘stronger’ pictures, showing boys engaged in masturbation, or fellatio with other boys, were capable of reproducing a comparably powerful masturbation stimulus to that which I had felt on my first exposure to nudes. Even the response to these stronger pictures diminished slightly with familiarity, but another new stimulus – pictures showing anal intercourse with boys – revived the response.

¹ [Me deu até saudade de ler Burroughs!]

Interestingly enough, I have never felt any urge to practise anal intercourse, actively or passively, and erotica has not turned me on to it as something to do myself. I have no idea what other new depiction, if any, would turn me on, but I am quite sure it would not involve violence. [o que seria um salto quântico ou qualitativo e não quantitativo] How can I be sure, you may ask? Well, I have seen sadomasochistic material involving adults, and I find it very much of a turn-off rather than a turn-on, compared to other types of adult erotica, some of which do produce a mild positive response in me.” A moda do ASMR no mundo erótico parece comprovar que depois de um clímax (orgasmo?) vem um declínio… Ninguém quer ver gang bangs ou bukkakes a vida inteira – há um momento em que se torna efetivamente nojento e a pessoa sente falta de relações teatralmente amorosas e “clássicas” em “vídeos pornô” (se por clássico quer-se dizer monogâmicas ou heteronormativas, não tenho a capacidade de dizer, já que sou hetero, mas certamente o monogâmico tem fetiches ficcionais, que nunca põe em prática, e mesmo assim enjoa de seus fetiches ficcionais com o tempo)…

Homosexuals can be exposed to any amount of ‘straight’ heterosexual erotica without it having the slightest appeal to them. It certainly doesn’t turn them on to ‘straight’ sex. Similarly, ‘straights’ who are exposed to homosexual erotica have generally been left cold.” Se os teóricos da extrema direita querem convencê-lo do contrário – que ver casais gays se beijando na rua os incomoda –, o problema está estritamente na segurança e convicção da autodefinição sexual dessas pessoas, eu diria…

To envisage erotica as a tool in the sexual revolution may seem odd to those feminists and others who see it as an agency for the reinforcement of existing social roles and states of oppression, and as a blatant expression of profiteering capitalism. It may even seem a slightly old-fashioned view, echoing the anti-censorship, liberal tide of the 1960s. Indeed, the anti-porn, and in fact anti-erotic, element in feminism is now a major component in its radical thinking.

As an antidote, it is worth noting that not all radicals, even among feminists, are anti-erotica. The following is from an interview Germaine Greer, the celebrated and controversial feminist, gave with the American magazine Evergreen in 1971:

Claudia Dreifus: You are an editor of the European pornzine SUCK – a rather unusual position for one of Britain’s leading feminists. In America, I couldn’t conceive of a leading Women’s Liberationist sitting on the editorial committee of a pornsheet. Do you see a conflict between your feminist ideals and your involvement with SUCK?

Germaine: I see no conflict at all. SUCK is not a pornzine in the American sense of the word. SUCK as a matter of fact is no more the equivalent of SCREW than I am the equivalent of Al Goldstein (editor of SCREW)SCREW is a sadistic paper. Its emphasis is completely masculine and it treats female flesh like it was so much butcher meat. It’s completely unerotic – very American. It makes me puke. SUCK, on the other hand, is a completely different kettle of fish. The key-note of SUCK is that sexual relationships should be open and unpossessive. We are anti-possession, anti-conquest, and anti-demanding of the sexual object, be it male or female. We are pro-pleasure.’

¹ [‘Alvin Goldstein (January 10, 1936 – December 19, 2013) was an American pornographer. He is known for helping normalize hardcore pornography in the United States.’ – como eu narrei acima em nota de rodapé, fenômeno precípuo dos anos 90, que me afetou, como expectador, apenas retroativamente, já que sou de 1988.]”

The approved sexual relationship in all Western societies is exclusive, possessive, colonizing, exploitary; sex is recognized as intimately connected with violence, for the power of the one over the other must be enforced and enforceable. Butch rules bitch, pimp rules whore, man rules wife, queer rules queen. Like the most insidious tyrannies, it is spoken of as a natural law, nature red in tooth and claw. This organization, which is as clear and universal as if it were indeed the expression of an irrefragable law, has as its central pole pain instead of pleasure. The pain of sexual frustration, of repressed tenderness, of denied curiosity, of isolation in the ego, of greed, suppressed rebellion, of hatred poisoning all love and generosity permeates our sexuality. What we love we destroy.”

On the other hand, it does not follow as a matter of logical necessity that because a woman may be represented in a passive sexual role that this makes her a ‘victim’. Such a view proceeds from a fundamentally anti-sexual (or at least anti-heterosexual) outlook, in which it is assumed that a woman could not find pleasure in such a role.” “The mere image of a woman reclining passively and nakedly provides no evidence of either the intent or successful effect of ridiculing the person depicted, or her sex. In fact, all the more emotive parts of Brownmiller’s [Against Our Will: Men, Women and Rape, Secker and Warburg, London, 1975] argument – the supposed wish to make females ‘dirty’, the alleged purpose of ridicule, the desire to see women ‘abused, broken and discarded’ – relate not to sexual representation specifically, but to the way Brownmiller believes (the ‘gut knowledge’) that men think about women. She ignores the possibility that many men may have quite different feelings than those which she infers. In other words, there is nothing intrinsic in sexual representations of women which bolsters ‘bad’ attitudes in men: no one would argue that Rubens’ classical female nudes, by depicting women as naked, and passive, were in themselves degrading to women. If they did, one could ask the further question, ‘Were Michaelangelo’s nude men degrading to the male sex?’ Presumably not.”

The person depicted in the erotic image is not ‘real’, is seen in a sexual dimension only, and is therefore capable of being considered only as an object of sexual attraction, not as a whole person. This is not a problem one can attribute to the mind of the consumer: it is inherent in the sheer fact of encapsulating just one aspect of a person in a photographic or cinematic image.”

When we purchase goods, we make the sales clerk into an object to satisfy our needs. … What is objectionable is not objectification itself but the power that exists in one person (the male) to determine the nature of the sexual and emotional relationship and retain control over it: in the family (husband/wife); in the advertising business (ad-man/nude women used to sell products) on the streets where men feel justified in whistling at women or even raping them …” Gregg Blachford, Gay Left (journal), ‘Looking at pornography: erotica and the socialist morality’

Sou, por exemplo, uma prostituta dos meus clientes (bolsistas, professores), etc. Caso fosse professor de filosofia, a libertadora filosofia!, seria ainda um objeto que cospe respostas aos alunos… Sou um autor, e me gratifico que me leiam, que considerem meu livro como meu eu total. Os inconvenientes e as utilidades de nossa enfermidade ‘Capital’…

the teenager who sticks up posters of her or his favourite rock stars on the bedroom wall is to some extent objectifying them. They become at once less, and more, than their real selves. Less, in the sense that their full humanity can never be revealed by a mere poster; they are reduced, by the functional apparatus with which they are surrounded – microphones, guitars, etc. – to the level of mere symbols of a generalized notion of excitement; and yet they become more, in so far as the particular star on the wall is a glamour figure, the subject of adulation – as well as looking at his image, the youngsters who buy the posters read long articles in the pop music press giving biographical details about the particular star’s music, love life, personality.

The same applies to the boy who puts up a picture of his favourite football team. The picture thus represented is not ‘real’: all the good, or extravagant, or flamboyant – or even downright bad and nasty (as with Sid Vicious and other ‘punk’ figures) – aspects of a person are played up, at the expense of a reality which probably includes a good deal of the merely ordinary. Does this matter? Is it an indication that the youngster who owns the poster is exploiting and degrading the rock star? Or does the rock star exploit the youngster?

And what about the widower who keeps a photo of his dear, departed wife on the mantelpiece? To him the image is invested with all sorts of memories of a real, living person: one whose full personality he probably knew in intimate detail. No objectification here, one would think.”

O OÁSIS DOS NERDS ESPINHENTOS: “In addition, Brownmiller’s critique is founded on the proposition that men are always in control, and that part of this control expresses itself in a cynical and deliberate degradation of women in pornography. While this regrettably may be true to some extent, it is worth noting that the male who most needs erotica is the one who is sexually deprived, and not in control at all. It is the adolescent who is denied the opportunity for sex; it is the man who is shy and lacks an ability to form intimate personal relationships; it is the old, the ugly and the disabled. They are people who would like to know women as full human beings, but are deprived of the opportunity for the necessary contacts. They are people who yearn for personal contact: for erotic contact, certainly, but for emotional and social contact too.”

This longing for personal contact applies perhaps even more among paedophile consumers of child erotica. Their state of deprivation from ‘real’ children is of course legally enforced, so far as the erotic element of a potential relationship is concerned. § The law-abiding teacher, or youth worker, or ‘uncle’, may be allowed to know live children up to a point – but only if his interaction with them is ‘innocent’, in a way that is just as unreal, just as denying of life and personality as any tendency erotica may have towards ‘objectification’.”

Some high-quality child erotica has been produced, though not by those who are so vocal in their denunciation of lesser-quality material. A good example is a book published in America called Show Me! A Picture Book of Sex for Children and Parents [St. Martins Press, New York, 1975], described by the publishers as a picture book of sex for children and their parents. It contains a great many large photos of children and adolescents engaged in various sexual activities, supported by a text which briefly raises a variety of subjects, including anatomical variation, circumcision, masturbation, childbirth, nursing and sexual intercourse. In other words, it is a sort of sex-education primer.

Dr. Larry Constantine, an assistant professor at Tufts University, who works on attachment to Boston State Hospital as a family counsellor, wrote a serious review of the book for the journal Family Coordinator [vol. 26, 1977], expressing the view that it was ‘a beautiful book that breaks ground by its totally explicit photographs of children and adolescents in a variety of sexual activities’. The text, he felt, was less good, being characterized by out-of-date Freudian references and sexist bias. Yet on balance he still felt the book was valuable. Why? In a nutshell because it offers a warm, positive view of eroticism.”

The reviewer’s daughter, who at the age of 6 was able to point out the flaws in the book, said ‘It turns me on!’. It is regrettable that children’s exposure to erotic love is through the distortions and deceptions of adult media.” ‘The sexual rights of children: implications of a radical perspective’, in: Larry L. Constantine and Floyd M. Martinson (eds.), Children and Sex: New Findings, New Perspectives, Little, Brown, Boston, 1980.

The topic of child erotica is a very new one in the public consciousness. For this reason there has been inadequate time for resources to be devoted into research on it, and in any case few would think this necessary, any more than they would think it necessary to research the harm done to a victim by knife attacks. Nevertheless, one needs something more positive to go on than the notion of ‘spiritual murder’.”

Child pornography is now said to be a multi-million dollar business in the United States. If this is true then it will inevitably have attracted the most ruthless people imaginable, who would think nothing of brutalizing and murdering children for money. Yet such studies as there have been of the business indicate that not all the material is produced by ruthless gangster types, even in the United States, where the worst abuses have been reported. Robin Lloyd reports that much of the material is produced by amateurs, who are themselves paedophiles: the photographs show their own little girl- and boy-friends, whom they may love dearly and be very proud of.”

Magazine pictures, and films too, often feature children sexually active with each other, with no adult involved, as though the camera were merely recording spontaneous childhood sexiness which would have been going on even if no film were being made. These are children, we are invited to suppose, who are perfectly happy to fellate and masturbate each other, and to have coitus, with a carefree disregard for their being under public scrutiny. How much of this is real, how much a counterfeit designed to ease the buyer’s conscience, it is hard to say, and only by talking to the particular children involved in each case could one be sure of the truth. I should add that I have met and spoken to some children who have been featured in erotica, and have fairly detailed knowledge, from reliable sources, of the personal circumstances and dispositions of others: in these cases, the photographer has been an ‘enthusiastic amateur’ and the children have definitely enjoyed their ‘work’.”

it is no accident that those in the forefront of the campaign against child erotica are also predominantly anti-gay, anti-heterosex-before-marriage, anti what they derisively call ‘permissive’ attitudes generally.” “They are the people who, in their anxiety to promote the ‘moral’ welfare of others, overlook the misery, the frustration, and the violence engendered by sexual ignorance and repression. For they feel that people, especially children, must be kept sexually ignorant and repressed to free them from the ‘corrupting’ effect of their own feelings.”

Were the rights claims of children in this area vigorously defended, pornography using children would undoubtedly continue, but its production could be made more accessible to policing. Children who did not wish to participate could be better protected from exploitation at the hands of parents and other adults, just as child actors are protected by the scrutiny made possible by an open legal industry in which rights to participate are also recognized. The extremes of exploitation, kidnapping, rape and other excesses of the pornographer using children now are products of the illegality and marginality of the enterprise. True concern for children would prefer to see some children participating willingly in pornography under able-to-be-monitored conditions than to have other’s brutally exploited because of their status as runaways or mere chattels of their parents.

Larry Constantine

One problem of children in erotica which does affect them more than adults, arguably, is that of blackmail. The boy who is carefree enough at the age of 12 or 13 to take part in erotic films always faces the possibility that 10 years later his attitude will have changed. He may have married. The thought of his wife finding out might be enough to make him part with money to a blackmailer.” Embora não na seara “erótica”, nessas horas sempre penso no Macauley Culkin, que se afastou completamente das lentes de cinema (seu pai era nitidamente um aproveitador).

11. THE BEGINNINGS OF RADICAL PAEDOPHILIA IN BRITAIN

The general public in the UK has long been aware of ‘child molesting’ and ‘perversion’. But only in the 1970s did it come to hear about ‘paedophilia’, a designation suddenly lifted from the obscurity of medical textbooks to become a crusading badge of identity for those whom the term had been designed to oppress.

Paedophilia’ became simultaneously a recognized word and a public issue in August and September 1977, when a series of connected events resulted in the activities of the Paedophile Information Exchange (PIE) being given prominent attention in the national press. Prior to this time, most people had no idea that an organization like PIE even existed, which is perhaps not surprising considering its tiny membership – the total at that time standing around 250 – and the fact that it had only been going since October 1974. Nor, when the dust had settled on that late summer’s attention, were they any the wiser as to the reasons for its appearance, its philosophy, its proposals: the nature of the publicity had seen to that.

It was not until PIE had been going for a number of months that I myself heard about it, or about Paedophile Action for Liberation (PAL), which was later merged with PIE. There had been virtually no newspaper coverage at that time, and the only people ‘in the know’ about paedophile groups were readers of gay newspapers and magazines, and others in gay circles who had heard by word of mouth.”

beards, I recall, were no longer just hairs growing out of a man’s face, but were now pronounced, with great solemnity, to be

the last bastion of male chauvinism.

In the same spring, I went to several meetings of PAL, which had developed as a breakaway group from South London GLF [Gay Liberation Front]. It was at these meetings that I first met other paedophiles, and experienced the sheer exhilaration and joy of suddenly finding a whole new social world – a world in which the Great Unmentionable was all at once the thing to talk about, a source of instant, garrulous rapport, between the unlikeliest combinations of people: at my first meeting there were maybe a dozen, all male, mostly young not easily pigeon-holed ‒ by either dress, accent or manner ‒ into any obvious social class stereotypes.”

It was not long that year before PAL proved itself slightly too garrulous, too open, too devil-may-care, for it became the subject of classic ‘exposé’ treatment in the Sunday press – a whole front page, plus centre-page spread, in the Sunday People, which resulted in local intimidation and lost jobs for some of those who were exposed. For a long time (though not ultimately), PIE was luckier, and better able to survive than the demoralized members – or embers – of the PAL conflagration.”

PIE had been the idea of Michael Hanson, a gay student living in Edinburgh, who became the group’s first Chairperson. He wasn’t even a paedophile, though a passing relationship with a youth whom he took to be 16, but who turned out to be a year younger, provided the mental stimulus for his deliberations on paedophilia.”

Inspired by Engels, their thinking questioned the basis of the family as an economic, social and sexual system. And well before Keith Hose’s appearance on the scene, a large contingent of GLF had favoured the abolition of the age of consent; their youth group had even staged a march in support of this.”

If GLF gays found themselves discriminated against in a pub, they would promptly stage a mass sit-in there; action which sometimes won them the respect and support of ‘straight’ locals, rather than hostility. ‘Radical drag’ was one of their more flamboyant manifestations: gays would dress in weird combinations of clothes, such as ‘butch’ pit boots worn with a ‘femme’ feathered hat, in a graphic, art-derived and powerful visual challenge to traditional assumptions – assumptions not just about dress, but about the socio-sexual roles of the wearers.”

In other words we have always intended to be a ‘self-help’ group. In this respect we have something in common with a ‘slimmers’ club, or Alcoholics Anonymous, though of course our philosophy of self-help has been vastly different to either. The point of paedophiles helping each other, as we have seen it, has not been to help each other to reform himself, that is, to try and modify his sexual identity to fit in with the demands of society. The point has been one of learning how to cope with the fact of living in a hostile society. How to be paedophile without being suicidal about it, without feeling guilty just because other people expect you to.” Me pergunto o que Foucault diria sobre isso.

How have we fared in this aim? What have we done to help paedophiles themselves?” “Obviously, we have always had to be very careful in the kind of ads we have accepted. The purpose has always been to put paedophiles in touch with each other, not with children, and once in a while we have had to turn down ads which could have implied the latter. Likewise we have been careful not to allow ads for the sale or purchase of erotica. Not surprisingly, the News of the World eventually turned its attention to our ads. These are some that caught their eye:

No. 273 Energetic middle-aged male sincere and discreet lks boys 8-15 yrs and the various ways in which they dress. Int swimming. Wld lk to hear from others with similar ints.

No. 390 Male. Interested public school type boys, 12-16, either in football shorts or corduroy trousers, wd like to meet young male, 20-30, with similar interests (S W London/Surrey).

No. 379 Male Int girls 6-13 wd lk to correspond/meet others with similar interests; music, sports, fashion, Hi-Fi, photography, dance, reading, films (Blackpool).

No. 373 Doctor, male. Poet and author, interested photos little girls in white pants and little boys out of white pants. Wd like to hear from male or female with similar interests. All letters answered. Perfect discretion (Reading, Berks).

No. 401 Anglican priest, south London, anxious to meet other paeds for friendship and help.

We have never conducted a formal survey of our members’ use of the Contact Page, but I imagine the figure would be well over 80% having written or received at least one letter during their membership. I myself used the system during the early months of my membership.”

If he were to wake up in the morning finding himself attracted to women rather than boys, would this give him joy, or distress? Would he feel still the same person essentially, or would the change have meant the death of a part of himself which he held dear, a part which was an inalienable aspect of his sense of self?” “Whether he ever took the treatment I do not know, but he did get into trouble, and is now serving a 4-year sentence. § As you may imagine, I felt dreadful about that. If I had come down firmly in favour of him doing what his doctor told him, would it have happened? I wrote, and offered to visit him in prison, but it turned out that he was being well looked after there by his family, and had a good job in the prison library – where he was able to get on with writing his novel, plus a critical edition of the works of some 18th-century poet.”

I have reluctantly come to the conclusion that I should resign from PIE. When I joined, I saw it as an organization serving the purpose of meeting friends whose sexual orientation was similar to my own. It therefore gave me: (1) a feeling of release, in that I could safely share views normally repressed; (2) a feeling of security – in that I no longer felt isolated from the world because of my sexual outlook. Speaking purely for myself, I no longer feel a sense of (1) release – in so far as our aims seem no longer the mutual discussion of views, but rather an attempt to convince the community of the rightness of our views; (2) security – in so far as I now feel much more at risk in expressing paedophile views than I did before this year’s [1977] campaigning began. (…) That is the cardinal, indisputable tragedy of our situation. There is thus no object in my remaining a member. My decision is, however, a most reluctant one, since some of the finest people I have ever met in the gay world are PIE members. I have very much enjoyed their companionship, and no doubt in leaving PIE I shall be losing that friendship. I have no doubt that my loss will be greater than theirs …”

12. THE BIG BANG

We hadn’t looked at history for any sense of dynamic, for any precise revolutionary dialectic. We just did what we felt it was in us to do, what we were bursting to do, which was to stand up and say loud and clear that we were pig sick of creeping in the shadows, of pretending to be something other than ourselves, of apologizing for feelings which within our deepest selves we knew were capable of a good and fine manifestation, not a wicked or perverted or ‘sick’ one.” “After all, look what Darwin managed to get away with. And dear old Karl Marx, who could calmly set the world alight from a comfortable chair in the Reading Room of the British Museum!” “To isolate ourselves as a focus for universal hostility was indeed irrational, even downright crazy, and yet we still felt we had to do it.” “Not secretly or stealthily at any rate. We were just not prepared to wait for decades or centuries before declaring ourselves. It just wasn’t in our nature. Instead, we naively supposed we could be both open and play the lobbying, public-relations game to some extent; we thought we could manipulate the Establishment and find allies within it, simultaneously with being the ogres of the popular press and the Church-based reactionaries like the Festival of Light.”

In the days before people had become fully alert as to our radical nature, we thought it might be possible to establish ourselves as a self-help agency, to which probation officers could refer anyone convicted of a paedophilic offence, on the (correct) principle that we could befriend and ‘counsel’ those involved more effectively than a professional with no great knowledge or understanding of the personal problems involved.”

We could see ‘the enemy’ only where it was most obviously manifest. We knew the Whitehouse lobby had a broad populist appeal among the nation’s churchgoers and was not without power and influence. We knew that most ordinary people had deep, gut feelings about the protection of children, and that many of them would see red about PIE so forcefully that they couldn’t begin to give any rational consideration to our ideas.” “Having recognized all these enemies, we mistakenly supposed that in other areas we might find, if not friends, then at least rational, liberally-minded people, who would be open to ideas. [na esquerda]

What we had failed to see was that normally intelligent, broad-minded people were just as capable of giving way to their initial, emotional sense of revulsion as anyone else: in making an appeal to their brains, to their education, we put too much faith in these factors. We were quite wrong in supposing that only religious maniacs and splenetic judges are ruled by factors outside the intellect. Of course, had we been preaching any one of dozens of other doctrines, our supposition would have been correct: there is no shortage of liberals who are prepared to take a sympathetic view of the Provisional IRA, despite their revulsion against the barbarity of kneecappings and the suffering of children who get in the way of the bullets and bombs and hatred. § Apparently violence, in the pursuit of a political end like nationalism, is somehow acceptable, no matter how horrific it may be. Yet for some reason that I cannot fathom, the non-violent love of children is regarded as more horrific, not less so.” Porque não se admite um ‘amor não-violento da criança’ como a priori sociobiológico. Entende-se-o como tática do patriarcado para reviver práticas antigas que ficavam “atrás das cortinas”. E, sobre o exemplo empregado, ironicamente o IRA abandonou sua condição de grupo terrorista em anos recentes (até onde eu sei).

One of my colleagues at the Open University, who held a senior administrative position, was a classic case in point. He was a chap with a good degree from London School of Economics, a fairly left-wing Socialist, with a fine and subtle mind. One could discuss anything with him sensibly, religion, politics, even sexual ethics, up to a point. But paedophilia? Well, when he found out about my involvement with PIE his shock was so complete as to render him literally speechless.”

We recognized that we would have to sail through stormy waters, through shock/horror headlines, perhaps through sackings of our public representatives from their jobs and other forms of intimidation. § But at the same time we would win a measure of respect for our sincerity, and with the dying down of the initial revulsion, people would ask themselves why we had put so much at risk, and would begin to consider our ideas properly. In a few years time, when the trendy liberals had caught up, the really smart thing for the fashionable Hampstead hostess would be to gently drop into the conversation some tidbit about her little Julian’s ‘sensitive’ relationship with film director X or famous artist Y!”

It would just be a mechanical matter, I supposed, of keeping the media informed as to what we were up to – of generating newsworthy events and then plugging them by means of press releases, press conferences and so on.”

Then, just at the critical moment, enter the deus ex machina, Mary Whitehouse.¹ A story appeared in the press in which she claimed that public funds were being used indirectly to subsidize ‘paedophile groups’. She said that the Albany Trust – partly government-grant-supported – was itself ‘supporting’ such groups.”

¹ Já citada nos capítulos iniciais. Uma espécie de Margaret Thatcher dos costumes.

The significance of Kemp’s article, unlike any that had appeared in The Guardian, or elsewhere, was that it was noticed. The whole of Fleet Street read it, and every paper decided there was an angle they either could, or positively had to, follow up. The following day, on holiday from my job at the Open University, I spent nearly 15 hours answering calls from the national and provincial press, and almost as long the day after that.”

The Daily Mirror ran the story as a front page lead, with the headline ‘CHILDREN IN SEX SHOCKER’, with appropriately horrified comments from the likes of Rhodes Boyson, and an editorial in which we were urged to ‘crawl back under the stone’ from which we came.”

The pressure came not only from the press. Once the hotel had been identified, the manager had to contend with threats to smash windows and disrupt the meeting. Some even threatened to burn the place down and kill the manager if the meeting went ahead, according to hotel staff I talked to.”

For a few days, incredibly, it looked as though we might find sanctuary in the most traditional, yet unlikely, source: the Church. For we had managed to get hold of a sympathetic vicar who was prepared to loan us his church hall. (…) unfortunately, the vicar in question took fright when, after seeking the advice of the Bishop of Truro, he was advised against giving us the hall.”

Red Lion Square. An evocative name, which had come to be almost synonymous with political violence. It had been the scene of famous clashes between extreme right and extreme left, and in 1974 a demonstrator had died there. Would our humble little gathering be as fraught, I wondered. There was now not the remotest chance of it going ahead quietly. PIE was big news, and our new venue had already been given out in all the national newspapers. (one thing we could be sure of: in the event of violence, it wouldn’t be a contest between the big battalions, of left versus right. For who would be the heavy infantry fighting for PIE? We could expect plenty against us.” “Did we have to prove our courage when we really wanted to show that paedophiles are often kind and gentle, loving and non-violent people?”

As the meeting began, I looked at the growing crowd (now several hundred strong) and recognized from previous demos several prominent National Front¹ thugs and sympathizers – male and female – including Dereck Day, who was featured in the Observer article on the National Front.

[¹ Eufemismo para nazis.]

