O FASCISMO ETERNO (Discurso de Umberto Eco em 1995) ou: CUIDADO COM OS LIBERAIS: Manual antifascista ILUSTRADO adaptado à realidade brasileira!

O fascismo eterno foi uma conferência pronunciada em inglês num simpósio organizado pelos departamentos de Italiano e Francês da Columbia University em 25 de abril¹ de 1995, para celebrar a libertação da Europa. Foi publicada depois, em 22 de junho de 1995, na The New York Review of Books e traduzida para a Rivista dei Libri de julho-agosto do mesmo ano, como ‘Totalitarismo fuzzy e Ur-Fascismo’ (versão que só difere desta que publico aqui por alguns leves ajustes formais). Contudo, é importante lembrar que o texto foi pensado para um público de estudantes americanos e que a conferência ocorreu naqueles dias em que a América havia sido sacudida pelo atentado de Oklahoma e pela descoberta do fato (nem um pouco secreto, aliás) de que existiam organizações militares de extrema direita nos Estados Unidos” “Além disso, o fato do discurso ser dirigido a jovens americanos explica a presença de informações e esclarecimentos quase didáticos sobre acontecimentos que um leitor italiano conheceria, assim como citações de Roosevelt, alusões ao antifascismo americano e repetidas referências ao encontro entre europeus e americanos nos dias da libertação.”

¹ Boatos de que é o dia internacional de combate ao fascismo em honra a meu nascimento!

Em 1942, aos 10 anos de idade, ganhei o primeiro prêmio nos Ludi Juveniles (um concurso com livre participação obrigatória para jovens fascistas italianos — vale dizer, para todos os jovens italianos). Tinha trabalhado com virtuosismo retórico sobre o tema: ‘Devemos morrer pela glória de Mussolini e pelo destino imortal da Itália?’ Minha resposta foi afirmativa. Eu era um garoto esperto.” Mais nobres que os bolsonaristas: aqui eles queriam sobreviver mil anos metralhando petralhas, em vez de “morrendo por sua causa”…

Passei dois dos meus primeiros anos entre SS, fascistas e partigiani da Resistência, que atiravam uns contra os outros, e aprendi assim a esquivar-me das balas. Nada mal como exercício. § Em abril de 1945, a Resistência tomou Milão. Dois dias depois, os partigiani chegaram à pequena cidade em que eu vivia. Foi um momento de alegria.”

Alguns dias depois vi os primeiros soldados americanos. Eram afro-americanos. O primeiro ianque que encontrei era um negro, Joseph, que me apresentou às delícias de Dick Tracy e Ferdinando Buscapé. Seus gibis eram coloridos e tinham um cheiro bom.”

ganhei do capitão Muddy o meu primeiro chiclete e passei o dia inteiro mascando. De noite, colocava o chiclete em um copo d’água para que estivesse fresco no dia seguinte.” História muito parecida com a do Lula.

Nos meses seguintes, descobri que a Resistência não era apenas um fenômeno local, mas europeu. Aprendi palavras novas e excitantes como réseau, maquis [bunker ou simplesmente porão], armée secrète, Rote Kapelle, ‘gueto de Varsóvia’. Vi as primeiras fotos do Holocausto e assim, antes mesmo de conhecer a palavra, conheci seu significado. Descobri que havíamos sido libertados.”

Era motivo de orgulho saber que nós, europeus, não tínhamos esperado passivamente pela libertação. Creio que também não era irrelevante, para os jovens americanos que derramaram seu sangue pela nossa liberdade, saber que atrás das linhas havia europeus que já estavam pagando seu débito.” Nós também somos sobreviventes de um genocida, como diria o Professor José do Portal do José.

Hoje, na Itália, tem gente que diz que a Resistência é um mito comunista. É verdade que os comunistas exploraram a Resistência como uma propriedade pessoal, pois realmente tiveram um papel primordial no movimento; mas lembro-me dos partigiani com bandeiras de diversas cores.”

Franchi era o meu herói. Ele (cujo verdadeiro nome era Edgardo Sogno) era um monarquista tão anticomunista que, depois da guerra, se uniu a um grupo de extrema direita e foi acusado até de ter participado de um golpe de Estado reacionário. Mas que importa? Sogno ainda é o sonho da minha infância. A libertação foi um empreendimento comum de gente das mais diversas bandeiras.”

OS <CHEGA DE POLARIZAÇÃO> COMEDORES DE MASSA: “Hoje, na Itália, tem gente que diz que a guerra de libertação foi um trágico período de divisão, e que precisamos agora de uma reconciliação nacional. E que a lembrança daqueles anos terríveis deveria ser reprimida. Mas a repressão provoca neurose.” Terminando, à la mode, em pizza, com Supremo, com Centrão, com Rede Globo, com Silvio Berlusconi (vade retro!), com tudo!

Posso até admitir que Eichmann acreditava sinceramente em sua missão, mas não posso dizer: ‘Ok, pode voltar e fazer tudo de novo.’

ESTAMOS AQUI PARA RECORDAR O QUE ACONTECEU E PARA DECLARAR SOLENEMENTE QUE “ELES” NÃO PODEM REPETIR O QUE FIZERAM. MAS QUEM SÃO “ELES”?

mesmo preocupado com os vários movimentos neonazistas ativos aqui e ali na Europa, inclusive na Rússia, não penso que o nazismo, em sua forma original, esteja ressurgindo como movimento capaz de mobilizar uma nação inteira.” Que sirva de lição que 20 anos mudam muita coisa!

Existe, então, outro fantasma que ronda a Europa (sem falar das outras partes do mundo)? Ionesco disse certa feita que ‘somente as palavras contam, o resto é falatório’. Muitas vezes, os hábitos linguísticos são sintomas importantes de sentimentos não-expressos.”

Quem reler Por quem os sinos dobram, de Hemingway, vai descobrir que Robert Jordan identifica seus inimigos como os fascistas, mesmo quando está pensando nos falangistas espanhóis.”

Durante os anos de McCarthy, os americanos que tinham participado da Guerra Civil Espanhola eram chamados de ‘antifascistas prematuros’ — entendendo com isso que combater Hitler nos anos 1940 era um dever moral de todo bom americano, mas combater Franco cedo demais, nos anos 1930, era suspeito. Por que uma expressão como ‘fascist pig’ era usada pelos radicais americanos até para indicar um policial que não aprovava aquilo que eles costumavam fumar? Por que não diziam: ‘porco cagoulard’, ‘porco falangista’, ‘porco ustaše’, ‘porco Ante Pavelic’, ‘porco Quisling’, ‘porco nazista’?”

Mein Kampf é o manifesto completo de um programa político. O nazismo tinha uma teoria do racismo e do arianismo, uma noção precisa da entartete Kunst, a ‘arte degenerada’”

O NOVO GOSPEL: A BANCADA DA BALA: “Ao contrário do que se pensa comumente, o fascismo italiano não tinha uma filosofia própria. O artigo sobre o fascismo assinado por Mussolini para a Enciclopédia Treccani foi escrito ou inspirou-se fundamentalmente em Giovanni Gentile, mas refletia uma noção hegeliana tardia do ‘Estado ético absoluto’, que Mussolini nunca realizou completamente. Mussolini não tinha qualquer filosofia: tinha apenas uma retórica. Começou como ateu militante, para em seguida assinar a concordata com a Igreja e confraternizar com os bispos que benziam os galhardetes fascistas.”

O artigo que só existe na cabeça desse tipo sui generis de esquizofrênico. Peço vênia para rebaixar o nobre status da doença esquizofrenia ao estabelecer a analogia!

CLOWNESCO: “Pode-se dizer que o fascismo italiano foi a primeira ditadura de direita que dominou um país europeu e que, em seguida, todos os movimentos análogos encontraram uma espécie de arquétipo comum no regime de Mussolini. O fascismo italiano foi o primeiro a criar uma liturgia militar, um folclore e até mesmo um modo de vestir — conseguindo mais sucesso no exterior que Armani, Benetton ou Versace. Foi somente nos anos 1930 que surgiram movimentos fascistas na Inglaterra, com Mosley, e na Letônia, Estônia, Lituânia, Polônia, Hungria, Romênia, Bulgária, Grécia, Iugoslávia, Espanha, Portugal, Noruega e até na América do Sul, para não falar da Alemanha.”

O FASCISMO ITALIANO CONVENCEU MUITOS LÍDERES LIBERAIS EUROPEUS DE QUE O NOVO REGIME ESTAVA REALIZANDO INTERESSANTES REFORMAS SOCIAIS, CAPAZES DE FORNECER UMA ALTERNATIVA MODERADAMENTE REVOLUCIONÁRIA À AMEAÇA COMUNISTA.

Contudo, a prioridade histórica não me parece ser razão suficiente para explicar por que a palavra ‘fascismo’ se transformou numa sinédoque, uma denominação pars pro toto [parte pelo todo] para os mais diversos movimentos totalitários. Não adianta dizer que o fascismo continha em si todos os elementos dos totalitarismos sucessivos ‘em estado quintessencial’, por assim dizer. Ao contrário, o fascismo não possuía nenhuma quintessência e nem sequer uma só essência. O fascismo era um totalitarismo fuzzy.(*)

(*) Usado atualmente em lógica para designar conjuntos ‘esfumados’, de contornos imprecisos, o termo fuzzy poderia ser traduzido como ‘confuso’, ‘impreciso’, ‘desfocado’.”

