OVERKILL, A BANDA CLASSE ‘A’ SEM UM ÚNICO ÁLBUM RUIM QUE É POUCO FALADA NO MEIO THRASH

Overkill (OK), de Nova York, ativa há 42 anos e contando. Principal gênero musical: thrash metal. Não só tornou-se, no decorrer da carreira, a banda do estilo com mais álbuns e músicas lançados, como sempre acompanhou a quantidade com a qualidade. E no entanto Bobby Blitz, vocalista e “membro eterno”, & seus comparsas nunca receberam a cobertura midiática que merecem. Mesmo bandas muito menores e questionáveis, como o Voivod, são muito mais conhecidas e celebradas pelo público especializado. Não é meu objetivo desvendar este mistério do show business, mas apenas enaltecer o Overkill pelos muitos “discos rodados” no meu som (ainda que seja apenas uma metáfora para a reprodução de arquivos digitais num HD ou streamings via Spotify), o que significa dizer que me proporcionaram muita alegria, euforia, admiração e até espanto, com discos se superando sem descanso.

Para falar dessa banda com um catálogo monstruoso, vale a pena ser introduzido primeiro aos álbuns por seus nomes e sua característica mais notável: considero todos os trabalhos do Overkill acima da nota 8. E não pense aquele que gosta de Overkill tanto quanto eu que estou sendo severo ao descontar, sem mais nem menos, 2 pontos de obras consideradas quase sempre próximas ao pináculo do gênero possível a cada momento. Faço essa concessão, sobretudo, para diferenciar os álbuns do Overkill nota “8 e alguma coisa” dos álbuns “9 ou mais”, pois por menor que seja a diferença de qualidade entre um trabalho e outro (o que não tem nada a ver com a dinâmica e versatilidade das composições) é necessário colocar os melhores dos melhores num pedestal. Chamemos 8, se preferível, de rank A, já considerada a primeira prateleira do thrash; e 9, se do gosto do cliente, de rank S, obra-prima, daquelas que a história conta nos dedos e, mais do que isso, que nenhuma banda, por mais clássica, indispensável e imortal, lança o tempo todo e a seu bel prazer. Qualquer grupo com trabalhos de ranking S está automaticamente no panteão dos deuses do metal. Bandas com múltiplos álbuns nessa categoria são – ame-os ou suporte-os, porque sua crítica será o mesmo que jogar palavras ao vento – fenômenos consensuais o bastante para estarem sempre no centro dos holofotes, e para marcar gerações sem conta. Com rank S quero me referir a álbuns como Reign in Blood, Ride The Lightning, Master of Puppets, Rust in Peace, Alice in Hell, Seven Churches, Beneath The Remains, Among The Living… Acho que deu para entender. Portanto, apresento-lhes, na minha imodesta opinião, os discos do Overkill até o último, de 2019, divididos nessas 2 categorias (excepcionalmente bons ou lendários!):

Inacreditável, não parece? Independentemente da minha subjetividade altamente incrustada na tabela acima, falo a princípio do fato de uma banda fundada em 1980, dum estilo rápido e agressivo, continuar lançando trabalhos de estúdio no mínimo competentes e relevantes, em intervalos curtos, mesmo com seus membros em idade mais avançada, quando não é fácil fazer turnês, manter a proficiência em seus respectivos instrumentos e – mais importante – a empolgação e a criatividade. Dezenove discos é uma estatística absurda, espetacular. Se são rank B, C, ou se menos álbuns acima são rank S para os leitores e ouvintes, isso é o de menos! Minha didática tem lá seus propósitos. Vou falar um pouco da carreira da banda de forma não-cronológica, citando cada um dos 2 grupos de discos a seu tempo:

Quem pode adivinhar o significado dos sublinhados tracejados da tabela acima? Eles significam sempre a demarcação de intervalos, entre o disco sublinhado e o seguinte, em que a banda atravessou uma fase ou efetuou uma mudança um pouco mais drástica na sua estética. Para todos os propósitos, nesse artigo entenda estética sempre como sinonímia de som, não de roupas ou temas líricos.