In the hall we tried to listen attentively to the PIE speakers but the constant strains of ‘kill them, kill them’ from the crowd, who were beating on the door, made this difficult. I was frightened and could not concentrate properly. § The meeting ended half an hour earlier than planned in a bid to surprise the mob outside. Those who could run fast were advised to form ranks. The elderly and several disabled had to wait for further instructions. It all felt like abandoning ship into a cruel sea. § Many of us were set upon individually by the crowd. A Jewish brother, his glasses stamped on, was kicked and punched. The police, now about 30 in number, reacted lethargically. § Survival instincts are strong. I removed my gay badge and masqueraded as a het[erosexual] when challenged by a potential assailant. They seemed surprised that most of us were not old men in faded brown raincoats. We were all sorts – gay, paedophile, straight, press people, academics, coming to listen to what PIE had to say. § As I was pummelled and kicked I appealed to a policeman for help, but I was told to ‘Get the hell out of here’. Eventually 3 of us managed to stop a passing cab and escape. § To my amazement, the meeting itself went just about as well as possible in the circumstances. We had been worried about disruption inside the hall, with people storming the platform – after all, this was a public meeting, to which any of the mob outside could have come if they paid their money and showed no obvious signs of being hell-bent on disruption. But as everyone coming into the hall was being labelled by the crowd as a ‘pervert’ – including people who were trying to get into a regular Bible Class in another part of the building – there may have been an understandable reluctance to do so.”

Now, the same thing was felt about ‘paedophiles’ – to most people it was just a new word for an old vice [‘molesters’], without any understanding having been gained. In view of the nature of the press coverage, particularly in the Daily Mirror and the other ‘populars’, this was hardly surprising: it was just a catalogue of revulsion and hate, without any discussion of ideas. Now I am not quite so naive as to suppose there would have been: I was always well aware, and so were we all in PIE, that news stories cannot he used as a means of persuasion towards accepting unfamiliar, and perhaps difficult, new concepts.”

But we had hoped to achieve something just by getting people to realize that radical paedophiles exist, and that they have a philosophy – which the more thoughtful of them might ultimately read about in a book by Tom O’Carroll, or whoever. And this realization could only be achieved, by a tiny, limited-resources group like ours, not by careful, patient, secretive, high-level lobbying, but by speaking out loud in public and simply having to ride out the inevitable initial period of hysteria.”

Word reached me that at least one of those [minors] who had been shown on the Tonight programme was recognized by his schoolmates. Since then, he has been persecuted at school, and both he and his parents have been taunted so much by neighbours that the family have had to move out of the district. Does that make the ‘frank and fearless’ documentary-makers happy, as they go off on their next assignment?”

13. A WIDER PERSPECTIVE

while in the UK we have only one Mary Whitehouse, the Americans have two – Anita ‘Save Our Children’ Bryant and Judianne ‘Child Porn’ Densen-Gerber – plus a formidable supporting cast of moral crusaders, backed by mainstream news media, often as prurient and sensationalistic as the News of the World.”

Anita Bryant is chiefly famed for her attack on legislation designed to prevent discrimination against homosexuals in employment – especially against homosexual teachers in schools – whence the slogan ‘Save Our Children’, with which in 1977 she won her most notable victory, Miami in Florida.”

The backlash styled itself as ‘pro-family’, and at its heart was detestation of all lifestyles that refused to conform with the tradition roles of women and men in society, as well as of non-traditional erotic behaviour – it was thus anti-feminist as well as anti-gay. The easy targets, however, were those at the margin of public acceptability, particularly paedophiles, and most of all ‒ because of the dreaded homosexuality factor ‒ male boy-lovers. Boy-love came to be for Anita Bryant what communism was to Joe McCarthy. Like McCarthy, the new witch-hunters talked about a ‘national conspiracy’ and citizens were urged to be ever vigilant to track down and expose the conspirators. One organization, the Interfaith Committee against Child Molesters, is alleged to have offered a ‘Community Action Kit’. People have been urged to ‘shadow’ their neighbours, friends, and even relatives, and to ‘turn them in’ if they are suspected of sexual ‘irregularities’. Guidelines are apparently being published on what to look for in nailing a boy-lover. If a man is frequently seen with a lad not related to him, then that man is patently up to no good and has to be investigated.” “Punishment for male offenders would involve surgical removal of the nerves within the penis that control a man’s ability to have an erection, thus impeding his sexuality far more effectively than traditional castration. Women would have their ovaries removed. This would not prevent a woman from having sex, but a lack of hormones produced by the ovaries would cause her vagina to lose it’s elasticity, to ‘dry up’, making intercourse less satisfactory and possibly painful.”

At the same time, the word ‘backlash’ is of great significance here, for there have been in the United States extensive attitudinal changes to react against – changes which made equal rights for homosexuals acceptable to some state legislatures in the first place.”

René Guyon wrote treatises which, echoing Reich, asserted that many of the ills of civilization are products of distorted sexuality.”

John Gerassi, The Boys of Boise

How is it they could turn the tables on a District Attorney who was bent on a witch-hunt? How did they tempt a Superior Court judge into supporting such a radical cause? How was it that even some churches offered their support? Despite the fear of persecution, how on earth was it possible to get 1,500 people to turn up at a fund-raising meeting and avoid the violence that attended PIE’s debacle at the Conway Hall?

A major part of the answer is that the Boston-Boise Committee was strictly a civil liberties group, which, although it did oppose the age of consent laws in Massachusetts, took no stand on paedophilia as such. It was also far less uncompromising than PIE in that the emphasis to its public approach was consistently on the sexuality of adolescent boys, of youths, rather than children – a fact which probably enabled it to maintain support within the gay community which might otherwise have been frightened off.”

OU SIMPLESMENTE ALABAMA VIBES: “Another element perhaps lies deeper in the nature of American society, for I suspect that despite the readily whipped-up hysteria, there is also in the USA a willingness to consider new ideas that is almost wholly lacking in Britain: even the mainstream news media allowed themselves to be influenced positively by the Boston-Boise Committee’s campaign, and began to run some open-minded articles.”

The point is that Western society has undergone a revolution in sexual values, but it has tried to apply it exclusively to adults, and this rather arbitrary restriction is simply not working. How do we explain to our kids that while sex is natural, healthy, normal and good, they should refrain from enjoying it until they grow up and leave home? More to the point, how do we explain it to ourselves?”

Richard Currier

Despite everything, despite the ferocity of the Bryant/Densen-Gerber phenomenon, I feel mildly encouraged by North America’s openness to ideas – and when I say that, I include Canada, where early in 1979 a major court victory was won by the gay journal Body Politic (through a prosecution appeal is pending at the time of this writing), which had faced a charge in connection with a long, serious article called ‘Men Loving Boys Loving Men’, which was said to be ‘immoral, indecent or scurrilous’. The charge was dismissed by a judge who spoke of Body Politic as ‘a serious journal of news and opinion’ and the article as ‘a plea for understanding’ which ‘forcefully argues in favour of a particular attitude of non-condemnation of paedophiles’.” Otimismo infundado para quem vive no século XXI!

If there are small glimmers of encouragement to be detected in North America, there is by comparison a great, warm glow radiating from Holland. It has already been noted that such unlikely groups as the Netherlands Order of Attorneys and the Protestant Union for Child Protection believe that in the case of consensual child-adult sexual activity, prosecution of the adult is not justified.” Outra nação que se tornou imensuravelmente mais conservadora.

A TV programme, watched by 2 million viewers, feature a Protestant minister with positive views on paedophilia, plus an enlightened mother and a medical student who felt he had received enormous benefit from a relationship he had had with a man from the age of 12. Feedback from the public did not indicate outrage at the programme. Dr. Brongersma, who was one of the principle contributors, told me that, on the contrary, reaction was favourable from the entire press (Communist to Roman Catholic) and from the general public.

There has even been a march through the streets, with placards, banners and, yes, children too, to protest at The Hague’s Palace of Justice, during the appeal court hearing in 1978 of a 34-year-old social worker who had been given a 3 month sentence (1 month suspended) for his 3rd conviction on charges relating to sex with boys under 16. The sentence itself was lenient by UK standards, especially as the offence in question concerned not one, but 3 boys, aged 14 and 15.”

Interestingly enough, the Netherlands had no age of consent laws for many years, between the Napoleonic occupation and the passing of this article in 1886, and there is no evidence whatsoever that children were exploited more in this period than afterwards, when they became officially ‘protected’.”

After the trial signatures were collected for a petition to the Minister of Justice, calling for an end to all Dutch legislation on sexual morals. One of those gathering signatures was Gerald Zwerus, Chairperson of the National Paedophile Workgroup of the NVSH, and himself a teacher. Zwerus’ campaigning does not appear to have affected his position as a teacher, and he has even been allowed to speak at schools on the subject. Following one such talk, an initiative was taken by some pupils to collect signatures for the petition.

Since then, there has been a further petition calling for the abolition of the age of consent, presented to the Government in June 1979, and signed by the Trade Union of Teachers, the Union of Probation Officers, the Protestant Trade Union of School Teachers, and the Protestant Union for the Family; this last-mentioned group recently published a completely-positive pamphlet on paedophilia, replacing an earlier one in which the emphasis was on ‘child molesters’.

Evidently this group, concerned as it is with the family, does not see paedophilia as a threat to family life. What’s more, the largest single party in Parliament, Labour, along with smaller ones, supports abolition, and if the Liberals join them (they are presently studying the matter) there will be a Parliamentary majority.”

A German paedophile, wracked by guilt over his attraction to little girls, knew no one in his home town in whom he could confide. Then he heard that a World Sex Fair was to be held in Rotterdam, and he thought that there he might be able to meet and talk to someone from a paedophile group. Accordingly, he went along, and discovered that there was indeed an exhibition stand run by volunteers from the local NVSH group. He approached what he took to be the 2 volunteers on duty and tentatively struck up a conversation with them. They both listened sympathetically to him, and in the relaxed atmosphere he soon found himself pouring out a great many secrets about his relationships with little girls. To his surprise and pleasure neither of his newly-found confidantes seemed in the least bit shocked, or disapproving. Then one of them had to go. ‘Sorry to leave,’ he said, ‘but I am a policeman and I have to go on duty’. It was some time before the other man, who really was an NVSH volunteer, could convince the shocked German that he was not going to be arrested, or that details of his confession would not he released to police back in his home town. What the NVSH man knew, and the German did not, was that generally speaking the police in Rotterdam do not now go out of their way to concern themselves with under-age sex. Although the age of consent is 16, for both homosexual and heterosexual acts, no action is taken unless complaint is made, when the child is a girl between 12 and 16.” “My guess is that paedophilia will never be accepted, in Holland or elsewhere, by any society in which paedophiles are singled out as a minority – a minority which, like the homosexual minority, cannot help but seem bizarre and alien to even the most understanding onlookers, when the focus of attention is on the peculiar sexual orientation of the ‘problem’ group involved.”

Sexual liberation can only mean something valuable to most people in the context of their own lives, and the lives of their own children, not the lives of some minority group with whom they are asked to sympathize. This fact is recognized by those sexually progressive groups in America who encourage cross-generational sensuality [?] within the family, in a way that comes across as ‘natural’ and non-threatening, to average parents.”

Will it ever be possible for a ‘civilized’ society to totally rediscover affectivity? Will we be able to recreate the best, most sexually guilt-free elements of ‘primitive’ cultures? Why were those elements lost in the first place? Is there something in advanced societies necessarily inimical to sexual shame and guilt falling below a certain irreducible plateau level? Are we doomed to a regime of more or less continuous sexual repression, punctuated by occasional, half-hearted bouts of ‘permissiveness’?” Foucault diria que sim, mas quem diabos lê Foucault em 2023!

Are our social and sexual roles inevitably distorted, as Engels and others have suggested, by the very nature of our economic system? Or is there something about the late 20th century – the technological revolution, which promises fundamental changes in the way we live – that suggests possibilities for a completely new beginning, for a new approach to social and sexual relations?” Haha, não é por aí!

This wider revival of conservative values, in which there has been a central emphasis in the rhetoric of the major political parties on ‘the family’, may be seen as a reaction against the ‘Jenkinsite’ view of society that flourished in the reforming 1960s (which saw the liberalization of the abortion laws and the abolition of hanging, as well as the reform of the law against homosexuality).”

Germany, the country which had the world’s best established sexual reform movement in the early part of this century, where the work of Dr. Magnus Hirschfeld promised to lead the world to a new rationality about homosexual and other aberrant behaviour, was soon in the grip of a massive persecution of homosexuals.” “Political oppression cannot exist without sexual oppression. Or can it?”

Until we stop alienating children from their bodies, by cruelly binding them in swaddling clothes of shame, they will be bound to grow up deformed, as surely as if, like the Chinese of old, we were to bind their feet.”

FINIS.

40 RECOMENDAÇÕES DE BIBLIOGRAFIA COMPLEMENTAR

Bloch, I., Anthropological Studies in the Strange Sexual Practises of all Races in all Ages

Bloch, I., The Sexual Life of our Time in its Relations to Modern Civilization

Califa, Pat, Public Sex – essays on the culture of radical sex.

CAMPAIGN AGAINST PUBLIC MORALS, Paedophilia and Public Morals

Cook, M. & Howells, K. (eds.), Adult Sexual Interest in Children

Dover, K.J., Greek Homosexuality

Frankl, G., The Failure of the Sexual Revolution

Fraser, M., The Death of Narcissus

Fraser, M., ‘Paedophilia: the eighth deadly sin?’, Forum

Friedenburg, E.Z., The Vanishing Adolescent

Geddes, D.P. (ed.), An Analysis of the Kinsey Reports

Geraci, Joseph (ed.), Dares to Speak: historical and contemporary perspectives on boy-love

Goldberg, S., The Inevitability of Patriarchy

Greer, G., The Female Eunuch

Guyon, R., Sex Life and Sex Ethics

Heron, A. (ed.), Towards a Quaker View of Sex

Hirschfield, M., Sexual Anomalies and Perversions

Jenkins, Phillip, Intimate Enemies: Moral panics in contemporary Great Britain

Justice, B. & Justice, R., The Broken Taboo: Sex in the Family

Licht, H., Sexual Life in Ancient Greece

Lloyd, R., Playland: A Study of Boy Prostitution

Mead, M., Sex and Temperament in Three Primitive Societies

Mohr, J.W. & al., Paedophilia and Exhibitionism: A Handbook

Moll, A., The Sexual Life of the Child

Money, Dr. John & Lamacz, Margaret, Vandalised Lovemaps: paraphilic outcome of seven cases in pediatric sexology

Ollendorff, R., The Juvenile Homosexual Experience

Ovenden, G.& Melville, R., Victorian Children

Perry, M. (ed.), Childhood and Adolescent Sexology

Pomeroy, W.B., Boys and Sex

Pomeroy, W.B., Dr. Kinsey and the Institute for Sex Research

Pomeroy, W.B., Girls and Sex

Raile, A.L., The Defence of Uranian Love (3 vols.)

Randall, J.L., Childhood and Sexuality: a radical Christian approach

Reade, B., Sexual Heretics: Male Homosexuality in English Literature 1850-1900

Rycroft, C., Reich

Sandford, T; Brongersma, E; & van Naerssen, A. (eds.), Male Intergenerational Intimacy

Stoll, B., But Why Cancer, Sally?

Stoller, R., Perversion: The Erotic Form of Hatred

Taylor, B. (ed.), Perspectives on Paedophilia

Winnicott, D.W., The Child, the Family, and the Outside World

YOUTH LIBERATION OF ANN ARBOR, Youth Liberation of Ann Arbor

DEPOIS DE DESLIGAR O VIDEOGAME…: O Supercompêndio de Final Fantasy VIII

O artigo mais compreensivo e doidivanas existente em português sobre o storytelling do oitavo jogo canônico da principal franquia da Square Enix,

contendo (além de tudo sobre Squall, Rinoa e Ultimecia) mitologia grega, história do feminismo e barroco italiano, JoJo’s Bizarre Adventure, filmes de Hollywood sobre viagem no tempo (deixando De Volta Para O Futuro de fora), a série LOST, metafísica do século XX, satanismo, David Lynch, AKIRA (o mangá) e ainda outras referências externas! Resumindo, uma viagem imperdível.

obs: Uma versão com o review-base (resenha de videogame típica) precedendo este artigo mais denso e menos voltado à gameplay do jogo está disponível em https://rafazardly.com/2023/12/19/final-fantasy-8-ps-al/. Para quem prefere ler em “dark mode”, é uma boa sugestão clicar!

ÍNDICE

(use os termos entre colchetes, incluindo os colchetes, para navegar com facilidade)

[CRO] CRONOLOGIA DO MUNDO DE SQUAL & RINOA (Pré-História)

[ZER] A PARTIR DE SQUALL NA ENFERMARIA (MARCO ZERO)

[INT] INTERPRETAÇÃO & SIMBOLOGIA

[REL] SOMEWHERE IN TIME: O RELÓGIO E A MOEDA

[SUP] “O plano supremo de Squall/Laguna”

[+Q] MAIS QUESTÕES DE TRADUÇÃO

[FON] SOBRE “FONTES OFICIAIS EXTRA-MÍDIA”

[REC] Recomendações literárias

[CON] CONCLUSÃO: O que acontece só acontece uma vez

[UNC] UNCANNY VALLEY (Faixa bônus): Manifesto anti-Akira Toriyama

Há quem diga que a plot de um jogo só serve para o jogo, durante o jogo, mesmo na comunidade mais story-driven da indústria dos games, a dos RPGistas. Eu tendo a estar no time oposto, e essa análise é dedicada àqueles que, como eu, adoram discutir teorias e conexões, fora do Jogo de Interpretação de Papéis ou Role Playing Game, porque tanto quanto eu odeio (nós odiamos) o junction system euadoro (nós adoramos) o storytelling de Final Fantasy VIII – e a estória de FF8 é sua saving grace!

Primeiro uma leve ambientação e resumo do universo retratado, para não jogar as coisas na cara do leitor parecendo socos do Mike Tyson no auge diante de um desafiante despreparado:

Neste mundo os continentes de Balamb, Galbadia, Esthar e Trabia são os principais marcos geográficos. O planeta possui uma lua, que possui vida e comprovadamente faz parte da história do planeta, e não apenas de sua mitologia, como em nossa Terra: de séculos em séculos, monstros lunares aparecem no planeta, caídos ou arremessados do satélite, em fenômenos agourentos conhecidos Choros da Lua. Existe um monumento chamado Pilar de Cristal que desde a Antiguidade os homens associam à lua. Controlá-lo por meio da técnica talvez seja a forma de estabelecer uma paz duradoura contra essas invasões periódicas…

[CRO]

CRONOLOGIA DO MUNDO DE SQUALL & RINOA

Cem anos antes do enredo do jogo, um Moon Cry devasta Centra (pense nesta terra abolida num desastre como nossa Atlântida), onde os primeiros povoados terrestres se originaram (agora pense em Centra como nossa Pangéia). Este século representa o declínio do Império de Dollet e a ascensão, até os dias contemporâneos, dos galbadianos, que só têm um rival de relevo, Esthar. Deling – exatamente como Alexandria, inspirando-se num nome próprio – é a capital atual de Galbadia.

47 a.S.e. (47 anos antes de Squall na enfermaria, ou “o marco zero”): Laguna Loire nasce. Um cientista chamado Odine inicia um programa para prevenir Choros da Lua futuros. Pela primeira vez os avanços tecnológicos parecem indicar uma chance de sucesso na tentativa.

20 a 25 a.S.e.: Neste mundo que a própria Terra do século XXI consideraria “futurista”, elementos de magia coexistem com as conquistas da ciência e do domínio humano sobre a natureza. —Pela primeira vez na história registrada, Adel, uma feiticeira, toma o controle político de toda uma região, em Esthar. Adel não age de vontade própria. Acontece a Sorceress War entre o Império de Galbadia e as forças de Esthar. Laguna, Kiros e Ward – um trio que se tornaria tão mitológico quanto Aquiles, Hércules e Enéias neste nosso universo – participam da guerra defendendo Galbadia.

Durante a guerra, Laguna se apaixona por Julia, uma pianista. É um amor correspondido, mas Laguna precisa voltar ao front. Ambos prometem se casar no futuro.¹ Esthar se prepara para achar a sucessora de Adel, com o beneplácito da própria, que sente que pode ser vencida ou então quer produzir algum tipo de distração em grande escala – e encontra-se Ellone, ainda uma criança, em Winhill. Ellone não é capturada, mas é tornada órfã de pai e mãe quando militares tentam levá-la. Uma mulher chamada Raine adota Ellone poucos dias depois do incidente. Ellone não é uma criança destinada a ser uma feiticeira qualquer. Ao mesmo tempo parece mais fraca e mais forte que uma “feiticeira-padrão”, daí o interesse dos pesquisadores e estrategistas de Esthar na garota…

¹ As coisas galoparam rápido demais de uma ambientação nível Guerra nas Estrelas a algo mais similar a Tolstoi! Diria que essa transição se deu na velocidade da l… mas seria um clichê rematado.

19 a.S.e.: Laguna, Kiros e Ward se aventuram na cratera da antiga civilização de Centra, são encurralados, sobrevivem após pular de uma grande altura em direção ao mar revolto, mas acabam separados. Laguna pára em Winhill, onde é resgatado e tratado de seus ferimentos pela altruísta Raine. Depois disso, assim como Ellone, passa a viver em sua casa.

Crendo Laguna morto, Julia compõe um tributo a sua finada alma-gêmea, a canção Eyes on Me, um grande sucesso de crítica nos meios eruditos, e acaba se casando com o general de Galbadia Sr. Caraway.

O Pilar de Cristal, rebatizado Pandora Lunática, é extraído da cratera e levado a Esthar para investigações mais exaustivas pelo doutor Odine, uma espécie de Oppenheimer deste universo.

18 a.S.e.: Adaptado a uma nova vida, convertido em padrasto de Ellone, Laguna engravida Raine. Entretanto, Ellone desaparece ao mesmo tempo, e é um elemento-chave para a conclusão da Guerra da Feiticeira. Os responsáveis foram os mesmos perseguidores de 6 meses antes: soldados de Esthar que reincursaram em Winhill. Laguna parte em busca de sua enteada.

Ellone é o receptáculo de magia mais poderoso existente no planeta, e apenas a arqui-vilã do jogo – ainda atuando por trás das cortinas – o sabe neste momento. Mesmo que não desconfiem nem de metade do potencial de Ellone, não significa que não a considerem um indivíduo ou material valiosíssimo…

Galbadia segue sua sanha expansionista e ocupa Timber. Nasce Rinoa Heartilly, filha de Julia e do general Caraway, na província de Timber, nesta mesma cidade.

Alguns meses depois, Laguna encontra um orfanato mais ou menos próximo de Winhill administrado por Edea, a Matrona, que dedica sua vida a abrigar órfãos, mas não encontra informações sobre o paradeiro de Ellone. Ele resolve se reunir com a dupla de amigos do passado, Kiros e Ward, para melhorar as chances de sucesso da busca. Provavelmente a única maneira será deduzindo que Ellone se encontra bem-guardada em Esthar, a “hipótese B”, e invadir o covil do inimigo confiando no palpite. Raine, não mais de 9 meses tendo decorrido após a ausência de Laguna, finalmente dá a luz a Squall Leonhart.

O “trio Laguna” chega a Lunatic Pandora. Os padrões cerebrais de Ellone são cuidadosamente estudados pelos meios tecnológicos de que dispõe o império. São os primeiros passos para a criação de uma máquina do tempo.

Cresce o movimento de resistência a Adel; Laguna se destaca como líder revolucionário. Um exército de guerrilheiros resgata Ellone e Laguna se sobressai como combatente do lado vencedor da guerra. Os poderes de Adel são selados com a ajuda dos dados das pesquisas do doutor Odine, figura extremamente ambígua, que afinal pesquisava Ellone a mando de Adel para benefício próprio. Em vez de matá-la, os terráqueos a enviam em criogenia direto para o espaço sideral mediante um veículo chamado Ragnarok, supostamente para que outra mulher jamais herde seus poderes e reinicie imediatamente a guerra (sendo impossível matar uma feiticeira ou o espírito de uma feiticeira, que voltaria instantaneamente a encarnar noutra mulher).

Laguna, obtendo mais do que aquilo que procurava, se torna presidente da nova Esthar – mas cumpre a promessa original e devolve sua enteada à mãe. Ele, porém, não volta a Raine, nem toma qualquer iniciativa no sentido de trazê-la para perto de si. Esthar acaba isolada do resto do mundo para preservar o segredo da “arma destruidora”, o cadáver suspenso de Adel. Um campo de força evita que o resto dos continentes interfira com as ondas de rádio do exército local, que monitora a nave Ragnarok e o próprio mausoléu.

16-14 a.S.e.: Raine morre e Squall e Ellone são enviados para um orfanato, o mesmo orfanato de Edea. Zell, Quistis, Irvine, Selphie e Seifer são outras crianças do orfanato. Desde muito jovens desponta uma estranha inimizade entre Squall e Seifer.

13 a.S.e.: Ultimecia, uma entidade potencialmente extra-terrena, feiticeira das feiticeiras, e Squall, adulto, surgem na linha do tempo após a descompressão temporal, um pós-evento cataclísmico ainda não-explicado, em visita ao orfanato de Edea. Ultimecia está agonizando, mas não pode morrer enquanto, conforme a tradição do poder único das feiticeiras, não retransmitir seus poderes para outro receptáculo do sexo feminino. Seguindo Squall ela acaba se deparando com a candidatura perfeita, Edea, que se torna assim sua sucessora, voluntariamente, evitando que Ellone ou outra das crianças, como Quistis ou Selphie, se tornasse a nova feiticeira e futura nêmese do universo inteiro. Squall Leonhart estabelece ele mesmo as condições para a repetição cíclica de todos os eventos temporais, anulando causas e efeitos e consumando o plano que formulara semanas antes em sua própria linha do tempo (no futuro), explicando que Edea deve participar de um complot envolvendo Balamb Garden e o recrutamento de SeeDs (citados pela primeira vez na cronologia deste mundo). Ultimecia (ou seu corpo) desaparece após a transmissão do poder. Squall adulto abandona este tempo após coexistir por alguns segundos com sua encarnação mais jovem, um garotinho de 4 ou 5 anos.

Edea não pode se manter com os poderes de Ultimecia sem perder a personalidade, o que não sucede de maneira instantânea, sendo um fenômeno de caráter imprevisível, conhecido pela tradição deste mundo, que sempre combateu as feiticeiras nas diferentes eras. Dessa forma, ela se prepara para os eventos do futuro como pode, ao lado de seu marido Cid, com quem compartilha a verdade insólita. Com ajuda financeira das tribos de Shumi – amigos de Laguna –, Cid funda três academias militares, todas conectadas à história oculta de Centra e Esthar.

