[ARQUIVO] ONE-DIMENSIONAL MAN: Estudos em Ideologia da Sociedade Industrial Avançada, 1964. – Herbert Marcuse

Originalmente publicado em 12 de fevereiro de 2010.

INTRODUÇÃO: A Paralisia da Crítica

Até mesmo a análise mais empírica das alternativas históricas parece especulação irreal, e a adesão a ela uma questão de preferência pessoal (ou grupal).”

  1. AS NOVAS FORMAS DE CONTROLE

Impressões: texto charmoso, períodos curtos e um conhecimento extraordinário: um pastiche de tudo que eu mesmo sei. Não sei se é meu estado de espírito de momento, mas estou rindo das definições do nosso querido Ocidente totalitário.

Como toda a teoria exposta já é minha conhecida (eu diria que é uma arte trezentos sujeitos dizerem a mesma coisa de formas diferentes), vou anotar minhas sensações:

Eu costumo viciar no texto e orientar meu dia por ele – enquanto leio e enquanto a experiência é recente, torturo-me com a perspectiva de “esquecê-lo” e ficar idiota, no que já percebo um auto-deboche, pois não sou eu exatamente, mas o inexorável quadro de humores e superficialidades a que logo somos dragados. E veja: durante o dia 18 conversarei alegremente sobre este livro – hoje, na madrugada do dia 17, eu ainda penso: jamais falarei uma palavra, é “inútil”. Como se minha necessidade fisiológica não estivesse acima dos parâmetros funcionais.

Talvez – talvez – eu esteja ficando maluco e a única medicação que posso tomar é: dosar as leituras em cronogramas diários mais fixos que aqueles que vinha tomando (foda-se O AMANHÃ, pensemos apenas em termos de saúde mental), e bem mais modestos. No máximo 2 capítulos por dia em horário sem sol se o teor deles for tão pesado quanto o deste 1(+INTRO). Logo, para que eu não me sinta mal por estar sendo lerdo ou aquém do que deveria ser na bosta da universidade, me autorizo aqui, expressamente, a demorar… O engraçado é que eu vicio nessa coisa maldita, não consigo passar o dia sem ler. Mas… toda vez que me sentir culpado: “EU NÃO PRECISO MAIS LER NADA NO MUNDO SE NÃO QUISER!”.

  1. O FECHAMENTO DO UNIVERSO POLÍTICO

(…)

  1. A CONQUISTA DA CONSCIÊNCIA INFELIZ: DESSUBLIMAÇÃO REPRESSIVA

Eros e Civilização é considerado a continuação desta obra.

DES-sub… não é perda da OPORTUNIDADE de sublimar, mas é esvaziar o sentido da ação sublimante, quer seja: o onanismo não é mais “proibido”, então como pode constituir alívio quando executado? Banal. Ora, isso (essa liberalização, tolerância) indica a marcha rumo à condição trágica. Sexo como não-vergonha. O sujeito se revoltará menos à medida que a sociedade dá mais vazão a seu inconsciente.

  1. O FECHAMENTO DO UNIVERSO DA LOCUÇÃO

(…)

  1. PENSAMENTO NEGATIVO: A DERROTADA LÓGICA DO PROTESTO

(…)

  1. DO PENSAMENTO NEGATIVO PARA O POSITIVO: RACIONALIDADE TECNOLÓGICA E A LÓGICA DA DOMINAÇÃO

(…)

  1. A VITÓRIA DO PENSAMENTO POSITIVO: FILOSOFIA UNIDIMENSIONAL

Para uma história do positivismo: Saint-Simon, Comte e Fourier.

Wittgenstein: como NÃO filosofar com o martelo.

A limitação da filosofia à descrição degustativa do abacaxi (analítica): não é um problema fundamental, como de onde vem a fruta ou o que se faz para comprá-la, quem dirá “o que é o ser?”.

essa aceitação radical do empírico viola o empírico”

Sim, pode-se falar e pensar daquilo e naquilo que não é”

  1. O COMPROMISSO HISTÓRICO DA FILOSOFIA

(…)

  1. CATÁSTROFE DA LIBERTAÇÃO

(…)

  1. CONCLUSÃO

A verdadeira fisionomia de nossa época se mostra nas novelas de Samuel Beckett”

O protesto social não só não é eficaz como é prejudicial, por iludir a massa de sua eficácia pontual – omitindo a conversão do povo, outrora força revolucionária, em força de coesão.

[ARQUIVO] TURNING POINT PARTE II

Originalmente publicado em 8 de fevereiro de 2010.

Me sinto potente para recomeçar! Demorou para me sentir assim – de novo… A novela da sucessão de erros culminando no ulterior sublime se re-representa… Uma pulsão, momentos e novos planos, ilusórios e hipotéticos, eu sei, mas jogados aqui, encenados aqui, encarnados neste frigorífico aqui! Energia bela e forte o suficiente para justificar e apagar… A borracha da primeira vez tinha sido aniquilada pelo ferro-velho sentimental da segunda onda de rancor. Quando eu fechei aquela ferida horrenda… ou melhor, quando a competente médica a suturou… esqueci-me da injustiça do pior ano da minha vida, me redimi e me considerei merecedor e renovado.

Então essa mesma criatura arrancou os pontos, e se fosse na barriga eu diria: as tripas pularam todas para fora! Só que o ferido de guerra nunca sabe que o último inimigo de pé e as caixas de primeiros socorros estão tão próximos! Cada brisa, cada baque, cada comando conspira a favor – CUIDADOS CHEGARÃO A TEMPO! Quando já se tornava contraproducente ao soldado lembrar a remoer seus tempos abortados de quartel – é como se antes o peso da lista de preocupações tivesse de dobrar, porque o espírito queria recordar todas as dores juntas… e aí as características da reconfortante amnésia das chagas foram dando seus sinais, um a um. Já não tenho que responder pelo que foi quase hoje! Já estou esquecendo, me despedindo de, o que me levou a essa reincidente paragem. É verdade que febres – e textos (e letras ruins!) – fecham ciclos? Na Fortaleza eu quis queimar etapas mas eu ERGUI mais etapas…

Mão amiga, logo ali, porque aprendi a confiar; até naqueles sobre quem deveríamos permanecer mais céticos! A espuma, o ciclone, vai passar? Preciso de um terceiro olho, me deslocar! O horizonte é belo, rumo à próxima ilha. Desencane, dessa vez não serei enganado… com noções de paraíso. A vida é como um rio. Eu me rio.

Estou um caco, que devo fazer? Insista! Há coisas que não são como copos d’água, que é o que menos vicia: apenas mais para cativar, para se domar! Estou procurando essa mulher nada aquosa: aquela que dá por si só a sede!

[ARQUIVO] WHEELS OF CONFUSION

Originalmente publicado em 29 de janeiro de 2010.

Escrever reviews foi minha forma de “burlar” o calendário e a agenda de uma pessoa crescida? Foi uma fuga covarde das responsabilidades e necessidades de novidades? Ou eu apenas vivi bem? A imaturidade para trabalhar é um resquício da vontade de jamais ser, vir a ser, outra coisa? Muito apegado, até aos romances do passado? Tentando cavar sempre alguma coisa insólita? Mas eis que a quebra de um ciclo talvez seja o principal fato gerador da minha persona: até ali eu não era nada; eu era só mais um. Então fui chacoalhado e deixado abandonado. Descobri um cobertor, me enrolei e fui me aquecendo aos poucos. Então, saltei de pára-quedas como um louco… Me esborrachei e acho que o hospital não funcionou muito bem comigo… Mas dois grandes giros depois, aqui estou eu, tatu renovado. Somos ruminantes num vaivém excitante de 4… anos? Eu até acho que essa nova empreitada – e a cada uma eu pareço querer armar escândalo – pode resultar na minha morte! Antes de conhecer muita coisa, mas também “já vai tarde”! Melhor a rotina a qualquer custo, mesmo a um negro custo? Mas aqui estou eu e por ora – e talvez para sempre – este é o único juízo comprovável.

Ei! Não é um mistério perceber depois de tudo que a vida é só um jogo? Que não precisava dar reset, ou que tanto faz, desde que não toque no “desliga”? Talvez haja um defeito de fabricação, ou este novo console acolchoado já não se preocupa com esse layout ultrapassado? E que graça tem vencer?

Was it illusion?

[ARQUIVO] O POODLE PRETO DE HANA, A RAIVA DOS AMIGOS

Originalmente publicado em 4 de fevereiro de 2009.

Eu matava Max Cavalera com um tiro no meio de um show – continuava no local e horas depois conseguiam me identificar na gravação da câmera de segurança. Acho que não era linchado só porque a representação terminava antes disso!

Não me lembro de sentir tanto remorso por uma coisa em toda minha vida real. Só conseguia pensar: “minha sede de sangue destruiu meu futuro” (curiosamente, o segundo sonho que vou contar não está destacado deste, pois eu tenho lembranças de estar no mesmo local acompanhando mais shows até que tarde da noite ia embora para casa a pé e…).

…Hana me dava sua mão. Não nos víamos há meses. Ela tinha um cão do tamanho de uma van que babava um copo d’água nosso a cada gota de si. Uma coisa enorme que manipulava a dona como um doce brinquedo – tal qual o frango do Ralph, um outro cão que conheço. Parecia brincalhão, manso. A dado ponto Hana não estava mais a meu lado, mas eu cuidava de sua cadelinha preta (um segundo cão). Passava por um quintal repleto de cães raivosos e dois nanicos começavam a persegui-la. Eu estava lá pela 707 norte, naquelas ruelas entre residências baratas e comércios… Acabava matando a dupla de tanto espreme-los nas mãos, mas por engano também assassinava aquela que queria proteger.

Não consegui salvar a amizade…

[ARQUIVO] GÊNIO PRECOCE? GENEALOGIA DE UM MAL, VISLUMBRE DA CURA.

Original – e PROFETICAMENTE – publicado em 14 de outubro de 2006! Com trechos censurados, por motivos óbvios.