Imagens de esquerdaonline.com.br e wikipédia

A HISTÓRIA SE REPETE COMO FARSA – 2018-2022 d.C.: Santíssima Trindade dos anos malignos: King Nothing (Espírito Nefando, “d. Pedro III” que não quer desencarnar do mundo material, um representante da família real que se resignou a concorrer a cargo público numa democracia de massas); o Todo-Poderoso Pai da Mala-Cheia, que passava recibos de “condenações ao inferno” a todos os inimigos (e são muitos!), apesar de não ter nenhuma chave da transcendência; e a paródia do Messias da Juventude: assim como o bom discípulo de Jesus de Nazaré “largou tudo para peregrinar com o mestre”, Monarca, O Ancap, fugiu da escola e largou os estudos formais para viver de fake news e proselitismo da ignorância diante de um público-consumidor imbecilizado por anos de mídia sem regulação. Três eras se encontrando numa só: charretes representando o séc. XIX; o televangelismo (era analógica dos MCM); e o podcast sem freio moral (era digital).

É POSSÍVEL CONCEBER UM MOVIMENTO TOTALITÁRIO QUE CONSIGA REUNIR MONARQUIA E [CONTRA]REVOLUÇÃO, EXÉRCITO REAL E MILÍCIA PESSOAL DE MUSSOLINI [DE JAÍRES], OS PRIVILÉGIOS CONCEDIDOS À IGREJA E UMA EDUCAÇÃO ESTATAL QUE EXALTAVA A VIOLÊNCIA E O LIVRE MERCADO [+ ANARQUISMO E SISTEMA JUDICIÁRIO]?

O AGRO É A INQUISIÇÃO: “O partido fascista nasceu proclamando sua nova ordem revolucionária, mas era financiado pelos proprietários rurais mais conservadores, que esperavam uma contrarrevolução. O fascismo do começo era republicano e sobreviveu durante 20 anos proclamando sua lealdade à família real, [a diferença é que Orléans & Bragança XXI = SISTEMA BANCÁRIO] permitindo que um ‘duce’ [capitão terrorista] puxasse as cordinhas de um ‘rei’ [procuradores da realeza do Financismo: Paulo Guedes e Arthur Lira], a quem ofereceu até o título de ‘imperador’ [plenipotenciários no Executivo e no Legislativo].”

Existiu apenas uma arquitetura nazista, apenas uma arte nazista. Se o arquiteto nazista era Albert Speer, não havia lugar para Mies van der Rohe. (…) Ao contrário, arquitetos fascistas certamente existiram, mas ao lado de seus pseudocoliseus surgiram também os novos edifícios inspirados no moderno racionalismo de Gropius.”

CRITÉRIOS IGUAIS PARA NOMEAÇÕES, AQUI E ACOLÁ (“Se odeias algo, toma conta!”): “Quando o fascismo se identificou com o Império Romano e redescobriu as tradições rurais, Marinetti (que proclamava que um automóvel era mais belo que a Vitória de Samotrácia¹ e queria até mesmo matar o luar) foi nomeado membro da Accademia d’Italia, que tinha pelo luar grande respeito.”

¹ Ponto mais vil da percepção estética do Homo sapiens.

Gramsci foi mantido na prisão até a morte, Matteotti e os irmãos Rosselli foram assassinados, a liberdade de imprensa foi suspensa, os sindicatos desmantelados, os dissidentes políticos confinados em ilhas remotas, o Poder Legislativo se transformou em pura ficção e o Executivo (que controlava o Judiciário, assim como a mídia [nossa sorte foi isso não ter ocorrido por inteiro no Brasil]) promulgava diretamente as novas leis, [sem necessidade de saquear o Orçamento com o Bolsolão, p.ex.] entre as quais a da defesa da raça (apoio formal italiano ao Holocausto). [no nosso caso, o gado nelore que batia continência à bandeira americana, isso quando não havia completa e indisfarçada louvação à K.K.K. e ao Nazismo]”

OLAVISTAS X MILITARES X CENTRÃO NEOPENTECOSTAL: “A imagem incoerente que descrevi não era devido à tolerância: era um exemplo de desconjuntamento político e ideológico.”

Acontece com a noção de ‘fascismo’ aquilo que, segundo Wittgenstein, acontece com a noção de ‘jogo’. Um jogo pode ser ou não competitivo, pode envolver uma ou mais pessoas, pode exigir alguma habilidade particular ou nenhuma, pode envolver dinheiro ou não. Os jogos são uma série de atividades diversas que apresentam apenas alguma ‘semelhança de família’.” Já haviam aparecido na exposição Deus e Pátria, faltava a perna manca da família patriarcal.

Descomplicada exposição teórica de como tudo pôde acontecer no Brasil: ODIAR O PT era a argamassa que “juntava todo o lumpenproletariado” assaz heterogêneo dos reacionários tupiniquins.

Tirem do fascismo o imperialismo e teremos Franco ou Salazar; tirem o colonialismo e teremos o fascismo balcânico. Acrescentem ao fascismo italiano um anticapitalismo radical (que nunca fascinou Mussolini) e teremos Ezra Pound. Acrescentem o culto da mitologia celta e o misticismo do Graal (completamente estranho ao fascismo oficial) e teremos um dos mais respeitados gurus fascistas, Julius Evola.

A despeito dessa confusão, considero possível indicar uma lista de características típicas daquilo que eu gostaria de chamar de Ur-Fascismo, ou ‘fascismo eterno’. Tais características não podem ser reunidas em um sistema; muitas se contradizem entre si e são típicas de outras formas de despotismo ou fanatismo. Mas é suficiente que uma delas se apresente para fazer com que se forme uma nebulosa fascista.”

1. A primeira característica de um Ur-Fascismo é o culto da tradição. (…) É suficiente observar o ideário de qualquer movimento fascista para encontrar os principais pensadores tradicionalistas. A gnose nazista nutria-se de elementos tradicionalistas, sincretistas, ocultos. A mais importante fonte teórica da nova direita italiana, Julius Evola, misturava o Graal com os Protocolos dos Sábios de Sião, a alquimia com o Sacro Império Romano. O próprio fato de que, para demonstrar sua abertura mental, a direita italiana tenha recentemente ampliado seu ideário acrescentando De Maistre, Guénon e Gramsci é uma prova evidente de sincretismo. § Quem percorrer as prateleiras das livrarias americanas que trazem a indicação ‘New Age’ encontrará até mesmo Santo Agostinho, o qual, que eu saiba, não era fascista. Mas o próprio fato de juntar Santo Agostinho e Stonehenge, [monumento pré-histórico inglês: acabou virando ícone das bruxas ou religiões neo-pagãs do tipo wicca ou o revivalismo do druidismo] isto é um sintoma de Ur-Fascismo.

2. O tradicionalismo implica a recusa da modernidade. [TERRAPLANISMO, ANTI-ABORTO, ANTI-VACINA E PELA VOLTA DO CASAMENTO EM QUE SÓ O MARIDO PODE CHIFRAR A ESPOSA, DENTRE OUTRAS TENDÊNCIAS ARCANAS DEGENERADAS…] O iluminismo e a idade da razão eram vistos como o início da depravação moderna. Nesse sentido, o Ur-Fascismo pode ser definido como ‘irracionalismo’. [Esqueceram-se no entanto de que a cultura helênica, nossa Mãe, é homossexual e politeísta]

3. O irracionalismo depende também do culto da ação pela ação. A ação é bela em si e, portanto, deve ser realizada antes de e sem nenhuma reflexão. [BRAVATAS – COM DIREITO A RECUOS DE VOLTA PARA AS ‘4 LINHAS’ NO DIA SEGUINTE – DE PRESIDENTES CONTRA SEUS INIMIGOS – BASICAMENTE TODOS OS BRASILEIROS INTERESSADOS NO FUTURO – COM DIFICULDADE PALPÁVEL DE TRAQUEJO, EM PALANQUES ARTIFICIAIS (COM PÚBLICO COMPRADO); exposição de tanques de 1920 capazes de poluir a China inteira apenas passeando pela Esplanada dos Ministérios de Brasília como forma da autoglorificação das Forças Armadas; quebras de placas homenageando vereadoras pró-periferia na véspera de eleições, etc.]”

PENSAR É UMA FORMA DE CASTRAÇÃO. POR ISSO, A CULTURA É SUSPEITA NA MEDIDA EM QUE É IDENTIFICADA COM ATITUDES CRÍTICAS.

As universidades são um ninho de comunistas’: a suspeita em relação ao mundo intelectual sempre foi um sintoma de Ur-Fascismo.”

4. Nenhuma forma de sincretismo pode aceitar críticas. O espírito crítico opera distinções, e distinguir é um sinal de modernidade. Na cultura moderna, a comunidade científica percebe o desacordo como instrumento de avanço dos conhecimentos. Para o Ur-Fascismo, o desacordo é traição.” O lema da bandeira nacional sempre foi fascista: ordem e progresso. QUESTIONAR ou teorizar que sejam princípios contrários leva à forca.

5. O desacordo é, além disso, um sinal de diversidade. O Ur-Fascismo cresce e busca o consenso utilizando e exacerbando o natural medo da diferença. O primeiro apelo de um movimento fascista ou que está se tornando fascista é contra os intrusos. O Ur-Fascismo é, portanto, racista por definição.” E xenófobo (como Eco não esquecerá de colocar na seqüência): argentinos, venezuelanos, cubanos, chineses são inimigos mortais.