Os SeeDs Brancos de Elite são criados, principalmente para proteger Ellone, conduzindo-a a lugares remotos e incertos, pois ela ainda é procurada por cientistas como objeto de estudo anti-feitiçaria. O pequeno Squall, da linha temporal linear, pensa que sua meia-irmã mais velha “o abandonou”, quando a verdade é que ela foi removida do orfanato à força.

Julia Heartilly morre num acidente de carro (o que é bastante irônico, tendo-se em conta o sobrenome de seu marido). Rinoa é uma criança infeliz em sua relação com o general seu pai, CAR-AWAY!

12 a.S.e.: Termina a construção dos Gardens. Jovens podem voluntariamente se inscrever para tentar se tornar “black” SeeDs, mercenários de elite cuja missão oficial é servir para a paz em conflitos que emerjam em todo o globo. Os jovens de orfanatos são o público preferencial dos Gardens assim que atingem certa idade. Cid é o reitor de Balamb Garden.

11-1 a.S.e.: O treinamento com o(a)s Guardian Forces causa amnésia nas crianças, que esquecem que já tiveram vínculos entre si. Selphie e Irvine são enviados para outros Gardens: Trabia e Galbadia, respectivamente.

Edea é possuída pelo espírito de Ultimecia em definitivo, perdendo a consciência, e rapidamente se torna uma figura que comanda Galbadia dos bastidores. Galbadia atual, como a Esthar de décadas anteriores, que contava com os poderes adicionais de Adel, é a maior potência militar do mundo.

Rinoa se rebela contra seu status aristocrático e adere a um movimento revolucionário de Timber que luta contra o imperialismo de Galbadia. No verão do último ano antes do confronto entre Squall e Seifer que levaria o primeiro à enfermaria e causaria cicatrizes em ambos os rostos, Rinoa e Seifer têm um “caso de verão”.

[ZER]

A partir de Squall na enfermaria

(MARCO ZERO DE FINAL FANTASY VIII)…

Squall vê Ellone através da janela da enfermaria, sem reconhecê-la. Esse é o dia do teste para novos recrutas da SeeD e da obtenção do GF da caverna de fogo, Ifrit, em que Squall é supervisionado por Quistis. No teste, o trio designado como “equipe B” é Squall, Zell e Seifer, este último como capitão. Quistis Trepe deve garantir a segurança dos alunos em qualquer episódio extremo, mas não pode intervir em suas ações de modo a modificar a avaliação da performance no teste. Trata-se de uma ação militar genuína, e não de um ambiente simulado. O local é a cidade-ilha de Dollet, ex-potência militar, que foi recém-invadida pelas forças de Galbadia. Selphie, da outra base, desempenhando o papel de mensageira entre células, encontra o trio no meio da missão e se junta à equipe durante o fogo cruzado. Ao mesmo tempo, Seifer deserta sua função de líder. Os três que guardam os comandos da missão obtêm com êxito seu grau SeeD; Seifer fracassa devido à insubordinação. Quistis é “rebaixada” da função de instrutora da Garden para “mera” soldada SeeD, por não ter sabido lidar com o comportamento arbitrário de Seifer, que pôs todos em risco. Ex-instrutora de Squall, ela é apenas 1 ano mais velha e tem a mesma idade de Rinoa – é a pessoa mais jovem a ter sido aprovada num exame da SeeD, um talento militar nato.

No baile de graduação, Squall e Rinoa se conhecem e dançam casualmente. Ellone é vista na mesma noite dentro do campus por Squall e Quistis, fugindo de monstros, mas sua identidade seguia um completo mistério. A primeira missão do protagonista Squall pela SeeD é como líder da célula composta ademais por Zell e Selphie, agora integrada a Balamb. Eles devem dar apoio ao grupo paramilitar Forest Owls, de Timber, que tentará seqüestrar o presidente de Galbadia em sua visita ao distrito revoltoso. Os três desmaiam no trem de ida.

Todos experimentam um “sonho coletivo” com visões do passado remoto: eles vêem as vidas de Laguna, Kiros e Ward. O flashback acaba no encontro entre Laguna e Julia, relatado na cronologia pré-jogo.

Finalmente o trio, agora acordado, é oficialmente introduzido a Rinoa, da resistência, a “chefe” extra-oficial da missão, apesar de sua expertise militar quase zero, já que a SeeD funciona como uma empresa e ela é, pelo menos pensa-se, a cliente e financiadora deste trabalho. Após o bem-sucedido seqüestro do presidente, descobre-se que ele era um mero duplo, cuja verdadeira identidade é um monstro morto-vivo plantado para assassinar a célula SeeD. Alguém vazou a informação de que tentariam cometer o seqüestro. As ordens recebidas por Squall e os outros são que a SeeD deve apoiar os “corujas-rebeldes” até que Galbadia seja expulsa de Timber, por força de contrato.

O verdadeiro presidente Deling – pelo menos por enquanto – está fazendo um pronunciamento ao vivo na TV. Rinoa comanda a segunda tentativa de seqüestro da autoridade, no local. Antes que a célula SeeD pudesse agir, Seifer interfere, ele mesmo tomando o presidente como refém. Seifer se tornou o principal subordinado da feiticeira Edea, a própria relações públicas e embaixadora de Galbadia para a paz, quem planeja tomar Timber e conseqüentemente Galbadia num coup d’état! Mas a natureza da ação de Seifer não é entendida pelos demais.

Quistis também estava presente na transmissão, por algum motivo, aparentemente enganada por Seifer Almasy. Na confusão da missão de infiltração, Zell deixa escapar que o trio que deveria permanecer incógnito é de Balamb Garden. O tumulto se generaliza, com Deling prometendo vingança caso ajam contra sua integridade. Nesse momento Rinoa revela seu passado com Seifer, e que nutre certa idolatria por ele. Depois que Seifer estabelece as condições da soltura do refém, Edea faz sua aparição triunfal, cancelando a cerimônia. O restante da milícia de resistência é derrotado. Rinoa solicita ser escoltada para um lugar seguro onde agirão à paisana. Squall e Rinoa chegam ao pub de uma simpática senhora. Watts e Zone, da milícia dos corujas, conseguem passagens para os SeeDs evadirem Timber e se dirigirem ao Galbadia Garden.

Quando desembarcam do trem, na travessia montanhosa, Squall, Zell e Quistis – dessa vez a última no lugar de Selphie – desmaiam e têm outra experiência de sonho coletivo… Laguna, Kiros e Ward continuam seu enredo. Eles estão em trabalho de escavação em Centra, como já descrito na linha do tempo. Esthar parece ter descoberto sobre a existência e a importância do Pilar de Cristal, estrutura que se encontra em suas fronteiras. Isolando-o magicamente, seria criada a posteriori a fortaleza de Lunatic Pandora, a caixa inexpugnável. Laguna, Kiros e Ward quase se perdem nos túneis e seqüências de lances de escada, mas sobrevivem ao assédio dos soldados de Esthar. O fim da linha é a borda dum penhasco que dá para a costa. Quando Laguna se perde de seus asseclas, os SeeDs despertam de seu “sonho lúcido”.

O grupo do presente chega a Galbadia. Quistis se separa neste momento para realizar suas próprias investigações. Os outros se reúnem numa conferência. Quistis descobre que Seifer aceitou o papel de bode expiatório para acobertar o incidente de Timber, então pensa que ele está do lado certo. Balamb Garden será publicamente isentada de culpa no episódio. No entanto, a pena para Seifer será a capital. Rajin e Fujin, dois estudantes de Garden e os melhores asseclas e amigos de Seifer, encontram o grupo dos personagens controláveis. Eles trazem novas ordens de Cid. O grupo decide resgatar Seifer da morte certa, pois ainda acreditam que Seifer é um legítimo balambgardian, sem entender o contexto de sua intervenção no seqüestro de Deling – ainda que um não-SeeD não pudesse se envolver militarmente no mundo como Seifer o fez.

Com a relação normalizada entre as bases Garden, o grupo é protocolarmente recebido em Galbadia pelo diretor Martine, hierarquicamente subordinado de Cid. É neste momento que o SeeD Irvine Kinneas é incorporado à equipe do protagonista. A próxima missão é bem direta: o homicídio da usurpadora Edea “Temer”, perpetradora do autogolpe de Galbadia. Irvine é apresentado como um especialista em atentados letais, sendo um atirador à distância. O grupo se dirige novamente a Deling City.

Uma side quest interrompe a missão do grupo, na Tumba do Rei Desconhecido. Squall e os outros devem achar um estudante desaparecido, porque os habitantes locais ainda não confiam nos SeeDs. Dois poderosos Guardians são obtidos pelo grupo nessa exploração colateral. Depois de cumprir a missão o grupo recebe o passe do General Caraway, pai de Rinoa, para a destinação final. Squall descobre a filiação do anfitrião com sua cliente. Foi ele quem contratou a célula SeeD para o ataque desde o começo – Rinoa era só uma intermediária, agindo por procuração. Edea realizará um desfile pela cidade em celebração a sua ascensão ao poder. Será a noite da execução planejada. O sexteto se divide em 2 trios. Um deles servirá de distração enquanto o outro cumprirá o serviço.

Depois de conflitos internos, Rinoa abandona o grupo, por ordem de Quistis, mostrando desconforto e potencialmente ciúmes da filha de Caraway e afetos não-resolvidos por Squall. A missão segue com um trio e uma dupla (a dupla de assassinato sendo Squall e Irvine). Rinoa, no entanto, não deixa de cumprir sua parte como loba solitária, chegando ao cômodo de Edea primeiro. A feiticeira possuída mata o presidente Deling em público e se declara formalmente a líder de Galbadia. Imobiliza Rinoa facilmente. Irvine e Squall salvam a vida de Rinoa no último instante, matando dois Iguion que, fundidos, geram um novo Guardião, chamado Carbuncle.

O grupo ainda não havia entendido de que lado Seifer estava no jogo de forças, e se deparam, por fim, com evidências de sua escolha por servir a Edea. Em tese o plano funciona, Edea cai na armadilha do grupo e Irvine acerta a feiticeira fatalmente. Mas a magia de Edea repele o tiro. Squall tem de combatê-la frente a frente, não sem antes acertar as contas com Seifer, a quem deixa inconsciente no campo de batalha. O embate parece um tanto artificial. Edea não parece tão forte, mas, quando mais dois SeeDs chegam para ajudar, notam que a feitceira vem sendo evasiva e ardilosa. Ela acaba escapando e confundindo o grupo, mas não antes de uma cena de impacto que encerra o primeiro compact disc da história: uma estalactite perfura o peito de Squall e ele cai de grande altura, desmaiado.

Novamente um flashback onírico de Laguna. Nesse episódio ele é o protetor de Winhill. Brinca com Ellone, que parece ter 3 ou 4 anos à altura. Kiros intervém e Laguna, tendo sua vida familiar interrompida, adquire conhecimento dos incidentes em Centra, no qual o trio havia se separado e perdido contato. Isso havia sido apenas 6 meses atrás. Ward escapou mas perdeu a voz. Laguna também descobre sobre a carreira musical de Julia e seu recente matrimônio. O ex-prometido de madame Heartilly não parece ressentir sua presente situação, no entanto.

Zell acorda numa cela ao lado de Rinoa, Selphie e Quistis. Ele impersonava Ward no sonho coletivo e reconhece que está no presídio do Distrito D, onde W. passou a ser um carcereiro após o incidente de Centra (explicando seu nome, talvez?). Squall também está no mesmo presídio, mas confinado numa cela particular, que se move como um elevador pelo complexo. Atado, Squall é provocado por Seifer, e uma sessão de tortura está prestes a iniciar. Guardas nocauteiam Zell e seqüestram Rinoa. Na câmara, Seifer quer respostas de Squall sobre o verdadeiro propósito da SeeD. Squall permanece calado.

Seifer tenta sua última carta na manga: Edea teria ordenado um ataque de mísseis simultâneo a Balamb e Trabia Gardens. Os sobreviventes deveriam ser caçados e mortos por Seifer. Seifer, sem mais tempo para o mudo e resiliente Squall, abandona o aposento. Porém, ele é torturado por outros guardas; continua a desconversar com besteirol, mantendo as informações da SeeD protegidas. Enquanto isso, Selphie e Quistis simulam estar doentes para conseguir escapar de seus confinamentos. Zell, acordado, usa seu conhecimento inconsciente do local para achar as armas que lhes haviam sido depostas. Wedge e Biggs, dois soldados falastrões e atrapalhados, reaparecem após o fracasso em Dollet, relutantes em enfrentar a SeeD novamente.

Finalmente o grupo chega a Squall e o liberta. Uma criatura amistosa (uma quimera mágica) que acompanha o grupo desde a cela, um Moomba, como que uma paródia de Red XIII de Final Fantasy VII, emite suas primeiras palavras ao encontrar o líder do time controlável: “La…gu…na!”. Rinoa reentra em cena acompanhada de Irvine. Com essa nova ajuda os fugitivos conseguem escapar do presídio pelo topo (os primeiros andares estão inundados após um alerta de segurança ter submergido parte da prisão).

No deserto que circunda o Distrito D, o grupo se reúne em paz após algum intervalo e discute o próximo passo. É óbvio que os mísseis precisam ser interceptados. Irvine ouviu dizer que não irão bombardear Balamb de imediato, como Seifer dissera com convicção ou apenas como um blefe, mas que Trabia não tem como ser salva a essa altura. Squall decide voltar a Balamb para iniciar uma contra-rebelião. O sexteto se divide novamente: com exceção do líder, de Irvine e Rinoa os demais vão direto à base de onde provêm os mísseis.

Na missão do grupo de Selphie, apesar do sucesso final, no momento de explodir a base eles são envolvidos em uma batalha imprevista e o tempo se esgota. Aparentemente foi uma missão de sacrifício, e a base vai pelos ares, com os corpos dos SeeDs ainda em seu perímetro. A verdade última, porém, é que eles conseguiram refúgio dentro de armaduras blindadas. Squall e companheiros também são exitosos em sua missão.

O grupo, então, reunido, descobre que Edea é ou era a esposa de Cid. Cid conta sobre o passado dos jovens, que vão recuperando suas memórias afetadas pelos Guardiães, mas ainda não satisfatoriamente. Ellone, a meia-irmã de Squall, que ele pensava tê-lo abandonado, finalmente é revelada como uma importante componente da Garden. Squall se dá conta, ao reencontrá-la, que ela era a menininha do sonho de Laguna, o que ajuda a reconstruir mais de suas próprias lembranças. Ellone revela seus poderes especiais, aquém aos de uma feiticeira típica, mas ao mesmo tempo exclusivos e cobiçados até pelas próprias feiticeiras: todo esse tempo ela tem feito os SeeDs entrarem em estado inconsciente a fim de mostrar o passado, fazendo-os revivê-lo diretamente, quem sabe até alterá-lo. Squall, por exemplo, sempre assumia o corpo e a consciência de Laguna, mas os resultados eram sempre os mesmos. É Laguna uma duplicata de Squall, além de seu pai biológico? Os White SeeDs, os seguranças particulares de Ellone, chegam ao local com novas ordens para deslocá-la e os dois irmãos tão maltratados pelo destino se despedem mais uma vez.

A próxima paragem do jogador é Fisherman’s Horizon, quase uma utopia neste mundo, em que os refugiados das inúmeras guerras entre Esthar e Galbadia podiam viver em paz. Oportuna ou inoportunamente, o exército de Galbadia invade o lugar justo quando Squall e seus companheiros estão presentes. Finalmente o trio da base explodida se reencontra com o trio mandado a Balamb. Os relacionamentos e a moral do grupo são o enfoque do próximo arco, com Rinoa e Squall se desenhando mais e mais como um casal. Selphie está deprimida, Irvine tenta seduzi-la mas não é correspondido. Squall, no auge de seus 17 anos, é nomeado por Cid o novo comandante supremo da SeeD. Carreira um tanto meteórica até para um universo ficcional! Todo esse senso de responsabilidade – de alguém que viveu atos heróicos do próprio pai, ainda que em sonho, tendo agência própria nos eventos! – parece estar quebrando Leonhart por dentro. Para completar, ele ainda não conseguiu cicatrizar toda a história do falso abandono de sua infância, tendo sido obrigado a se separar de Ellone antes de se habituar de novo a sua presença.

Numa visita a Trabia, em que Selphie se despede de seus amigos mortos e ajuda a cuidar dos feridos sobreviventes, algumas das cenas mais icônicas do jogo dão lugar. Enquanto espairecem numa quadra de basquete, lembranças são engatilhadas no grupo inteiro por uma súbita fala de Irvine, para a qual a revelação de que Edea era casada com Cid servia de pequeno foreshadowing: todos eram companheiros órfãos no passado e sempre reconheceram Edea como sua mãe adotiva. Irvine parece ter lembrado primeiro dos episódios porque Galbadia Garden passou a usar o poder dos Guardiães apenas muito recentemente; assim como Selphie foi a segunda a ter suas lembranças ressuscitadas. A situação de desconforto de Irvine desde que se juntou ao grupo é explicada, mas parece significar que ele errou o tiro de propósito ou sabia que Edea reagiria a tempo a sua tentativa de execução no atentado em Deling. Como Rinoa não era uma das crianças, ela se sente muito sozinha nesse segmento, como que rejeitada ou ostracizada pelo grupo, uma estranha no ninho.

Em meio a uma nova batalha com as tropas galbadianas, Rinoa solicita o anel de Squall – um memento de família – por intermédio de Zell, pois tem vergonha quando pensa que se pedir o anel a Squall diretamente todos pensarão que os dois estão oficialmente comprometidos – até diante de Squall esse pensamento causa embaraço a Rinoa. Zell obtém o anel emprestado jogando conversa fora, mas durante o conflito não consegue entregá-lo a Rinoa de imediato. Quando Zell finalmente repassa o anel, algumas cenas depois, um tremor sucede. Os dois Gardens estão em franca guerra total. Escusado é relatar ao leitor não-jogador a essa altura do campeonato (dado o fator sci-fi do enredo e a importância maior dada aos afetos na storyline) que as bases Garden são secretamente enormes veículos com auto-propulsão que podem se deslocar pelo espaço aéreo, e esta é uma destas loucas batalhas quase sem regras no mundo conhecido da física, lembrando mais uma franquia de George Lucas que qualquer momento prévio em FF!

Rinoa fica dependurada em estruturas inclinadas prestes a ceder. Squall pede a Zell que resolva a situação, pois precisa proteger a vida das crianças e adolescentes nas salas de aula ao mesmo tempo. No fim, envolvido em outra batalha aérea, é Squall quem salva Rinoa. Os SeeDs invadem o subterrâneo (ou o porão da nave) de Galbadia Garden, onde está a sala de controle dos motores do veículo-escola. Seifer acaba mais uma vez derrotado e perde sua função de co-vilão na estória, pelo menos até o confronto final no Pilar. Agora é Edea quem antagoniza diretamente com os jovens na esperada revanche…

Edea não se segura neste segundo confronto (como se o resquício de lembrança que lhe restava tivesse sido apagado por Ultimecia), ainda não-conclusivo, embora o grupo de jovens tenha conseguido extrair-lhe o poderoso GF Alexander. Em lugar da vitória esperada, no entanto, o tempo congela. Sem poder se mover, mas ainda consciente, Squall assiste uma Rinoa hipnotizada claudicando em direção a Seifer. Ela se inclina em direção ao pé do ouvido do arqui-rival e ex-amante e conta-lhe algum segredo vital para a estória. A reação de Seifer é se reerguer, mesmo muito ferido, e empreender sua fuga. Edea é envolvida numa explosão de luzes. O “campo congelado” desvanesce e Edea parece tão confundida quanto o grupo com o que se passa. Aparentando genuína alegria e nostalgia, ela cumprimenta todos aqueles a quem tentara matar segundos atrás, ao demonstrar reconhecer por fim suas fisionomias, fisionomias que agora suscitam-lhe emoções verdadeiras. Não é mais a Edea possuída de antes, mas a antiga matrona do orfanato. Todos retornam a Balamb em paz, mas o preço colateral é que Rinoa está em coma desde que agiu da forma mais estranha no campo de batalha.

Edea explica que estava sob o controle de Ultimecia, a última (pun) feiticeira, a verdadeira raiz dos problemas deste mundo. O objetivo da trágica Ultimecia¹ após ser rejeitada pelo corpo de Edea é ressuscitar a feiticeira Adel das guerras passadas, ou antes tomar seu corpo que está em crisálida. Como o estado de Rinoa preocupa, decidem ir atrás de Ellone, que pode conhecer um método de trazê-la de volta.

¹ Criatura nascida no futuro e que viaja ao passado (reza o lore, que por não compreendê-la ora também atribui-lhe genealogia alienígena), se for – e é – uma criatura cultivada, aprendeu que foi derrotada no passado, lugar em que desembarca buscando a onipotência e a vitória. Diferentemente de nós, que estudamos a História para jamais repeti-la, conscientes de que não existe nem existirá máquina do tempo, Ultimecia pertence a um universo em que viagens temporais são uma realidade – e por isso todo seu esforço é apenas seu destino sisífico. Mas é durante essa jornada que ela entende seu verdadeiro propósito (não era tornar-se deus ou vencer, no sentido clássico e binário), e que ele se cumpriu… Continue a leitura!

Os sentimentos represados de Squall finalmente jorram, e ele mais do que nunca sente a necessidade de se comunicar com Rinoa, ironicamente agora que ela não pode escutá-lo. Squall desfalece e recai em seus sonhos interativos produzidos pela mágica de Ellone… A diferença dessa vez é que antes de recobrar a consciência Squall, em estado de sonho lúcido, consegue trocar palavras com Ellone. Ele também observa passivamente uma cena de Laguna conversando com Edea sobre Ellone. Posteriormente Squall descobre que o paradeiro atual de sua meia-irmã é Esthar.

Squall está afundado em solilóquios e paralisado pela melancolia. O mundo para ele não interessa, não corre perigo. Ele só consegue pensar em Rinoa. Quando a nave da Garden aterrissa em Fisherman’s Horizon, Squall leva o corpo estático e inerte de sua musa nas costas, segue a pé pelo comprido trilho do trem. Seus pensamentos, dessa vez declarados em voz alta, giram em torno dessa questão tão paradóxica: o pouquíssimo tempo que tiveram juntos modificou-o por completo; e agora, justo agora que ele o compreende, não tem acesso a suas palavras, a sua risada… Admite perante uma Rinoa surda que tinha um exterior de ouriço para esconder o fato de que ele se importa muito com os outros, e com o que os outros acham de si; para esconder que ele é só uma pessoa insegura e que precisa incondicionalmente dos seus amigos.

Chegando ao fim da estrada de trilho, já na estação da desolada Esthar, Squall surpreende-se ao ver que todos os seus amigos estavam já a sua espera. Para eles era senso comum aparecer para ajudar Rinoa a recuperar a consciência e encontrar Ellone. E ainda mais fantástico: Edea também acompanha os SeeDs. Com auxílio de sua poderosa mágica, quem poderá dizer que a missão não será cumprida? Abadon, o guardião morto-vivo, é aniquilado por Edea às margens do Grande Lago Salgado. Eles encontram uma passagem subterrânea e um terminal de computador que revelam que há um sistema de camuflagem para deixar a capital de Esthar invisível. Depois de desabilitar essa medida de segurança, finalmente penetram na cidade inimiga. Assim que entram, porém, Squall desmaia…

…Laguna é um prisioneiro trabalhando no laboratório de Lunatic Pandora. Depois de salvar outro escravo, um Moomba, Laguna é interpelado por outros homens da resistência contra Adel, que aclamam-no seu novo líder. Eles precisam fugir e retaliar a feiticeira. Laguna heroicamente chama a atenção dos guardas enquanto o Moomba e outros rebeldes conseguem evadir. Kiros e Ward vêm ao encontro de Laguna. Eles resolvem fazer uma parada no laboratório de Odine e recebem a informação de que Ellone lá se encontra, sendo objeto de pesquisas e experimentos. Laguna ameaça Odine até o cientista se acovardar e contar tudo que ainda ocultava. Ellone estava, na verdade, em outro laboratório, também comandado por Odine, o principal da rede de laboratórios dos estharianos. O padrasto acha então sua querida enteada. Quando se abraçam, Squall acorda…

Os membros da SeeD são escoltados até o palácio presidencial. Edea quer se livrar definitivamente da maldição de Ultimecia, se isso for possível (como ela ainda possui poderes, não está descartada a hipótese da consciência de Ultimecia voltar). Odine, o cientista quase-maluco obrigatório em todo enredo futurista “de segunda prateleira”, deve ter algumas respostas. Ele realmente propõe uma solução, e ela é até bem simples. Squall, não obstante, não quer saber de conversa e demanda incontinenti o paradeiro exato de Ellone, espelhando a cena de anos atrás. Odine, cheio de si, diz que arranjará tudo. O que eles querem está em East Esthar.

Explica-se a Squall que curar Rinoa exigirá que ele e Ellone levem-na a uma base lunar, o lugar mais avançado em tecnologia de que dispõem os habitantes do planeta, para que mais dados sejam coletados e entenda-se o coma que a medicina comum não sabe tratar. Zell declara seu desejo de permanecer e ser o guarda-costas de Edea, agora que sente de novo afeição por sua mãe adotiva. Squall faz uma dupla com Selphie. Eles fazem essa incrível viagem: Squall, Selphie e o corpo passivo de Rinoa, sendo lançados para fora da órbita, até o satélite. Depois que eles partem, Angelo, o cachorrinho de Rinoa, começa a desenvolver sintomas de loucura.

No laboratório de Odine causa pavor a informação de que os galbadianos invadiram Pandora e agora estão no controle da estrutura. Zell e os dois PCs que estão consigo vão investigar. Enquanto avançavam pelo interior do cristal gigante, são violentamente expelidos, sugados pelo topo da estrutura e jogados novamente em Esthar. O complexo de Pandora se move, e seu paradeiro é também a lua. Edea, quase inconsciente, só consegue repetir, murmurando: Lunar Cry, Lu…nar Cr…yyy… O choro da lua, lágrimas da lua. Os demais não sabem o que isso significa. Algo terrível se avizinha.