A primeira era do Overkill foi de um speed metal (ainda aquém da variedade e distorção de um verdadeiro thrash) muito infundido de punk. Alguns resumem essa mistureba que dá um ar selvagem e urbano a certos grupos através do rótulo street metal. Feel The Fire e Taking Over são o mais próximo de Hirax que você escutará o Overkill tocando. Uma barragem sonora frenética atrás da outra, competindo por cada segundo no CD ou bolachudo, é disso que eu chamaria. A chegada de uma banda ao mercado pede que ela “chegue chegando”, ponha todas as cartas na mesa, suba na mesa, beba a tequila e o conhaque dos inadvertidos convidados da festa, pegue o microfone e faça escândalo – se possível mije na parede depois! Tudo com classe, é claro. Se ninguém ouve muito falar desses dois trabalhos seminais do Overkill, não foi por falta de estilo e de atitude, esteja certo.

Pulando os verdadeiros anos de amadurecimento dos caras, que deixaremos para mais adiante, Horrorscope já vê um grupo que, a despeito da não-fama fora do nicho, vive para fazer música – o que pode até não parecer, mas faz uma diferença e tanto nas escolhas compositivas a partir deste momento de mais estabilidade financeira. A banda sempre teve um tema ou outro voltado para coisas de terror, como em Raising the Dead do primeiro disco, mas resolveu elevar o conceito a protagonista da sonzeira só no quinto trabalho. Horrorscope tem na sua principal composição um riff de Sexta-Feira 13. Continua e aprofunda a parte mais macabra do Years of Decay, mas, ao meu ver, principalmente na produção e na loucura que é o baixo neste lançamento – à propos, nenhuma banda do heavy metal inteiro, salvo os titãs do Black Sabbath, e só direi isso uma vez, tem um baixo tão proeminente e audível nas gravações quanto o Overkill, eis uma de suas marcas distintivas, e que é a favorita de muita gente –, loucura maior do que a média já insana da banda. Ou seja: confirmação de que o grupo toca uma variedade de technical thrash com certos elementos NWOBHM dos mais sacanas e frenéticos, mostrando que o conjunto chegou a um nível genial e elegante de composição sem por isso se desenraizar do punk. O NWOBHM sem o punk não seria nada, não custa lembrar!

I Hear Black é como o Overkill, muito inteligentemente, reagiu à onda grunge que quase pulverizou o thrash metal, transformando a maioria de seus expoentes em groove metal bands, se é que não tirando mesmo qualquer veterano insistente do radar – não com o Overkill, meus caros! Isso sem falar nas novas bandas: nenhuma, apesar da influência óbvia, tocaria igual o Metallica e o Slayer em seus anos seminais. O thrash tinha de súbito virado coisa do passado, era o que se dizia. Nem mesmo Metallica e Slayer tocariam igual o Metallica e o Slayer! Esse era o profundo significado da mudança de estética. Não havia qualquer medida comum entre todas essas bandas citadas nos anos 90 – a pior década para a existência do heavy metal, até aqui – a ponto de conseguirmos fazer comparações simplistas entre elas. O fato é que o Overkill optou por um retorno às origens como lhe cabia: compôs seu material mais derivado de Black Sabbath de que se tem notícia até o momento, tornando-se ao mesmo tempo palatável para qualquer fã de Machine Head e Pantera, porém sem que possamos dizer “virou uma banda de groove com resíduos thrash”. Na verdade é o único exemplo que eu conheço de uma banda ainda essencialmente thrash mas cheia de elementos – bem-implementados, acredite! – de groove e de doom (o que, veremos, não era inédito para a banda mesmo considerando o ano 1993). Em suma, o Overkill conseguiu encorpar seu som sem transformar a própria essência num rip-off de Vulgar Display of Power. Para quem não fosse rumar ao metal extremo nem deixar o som bem mais acessível (hard rock pra baixo, na escala da descomplicação), esse era o único jeito de seguir sua trajetória sem perder de imediato os fãs dos anos 80. As produções do thrash oitentista, os tons das guitarras, quase tudo relacionado aos discos seminais, haviam se tornado ultrapassados num período de tempo tão curto que o que antes era considerado riff pesado virou “linha de guitarra fina e enjoativa”. Como o Overkill não quis virar uma banda de rock’n’roll nem o próximo Cannibal Corpse, resgatou elementos do doom metal antes de ser doom metal e incorporou-os nas suas inconfundíveis canções aceleradas, só que deixando a velocidade menos rápida para dar ao paladar do ouvinte a chance de provar da coisa, saborear, passar a língua, e aí sim consumir direito a guloseima, isto é, a música. Se êxitos extraordinários em processos de adaptação valessem um Oscar, ou pelo menos um Prêmio Darwin, os músicos do Overkill teriam mais o que contar a seus netinhos do que têm hoje! Essa metamorfose, porém, como quase toda a carreira da banda, passou relativamente despercebida pelos olhos do headbanger médio, aquele que só vai em show grande, que ocupa estádios e arenas inteiras.