Sou Rafael e Araújo Aguiar, 18 anos, cursando jornalismo (2º semestre, turno noturno) pelo UniCEUB-DF. Estou no projeto Abrigo Polar¹ por intermédio de B., o qual conheci por M., antigo vizinho e estudante do Colégio Militar de Brasília, onde estive detido por quatro anos e meio.

¹ (P.S. 2024) Era um blog com mais três pessoas, nenhuma delas do curso de jornalismo.

Como bicho solto, vejo o mundo de uma forma ainda pior e mais ácida. Minha cefaléia deve decorrer das relações invariavelmente atritantes com pessoas de intelecto inferior (porém, em oposição à capacidade cerebral, insinuantes demais), que proliferam no meio em que me encontro.

Sempre tive uma rotina de postar em blogs, de traduzir matérias do inglês, de divulga-las entre amigos, no MSN Messenger e mais recentemente no Orkut, além do finado IRC, é claro. Às vezes me cansa ser tão atarefado. Mas pela primeira vez em muito tempo pareço sentir aquela lesão por esforço repetitivo nos meus dedos ao digitar este excerto, e uma fadiga muscular generalizada. (…)

Sinteticamente, eu não sei quando farei meu regresso com matérias palatáveis. Meu estado físico-mental é muito mais lastimável do que a descrição permite imaginar. Não tenho certeza do meu futuro como jornalista, muito embora esteja virtualmente certo de que vá me formar. O curso em si me agrada, não obstante os estágios nas redações me dêem calafrios. Todos são deveras burros, seu eufemismos: burros. Talvez seja coisa de jornalista esportivo. Talvez seja coisa de jornaleco da capital. Não gosto de apurar matérias na rua ou falar ao telefone. Gosto de “googlar”. (…) até ter um espaço de livre emissão de opinião um profissional do ramo sofre muitas perdas, para as quais não me julgo preparado. Ou, se assim me julgo, meu sistema nervoso me faria ser demitido antes do tempo.

Recentemente briguei com o staff do horariodebrasilia.com e larguei o “projeto” (“pôjéto do pôfêxô”, como diria Vanderlei Luxemburgo). Veja que o Abrigo Polar é PROJETO, sem aspas.¹ É que no HdB são todos muito burros. Sem exceção. Nem hipérboles. Não são “iniciantes”, “caras com falhas”. São arrogantes, prepotentes, cínicos, despreparados gramatical e intelectualmente, e se julgam no direito de oprimir – os mais fortes –, quanta petulância! Não têm coisas produtivas a dizer, e tudo que explicitam o fazem de modo incrivelmente abestado. Abestado, um adjetivo bem nordestino; gosto de remontar a minhas origens (…) Eles mudavam meus textos, depois de enviados, sem que me avisassem dessas insidiosas alterações. “Manipulação do repórter.” Ah, se eu não tivesse olhos de águia (envoltos por lentes de 7 graus e meio de miopia)…

¹ (P.S. 2024) Embora tenha durado tanto quanto as calotas polares estão destinadas a durar frente às protelações na redução da emissão de CO2 pelos países ricos, dentre outras medidas.

Eu vou dar a volta por cima. Eu vou colocar todos os burros em seus devidos lugares. Eu juro. Nem que seja como professor de sociologia, distribuindo conceitos II e MI. Nem que seja como funcionário público que trabalha pouco, ganha bem e dedica seu tempo ao ócio cibernético. Como jornalista minhas chances serão menores, sem embargo permitam-me assim denominar-me ao menos pelos próximos 4 anos.

Eu grito com as pessoas quando não gosto. Alto. Se é pela internet, dizem que é ainda pior – e eu não uso microfone.

Sou Rafael de Araújo Aguiar do Abrigo Polar. Em meu iglu vou aguardar, até a dor de cabeça passar.

[ARQUIVO] DIÁRIO DE UMA VIAGEM A FORTALEZA

Originalmente publicado em 10 de janeiro de 2010. Escrito entre 30 de janeiro e 1º de fevereiro de 2008.

30/01/2008

Talvez também sob influência de meu pessimismo contumaz, das minhas mais recentes leituras (num prazo de dois anos) e do desprezo que sinto por interlocutores de pensamento vil é que apresento este fragmento. É necessário deixar claro que o “interlocutor vil” em questão é um magnata cearense de nome Pelé, sem embargo, não conservo a mínima vergonha de meus antecedentes familiares (ele vem a ser meu tio-primo), resquício algum de racismo regional (vulgo xenofobia) ou aversão por cidadãos financeiramente afortunados. O que não tolero é a incapacidade dos ricos em complementar sua educação socratizando-se um pouco que seja – para ser mais atual-televisivo: vestindo as sandálias da humildade. Tampouco apresento, então, a essa altura, qualquer desprezo pela nomenclatura do maior atleta da História deste universo! É só um codinome, e ter chegado a ele tem lá seu método… Seu erro, meu algoz, foi ter aberto a boca demais! Isso e apenas isso…

Eu, tão lento para apreender opiniões concisas acerca de terceiros, descrevê-lo-ia como um sujeito de mediano para bom no entender político, no que dependesse de nosso primeiro encontro. Mas, de segunda, afirmo: és um parvo, um paspalho! Das coisas da vida, da essência invisível, do mundinho paralelo, do faz-de-conta de que I. falou tu nada entendes! Como aquele povaréu de Tianguá, só há uma coisa que mova sua vida: o dinheiro. É inútil encobrir teus anseios com esta capa, homúnculo! Para essas futilidades se é sempre competente, se desejável. De resto você não passa de um velhaco com alma de menino – não, nada de “puro”… Apenas parece distante do olhar filosófico e próximo demais do seu útero-sol, padece de um complexo de Édipo mal-resolvido. Por tabela, é um amoral inconsciente. E não são estas bestas (ou burros de carga) da igreja os mais perigosos? A filha, N., não pode julgá-lo porque não o conhece. Olha para cima ao divisá-lo – aliás, como toda e qualquer Electra. Eu não sofro desse problema, incontornável na terra (não-física) do cabresto, onde ser de elite não significa muito, no meu mundo de (não-)valores.

Sua infantil presunção de que, assim se julga e não esconde nem por um minuto à mesa, se trata de um homem culto quase me comove. Porque homens cultos não podem afirmar a juventude como único período de erro. Sua concepção assoberbada da vida, neste ponto, só já não me assustava pelas prévias revelações de seu caráter fascista.

No momento troco poucas frases com meu tio – menos pretensioso e de raciocínio mais ligeiro que o de Pelé, o pseudo-mecenas da família Ferreira. Mas tais balbuciações já se afiguram como material suficiente, meu caro “Maluco Beleza das Metamorfoses Ambulantes”, para tecer o único elogio à pessoa aqui em evidência: seu correr na praia – ou caminhada, já que é um frágil, mesmo – é meu escrever. Sim, que falta me faz descascá-lo, debulhá-lo nestas folhas como insípido feijão que vem a ser! Enquanto isso (já não sei mais se falo dele ou para você – de você ou para ele; com você ou 2ª pessoa, com tu ou a terceira), nosso nobre magnata precisa de seu retiro existencial bi-semanal. Pode me enganar, vou fingir que no pacote não está inclusa aquela masturbadela na água quentinha do nascer do sol – coisas bem-aceitas para um cara casado que enfrenta a crise da meia-idade.

Mas o papo, comigo, raras vezes esteve ou foi tão prosaico. Parece (ou mais do que parece) que peguei uma raiva excessiva do sujeito. É que realmente usar Darwin para a raça humana é chumbo grosso… E um indivíduo, ou menos, ente, que se auto-define como conhecer e interessado em buscar mais conhecimento, tolerante, bom ouvinte, reflexivo, sempre aberto a novas quebras de paradigmas (e que não sabe por certo o que representa um sintagma, p.ex.), não pode ter 10% do utilitarismo neo-yuppie (ops, embaralhei dois nomes) apresentado na pior festa que freqüentei desde que boêmio sou (o churrasco do enterro e da fossa). Se foi uma ocasião ruim é por dois (e entrelaçados) motivos: não bebi o suficiente e você (de novo minha mistura pronominal, já não dou um dedo mínimo) estava presente. (Mesmo Dostoievsky mistura pessoas na conjugação.)

O que depõe a meu favor neste cenário de aparente sordidez é que, se não bebi e não usufruí dos dotes das convidadas como mais desejaria (além dos regalos alimentícios), ao menos posso lembrar de cada ato falho seu (do Pelé!) sem a mínima distorção. O caro colega, deixe-me ver, acredita no bem e no mal. Nunca ouvira falar de Nietzsche. E nem que o Raul é um dos brasileiros mais escutados e idolatrados fora de palco de todos os últimos 400 anos. O que pode ser mais ridículo que um homem que acredita no diploma universitário como sinônimo de credibilidade irrefutável? Nem Descartes e Kant juntos!

31/01/08

(fim do 1º mês de um ano de até agora agonia gástrica)

Sabe o que é bastante interessante também?”

O quê?

Que em virtude de meu atual patamar…”

Vá às favas, com todo o respeito que seu ar grisalho merece mas que as ligações neurais comprometem!

Eu sob a mais crônica das diarréias certamente tenho, ainda, um pensamento mais ajustado e coerente que o seu! [Neste ponto decidi-me pelo emprego definitivo da interpelação direta, num misto de falta de vontade de escrever “fascista” a cada duas linhas e de excesso de disposição de fantasiar uma repulsa à la genro-sogro – explicando melhor: gosto da alternativa impossível em que sou um desafiante jovem, apontando o dedo de maneira não-acovardada para a cara do tolo pai de uma princesinha metida a roqueira… Em termos mais breves: meus devaneios com o corpo, o sorriso, a ginga e a burrice da distante prima N. — infelizmente distante em vários sentidos – parecem tornar Pelé alguém mais custoso de engolir, até porque a filha já é comida o suficiente]

01/02/08

Torcendo para escapar do Inferno…

#offtopic MEGADETH et al. (A luz no fim do túnel)

(comentando execuções aleatórias no meu MP3 player.)