Squall posiciona Rinoa num leito dentro do laboratório médico da estação lunar. Ele sai para explorar as imediações. Ele e Selphie vêem, ao longe, a tumba de Adel flutuando no vácuo, selada desde o fim da guerra. O presidente de Esthar está ele mesmo de perto guardando o túmulo, prevenindo que alguém apareça para desfazer os selos (não é revelada sua identidade). Na sala de controle, o grupo é apresentado aos monstros que vivem na superfície lunar! Ellone estava esse tempo todo escondida e sendo protegida nesta estação. Squall pede sua ajuda para tirar seu grande amor do estado de coma. Depois de algumas palavras que tentam consolar o coração de seu querido meio-irmão, Ellone explica que seus poderes de viagem temporal não são irrestritos: ela não pode mudar o passado e salvar Rinoa, principalmente porque não a conhece ainda.

O coma de Rinoa muda de fase: em vez da inércia, ela se torna alguém como que em hipnose ou sonambulismo, percorre os corredores, seu corpo se torna diáfano e começa a desaparecer e reaparecer alternativamente, mas ao mesmo tempo sua existência parece se estender a outros locais e tempos. Ela não pode ver ou escutar aqueles que estão ao seu redor na lua. Quando Squall tenta abraçá-la, é intensamente repelido pela “aura” rebelde que a circunda. Ele apenas a segue até a sala de controle. Rinoa desativa facilmente a primeira camada de selos que protegiam a tumba de Adel, depois torna a estação inoperante e em conseqüência a lua fica sem comunicação com o planeta. Ela se dirige aos vestiários e se veste com uma roupa de astronauta. Consegue evadir pelos dutos de ventilação. Squall continua a segui-la, mas não pôde fazer nada contra as ações daninhas de Rinoa. Quando ela sai da atmosfera lunar e se encontra em pleno espaço sideral, tudo o que Squall pode fazer é assistir horrorizado o corpo estranho flutuante – ele se aproxima da tumba desguarnecida de Adel e quebra um a um os selos mágicos reminiscentes, como se fossem meras armadilhas de rato. A única alternativa de Squall, sem outra veste adequada para a exploração espacial ou um cabo comprido o suficiente que o mantenha atrelado à estação, é usar um dos pods, pequenos veículos, que comportam três assentos, ao lado de Selphie e Ellone, para se aproximar da tumba e tentar prevenir a catástrofe maior que se desenha.

Ao mesmo tempo, uma horda de monstros nasce, como se plantas fossem, da superfície lunar, e se dirigem ao planeta. É isso que os humanos e principalmente a informada e previdente Edea chamava em seus murmúrios de Choro da Lua, outra hecatombe desastrosa e simultânea com as ações comatosas de Rinoa, ambos atuando em sincronia para causar a destruição do espaço-tempo como se o conhece. Depois de “cumprir seus desígnios” como um peão sem vontade própria num tabuleiro que excede todas as individualidades em luta, liberando o cadáver de Adel do selamento mágico, Rinoa é repelida da tumba e reconquista o estado consciente.

No pod, Squall e Ellone, observando a curta distância, tentam entender o que se passou com Rinoa. Squall tem uma experiência mística: vê a vida de Rinoa através da perspectiva de outras pessoas com quem ela convivera, por exemplo quando convenceu Irvine a voltar à Prisão do Deserto para resgatar o time SeeD sob custódia de Seifer e Edea, mas também o momento em que Zell confidenciava com Rinoa sobre fazer uma cópia do anel de Squall, o Griever, a fim de que ela tivesse sempre consigo um item que remetesse a Squall.¹ Ellone também participa desse estranho fenômeno e enxerga o momento da derrota de Edea, enquanto possuída por Ultimecia. Ela compreende o que se passou com Rinoa esse tempo todo a partir do coma: a essência de Ultimecia saltara de Edea para Rinoa, e agora de Rinoa para o corpo libertado de Adel. Ela foi um instrumento passivo do grande plano da entidade para assumir o controle da existência. Rinoa podia ser esse vaso comunicante porque desde sempre tinha o que era necessário para ser uma feiticeira, e todos ignoravam o fato. Fosse ele conhecido, a White SeeD também protegeria Rinoa, como fez com Ellone todos esses anos. Rinoa não terá como voltar à base e morrerá à deriva no espaço vazio, pois perdeu sua utilidade e é, para Ultimecia, agora, apenas uma casca.

¹ Esse detalhe é muito importante para entender o enredo do jogo que não é contado diretamente, i.e., fica nas entrelinhas (continue a leitura).

O som não se propaga no vácuo, mas Squall tenta chegar a Rinoa pelos poderes de Ellone. Ele sente que a temperatura corporal de Rinoa está em rápida queda e seu suprimento de oxigênio perto do fim. Eventualmente, ela faz sua última inalação com o tanque de oxigênio da roupa de astronauta, que garantia meia hora de fôlego. Ela fecha os olhos e o corpo deixa de responder. Os dois anéis que Rinoa estava usando, por cima da veste tecnológica (!!), o original de Squall (que ele deixou com seu corpo comatoso) e a réplica combinada com Zell, presos ao seu pescoço por uma corrente, quebram o elo e partem em direção ao próprio Squall. Miraculosamente, a voz de Squall parece reverberar agora, na mente de Rinoa, que ainda não expirou. O amor é mesmo afrodisíaco, amigos, até para os pulmões em situações críticas como esta! Rinoa se recorda (só agora!) que tem um tanque de oxigênio reserva na roupa e restaura a respiração, por pelo menos 5 minutos…

…Squall sabe que não poderá trazer Rinoa de volta nesse pequeno intervalo, mas não deixa de sentir que sua própria vida renasce ao perceber que Rinoa voltou a respirar normalmente graças ao segundo tanque. Ele decide se desplugar do pod num traje espacial (por conveniências da plot, havia um dentro do pod, sem o cabo!) e abraçar Rinoa, num último adeus, a ela e ao mundo. Ambos morrerão sem oxigênio e a à deriva. Decidiu-se, no meio do breu, da mesma forma como a nada se decidia enquanto habitava o planeta e fugia das responsabilidades e escolhas significativas… Seu último ato cimenta sua maturidade. Dessa vez nenhum novo tanque de oxigênio poderá salvá-los, será o fim do casal. Mas justo neste instante crucial uma das espaçonaves Ragnarok (utilizadas na última guerra) aparecem em órbita, prestes a cruzar com os pombinhos em sua trajetória errática pelo cosmo escuro. Eles conseguem ingressar no veículo. Parece que se despedirão em grande estilo em uma próxima oportunidade: ainda não era chegada a hora!… O mundo ainda precisa de ambos, além de um ao outro…

Ao verificarem que o interior da nave é respirável, desvestem suas “armaduras protetoras” e podem conversar com as roupas convencionais que usavam na estação há alguns momentos. Não demora muito até que percebam que a nave está sendo observada e perseguida por alienígenas chamados Progators. São adversários formidáveis, mas Rinoa parece conservar seus conhecimentos em magia, exatamente como Edea após perder a essência de Ultimecia. A sincronicidade do casal, ademais, é fator decisivo para obliterar as ameaças. Dirigindo a nave, ambos voltam seguros à lua. Já é hora, no entanto, de outra viagem mais importante: retornar a Esthar, onde a outra metade do cataclisma (o choro lunar) estava em curso…

Enquanto não chegam ao destino, sentam-se e conversam, sem inimigos para interromper o momento privilegiado. Squall parece ter se retraído novamente em sua concha de adolescente-problema, e não responde mais com afeição aos gestos explícitos de Rinoa, que senta em seu colo e o envolve em um terno amplexo. Eles não se beijam, nem Squall declara seu amor, aquele mesmo amor que ele declarara a uma Rinoa em coma, despersonalizada. Parece que o maior problema de Squall Leonhart é que tudo esteja finalmente bem! Há pessoas assim no mundo… De toda forma, com algum esforço, Squall começa a conversar. O tema escolhido é sua infância conturbada – isso demonstra que ele já pode se abrir mais do que no começo da aventura, ainda que continue sendo-lhe dorido. Squall desabafa sobre como, sem saber nada sobre seus pais e após ter pensado que sua única parente o abandonou cedo na vida, ele finalmente se sentiu menos sozinho no orfanato. Mas ele nunca superou de verdade a ausência de Ellone, e como um porco-espinho evitava se abrir, com receio de se machucar na mesma intensidade outra vez. Rinoa, esta pessoa colada a seu corpo, foi a pessoa responsável por curar sua resistência, por enferrujar as dobradiças dessa pesada porta de uma escotilha de memórias amargas… Rinoa é bem mais direta: diz que se sente a pessoa mais confortável do universo estando abraçada com a pessoa que ama e em quem aprendeu a depositar confiança incondicional, a despeito de saber que é terrivelmente difícil tratar com essa mesma pessoa em termos diretos e francos; e essa pessoa, Squall, sabe como poucos deixar a cabeça de uma garota zonza, esse é sem dúvida seu pior defeito – agora Rinoa o expressou abertamente ao amado.

A beleza do momento é interrompida pela população de Esthar, quando a nave aterrissa, que temia justamente o que está prestes a acontecer: uma Rinoa viva e de volta ao planeta, a pior das ameaças, visto que já entenderam a relação estabelecida entre Rinoa e Ultimecia, mesmo que Rinoa não tenha dado seu consentimento a nada.

Rinoa se entrega voluntariamente, admitindo que agora, depois de suas últimas experiências, possui os poderes de uma temível feiticeira. Ela está em pânico sobre o futuro e se pudesse escolher só gostaria de reviver os efêmeros instantes que lhe restam ao lado de Squall, como esta cena tão familiar e inofensiva no assento da nave… Squall admite que está apaixonado (ele é um pouco lento, o leitor talvez tenha diagnosticado neste ponto da trama!) no momento do pouso da nave Ragnarok, e se sente em completa confusão sobre que atitude tomar, porque para ele existe Rinoa e existe o mundo, e ele não sabe, talvez, como fazer os dois interagirem de forma sadia ou natural. Ao mesmo tempo que não pode deixar Esthar com Rinoa (“Deixa Esthar!”), ele não toma nenhuma ação, assiste sua amada ser conduzida pelas tropas do império, a fim de ser selada, como fôra Adel no passado. Rinoa tenta devolver o anel original de Squall. Ele, de modo frio e em completa contradição com o turbilhão de sentimentos que o domina, diz que está tudo bem que o objeto fique com ela, e ambos se despedem num tom triste. Mas é neste momento em que parece ter covardemente desistido de tudo que Squall divisa um plano tão genial quanto diabólico para virar a mesa, num átimo, e num golpe napoleônico de seu inconsciente relutante.¹ Então ele se deixa vencer pela apatia aparente e retorna à nave para sofrer seu luto.

¹ Essa é minha interpretação do enredo – o tal plano será explicado abaixo!

Os demais SeeDs reúnem-se com Squall. Selphie está inteira, e feliz de ver que seu líder também sobreviveu à viagem no pod. Ela quer saber o contexto da situação, o paradeiro de Rinoa, etc. Interrompendo este diálogo os demais surgem excitados, descrevendo como Edea enfim se livrou de seus poderes (em prol de Rinoa, é o que eles ainda não sabem); tudo sobre Lunatic Pandora… Squall parece não estar presente em toda a cena, pois escuta e não escuta ao mesmo tempo. Com um extremo último esforço ele “descongela” e solta a língua: Rinoa é a nova feiticeira e será selada. Os outros têm sua atmosfera de ânimo e otimismo esmagada num instante. Não podiam ter adivinhado esse desdobramento, muito menos a apatia de Squall diante do acontecido. Justo de Squall, o mais interessado em Rinoa. Quistis tenta acordá-lo com palavras duras: Você é um idiota, por acaso? Por que você deixaria que levassem Rinoa?! Como que se esquecendo de que ele tem um plano muito maior em execução (pois agora não se trata mais de individualidades, está tudo conectado) que não necessita, e até exige, que nenhuma intervenção (pois ela “já aconteceu”) seja realizada, ele “volta a si”, reinterpretando seu personagem: Squall se arrepende de ter se rendido, de não ter convencido Rinoa a resistir, e quer se juntar aos demais para salvá-la – missão impossível e inócua, já que Rinoa é a feiticeira e sempre precarizará o balanço da paz deste mundo. Selphie também retoma o otimismo que sempre lhe soou característico, principalmente quando exagerado: é o seu jeitinho. Ela assume como que a postura de líder interina do grupo, mostrando-se mais vivaz que o próprio líder literal Squall, e os SeeDs partem rumo ao Memorial da Feiticeira, lugar da cerimônia de selamento mágico.

O resgate foi mais simples do que se poderia prever. Rinoa cai nos braços de Squall. Alguns guardas sobreviventes tentam evitar que a tropa escape, mas neste momento o próprio Laguna intervém, embora incógnito aos demais. Rinoa pede para ser levada até o orfanato, ironicamente ela, a única que não cresceu com todos os demais, porque gostaria de passar um tempo sozinha. Squall e Rinoa conversam deitados sobre um lindo tapete de flores. Rinoa sabe que está, e estará, em perpétuo risco: poderão seqüestrá-la ou ela simplesmente pode se tornar de repente maligna. Squall responde, tirando confiança de sabe-se lá onde (eu sei: do plano que ele divisou em silêncio, e do qual não só ele mas inúmeras entidades participam, em conciliábulo), que nada disso terá lugar, que mesmo que tivesse de encarar o resto do mundo ele permaneceria a seu lado irremediavelmente, sendo seu cavaleiro branco, mesmo se ela se tornasse o maior inimigo da humanidade. (Mesma frase que usou, sem qualquer veracidade de conteúdo, no primeiro encontro com Rinoa, quando ela era apenas uma cliente de novos recrutas da SeeD – mesma frase que Seifer pronunciou ao se filiar à Edea maligna, apenas repetindo maquinalmente um diálogo dum filme… gravado por Laguna… As conexões começam a despontar aos borbotões e apenas os mais indispostos para com a Square não enxergam um grande esforço de unidade na obra a essa altura.) Eles selam uma promessa: se Squall se sentir perdido, ela sempre poderá encontrá-lo neste campo florido; ele deve vir a este jardim e aguardá-la, se ela já não estiver. Desnecessário dizer que Rinoa não sairá do local por nada no mundo, metaforicamente falando.

Os demais chegam ao campo e interrompem as juras dos pombinhos: interceptaram uma mensagem de rádio de Esthar. Kiros e Ward precisam que eles regressem com urgência. As peças do quebra-cabeça vão se encaixando fenomenalmente apesar do qüiproquó tecnológico clichê! Todos os personagens dos discos anteriores estão ressurgindo no epílogo da estória, e os flashbacks adquirem total pertinência. Edea, ao se despedir do grupo, conta a seus antigos rebentos adotivos como seus poderes foram herdados 13 anos atrás após o selamento de Adel, e por uma segunda feiticeira anônima, para prevenir que seus poderes terminassem em qualquer outra criança, que não teriam culpa ou escolha – ela, pelo menos, era uma adulta e tinha uma resolução. A moraleja do relato de Edea é, para Squall: ela atravessou um período de incalculável sofrimento, mas se sua mente não sucumbiu foi porque existiam pessoas em seu entorno que amavam-na. Squall deve agüentar e lutar ao lado de Rinoa, mesmo que essa decisão reflita em tragédia para outros. É necessário prestar atenção em falas aparentemente absurdas, com pequenas minúcias, como essa, para entender que todos estão participando do plano de Squall, involuntariamente. Ninguém se perguntou que feiticeira misteriosa visitou Edea no orfanato: havia questões mais prementes com que se preocupar!

Aqui todos se reúnem com o Presidente Laguna, cara a cara, a primeira vez no jogo. Laguna era a personalidade que – inutilmente, pelo visto – se mantinha na lua guardando o túmulo de Adel, o líder da república popular de Esthar. Squall está incrédulo, mas ao mesmo tempo deixa-se levar, está de guarda propositalmente baixa, sabe que Laguna “é de confiança” (como jamais saberia, há alguns dias). Aliás, ele é Laguna também. A informação é de que Adel, a original, confinou-se em Lunatic Pandora e Ultimecia tomou posse de seu corpo. Porém, Adel está fraca, e o que falta para Ultimecia lograr seu plano de compressão do tempo é revitalizar os poderes adelianos. Essa parte Squall ouviu com muita atenção e entendeu sem precisar pedir qualquer esclarecimento adicional. Ultimecia tem um último trunfo para garantir que o corpo de Adel receba o máximo de poder: ela precisa possuir Ellone para viajar ao passado, etapa 1 do seu plano de Compressão do Espaço e do Tempo: partindo do ponto mais remoto, achatará todo o passado, fundindo-o com o presente e o futuro a fim de consumar a coexistência absoluta do Todo consigo mesmo(a) (condição do presente eterno). E para chegar a esse resultado perfeito, ela conta com uma máquian do tempo que ainda será desenvolvida no futuro baseada no padrão cerebral único de Ellone. O único porém de toda essa maquinação bizarra (com o perdão dos infinitos trocadilhos possíveis: máquina, maquinação, Maquiavel…) é que ela necessita de Ellone agora como o gatilho do fenômeno final e definitivo. Ninguém sabe por que ela quer realizar a compressão do tempo (apenas quem participa do plano de Squall num nível mais consciente, que anteciparemos agora: Laguna, Edea, Julia, Rinoa, a própria Ellone… – mas isso não é dito em voz alta, no jogo, nunca). A “máquina do tempo” é apenas um objeto que recebeu/receberá junction da magia temporal (Time magic) exclusiva de Ellone, respeitando o cânone e as regras de poder criadas para o jogo. E Ellone precisa levar Ultimecia para o passado porque no passado Ultimecia possuirá/possuiu, em seqüência, Adel, Edea, Rinoa… e por último novamente Adel, embora não faça diferença “quem é”, mas por que é cada indivíduo em cada momento.

Laguna, ciente de que os SeeDs não aceitariam partir numa missão suicida a menos que houvesse bons motivos para tal (exceto, claro, Squall), e podendo contar para isso com a erudição de Odine, diz que a única maneira de matar Ultimecia (A etimologia do nome da maga é clara: a máquina definitiva, ultimate mech; essa é a razão para ela pronunciar ‘k’ no lugar de ‘c’: seu nome deve ser entendido, nem que apenas conceitualmente, como Ultimekia, como pronunciaríamos se fosse escrito Ultimechia, não permitindo, esta interpretação, outro significado para a segunda metade de sua denominação)¹ é justamente caindo na armadilha de permitir a compressão temporal. O corpo verdadeiro de Ultimecia, que precisa ser destruído, se encontra apenas no futuro remoto, época em que ela nasceu. É óbvio que para que todos viajem ao futuro será preciso “pegar carona” na compressão temporal, que é em si uma viagem no tempo (e muito mais). Podemos dizer, a propósito, que toda viagem no tempo é apenas uma modalidade de compressão temporal, a magia mais poderosa neste universo. Só o que o grupo pode esperar fazer é matar o corpo de Adel antes que ele acorde como Ultimecia em Pandora, forçando Ultimecia a possuir Rinoa, o único receptáculo disponível após a extinção de Adel. [ (Já que Ellone é como que ‘outro caso’, na verdade uma outra metade do ‘combustível’ mágico de que Ultimecia necessita a fim de comprimir o tempo, e agora Edea não possui mais as condições de ressuscitar seus poderes, além de estar longe de Pandora durante a missão, tornando Rinoa o último alvo útil possível, com efeito.) Essa seria a armadilha para Ultimecia, barganhar com o mais valioso (para Squall)…

¹ NOTA SOBRE DISCUSSÕES (SAUDÁVEIS) EM TRADUÇÃO! Incluirei aqui, por questão de modéstia, hipóteses externas acerca da etimologia da palavra Ultimecia. Senta que lá vem estória…

Na mitologia gregaa houve um rei chamado Mausolus, cuja esposa e portanto rainha – que incidentalmente era, err, sua irmã – se chamava Artemisia. Quando Mausolus morreu, a dor que se apoderou de sua irmã-consorte foi tão pungente que a teria levado à loucura e à megalomania: ela resolveu consagrar a seu amor o maior túmulo jamais construído, na obra que a imortalizaria, gesto mais importante de sua existência. Durante a construção do mausoléu por seus subordinados, Artemisia era vista até mesmo bebendo todos os dias água ou o que mais lhe aprouvesse com o acréscimo, a cada oportunidade, na taça, de um naco das cinzas do corpo de seu cremado marido (detalhe insólito). (a nota de rodapé é grande e continua no próximo parágrafo, não esmoreça!)

[a Observação de cunho histórico ou pseudo-histórico: a teoria do lingüista-fã se refere a Mausolus e Artemísia como figuras legendárias, e nisso estou em completa concórdia – outras fontes consideram Mausolus uma figura que existiu realmente, como rei da Cária (Ásia Menor) no séc. IV a.C., que não era uma polis grega, mas parte do (nascente) Império Persa. Um dos motivos para meu ceticismo em relação à existência fática dessa biografia é que seu nome só existe em grego, o que validaria seu construto ser apenas uma fábula. Para a hipótese de ser uma figura histórica, que sempre há e não tenho o poder de invalidar, não concordo que o casamento ser um incesto seria um contra-argumento forte, tendo em vista que é um tabu verificado universalmente, mesmo que o conceito de irmão ou irmã dependa em última instância de regras locais: conjetura-se, dentre os que identificam o casal como monarcas verdadeiros do passado antigo, que este fôra um casamento meramente simbólico, i.e., arranjado. Isto é apoiado pelo fato de que não há registros de descendência (filhos entre ambos); a informação também fortalece a teoria de que teria sido apenas uma formalidade para a preservação do poder, como se verificou ou ter-se-ia verificado (sendo um casal que de fato existiu) posteriormente à morte de Mausolus, visto que Artemísia conservou o título de rainha, Artemísia II para ser ‘historicamente’ exato, até vir a falecer e a transmissão do trono recair para irmãs de sangue desta Artemísia. O que considero mais absurdo é que um tal monumento, comparável a um prédio – não a uma pirâmide egípcia, este sim um mausoléu milenar! –, só foi escavado no séc. XIX e mesmo assim só foram encontrados alguns poucos destroços. Fosse essa construção mais palpável, mais influente, teria sido mais citada ao longo da História…]

A construção teria durado de 3 a 4 anos, e talvez Artemisia tenha morrido antes de ver sua inauguração consumada. Mas o que importa para nós, neste artigo de Final Fantasy VIII que resolveu adentrar terreno estrangeiro (rs) e opinar sobre questões filo-arqueo-etimo-lógicas, é que Artemisia terminou como uma louca, mas louca e devorada de paixão (veja que na fábula isso cai melhor do que no relato historiográfico – acreditem comigo que é só um mito grego!), o que dá matizes muito mais belos a sua demência de fim de vida. O mausoléu não só era uma edificação considerável (de dezenas de metros, quase um cubo) como era adornada nos 4 extremos por homens e cavalos de mármore, o que unia os esforços dos melhores arquitetos e engenheiros com os melhores artistas plásticos disponíveis à côrte. Usuários da língua portuguesa (a absoluta totalidade de quem me lê agora, a menos que estejam usando uma ferramenta de tradução, o que não recomendo, pois deve desfigurar meu estilo!) já se deram conta que mausoléu decorre do nome deste rei (mausoleiona em grego), e que esta apaixonada esposa, apaixonada até a morte, é a figura de relevo aqui: ocorre que Ultimecia vem a ser uma transliteração válida do inglês para o japonês em katakana para Artemisia. ‘A’ e ‘U’ são usados indiferentemente na maioria das sílabas, assim como ‘I’ e ‘R’, como pares com pronúncia parecida em japonês. O spell de Ultimecia chamado Ultima foi inclusive transliterado oficialmente em inglês para Atma e Altima (erros reparados em atualizações do script). Até ‘E’ e ‘I’ são intercambiáveis, para ser sincero (o japonês é fascinante – infelizmente eu não conheço nada na língua mais do que qualquer otaku levemente interessado…). Por fim, (quanto não me custou essa generosa nota para a fluidez do meu já truncado relato do enredo!!!!) ‘C’ é uma solução de transliteração (não a melhor, lógico, mas vê-se que pode ter ocorrido) para o ‘S’ de Artemisia. De todo modo, o –shi– mais comum da língua oriental foi preservado na pronunciação final: A-ru-ti-mi-shi-a. Aqui, para quem não tem nenhuma familiaridade com o japonês, pode-se estar pronunciando tanto Ultimecia quanto Artemisia, isso é inegável. O que eu nego é que essa seja a etimologia de Ultimecia – mas há quem compre esta hipótese, e eu a citei para vocês!

[a Squall Leonhart… Curioso derivar o sobrenome de um JAZIGO, exclamariam alguns fãs desconfiados…]

Os defensores dessa curiosa possibilidade alegam que estátuas presentes nas quinas do castelo de Ultimecia in-game são provas em favor da gênese do nome. O telhado de ambas as construções (a descrita pelos mitólogos/arqueólogos e a do game) também compartilham similitudes desconcertantes. Antecipando o que discutiremos somente mais tarde, a conexão com Rinoa aqui é que assim como Artemisia ela lamentaria profundamente (grieved, griever) a morte de Squall e a impossibilidade do reencontro no campo de flores, se o jogo tivesse apresentado este cenário (ela com certeza se tornaria insana como a Artemisia mítica!).

Mais uma analogia que não consigo decidir se é forçada ou simplesmente evidente demais para meu próprio gosto (o que enfraquece minha teoria da ÚLTIMA MÁQUINA descrita acima, nem que apenas um pouco!): Mausolus e Artemisia eram irmãos. Rinoa e Squall… bom, aí é que está! Não é possível um casal sem nenhum traço incestuoso estar mais próximo do parentesco de irmãos do que estes dois, propositalmente, de acordo com o cuidadoso enredo da Square: o pai de Squall, Laguna, e a mãe de Rinoa, Julia, foram um par romântico, o primeiro da estória, em ordem cronológica, e por circunstâncias do acaso ou do destino não terminaram juntos. Mas a cria de cada um voltou a se reunir – talvez uma teoria digna de ser deslindada num Banquete à la Platão, durante a fala de Aristófanes (o retorno ao ser circular perfeito). Mas fiquemos por aqui quanto a isso… Curiosidade adicional: em algumas traduções européias (Alemanha e Itália), Ultimecia foi REALMENTE transliterada (assumidamente um erro) como Artimesia, quase lá!