6. O Ur-Fascismo provém da frustração individual ou social.” Empregos ruins, falta de amigos, ausência de oportunidades de transar

Isso explica por que uma das características típicas dos fascismos históricos tem sido o apelo às classes médias frustradas, [pleonasmo] desvalorizadas por alguma crise econômica ou humilhação política [ascensão do maior Partido Trabalhista do Cone-Sul], assustadas pela pressão dos grupos sociais subalternos. [direitos das empregadas domésticas, população freqüentando aeroportos e o sistema universitário…]

7. Para os que se veem privados de qualquer identidade social, o Ur-Fascismo diz que seu único privilégio é o mais comum de todos: ter nascido em um mesmo país.” “obsessão da conspiração” “os judeus são, em geral, o melhor objetivo porque oferecem a vantagem de estar, ao mesmo tempo, dentro e fora. [Daí que o sionismo seja uma forma velada de antissemitismo: que eles estejam apenas em SEU Estado; para isso seu Estado foi criado, para que a diáspora parasse de incomodar ‘cidadãos de bem’ nativos de outras partes!] Na América, o último exemplo de obsessão pela conspiração foi o livro The New World Order, de Pat Robertson.”

8. Os adeptos devem sentir-se humilhados pela riqueza ostensiva e pela força do inimigo.” O poder nuclear de um pequeno país como a Coréia do Norte, para não dizer da ex-União Soviética; o gigantismo irrefreável – e, para aumentar a dor, capitalista da China contemporânea. Inveja também do sistema educacional, da medicina e do esporte escolar e de elite cubanos.

Quando eu era criança, ensinavam-me que os ingleses eram o ‘povo das 5 refeições’: comiam mais frequentemente que os italianos, pobres, mas sóbrios.” Curiosamente, a plataforma que reelegeu Lula foi garantir que o brasileiro voltaria a comer o número necessário de vezes por dia!

Os judeus são ricos e ajudam-se uns aos outros graças a uma rede secreta de assistência mútua.” Basta trocar judeus por globalistas. Para quem vive em conspirações, deve ser fácil imaginar até uma conspiração sigilosa e onipresente de todas as mulheres contra os homens. Ou de todos os transexuais contra os ‘normais’, mesmo contra qualquer lógica ou plausibilidade (população feminina muito grande para manter uma sociedade secreta; minorias muito desarticuladas, pequenas e desprotegidas para estarem na ofensiva contra o próprio opressor).

SEEEEEEEELVAAAAAAA!”: “Os adeptos precisam, contudo, ser convencidos de que podem derrotar o inimigo. Assim, graças a um contínuo deslocamento de registro retórico, os inimigos são, ao mesmo tempo, fortes demais e fracos demais. Os fascismos estão condenados a perder suas guerras,¹ pois são constitucionalmente incapazes de avaliar com objetividade a força do inimigo.Dado importantíssimo.

¹ Nesse sentido, podemos chamar os Estados Unidos da América de belicamente fascistas desde a Guerra do Vietnã.

9. Para o Ur-Fascismo, não há luta pela vida, mas antes ‘vida para a luta’. Logo, o pacifismo é conluio com o inimigo; o pacifismo é mau porque a vida é uma guerra permanente.” Preferem ir para a Ucrânia e morrer do que permanecerem num país tropical abençado por… Jeová que não!

SÓ MAIS 72h…:Complexo de Armagedom: a partir do momento em que os inimigos podem e devem ser derrotados, tem que haver uma batalha final, depois da qual o movimento assumirá o controle do mundo.” E ‘do mundo’ neste caso nem sequer é exagero: havia grande fé na imponderável volta de Donald Trump, ‘o amiguinho’ internacional.

Esta solução final implica uma sucessiva era de paz, uma idade de ouro que contestaria o princípio da guerra permanente. Nenhum líder fascista conseguiu resolver essa contradição.” Muito se objeta a doutrina comunista não esclarecer o período da superação das contradições, autodissolução do Estado burguês e fim das classes, mas pouco se analisa este defeito da extrema direita no espelho. Síndrome de Constantino (do foragido, não do imperador).

10. O elitismo é um aspecto típico de qualquer ideologia reacionária, enquanto fundamentalmente aristocrática.” Até as ralés são capazes de elitismo.

Todos os cidadãos pertencem ao melhor povo do mundo, os membros do partido são os melhores cidadãos, todo cidadão pode (ou deve) tornar-se membro do partido.” Ou ter uma arma.

qualquer líder subordinado despreza seus subalternos e, por sua vez, cada um deles despreza os seus subordinados. Tudo isso reforça o sentido de elitismo de massa.” Protagonismo do AJUDANTE-DE-ORDENS. Ninguém é o último vassalo: há sempre alguém inferior.

11. Nesta perspectiva, cada um é educado para tornar-se um herói.” O maluco Ivan Rejane.

Este culto do heroísmo é estreitamente ligado ao culto da morte: não é por acaso que o mote dos falangistas era: ‘!Viva la muerte!’“O herói Ur-Fascista espera impacientemente pela morte. Note-se, porém, que sua impaciência provoca com maior frequência a morte dos outros.”

Com tamanha obsessão por sexo anal, sexo homoafetivo e, em geral entre os bolsonaristas, estupros de vulneráveis em idade na qual ainda não ovulam, é difícil imaginar como Olavo de Carvalho conseguiu gerar prole, inclusive uma “fraquejada” (palavras de seu maior fã).

12. Como tanto a guerra permanente quanto o heroísmo são jogos difíceis de jogar, o Ur-Fascista transfere sua vontade de poder para questões sexuais. Esta é a origem de seu machismo (que implica desdém pelas mulheres e uma condenação intolerante de hábitos sexuais não-conformistas)” “Como o sexo também é um jogo difícil de jogar, o herói Ur-Fascista joga com as armas, que são seu Ersatz fálico: seus jogos de guerra se devem a uma invidia penis permanente.” Também é a origem secreta do racismo.

Muita vontade de se engajar em discussões, porém muito pouca paciência e energia para as mesmas: qualquer jogo é “complicado” para fracassados natos. Imagem: reddit.

13. O Ur-Fascismo baseia-se em um ‘populismo qualitativo’. Em uma democracia, os cidadãos gozam de direitos individuais, mas o conjunto de cidadãos só é dotado de impacto político do ponto de vista quantitativo (as decisões da maioria são acatadas). [Daí a ojeriza às eleições, misturadas com conspirações de fraude de escala global e descrédito de qualquer estatística como mortes pela Covid.] Para o Ur-Fascismo, os indivíduos enquanto indivíduos não têm direitos, e ‘o povo’ é concebido como uma qualidade, uma entidade monolítica que exprime ‘a vontade comum’.” Quando o indivíduo, cadastro de pessoa física, finalmente acossado pela polícia do regime democrático posteriormente reinstalado devido a seu rol de crimes, percebe que não é o povo, seu isolamento é ainda mais funesto (costumeiramente na cadeia, i.e., isolamento tanto metafórico quanto literal).

Como nenhuma quantidade de seres humanos pode ter uma vontade comum, o líder se apresenta como seu intérprete.” Um idiota tartamudo representando a falta de qualquer mensagem clara: faz sentido.

Em virtude de seu populismo qualitativo, o Ur-Fascismo deve opor-se aos ‘pútridos’ governos parlamentares.”

14. (…) Todos os textos escolares nazistas ou fascistas se baseavam em um léxico pobre e em uma sintaxe elementar, com o fim de limitar os instrumentos para um raciocínio complexo e crítico.” Fim da enumeração. O bolsonarismo se sagrou campeão, com 14/14 pontos possíveis!

Seria muito confortável para nós se alguém surgisse na boca de cena do mundo para dizer: ‘Quero reabrir Auschwitz, quero que os camisas-negras desfilem outra vez pelas praças italianas!’ Infelizmente, a vida não é fácil assim! O Ur-Fascismo pode voltar sob as vestes mais inocentes. [Por R$0,20, por exemplo.]” Neonazismo: não precisarão reabrir Auschwitz, porque Auschwitz “nunca existiu” conforme a ‘confiável’ historiografia da borracha nazi. No sul do país a saudação nazista, em muitos locais, tem a mesma aceitação de um ‘olá’. Tem-se confiança na impunidade ou forte crença em que Deus não deixará ‘comunistas’ punirem ‘pessoas de bem, seguidoras de tradições (de menos de 100 anos de idade)’, mesmo no ‘regime inimigo’ (democracia do Estado de Direito).

Ouso dizer que, se a democracia americana parasse de progredir como uma força viva, buscando dia e noite melhorar, por meios pacíficos, as condições de nossos cidadãos, a força do fascismo cresceria em nosso país”

RooseveltPax americana como a teoria da conspiração mais doidivanas de todos os tempos.

A “praça” é nossa (do povo), mas desde 2013 ela vinha sendo ocupada por rematados idiotas.

Praxódia Branca dos Olhos Vermelhos, famosa carta subversiva do clandestino jogo de cards Yu-Gi-Oh!, proibido em 177 países.¹

¹ ATENÇÃO: Aviso de ironia.

Fonte: terra.com.br

Os porcos confundiram “suíça” com “suína” e tentaram dar no pé, mas foram interceptados a tempo pelos revolucionários, em tempos de reocupação da praça pública, liberação e regresso da paz.

MONOGRAFÍAS MUSICALES: Ensayo sobre Wagner / Mahler (…) (Obra completa vol. 13) – Adorno, 1971 (2008).

ENSAYO SOBRE WAGNER, 1939, 1952 (primera traducción de 1964).

Tras el fracaso de su estreno en provincias, La prohibición de amar, primera ópera de Wagner, cayó inmediatamente en el más profundo olvido, del que ni siquiera consiguió rescatarla el celo filológico en la época del apogeo de Wagner.”