  1. Train of Consequences

A estória de um assaltante de trem cargueiro e a moral por trás de seus atos me convocam novamente a uma série de questionamentos de natureza recente: o bem, o mal, os subjugados a eles e os acima dos valores. Minha opinião não é escutada por ninguém que não eu mesmo. A teoria dos grupos de influência não precisa ser lembrada aqui porque considero as pessoas suficientemente autônomas para escolherem seus veículos de comunicação, interlocutores e ações por si próprias. Eu sou apenas mais um canal, uma fonte informativa, integrante de um todo mais complexo ou descartável.

Figuras como Deus são ambíguas, duais. E representações como o diabo ou o ladrão são consideradas “puras” no sentido da essência. Mas hoje ouço falar tão pouco no diabo! Ninguém razoável e com mais de 6 anos realmente acredita em uma forma de vida (ou de morte) parecida, pois já incorporou as lições fundamentais do processo de socialização: o mal está no homem, que ejeta os direitos humanos não por outro motivo que a necessidade de controlar seus sórdidos e irrefreáveis (doutro modo) impulsos.

Fazer o certo e fazer o errado. Ser sacana e ter peso na consciência. Receber o castigo merecido. Essas discussões estão enredadas ao passado. Na situação da sociedade dos jogos ou niilista o único valor de si é aquele percebido por si mesmo, imortalizado em alguma imagem auto-louvável. O ladrão de cargas dilapida todas as vidas dos passageiros e trabalhadores do trem ao pilhar seus pertences. Conquanto não se é um deles, seus atos variam da aprovação à indiferença, em cujo trajeto mora a inveja. Às vezes penso como a vida do roubo é fácil: um sujeito se apropriou do meu televisor e do meu micro sem executar nenhuma transação financeira. Usou da violência, da imprevisibilidade física. Mas o complicado é cogitar-se pondo em prática esse “fácil”. Por que eles podem e eu não posso? Questões de berço (não literalmente, mas de uma ótica fatalista – há os furtadores provenientes de berços de ouro maciço).

  1. Killing Yourself to Live (Black Sabbath)

O ano deve ser um dos da irreversível crise do welfare state. “This is not the way the world was meant” e “Take a look around, what do you see? Pain, suffering and misery”. Além, claro, do título da música. Um ambiente de insegurança suportável graças às benesses teatrais da liquidez do dinheiro. Só o que almejo é o mesmo lar doce lar alheio, e com menos papel-moeda. O montante suficiente, que seja.

A onda de violência obriga o indivíduo a desconfiar de todos e se ver seguro – se possível – apenas dentro de seus próprios portões, ou jaula, a dita propriedade privada, capaz de resguardar até certo ponto todos os outros, tudo que já perdeu sua liquidez e não é mais pertencente a nada nem ninguém. Nem ao capital estrangeiro.

  1. Gears of War

Se a cultura não fosse a simples negação da natureza e respeitasse mais os princípios de sua Mãe o ser humano, além de cagar novas vidas e impor-lhes o ônus do trabalho, não fabricaria um arsenal nuclear, terminando, com tal atitude, por mais desestabilizar que “ajudar” (não precisa ser ajudada) sua biosfera. Uma mente tão corrupta olha a Terra com bons olhos só enquanto não coleciona as prometidas colônias espaciais que permitirão nossa continuidade. Vã continuidade. Viagem modorrenta. Muito curioso esse desenvolvimento, no sentido cíclico mesmo. Nada de linhas retas ascendentes. As marchas da guerra [ou equipamentos, armas] não pensam na preservação da espécie. Não há a menor garantia de que uma hora a rachadura não abra de vez. É um empreendimento de incomensurável risco, bem ao gosto do modo de produção ocidental e… está caduco dizer ocidental. No passado foram os muçulmanos, depois os soviéticos, japoneses… Agora qualquer olhos-puxados. O mundo. A família acabou. O Eu a engoliu juntamente com tudo. Os co(o)rporativistas ainda carregam aqueles livros debaixo do braço, mas, tal qual qualquer imbecil adaptado ou jogado de lado, só aguardam uma brecha para aparecer. Cada um com sua colossal melancia, preocupados que estão todos em se mostrar. Saldo final: não há um singular juiz. Os tecnicistas criaram um monstro que pode reduzir toda a filosofia ao nada instantaneamente… É… venceram!

* * *

Esses boletins sonoros estão me agradando e podem “intervir” na programação futura (Filosofia – Chauí).¹ Terei cerca de cem possibilidades extras…

¹ Este foi um presente de um primo distante do meu pai pelo qual sou muito grato, especialmente dado meu momento desarticulado em terras estranhas e possuído pelas terríveis marcas da saudade (do quê é que não sei, mas tenho certeza que é a parte de maior desamparo no anthropological blues). Neste preciso momento o amigo atencioso está em seus últimos minutos de praia e já vai retornar a seu meio. Eu não. Acrescento que, para saldar honrosamente meu débito, devo reler esses fragmentos ao chegar em casa e cumprir com o combinado: enviar-lhe por e-mail as ementas solicitadas da área de sociologia da UnB. a Mesmo que seu presente – e o meu futuro – não lhe – me – tenha custado nada, considero a necessidade dessa troca para a continuidade sem turbulências do cotidiano; afinal, humanos, culturalmente, vivem se devendo favores.

a Aposto que me esqueci disso!

Uma de minhas maiores vontades momentâneas é tomar uma cerveja gelada, não obstante meu sistema digestório-excretor precisar de um tempo até se restabelecer. Consolar-me-ei em pensar – e só pensar – no dia em que serei auto-sustentável e terei um novo lar – ainda que eu esteja pensando no aluguel: enquanto se pagar em dia, é todo seu. A independência… Uma cerveja gelada é um pedaço disso, por isso a quero tanto. Porém, conforme venho tentando me ensinar ultimamente, em lembretes mentais esporádicos, vive-se um dia de cada vez e, exilado, é-se plenamente impotente, o inverso de plenipotente. Um exílio implica em um outro exílio ao fim do primeiro, pois a terra natal terá mudado, eu mesmo terei, e será necessária uma readaptação ao local e aos afazeres de origem. E em verdade desconheço se poderei fazê-los todos, esses afazeres. Depende muito das circunstâncias. Ainda assim, ainda se puder, teimosamente deles prorrogarei minha licença, em prol de um só: as leituras atrasadas, que só parecem se agigantar enquanto os prazos encolhem e se tornam onerosos. Pelo menos já me livrei da autofobia e, no horizonte, nem o amor eu vejo. Agora bastam as músicas e as renovações, transferências, trancamentos e reda(reden)ções…

[ARQUIVO] SAÚDE NOS MAUS HÁBITOS

Originalmente postado em 8 de janeiro de 2010. de novembro de 2009. Atualizado em 25 de dezembro de 2023.

Excluindo-se uma piora sensível da saúde, parece concludente que não consigo suportar mais do que 5 dias sem ao menos um cigarro.

Se é verdade que o ser humano viciado tem livre-arbítrio, a escolha é entre:

– sustentá-lo;

– explodir de outras maneiras.

Como as condições vigentes não me permitem exercer as atividades de artista quando eu bem quiser (posso passar imensos períodos lidando apenas com procedimentos burocráticos), isso significa eminentemente: duelos familiares. Muitas acusações e nenhum resultado.

Portanto, sei que minha garganta se condói, e o calor é infernal, mas a carteira deve estar sempre à mão. Horas em que morar sozinho não é só ilusão de autonomia…

Ciclo semanal (esse que só eu percebo):

inviabilização do fumo principalmente na dolorosa terça-feira. Prerrogativas, prerrogativas… Canário que não sou…

De resto, parece um paliativo ao efeito Diogo. Mal-aproveitado até aqui. Fumar com música e fumar em silêncio: ambos me agradam.

Apenas não esquecer que até os doentes têm uma saída…

[ARQUIVO] PARTICIPAÇÃO EM SUBLEVAÇÕES II

Originalmente postado em 7 de janeiro de 2010.

Ah, se apenas me afetasse!

Lembro do bloqueio do trânsito (da reflexão? Modo de ficar bêbado de cara limpa.) da W3 no 1º mês do CEUB: aquela censura poderia num curto espaço de tempo redirecionar minha carreira…

Vejamos se fosse hoje e com um texto realmente meu: eu me limitaria a assistir e a agradecer àquele bando de jovens, torceria mesmo para outros se juntarem. Além do mais havia ali outra incumbência: a de “noticiar” (até “participar”!) do representante de turma… Eu via muitos burgueses, não esse tipo de playboy sujismundo artificial da UnB.

Para não discutirmos acerca de duas medidas, o que é que geraria um efeito parecido?

R: Se suprimissem a licenciatura, a-rá!

Há muita coisa pela qual eu faria isso – mas dançando…

Que aula mais monológica!

[ARQUIVO] IMPOSSÍVEL SER CLÁSSICO (no senso nietzschiano)

Originalmente postado em 2 de janeiro de 2010. Atualizado em 25 de dezembro de 2023.

Já abdiquei desse intuito nostálgico. O metal e seu caráter iconoclasta não poderiam existir sem que se estivesse “perdendo o jogo”, e os gregos não o estavam… Minha condição de duplo gauche não é por acaso. Há ainda o cigarro, as pernas fracas que não me permitem sonhar sequer com caminhadas homéricas montanha acima ou simples trilhas cachoeiras abaixo. Sou um simplório, mas um grande simplório! Não estou em busca de uma nova arte sublime, mas estou interessado tão-somente em chegar às culminâncias entrópicas do desenvolvimento de uma das mais antigas, uma bem judia… Para isso eu não preciso ser um anjo, aliás, pairar tão além do bem e do mal a ponto de subverter a ascese pela própria ascese!

[ARQUIVO] O ÓRFÃO

Originalmente postado em 30 de dezembro de 2009. Atualizado em 24 de dezembro de 2023, incluindo a revelação, via tratamento artístico, da inspiração ficcional que percorre o texto – a conhecida opressão dos saiyajins pelo monstro Freeza (o que não quer dizer que meu pai não seja um tirano) e seu melancólico final…

Querer o mal de um filho é muito mais cruel e insidioso do que desejar o mesmo para um pai? E quando essas não são as intenções declaradas, mas há a verificação desse prejuízo, de igual modo? Dolo ou culpa importa aqui? Não posso carregar o mundo nas costas!