INTERMEZZO DA NOTA!— Avalio a qualidade ou probabilidade desta teoria abaixo:

COMENTÁRIO (SEMI-)FINAL: Essa etimologia é mais fraca e improvável que a minha, como fui deixando claro enquanto a explicava em letras douradas – mas é digno de interesse saber que quanto maior validade ela tiver mais provável é a hipótese de que Squall morre no final do primeiro CD após o ataque de sua mãe adotiva Edea (Ultimecia em última instância), e portanto todo o plano de compressão do tempo seria de Rinoa/Julia no lugar de Squall/Laguna como protagonistas do jogo (um prejuízo que eu estaria disposto a aceitar, ainda mais tendo em vista que esta é uma teoria fan made muito popular até hoje, e, como dizem, debunked, refutada, oficialmente – volto a chamar a atenção para a estranheza de uma possível etimologia do sobrenome de Squall estar ligada a ‘mausoléu’)! De qualquer modo, o crucial (que a motivação de todos os embates é um amor inesquecível que quer perdurar no tempo) não é demolido, pelo contrário, neste segundo caso é até reforçado! Ou seja: mesmo se eu sair perdendo, eu saio ganhando – péssimo dia para meus haters!

Dito isso, e ainda na nota de rodapé anterior, outra possível etimologia de Ultimecia apontada é… Artemisia Gentileschi (1593-1656(?)), esta sim 100% confirmada como figura histórica e não apenas mitológica, pintora barroca, uma das poucas figuras femininas da época a se destacar na mesma arte de Caravaggio. Reabilitada muito tempo depois de sua vida graças a (novidade!) uma cultura extremamente patriarcal, um longa-metragem sobre Artemisia Gentileschi foi lançado em 1997, curiosamente bem a tempo para se tornar fonte de inspiração para o enredo de Final Fantasy VIII. Apesar de ser prematuro dizer que este filme ou o conhecimento da vida da pintora tenham chegado aos “quartéis” da Square (não há declarações atestando o fato), é de bom grado lembrar que FF8 possui uma das plots mais voltadas ao Ocidente de toda a franquia…

Gentileschi sofreu bastante durante sua vida, pode-se dizer que foi uma “vítima cruel do destino”. Por causa de um estupro, esteve fadada a morar em diferentes lugares, e ter sua arte validada pelo “homem branco europeu”, inclusive o italiano – seu compatriota –, apenas mais de três séculos e meio após sua morte, sendo generoso. Todo esse contexto não é estranho às circunstâncias da aparição de Ultimecia, que é um acontecimento profetizado no enredo de Final Fantasy VIII, e ambíguo ao extremo: o combate a Ultimecia, no passado, é provavelmente o que mais alimentou o ódio a seu nome e à linha sucessória das feiticeiras, fazendo com que sua aparição no futuro sofresse o impacto desse próprio ódio fanático [FON]. Mais um caso clássico em que o combate a um mal é o próprio responsável por sua produção (cânone do gênero tragédia), embora com o acréscimo do cenário de “viagem no tempo” e embaralhamento das concepções tradicionais de causa-efeito (imaginem um Édipo que conheceu, por artes mágicas, uma versão mais jovem de sua mãe… urgh! isso nos repugna até num nível meramente estético)… Retroativamente, as ações de Ultimecia, aparentemente tirânicas e absolutistas, podem ser “justificadas” e defensores de suas ações podem alegar que ela agia em legítima defesa quando tentou criar sua compressão temporal na geração de Laguna, Squall, Rinoa & os outros… ou pelo menos seria um caso de vendetta, diferente da própria Kaguya de Naruto, que eu citei no review principal, que apenas se tornou uma entidade senil incapaz de cultivar ternura por seus filhos…

Mais elementos dentro do jogo para apoiar esta terceira proposta etimológica contida nesta matéria: muitos quadros ou pinturas adornam os corredores do castelo de Ultimecia pré-confronto final.

Quarta teoria: Ultimecia viria a ser apenas uma simples derivação de Artemis, deusa da lua – a lua é um importante elemento da estória de Final Fantasy VIII. Mas isso é tudo.

Uma teoria que mal classifico como teoria, pois não merece a designação de uma quinta teoria no mesmo extrato, embora soe interessante: Ultimecia parece ‘paramecia’. Paramécio em português é um protozoário, organismo unicelular, potencial origem de toda a vida na Terra, sendo a idéia de “retorno ao Uno” algo comparável ao plano de Ultimecia. Ok, o charme por trás desta última hipótese (não a hipótese em si, muito arbitrária para meu senso seletivo) “me comprou” e “seduziu”, me fez torcer um pouco pela sua plausibilidade… ainda mais vindo da Square dos anos 90 (que criou o roteiro mitocondrial de Parasite Eve, que fez um então pré-adolescente como eu ter interesse por biologia celular ainda no ensino fundamental, não pouca coisa!)… mas isso ainda não explica tão bem a idiossincrasia do ‘k’ nos diálogos tão bem quanto minha assertiva, dentre outras desvantagens resultantes em abandonar minha proposição quase invencível!

—FIM DA EXAUSTIVA NOTA SOBRE AS POTENCIALIDADES (E PERIGOS) DAS TRADUÇÕES!—

Já que deixamos o assunto principal de lado por demasiados parágrafos, reprisemos a última frase do roteiro, em que havíamos sido (auto)interrompidos pelo meu interesse excessivo nas opiniões dos outros: Essa seria a armadilha para Ultimecia, barganhar com o mais valioso (para Squall)… E continuemos a partir daqui:

Ao mesmo tempo…¹ O importante é que o grupo possui Ellone, que poderá enviar Ultirinoa ou Rinomecia ao passado mais remoto no invólucro de outra feiticeira, talvez Adel, talvez Edea, condição que Ultimecia acredita ser o sine qua non de sua operação-compressão,² ] uma vez que Rinoa é uma jovem sem experiência, possivelmente sem o mesmo poder máximo manipulável por Adel. Dessa forma, Ultimecia teria de escapar do corpo de Rinoa, salvando sua vida (o que ainda deixa alguns de nós no escuro sobre… — em poucas palavras, …para onde iria Ultimecia, que é imortal e ficaria sem receptáculos… e cujo corpo ainda não apareceu… ??? Os mais intrépidos, entretanto, já entenderam onde os nós se atam em todo esse imbróglio fantástico! Este é o plano público e oficial, mas Laguna e Squall sabem que Rinoa não é periférica para Ultimecia (nem no sentido de ser “o que acabou sobrando no banquete das feiticeiras”), e talvez não seja inferior a Adel em poder, de forma que matar Adel só se justifica para que Ultimecia use especificamente Rinoa! É até incrível como o resto do bando conseguiu engolir o plano tão facilmente, sem um olhar crítico, sem uma objeção sequer… Mas lembre-se: o grupo reflete o inconsciente e o estado de ânimo de Squall, e só irá contrapô-lo severamente quando for para reuni-lo com Rinoa.

¹ Seria inútil se aprofundar agora – comentaremos mais tarde!

² Este evento cancela qualquer relação de causa e efeito no mundo do jogo, já que agora todo outro evento anterior ou posterior pode ser considerado com igual justiça a causa primeira do devir universal. Mais detalhes a seguir! Repare, no entanto, que toda essa explicação de Laguna/Odine é supérflua e até mentirosa, pois há um desnecessário prolongamento do combate e da invasão de Pandora quando se inserem as condições impostas entre colchetes (os colchetes amarelos em negrito), sendo que sem realizar essas etapas o desfecho seria exatamente o mesmo: Rinoa tem de ser possuída por Ultimecia, não importa quando (literalmente)! Até porque… tomando-se como pressuposto que as feiticeiras são imortais (o que fica subentendido o jogo inteiro)… Adel não poderia ser morta e a missão seria um fracasso se não houvesse a presença de Rinoa em Pandora!! Entendeu agora por que Ultirinoa e Rinomecia, dois neologismos improvisados meus, passam a fazer cada vez mais sentido conforme a plot se agrava, i.e., vai chegando a seu clímax?!

Como o próprio Squall Leonhart, ninguém hesitaria em sacrificar o mundo a Ultimecia, desde que pudesse salvar o casal… Segundo o plano, Ellone deveria trazer todos da equipe ao presente neste instante da batalha (quando Ultimecia voltasse a residir na íntegra em Rinoa), ao passo que Ultimecia//Rinoa seria arremessada a contragosto para o futuro (ou se auto-lançaria, dependendo do quanto ela tem consciência de que sua compressão do tempo deixa as noções de passado-presente-futuro indiferentes…) – mas neste momento não importaria essa dicotomia (ou tricotomia, verdadeira raspagem!) por mais do que poucos segundos, afinal todos os tempos estariam rapidamente se fundindo num só. É nesta etapa (início da compressão, vulgo apocalipse irrevogável) que Ultimecia deve ser morta, pois antes, em toda a estória, ela só estivera e estará usando o corpo de outra feiticeira.¹ Outro ponto-chave do plano: para sobreviver neste ‘mundo’ [ZA UARUDO!!!] (o da compressão absoluta do tempo), será necessário focar mentalmente num lugar único, em que todos se sintam reunidos e ‘existindo verdadeiramente’, seres-no-mundo-e-com-os-outros-seres, como diria um Heidegger (não o de Final Fantasy VII!)

ZA UARUDO (este artigo está muito é zoado!)

¹ Será? Se eu fosse Selphie, Zell ou Quistis teria muitos motivos para duvidar de Laguna e Odine: Como vocês, por quase duas décadas enterrados em Esthar, adquiriram todos esses conhecimentos transcendentais?! É muito conveniente que – a nova dimensão achatada – Ultimecia possa obter duas, e não apenas uma vantagem (o que se torna uma desvantagem, desde que o time SeeD possa finalmente matá-la, i.e., ela perde a imortalidade ao estar na iminência de concretizar seu processo de tornar-se deus, o que não faz sentido do ângulo da batalha militar!): 1. recuperar seu corpo original (mais poderoso); 2. arrematar a junction da magia supercompressora de Ellone (que, graças à perda da imortalidade, a “enfraquece”)! Jornada à procura do rolo compressor perfeito!… Assim deveria ser o subtítulo de Final Fantasy VIII… Rolo compressor: sim, isso foi uma JoJo Reference… É conveniente demais para a própria Ultimecia cair como um patinho nesse plano, deixando Rinoa livre… Talvez porque ela queira?! Talvez porque ela seja Rinoa Heartilly? Inútil falar disso agora, continue lendo!

² Muito conveniente. Normalmente diríamos que é para que o enredo “feche”. Questão de plot armor. Mas lembre-se que os pré-requisitos são todos idênticos às condições para sobrevivência da relação Squall//Rinoa. Além disso, numa nota extra, lembre-se que durante o retorno de Squall e Rinoa da lua, na Ragnarok, ainda faltava atar o conceito de ser-no-mundo com o de ser-com (leitores de Martin Heidegger entenderão!).

O grupo prosseguindo à missão, os primeiros adversários em Pandora são Biggs e Wedge. (Alívio cômico bastante necessário a essa altura, após tantas convoluções – senão no game, no meu artigo!) Ellone vinha sendo mantida refém por ninguém menos do que Seifer na fortaleza. Um personagem que perdeu relevância na estória e já não é mais do que um figurante – um inimigo a mais. Como punição por seus atos megalomaníacos, Seifer é abandonado por seus dois principais asseclas dos tempos da Garden, Raijin e Fujin, que tinham-no apoiado diretamente ou ao menos tentado suavizar seus malfeitos até ali. Num covarde e irônico “ato final”, Seifer toma posse de Rinoa (a reunião do casal que estava fadada ao fracasso, como contraponto da relação idílica desenvolvida por Rinoa e o protagonista), i.e., toma-a sob custódia física, para que Rinoa seja verdadeira e espiritualmente possuída por, no momento, Adel (Ultimecia-Adel), conduzindo-a ao corpo de sua “mestra”. A “fusão” se consuma.

O grupo batalha contra uma Adel rediviva, mostrando que a primeira etapa do plano havia falhado – ou que ela era apenas um decoy de Laguna/Squall… No fim, Seifer fez algo redundante que só fazia parte do plano desde o início. Adel se converte num monstro e Rinoa se encontra atada a seu centro, como uma espécie de Cristo crucificado, anexo do próprio monstro. Se os SeeDs atingissem Adel indiscriminadamente, matariam sua companheira. Os poderes de feiticeira de Rinoa vão sendo sugados conforme a batalha anda e desanda. Mas Adel é definitivamente derrotada no presente e Rinoa escapa ilesa, embora debilitada. Ellone e Laguna, também em Pandora, colocam o plano na segunda marcha. Neste momento os guerreiros encontram-se no passado, graças aos poderes de Ellone. Depois que a mágica é revertida e Rinoa devolvida ao tempo presente, Ellone e Laguna deixam Pandora (convenientemente!), Laguna não se esquecendo de declarar, por último, que é crucial que os SeeDs sigam seu conselho de pouco antes: foquem nos sentimentos que unem o grupo, o amor e a amizade (o campo florido do orfanato, em essência, o local e o tempo eternos deste grupo de pessoas, o símbolo da união de ‘todos em um’).

Sub-repticiamente o grupo encontra-se caindo no vácuo, fora da realidade material estável. Imagens e memórias de todos os tempos são projetadas dentro de espécies de bolhas que circundam o éter (a-)temporal. Uma versão distorcida da música do baile em que Squall e Rinoa dançaram no primeiro encontro ecoa. Agora todos estão submersos na água, talvez a água primordial dos tempos. Rinoa se angustia, temendo deixar de existir nesse ínterim. Squall segura-a pelo pulso e transmite palavras de conforto.¹

¹ Essencialmente o mesmo papel desempenhado por Tifa em relação a Cloud no Final Fantasy pregresso.

Os seis voltam a se reunir num cômodo banhado em intensa e cegante luz branca. É a sala de Edea no Palácio Presidencial em Deling City, outro ponto-chave de sua trajetória enquanto grupo que ia paulatinamente se entrosando. Explorando o recinto, Edea em pessoa surge, começa a rodar por todo o perímetro, e multiplica-se em uma miríade de projeções de si mesma. Mas é Edea? Ou são figuras com o aspecto de Edea? Em seguida, reunifica-se sob a aparência de uma mulher com um robe vermelho não-característico das culturas hodiernas do planeta. Significaria que é uma manifestação de sua versão feiticeira que não pertence a este tempo? Ou é Ultimecia?! Onde está Rinoa? O grupo tem de lutar contra essas representações, que não parecem se identificar com a Edea real, e nem com Ultimecia (?). O confronto é mais duro e dura mais tempo – fora do tempo, se é possível dizê-lo – do que os invasores de Pandora poderiam imaginar…

A luta prossegue com mutações de cenário. Winhill, Balamb Garden, Trabia Snowfield…, mas após algumas mutações todos os cenários vão derretendo e se distorcendo. Paredes se convertem no chão, prédios se contorcem e fundem-se em massas de concreto liquefeitas, umas chocando-se gravitacionalmente contra as outras. O céu e a terra começam a se fundir.¹

¹ Alusão ao mito grego da criação: está refeito o abraço entre Gaia e Urano; Zeus, o soberano atual (do presente que não é superimposto por passado e futuro), garantidor da ordem, não exerce mais poder sobre o mundo!

Depois desse show de horrores os personagens controláveis, os “mocinhos da estória”, parecem estar além do futuro e do passado, no próprio centro do processo de compressão temporal: Ultimecia aparece sob a forma de um dragão. Será seu corpo genuíno? Após outra difícil batalha, o entorno se acalma por um tempo (fora do tempo), e o grupo tem um descanso da refrega. Eles se encontram reunidos no campo florido do orfanato. Há uma praia não muito longe, e eles caminham até ela: ali jazem os corpos dos SeeDs do futuro que morreram combatendo Ultimecia no passado (de Ultimecia!), horripilantemente decompostos, trucidados. De repente os SeeDs do presente, os heróis da história e a esperança ainda viva, não estão mais numa praia, mas dentro de um castelo maciço. O verdadeiro corpo de Ultimecia reside neste castelo. Blá, blá, blá… A este ponto a vertigem dos guerreiros batalhando em ambiente tão hostil e ilógico deve ter também atingido o leitor e jogador!

Quase todo o mundo conhecido foi sufocado por um miasma branco, supressor da vida. Por algum motivo, a nave Ragnarok e todos alojados na estação móvel de Balamb permanecem inviolados, sugados pela magia da compressão temporal. Neste mundo comprimido não é possível usar magia, da qual os guerreiros da SeeD se tornaram extremamente dependentes ao longo de sua hiperbólica jornada.

Em sua primeira forma, Ultimecia parece uma mulher elegante, como todas as feiticeiras já retratadas no jogo, muito bem-vestida e manifestando uma aura intensa, sem dúvida a mesma de Rinoa no incidente lunar, mas muito mais potencializada. Ainda assim, o inimigo se assemelha a um humano. A segunda forma de Ultimecia, após ser castigada pelos ataques físicos da trupe, é revelada utilizando seu Guardian Force todo-poderoso, Griever. Trata-se de uma espécie de quimera ou leão alado. Porém, o terceiro estágio da batalha se dá quando o GF e Ultimecia se fundem. Mesmo quando ela sofre danos e tem de ejetar o Griever, morto, uma quarta manifestação ocorre: ela mesma agora tem semelhança com um anjo bíblico da tradição descritiva semítica. O fim de Ultimecia após uma encarniçada troca de golpes “no reino do nada e do tudo sintetizados”? Rinoa é uma das seis combatentes, o que significa que não pode mais usar magia. No entanto, terá ocorrido a alguém do grupo que o corpo de Ultimecia era imortal… Ou melhor dizendo, que a essência de Ultimecia era imortal e que se seu corpo, em qualquer dos estágios enfrentados, deixasse de existir, ela forçosamente reencarnaria em Rinoa?!

Aparentemente ninguém sabia do fato, a não ser Squall, pois procedem ao golpe final: e ao desaparecer, o corpo de Ultimecia se converte numa explosão de luz saturada. Ultimecia deixa Squall & companhia num vazio branco. Eles começam a se concentrar, como incitados por Laguna. Squall se encontra sozinho, apartado dos demais, na representação visual do jogo, num vazio negro. (FF7 tribute, de novo!) Squall vê-se enquanto garoto no orfanato, 13 anos atrás, ao lado de Edea, mas algo está fora de compasso ou de ritmo. Pois o Squall adulto está lá também – é ele, com seus próprios olhos, que vê sua versão menor e sua antiga mãe adotiva; não é uma ilusão ou memória de um “terceiro olho” divino… Isso significa que há um hospedeiro para Ultimecia diferente de Rinoa agora…

Não só isso, como Edea – que pede para o pequeno Squall se afastar – e Squall Leonhart, o líder da SeeD que “veio do futuro”, são visitados por ninguém menos que Ultimecia, agonizante, em seu aspecto feminil, antropomórfico: Ultimecia lamenta não poder desaparecer, por ser imortal, e ter de levar adiante sua vontade. Essas palavras parecem reverberar de modo significativo em seus dois ouvintes. Aquela Edea não entende as circunstâncias tanto quanto aquele Squall, mas ela sabe instintivamente o que fazer: recebe, de bom grado, os poderes de Ultimecia para que seu corpo original finalmente pereça. Essa é a identidade da criatura que forneceu os poderes a Edea desde o princípio, que ela não quis revelar ao grupo no diálogo passado, e o plano de Squall desde há muito – porque já havia acontecido, e voltaria a acontecer, eis o time loop da trama. Depois de recuperar as memórias da infância, o Squall adulto sabia que, quando menino, seu eu mais velho o visitou um dia no orfanato, e então uma feiticeira apareceu. Isso era o suficiente para o Squall maduro concluir, após sua vitória sobre a Edea maligna, que ele mesmo havia atraído Ultimecia para que Edea, sua mãe adotiva, se tornasse… Ultimecia… no futuro, i.e., no passado. No rio congelado do destino. O Squall adulto, vendo a transfusão do poder e a “morte” de Ultimecia (que nunca morre), ouve daquela Edea da encruzilhada dos tempos a pergunta decisiva: Quem é você, jovem? Ainda havia trabalho a fazer. Ele responde que é o mesmo Squall Leonhart que com ela estava no jardim há pouco, só que 13 anos envelhecido, vindo de batalhas nos confins do tempo-espaço. Edea acredita na resposta. Squall acrescenta que Edea deve fundar a SeeD com base nas bases do Garden para “garantir o futuro” de todos. Edea também demonstra compreender a “necessidade” desse projeto ser executado¹ – mas logo diz que a presença de Squall ali é anti-natural e que ele deve desaparecer, se souber como fazê-lo. Com efeito é o que acontece, e Squall, o SeeD de 17 anos, não está mais no jardim florido de Edea, a jovem matrona, após alguns meros instantes.

¹ Mas como? Edea possui algum tipo de presciência ou precognição? Buraco do roteiro? Eu responderia “não” a ambas as questões. Na verdade às duas últimas. E quanto à primeira, como: Lembrem-se que Adel foi derrotada na Guerra da Feiticeira antes do começo da estória do jogo em si. Em tese, seu “cadáver” inane – à espera de uma transfusão dos poderes mágicos para outra feiticeira, que viria a ser Ultimecia – ficou selado no espaço, essa é a explicação explícita do jogo para os períodos de paz antes de Squall entrar em cena. Sem embargo, há um mistério aí, e creio que os desenvolvedores colocaram Adel na plot como uma solução de continuidade para esse problema das “transfusões”, além do papel que ela poderia desempenhar a contento no epílogo do game (ao fundir-se com Rinoa, dir-se-ia que Adel reabsorveu todo seu potencial em Lunatic Pandora, na penúltima batalha do jogo – depois Ultimecia faria o mesmo com Adel –; dessa forma não há nenhuma contradição com o fato de que havia 3 ‘feiticeiras em potencial’ no mesmo lugar, porque era sempre apenas 1 que atuava a cada momento), sem falar que Adel serve para justificar a existência de Laguna no jogo (Squall redobrado no próprio passado precisava que seu pai tivesse uma antagonista, como ele teve Ultimecia, assim como precisava que ele tivesse um par amoroso, como ele teve Rinoa, e as duas condições foram preenchidas): como quem “acorda” (embora não ‘completamente’) os poderes de Adel é Rinoa, com os poderes de Edea, que ganhou os poderes de Ultimecia graças ao time loop promovido por Squall… e sempre há apenas “uma feiticeira ativa de cada vez” (nunca 2 ou 0), ou pelo menos é estranho imaginar que entre o aprisionamento de Adel e a aparição de Ultimecia na realidade quando Squall tinha 4 anos não houvesse mais magia no mundo de FF8, sendo necessário, logicamente, que Adel passasse seus poderes antes de que alguém com poderes a libertasse (devolvesse seus poderes) para que ela passasse seus poderes… a conclusão mais pertinente com o enredo de FF8, sem estragar a narrativa, é imaginar que em Esthar ninguém sabia que não é possível deixar uma feiticeira inconsciente sem seus poderes (Rinoa comatosa ERA uma feiticeira) – ou ela vive empoderada e consciente, ou ela transfere os poderes e desaparece, não existindo uma solução intermediária ou terceira via. Destarte, o que aconteceu foi que os poderes migraram para alguém mais, sem conhecimento de ninguém… Edea recebeu os poderes de Adel no momento do suposto selamento bem-sucedido… Isso a tornava consciente de como funcionam os poderes de uma maga, tanto que ela aceita receber os poderes de Ultimecia para: 1) deixá-la partir em paz; 2) não “infectar” uma criança, comprometendo o futuro de uma pessoa ou menina-mulher inocente. Com Edea ativa desde a derrota de Adel na guerra, a sucessão dos poderes das feiticeiras não se quebra em momento algum da plot, e o time loop de Squall serve a dois propósitos em vez de três, isto é: 1) Ultimecia perde seu corpo originário; 2) Edea se torna a “nova Ultimecia”; 3) mas ele não torna Edea uma feiticeira, pois ela já era uma (há uma grande diferença entre se tornar uma – simples – feiticeira e virar hospedeira de Ultimecia, “a” maior feiticeira)! Em última instância, poder-se-ia dizer que os poderes de Adel se tornaram “redundantes” enquanto residiram em Edea, pois sua consciência maligna jamais despertou no outro corpo, e depois Ultimecia passou a preponderar em Edea; só que se Adel não tivesse passado sua essência mágica para Edea no momento em que a passou, Ultimecia não teria podido controlar Edea para controlar Rinoa para controlar a libertação (promover a ressurreição, seria um termo mais exato) de Adel, que nem precisaria ser ‘libertada’ caso realmente ainda possuísse poderes… e Adel os veio a receber de volta DE EDEA E NÃO DE RINOA (reversão da transfusão originária) quando foi libertada da prisão sideral, isto é, REVIVIDA como feiticeira (a única explicação possível é que estivesse todo este hiato morta e não só ‘dormente’)… e Ultimecia sequer teria como engatilhar a compressão temporal depois… Isso ainda explicaria por que Edea reteve seus GFs de forma consciente após ser derrotada por Rinoa, que entrou imediatamente em coma herdando seus poderes… até Adel sair de seu confinamento com ajuda da “primeira” metade dos poderes originais de Ultimecia (enquanto a “segunda” metade de ditos poderes seguiu com Rinoa até a batalha final – pois R. utilizou estes poderes contra os alienígenas no espaço, lutando ao lado de Squall –, i.e., até essa metade se reincorporar a Adel/Ultimecia), momento em que Edea voltou a ser uma “mulher normal”. Talvez Edea seja a única feiticeira que perde poderes sem ter seu corpo desintegrado OU ENTRAR EM COMA (como Adel e Rinoa)… simplesmente porque chegou a ter o poder de duas feiticeiras durante um curto período em sua vida?! No máximo, podemos admitir que duas feiticeiras coexistem com poderes “pela metade”, e não que duas feiticeiras completas existem simultaneamente. E outra implicação razoável parece ser que, seja com Rinoa, seja com Edea, só é possível usar GFs – verdadeiramente mágicos, não os artificialmente mágicos dos outros personagens – sem estar sob o controle de Ultimecia, a maga mais poderosa, se os poderes estiverem limitados à metade e divididos na atual era (Rinoa/Adel por um tempo; Edea/Rinoa por um tempo). Quando usou os GFs em capacidade máxima, sem dividir seu poder com mais ninguém, Edea era “escrava da consciência de Ultimecia”; o mesmo aconteceu com Adel no passado. Outra possibilidade, para espelhar o estado de saúde de Adel (clinicamente morta!): enquanto estava em coma e não respondia sonambulicamente a Ultimecia, Rinoa também estava… morta?! Honestamente, minha cabeça vai explodir, e não é devido a nenhuma magia… paro minhas especulações por aqui!