Como primer servidor del gran todo, el dictador Rienzi renuncia al título de rey, como más tarde Lohengrin a la dignidad de duque. A cambio, acepta de antemano los laureles tan gustosamente como que es él mismo quien los dispensa.” “En esta espectacular pieza histórica casi se vislumbra ya una consciencia crítica del verdadero tipo del héroe como autocontemplación. El elogio de sí mismo y la pompa – rasgos de toda la producción wagneriana y existenciales del fascismo – nacen del presentimiento de la precariedad del terror burgués, de la condena a muerte que pesa sobre el heroísmo que se autoproclama. Quien duda de que lo por él creado le sobreviva busca en vida su gloria póstuma y celebra con desfiles festivos sus propias exequias. La muerte y la aniquilación acechan entre los bastidores wagnerianos de la libertad: las ruinas históricas del Capitolio bajo las que yace sepultado el héroe disfrazado de libertad son los modelos de las metafísicas que se desmoronan sobre los dioses despojados de su poder y el mundo culpable del Anillo.” “lo mismo que al final del tercer ato de Sigfrido Brunilda se entrega al amado por <una muerte risueña> en el momento en que cree despertar a la vida, así Isolda siente su muerte física como <supremo deleite>.”

Tal difamación del burgués que, sin embargo, en Los maestros cantores celebra rápidamente el gozoso renacimiento, sirve al mismo fin que en la era totalitaria.” “Wotan parece, sin duda, abogar por la rebelión, pero lo hace en aras de sus planes de imperialismo mundial y dentro de las categorías de libertad de acción – <no me ligan a ti, infame, los términos de un pacto> – y ruptura de pacto – <cuando se agitan las fuerzas de la osadía, yo aconsejo abiertamente la guerra> –.”

no en vano el periodo de su ascenso fue aquel de economía precaria en que la producción de óperas no gozaba ya de la seguridad de la corte ni tampoco todavía de la protección de la ley burguesa que reglamentaba las percepciones por derechos de autor. En un mundo profesional en el que un autor de éxito como Lortzing(*) murió de hambre, Wagner tuvo que ejercitar con virtuosismo la capacidad de alcanzar metas burguesas al precio de su propia dignidad burguesa. Ya pocas semanas después de huir de Dresde debido a su ostensible participación en el levantamiento de Bakunin, [¡] pidió por carta a Liszt que le consiguiese un salario de la gran duquesa de Weimar, el duque de Coburg y la princesa de Prusia.

(*) Gustav Albert L. (1801-51): compositor alemán, autor de 20 óperas mayoritariamente cómicas y sentimentales, ajenas a la tradición romántica y estructuradas en torno a la sucesión de números musicales separados por diálogos hablados.”

Su delito no es que engañe a los burgueses, sino que al apelar a la compasión reconoce a los dominantes y se identifica con ellos. El desenfreno en el mendigar podría sugerir una especial independencia de las normas burguesas. Pero tiene el sentido contrario. El poder del orden sobre el contestatorio es ya tan grande para éste que ni siquiera se produce ya un verdadero aislamiento, ni siquiera resistencias contra el todo” “Es la actitud del zalamero hijo de papá que trata de persuadirse a sí mismo y a los demás de que sus buenos padres no podrían negarle nada precisamente porque no lo hacen.”

¡Pese a todo mi coraje, muchas veces soy el más vil de los cobardes! No obstante tus generosos ofrecimientos, a menudo veo con verdadera angustia de muerte la mengua de mi peculio”

W. a Liszt

El mendicante W. contraviene los tabús de la moral burguesa del trabajo, pero su bendición es provechosa para la salvación del statu quo.” “El pedigüeño impotente se convierte en panegirista trágico. En una fase histórica posterior, estos rasgos cobraron la máxima significación cuando en situaciones difíciles los dictadores amenazaban con el suicidio, sufrían crisis de llanto en público y conferían a su voz un tono lloriqueante. Precisamente los puntos de descomposición del carácter burgués, en el sentido de la propia moral de éste, son preformas de su transformación en la era totalitaria. El Wagner posterior aún muestra la configuración de envidia, sentimentalismo e instinto destructor.”

Aún otro rasgo se nos reveló que, a decir verdad, no sólo valía para este último periodo de su vida. No se le podía ocultar nada; él lo sabía siempre todo. Si la señora Wagner quería sorprenderle con algo, él lo soñaba por la noche y se lo decía a ella por la mañana. (…) Con los extraños esta intuición se producía a menudo de un modo completamente demoníaco: él conocía los flancos débiles de su interlocutor con penetrante agudeza de mirada y así sucedía que, sin con ello querer herir a nadie, tocaba precisamente sus puntos débiles.”

Glasenapp

Los escritores entusiastas liberales gustan de aducir la amistad con Hermann Levi para demostrar lo inocuo del antisemitismo wagneriano. La crónica de Glasenapp, escrita con la intención de resaltar la filantropía y magnanimidad de Wagner, nos informa involuntariamente a este respecto.”

Un impulso sádico a la humillación, un humor conciliador y sentimental y, sobre todo, la voluntad de comprometer afectivamente consigo al maltratado se reúnen en la casuística del comportamiento de Wagner (…) Cada palabra conciliadora se acompaña de un nuevo aguijón hiriente. Es una especie de demonismo del que el mismo W. se acuerda cuando en su autobiografía cuenta cómo él mismo, por lo demás no teniendo totalmente regularizada su matrícula, participó junto a una horda de estudiantes en el saqueo de dos burdeles de Leipzig, sin ni en la narración tardía desprenderse del todo del envoltorio moralista que había cubierto aquel acto de limpieza”

Cuando W. pide compasión como víctima y para ello molesta a los poderosos, está dispuesto a insultar a las demás víctimas. Su juego del gato y el ratón con Levi tiene equivalente en su obra: Wotan apuesta la cabeza de Mime sin que éste lo acepte y contra su voluntad; el enano está a merced del dios como el invitado a la del anfitrión de Wahnfried.”

A quien tiene el dãno qué se le da un baño”

En Nibelheim, Wotan y Loge se ríen de los dolores de Mime. Sigfrido tortura al enano porque <no lo puede sufrir>, sin que el aura de augusto y noble le impida ensañarse con el impotente.”

La música de Wagner se comporta como el buen criado con sus malvados, y la comicidad de su tormento da placer no meramente a quien lo inflige, sino que también ahoga la pregunta por el porqué y proclama la ejecución sumaria como instancia suprema. Este carácter del humor wagneriano escandalizó a Liszt y Nietzsche en el trato personal. De ello da testimonio él mismo: <Wagner le dijo a la hermana de Nie.: ‘Su hermano es como Liszt, al que tampoco le gustan mis chanzas’> (Hildebrandt, Wagner und Nietzsche, 1924). Cuando en una famosa escena W. monta en cólera contra N. y éste se calla, W. le espeta que tiene tan buenos modales que aún llegaría muy lejos en la vida; él, W., toda su vida ha carecido de ellos.” “Hildebrandt, que debe a la escuela de George(*) el recelo hacia el humor, vio en el cinismo wagneriano de la autodenuncia la verdadera causa del conflicto con N.: <Pero hubo entonces una frase de W. que hirió profundamente a N.. Cuando un día – durante la última época de W. y N. juntos, en Sorrento – la conversación versó sobre la tibia acogida de las representaciones en Bayreuth, W., según cuenta la hermana de N., había señalado malhumorado: ahora los alemanes no quieren oír nada de dioses y héroes paganos, quieren ver algo cristiano>.

(*) Referencia a Stefan George (1868-1933), poeta simbolista alemán, opuesto al naturalismo y a la literatura social.” ¡Que se joda ese hombrecito!

todos los repudiados en la obra de W. son caricaturas de judíos.”

W. comparte las ideas antisemitas con otros representantes de lo que Marx llamaba el socialismo alemán en torno a 1848. Pero su antisemitismo se reconoce como idiosincrasia individual que se niega obstinadamente a toda discusión.”

Nuestro oído se ve ante todo afectado de manera sumamente extraña y desagradable por el sonido agudo, chillón, seseante y arrastrado de la pronunciación judía: un empleo de nuestra lengua nacional completamente impropio y una alteración arbitraria de las palabras y de las construcciones de las frases dan más aún a esta pronunciación el carácter de una farfulla confusa e insoportable por la que involuntariamente prestamos más atención a ese cómo desagradable que al qué del discurso judío”

W.

Su propia apariencia física, desproporcionadamente pequeña en relación con la enorme cabeza y el prominente mentón, rayaba en lo anormal y sólo la fama lo protegía del ridículo.”

Pero el hecho de que todos los rumores sobre la propia ascendencia judía de W. se remonten, según la argumentación de Newman [biógrafo de W.], al mismo Nietzsche, que salió al paso del antisemitismo wagneriano, se explica precisamente por lo siguiente. N. conocía el misterio de la idiosincrasia wagneriana y al enunciarlo rompió el sortilegio.”

A quien se une a los verdaderos culpables las relaciones sociales se le aparecen como obra de conspiraciones secretas. Del asco por el judío forma parte imaginarlo como poder mundial. En el artículo sobre el judaísmo en la música W. achacó todas las resistencias a su obra a imaginarias conspiraciones judías, mientras el presunto culpable principal de esas intrigas, Meyerbeer, lo había apoyado activamente hasta que él lo atacó públicamente.”

(*) “J.A. Gobineau (1816-82): diplomático y escritor francés, autor de Ensayo sobre la desigualdad de las razas humanas (1853-5), donde pretende aportar una base física y realista a la teoría de la superioridad de la raza germánica. Su doctrina fue aprovechada por los pangermanistas y el nacionalsocialismo hitleriano.”