Aquele que se volta contra quem o pôs no mundo, o lugar de onde afinal saiu, desencadeia um contra-senso fisiológico, mas se auto-golpear-se é possível e até mesmo bem razoável, essa cena trágica se mostra quase que uma regra, com regularidade na História. Há aí um despeito provocado por antecedentes, coisas que não dizem respeito ao ente desafiante. Assim parece ser com todos os homens desde Adão, a erguer a vista para os céus e indagar: “Por quê, Deus-Pai?”. Postura compreensível, se bem que o fim seja tristonho. A humanidade ainda não é forte e estabelecida o suficiente para sair do quintal de casa? Prefere ser tiranizada pelo dono do barro que a moldou? Fim da adolescência: momento de passos hesitantes, será que dá pra ir?, e se quiser voltar? Insustentável… “É terrível! Ele foi cortado em dois!” As histórias de rebeldia juvenil, escravização intra-genos/clã e tentativa de parricídio me atraem…

O sujeito que decide atacar, menospreza em demasia ou fere de fato a própria criatura que inseriu no mundo – essa é uma maldade genuinamente nascida ali, sem antecedentes, gerada numa realidade em corte, independente das situações antigas… porque aí recairíamos no problema do rabo da cobra! Que espécie de covardia louca é essa? Há mais tempo no mundo, muito mais chances de vencer! Provocar um inimigo que a gente sabe que vai derrubar. Existe algum mérito nisso? Em última instância, o filho está sempre num beco sem-saídas… a menos que haja um deus ex machina – mas se Deus é o inimigo! O ódio do filho contra o pai é sempre mais inocente, porque foi estimulado pela faísca pervertida do mais poderoso! Em nenhuma época uma classe mais alta cedeu caminho voluntariamente à mais baixa. A passagem de cetro é traumática. E se cada família, ou determinado número de famílias, for essa história do universo em microcosmo? Mas o filho não mata o pai! Ele furta o lugar do pai: “a cabeceira da mesa é minha!”. O último filho… é um sortudo ou um azarado? Às vezes o ar rabugento e despretensioso do dia a dia acaba levando à esterilidade do próprio sistema reprodutor, da própria extensão do sistema reprodutor! O egoísmo e a cegueira que fatiam inclusive o derradeiro tablete de carne, fazem respingar o último filete de sangue! Uma raça que já sofreu deveras!

Fazer mal inconscientemente não é desculpa. Parece que esse sempre foi o problema: títulos e fachadas. O mundo seria menos bárbaro se houvesse menos santos. No momento em que vem à tona o que a divindade fez… ela tem que se emendar! Se Ele resolve dissimular a tranqüilidade de um dia após o outro rumo ao infinito e não presta contas dos próprios atos, não pode haver mais mundo, senhor de que inteligência? Tombo, amargura e leito de morte. Os dinossauros se extinguiram por ambíguas imprudência e frieza glacial.

Vou narrar a história de um filho adotivo e orgulhoso de sua origem supostamente real, em algum confim do universo… Seu pai – o único de que se recorda – era um homem muito rico que odiava compartilhar as suas posses. Seu filho foi educado para construir seu próprio império a sua maneira, única forma de demonstrar seu valor e pedigree. Mas ai! O mundo muda! Se torna mais duro e impressionante, sob o preço de enfraquecer seus habitantes! O que o mais antigo fez, o novo e ainda valente já não podia! Pois cortam suas asas… O príncipe era sistematicamente humilhado pelo Rei na frente de seus humildes servos e também diante de seus asseclas, os nobres da côrte.

E sob as vistas, outrossim, dos amigos daquele. E como tais rapazes eram em parte afetados pela depreciação e pelas grosserias perpetradas pelo todo-poderoso, se solidarizavam. Assim ocorre com os mais fracos – se juntam para sofrer em bando. Foram formuladas as promessas de um destino melhor: ter, conquistar o império. E não devia haver mais impérios, aquele era o único, já englobava tudo! Para isso, o eterno empecilho teria que ser afastado! Isso era uma labuta incalculável. A muito custo, só se podia amealhar parcas migalhas… ah, mas se se era tenaz, e sangue daquele sangue… O mais perigoso era, ainda antes da idade, crer que descobriu um atalho. Não há atalhos para o Grande Poder! E nem satisfaz ser o segundo em Roma.

Foi aí que aconteceu de encontrar, em meio às peregrinações pelas províncias, um outro aventureiro-solo bastante combativo. Talvez fosse outro deserdado, a crescer longe dos auspícios do pai. Fato é que tinha muita sede de alguma coisa. O príncipe e seu bando viraram inimigos desse guerreiro e salteador anônimo. Pensando bem, tudo que esse tipo devia querer eram boas histórias para contar aos netos. E o bando principesco foi aniquilado por este inusitado personagem até o protagonista de nossa lenda se encontrar terrivelmente solitário.

Sem poder vencer seu adversário, mas tendo, em contrapartida, eliminado muitas vidas e deixado o algoz alquebrado, partiu em debandada. Orgulho ferido e, ambivalentemente, ampliado – era só cicatrizar as feridas. Tinha rompido com o pai, não pretendia mais se sujeitar aos caprichos e despotismos do Rei, mas precisava de seus médicos. Felizmente, descobriu que ele estava em viagem ao chegar ao seu palácio e, como fosse muito querido ali, dele cuidaram em segredo. O que de sua cabeça tomava conta era um misto de sensações estranhas… Do cumprimento final de seus planos à simples realização da vingança contra o último verme que se lhe opôs e o deixou nesse estado. Até que desse choque de idéias brotou uma conveniência.

Uma iluminação! Reordenar os peões, convocar os traidores, promover fissuras nas fileiras do exército paterno, torná-lo vulnerável a ameaças externas, ver o céu azul transmutar num verdadeiro caos de deposição de governo! Tudo isso graças ao forasteiro petulante! Iria pedir uma trégua. Seu sangue azul se enojava, mas era por nobre causa! Finalmente se aproximava, o dia com que tanto sonhara!

O príncipe e o forte guerreiro em farrapos e sem status, que só podia contar com a bravura, estabeleceram aliança. Um novo equilíbrio de forças era necessário para matar o Rei. Cheio de artimanhas e de astúcia, o príncipe agiu nos bastidores o quanto pôde e minou as forças da base de sustentação da Coroa de seu padrasto. O resto teria de ser em um duelo franco, mas se imaginava que um capitão resfriado já não podia com uma nau prestes a virar! Assim latejava o pulso do príncipe-escravo, à beira da planejada assinatura da alforria… Tantos anos pela frente para praticar o que quisesse, sem a “intervenção divina”!

O seu auxiliar, que com ele dividiria a vitória, não era problema para agora. Não havia espaço em seu coração mutilado pelo fado do berço! Na batalha final, o cruzamento crepuscular entre as hostes insurgentes e a cavalaria oficial, a exibição cavalar e inesperada de um poder que se mantinha latente só para enganar os jovens e os de memória desafortunada… Era assombroso o que o Rei era capaz de fazer. Depois de tantos anos, esmagaria o ingrato do filho adotivo, junto com aquela raça de depravados e taberneiros que levava consigo. A abelhinha e o enxame. Mas não podiam fazer muito mal. Eram insetos contra o “homem mais rico” – é ganancioso. A crueldade monstruosa vem sempre do mesmo lado. Do lado de quem está ganhando. E a justiça é medida em atos: quem morre merece morrer.

Por isso, meus irmãos, é que eu disse que inexistem atalhos. E o penetra plebeu não é alvo de nosso conto nuclear e de intrigas entre gerações, por isso não nos importa o que lhe aconteceu. Resta que o espectador saiba: o filho fracassou por subestimar aquele ímpeto oculto de alguém que ainda se mantém de pernas fortes e que já foi filho um dia. Na decisão, a diferença de forças flagrante paralisou os músculos do príncipe. Um ex-herdeiro angustiado, derramando suas primeiras lágrimas, em prantos, ou nem isso, pois perdeu a vontade de tudo. A marreta desce-lhe cachola abaixo. Estatelado, ainda grita encolerizado para o reino do nada o seu estribilho de oprimido. A última cólera. Que lhe estiola a alma, exaure o naco reserva de energia para soerguer-se e tentar lutar. Pouco importa. Nenhuma quantidade de esforço empregado surtiria efeito, o outro lado resistirá incólume. Esse é o superlativo da anemia e do fracasso, e da náusea, para quem lê. Uma vítima – desenhada desde os tempos antigos? A estrela não brilhou para este Édipo pela metade. Não era hora de arriscar.

Não agora, não ainda!

Por que montanhas levam milênios para se porem duras – e o caráter leva um pouco menos…

E a vida do Rei não perdeu o sentido, porque na posteridade haveria uma legião de descontentes de quem cuidar – talvez nos dois sentidos, bajular, absorver, converter, depois estar pronto para quando a cria resolver se desvencilhar, contra-atacar, arremessa-lo de encontro às pedras! –, muitos noviços e imprudentes, impacientes para tomar o lugar deste Júlio César de outras galáxias! E o hábito afia o tirano!

Consolo: no tempo apropriado, até o juízo de reis vacila, cambaleia, a justiça trai a pujança ancestral. A digestão do ódio não é imediata!