Epílogo do romance

Squall, de volta a um lugar e um tempo indeterminado, resquício, talvez, da compressão, agora testemunha Rinoa, que corre. O céu está tempestuoso. Rinoa descobre seu amante, a quem procurava em desespero, e grita por ele, a face úmida. Squall sente-se fraco, teme perder a consciência e não conseguir retornar… quando uma pena branca cai, e Squall a segura (mais um tributo a FF7). O céu se torna límpido e Rinoa e Squall estão de volta ao campo florido

A seqüência cinemática que segue poderia ser o futuro linear dos personagens, como poderia ser a compressão temporal de Ultimecia, inevitável, afinal, indistinguível que é da própria introdução: Rajin, Fujin e Seifer se divertem numa pescaria. Por que Seifer não estaria preso depois de todos os seus atos genocidas? Em Winhill vemos Laguna diante da lápide de Raine, mãe biológica de Squall e adotiva de Ellone. Ela foi enterrada com um anel que ele lhe deu de presente. Selphie é a cinegrafista de uma festinha privada dos vencedores, em Balamb. Irvine, Zell e Quistis participam, naturalmente. Na sacada, Rinoa e Squall se encaram de frente, em postura de amantes. Rinoa aponta, com seu índice direito na vertical, uma estrela cadente. Squall observa o astro, abraça e beija sua alma-gêmea. Balamb Garden, em modo vôo, circula rumo ao infinito.

FINIS.

[INT] INTERPRETAÇÃO & SIMBOLOGIA

[REL]

SOMEWHERE IN TIME: O RELÓGIO E A MOEDA:

o(s) anel(anéis) e o negro vazio fora do orfanato

Eis que Final Fantasy VIII flertou esse tempo todo com uma referência ocidental como chave para decodificar seu complexo enredo! O filme Somewhere in Time, de 1980!  

Como já ficou claro para alguns à leitura da sinopse mais acima, certos elementos podem ser interpretados seja contrastando várias “deixas” internas do enredo e ligando os pontos – isso nunca será uma ciência exata –, seja recorrendo a obras e referências externas. Para nossa sorte, os japoneses são muito bons nisso: em consumir cultura ocidental e usar em suas próprias obras. Final Fantasy VIII é absolutamente hollywoodiano. Tenho convicção, sem precisar pesquisar o catálogo de filmes vistos pelo principal game developer do título da Square, que este foi um dos longas que ele assistiu e tomou como inspiração para seu RPG/romance interativo (boatos de que para Squall & Rinoa a sigla RPG significa o seguinte: Romance: Perigoso Gostar!). Caso o jogador não esteja acostumado a “sair da casinha” da linearidade dum enredo, talvez este artigo seja o melhor achado a fim de apreciar tudo que FF8 pode oferecer. Até porque quando se fala em ficção científica a envolver viagem no tempo noções básicas de linearidade devem ser colocadas em suspenso, no éter da fé!

Somewhere in Time (localizado como Em Algum Lugar do Passado), de Jeannot Szwarc, do primeiro ano da década de 80, é um cult classic das short novels de amor e do cinema fantástico em simultâneo. Com menos de 2 horas de duração, seu enredo gira em torno de um casal improvável unido por uma viagem no tempo que não cria linhas temporais paralelas, fechando-se em círculo, o modo clássico e perfeito da viagem temporal, anulando causa e efeito e evitando paradoxos conceituais. Argolas costumam representar essa faceta: o círculo é a própria perfeição na geometria. Em Final Fantasy VIII o símbolo máximo do amor eterno entre Rinoa e Squall é um anel, uma esfera perfeita, tirante que é oca. No filme, esse aspecto é bem-representado por um relógio, mas não um relógio qualquer: um relógio de bolso, daqueles atados a correntes e de dar corda, sempre perfeitamente redondos. Um relógio de ouro, cujo valor real, por debaixo dos quilates, é inestimável.

A introdução de um objeto na narrativa pode ser considerada o aspecto central; podemos dizer que o casal não é o protagonista. Este filme é a “história de um objeto”, circulado por humanos e seus dramas. Desde que o relógio é entregue por uma das duas pessoas romanticamente envolvidas à outra (o que acontece de forma espelhada e dual no filme – e em FF8 também, com o anel, ainda que com a ajuda de Zell), em tempos diferentes de suas trajetórias pessoais, é impossível determinar “de onde veio o objeto” e “qual seu destinatário final”: o relógio, como presente (e não é à toa que o substantivo para dom, graça, oferenda que se dá sem pedir nada em troca, seja a mesma palavra para significar o momento em que se vive, antítese de passado e futuro), e as circunstâncias em torno dele, sempre existiram, tal e qual, sem modificação, reiterando-se indefinida e infinitamente, chancelando todos os outros eventos do antes e depois deste universo. O relógio de Somewhere in Time é o anel de Squall Leonhart, como já frisado.

Antes de continuar, devo dizer que o próprio filme não é um script original: foi inspirado num livro, https://en.wikipedia.org/wiki/Bid_Time_Return, que depois até mudou de nome graças ao sucesso (apenas póstumo) do longa-metragem. As diferenças entre ambos são marginais, de maneira que podemos nos concentrar na obra audiovisual, até por ser a mídia mais próxima de um videogame.

Christopher Reeve (sim, o Superman clássico) e Jane Seymour, além de serem os atores deste conto, também se apaixonaram e tiveram um caso na época das filmagens – quão “a vida imita a arte” ou “a vida é a própria obra de arte” isso não é?! Procedamos a um resumo mais direto:

Reeve (Richard Collier), um roteirista de peças de teatro (ou escritor, como preferir) recebe das mãos de uma velha, na 1a cena, o místico objeto. A interação entre ambos é curta, e ele sai sem entender nada. Ela diz “Volte a mim”, come back to me, depositando o relógio na mão do moçoilo e galã. Os amigos de Collier pensam se tratar de um trote ou de um truque de mágica fajuto de uma lunática ou tarada qualquer… Collier não compra essa “saída fácil” para o enigma… Mas a vida segue adiante.

Collier, já 8 anos mais velho, hospedado no Grand Hotel (Michigan) a trabalho, se torna obcecado por uma fotografia de uma bela atriz, visivelmente jovem quando ele ainda sequer era nascido, ou seja, inencontrável para ele agora. Uma coisa a se notar é que Collier está sofrendo de bloqueio criativo. Ele não está conseguindo se comunicar ou achar sentido no que faz, o que o aproxima muito do personagem Squall, o protagonista “mudo” ou “com problemas para interagir, aceitar-se e mesclar-se com os outros a sua volta”. Artistas são mesmo criaturas ensimesmadas, então é uma boa escolha que um protagonista de RPG se baseie em um, embora sua única arte genuína – falando de Squall – seja a militar, a da empunhadura de uma espada-pistola! A obsessão pelo retrato se torna tamanha, e o desdém pelo presente (não o relógio, mas sua condição vigente) tão intenso, que Collier, consultando um misterioso professor, aprende e põe em prática um método de autossugestão que, afiança-se, poderia fazê-lo voltar no tempo. Ele quer conhecer a mulher do retrato, pela qual já está perdidamente apaixonado. Estranhamente, confirmando sua hipótese neurótica, Collier verifica que está num livro de presença do arquivo do hotel, isto é, sua caligrafia está! Significa que ele realmente se hospedou no Grand Hotel na mesma época de sua beldade 2D (ótima deixa para debatermos sobre jovens libidinalmente insatisfeitos e inexperientes que terminam por se apaixonar por ícones 2D – estou falando de otakus apaixonados por waifus, meros desenhos! quem sabe depois…).

Seja como for, a plot exigia que o milagre da viagem temporal se realizasse, com a ajuda do relógio, algumas vestes muito démodé e um mantra, doentiamente repetido: usando esses 3 recursos, Collier consegue acordar no Grand Hotel em 1912, muitas décadas antes de seu presente. Ele logo trava conhecimento com Seymour (Elise McKenna), que vem a ser a idosa que regalou-lhe o relógio e endereçou-lhe aquelas misteriosas palavras (se você ainda não tinha concluído isso, estava muito distraído lendo o texto!). Ela está na flor da idade, vive seu auge. Como sempre num roteiro do tipo, existe um Seifer, e seu nome é William Fawcett Robinson, mas seus ciúmes são meramente gananciosos – ele é o agente da atriz, não um interesse amoroso (ou ele foi rejeitado muito tempo atrás por ela, vá saber!). O ator que interpreta este homem mais velho é Christopher Plummer. Por algum motivo metafísico jamais deixado claro, esse empresário sabe que uma paixão devastadora encerrará precocemente a carreira de sua agenciada (Pitonisa? Uma Edea maligna?), então se devota a ser a pedra no sapato de ambos. Parece que em meio a suas preocupações – que não tinham como ser substanciadas antes da aparição de Collier – Fawcett acaba dando com a língua nos dentes, expediente trágico (erro necessário) que serve de combustível e ajuda a tapar eventuais incoerências da estória: ele havia informado a atriz, em algum momento de seu passado, que ela devia tomar muito cuidado com um homem predestinado a roubar seu coração e arruinar sua carreira. Talvez McKenna estivesse em franco ennui de sua carreira como atriz, “pedindo aos céus” que a profecia se realizasse, tanto que no primeiro encontro entre os dois, ela, sem mais, lança-lhe na cara a enigmática pergunta:

– Você é ele?

(Não está descartado que ela tivesse apenas um intenso senso de humor, e vontade de espetar seu empresário!)

Estou rindo agora ao recordar que essa frase foi muito usada num determinado ponto da narrativa de LOST, a série por excelência quando o tema é viagem ou loop temporal perfeita(o). Para quem não faz idéia do que estou falando…

Só faltou uma música desconfortável de suspense começar a tocar na hora, em Somewhere in Time, e a pergunta ser sucedida por outra:

– O que um homem das neves disse para o outro?

Bom, mas essa especulação lostiana me desviou muito da rota (defeito congênito meu, meu leitor assíduo sabe bem)… Ainda poderemos nos achar?!…

O que podemos perceber, não sem malícia, pelo menos nós o público masculino, é que as mulheres são os maiores enigmas: entram e saem de nossas vidas com as frases mais incompreensíveis… Podemos até dizer que o amor é o mundo governado pelas feiticeiras… Nós somos meras marionetes em suas mãos, no fim das contas! Rinoa diz vários disparates a Squall quando o conhece, para não fugir à regra…

* * *

Antes de prosseguir com o relato do que acontece, uma de suas maiores forças, e que justifica a superioridade do meio escolhido (a telona), é a trilha sonora. Com efeito, pode-se dizer que a trilha sonora de Somewhere in Time fez mais sucesso que o próprio filme. O mesmo eu poderia dizer de Final Fantasy VIII, sob risco de parecer leviano e herege ao verdadeiro fã. SiT usou composições de John Barry, um grande profissional da área, que, diz-se, estava em seu auge, como McKenna. O pianista Roger Williams tocou algumas das canções. O tema mais evocado desta peça de entretenimento que não dura mais do que 100 minutos é uma sem direitos autorais, felizmente: uma interpretação de uma interpretação de um movimento de música clássica, i.e., Sergei Rachmaninoff tocando sua Rapsódia, uma revisitação de Paganini, a obra do compositor russo de número 43. Há versões de mais de 20min, mas eis o recorte “mais condensado” que pude achar no YouTube para sua low-attention span appreciation:

Essa música tem importância central na sugestão hipnótica usada pelo viajante do tempo. Sem Paganini, sem retorno a 1912! Era também assaz conveniente que a governanta ou responsável pelo espólio da recém-falecida atriz, Elise, na década de 1970 isto é, possuísse até o objeto dos objetos no inventário: um livro sobre viagens no tempo! Foi através dele que Collier obteve contato com o professor que lhe deu as dicas finais de como fazer para se deslocar ao passado – embora o autor do livro tenha descrido da própria teoria, tornando-se um velho cético e arrependido com o passar dos anos. Talvez ele não tivesse por que voltar – quem amar… Este é o Professor Finney, o excêntrico clichê, presença quase-garantida em todo enredo sobre viagem no tempo. FF8 não foge à regra, retratando os pesquisadores de Esthar, dentre os quais o professor Odine. Pelo menos não é um cara tão odiento quanto o Hojo de Final Fantasy VII!

Voltando à parte do filme transcorrida em 1912, curiosamente agora é o rapagão que tem de correr atrás da donzela: na abertura do filme o procedimento era invertido. Demoram algumas cenas até Collier conquistar as atenções da bela Elise. Ela se encontra em plena turnê de sua peça mais recente – há um palco no Grand Hotel. Sedimentando a relação no plano espiritual e iniciando e encetando o loop temporal, Collier devolve (ou dá?) o relógio que recebera da idosa Elise a… Elise.

Falta apenas a consumação de carne desse amor transgeracional. Como não estamos ainda nem com uma hora de filme, é preciso esperar mais atribulações do mundo exterior até que os protaginistas finalmente façam por merecer essa recompensa das recompensas (é como estar lendo uma peça de Shakespeare com todos os pressupostos lançados, mas sabendo que ainda está no Segundo Ato!).

Fawcett, vendo que os dois teimavam em se encontrar as suas costas, maquina um plano: a turnê seguirá, mas em outro local. Collier será devidamente aprisionado contra sua vontade e tornado inconsciente num dos aposentos deste enorme hotel, remoto e bem-escolhido o suficiente para que nenhum funcionário acabe descobrindo o ato criminoso cedo demais (que aposentos, o leitor se pergunta? justo a estrebaria, um lugar factível já que estamos em 1912!). Elise, mais esperta, maquina também sua permanência no hotel sem que seus agentes e a companhia de teatro se dessem conta a tempo.

Finalmente ambos têm suas “núpcias” neste ínterim, quando o herói da estória, uma vez liberto do cativeiro, descobre que ainda podia reencontrar sua dama no Grand Hotel. Ambos, após a primeira – e, spoiler, última – transa, prometem se casar. Seria o fim da carreira dramática de Elise (naqueles tempos machistas), e obviamente o fim, pelo menos nos anos 1970, da carreira de escritor de peças de Collier! Mas o destino queria que a união do casal fosse breve, mais ou menos como acontece com Squall e Rinoa (não perca de vista que o mote de fundo ainda é um Final Fantasy!).

Acontece que Collier escolheu um terno até antigo demais para viajar no tempo – antigo até para os padrões de 1912. Elise diz que ele precisa de roupas mais adequadas para que a cerimônia de casamento fosse prestamente arranjada. Eis que Richard Collier, prestes a se desvencilhar das vestes com que regressou quase 70 anos no tempo, tateia um objeto redondo num dos bolsos de sua calça e o retira para ceder à curiosidade de examiná-lo: é uma moeda. Uma moeda com a inscrição “cunhada em 1979”. Instantaneamente a realidade começa a desmoronar. O som da voz de Elise vai ficando mais distante, e Collier acorda no Grand Hotel… em 1980. Este foi o único erro de Collier em seu procedimento meticuloso, o único objeto que lembrou a sua consciência que ele não pertencia àquele tempo, era um ser estranho. Um item maldito no seu inventário. Ele tenta regressar no tempo utilizando os mesmos métodos auto-hipnóticos, porém sem sucesso. Collier não consegue se recuperar da tragédia, e morre de fome e sede nas instalações do hotel em que esteve destinado a conhecer o amor de sua vida (em que consumou este amor incríveis setenta anos atrás, ou seriam apenas alguns dias?!): primeiro por um retrato sépia, depois em conjunção carnal, e depois fazendo uma promessa que nunca pôde realizar… Provavelmente aquele também fôra o fim da meteórica carreira de uma inconsolável Elise, “cumprindo-se a profecia”. Mas ela tinha a moeda de 1979 que provava que seu parceiro era um viajante do tempo e o relógio de bolso, afinal – e com base nesses restos, ela visitaria o jovem, quando ele tivesse idade suficiente, para arrematar a outra parte (a boa parte) do destino, e repetir a cena que já estava escrita desde sempre. Ela, como atriz, saberia encenar muito bem…

Embora não tenhamos um perfeito equivalente à moeda em FF8, o que torna o filme uma obra das mais interessantes que já assisti, aquilo que faz as vezes de “elemento que traz à tona o desespero” a Squall Leonhart é sua própria amnésia (no começo) e depois o vazio literal do limbo da compressão temporal: enquanto seus amigos viajavam no tempo-espaço sobre um fundo imaculado e branco, o fundo de Squall na mesma cena era completamente negro, aspecto ressaltado na sinopse. Quando os jovens não conseguem mentalizar (sugestão auto-hipnótica) o campo florido (soma de todas as cores?) em que deviam se reunir a fim de viverem felizes para sempre, significa que eles estão flutuando à deriva no espaço mais ermo, na solidão eterna e incontornável (o que também torna a cena “cosmonáutica” entre Squall e Rinoa, em retrospecto, milhares de vezes mais bela e significativa, já que o espaço é escuro, tirando as estrelas).

* * *

[SUP]

Agora que terminamos a comparação entre Em Algum Lugar do Passado e Final Fantasy 8, podemos explicar “o plano supremo de Squall/Laguna” revisitando os trechos negritados em vermelho no relato cronológico do enredo, mais acima (mas tenho certeza que muita gente já pegou o espírito – eu mesmo não podia me conter, enxertando minha própria interpretação apenas prometida para depois com cada vez mais notas de rodapé tão malucas quanto compridas!):

“Seus pensamentos, dessa vez declarados em voz alta, giram em torno dessa questão tão paradóxica: o pouquíssimo tempo que tiveram juntos modificou-o por completo; e agora, justo agora que ele o compreende, não tem acesso a suas palavras, a sua risada…” Nessa frase, a brevidade, em par com a anômala intensidade, do amor do casal é matéria comum a ambas as obras, o filme de 1980 e o jogo de 1999. Squall, quando se depara com Rinoa em coma, sente-se tão devastado quanto Collier quando volta a sua linha do tempo original, pois saiu de seu “sonho idílico” e redespertou na mais dura realidade, embora em ambos os casos ainda houvesse esperança de “retornar” (seja Rinoa à consciência seja a consciência do autor ao começo do século XX).

A origem do anel do Griever é muito confusa para jogadores estreantes, mas logo se torna claro que ele é um “presente do futuro” de Squall para si mesmo e nunca teve uma origem propriamente dita definida (basta ler fóruns como https://www.reddit.com/r/FinalFantasyVIII/comments/eweri4/we_know_griever_is_a_thing_squall_invented/). É, obviamente, no nível mais superficial, uma espécie de souvenir familiar – mas se Squall nem lembra que teve um dia uma família! Ao mesmo tempo, a tradução significa “aquele que se lamenta, que está em luto”. Em terceiro lugar, pode-se dizer ou que a arma do jogo foi pensada tomando como base o design do anel ou justamente vice-versa. Em quarto lugar, a importância do Griever é tamanha que ele vem a ser o Guardião mais importante do jogo. E embora o anel cumpra o papel alocado ao relógio no filme, um dos ataques do GF Griever é justamente “roubar a mágica e desperdiçá-la no espaço-tempo”, isto é, uma função bastante similar à da “moeda do futuro” – o Griever é um símbolo ambíguo, que tanto traz a maior felicidade como a maior desgraça, dependendo do momento narrativo. Curiosidade: a música-tema do confronto contra Ultimecia no estágio 3 (fundida com Griever) se chama Maybe I’m a Lion, óbvio chiste com Maybe I’m a Leo (Deep Purple).

“Os dois anéis que Rinoa estava usando, por cima da veste tecnológica (!!), o original de Squall (que ele deixou com seu corpo comatoso) e a réplica combinada com Zell, presos ao seu pescoço por uma corrente, quebram o elo e partem em direção ao próprio Squall. Miraculosamente, a voz de Squall parece reverberar agora, na mente de Rinoa, que ainda não expirou. O amor é mesmo afrodisíaco, amigos, até para os pulmões em situações críticas como esta!”: temos aqui, antes do fim de Final Fantasy VIII, o que seria um happy ending para a tragédia amorosa de Somewhere in Time.

“Ela está em pânico sobre o futuro e se pudesse escolher só gostaria de reviver os efêmeros instantes que lhe restam ao lado de Squall.” Neste momento Ultimecia e Rinoa se fundem, como entidades e personagens: querem exatamente a mesma coisa, a compressão do tempo. E Squall não é menos inocente quando declara que destruiria toda a realidade no entorno do casal desde que pudesse protegê-la – e proteger sua vontade última, que é a mesma que a dele.

“Rinoa tenta devolver o anel original de Squall. Ele, de modo frio e em completa contradição com o turbilhão de sentimentos que o domina, diz que está tudo bem que o objeto fique com ela, e ambos se despedem num tom triste.”: já esta cena é uma inversão daquela que inaugura Somewhere in Time: é como se Collier recusasse o presente – um estúpido relógio antigo! – de uma velha louca que ele não faz idéia de quem seja… o que seria a atitude mais natural, se pensarmos bem… Mas Squall já havia declarado todo o seu amor e traçado seu plano – aceitar a vitória de Ultimecia, o que torna essa cena ainda mais bizarra e angustiante.

“Como que se esquecendo de que ele tem um plano muito maior em execução … que não necessita, e até exige, que nenhuma intervenção (pois ela ‘já aconteceu’) seja realizada, ele ‘volta a si’”: O que já havia acontecido é que o Squall adulto havia efetuado o time loop com Ultimecia para integrar sua versão jovem e Edea ao “plano maior” das coisas. O Squall da linha temporal presente ainda estaria por fazer “sua parte” na empreitada, mas o Squall criança tinha lembranças do evento, e depois de recuperar as brechas de memória apagadas pelos GFs e de vivenciar seu romance com Rinoa o Squall de 17 anos pós-visita à lua já sabia perfeitamente o que (não) fazer – meramente deixar a corrente do destino fluir… Exatamente como Elise no filme.

“Eles selam uma promessa: se Squall se sentir perdido, ela sempre poderá encontrá-lo neste campo florido; ele deve vir a este jardim e aguardá-la, se ela já não estiver.”: o “Volte a mim” em Final Fantasy VIII. O campo florido é onde tudo se deu/dá: o Grand Hotel/o orfanato … em 1912/na compressão do espaço-tempo.

Tecendo outras comparações, poderíamos dizer que a própria Ellone é “o relógio” em FF8. Analogamente, sobre a identidade Ultimecia=Rinoa, teoria que eu nem chamo de “teoria”, mas apenas de “realidade nua”, e pela qual serei criticado pelo fã obstinado, me resta objetar, a fim de me tornar mais claro: não é que Ultimecia e Rinoa sejam a mesma pessoa (em essência, são!), mas Ultimecia poderia ser a velha de Somewhere in Time: apenas o agente (mais) onisciente de todo o time loop, agindo “em causa própria”, porém de maneira altruísta, pois ao mesmo tempo em que ela não colherá diretamente frutos de sua ação (no presente), ela “já os colheu” no passado, quando viveu a relação amorosa com Collie (Squall). Rinoa é só a versão jovem de Elise, ingênua, sem pecados, porém envolvida assim mesmo na “tragédia” da unha do pé à raiz dos cabelos. Ultimecia perdeu tudo – mas ao se fundir com Rinoa percebeu que existia uma causa que valia a pena, e que significava afinal de contas sua compressão temporal inconceituável: um casal que se reencontrava e revivia seu amor em loop eterno… Ela sentiu a força e o poder desse amor ao sincronizar sua mente com a de Rinoa. A própria Edea, por tabela, também tem uma clara intuição do valor desse amor estampado na logomarca do jogo! Laguna e Julia Heartilly, por procuração, após terem vivido “o mesmo amor”, só que frustrado, e Ellone, que vasculhou todas as memórias dos envolvidos na trama, idem.

“Ao desaparecer numa explosão de luz saturada”: essa descrição “luminosa” é um dos meus argumentos-chave para defender que “Ultimecia venceu”, isto é, Ultimecia não era uma vilã (observe que o mesmo acontece com Ultimecia no fim do jogo e com Edea, no fim de seu “ciclo mau”, as duas que são as diferentes faces da mesma moeda, uma recebendo o poder da outra após explodir em luz… já que Rinoa É Ultimecia!). Seifer, que surge confrontando Squall na abertura, poderia ser entendido como o verdadeiro vilão da trama, se é necessário possuir-se um (quem seria o vilão de Oedipux-Rex?): representa a masculinidade tóxica dentro de Squall, que não cederia diante dos impulsos do amor; parece fortaleza de espírito, mas é sua insegurança encarnada, obstinação tola; e essas “segurança e prepotência” exteriorizadas o tempo todo por Seifer quase matam Squall já antes de o jogo começar… Ele põe verdadeiramente em perigo todo o loopLuz saturada, embora seja sinônimo de algo divino ou bom em quase todas as religiões e mitologias, também se associa a Lúcifer, mas o próprio culto a Lúcifer tem origens santas, e o cristianismo paulino é que demonizou esta veneração (que era muito aceita entre leitores do Talmud). Booom, esse é um papo para outro local! N.B.: É numa explosão de luz saturada que todo o tempo linear é abolido também em LOST!

“O Squall adulto … ouve daquela Edea da encruzilhada dos tempos a pergunta decisiva: Quem é você, jovem?”: A enorme semelhança com a linha “Você é ele?” é até desconcertante!

“Laguna diante da lápide de Raine, mãe biológica de Squall e adotiva de Ellone. Ela foi enterrada com um anel que ele lhe deu de presente.”: Outra instância do “presente que nunca é novo”: Laguna iniciou tudo; mas Laguna só tem o anel por causa das ações do Squall maduro. (É necessário lembrar, se o jogador veterano que me lê se mostra recalcitrante neste momento, que o Griever é produto da imaginação de Squall, e foi criado por Ultimecia graças a isso, tornando-se uma criatura mitológica que se cristalizou em realidade no universo do jogo. Logo, qualquer um poderia vir a cunhar anéis ou medalhões com um Griever, ou incluí-lo num jogo de cartas, como se faz efetivamente entre os habitantes no universo de FF8… Estando o indivíduo no futuro ou no passado, essa informação chegará ao receptáculo infalivelmente. Laguna pode ter recebido a idéia do anel de qualquer pessoa, até de alguém posterior ao nascimento de Ultimecia, desde que o time loop tenha possibilitado que Laguna viesse a conhecer o símbolo.)