Pero cuando luchábamos por la emancipación de los judíos, propiamente hablando, éramos más combatientes por un principio abstracto que por el caso concreto: del mismo modo que todo nuestro liberalismo no era más que un juego intelectual no muy clarividente, pues promovíamos la libertad del pueblo sin conocer a este pueblo y aun evitando todo contacto efectivo con él, nuestro empeño en la igualdad de derechos para los judíos era más el resultado de una excitación producida por una idea general que de una auténtica simpatía; pues, a pesar de todos los discursos y escritos a favor de la emancipación de los judíos, en nuestro contacto efectivo y práctico con judíos siempre sentíamos una repulsión involuntaria hacia ellos.”

El antisemitismo wagneriano reúne en sí todos los ingredientes del posterior. El odio llega tan lejos que, según Glasenapp, la noticia de la muerte de 400 judíos en el incendio del Ringtheater de Viena le inspiró una chanza.”

para un judío convertirse en hombre al mismo tiempo que nosotros significa, ante todo, dejar de ser judío. (…) ¡Participad sin prevención en esta obra de redención regeneradora mediante el autoexterminio y entonces estaremos unidos y seremos indistintos!”

A lenda do judeu errante tem origem provável na Constantinopla do IV d.C.. Seria um Ahasvero, sapateiro da idade de Cristo, que se negou a apoiar a cruz deste no caminho para o Gólgota.

– Anda!

– Também tu andarás até o fim dos tempos!

Nessa bravata panfletária de Wagner confunde0m-se a idéia marxista da emancipação social dos judeus como a emancipação da sociedade com respeito ao benefício que os próprios judeus simbolizam, e a idéia do extermínio judeu.”

Se nossa cultura vai a pique, isso não supõe dano algum em absoluto; mas se vai a pique por causa dos judeus, será uma desonra!”

W.

No sinistro círculo mágico da reação de W. estão gravados os sinais tipográficos que sua obra tomou emprestados de seu caráter.”

Schubert pertenece a los músicos de café-concierto, Chopin al tipo difícil de definir de los <de salón>, Schumann al de la oleografía, Brahms al del profesor de música: es avecindándose al máximo a la parodia como se ha afirmado su fuerza de producción, y su grandeza reside en la escasa distancia que los separa de esos modelos, de los cuales al mismo tiempo extraen sus energías colectivas. No es tan fácil encontrar un modelo de este género para W.. Pero el coro de indignación que respondió a Thomas Mann cuando en relación con el nombre de W. mencionó el del diletante indica que tocó un punto neurálgico. Merece reflexión su relación con las diversas artes con las que creó su <obra de arte total>

a arte de W. é um diletantismo monumentalizado e levado ao genial com uma força de vontade e uma inteligência extremas. A idéia mesma de uma fusão das artes tem algo de diletante e seu autor teria permanecido no estreito campo do diletantismo não fosse o extremo vigor com que submeteu cada campo a um extraordinário gênio expressivo.”

ainda na fase tardia dos Mestres cantores podem-se observar falhas na modulação e no equilíbrio harmônico.”

Não só abraçou a profissão burguesa de diretor de orquestra como escreveu a primeira música de grande estilo para diretor de orquestra.”

Nele, desde o princípio, a alienação do público alia-se ao cálculo do efeito sobre o público”

escrevia para pessoas pouco musicais”

Na Sinfonia fantástica, a idée fixe de Berlioz, modelo imediato para o Leitmotiv, simboliza uma obsessão que mais tarde, com o nome de spleen, aparece no centro da obra de Baudelaire. Aí já não se pode mais abdicar desta idéia. Ante sua hegemonia irracional, o selo do incomparável, o sujeito deixa-se levar. Segundo o programa de Berlioz, a idéia fixa se parece com o intoxicado pelo ópio. É a projeção para fora de um elemento ele mesmo secretamente subjetivo e ao mesmo tempo alheio ao eu, projeção na qual o eu se perde como numa quimera. O Leitmotiv wagneriano segue atado a este origem. Mesmo que não haja um motivo, há uma espécie de livre associação. É que o procedimento wagneriano conta já com aquilo que cem anos mais tarde a psicologia batizou como debilidade do eu.”

Ouvir à maior distância significa o mesmo que ouvir menos atentamente. Tendo como parâmetro a lassidão burguesa em período ocioso, o público de espetáculos monstruosos de várias horas de duração é imaginado distraído e vagante na corrente da música, logo esta música, cujo próprio autor e diretor vai impondo ao público a marteladas, com estrépito e incontáveis repetições.”

No séc. XVII os diretores ainda marcavam o compasso com bastões”

a idéia de orquestra sem diretor não carece de base empírico-crítica. Em W., a primazia do diretor na composição é absoluta.”

Wagner não lia a partitura, tinha de saber toda a composição de cor.

Todo Lohengrin, con excepción de una ínfima parte, está escrito en un tipo de compás binario, como si la igualdad de los tiempos permitiera dominar de un solo vistazo escenas enteras, de manera parecida a como por <reducción> se simplifican quebrados aritméticos.”

Quando se domina completamente de memória uma obra em todos os seus detalhes, se produzem não poucos momentos em que a consciência do tempo desaparece de repente e toda a obra se apresenta simultaneamente na consciência, eu diria que <espacialmente>, tudo com a máxima exatidão.”

Alfred Lorenz, pianista

Não que Wagner vá nisto tão longe quanto Beethoven em suas sinfonias: “De modo que la espacialización de la extensión del tiempo sospechada por Lorenz en Wagner es mera ilusión: solamente por contenidos parciales dependientes, sin relieve, puede la representación de la marcación del compás mantener sin fisuras el dominio total, y la tan censurada debilidad melódica de W. no se basa en una simple falta de <inspiración>, sino en el gesto de marcar el compás que domina su obra.”

A consciência musical de W. se submete a uma curiosa involução: é como se o temor à mímica – que foi fazendo-se cada vez mais forte no decorrer da história da racionalização ocidental e contribuiu não pouco à cristalização de uma lógica da música autônoma, análoga à lógica da linguagem – não tivesse pleno poder sobre Wagner. Seu modo de compor se retrai a um elemento pré-lingüístico” “É nessa regressão que se fundamenta o <histrionismo> wagneriano, o chocante de seu proceder, que com razão Paul Bekker considerou sem ressalvas como o núcleo da obra de arte wagneriana.”

à maneira, por exemplo, como os agitadores substituem com gestos verbais a evolução discursiva do pensamento.”

Decerto que no fundo a música sempre traz esse elemento gestual. Mas no Ocidente isso foi espiritualizado e internalizado como expressão, ao passo que todo o discurso musical se submete à síntese lógica pela construção; a grande música se esforçou pelo nivelamento de ambos os elementos [espírito e aparência; vontade e representação]. Wagner se opõe; sua música, nisso análoga à filosofia de Schopenhauer, não consuma nenhuma história em sua autossuficiência. O momento expressivo potenciado ao máximo mal se contém no espaço interior, na ‘consciência do tempo’, desprendendo-se como gesto. Isto produz essa sensação de desagradável, que não cessa de ferir o ouvinte. Eis a insipidez da morte de uma cultura.”

O diretor wagneriano (que compõe) representa e reprime a exigência do indivíduo burguês de ser ouvido. É o porta-voz da nação e a obriga à obediência. Como a música é a imagem da coisa (da alienação), os gestos são a alma que restou. Mas esses dois elementos não são conciliáveis, eis a íntima contradição – técnica e social – da música de Wagner.”

La secuencia de W. es diametralmente opuesta a la del Beethoven sinfónico. Por principio excluye el trabajo <fragmentario> del clasicismo vienés. (…) La antifonía vienesa había refundido todo lo gestual en principio espiritual del desarrollo, y sólo con violencia pudo W. reinterpretarla como la danza o la <apoteosis> de ésta, del mismo modo que la obertura de la antigua suite, de la que nació la forma sonata, se distinguía de las subsiguientes danzas de la suite precisamente por el hecho de que no se presentaba a sí misma como forma estilizada de danza.”

se no sinfonismo o curso temporal se converte em instante, o gesto de W. é imutável, alheio ao tempo. Em sua repetição impotente, a música se submete ao tempo, que no sinfonismo dominava.”

Talvez o aborrecimento do ouvinte não-iniciado ante uma obra de W. do período maduro não seja somente signo de uma consciência pedestre que capitula ante a pretensão do sublime, senão também de uma incompreensão diante da descontinuidade da experiência temporal no mesmo drama musical.” “Integrada no todo e reificada, a emoção mimética degenera em mera imitação e finalmente em mentira.” “O comportamento compositivo se converte em agente de ideologia já antes de que esta se introduza literariamente nos dramas musicais.” “a emoção expressiva, ao aparecer pela segunda vez, se converte em comentário enfático de si mesma.”

Lorenz llega a comprender la totalidad de Los maestros cantores como un único <gigantesco Bar>.”

Com a lei formal da onda W. tentou superar musicalmente a contradição entre expressão e gesto muito antes de que o racionalizara por meio da filosofia schopenhaueriana. Ele visa a conciliar a falta de desenvolvimento no gesto com a irrepetibilidade da expressão fazendo com que o gesto se retraia a si mesmo. A si mesmo, i.e., ao tempo. Este, se não o domina como Beethoven, tampouco o preenche como Schubert. Revoga-o. A eternidade da música wagneriana, paralela à do poema do Anel, é a do <nada aconteceu>; a de uma invariância que desmente toda a história com a natureza sem linguagem. As filhas do Rin, que no princípio brincam com o ouro e no desfecho recuperam-no para brincar, são a conclusão última da sabedoria e da música de W.. (…) Isto tudo a concepção wagneriana da forma o representa mais penetrantemente que qualquer de suas opiniões filosóficas. Mas o princípio estético da forma, ao contrário de Schopenhauer, é transfigurado e convertido em equilíbrio reconfortante, que é intolerável no mundo social real que a obra de Wagner repele.”