W.F.O. é a acentuação máxima do ataque dos baixos. Nunca antes uma banda de heavy metal deixou um baixo tão alto (eu sei que esse tipo de frase sempre gera piadinhas) num trabalho de estúdio, a ponto de haver gente que jura que o que ocorreu foi um desastre, uma má produção do disco. Considere apenas uma coisa: não tem como esse efeito não ter sido intencional. Escute e concorde comigo. O baixo é a maior estrela do disco, e é com certeza um exemplo do que chamam na gringa de acquired taste, talvez o caso mais claro na discografia do OK. W.F.O. encerra esta que é a fase mais experimental da banda, depois da rotação ao Black Sabbath de I Hear, e parece mais um Under The Influence, só que com o mesmo peso e “me(n)talidade” (fugindo um pouco do NWOBHM) do Horrorscope.

Em 1996 Killing Kind trouxe novidades na forma de um som sem dúvida mais pesado, mais dependente do groove e menos do metal clássico do Sabbath ou de pinceladas hard rock e derivações do punk. E de novo eu destaco: dependente do subgênero groove, porém com o thrash puxando a carroça. A banda encontrou uma espécie de terreno em que se consolidaria, lançando depois novas variantes e interpretações possíveis de uma mesma estética – mas não digo que o grupo estacionou, atolou ou se confinou neste terreno. É bom mudar; e é bom manter uma identidade. Embora nenhum disco do Overkill pareça ser de outra banda, faz sentido dizer que mudar em excesso a cada novo lançamento também não é um bom caminho, seja para atingir o potencial artístico, seja para simplesmente vender e lucrar. Por alguma felicidade do destino, o Overkill achou o seu jeito anos 90/2000 de fazer metal no Killing Kind, e com o protótipo em mãos só foi afiando a faca e aperfeiçoando o bagulho até o big bang de 2010. From The Underground and Below, Necroshine, Bloodletting, Killbox 13, ReliXIV e Immortalis nada têm de genéricos. Se passo rapidamente por eles, é só por questões de tamanho do texto! Não me deixam mentir canções-grude como Thunderhead, uma das poucas composições clássicas dos anos 90 diante das quais um marmanjo não sentiria vergonha ao cabecear em público. Faço referência ao nü metal, em ascensão meteórica no período 95-2000, talvez até um pouco além: mesmo quando uma banda ou outra tinha uma música boa, os headbangers, murchados, encolhiam os ombros, fingindo não curtir, a não ser em sigilo. Overkill tem um tipo de metal dinâmico tradicional o suficiente para não ser considerado nü metal e, por isso, é uma audição confortável para ouvintes velhos e ortodoxos. Velhos ou… envelhecidos, seria melhor dizer. E, ao mesmo tempo, o Overkill era um dos poucos bastiões do thrash ainda NO thrash capazes de competir com “o som da moda”, de Slipknot, System of a Down e congêneres, justamente por ser um metal mesclando tantas influências e composto de forma tão sem-amarras e inteligente.