Por fim, “Rinoa aponta, com seu índice direito na vertical, uma estrela cadente.” é uma conhecida reiteração de uma pose com a mão que Rinoa executa já durante o baile de formatura dos cadetes SeeD, e que Ultimecia/Edea também executará em suas performances teatrais. Além disso, vinculo esse gesto, especialmente no fim do jogo (a seqüência da realização da compressão temporal), ao fato de que “vencemos na derrota” ou de que “vencer era perder e perder era vencer” serem falas perfeitamente possíveis de ser ditas pelos personagens do jogo, tendo em vista que Rinoa aponta para o céu escuro, mas querendo indicar (com seu dedo indicador) um objeto claro. “No final, todos os sofrimentos valeram a pena por este momento”, seria mais ou menos o que ela queria dizer. Quando ela entrou em coma, ela aprendeu a ser como Squall e apenas pensar nas coisas que deveria dizer (ok, essa última frase foi só uma piada de última hora).

* * *

[+Q]

MAIS QUESTÕES DE TRADUÇÃO

(Prolongamento da “super-nota-de-rodapé”)

Rinoa: “Se eu voltar a ser controlada por Ultimecia… A SeeD me mata, certo? E você é a SeeD, Squall… A espada de Squall perfurará meu coração…… Eu acho que tudo bem se for você, Squall. Ninguém mais. Squall, se isso de fato acontecer…”

Ultimecia “queria ver Squall de novo”. Todas as aspas aqui selecionadas são para lembrar dessa motivação e fortalecer “nossa teoria”. Poderia Ultimecia ter perdido a memória do que queria simplesmente por ser a maior conjuradora de Guardiães que a História já viu?!

Rinoa: “Eu não quero o futuro. Eu quero o presente pausado. Só quero ficar aqui com você…”

Outra grande “coincidência” é que por milhares de anos o castelo de Ultimecia estava ancorado acima… justamente do campo de flores do orfanato!

Embora não seja muito agradável nem desejoso “usar outras referências” externas à própria obra (Final Fantasy VIII; ver tópico seguinte), a terceira fala vem do projeto Dissidia Final Fantasy, o spin-off de luta envolvendo os protagonistas e antagonistas da série.¹ É uma fala curta, mas muito significativa, a meus olhos!

¹  WIKIA (adaptado): “Dissidia Final Fantasy (ディシディア ファイナルファンタジー Dishidia Fainaru Fantajī) é um jogo eletrônico de luta com elementos de RPG de ação, desenvolvido e publicado pela Square Enix exclusivamente para o PlayStation Portable como parte das comemorações dos 20 anos da série Final Fantasy. Ele foi lançado em 18 de dezembro de 2008 no Japão, em 25 de agosto de 2009 na América do Norte e em setembro em outros territórios. § O jogo possui personagens desde o primeiro título da série e se centra em um grande conflito entre Cosmos, a deusa da harmonia, e Chaos, o deus da discórdia. Os dois convocam diversos guerreiros para lutarem ao seu lado em sua 13ª guerra [que específico!]. O jogador controla Rubicante Charger, com Quistis e Neon ou 10 guerreiros escolhidos por Cosmos, que são os protagonistas dos 10 primeiros jogos principais da série Final Fantasy. A versão internacional e norte-americana também dá acesso a outras funcionalidades como um modo arcade. (…) Dissidia foi bem recebido crítica e comercialmente, vendendo mais de um milhão de cópias mundialmente. Uma sequência chamada Dissidia 012 Final Fantasy foi lançada em 2011”

“Vamos dançar?”

Ultimecia, a Squall

(original: Shall we dance?)

É claro que a ambigüidade com o primeiro encontro entre Squall e Rinoa e a analogia entre a dança (e o acasalamento!) e a guerra, supremo instante do confronto entre duas metades que se opõem e ao mesmo tempo se complementam e tornam-se um a razão de ser do outro (ser-com-os-homens…) é altamente voluntário por parte dos mentores da insidiosa Square Enix! Não me levem a mal, eu gosto que uma companhia seja insidiosa com sua fan base!

[FON]

SOBRE “FONTES OFICIAIS EXTRA-MÍDIA”

&

UMA PITADA DO CARÁTER DE ULTIMECIA

Temos que ter muito cuidado com o uso de qualquer declaração exterior ao jogo que se diz “oficial” para interpretar uma obra: a rigor, a única fonte oficial é a própria obra. Uma vez finalizada e lançada no mercado (ainda mais em tempos pré-DLC), o autor perde a autonomia sobre sua obra. Isso não é exclusivo, sequer, do modo de produção capitalista, mas uma espécie de “axioma estético” milenar! Eu como autor sou obrigado a dizer que esta minha matéria, uma vez publicada, me torna seu escravo, e não o inverso – nosso dom da escrita é, em outros termos, também nossa maldição (o outro lado da moeda)!

Declarações podem ser sempre usadas – acabo de fazê-lo com Dissidia, acima –, mas sempre com um “grão de areia” (grão de sal em português não faz sentido como “expressão para conotar cautela”)… Respeitar demais os criadores de uma obra em sua ideologia sobre a própria obra, considerando que eles possuem motivações inconscientes que embelezam essa mesma obra, é o mesmo que chafurdar num fórum do GameFAQs e acreditar em todas as postagens, sem manter as próprias convicções e coerência, o que essa matéria e este portal visam a defender de modo adamantino!

Já deixei claro no “review principal” (ou “superficial”) que guias, oficiais ou não, como o Ultimania Guide (da própria Square) ou o BradyGames (sublicenciado para uma empresa jornalística), são periféricos e secundários como parâmetros para nossas interpretações…

Poderia Shakespeare brindar-nos com uma verdade íntima e última sobre Hamlet? Ele, como verdadeiro artista, jamais desempenhou a crítica do próprio trabalho. Ainda que o fizesse, nada significaria, enquanto Hamlet estiver aberto a interpretações (enquanto a peça existir em comunidades humanas que entendam o inglês), e enquanto a obra uma fez finalizada escapa a seu autor. Ainda mais se se mostrasse contraditório em relação ao próprio Hamlet, personagem sem dúvida contraditório – poderiam seus motivos ser elencados de forma taxativa e unilateral? Mas eu digressiono…

Dizem que Ingmar Bergman, sendo mais ingênuo que Shakespeare, fez afirmativas meta-narradoras sobre seu próprio trabalho – especificamente sobre uma trilogia de filmes. Num ponto futuro de sua existência desdisse o que havia dito – pode haver algo mais patético no mundo da arte?! Os livros oficiais Ultimania e a opinião e os retcons constantes dos criadores de Final Fantasy VIII nada são para nós senão vento e barulho sem coesão! Em suma, dentre todos os materiais oficiais, o mais oficial de todos, na hierarquia, é o trabalho ou obra de arte ele(a) mesmo(a). Essa é uma tirania, a tirania estética, da qual não abdicamos, e contra a qual não fazemos concessão alguma, em tempo algum. É nosso absoluto. A (boa) arte tem esse viés anti-democrático que lhe é inerente, queira-se ou não.

Longe de dizer que materiais como o Ultimania são um lixo: lá você encontrará artworks prototípicos exclusivos e a plot explicada de forma mais esquemática e mastigadinha do que aqui mesmo, por exemplo (mas sem mergulhar 20 mil léguas – já pode me chamar de Cila Verne)!

Com toda essa prevenção e “arrogância” como porta de entrada, gostaria de apresentar-lhes, entretanto, uma “atualização” da tradução do discurso de Edea (possuída por Ultimecia, no comício de Timber) – na verdade um diálogo com um perplexo Presidente Deling – que vem muito a calhar para os objetivos de nossa interpretação, parecendo resgatar o canon perdido pelas confusões da tradução japonês-inglês do período (1999):

(Obviamente, ao verter ao português, colocando uma terceira língua na salada, posso estar ‘corrompendo’ a pureza deste ‘achado’ ou ‘iguaria’, mas isso fica para vossa avaliação de meu trabalho investigativo e como tradutor!)

Edea (Ultimecia): “…Escumalha. …Rebotalho imundo e desavergonhado! Como celebrais minha ascensão em tal estado de euforia?! Louvais então aquela mesma que condenastes geração pós-geração? Não tendes o mínimo pudor? O que aconteceu com a feiticeira maligna e impiedosa de vossas fantasias? Com a tirana de sangue gélido que massacrou uma miríade infindável de homens, um punhado de nações?! Onde está ela agora? Ela se encontra diante de vossos próprios olhos, prestes a se tornar vossa nova ama. HAHAHAHAHA.”

President Deling: (…?)

Edea (Ultimecia): “Uma nova era começou.”

President Deling: “E-Edea… Você está se sentindo b…? Ede…!”

(Ela levita Deling telecineticamente e começa a assassiná-lo…)

Edea (Ultimecia): “Isso é… a realidade. Ninguém pode ajudar-vos agora. Sentai em vossas confortáveis poltronas e usufruí o espetáculo!”

(Após esgotar a seiva vital de Deling, arremessa o corpo cadavérico no chão com ímpeto, ainda com o poder da mente.)

Edea (Ultimecia): “Estai seguros, tolos! Vosso tempo há de chegar. Este é só o princípio. Comecemos o novo reino de terror. Deixar-vos-ei viver um reino de fantasia além de vossas imaginações!”

Excelente pedaço da narrativa. Há-de se observar que este é um novo texto, nem uma tentativa de ser idêntico ao mais formal e fabuloso discurso edeano nipônico nem uma reedição do discurso mais militarista, pragmático e calcado em termos tecnológicos da Edea “americana” de 1999. Comparai:

Edea nipônica 1999 (a original): “……Fede! Fede a tolos imundos! Vós empestais! Desde tempos imemoriais nós bruxas vivemos dentro de ilusões e encantamentos. Que ilusões? As que vós produzistes! Adornando os corpos das bruxas em roupas espantosas, escabrosas, as bruxas que amaldiçoam os virtuosos humanos em seus rituais brutais. A bruxa terrível que queima vossas pastagens, congela vossas casas a começar pelas lareiras em pleno inverno, com sua mágica cruel e sádica… ……Pedaços de excremento!  Agora que a bruxa da ilusão vem a ser considerada uma amiga de Galbadia, vós suspirais aliviados?! Mas que é isto?! Quem sonha sem parar e quem vive a realidade?!”

Edea anglófona 1999 (a adaptada): “Sim, refugiem-se em suas ridículas fantasias! Eu continuarei a dançar conforme a música! E dançarei pela eternidade como a bruxa que trará o pânico e o terror absolutos! Vocês e eu. Juntos criaremos a ÚLTIMA FANTASIA. Dentro desta ilusão, vida e morte, e doces sonhos. A feiticeira viaja através de ilusões infindas! A FEITICEIRA DO FUTURO e Galbadia – avante e para sempre!”

(A massa, a platéia, parecia tão fascinada quanto os alemães de 1932-39. Os loristas do jogo dirão que isso se devia a efeitos de magia apolítica de Ultimecia!)

Edea (Ultimecia) fala de forma mais teatral em japonês. Em português isso é mais fácil de transmitir usando o arcaico, o vós. E também a palavra feiticeira, mais “política”, eu decidi transformar em bruxa, mais medieval. A forma alegórica também “afasta” populacho e tirana mais e mais. Rituais, roupas espantosas, que visivelmente sempre visaram a distinguir quem têm poderes mágicos dos simples humanos, animais de rebanho. Mas Ultimecia quer demonstrar quão ridículos se tornaram os rumores sobre sua aparição no futuro, devido aos acontecimentos do presente. Nasceria uma tirania tão grotesca assim?! E por culpa de quem? E ela não seria bem-vinda pela mesma massa que tanto nutriu geração depois de geração pavor por uma coisa que sequer existia, apenas de nome, em hipótese?! Daí vem seu sarcástico conceito de fantasia que usa no palanque. As ilusões não são os feitiços de magia, mas as noções que a humanidade concebeu sobre a natureza de quem possui esses poderes. O preconceito, o burburinho, a incompreensão. Não foi Ultimecia obrigada a adotar essa máscara de ferro que já quiseram acoplar a sua face desde antes que ela pudesse ter uma alternativa? Ela dançará conforme a música, produzirá as ilusões em que a humanidade quer tanto acreditar! Já que o futuro disse o que ela seria, ou melhor, já que o passado determinou o futuro de antemão, que ela produza no passado o que as lendas vindouras ainda narrarão! Assim como Squall estava destinado a dançar com Rinoa, quisera ele ou não, assim Ultimecia e seus avatares dançarão perante o rebanho desprotegido, enquanto os SeeDs permitirem, é óbvio…

A Edea japonesa, a Edea reabilitada no guia Ultimania, é uma relações públicas, com efeito, de nome e de vocação – é uma atriz consciente de que interpreta um papel. Joga um RPG. De vida e morte, mas ainda assim um jogo, uma representação. Sentem e assistam a peça, vocês são meros espectadores! Nisso a versão americana do século passado tinha perdido muito de seus matizes (embora o meta-comentário com a palavra FINAL FANTASY seja muito benquisto), mas no guia a Edea teatral e sardônica está de volta. Ela é um vilão com muitos motivos, ao contrário do que se apregoa por aí! Toda bruxa tem seus motivos…

Ascensão, tirania, nações, reino de terror, essa é a parte mais política e que o Ocidente deixou mais transparente, embora os japoneses sempre captassem os mesmos conceitos no “subtexto”… Os japoneses não gostam de ser muito explícitos sobre imperialismo, o que não significa que suas obras deixem de explorá-lo com bastante freqüência – e inteligência! Quem já sentiu o pavor da bomba atômica sabe mais do que ninguém o que é o pavor metafísico, ainda mais elevado… da civilização que se encontra entregue. Felizmente existem heróis – nos videogames, podemos ter certeza!

Bem, qual das 3 traduções para português você mais apreciou?! Deixe sua opinião.

[REC]

RECOMENDAÇÕES LITERÁRIAS PARA AMANTES DO EFEITO DO TEMPO NA ESTÓRIA (O CONCEITO MODERNO DE TEMPO QUE INCORPORAMOS AINDA HOJE NA FICÇÃO)

Como penúltima nota, para aqueles que se mantiverem motivados e sedentos por enredos envolvendo o tempo (não precisa ser com máquinas do tempo, isso é para amadores!), recomendo, curto e grosso, Marcel Proust, um dos meus prazeres mais recentes. Sua magnum opus se chama em português Em busca do tempo perdido. É um livro sobre um pouco de tudo que discutimos aqui: inconsciente coletivo, tempo, espaço, memórias

Para discussões filosóficas, sem o envolvimento de personagens fictícias em ternos e emotivos diálogos, o caminho é outro e mais pedregoso. Poderia recomendar Husserl e Heidegger (que inclusive citei até bastante em minha análise análise – hat-trick contando com esta), da primeira metade do século XX como o próprio Proust, e Baudrillard da segunda metade do séc. XX e início do vigésimo primeiro (nosso quase-contemporâneo – agora que o ultrapassamos, pelo menos em sobrevivência, se não em refino, podemos nos sentir… velhos!) – todavia, fico receoso de referendar assim sem mais: essas leituras exigem uma preparação (equivalente a um curso completo de filosofia), então fiquemos por aqui! Você pode começar apreciando considerações mais pé-no-chão sobre o tempo em Aristóteles antes de partir para coisas mais radicais… (no Seclusão você encontre vários “cursos de filosofia” em formato de texto – meu maior talento –, se fazer 4 anos de graduação formal não é o que você tem em mente…)

[CON]

O QUE ACONTECE SÓ ACONTECE UMA VEZ, MAIS UM ARGUMENTO IN-GAME PARA MINHAS POSIÇÕES “HETERODOXAS”

Para quem não assistiu Somewhere in Time ou Lost ou não jogou ainda Final Fantasy VIII… Ou para quem assistiu SiT e Lost e não os entendeu ou torceu o nariz para essas produções… e jogou FF8, mas não concorda em nada com o que eu digo… Ou para quem prefere o tipo de viagem no tempo que gera universos ou dimensões alternativas ou paralelas, que é a noção contra a qual estou em guerra o tempo todo aqui (bem como os filmes, séries e jogos que estou citando!!), i.e., para o ANTI-TIME LOOP SQUAD, eu acrescentei essa seção. Vocês, obstinados jogadores da visual novel e apreciadores do anime de Steins;Gate (que ganhará review no rafazardly em 2024), vocês recalcitrantes expectadores de Back to the Future, o filme de happy ending em que você muda o futuro, apesar de flertar com o perigo do paradoxo do avô (aliás, valha trilogia superestimada!!!)… Finca a bunda na cadeira e vê se presta atenção mais um pouco, quem sabe você não é tão casmurro e eu ainda consiga “cooptá-lo”!

A primeira instância, da perspectiva do jogador de FF8, em que ele entende que “o passado não pode ser mudado” (e, em conseqüência, nem o presente nem o futuro, pois todos se tornam o passado após a devida quantidade de tempo!!) é a declaração de Ellone a Squall, explicando como seus poderes funcionam:

“Você não pode mudar o passado. Eu demorei para entender isso.”

Para quem não entendeu a questão da jogabilidade com Laguna, Kiros e Ward, o jogador é transportado mentalmente ao passado dessas 3 figuras veteranas. Eles são jogados pelo jogador, que tem total liberdade na ação, como se estivesse operando num Grand Theft Auto (ok, nem tanto!)… Mas, falando do jogo em si, esse é um recurso narrativo para dizer: este momento é o presente tanto de Laguna & cia. quanto de Squall & cia., que estão tendo um sonho lúcido “revivendo” o presente de Laguna & cia.! Desde que Laguna & cia. vivenciaram aqueles episódios, sempre estiveram sob influência de Squall e os outros, o filho e os amigos do filho provindos do futuro, isto é, dos SeeDs, que existiram desde sempre. Em suma, ninguém tinha a agência, porque todos tinham a agência ao mesmo tempo: o que Laguna escolheu fazer era igual aquilo que Squall escolheria fazer, etc. Tudo estava em harmonia. Ellone queria que Squall mudasse o passado de seu pai, mas tudo que aconteceu foi uma reprise tal e qual das mesmas cenas, ela não viajava no tempo nem transportava consciências, ela apenas assistia o passado, e mesmo sendo a usuária desse poder só foi perceber essa limitação após várias vezes em que “desmaiou” o grupo SeeD e “arremessou-os” na vida de Laguna…

Essa revelação tem um forte impacto. Não é absurdo que o jogador não tivesse percebido isso. A própria Ellone não tinha. O jogo foi feito para ser entendido apenas na segunda gameplay – o que é uma pena “ao quadrado”, porque a gameplay é horrível e só vale a pena pelo próprio enredo, urgh!

O caráter trágico e a condição humana sempre querem violar essa regra, e assim funcionará até o final dos tempos (no pun intended): Sísifo e sua pedra, Édipo-Rei, etc., etc. Squall, após ouvir Ellone, tenta ele mesmo mudar o passado, enquanto tenta salvar Rinoa do coma… até entender como funciona, na prática… O ser humano é assim. Muitos gostam de citar essa inconsistência ou contradição ciência-ação para refutar a teoria de que Rinoa=Ultimecia ou que a compressão do tempo foi realizada. Um dos motivos mais fortes é que Ultimecia estaria sendo “burra” ao tomar nota de que morreria tentando fazer a compressão temporal indo ao passado; mesmo assim ela escolheu ir ao passado. Explicam alegando que “todo ser humano tenta mudar o passado na prática por mais que seja avisado da impossibilidade dessa mudança”, um expediente natural em toda ficção de qualidade. É verdade e é plausível, mas queria Ultimecia “vencer” – podia Ultimecia “perder”?! Outras perguntas precisariam ser levantadas, perguntas que os “sabichões” coincidentemente sempre evitam desenvolver em suas “teorias bem-armadas”. Ora, nada tem que ver a vilã ser burra, ela é apenas falível e gananciosa, nisso residia seu mal, dizem aqueles que advogam pela total liberdade de agência dos envolvidos e entendem o final de FF8 como a representação de uma continuidade temporal pós-tentativa falhada de compressão do espaço-tempo. Tirando o fato de que é difícil tirar algum sentido lógico da “zeração” de FF8, a questão não é avaliar o nível de inteligência ou de teimosia de Ultimecia. A Square obviamente brinca com o fato, o que torna sua obra objeto de discussão até hoje – sabe quem mais faz esse tipo de coisa?! David Lynch – e ele nunca explica(rá) nenhuma de suas obras. Curiosamente, ao que tudo indica, em Twin Peaks acontece uma viagem temporal que muda-sem-mudar a realidade dos personagens, e mesmo assim ainda pressupõe-se que eles acabam vivendo num loop… O cara é tão maluco – no bom sentido – que conseguiu instilar em nós a percepção dual, ou seja, de que ele fez os dois tipos de viagem no tempo ao mesmo tempo… Sem trocadilhos… Talvez seja isso mesmo, talvez sejamos incompetentes demais para entender Lynch… Resumindo: é bom deixar algumas coisas em aberto e sem resposta definitiva ou não-críptica dentro de sua obra. Mas isso não significa que não puderam desenvolver um script em que Ultimecia vence no final, desde que se entenda, como eu entendo, a vitória de Ultimecia como uma vitória para todos os personagens, o que até obsolesce essa discussão idiota (após certo tempo, desculpe, desculpe, é a última vez que me refiro temporalmente ao tempo nesta resenha, pois ela já está chegando ao fim!… após certo tempo tudo se torna idiota e repetitivo, e era necessário indicar que o binarismo da questão Ultimecia venceu? S/N ou Rinoa=Ultimecia ou Rinoa=Rinoa e Ultimecia=Ultimecia sendo mutuamente exclusivos era o que precisava ser posto em questão o tempo todo… ops, de novo isso…).

Bom, qualquer coisa é melhor do que um argumento que eu li: “Já que existe o game, e eventos acontecem, significa que não houve compressão temporal, ou todos os eventos teriam sido anulados e não existiria o jogo…”. Vou levar na esportiva – belo troll! Vitórias podem ser amargas e exigir imensos sacrifícios (final de Lost); derrotas podem conter coisas boas e ser louváveis até na parte estética da coisa (final de SiT?). No fim, vitórias e derrotas – o conceito de vitória e o conceito de derrota – são tão intercambiáveis quanto GFs entre os personagens controláveis do jogo… A única mensagem que não podemos relativizar neste game, devido aos índices incontornáveis in-game e no meta-texto, é a seguinte: FINAL FANTASY VIII VERSA SOBRE UM ROMANCE MAIOR QUE TODO O DEMAIS. Acho que não preciso falar mais nada. Isso NÃO significa que Squall terminando a vida solteiro ou fora dum time loop seria um Squall mais triste ou piorado, só estou repetindo o óbvio: o que acontece, acontece…

[UNC]

UNCANNY VALLEY NO MÍNIMO – CONFIRMAÇÃO PARA OS “LEITORES RESPONSÁVEIS DA ESTÓRIA”:  Cotejando os character designs de Rinoa e Ultimecia, é incontestável que ambas têm até a mesma cara, como se já não bastassem as fortes evidências de roteiro de que cumprem o mesmo papel ou representam uma mesma (id)entidade. Dificilmente seria uma coincidência ou algo não-intencional por parte de um dos mais talentosos programadores e criadores de personagens no ramo, Tetsuya Nomura. Sempre haverá vozes em dissenso: “Nomura é conhecido por representar várias personagens femininas de forma semelhante”; “a tecnologia rudimentar do período não permitia grande diferenciação nos rostos”. Duas afirmações que são desmentidas pelos próprios female designs de FFVIII! Não há qualquer relação de verossimilhança entre Quistis, Selphie e Rinoa, como exemplo basilar. Se não estiverem convencidos de que Tetsuya Nomura criava designs únicos para cada personagem QUANDO QUERIA, dêem uma observada em character designs de outros desenhistas, do passado ou do presente, na minha opinião menos talentosos ou, pelo menos, mais idiossincráticos (ou ‘insistentes’ em rostos idênticos): Akira Toriyama, o mangaká mais superestimado de todos os tempos, nos brinda não só com rostos femininos sempre muito parecidos… mas até com rostos de homens e mulheres quase gêmeos, e até corpos – compare-se os crânios de Freeza, Majin Boo e Jiren, para não falar em Brolly, Kaulifla, Andróide 17 e 18, que instintivamente associamos a Toriyama, e achamos até desagradável (é tão desagradável que tendemos a ver a cara do Goku no protagonista de Chrono Trigger e nos personagens que ele desenha para a série Dragon Quest)!!! Pior ainda: o artwork de AKIRA (falo do mangá de mesmo nome de Akira Toriyama, mas que não é dele) revela que Katsuhiro Otomo tinha uma obsessão enferma pelo mesmo rosto empregável para três personagens principais ou, simplesmente, que ele não é tão talentoso… Tirem suas próprias conclusões abaixo. Identidade visual e estilo são uma coisa, mas modelo genérico é outra – mesmo em cores, ler o mangá Akira chega a ser um suplício em vários capítulos, pois nunca sabemos quem é quem!

Todo mundo sabe que uma forma de economizar tempo, para um mangaká, é apenas repetir os traços e mudar a cor do cabelo, certo? / Num universo paralelo, Goku/Yamcha(?), Android 18 (Chi Chi descolorida?) e um Shen Long azul (?!?) protagonizam o primeiro Dragon Quest/Dragon Warrior de SNES, que só foi localizado ao Ocidente 16 anos depois! (Não, é sério, alguém gosta de ver Dragon Ball Z em outras mídias? Eu quero distância!)

Kaneda, protagonista de AKIRA (esq.) e Kei, namorada de Kaneda (dir.). Ou seria vice-versa?

Kai, melhor amigo de Kaneda (ok, acho que o problema é a obsessão do autor com nomes e rostos parecidos mesmo, tá na cara que só podia ser de propósito)! O que muitos consideram digno de cult-following para mim é repulsivo aos olhos!