[ARQUIVO] DIMITRI E O BILHETE

Originalmente publicado em 17 de dezembro de 2009

                Dimitri,

Preciso despejar algumas coisas aqui. Tive um pesadelo, aliás, uma cadeia de pesadelos, horrível (Pleonasmo? Logo explico) na madrugada (nesta madrugada, porém não lhe poderei enviar hoje) de 7 para 8 de fevereiro [de 2008], mais precisamente cerca de 1h40, num quartinho de uma casa aconchegante na cidade de Sousa, na Paraíba, a 2 mil km de Brasília e a 500km de Fortaleza, onde escolhemos dormir porque é para onde se mudou um grande amigo dos meus pais, que vieram a ser padrinhos do primeiro filho deste homem. Deixando de lado as redundâncias, você sabe que sou um cara iconoclasta que jamais teria medo consciente de manifestações de seu inconsciente que tratassem de instituições perfeitamente repressivas como a Igreja ou a Ciência, ou de imagens míticas como o diabo ou um ET (se não deu para entender, só quis dizer que não sou de me assustar, estando de olhos abertos, e temer fechar os olhos outra vez, após um pesadelo, qualquer que seja seu conteúdo, uma vez já propriamente desperto, na cama, num exercício de recuperação do sonho que acabara de ter). Aliás, neste meu fluxo de consciência que agora tenho ao escrever-lhe esta não-convencional carta, por enquanto à mão, rebusco duas coisas ditas por você nos comentários daquele texto:

1) Você questionou meu niilismo (na cozinha do Landscape você afirmou literalmente “eu questionei SEU niilismo”), ou afirmou a existência de vários tipos de niilismo, não é? Fale mais sobre.

2) Havia esquecido de comentar acerca do ciclo. Não funcionamos para esta “bestagem de trabalhar”, em suma (mas vejo que você está melhor do que eu, porque não se envergonha de ser sustentado pelo resto da vida).¹

¹ (P.S. 2023: Isso tudo eram idéias, debates, monólogos até… Dimitri, a pessoa real, hoje é servidor do senado federal.)

Passada a idéia desses 1) e 2) do fluxo, prossigo: tive uma série de 4 ou 5 (já não me recordo) de um sonho conhecido como “espiral”; se não me falha a memória, o pesadelo de ânsia de acordar terrível que, segundo Freud, representa 4 de cada 10 de uma criança, que muito acorda durante as noites sem ser capaz de recapitular os conteúdos. Esse tipo de manifestação do inconsciente se mostra raro nas fases posteriores da vida. Pois bem: recordo, também, que, fora da infância, só durante mais uma noite, antes de hoje, vivi tal inconveniente. Foi no mesmo dia em que consultei The Interpretation of Dreams, do Freud, em PDF, para saber o que acabei de relatar. Ou seja: foi uma experiência de metalinguagem… Alguma expiação ou teste, traquinagem do eu reprimido. Dá calafrios só de pensar. Veja…

Hoje tive o sonho de ansiedade. (É sufocante. Você percebe que está no sonho e quer acordar… Por mais que leve segundos, a sensação momentânea e pavorosa é a de que você não irá conseguir) Agora são 3 da manhã. Eu parto às 4. Todos dormem e estou na cozinha. O pesadelo em que você estava e que me interessa analisar é o primeiro da série. Respeitando o que eu observei sobre o sonho em espiral – teste no dia em que li F. –, acho que o que ocorreu hoje e pode continuar ocorrendo é uma maquinação metalingüística. Tudo começa por razões tais quais:

A) Você comentou sobre F. no meu texto de Sartre e do vagão;¹

¹ [P.S. 2023: No primeiro volume de CILA OU CARIBDE. <link>]

B) Coincidentemente, após longo tempo desinteressado nesse curioso autor de um “irracionalismo determinista”, me cai nas mãos um livro de filosofia para ensino médio da Marilena Chauí, em plena viagem a Fortaleza. O livro veio antes de eu conversar com você aquele primeiro dia pela internet, alguns minutos. Encontramos aqui um primo do meu pai, também de Brasília, professor. Ele mo mostrou e eu demonstrei entusiasmo pelo capítulo de Metafísica. Ele sugeriu que eu ficasse logo com o livro, pois ele poderia pegar outro de graça assim que quisesse. Mas foi um dia depois que li seus comentários que, na minha leitura pré-sono linear, cheguei às páginas que explicam F. genericamente. (No capítulo Razão na idade contemporânea – 1 – como esta geladeira emite ruídos detestáveis; 2 – você teve F. na escola? Eu jamais.) Li aquela coisa previsível sobre o recalque do ego e etc. Poxa, até atos falhos e lapsos não passam de dribles da censura, mas e daí? 1 – essa geladeira vai desmontar… 2 – descubro que estou trêmulo de fome; 3 – sim, deixe-me completar o que principiei lá atrás: o pesadelo em que você figurava me deixa de pêlo eriçado até este preciso e abominável segundo (logo iremos a ele).

Desde que reli F. voltei a me reanimar a tentar dotar meus sonhos de sentido no que tange a qualquer desejo reprimido. Até aí, nada de mais. Estava tendo sonhos agradáveis, comendo umas minas adoidado (em sonhos, entenda)… Sempre era sexo, carinho… O que me anda faltando. Aliás, você conhece a parte da sublimação dos instintos de pulsão em F.? Eu só não enlouqueci ainda, edipianamente falando, porque escrevo muito.¹ Eis, agora, depois de EU E VOCÊ (explicação do CAPS LOCK depois) consentirmos que só um pedaço de F. é válido, um pesadelo capaz de me arrepiar já em estado de consciência, ao ser retrospectivo, uma vez que foi uma representação altamente filosófica, existencial, biográfica… Devo descrever com mais detalhes o possível o sonho. Apuro mais uma razão para que ele tenha vindo justo agora, 5 ou cerca disso dias depois da referida leitura: SEU comentário, do Orkut, despretensioso e banal, e MINHA resposta idem. Hoje o que acabo de receber é um ataque, uma reação totalitária, do meu ISSO (espero estar sublimando aqui para acalmá-lo, mas ele detesta ser importunado com reflexões exatamente sobre si) à minha concepção de inexistência de dogmas, da verdade e onipresença do FATOR SUBJETIVO. Engraçado, o ISSO se sentir ofendido, pois objetivo ele não é. Isso (não o ISSO, mas o sonho e minhas crenças) é muito importante para mim porque, e você verá, parece ser o meu modo de ser o problema de tudo…

¹ [P.S. 2023: Tudo babaquice. Hoje eu pisaria em cima dum livro do doutor Fraud que eu visse aberto, no meio da rua.]

[ida ao banheiro]

Você deve estar ansioso por saber logo como foi “sonhado por outrem”. Acho que estiquei tanto isso que vou acabar desapontando-o até porque não será algo TÃO preciso, mas o curioso é o EU E VOCÊ.

Encho-me de calafrios, droga… Aqui é quente, estou encharcado e não penso em dormir de novo.

NO SONHO…

Aparentemente estamos numa mesa batendo um papo. Sou EU e é VOCÊ, de algum modo eu tenho certeza. Mas se não me engano tudo é um breu filho da puta. Só que eu sinto que estamos numa espécie de quina, com pessoas sussurrando mais para frente e para a direita. Entre elas meus pais. Ocorre um momento… em que você encerra o diabo do papo, e é tudo que lembro, e não lembro direito, vai me desculpar, mas você passa um “segredo” (não quer que os outros o escutem, só que eu leia) por papel. É uma pergunta e afirmação ao mesmo tempo, não sei como explicar… SUSTO… Entraram na cozinha… Saltei da cadeira!

[bebo água – aqui é cheio de arte barroca nas paredes…]

Sei que tem um ponto de interrogação. Não lembro o conteúdo literal do bilhete, branco, dentro do breu, que você me passou. Porém, lembro a idéia que ele representa ou manifesta, o teor da mensagem, e que além de pergunta aquilo é uma resposta conclusiva, taxativa. Tem a ver com tudo o que vim procurando todos esses anos… Agora, antes de refletir mais sobre o bilhete, duas coisas que se fazem eminentes… DROGA, DAQUI A POUCO É HORA DO PESSOAL AQUI PARTIR PARA A ESTRADA.

1) Quando eu li seu bilhete… eu me senti um otário. E quando tentava articular qualquer coisa menos passiva que um bocejo eu escorregava… Meu corpo deslizava duro – TÁ CHOVENDO E A LUZ TÁ INTERMITENTE –, como pedra, da quina inferior esquerda onde estávamos até a quina oposta, avante à direita, como um tabuleiro no éter. Meu pai dizia algo como “Ih, olha ele aí… Tá perdido. Não vai falar nada? Ô Rafael!”. Nesse momento começava a espiral para acordar porque era insustentável permanecer no sadomasoquista inconsciente. A seguir, o porquê do “sadomaso-“ e do CAPS LOCK.

2) Eu sou você e você sou eu. É como um espelho nossa relação no sonho. Eu sinto que sei do que você fala no bilhete e sou eu mesmo me contando, me provocando, utilizando sua imagem, uma das únicas pessoas dotadas de bagagem tal que entende onde eu quero chegar quando exponho minhas idéias. É alguém tão inteligente quanto eu, se é que posso dizê-lo. Essa palavra está muito desgastada pela crise da razão. Não é estranho que “o conhecimento não levar a nada” seja uma sentença nascida da própria busca pelo conhecimento? Se a sentença é produto do CONHECIMENTO ACUMULADO aplicado a certa época… ???

* * *

Avise-me se estiver errado: na realidade eu entendo você ser diferente de mim. Até queria ser você, mas sociologicamente falando está fora das minhas possibilidades em virtude de minha criação. Eu diria que você é um EU desejável e impossível. Foda-se se Sartre acha que qualquer omissão ou conformismo é deliberado, pois outros homens na situação não cederiam. Só que VOCÊ também aspira a ser eu – interpreto – num aspecto daquele texto: acho que você esconde que aquilo teve até mais poder sobre você. (Paranóia minha? Me avise.) Que não é ESCOLHER MUDAR PARA FAZER VALER A PENA OU CONTINUAR ASSIM PORQUE ESTÁ VALENDO A PENA. Que é tudo como meu pessimismo incondicional. Empiricamente não posso saber, pois só vivi a minha vida. Mas suponho que todas as vidas sejam um lixo e é essa a sua tristeza. Como num pêndulo, simultaneamente eu digo que quereria ser você para provar desse DIONISO ATIVO, porque ao que parece o meu DIONISO É PASSIVO. Será que você floreia sua vida, fala de um sabor inexistente? Mas a voz mais alta diz: é como “procurar a felicidade”, “dar murro em ponta de faca”. Porque você é carne como eu e não deve ser melhor ser você do que ser eu. DIVAGUE BASTANTE SOBRE O QUE ACABEI DE DIZER. Isso termina de explicar o EU E VOCÊ. Quem é você? Você mora em mim e suas palavras me causam um impacto às vezes acre.