Passemos agora ao lado B, digo, ao lado S. Under The Influence representa um grande salto estético para o Overkill. A banda conseguiu juntar seu anterior espírito hiraxiano ao melhor que bandas como Iron Maiden nos começos e Motörhead ou Suicidal Tendencies (“frenesi urbanóide” resume bem a atmosfera, eu diria) poderiam oferecer. Clássico imediato ou instantâneo, como apelidam os críticos. Shred faz o que o título indica: tritura, destrói. Talvez apenas millennials como eu saibam ou se lembrem, mas Shredder, o vilão de Tartarugas Ninja (e estamos, nessa jornada discográfica, em 1989, quando esse seriado estava em alta!) virou Destruidor no Brasil. Parece que nossas primeiras lições de inglês derivam dos desenhos animados… Hello from the Gutter também faz o que o título indica: um cartão de visitas da banda sujo como um Morlock residente do subterrâneo, sem direito a pizza. Os borderline speed metals de Mad Gone World, Brainfade, Drunken Wisdom e End of the Line parecem uma mistura de desabafo pessoal com olimpíadas de mosh pit. Um ditado popular é apropriado pelo punk trevoso na bem-batizada Never Say Never. Head First, que por incrível que pareça não narra um ato sexual, é minha canção predileta do (não vá parar na) U.T.I. Por fim, a banda saca de suas entranhas o terceiro capítulo de sua canção mega-épica (à la Unforgiven), Overkill: Under the Influence. A canção-tema da banda seria encerrada (por enquanto) no quinto episódio, no ainda distante Immortalis, mais uma pista de que os anos 2007-10 representam uma era de significativas mudanças conceituais na carreira dos caras.

Mas é pelo álbum seguinte, The Years of Decay, que o Overkill se tornaria majoritariamente reconhecido. Não há como não dizer que é o Master of Puppets da banda. Não só porque é seu maior sucesso comercial como até sonoramente é impossível negar que MoP foi uma grande influência para as composições. Se parece estranho que o divisor de águas do Metallica, de 1986, tenha repercutido no Overkill só 3 anos depois, havendo ainda o Taking Over e o Under The Influence no meio do caminho, lembre-se que não estamos falando de uma banda comum, maria-vai-com-as-outras! O Overkill não é daqueles grupos que surfam numa onda sem um bom motivo e sem saberem o que estão fazendo. Não se trata de uma ficha que demora a cair, mas do reconhecimento já objetivo e impessoal, distanciado do momento, de que MoP modificou o thrash e a música pesada em geral para todo o sempre. O ritmo deu uma acalmada e o impacto dos riffs ganhou uma bela ênfase. Nem os mais maliciosos poderiam dizer que se trata de um clone tentando aproveitar o vácuo deixado por Master: The Years se assemelha mais a um MoP gravado numa realidade alternativa, com músicas igualmente originais, embora sigam aquele template imortalizado por Hetfield, Ulrich & cia. Não se trata tampouco de dizer que há um melhor e um pior, nos limites deste artigo. O disco “Os anos de decadência” são 56 minutos de puro orgasmo técnico-furioso sem fillers. Quase todas as canções são presença obrigatória em shows do OK: Time to Kill, Elimination, I Hate, Birth of Tension, o tema-título e E.vil N.ever D.ies são o front agressivo por excelência. Pelas beiradas a banda ataca com o que mais chega próximo de uma balada neste disco, Who Tends The Fire. E para quem nem com os petardos acima se dobrou a essa proposta de som, Playing with Spiders/Skullkrusher (10:15 de duração) são (e digo isso porque o título já reconhece que são duas suites ou segmentos numa faixa só) a parte doom do festival de pérolas genuínas; assim como Welcome Home e The Thing that Should Not Be de sua musa inspiradora, este conjunto trovador com certeza não recebeu os aplausos devidos quando exibiu seu lado alternativo ao mundo. Muitos consideram essa faixa o calcanhar-de-aquiles do CD. Nada mais falso. As letras e a performance revolta de Blitz dão aquela pimenta a mais que o autocontido Metallica já tinha ‘castrado’ desde a era Ride the Lightning, para quem gosta de comparações e achou que o autor supostamente covarde deste texto ficaria 100% em cima do muro! Se amor é prosa, este é o sobrenome dos californianos do Metallica; Overkill é puro sexo, digo, poesia, mais direto e sem-vergonha. Espera… Tem algo de errado neste ditado! I Hate é um hino antifa. Só o amor ao ódio aos fascistas pode derrotá-los. O fato de Years of Decay ter vindo depois de …And Justice for All é um sintoma de que o OK também estava entendendo a rápida mutação no subterrâneo, e já tinha a estratégia para mergulhar, de cabeça (Head First!) nos anos 90, o que você viu mais acima. Agora um salto à distância de Maurren Maggi. Já estamos em 2010, ainda ontem!