Nota mental: ler Gaia-Ciência ouvindo Wagner.

A compreensão da função do Bar implica a crítica da forma wagneriana. Lorenz, que ataca com veemência a frase reacionariamente formulada de maneira maquinal desde Nietzsche sobre a falta de forma em W., está, todavia, mais interessado na organização das macroformas que no <trabalho temático>. (…) Mas a verdade é que em Wagner não há realmente nada que analisar na microforma. Para dizer melhor, W. só sabe de motivos e macroformas, nada de temas. A repetição faz as vezes de desenvolvimento, a transposição de trabalho temático, e, ao revés, o liricamente irrepetível, a canção, é tratado como se fôra dança.”

(*) “Hans Paul Freiherr von Wolzogen (1848-1938): dramaturgo, crítico musical e redator das Bayreuther Blätter, fiel servidor de W. e provável inventor do conceito de Leitmotiv.”

Enquanto que a música de W. suscita incessantemente aparência, expectativa e exigência do novo, no sentido mais estrito nela nada de novo sucede. É isso que Nietzsche e sucedâneos querem dizer. Esta ausência não provém do caótico, mas da falsa identidade. O idêntico se apresenta como se fosse novo e substitui em conseqüência, pela sucessão temporal abstrata dos compassos, o processo dialético do conteúdo em sua música, sua historicidade interna. O miolo da construção wagneriana da forma está oco: o desdobramento no tempo, a que apesar de tudo aspira, é inautêntico. (…) Não é por acaso que as análises de Lorenz possam-se registrar em tábuas, suporte tão alheio ao tempo como a própria organização wagneriana da forma. Em que pese toda sua meticulosidade, resulta disso um jogo gráfico que não é capaz de descrever a música real.”

Toda música cíclica era decepcionante até o tempo de Adorno? Hoje é sinônimo de puro prazer e deleite!

Sou incapaz de lembrá-lo, mas também não o esqueço” Sachs

O Leitmotiv remonta, muito além de Berlioz, à música programática do séc. XVII, quando ainda não imperava uma lógica da linguagem musical obrigatória, e seria melhor compreender esta origem somente sob o aspecto alegórico do que sob o jogo pueril de efeitos de eco e análogos.”

A necessidade de que a música de W. fosse comentada e resenhada foi desde sempre a declaração da bancarrota da própria estética wagneriana do imediatamente uno. A decadência do Leitmotiv é imanente a este: leva diretamente, passando pela elástica técnica de ilustração de Richard Strauss, à música de cinema, onde o Leitmotiv unicamente anuncia heróis ou situações a fim de que o espectador se oriente mais rapidamente.”

Só mesmo num contexto harmônico articulado pode o motivo responder, pode a mesma técnica da seqüência progressiva produzir este sentido alegórico que exige o leitmotivismo e que em grande medida possui seu esquema na triplicidade do Bar.”

Ao contrário, do amor, a música de cinema já não é assim um elogio…

Diante da décadence wagneriana se anuncia hoje em dia uma decadência, a de que precisamente esta sensibilidade abandonara os músicos e estes inclusive suspiram pelas cadeias em que Wagner tratava de se sacudir.”

O fato de que Wagner desenvolvera este análogo do procedimento impressionista na pintura sem consciência disso assinala a unidade das forças de produção da época não menos que o isolamento dos domínios particulares produzidos pela divisão do trabalho entre si.”

Na atmosfera wagneriana já está latente algo daquela do filisteu furioso que logo lançou o anátema contra todos os <ismos>. Quanto mais progridem a tecnificação da obra de arte, a planificação racional do procedimento e, portanto, o efeito, tanto mais ansiosamente a música medita como deverá parecer espontânea, imediata, natural, e como dissimular-se-á a vontade de estruturação do seu autor. Em contradição com sua práxis, sua ideologia nega o dissolvente, desagregador, analogamente a como logo, logo isto se expressará brutal e primitivamente na recusa sumária de toda nova arte por parte de Cósima na correspondência com o nacional-socialista Chamberlain.

(*) Houston Stewart Chamberlain (1855-1927): escritor germanófilo de origem britânica. Admirador, biógrafo e genro de Wagner, suas teorias racistas, em grande parte devedoras de Gobineau, foram uma importante fonte de inspiração para o nazismo.”

Wagner foi um impressionista apesar de si mesmo, conforme o estado atrasado das forças produtivas humanas e técnicas e portanto também da doutrina estética na Alemanha de meados do séc. XIX.” “Nenhuma comparação de W. com o impressionismo seria pertinente se não se recordara ao mesmo tempo que o credo do simbolismo universal, ao qual estão sujeitas todas as suas conquistas técnicas, pertence a Puvis de Chavannes, e não a Monet.

(*) Pierre Cécil Puvis de Chavannes (1824-98): pintor e desenhista simbolista francês.”

O que leva a totalidade wagneriana ao desastre não é tanto a nulidade do individual como o fato de que o átomo, o motivo caracterizador, deve, precisamente em virtude da característica, sempre aparecer como se fôra algo, exigência esta às vezes não satisfeita. Os temas e motivos se unem para formar uma espécie de pseudo-história.” “Em Beethoven, o individual, a <inspiração>, é ao mesmo tempo sublime e nulo cada vez que a idéia de totalidade tem a preeminência; o motivo se introduz como algo em si totalmente abstrato, exclusivamente como princípio do puro devir, e, posto que o todo se desdobra a partir daí, o individual, que desaparece no todo, é ao mesmo tempo concretado e afirmado também por aquele. Em W., o individual cheio nega a nulidade que não obstante possui enquanto gesto pré-lingüístico.”

Quanto mais triunfalmente se executa a música de W., tanto menos ela vê em si um inimigo a subjugar; o triunfo burguês sempre silenciou, com sua gritaria, a mentira do ato heróico. Precisamente a ausência de um material dialético sobre o qual a arte poderia ratificar o próprio triunfo condena as totalidades wagnerianas à mera duração. O fato de que motivos como o da espada ou da chamada do berrante de Sigfrido não são domináveis por arte da forma alguma é evidente: a censura de carência de inspiração melódica concerne menos a uma falta de capacidade subjetiva que objetiva. (…) De modo que o respeito constante pela eficácia e a inteligibilidade que permite a W. recorrer a motivos semelhantes a sinais produz uma falta de plasticidade e uma inconseqüência técnica no discurso. Isso fica patente logo no prelúdio do Lohengrin. (…) Sua melodia inicial carece de inteligibilidade, pois se obstina em duas notas, mi e fá sustenido, sem que sua repetição se planteie como temática, unívoca.” “Paradoxalmente, nem na teoria nem em seu próprio procedimento, salvo no Tristão, o cromático W. se livrara totalmente de certa apreensão diante da modulação. Sem o contrapeso das partes diatônicas do gênero do antecedente, a riqueza de graus e a condução cromática das vozes criaria aquele esoterismo que W. temia como a própria morte.” “Os passos de semitom <à parte>, sentidos como estímulo, de Tristão, não se distinguem entre si mais que, ao revés, podem-se reter apropriadamente como melos as fanfarras arcaizantes.”

A inspiração é uma categoria musical recente. Durante o XVII e princípios do XVIII se a reconhecia tão pouco quanto os direitos de propriedade sobre canções. A inspiração nada mais é do que pegadas que o compositor, monadologicamente isolado, optava por deixar no material musical como caracteres, i.e., indícios de estilo. Mas eis que a obra de Wagner aspira a destruir, a fazer desaparecer o ‘estilo’ incrustado no material natural. A força do protesto, que equivale à da inspiração, se encontra, nele, anulada, e o ser-em-si alienado de um material, com o qual o compositor acaba por se defrontar tanto mais impotentemente quanto mais aprende a dominá-lo, é elevado à essência como orientação desesperada. A técnica compositiva de Wagner, tanto como seus textos, têm a tendência de dissolver todo o determinado, tudo aquilo que tem um nome no um e no todo, seja na ‘proto’-tríada ou na gama cromática. A hostilidade de W. aos tipos termina absurdamente no anônimo, inespecífico, abstrato; de modo que, p.ex., em Max Reger poder-se-ia acabar transpondo qualquer tema e qualquer compasso de sua obra a qualquer outro, ao passo que já nos seus sucessores neo-alemães Strauss e Pfitzner a fragilidade interna do material motívico se faz manifesta nos extremos de banalidade fanfarrona e de vacuidade sem remédio.”

as seções, comparadas com o fragmento mais simples de Mozart, são em si de uma assombrosa pobreza figurativa. (…) As únicas passagens estritamente contrapontísticas são combinações de temas.”

Os cabos da melodia infinita se mostram com assaz clareza.” “Tanto mais intenso e perdurável, no entanto, foi, em W., o efeito de um meio estilístico estreitamente ligado à melodia infinita: o Sprechgesang (a fala cantada). Este pressupõe que já não se reconheça o desmembramento tradicional da melodia, que o discurso horizontal fique eximido dos controles duma construção regular dos versos e estrofes, e que esta dispensa seja aplicada ao tratamento musical do texto mesmo. (…) Como se sabe, o Sprechgesang wagneriano deriva em geral do recitativo accompagnato, por mais que desde o início W. protestasse contra sua confusão com o recitativo.” “Com gosto, dir-se-ia que compositores de óperas como Rossini e Auber devem precisamente a tais peculiaridades a reputação de engenhosos.”