Prosseguindo…

O BILHETE (merece até subtítulo)

Ele me mata, ideologicamente. Denota e conota minha demolição. Na metáfora, petrifica. É uma coisa simples e profunda. Abaixo, potenciais transcrições da mensagem. Não deve ser nenhuma, não devia ter nada lá. Nos sonhos sempre leio mas ao acordar vejo que nada estava escrito… Então, às aproximações:

(Vou disseca-las, em grupo, mesmo)

(Lembre-se de que é um “segredo”, e esse fato talvez seja mais importante que qualquer transcrição – indica, talvez, que meus pais não poderiam sabê-lo sob nenhuma circunstância)

A) PARA QUE FILOSOFIA?

B) É A VERDADE, ENTENDE?

C) PRA QUE TUDO ISSO?

D) ESPERO QUE VOCÊ TENHA ENTENDIDO A IDÉIA TÁCITA NO LANCE SOBRE A VERDADE – essa é grande, engraçado, porque o espaço para caracteres no bilhete era absurdamente pequeno.

E) ENTENDEU?

F) ESSE TEMPO TODO… NOS ENGANARAM… Não. É “ME ENGANARAM”. Mas se você sou eu refletido… Essa 6ª possibilidade é a que mais me prende à idéia de “otário”. Acho que o pessoal à direita ri, ou eu sinto muito vexame, porque não tinha entendido o substrato da Filosofia. Não sei dizer se seria um dogma ou um utilitarismo… A mensagem continua… ? PRA QUE VOCÊ ACHA QUE SERVE? Acho que é esta! Tinha outro “?” no começo, era uma espécie de indagação de uma coisa já debatida, para ver se eu tinha entendido direito, se eu não era retardado e estava me fazendo de desentendido. Ou a pontuação era em espanhol. ¿PRA QUE VOCÊ ACHA QUE SERVE?

Já estou cansado, não sei se ainda posso continuar divagando em alto nível. A tensão se dissipou.

É complicado deixar isso claro. A idéia por trás da mensagem e minha fobia ou sensação de engodo posterior. Como se eu tivesse pensado ou estudado errado todos esses anos. Sei lá o que você, que dá pouco crédito a F.,¹ irá dizer. Não sei também se é possível compreender que não é só uma desilusão ou estresse com a filosofia. A frase A) é a menos condizente com o efeito provocado.

¹ [P.S. 2023: Boa, Dimitri!]

Creio que…

Você tenha escrito para ser cortês e não fazer da revelação um total embaraço, mais do que já foi. Era para me dizer uma coisa que todos que estudam filosofia entendem, apesar de tácito. Na verdade eu sinto que entendia e não conseguia falar. E escorregava. Deslizava. Se você era eu obviamente eu sabia. E estava sentindo prazer com a idéia de me afligir diante da possibilidade simultânea de não saber. (4º PRINCÍPIO DE ARISTÓTELES)

Outra chance é de que estivesse escrita uma palavra. Não sou capaz de lembrar. Ela utopicamente sintetizaria o “segredo”. É como se você (eu) me dissesse: É UMA COISA PATETICAMENTE ÓBVIA. E eu sabia mas era vexatório que QUALQUER UM não soubesse, e eu talvez ruborizasse só de pensá-lo.

                    Assinado — A Mosca Filosófica

[P.S. 2023: Hoje eu entendo este sonho como um enterro metafórico de meus pais; dali em diante, só nos afastaríamos cada vez mais, sendo impossível a compreensão.]

[ARQUIVO] OITO DE DEZEMBRO COMEÇADO DEITADO

Originalmente publicado em 8 de dezembro de 2009

Perdi o gosto por comer. Perdi o gosto por ler. Perdi o gosto por reclamar. O que acontece quando se perde o gosto até pela obrigatoriedade de cagar? Hoje parece cada vez mais nítido que é demandado que eu não leia a fim de ainda viver respeitosamente. Comer, não precisamos estar tão a fim, podemos até nos empanturrar de cara feia. Eu até acho que cheguei ao absurdo do insípido e da indiferença: tanto faz meu pai ser um tolo. O que me move adiante é a inércia da reação automática e o princípio da equivalência. O conformismo é um pragmatismo ou “o”, porque o não-cumprimento é uma implosão. Dor de estômago crônica, parte já de mim, garganta ferrada… quanto tempo até expelir pus, complicar de fato? Sobreviver também é “secundário”; a missão, outra coisa que não importa, relativamente, vem à frente. Viver o presente. A riqueza e a beleza dum momento interminável indecifrável impoetizável. E a dor muscular e aquela vontade de fenecer, nem sei se respeito minha própria fadiga, minha própria necessidade fisiológica de sexo, meu remoto interesse por remoer sonhos. Que há? Nunca vi desbotado tão colorido. É o fim-meio de uma estações. Penso também na leveza pós-opressão. Na deposição dessa carcaça chamada curso. Aliás, de vivos e mortos, e de latrinas ambulantes. Melhor do que ver que já esqueceram da minha presença é saber que eu ainda me antecipo e os supero na má educação. Resignar-se até a uma das constatações mais duras, a da ausência de um amor, rompimentos que geram rompimentos, saber que as primeiras foram as últimas e matar a esperança de fome – pra ter indícios de que ainda vale a pena, pois ninguém me sufoca. A preocupação máxima é estilística: se vocês vão gostar, se vão parar.

[ARQUIVO] O INCOMUNICÁVEL

Publicado originalmente em 1º de dezembro de 2009.

Um dia de saldo zero que vai ficar para mim. Quatro cigarros fumados, um não achado. Pingos e pingos e pingos. Aquela chuva capaz de humilhar um homem, pois é fraca demais para que se seja visto de guarda-chuva em punho, mas é irritante o suficiente para afundar o moral, molhar os papéis em embaçar a vista de um míope. Do que me servem os papéis, se sempre tenho de refazê-los? Eu sou o homem-projeto, tudo o que eu não tenho é um projeto. Estou sempre em primeiro, mas isso parece ser estar em último. Estou sem identidade. Talvez devesse ficar assim.

Eu gosto de estar com febre (a febre do ânimo).

Férias?

No dia em que a hesitação oral se me escapou, em que me senti professor pela primeira vez, vi meu sonho chafurdar com pancadas insolentes, num recinto fechado, escuro e úmido, no subsolo de um campus semi-abandonado. Greve de fome para contornar as caganeiras. O que para mim é o impossível e inconcretizável, mistério, interrogação, loucura e crepúsculo feliz de um menino doente, é para os outros a obrigação sem gosto, ou o facilmente evitável, suplantável, por novas metas. O “pesadelo” deles é o meu sonho. Qualquer um pode sonhar com Freddy Krueger, cometer pecados e ir para o inferno. Mas o eldorado, o eldorado terreno que eu escolhi, esse é meu além. O dia em que eu morrerei de fome, farei trabalho braçal ou escorrerá sangue do meu peito, e eu estatelado na quina daquela passarela como um Vincent conformado, esse dia há de ser um dos meus milhares. Só mais uma sessão de jazz mortífero de um precoce guitarrista dos limites da distorção…

Todo começo de mês parece excepcional…

[ARQUIVO] OS NATUREBAS E OS DIGITAIS: L’ART, O PORNÔ, O GAUCHE E O BLASÉ… O que ser?

Publicado originalmente em 19 de novembro de 2009.

Me divido atualmente entre dois grandes vícios. Quis dizer: a humanidade se divide atualmente em duas grandes necessidades: atender à demanda irresistível pelo novo, diferente e mais bem-acabado tecnologicamente, ampliando o abraço orgiástico de todos com todos na malha digital; manter a fisiologia sã nos imprescindíveis momentos de (auto-)desligamento (desse gigante mecânico-biótipo, maníaco-depressivo, ambivalente, dentro e fora de nós), com práticas contraditórias como fumar, beber, repousar, contemplar, dançar, dissipar ou simplesmente se esconder. O perfeito blasé se acha um idiota no espelho. A crise do palhaço, começar o discurso (de que se vai arrepender depois), é intrínseca a esse comportamento, uma reação ao embotamento das sensações. À superexcitação, a máquina sofre solavancos que sabemos não serem fatais, embora desgastantes e, retroativamente falando, “evitáveis”.

Ou correto – ou impossível – está em idealizar o natural ou o digital? Em contra-atacar improficuamente com a alopatia ou a homeopatia? É sempre ineficaz. Mas ainda assim, somos artilheiros. Atacar com o quê? Isolar-se e adoecer encolhido diante do verme familial, tentando tecer um futuro finalmente não-monótono nem embaraçoso (de quantas drogas fazemos uso sem sequer nos darmos conta?)? Não dar atenção a ninguém – mas contar com o melindre embutido de que eles também o apagaram do mapa. Ou ter possibilidades, só que completamente amarradas pelo exército com ilimitadas reposições das pessoinhas? Desativado ou excessivamente ligado? Não se destrói afetos, mas é preferível concentrá-los diante dos punhos ou insistir em pisar em baratas? De qualquer jeito, com este arranjo, somos sempre abertos apesar de sermos entrópicos. Ninguém nunca sabe com quem vai topar amanhã na calçada enquanto divagava de cabeça baixa. Desgoverno como chance de governo? E a intolerância pesa no momento em que a troca seria o mais válido. Dar. Cooptar? O que levar aos olhos? O que chega aos meus ouvidos? Tateio alguma coisa.

Em suma, não preciso de tantas perguntas. Tendo perdido um bocado de viagens, efetuado várias recapitulações, saldo – finjamos – meio que zerado… Embarcar ou não?

Nossa alma é grande e cabe um pouco de tudo. Até um meio-termo.