Na década de 2010 o thrash, considerado morto e enterrado há tempos, entidade assassinada pela ascensão de cometas como Nirvana, Pantera e seus sequazes, e até pelas próprias mutações internas do Metallica, quem capitaneava o movimento em escala primeiro estadunidense, depois global (para ojeriza de um grande contingente!), dentre outros artistas, sofreu um intenso e quase incompreensível revival, e se reestabeleceu na cena, mainstream ou underground (onde, sejamos sinceros, nunca morreu, mas, sim, estagnou um pouquinho em termos de fertilidade e criatividade das composições). Eu poderia afirmar com arrogância que Ironbound (2010) foi uma das forças-motrizes do movimento, porque seria uma hipótese bastante plausível, haja vista o status de cult classic desse disco do Overkill que caiu como uma porrada para quem “entende do assunto”, e justo no comecinho da década. Porém, como é óbvio, tal oportunismo enfraqueceria de forma fatal meu outro argumento, que creio ser o mais fácil de comprovar, o sustentáculo deste artigo, afinal: sendo generalista, os metaleiros não conhecem ou não dão bola para o Overkill (ou seja, não conhecem, porque se conhecessem bem, dariam muita bola!). Então seria contraditório dizer que este álbum ajudou de forma decisiva para o movimento de revivalismo do thrash que vimos no decorrer desta década terminada segundo os calendários, mas que continua pujante durante os anos 2020, quando o assunto é o neo-thrash (a década que não terminou?). Tanto antigos grupos que fundaram a cena nos 80 como bandas de integrantes jovens, como o Evile, recolocaram o thrash na boca e nos ouvidos do “povo”. A onda “renascentista” é fenômeno observável no nosso país, com representantes de ponta como o Violator, da minha querida cidade natal.

Como descrever, portanto, o Ironbound, agora que conhecemos o contexto? Certamente a Zeitgeist afetou o Overkill. De outra forma não poderíamos explicar como raios um álbum como este veio surgir precisamente nessa época! Ainda hoje este é considerado um petardo extemporâneo, um clássico do nível dos estabelecedores do gênero nascido na “época errada”. Mesmo quem torcia o nariz para o estilo mais groovado do Overkill antes desse lançamento engoliu em seco e deu o braço a torcer: acabou por enaltecer o disco sem economia verbal.

The Goal is Your Soul  (4:37) tem o mesmo riff animal de pelo menos 3 canções clássicas do thrash de 3 das 4 bandas do aclamado “Big Four” californiano: Metallica (Phantom Lord), Megadeth (This Was My Life) e Anthrax (A Skeleton in The Closet).

Devo insistir, todavia, que o Overkill não é uma banda pura – ela é herege. Herege e… tradicionalista: jamais nega suas raízes, jamais se transforma completamente. Seu thrash, mesmo após a onda revivalista, continua sempre groovado, com algo a mais. Thrash metal é algo, a rigor, histórico e pitoresco, jamais repetível. Neo-thrash? Ressurreição?! Nós é que, tão perto da história cultural se realizando, não sabemos expressar com palavras esse fenômeno, e temos que recorrer a velhos vocábulos e formalismos classificatórios…

Dois anos depois, Electric Age, o álbum sucedâneo, já estava na praça. Ele, como também depois o White Devil Armory e o Grinding Wheel fariam, reaproveitou o template mas, na minha opinião, melhorando-o, por sua vez.