Na ópera cômica, é mais fácil distinguir as palavras do cantor que “declama”; na ópera clássica pré-romântica, quase impossível: “W. se esforça por fundir a opera buffa e a opera seria como antes o classicismo fez com os estilos <galante> e <douto>.” Dessa perspectiva, a ópera de W. pode ser entendida como uma continuação, e não ruptura, com os cânones já presentes em A flauta mágica, Don Juan e Fidelio.

A opera seria vem da aristocracia feudal; a bufa, da burguesia. “W. conciliou ambas sob o primado da burguesia.”

O W. progressista modificou a forma sujeita da linguagem de tal modo que a entonação musical não se visse perturbada e se dobrasse como a prosa ao pensamento tanto quanto à música; o reacionário agregou-lhe um elemento mágico, realizando um gesto idiomático que finge um estado existente antes da separação em verso e prosa.” “nisso W. se aproxima ao máximo de Mussorgski, a quem não conhecia em absoluto.”

O mesmo W., cujo ponto fraco era a formação de caracteres puramente musicais, se mostra inigualável na tradução em música de caracteres expressivos.”

Para o drama, parece demasiado ideológico: é incapaz de relegar ao espírito com respeito à coisa mesma, de fazê-lo falar unicamente a partir desta, senão que como artista sente-se sempre simultaneamente no papel de apologeta que deve tomar a palavra ele mesmo.”

Esta função das personagens serve para retração do tempo musical. Os grandes relatos de Wotan no segundo ato d’A valquíria, de Sigfrido antes de sua morte, carecem de fundamento dramatúrgico. (…) Mas, em passagens decisivas, como a da negação da vontade por parte de Wotan e o da destruição da única esperança, põem a ação mesma no passado, de igual modo que segundo seu sentido formal o gesto do Bar se retrai a si mesmo sobre o corpo. (…) [Para que o efeito de fusão entre espectador, música, cantor e herói seja satisfatório,] É preciso que o poeta que fala afirme, vestido como <maestro>, a identidade mítica com suas próprias criaturas, que remedeia musicalmente suas figuras como o ator destas. Isso explica a ambigüidade de seu proceder musical, que confunde entre si a reflexão lírica do personagem do drama e a imediatez gestual-afetiva do diretor.”

As contradições que sustentam a estrutura formal e melódica de W. – condição necessária do tecnicamente frágil – se determinam em geral pelo fato de que o regressivamente sempre igual se apresenta como sempre novo, o estático como dinâmico, ou de que, ao revés, segundo o próprio sentido, categorias dinâmicas se identificam com caracteres anti-históricos, pré-subjetivos. O compor de W. só não é inconsistente porque imediatamente se pressente como estático num grau ultimado, o que já ultrapassa o Ser no sentido da ideologia ontológica de meados do séc. XX, como p.ex. em Stravinski. Stravinski, sendo conscientemente ‘pré-histórico’, é um dos antípodas absolutos da estética wagneriana. Stravinski libera a regressão em figuras sempre novas; como na [regressão] fascista, em sua ideologia estética se abjura do conceito de ‘progresso’. Nos cem anos que lhe foram anteriores, que se enraízam no liberalismo, mas nos quais já se manifesta a própria regressão antecipatória dessa raiz, inclusive, quisera-se afirmar o elemento regressivo em si como progressista, a estática como dinâmica, expoente de uma classe que está já objetivamente ameaçada pela tendência histórica sem, não obstante, segundo a própria consciência, experimentar-se, por isso, como historicamente condenada, e que em lugar disso projeta o previsível final da própria dinâmica como catástrofe metafísica sobre o princípio do Ser.”

é o elemento, propriamente falando, produtivo de W. aquele em que o sujeito renuncia à soberania, se entrega passivamente ao arcaico – o fundo instintivo –; ao elemento que, justamente graças a sua emancipação, abandona a pretensão, tornada incumprível, de configurar o decurso temporal como pleno de sentido. Mas este elemento é, em suas duas dimensões, a harmônica e a colorista, o som. Este é quem parece fixar no tempo e no espaço e, assim como enquanto harmonia <preenche> o espaço, o mesmo número de cores, para o qual a teoria da música não conhece outro, se toma emprestado da esfera ótico-espacial.”

se em W. a música regressa ao meio, estranho ao tempo, do som, em troca é precisamente sua própria distância em relação com o tempo o que permite desenvolvê-lo ulteriormente sem nenhuma trava por parte das tendências que uma e outra vez paralisam suas obras na dimensão temporal.”

figuras como o motivo do sonho no Anel parecem fórmulas mágicas, capazes de extrair todos os achados harmônicos posteriores do contínuo das 12 notas. Mais ainda que na tendência à atomização, W. antecipa o impressionismo na harmonia.”

Sigfrido contém uma passagem segundo o efeito, se não segundo a letra harmônica, politonal, oscilante entre dó maior e fá menor, antes das palavras de Mime <tua mãe me deu isto>”

Em todas as coisas alheias a sua mais estrita competência profissional é inquestionável a propensão de W. a adotar o partido dos clássicos autoritários contra os <modernos>: o postulado nietzscheano do extemporâneo foi distorcido no autor do Tristão, ídolo dos simbolistas parisienses até Mallarmé, até se converter em enfatuação maliciosa.”

Ao mesmo tempo, seus achados harmônicos levam mais além do impressionismo, ao menos do impressionismo dos sucessores alemães de W..”

No momento do grande arrebatamento de Wotan, antes das palavras <Oh, sagrada infâmia!>, n’A valquíria, aparece um acorde que contém 6 notas diferentes (dó, fá, lá bemol, ré bemol, dó bemol, mi duplo bemol) e que, por assim dizer, não se resolve”

Na sua origem, a tendência à evolução cromática do período romântico era progressista. Esta adquiriu em W., pela 1ª vez, no emprego total de sensíveis a barulho e sem resistência, algo de nivelador e estacionário. (…) Precisamente quando finalmente total, o cromatismo produz por si mesmo resistências, fortes graus secundários, que de nenhum modo substituem já meramente a tônica e a dominante. Kurth em particular não fez justiça ao fato.”

gratuitos rabiscos de dissonâncias”

(*) “Hugo Riemann (1849-1919): musicólogo e pedagogo alemão, autor de um Dicionário de música e vários livros sobre teoria e história da música.”

no período estilístico de W. as dissonâncias adotaram o caráter de subjetividade autárquica: protestam contra a instância social reguladora. Toda a energia está do lado da dissonância”

(*) “Simon Sechter (1788-1867): compositor, musicólogo e pedagogo austríaco, que teve como alunos em sua cátedra de contraponto em Viena Bruckner e, rapidamente, pouco antes de que esse morrera, em 1828, a Schubert.”

CONTRA A VISÃO “FUNCIONALISTA” NA MÚSICA: “A funcionalidade, a mediação entre tensão e solução, que não admite nenhum excedente, nada que fique de fora, este procedimento não deve se entender demasiado primitivamente, nem literalmente nem a curto prazo. A práxis harmônica de W. de maneira alguma se esgota no conceito de transição.”

No Parsifal, que submete todos os componentes da música meramente decorativos a uma incipiente crítica, em ocasiões as dissonâncias vencem abertamente pela primeira vez na música clássica, e explodem a convenção da solução, erigindo em seu lugar a árida monodia. [ver glossário]” “pôs no centro de sua obra 8 compassos que por toda sua fatura alcançam o umbral da atonalidade.”

Em Beethoven e até no alto-romantismo os valores expressivos harmônicos estão rigidamente fixados: a dissonância representa o negativo e o sofrimento, a consonância a positividade e o cumprimento [ver glossário, em BAR]. Isso em W. muda no sentido da diferenciação subjetiva dos valeurs sentimentais harmônicos. P.ex., o acorde característico cujo subtítulo reza <o mandato da primavera, a doce necessidade>, e que n’Os mestres cantores representa o momento da pulsão erótica e portanto o agens, patentiza sem remendos o sofrimento e a incompletude tanto como o prazer que se dá na tensão, na falta de consunção mesma: é doce e pura necessidade ao mesmo tempo. O fato de que o sofrimento pode ser doce (…) os ouvintes aprenderam dele” Quão nietzscheano!

Poucas coisas seduziram tanto na música de Wagner quanto o gozo do tormento.”

Certamente há por toda parte funções riemannianas, mas não <harmonia funcional> no sentido da teoria de Schönberg” “A aversão natural de W. pela modulação, esse resíduo particularmente conservador que tão facilmente se associa de novo ao procedimento de mera translação mediante sensíveis, priva a harmonia wagneriana de sua melhor possibilidade, a da organização formal em profundidade, tal como, p.ex., concebeu-a tão torpe e superficialmente um aluno de Sechter (Bruckner). Se nalguma ocasião W. se decide pela modulação, como para, no prelúdio d’Os mestres cantores, escapar da vizinhança do demasiadamente obstinado dó maior, então a modulação, que nunca se desprende totalmente da translação, reveste um aspecto peculiarmente arbitrário, e em seu caráter abrupto perde facilmente a compensação formal com as partes compridas que a precedem com suas escalas próprias; mas disso volta a extrair, como pressuposto, estimulantes do efeito. Os limites da configuração formal de W. são também os de sua harmonia.”

Las notas tenidas del bajo pulen la escritura armónica: siempre hay menos notas del bajo que acontecimientos armónicos. De ahí resulta una cierta pesadez, la característica viscosidad del discurso. Ésa es sin duda la herencia de la diletante pobreza de grados del joven W. (…) El W. maduro supo hacer de tal necesidad la virtud de la ambigüedad armónica.”

