[ARQUIVO] “EXISTENCIALISMO AOS 7” – AS ABELHAS, OS HOMENS E A ESPINHA METAFÍSICA

Publicado originalmente em 20 de outubro de 2009. Revisado.

Hoje minha mãe me apresentou uma pequena reflexão minha – de quando eu nem sabia o que era reflexão, e leria a palavra sexo como se lê “seixo” – na altura da 1ª série, sobre a vida. Apresentar-me é bem o termo, já que a gente se esquece com facilidade. Talvez tenha sido o passo inicial desta minha verve literária; impossível saber, mas é o que a arqueologia nos permite resgatar. Dizia mais ou menos assim: “Vida – Eu tenho 7 anos, meu irmão mais velho tem 14 anos, uns são mais novos, outros mais velhos, e assim a vida vai… A mulher mais velha tem 124 anos, a criança quando sai da barriga da mãe é a pessoa mais nova e tem 1 segundo”. Deve ser a segunda vez em período recente que minha mãe remexe em suas caixas repletas de recordações e vem me mostrar – como eu disse, a gente esquece, até as coisas de ontem –, não só esse tipo de protofilosofia como cartõezinhos de dia das mães e meus dentes-de-leite…

Não parece estranho que nossa vida comece aos 7? O que é o primeiro segundo? Talvez condiga em importância com os seis primeiros anos inteiros, a infância clássica. Que ela deve haver, disso não há dúvida. Que hoje reproduzimos aqueles sonhos, ou melhor, rememoramos o grande sonho, ainda mais certo. Os anos de jardim de infância são inconscientes. O pediatra moderno é um fraco. A força da criança reside na impossibilidade de abraçá-la no humano – ela é tão autêntica como um inseto. Azar dos homens, que hoje são menos do que insetos… Uma mosca ou uma abelha, por mais filosóficas que sejam, não possuem uma morte impactante. Seu pathos voador passa fulminante. Um cisco de poder que facilmente perde a autonomia. Uma palma da mão enfezada transforma uma perspectiva no zero, puro tecido em decomposição, nada de drama em câmera lenta. Considerar a infância sagrada é já um sinal… O bom velho é o menino…

A dor ou o prazer, seu antípoda o anestésico, nada representam para o precoce. O importante é seu reflexo no consciente mais tarde. O trauma torna-se desumano e criminoso quando a história do indivíduo realmente começa e ele toma suas escolhas baseado naquilo que ele nunca foi, a fim de ser o que é agora! O inconsciente. O inconsciente e a abelha verde. Esses foram meus principais amigos dos meus anos pré-existenciais. Talvez fossem as duas únicas entidades conhecidas! Todas as vezes que ia brincar no parquinho da escola, perto da gangorra ou do carrossel, ou da amarelinha pintada no chão, eu via uma abelha verde. Ela batia as asas como um beija-flor, deixava um rastro para meu olho incompetente adivinhar o que seria. Um bicho que nunca se cansa; e as abelhas verdes estão sempre no mesmo lugar. Aqui em Brasília posso encontrar diversas delas. Todas as vezes cruzo com uma, na ida e na volta, desde que faço o caminho para a Universidade. Retorno. Àquele tempo eu sabia – premeditava com bastante frieza – que chegaria o dia (utópico?) em que essa abelha seria o tema de um texto. Quem sabe não é a mesma abelha? Qual é a magnânima resistência de um ser vivo desses? Se a persistência com que se sustém no ar for a mesma com que enfrenta cada primavera… Ah, claro: primavera, época de flores (embora as estações não sejam bem-definidas no Cerrado), ela aparece bem mais. Parece que, para uma abelha, 50 dias são 50 anos. Elas começam a viver no 7º dia também? Não, a abelha não se perde como o homem…

Na nossa Odisséia, o significativo é a volta. A guerra o tornou herói, mas parece que não foi você. Está na hora de protagonizar de fato o roteiro. Hoje tenho o triplo daquela idade (1995-2009). [Hoje, que retranscrevo minhas palavras de 2009, o quíntuplo da idade!] O quanto o número 14 é emblemático para mim? [Intervalo 2009-2023] O quanto eu desejaria viver 1[2]4 anos? A escola parece eterna. A substância cotidiana permanece intacta. Imaculada rotina, transfigurada em novo linguajar. Consciente. Dolorosa. Mas sensível. Sempre pensei no meu inconsciente como um deus caprichoso. Direitos Humanos se preocupando com a saúde divina, quanta perda de tempo! Não é que não se deva mexer com crianças porque elas são sagradas; tabus mundanos… O sagrado é imexível, os costumes só existem para ser quebrados. Invertendo o axioma, elas são sagradas, daí que não seja possível a mediação humana. Atena não poderia ser prejudicada por Ulisses. Tolices!

A jogatina de dados de Deus deu no que deu(s)! Mortes inconscientes são não-mortes. 0 a 5 anos, latência. Esquecimento, imprescindível ferramenta. O fundamento do mundo é coisa para ficar debaixo do tapete. Aí inventarão as câmeras; e monitorarão todos os passos. Aí partirão numa máquina do tempo, só para testemunhar o 1º momento. Que revelação, voltar e pisar… na mesma sala! A vida é a máquina do tempo… Você foi primeiro, antes disso foi só o que seu consciente ainda não conscientizou e vai pegar de empréstimo – só para ter o gosto sem-fim de esquecer.

Abelhas não saem na chuva. A chuva dissipa os pensamentos. Sol sim; trovão não (o cachorro late ao raio – sabedoria ancestral?). Tenho a soberana impressão de que os céus são a extensão do meu estômago. Lubrificação aquosa. Palavras são águas… amanhã… Uma idéia que escapa é só uma idéia que ainda não estava pronta… O mais importante é a trama. Homo somnambuli? Non sapiens? A trama acaba como a teia de uma aranha de um recinto reaberto e devidamente higienizado…

Assinado,

A Mosca Filosófica

Deixe um comentário

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Saiba como seus dados em comentários são processados.

Descubra mais sobre Seclusão Anagógica

Assine agora mesmo para continuar lendo e ter acesso ao arquivo completo.

Continue lendo