Wings of War é uma estória um pouco diferente, e por isso coloquei uma linha tracejada entre GW e WW. Em canções do último full-length da banda até a data deste artigo, como Welcome to the Garden State, Blitz se aproxima de Ozzy Osbourne na voz. É como ouvir, por alguns minutos, o clássico vocalista do Black Sabbath seguindo em sua carreira-solo, só que com uma banda instrumental ainda mais qualificada, isso quando sabemos que O.O. tem uma das trajetórias – mesmo depois da separação do BS, e antes das várias reunions ocorridas com os velhos amigos Butler e Iommi – mais dignas e respeitadas do hard rock/heavy metal. Como Blitz continua alcançando as mesmas notas nos graves e agudos que o celebrizaram como grande cantor nas canções mais “feijão-com-arroz” do disco, essa é assumidamente uma opção artística. Uma ampliação do cartel de proezas do frontman. Sem falar que Hole in my Soul, outra das faixas, parece mesmo título de música do Sabbath setentista! Se estas mutações demarcam o início de uma tendência a ser desenvolvida e completada ou são só um desvio episódico na carreira da banda, é cedo demais para afirmar. O que eu sei é que é o trabalho o mais genial que o Overkill já ofereceu composicionalmente. É sempre difícil afirmar de boca cheia algo dessa magnitude, sobretudo na época em que um lançamento ainda está quente no mercado. Mas já se passaram 3 anos, e escutei muito o Wings of War, sem que minha empolgação em relação a ele tenha minguado! Se a primeira hipótese se confirmar, mesmo sem precisar, os veteraníssimos do OK parecem ter achado “outro novo rumo”… Aquela fórmula do “em time que está ganhando não se mexe” com certeza não se aplica a músicos experientes, que sabem mudar para melhor mesmo quando, se fossem uma equipe esportiva, estão nitidamente liderando o campeonato que disputam!

PALAVRAS FINAIS

Vivemos uma nova era de ouro do estilo em que se convencionou classificar o Overkill. Vivemos, na minha opinião, além disso, o grande ápice desta banda em particular. São músicos que, em anos de carreira, superam em muito minha idade. Os membros do OK são, portanto, indivíduos avizinhando-se do que costumávamos chamar até outro dia de “terceira idade”. Os tempos mudam, dizem: a longevidade das pessoas aumenta, e com isso a duração de sua atividade em seus ofícios ou profissões. Só que não deixa, por isso, de ser uma ocorrência espantosa. Menos pelo lado físico da coisa, já que os profissionais de hoje tomam cuidado como nunca, desconstruindo esse estereótipo cretino do roqueiro que é sempre um drogado que morre jovem. Falo mais do lado essencialmente artístico: medicina e hábitos saudáveis aparte, que estes “senhores” (tem que ter respeito!), há décadas no ramo da música, continuem criando em altíssimo nível, ou seja, sigam com a alma jovem e queimando intensamente, isso sim eu considero sem precedentes e verdadeiramente assustador e admirável, toda vez que paro e penso em sua comprida trajetória. São artistas que há bastante tempo se provaram e não devem nada a ninguém. Cabe lembrar que, ao contrário da literatura, por exemplo, o auge dos artistas no campo musical se dá, historicamente, muito mais cedo. Ressalva: dá-se ou dava-se: pois é, os tempos mudam; e talvez estejamos diante de uma subversão de dados sociológicos das grandes, acompanhando tudo ao vivo!

Sagrado Inferno, Devorador de Almas (2019)

Esta banda mineira também explorou o riff mais conhecido do thrash metal, o de The Goal is Your Soul, alongando-o e distorcendo-o um pouquinho, a bem da verdade – a conferir abaixo para quem tem Spotify (segundos 1:45 a 2:35; e de novo depois de 3:20):

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