Ah sim, devia tê-lo dito isso “100 páginas atrás” (finja que está lendo um livro), mas Liberi Fatali, o nome da canção da FMV introdutória, significa: Children of Fate. O que fate (destino) significa? Não vou perder meu tempo discutindo binarismos – todos temos espontaneidade para agir no presente, mas quando o presente se torna passado, é essa palavra que usamos para caracterizá-lo: se tornou um destino, um fado, palavra do português mais próxima. Fado geralmente tem uma conotação negativa – e crianças, presumivelmente quem mais têm um futuro pela frente, conotação extremamente positiva. Acho que até Nobuo Uematsu gostou de brincar com a psique dos jogadores neste episódio VIII, pense bem! Pense também no filme Advent Children, continuação direta de Final Fantasy VII, de alguns anos depois: a Square é mesmo obcecada com crianças e o potencial que elas têm para forjar o destino, correto?! Ah, e eu que queria duplicar o tamanho desse texto, emendando-o com meu parecer sobre Final Fantasy VII Remake, que zerei semana passada… Mas isso não será feito nem aqui nem agora! É meu destino deixar para depois!

FINIS? INCIPIT? CAPUT? ESCATHOLOGIA? GENESIS (super nintendo)? KAPUTT? INITIUM? FINIAT? TELOS? FIAT?! C’est fini? J’N’SAIS PAS! (francês é muito romântico, vocês não acham?!)

[ARQUIVO] O MESSIAS & O HOMEM RURAL: Uma novela pós-apocalíptica.

Originalmente publicado em 3 de dezembro de 2009. 

Não foi preciso uma legião de bombas atômicas. O Estado nos abandonou. Polícia? Se não pagam impostos, são menos que lixo! O modelo de organização do Ocidente, uma vez adotado na China, o velho reacionarismo europeu… Tudo isso prejudicou ainda mais a situação americana. Não existem informações sobre a África. O número de pessoas impossível, a desertificação… A inflação… Ninguém mais tinha carteira assinada ou dinheiro para bens industriais. É uma escravidão sem senhor… Conseguem comida aqueles que dispõem de cavalos… Em uma antiga capital de país de terceiro mundo faz muito calor – e ainda tentam dar sentido e dignidade à existência.

Se há algo que não decaiu é o volume de arquivos. Toda a literatura está lá, embora envolta em pó e de utilidade duvidosa. O onanismo é o último remédio. Alguns foram viver entre os bichos. Há insistentes que se organizam em células de autossuficiência. Uma delas, localizada da forma mais ordinária, chama a atenção das chaminés, nuvens ácidas e do intenso sol. Não há nada que seja ilegal, embora a ausência de leis tenha findado a distinção. Alguém de alma jovem ainda caça novos valores. O que é um valor? No mundo sem mídia sequer se propaga o ideal do amor… Que animal político tem um intento, sórdido que seja? Esta é uma história que nenhum almanaque poderia conter… Seu registro estará apenas na brasa do fogo de um neo-Prometeu qualquer, que remeta à condição uma vez humana. De uma vez por todas chegou o ano (206X? A contagem tornou-se imprecisa.) da responsabilidade. Esta coisa estorvada que sempre pairou um pouco acima do solo sem sentir o seco, sem oprimir ninguém. Uma ventura sem rebanho! É demandado fazer-se deus.

Mostrar-se-á a degradação em pormenores e também o momento culminante da guerra dos indivíduos… Quando o exército de desabrigados, caravana ou bandeirantes da desolação, surge para implodir o que já estava semi-soterrado: a propriedade privada. Em busca de valores, cada um se apegava a seus apartamentos – ou ao que deles sobrou… As intempéries são piores à noite, mas não tem um indizível sabor achar-se o último, desobrigado de tudo e por isso mesmo soberano? Tempo é de incerteza e amor à vida. Este momento não tem comparação: somente é igual a ele mesmo…


Esboço de capítulos

O primeiro sábio sem nome

O artista supremo

A vida como ela é!

Todos os males vêm para o bem… Porque os males vêm para e por si mesmos.

Ulisses nunca termina de viajar, eis apenas um episódio…

Penélope Charmosa, rainha da costura

Diretrizes para a imortalidade…


RE-ESCRAVIZAÇÃO DOS FRACOS (que são os fortes de hoje)

Nada de ágoras ou interrupção da hereditariedade. Porém é certo que “pai” será apenas associação afetiva bem posterior ao nascimento, porque origem genética e fidelidade do casal são impossíveis de se verificar como padrão. Uma espécie de fluxo incessante entre transeuntes de povoação em povoação.

Valorização da sorte e das infinitas ou múltiplas alternativas. Não existem leis, todos criam e destroem e têm qualidades diferentes – e um poderio, em variável absoluta, quiçá maior porém sempre temporário e revogável.

Interiorização da ética artística, fusão de ética e estética, cristãos mantidos sob controle, embora se cace adeptos e se expurgue os indolentes que porventura nascerem entre os poderosos. GRANDES COMPETIÇÕES E EXPEDIÇÕES!

[ARQUIVO] “EXISTENCIALISMO AOS 7” – AS ABELHAS, OS HOMENS E A ESPINHA METAFÍSICA

Publicado originalmente em 20 de outubro de 2009. Revisado.

Hoje minha mãe me apresentou uma pequena reflexão minha – de quando eu nem sabia o que era reflexão, e leria a palavra sexo como se lê “seixo” – na altura da 1ª série, sobre a vida. Apresentar-me é bem o termo, já que a gente se esquece com facilidade. Talvez tenha sido o passo inicial desta minha verve literária; impossível saber, mas é o que a arqueologia nos permite resgatar. Dizia mais ou menos assim: “Vida – Eu tenho 7 anos, meu irmão mais velho tem 14 anos, uns são mais novos, outros mais velhos, e assim a vida vai… A mulher mais velha tem 124 anos, a criança quando sai da barriga da mãe é a pessoa mais nova e tem 1 segundo”. Deve ser a segunda vez em período recente que minha mãe remexe em suas caixas repletas de recordações e vem me mostrar – como eu disse, a gente esquece, até as coisas de ontem –, não só esse tipo de protofilosofia como cartõezinhos de dia das mães e meus dentes-de-leite…

Não parece estranho que nossa vida comece aos 7? O que é o primeiro segundo? Talvez condiga em importância com os seis primeiros anos inteiros, a infância clássica. Que ela deve haver, disso não há dúvida. Que hoje reproduzimos aqueles sonhos, ou melhor, rememoramos o grande sonho, ainda mais certo. Os anos de jardim de infância são inconscientes. O pediatra moderno é um fraco. A força da criança reside na impossibilidade de abraçá-la no humano – ela é tão autêntica como um inseto. Azar dos homens, que hoje são menos do que insetos… Uma mosca ou uma abelha, por mais filosóficas que sejam, não possuem uma morte impactante. Seu pathos voador passa fulminante. Um cisco de poder que facilmente perde a autonomia. Uma palma da mão enfezada transforma uma perspectiva no zero, puro tecido em decomposição, nada de drama em câmera lenta. Considerar a infância sagrada é já um sinal… O bom velho é o menino…

A dor ou o prazer, seu antípoda o anestésico, nada representam para o precoce. O importante é seu reflexo no consciente mais tarde. O trauma torna-se desumano e criminoso quando a história do indivíduo realmente começa e ele toma suas escolhas baseado naquilo que ele nunca foi, a fim de ser o que é agora! O inconsciente. O inconsciente e a abelha verde. Esses foram meus principais amigos dos meus anos pré-existenciais. Talvez fossem as duas únicas entidades conhecidas! Todas as vezes que ia brincar no parquinho da escola, perto da gangorra ou do carrossel, ou da amarelinha pintada no chão, eu via uma abelha verde. Ela batia as asas como um beija-flor, deixava um rastro para meu olho incompetente adivinhar o que seria. Um bicho que nunca se cansa; e as abelhas verdes estão sempre no mesmo lugar. Aqui em Brasília posso encontrar diversas delas. Todas as vezes cruzo com uma, na ida e na volta, desde que faço o caminho para a Universidade. Retorno. Àquele tempo eu sabia – premeditava com bastante frieza – que chegaria o dia (utópico?) em que essa abelha seria o tema de um texto. Quem sabe não é a mesma abelha? Qual é a magnânima resistência de um ser vivo desses? Se a persistência com que se sustém no ar for a mesma com que enfrenta cada primavera… Ah, claro: primavera, época de flores (embora as estações não sejam bem-definidas no Cerrado), ela aparece bem mais. Parece que, para uma abelha, 50 dias são 50 anos. Elas começam a viver no 7º dia também? Não, a abelha não se perde como o homem…

Na nossa Odisséia, o significativo é a volta. A guerra o tornou herói, mas parece que não foi você. Está na hora de protagonizar de fato o roteiro. Hoje tenho o triplo daquela idade (1995-2009). [Hoje, que retranscrevo minhas palavras de 2009, o quíntuplo da idade!] O quanto o número 14 é emblemático para mim? [Intervalo 2009-2023] O quanto eu desejaria viver 1[2]4 anos? A escola parece eterna. A substância cotidiana permanece intacta. Imaculada rotina, transfigurada em novo linguajar. Consciente. Dolorosa. Mas sensível. Sempre pensei no meu inconsciente como um deus caprichoso. Direitos Humanos se preocupando com a saúde divina, quanta perda de tempo! Não é que não se deva mexer com crianças porque elas são sagradas; tabus mundanos… O sagrado é imexível, os costumes só existem para ser quebrados. Invertendo o axioma, elas são sagradas, daí que não seja possível a mediação humana. Atena não poderia ser prejudicada por Ulisses. Tolices!

A jogatina de dados de Deus deu no que deu(s)! Mortes inconscientes são não-mortes. 0 a 5 anos, latência. Esquecimento, imprescindível ferramenta. O fundamento do mundo é coisa para ficar debaixo do tapete. Aí inventarão as câmeras; e monitorarão todos os passos. Aí partirão numa máquina do tempo, só para testemunhar o 1º momento. Que revelação, voltar e pisar… na mesma sala! A vida é a máquina do tempo… Você foi primeiro, antes disso foi só o que seu consciente ainda não conscientizou e vai pegar de empréstimo – só para ter o gosto sem-fim de esquecer.

Abelhas não saem na chuva. A chuva dissipa os pensamentos. Sol sim; trovão não (o cachorro late ao raio – sabedoria ancestral?). Tenho a soberana impressão de que os céus são a extensão do meu estômago. Lubrificação aquosa. Palavras são águas… amanhã… Uma idéia que escapa é só uma idéia que ainda não estava pronta… O mais importante é a trama. Homo somnambuli? Non sapiens? A trama acaba como a teia de uma aranha de um recinto reaberto e devidamente higienizado…

Assinado,

A Mosca Filosófica

[ARQUIVO] O DEUS QUE DESCEU À TERRA E QUE SE MISTUROU COM OS HOMENS

Originalmente postado em 19 de outubro de 2009. Com alterações.

Pássaro-homem. Alcance de um novo campo. Filosofia com estilo e verve de artista. O primeiro grande pensador da moral e grande estilista desde Platão. Subsumiu na própria carreira meteórica a noção de progresso, de civilização. Desvendou o fenômeno da decadência – projeção do Pecado Original na história do homem até aqui. Abriu horizontes, consolidou tempo e espaço sem origem ou escatologia. Resgatou a vontade de vida e a busca por um propósito válido. Um deserdado de seu tempo, companheiro de todos os deserdados em seus respectivos tempos.

Todo bom educador retorna de seu vôo para ensinar o caminho. Ligar céu e terra, habitat dos homens. Poesia & Torrente final.

A delimitação de suas “duas fases epistemológicas”:

A. POESIA

Humano, Demasiado Humano, Aurora e O Alegre Saber como preparações para sua aleg[o]ria-mor. Zaratustra, o enunciador do supra-homem, hoje sua “biografia” é chamada de o quinto evangelho. Maior condensação do saber milenar desde A República de Platão. Críptico. Reunião de todos os elementos de sua filosofia mascarados por símbolos muito bem-escolhidos.

B. TORRENTE FINAL OU “ESCLARECIMENTO”

Nietzsche sentiu que deveria dar algumas pistas sobre sua poesia esotérica. Labor mundano novamente, pois a parte do destruidor de mitos não se esconde detrás do artista (quando ambas habitam a mesmalma). Admissão de falibilidade, fraquezas, tibiezas, depressões, desesperos, precariedades. Discurso direto e enfático, sem lugar a dúvidas. Confirmação dupla, não uma volta atrás ou arrependimento, palavra que odiava. A volubilidade máxima do gênio máximo. Frágeis como vidro são os homens que mudaram a humanidade, hoje, ontem e sempre. Negro como piche rabiscando em giz em vez de em pincéis de todas as cores. Uma roda gigante une o epílogo d’O Alegre Saber, Assim Falou Zaratustra e todos os trabalhos de prosa e aforismos executados para explicar sua megalegoria. Seria como Platão abandonando por completo o diálogo em sua terceira idade. Sabemos, por exemplo, que suas cartas, que hoje temos, não eram destinadas à publicação (Carta VII, outro grande escrito de Platão). O cúmulo: inclusive como nuvem – sujeitos a trovoadas todos os que se abrigarem debaixo: Ecce Homo, a autobiografia… autobibliografia?! Complicada gênese imoralAlém de todo absoluto, de toda personalidade, usando apodos e epítetos camaleônicos para inverter o calendário (depois de Cristo, antes de outra qualquer coisa que nada é em si). Casos para esmiuçar, vontade final do defunto deve-se respeitar. Cuidado com meus administradores, ele já advertia. Não disse admiradores: disse mesmo administradores. Filosofia impermeável a razões de Estado (intempestiva). Pode entender uma pista quem não percorreu ainda toda a pista? Pode reconhecer um anel quem não vive em todos os tempos? Resgate do presente roubado. Contra dor não tome anestésicos, tome tônicos; contra música chiada, use amplificadores e termine o trabalho, ladeira abaixo. Descascamento da divindade. Autodissecção. Para quem já tinha erigido, toda a destruição pedagógica não passava de passatempo (letal). Modo de produção ao mesmo tempo assassino e prolífico em esterco, eugenista e proibidor da eutanásia e da vasectomia. Mesmo assim, isso não é razão para negar este mundo – o absurdo não é absurdo, só um obstáculo fungível no caminho. Um prazer sádico no agravamento do “niilismo”, termo sempre entre aspas dentre os verdadeiros exegetas deste filósofo. Depois dele a filosofia ficou sem sentido, mas o que ganhou com isso foram todas as outras áreas.

Em 2009 eu dizia que aos 20 a vida começa, podemos ir direto para nossos artismos depois de perder tempo considerável com muitas coisas… Hoje estou mais próximo da frase clássica e não-emendada dos 40… Nos desobrigamos de todo o trabalho tóxico de mineiro, “B”, num mundo pós-torrencial e esclarecido. Podemos iniciar novas viagens lingüísticas construtivas…

Palavras finais: O supra-homem é metafísico, conquanto exista, justamente porque ele não é desse mundo, não pode ser desse mundo… Ele vem a ser no que chamamos de “mundo” (caos).

[ARQUIVO] O POETA ESCATOLÓGICO: A MORTE NÃO É PARA SER CHEIROSA

Originalmente postado em 15 de outubro de 2009.

DECADÊNCIA – Não é este o GRANDE PONTO? Não parece perfeito que quanto mais a vida se torna feia mais bela fica esta obra em execução? PESSIMISMO E EXCITAÇÃO E TERNURA PELO ACRE, PELO BOLOR, PELO DESAFINADO, PELO TILT, pela minha própria derrota, pela decomposição, pelo desmembramento, esquartejamento e decapitação e funeral, vontade de homenagear tudo isso com um prato de gozo e troça… Os pais morrem, o grande amor o abandona, as contas chegam, você se vai incapacitando e tendo cada vez mais saudade e mais tesão do próprio estado patético atual, que promete denegrir-se ainda mais. As obras que você completa são cada vez mais sábias e profundas e o vão manchando de carvão, até você ser menos do que um cocô vivo. Tudo isso é a meta; livrar-se dos amigos e da piedade coletiva, pretender ser o sofredor, frustrado com mulheres, cada vez mais só, doente e desprotegido, alvo de espinhos invisíveis… Feliz, no fundo feliz! Agradecer a Lilith de todas as formas (doentes) mentais por ter me oferecido isso! Não importa a consciência, é questão instintiva e contínua, mas sabemos a intervalos. Baratas, mosquitos e suor, todos se juntam numa festa, você é o anfitrião! Morrer de fome como banquete principal, ovelha negra da família, cancerígeno, malcompreendido e malvisto, se é que ainda reparam em você, bactéria humana! Cada vez menos leitores, mais verdades, menos paciência e mais singularidade! Ferir a mão de quem ousar ajudar. Cair na armadilha de quem quiser empurrar. Não reclamar, não reclamar! Apenas se amar.

[ARQUIVO] A SOCIOLOGIA E A SUA VIDA / BODES EXPIATÓRIOS & CÉREBROS VIRANDO GELEIA

Originalmente postado em 5 de outubro de 2009. Parágrafo novo no final.

Sob o que paira tão alto, sua casa e sua família. Contornos mais nítidos, mas coração mais apertado. O que é sensível para nós seria falável, se não fosse doloroso falar do que mais se conhece! Quanto ao insensível e incorpóreo, tanto faz que tenhamos imparcialidade, ele é obscuro e distante mesmo… Claro, até voltar a ser familiar; digo, familial. E o quanto das cabeças dos nossos pais não é absolutamente indecifrável, por mais autômato e robótico?

Escrevo para tentar parar de pensar sem cessar no mesmo corpo de problemas todos os dias, o que vem me atrapalhando a manter minha rotina de leituras. Não me importam a sociologia e seus entreveros entre autores, todos corretos e todos errados ao mesmo tempo. Chega!

Só me importam alguns pontos, tais quais: se um sujeito bem gordo completa a travessia de uma ponte de madeira sobre um rio, envergando-a para baixo, e um segundo sujeito, magrinho, apenas pele e osso, tenta passar e racha a madeira, caindo na água quando estava justamente no meio do caminho, de quem é a culpa? O cristão instaurará um inquérito de imediato. Estes ocasionaram o Estado, a polícia. Se o gordo não é ricaço, a culpa é dele, ele vai preso. Ou, se não houver provas de que alguém ali passou antes, o ônus vai todo para o magricela. Bodes expiatórios são unidades carnais. Cristo era um homem. Nesse nosso mundo não é costume a partilha de responsabilidades. Vai ver é por isso que a Terra está assim, que a camada de ozônio…

Ninguém? Deus? Não falemos de vazios, sigamos no Mundo dos Homens falando de Homens, e não de Idéias. Afinal, em tudo que importa, só Homem, o ato, a matéria, o tangível, é que entram na conta. E que se dane se o gordão fez de propósito ou o magro estava sendo coagido. O que você faz não é voluntário nem desinteressado.

Então por que eu aqui? Sinceramente, o que mais me preocupa no momento é dinheiro. Não dinheiro para a vida toda, não meu dinheiro, mas o dinheiro dos meus pais que vai pra mim. Atualmente, é assim que eu vivo, e até 2ª ordem continuarei pedindo toda semana algumas notas, retirando-as da carteira do meu pai sob as vistas do dono. Ele ser murrinha e eu ser um universitário desempregado são duas coisas que não casam bem. Mas tem de casar, de alguma forma – é a vida. O chefe da família diz que não há conversa nessa casa, os filhos mondrongos são os responsáveis. Eu digo que ele é um bicho-do-mato escroto que não tem solução, é um daqueles casos perdidos.

Não importa quem tem razão, nem qual é o lado fraco. Ele vai morrer como mau pai e sem conquistar os filhos. Vai viver cada segundo do resto de sua vida com o peso (será que o elefante sente?) de não ter conseguido estabelecer o mínimo diálogo intergeracional. Se há um consolo – certamente ele pensa nesses esquemas –, é que ele acha que algo extraordinário irá acontecer e ele ainda poderá realizar sua meta (opa, nós – estranhamente, ele não se encara como ator). A esperança morre só depois do defundo…

P.S. 2023: Hoje moro só e meu pai está em fase final do Alzheimer. Até hoje nunca admitiu seus erros e ainda acusa todos a sua volta por não ter-se tornado o Rei da Inglaterra.

[REPRISE] #TRANSCENDER17 HEIDEGGER’S HEGEL’S PHENOMENOLOGY OF SPIRIT

Originalmente de agosto de 2009. Comentários atuais em azul.

A construção do sistema hegeliano – primeiramente, o autor necessitou recorrer ao fenômeno para dar suporte à continuidade de sua filosofia central (a Ciência e limites do conhecimento). Postumamente, deprecia o acontecimento e o relega a sub-seções em uma nova versão do sistema, doravante guiado pelo Espírito e pela Lógica (lógica hegeliano-dialética, de verniz aristotélico, em contraposição a Platão, ou, como preferir, “englobando-o”). O universo só pode surgir do Absoluto, mas é o material e explícito responsável por legitimá-lo como tal – o Universo é como o paradigma ególatra do homem que para fazer-se precisa ser reconhecido pelos outros. Nisso estaria o mistério do universo de se auto-desvelar “fingindo” ser outro para contemplar-se a si mesmo. Eu sou deus. Eu encerro o absoluto em meu caráter fugidio. Não devo me voltar para o universo em busca da Verdade: se ele sou eu, ela reside em mim, em meu devir. Aliás, ela o é. (Isso é exatamente o que Sartre dirá na introdução de sua Magnum opus.)

O problema do “saber absoluto” em Hegel e a constatação de que o Ser e a Verdade são quadros atemporais, desejo de fim e de morte, está no limite lógico do Ocidente e naturalmente antecede o devir nietzscheano. Hegel é o último grande herdeiro de Platão. (20-06-2023 Discordo desse ponto de vista. Já havia editado acima: Onde se lê “(lógica hegeliano-dialética, de verniz aristotélico, em contraposição a Platão, ou, como preferir, ‘englobando-o’)”, em 2009 se lia “lógica hegeliano-dialética, em oposição a Platão e Aristóteles, ou, como preferir, ‘compreendendo’ os dois)”. Catorze anos de leitura em filosofia mudaram minha exegese de Hegel. E não só de Hegel: Platão e Aristóteles são inconciliáveis.)

O século XX oferece um panorama engraçado: Camus insinua que o problema central da Filosofia deve ser “julgar se se deve viver”. Já Heidegger insinua que a grande questão é “o que é o ser”. Uma Filosofia da Morte que quer a vida e uma Filosofia do ser que deseja a morte! (20-06-2023 Leviano de minha parte tendo lido Heidegger muito pouco tipificá-lo assim com tamanha segurança.)

É banal discutir se a Filosofia é ou não Ciência. Ela existe meta-isso, além. Trata dos problemas da existência. Nietzsche é tachado de anti-filósofo por ser “Imoralista” e romper com os clássicos (na aparência). Sem embargo, seu trabalho sem dúvida é Filosofia Clássica. Talvez o problema seja a atual condição precária da disciplina…

O conhecimento absoluto é um espelho que quer ser olhado. Quem pode olhar? O discurso, o relativo, a própria “soma rumo ao supremo”. A História seria o movimento de auto-descoberta culminando na satisfação plenipotente do espírito. Para mim, tanto faz (volta ao primeiro tópico).

A consciência progride, por experiência, até a auto-consciência (20-06-2023 Esclarecimento: já há necessariamente auto-consciência na consciência – em Hegel –, que é consciência-de, e consciência-de-si, mas a didática exige uma exposição em etapas, gradual); esta por sua vez aspira imperfeitamente ao absoluto (os existencialistas apontariam um erro grosseiro aqui: não existe consciência que não seja consciência-de-si – como dito nos parênteses anteriores o eu de 2009 foi precipitado em não reconhecer que já havia a resposta a essa crítica dos existencialistas já em Hegel) dizendo-se isso mesmo (que é relativa, sabendo, pois, do que sabe)/ é um movimento de “absolvição”, de chegada ao espírito, o absoluto. O fenômeno é o espírito materializado. (20-06-2023 O espírito é o fenômeno teorizado.)

“A aparência formal pura do absoluto é a contradição”

“A fenomenologia do espírito é o genuíno e total aparecimento do espírito”

(Hegel e Heidegger são o Pai e o Filho: o Espírito Santo são os problemas para se fazerem entender; escrita embotada.) (20-06-2023 – haha!)

Os três primeiros capítulos são dedicados a esclarecer o jogo de linguagem por trás do título original da publicação mais conhecida de Hegel, Ciência da Fenomenologia do Espírito.

“O conhecimento absoluto é conhecimento e vontade ao mesmo tempo”

Atenção: as fenomenologias hegeliana e husserliana não batem. Apesar de todos os elogios e louvores de Heidegger a Hursserl, seu mestre, em Ser e Tempo. (Husserl é considerado uma “escola à parte” por Sartre, e assim deve ser lido.)

Hegel não deve ser interpretado, aqui, como um introdutor à filosofia: seu livro busca o “oposto” (uma escatologia filosófica), se pudéssemos assinalar de modo extremo, uma vez que lida de forma definitiva com o problema ocidental da possibilidade do conhecimento (uma potente auto-apresentação da senhora Razão – ele é o filósofo que pergunta já possuindo as respostas), inscrevendo-se no cume do Idealismo Alemão (curioso Heidegger tipificá-lo após criticar rótulos).

É, complementarmente, a espiral derradeira da escola racional, duramente golpeada, na seqüência pelo materialismo histórico e pelo irracionalismo nietzscheano.

“Em Filosofia, inexistem predecessores ou sucessores de um trabalho¹ (…) todo verdadeiro filósofo é contemporâneo dos outros filósofos”

¹ Talvez a frase mais conhecida de Heidegger.

Frase famosa e funesta. Quer dizer que Hegel nem mestre alternativo algum envelhece, e que sua doutrina é só uma doutrina. Uma vida que não se chama Georg Friedrich Hegel precisa de mais que uma doutrina.

Enxergo necessariamente o devir (20-06-2023 Quis dizer: filosofia do futuro) quando leio as intenções de Hegel (“o fim é o começo”).

Eu sou o Evangelho! “Deus” é a própria vontade do todo que em seus frangalhos se define, assim como a ausência de deus. Deus é e não é. Ou sou eu ou sou deus. Sou eu. Deus perde a relevância. Ou eu sou Deus. SINTO, LOGO EXISTO. EXISTO, LOGO SOU DEUS.