[ARQUIVO] 15 MINUTOS DE FAMA (DOS NINFOMANÍACOS DA UNB)

Publicado originalmente em 18 de novembro de 2009.

Abaixei as calças, deixei-me fotografar, tornei-me uma celebridade. A vida andava meio… entediante. Mas salvei o dia! Amanhã eu penso em outra traquinagem boa o suficiente para interessar a um jornalista. Tarefa essa cada vez mais capciosa, uma vez que os jovens estão “botando pra quebrar”. E há jovens de todas as idades…¹

Terei eu logrado a eternidade, com um pequeno espaço no pior papel do mundo (aquele que desmancha quando chove)? Me impressiona as pessoas ainda terem olhos para penetrar nesse preto borrado depois de três séculos! (Me refiro aos jornais.) Borrado por borrado, prefiro pagar para lerem meu destino no fundo da xícara de café.

E não somos uns carolas reacionários puritanos? Até aqueles à flor da pele acham histriônica a idéia da nudez. Uns ridículos de reitoria desfazendo os anos 60…

Pergunta: por que só tem mulher horrorosa nesses “atos”? (Sobre o ATO – como vulgarizar peças de teATrO: chamando o burburinho dos rebeldes sem-causa de AÇÃO. Muito fácil ser ator!)¹

Unindo o útil ao agradável: quem luta pensa que “sofre pelos outros”. Sofrendo estou eu, nesse calor, com vontade de tirar a roupa mas guardando lá minha dignidade e inocência – quando fico pelado, não é para causar sensação, mas para lembrar que ainda sou gente.

¹ P.S. Essa crítica a um protesto cujo motivo agora me escapa (provando que não possuía qualquer importância, além de errarem no método), realizado no Minhocão por estudantes da UnB à época, contando com nudismo e striptease, quando circulei o manuscrito pela sala de aula, fez até com que uma senhora de 60 e poucos anos do curso de ciências sociais – que declarou seu amor ao professor de Teorias Sociológicas Contemporâneas no meio da aula da dita matéria!a –, minha veterana, parasse de falar comigo pelo restante do semestre (na prática, para sempre), sem sequer explicar seus motivos (me deixando 3 dias no escuro sobre a bizarrice de seu súbito mutismo após eu lhe haver perguntado, na fila da cantina, sobre os ingredientes de um salgado que estava na estufa, e ela se recusar a me responder, fitando-me o tempo todo!). Obs.: Eu não sabia que ela tinha participado do ato, daí minha sincera surpresa – ter acertado o cuco com uma paulada aleatória! A referência a “jovens de todas as idades” no fim do 1º parágrafo não procurava provocar ninguém em específico, já que havia outras pessoas mais velhas no ato.

a Em conseqüência dessa anedota um tanto engraçada que não tinha por que estar neste artigo ou panfleto satírico, ouvi o fora mais patético e despropositado de toda a minha vida, por isso o registro é mais do que merecido! Ao ouvir da aluna “experiente” que ela queria que ele fosse seu namorado, o ranzinza e estrambótico professor de Teorias Sociológicas Contemporâneas, de quem omito a identidade para não constrangê-lo no pudico e cerimonioso ambiente da Academia perante seus pares que tudo ouvem e tudo vêem (num departamento de Universidade, todos aqueles que se bicam têm sentidos anormalmente agudos para esse tipo de fofoca mesquinha a fim de arruinar reputações do dia para a noite e beliscar algum cargo ou, enfim, apenas rir da mancha no Lattes do desafeto!), assim se dirigiu à pretendente: “Isto não está posto!”, e seguiu dando sua (insossa) aula. Terá sido um pretexto para ensiná-la em privado sobre fenomenologia husserliana?! Os patronos da sociologia, onde quer que estejam, saberão – e ninguém mais!

[ARQUIVO] “EXISTENCIALISMO AOS 7” – AS ABELHAS, OS HOMENS E A ESPINHA METAFÍSICA

Publicado originalmente em 20 de outubro de 2009. Revisado.

Hoje minha mãe me apresentou uma pequena reflexão minha – de quando eu nem sabia o que era reflexão, e leria a palavra sexo como se lê “seixo” – na altura da 1ª série, sobre a vida. Apresentar-me é bem o termo, já que a gente se esquece com facilidade. Talvez tenha sido o passo inicial desta minha verve literária; impossível saber, mas é o que a arqueologia nos permite resgatar. Dizia mais ou menos assim: “Vida – Eu tenho 7 anos, meu irmão mais velho tem 14 anos, uns são mais novos, outros mais velhos, e assim a vida vai… A mulher mais velha tem 124 anos, a criança quando sai da barriga da mãe é a pessoa mais nova e tem 1 segundo”. Deve ser a segunda vez em período recente que minha mãe remexe em suas caixas repletas de recordações e vem me mostrar – como eu disse, a gente esquece, até as coisas de ontem –, não só esse tipo de protofilosofia como cartõezinhos de dia das mães e meus dentes-de-leite…

Não parece estranho que nossa vida comece aos 7? O que é o primeiro segundo? Talvez condiga em importância com os seis primeiros anos inteiros, a infância clássica. Que ela deve haver, disso não há dúvida. Que hoje reproduzimos aqueles sonhos, ou melhor, rememoramos o grande sonho, ainda mais certo. Os anos de jardim de infância são inconscientes. O pediatra moderno é um fraco. A força da criança reside na impossibilidade de abraçá-la no humano – ela é tão autêntica como um inseto. Azar dos homens, que hoje são menos do que insetos… Uma mosca ou uma abelha, por mais filosóficas que sejam, não possuem uma morte impactante. Seu pathos voador passa fulminante. Um cisco de poder que facilmente perde a autonomia. Uma palma da mão enfezada transforma uma perspectiva no zero, puro tecido em decomposição, nada de drama em câmera lenta. Considerar a infância sagrada é já um sinal… O bom velho é o menino…

A dor ou o prazer, seu antípoda o anestésico, nada representam para o precoce. O importante é seu reflexo no consciente mais tarde. O trauma torna-se desumano e criminoso quando a história do indivíduo realmente começa e ele toma suas escolhas baseado naquilo que ele nunca foi, a fim de ser o que é agora! O inconsciente. O inconsciente e a abelha verde. Esses foram meus principais amigos dos meus anos pré-existenciais. Talvez fossem as duas únicas entidades conhecidas! Todas as vezes que ia brincar no parquinho da escola, perto da gangorra ou do carrossel, ou da amarelinha pintada no chão, eu via uma abelha verde. Ela batia as asas como um beija-flor, deixava um rastro para meu olho incompetente adivinhar o que seria. Um bicho que nunca se cansa; e as abelhas verdes estão sempre no mesmo lugar. Aqui em Brasília posso encontrar diversas delas. Todas as vezes cruzo com uma, na ida e na volta, desde que faço o caminho para a Universidade. Retorno. Àquele tempo eu sabia – premeditava com bastante frieza – que chegaria o dia (utópico?) em que essa abelha seria o tema de um texto. Quem sabe não é a mesma abelha? Qual é a magnânima resistência de um ser vivo desses? Se a persistência com que se sustém no ar for a mesma com que enfrenta cada primavera… Ah, claro: primavera, época de flores (embora as estações não sejam bem-definidas no Cerrado), ela aparece bem mais. Parece que, para uma abelha, 50 dias são 50 anos. Elas começam a viver no 7º dia também? Não, a abelha não se perde como o homem…

Na nossa Odisséia, o significativo é a volta. A guerra o tornou herói, mas parece que não foi você. Está na hora de protagonizar de fato o roteiro. Hoje tenho o triplo daquela idade (1995-2009). [Hoje, que retranscrevo minhas palavras de 2009, o quíntuplo da idade!] O quanto o número 14 é emblemático para mim? [Intervalo 2009-2023] O quanto eu desejaria viver 1[2]4 anos? A escola parece eterna. A substância cotidiana permanece intacta. Imaculada rotina, transfigurada em novo linguajar. Consciente. Dolorosa. Mas sensível. Sempre pensei no meu inconsciente como um deus caprichoso. Direitos Humanos se preocupando com a saúde divina, quanta perda de tempo! Não é que não se deva mexer com crianças porque elas são sagradas; tabus mundanos… O sagrado é imexível, os costumes só existem para ser quebrados. Invertendo o axioma, elas são sagradas, daí que não seja possível a mediação humana. Atena não poderia ser prejudicada por Ulisses. Tolices!

A jogatina de dados de Deus deu no que deu(s)! Mortes inconscientes são não-mortes. 0 a 5 anos, latência. Esquecimento, imprescindível ferramenta. O fundamento do mundo é coisa para ficar debaixo do tapete. Aí inventarão as câmeras; e monitorarão todos os passos. Aí partirão numa máquina do tempo, só para testemunhar o 1º momento. Que revelação, voltar e pisar… na mesma sala! A vida é a máquina do tempo… Você foi primeiro, antes disso foi só o que seu consciente ainda não conscientizou e vai pegar de empréstimo – só para ter o gosto sem-fim de esquecer.

Abelhas não saem na chuva. A chuva dissipa os pensamentos. Sol sim; trovão não (o cachorro late ao raio – sabedoria ancestral?). Tenho a soberana impressão de que os céus são a extensão do meu estômago. Lubrificação aquosa. Palavras são águas… amanhã… Uma idéia que escapa é só uma idéia que ainda não estava pronta… O mais importante é a trama. Homo somnambuli? Non sapiens? A trama acaba como a teia de uma aranha de um recinto reaberto e devidamente higienizado…

Assinado,

A Mosca Filosófica

[ARQUIVO] O POETA ESCATOLÓGICO: A MORTE NÃO É PARA SER CHEIROSA

Originalmente postado em 15 de outubro de 2009.

DECADÊNCIA – Não é este o GRANDE PONTO? Não parece perfeito que quanto mais a vida se torna feia mais bela fica esta obra em execução? PESSIMISMO E EXCITAÇÃO E TERNURA PELO ACRE, PELO BOLOR, PELO DESAFINADO, PELO TILT, pela minha própria derrota, pela decomposição, pelo desmembramento, esquartejamento e decapitação e funeral, vontade de homenagear tudo isso com um prato de gozo e troça… Os pais morrem, o grande amor o abandona, as contas chegam, você se vai incapacitando e tendo cada vez mais saudade e mais tesão do próprio estado patético atual, que promete denegrir-se ainda mais. As obras que você completa são cada vez mais sábias e profundas e o vão manchando de carvão, até você ser menos do que um cocô vivo. Tudo isso é a meta; livrar-se dos amigos e da piedade coletiva, pretender ser o sofredor, frustrado com mulheres, cada vez mais só, doente e desprotegido, alvo de espinhos invisíveis… Feliz, no fundo feliz! Agradecer a Lilith de todas as formas (doentes) mentais por ter me oferecido isso! Não importa a consciência, é questão instintiva e contínua, mas sabemos a intervalos. Baratas, mosquitos e suor, todos se juntam numa festa, você é o anfitrião! Morrer de fome como banquete principal, ovelha negra da família, cancerígeno, malcompreendido e malvisto, se é que ainda reparam em você, bactéria humana! Cada vez menos leitores, mais verdades, menos paciência e mais singularidade! Ferir a mão de quem ousar ajudar. Cair na armadilha de quem quiser empurrar. Não reclamar, não reclamar! Apenas se amar.

[ARQUIVO] SOLA DO PÉ

Originalmente postado em 10 de outubro de 2009.

A gente sabe muito mais do que a gente pensa que sabe – já tracei todos os planos para a “galerinha”. Seria óbvio dispêndio desmedido de energia tomar consciência de todas essas medidas profiláticas. Um sanitarista é o que eu sou. Lido com saúde pública, condições de higiene e remoção do lixo. Lixo: por definição, o indesejável. O que é lixo para uns não é lixo para outros. Pouco a pouco engatinha até mim o exército de Anti-Édipos. É preciso ter o lado cômico; e é preciso ter o lado perfeito. Se soubessem que tipo de verdadeiro tesouro se concentra neste magro – magro! – corpo!… E quão precárias são as fundações desse incalculável monstro sacro da engenharia. Me admira que os religiosinhos sejam os últimos a enxergar qualquer traço messiânico em mim! Quem está em ostracismo agora? Eu conto a história do meu tempo para todo bem-instruído do porvir que queira saber. A única perspectiva humana e que os trouxe – sim, a ponte!

[ARQUIVO] PIOR CENÁRIO, MELHOR PESSOA: A OVELHA NEGRA DA FAMÍLIA

Originalmente postado em 10 de outubro de 2009, aos 21 anos. Apenas acrescentei uma nota de rodapé ao 4º parágrafo e negritei alguns trechos.

Detesto o contraste promovido pelas visitas à casa dos outros. Entender minha superioridade é trabalhoso para mim. Não achar minha franqueza algo espantoso, só mesmo por estar na minha carne e saber o quanto eu sou constante. O viajante cansado parece um saco de bosta para os outros. Seu esforço não deixa de ser a regularidade da sua alma por isso. Imprevisível só para quem está longe de efetuar minha compreensão… Os jovens não percebem que sempre são mais burros que pessoas de 40 anos, por mais que se tenham por gênios. Acham que é fácil ser o que eu sou!

Querer só as vantagens de ser bem-dotado – já passei dessa fase. Se não posso acreditar o quão longe cheguei, as braçadas que dei, os canais e abismos que atravessei, as chamas que transpus… Meu instinto não falha quando me dou conta da facilidade da vida dos outros. Como são lisos e reclamões! Deveriam entender o que implica ser eu.

Bandejas cheias de uva, sala de estar abarrotada de balões, dias repletos de paparicos, família desprovida de dinamite. Carta branca para deitar e rolar, fazer da vida o que quiser. Não conviver com pressões. Não estar à beira de um colapso, não saber o que é conviver com a morte, fazer pouco caso dela (inúmeras vezes)!

A única coisa que deveria me deixar boquiaberto: estar vivo. E tão bem. Estou tão sozinho e em posição desprivilegiada em casa, acuado, o bode perfeito para o ataque, que até o irmão é apenas um episódio a mais, um algoz a mais. Não é outra vítima preferencial. Não se trata de alguém que atingiu a independência. Quem dirá um alienado. É um pai fracassado – no sentido em que é mais jovem, bruto, estúpido, preguiçoso, débil e imprevidente que o primeiro (mas o molde é o mesmo). Nem se pode dizer que essa vontade de ser golpista, essas espertezas irrisórias, cheiram à ambição. É antes de tudo um sujeito que quer passar a perna em meio mundo, mas é o primeiro a se dar uma rasteira. Em suma, um estagnado. Aquele tipo de membro, de zero, de estorvo, que não é “o primogênito”; fica até difícil de defender o ponto de vista de que os outros vêm tomar o que é dele. É uma existência tão mesquinha, que eu, o caçula, posso dizer: a única função, a única característica de peso, o singular traço de relevo desta presença, é que ele me atrapalha. Por isso passa a ser considerado. O inexpressivo que consegue ser um incômodo. Idade de marmanjo, vivência de moleque. Um mau vigarista, conquanto experiente, porque não consegue encontrar outro ofício.¹ Um corpo anômalo. Uma perfeita aberração. O lado da balança que deveria me favorecer, equilibrar a equação, nivelar a disputa. Mas esse empatar é diferente! Trata-se de um lixo que deveria ser removido. Só que é tão degradante, sem propósito, um amontoado de ridículo… Um sugador de energia, esta que é tão necessária!

¹ Hoje, aos 35 anos, percebo mais do que nunca, mais do que àquela época, o quanto meu pai biológico e meu irmão mais velho são almas gêmeas. Nenhuma dessemelhança de caráter e temperamento entre ambos.

Caso semelhante eu não averigüei. Uma mortalha que arrisca me assombrar até a hora da minha partida, “outro pai”, dessa vez um que necessita ser sustentado, espécime mais aproveitador, vil, dissimulado que o anterior. Vendo o quanto eu produzi, os picos em que finquei bandeira… E o pensamento de que se não tivesse tantas camisas-de-força para me desperdiçar eu não poderia sonhar com as coisas que faço sobrevém – o supremo consolo!

Nos céus límpidos ao lado… Nada perturba, nada machuca, nem existem marimbondos sobrevoando. Apenas uma cegueira disfarçada de azar. A culpa é sempre dos outros, eles próprios não precisam melhorar, maturar, insistir, eles só têm de esperar… Eu sou o que vocês chamam de milagre. Mas não passo de um acontecimento tão banal quanto as suas lamentações. Uma condição óbvia, embora diferente.

[ARQUIVO] A SOCIOLOGIA E A SUA VIDA / BODES EXPIATÓRIOS & CÉREBROS VIRANDO GELEIA

Originalmente postado em 5 de outubro de 2009. Parágrafo novo no final.

Sob o que paira tão alto, sua casa e sua família. Contornos mais nítidos, mas coração mais apertado. O que é sensível para nós seria falável, se não fosse doloroso falar do que mais se conhece! Quanto ao insensível e incorpóreo, tanto faz que tenhamos imparcialidade, ele é obscuro e distante mesmo… Claro, até voltar a ser familiar; digo, familial. E o quanto das cabeças dos nossos pais não é absolutamente indecifrável, por mais autômato e robótico?

Escrevo para tentar parar de pensar sem cessar no mesmo corpo de problemas todos os dias, o que vem me atrapalhando a manter minha rotina de leituras. Não me importam a sociologia e seus entreveros entre autores, todos corretos e todos errados ao mesmo tempo. Chega!

Só me importam alguns pontos, tais quais: se um sujeito bem gordo completa a travessia de uma ponte de madeira sobre um rio, envergando-a para baixo, e um segundo sujeito, magrinho, apenas pele e osso, tenta passar e racha a madeira, caindo na água quando estava justamente no meio do caminho, de quem é a culpa? O cristão instaurará um inquérito de imediato. Estes ocasionaram o Estado, a polícia. Se o gordo não é ricaço, a culpa é dele, ele vai preso. Ou, se não houver provas de que alguém ali passou antes, o ônus vai todo para o magricela. Bodes expiatórios são unidades carnais. Cristo era um homem. Nesse nosso mundo não é costume a partilha de responsabilidades. Vai ver é por isso que a Terra está assim, que a camada de ozônio…

Ninguém? Deus? Não falemos de vazios, sigamos no Mundo dos Homens falando de Homens, e não de Idéias. Afinal, em tudo que importa, só Homem, o ato, a matéria, o tangível, é que entram na conta. E que se dane se o gordão fez de propósito ou o magro estava sendo coagido. O que você faz não é voluntário nem desinteressado.

Então por que eu aqui? Sinceramente, o que mais me preocupa no momento é dinheiro. Não dinheiro para a vida toda, não meu dinheiro, mas o dinheiro dos meus pais que vai pra mim. Atualmente, é assim que eu vivo, e até 2ª ordem continuarei pedindo toda semana algumas notas, retirando-as da carteira do meu pai sob as vistas do dono. Ele ser murrinha e eu ser um universitário desempregado são duas coisas que não casam bem. Mas tem de casar, de alguma forma – é a vida. O chefe da família diz que não há conversa nessa casa, os filhos mondrongos são os responsáveis. Eu digo que ele é um bicho-do-mato escroto que não tem solução, é um daqueles casos perdidos.

Não importa quem tem razão, nem qual é o lado fraco. Ele vai morrer como mau pai e sem conquistar os filhos. Vai viver cada segundo do resto de sua vida com o peso (será que o elefante sente?) de não ter conseguido estabelecer o mínimo diálogo intergeracional. Se há um consolo – certamente ele pensa nesses esquemas –, é que ele acha que algo extraordinário irá acontecer e ele ainda poderá realizar sua meta (opa, nós – estranhamente, ele não se encara como ator). A esperança morre só depois do defundo…

P.S. 2023: Hoje moro só e meu pai está em fase final do Alzheimer. Até hoje nunca admitiu seus erros e ainda acusa todos a sua volta por não ter-se tornado o Rei da Inglaterra.