O Lohengrin o demonstra na visão de Elsa plenamente elaborada com esses 8 compassos citados como paradigma wagneriano, os quais modulam de lá bemol maior a dó bemol maior, si menor, ré maior, ré menor, fá maior-menor até voltar a lá bemol maior. A argúcia consiste na reinterpretação do dó bemol como si. O intercâmbio enarmônico tem aí o efeito do inesperado, do imprévu no sentido berlioziano. Esse efeito de surpresa, p.ex. o do sol bemol por trás da frase <te considero nobre, livre e grande!>, faz ainda saltar, crassamente e sem mediação, a estrutura no Rienzi. (…) Porém, na madurez wagneriana, i.e., no Lohengrin, a enarmonia volta a integrá-lo no conjunto da composição. O novo é ao mesmo tempo o antigo: isto se reconhece e se torna facilmente compreensível no novo. <Soava tão antigo e era, ao contrário, tão novo>: isso poderia constituir a regra da enarmonia wagneriana e, na verdade, a de toda a harmonia wagneriana.”

Escreve-se formulaicamente o que nunca foi.

Estas associações só se fazem completamente inteligíveis a partir do material mais avançado da música contemporânea, a qual já aboliu a continuidade da transição wagneriana.”

Richard Strauss assinala que cada obra de W. tem seu próprio estilo de instrumentação e inclusive sua própria orquestra, e a capacidade de W. para a estilização instrumental está tão desenvolvida que inclusive no interior da unidade estilística do Anel as 4 óperas se distinguem entre si por seu caráter sonoro específico.”

O tratamento distinto dos oboés é, em sentido negativo, uma das inovações mais importantes de W. com respeito aos procedimentos tradicionais. No esquema tradicional da partitura, os oboés se situam sobre os clarinetes e no classicismo vienense a maior parte das vezes se os coloca na mesma sobreposição. (…) já W. só os utilizou de modo solo ou em tutti forte, mas essa sobreposição alternativa já era indiscutivelmente uma fuga do papel de segundo soprano natural da seção de ventos para o oboé.”

Entre flauta e clarinete em uníssono [duplicação criada por W.] se produz uma espécie de som de interferência, flutuante, vibrante. Desaparecem, neste, os caracteres específicos de ambos os instrumentos; se tornam indistinguíveis; um músico desprevenido não poderia relatar a origem do som. Nisso, este novo som emula o órgão [em que, pode-se dizer, há, no movimento forte, o amálgama já da corda acionada pela tecla e da madeira, em que ela bate].” “Se os clarinetes nivelam a arcaica irracionalidade das flautas, o clarinete baixo reforça o baixo, já passado de moda, das madeiras, o fagot.”

Com a introdução de válvulas ganhou-se indiscutivelmente tanto para este instrumento [a trompa] que resulta difícil passar por alto este aperfeiçoamento, ainda que com ele a trompa tenha perdido, inegavelmente, em beleza tímbrica, como também, e em especial, na capacidade para ligar os sons com suavidade. Devido a essa grande perda, sem dúvida o compositor interessado na conservação do autêntico caráter da trompa deveria ter-se abstido do emprego da trompa de válvulas, isso imaginando que esse mesmo compositor não houvera feito a constatação de que, mediante um treinamento particularmente atento, artistas excelentes podem superar as desvantagens indicadas até a quase imperceptibilidade, de modo que, no que se refere ao som e à ligação, mal se pode advertir a diferença.”

W. sobre o Tristão

Quien jamás ha oído una trompa natural junto a una trompa de válvulas no puede preguntarse dónde se ha de buscar el <auténtico carácter> de la trompa cuya pérdida él lloraba. (…) un sonido <suena como trompa> en cuanto se percibe que es tocado por la trompa” “igualmente incuestionable es que el sonido pedalizado del piano se distingue del sonido no pedalizado por el hecho de que de aquél la huella de la producción queda borrada en el instante en que el macillo golpea la cuerda.”

según una expresión de Alban Berg, el instrumentador tiene que comportarse como un carpintero, el cual controla que en su mesa los clavos no asoman y que el olor de la cola no sigue siendo perceptible, así en el jazz las trompetas con sordina pueden sonar como saxofones y viceversa, e incluso la parte vocal susurrante o transmitida por el pabellón se les asemeja. La idea de un continuo eléctrico de todos los colores sonoros posibles llevó esta tendencia a la fórmula radical: la mecánica.”

la famosa <simplicidad> de la instrumentación de Parsifal es, por comparación con Tristán, Los maestros cantores y el Anillo, no meramente reaccionaria, no meramente falsamente sacra, sino que también ejerce una crítica legítima de las componentes ornamentales en el estilo de instrumentación característico de W.. En Parsifal no hay meramente santurrones pasajes para los metales, sino al mismo tiempo un lúgubre amortiguamiento del sonido como el que en las últimas obras de Mahler y luego en la Escuela de Viena se hizo dominante.”

Schreker, discípulo de W., mais wagneriano que o próprio, apologista do tutti e abominador do solo: “Nada soa mais perturbador que, p.ex., uma celesta que se ouve sozinha… Nego… o som demasiado nítido, diferenciável e em favor da ópera não quero reconhecer mais do que um instrumento: a orquestra mesma!”

O direito crítico dessa exigência se tornou bastante rapidamente farisaísmo prosaico, em tempos de perda da arte da instrumentação, que aliás foram apressados sucessores do próprio triunfo da arte da instrumentação, que pouco sobreviveu a W..”

o estilo compositivo mozartiano de nenhuma maneira busca a continuidade: antes justapõe unidades monádicas, equilibra-as, contrasta as seções de cordas e ventos segundo uma maneira concertante mais antiga.”

o insípido som do violino conta-se entre as grandes inovações da época cartesiana.”

Na música, que enquanto arte burguesa era ainda jovem, brotam, com a instrumentação, seus últimos galhos.” “Quem compreendesse por que Haydn dobra em piano [movimento suave] os violinos com uma flauta poderia entrever desde então por que há milhares de anos a humanidade renunciara a comer trigo cru e começara a assar o pão, ou por que alisara e polira seus utensílios.”

Quanto mais obra de arte, menos obra, pois mais metafísica, já-feita desde a eternidade, já dada. Obra de arte dada não é criada. A criada e o mestre. Quanto mais mundana, mais sagrada. Quanto mais sacra, mais anti-arte. Quanto mais arte, menos arte, quanto menos arte, mais mundo.

Isto é um charuto; e se não fôra o homem faria com que fôra! A transparência da cal.

UM BENJAMIN SOPROU EM MEU OUVIDO: “A conversão da obra de arte em mágica conduz a que os homens venerem como sagrado seu próprio trabalho, pois não podem reconhecê-lo como tal.”

Muitos filhos ele tem

Muitos quadros ele compra

Muitos livros ele escreve

Muitos álbuns ele caga

Muitos filmes ele co-leciona

Un arte dañada para un hombre dañado!

As óperas de W. tendem ao espelhismo, tal como Schopenhauer chama o <lado exterior da mercadoria ruim>: à fantasmagoria.” “Até sua autodissolução em Schreker, a escola neo-alemã se ateve à idéia do <som distante> como a do espelhismo acústico; a da sonoridade na qual a música, espacializada, se detém numa imbricação do próximo e do distante tão enganosa como a consoladora Fata Morgana,¹ aproxima-nos as cidades e caravanas desde sua distância como espetáculo natural e de forma mágica transforma plasticamente os modelos sociais na natureza mesma.”

¹ Fenômeno físico: miragem ou ilusão ótica no horizonte que eleva a altura de objetos distantes em decorrência de inversões térmicas.

Entre os instrumentos de madeira da ópera Tannhäuser, predomina a flauta piccolo, de todos eles o mais arcaico, do qual a evolução da técnica instrumental quase não deixou vestígio. É um reino musical de elfos bastante parecido com o esboçado pelo jovem Mendelssohn, a quem o Wagner tardio tinha em alta conta.” “Isso recorda os dispositivos com espelhos daquele teatro de Tanagra que ainda hoje se encontram nos parques de diversão e nos cabarés fronteiriços [?].”

Quando, na parte do Venusberg na obertura os violoncelos e os contrabaixos entram na letra B com o ritardando, assinalam o instante em que o sonhador toma consciência de seu próprio corpo e se distende no sonho. A técnica da redução do som sem baixos confere também uma expressão fantasmagórica a uma passagem do Lohengrin que, de uma maneira menos evidente que no Tannhäuser, determina a obra inteira. É a visão de Elsa, na qual seu sonho arrasta o cavaleiro e por assim dizer toda a ação. (…) As notas graves que aparecem voltam a se confiar a instrumentos sem peso, o clarinete-baixo e a harpa. O som do clarinete-baixo, de uma singular transparência, não decai abaixo do mi bemol 2.”

Quando o último W. brincava com a idéia da metempsicose, para isso quase não necessitava do estímulo das simpatias budistas de Schopenhauer. Na fantasmagoria já estava a dama Vênus, a deusa pagã, simbolicamente integrada à era cristã, cabalmente reencarnada como Kundry, a quem Klingsor conjura enquanto ela dorme à luz azulada: <Tu foste Herodias, e agora? Gundrigia ali, Kundry aqui!>.”

 

A princesa judia Herodias.

O sonhador se encontra impotente com a imagem de si mesmo como um milagre e permanece no inevitável círculo de seu próprio trabalho, como se este círculo fosse eterno; a coisa, de que se esqueceu que ele é o autor, aparece diante dele como fenômeno absoluto.”

O Zaratustra parece ter sido uma resposta satírica ao Tannhäuser: “Pero debo volver al mundo de la tierra, contigo sólo puedo ser un esclavo; anhelo la libertad, tengo sed de libertad” “su despedida de Venus es uno de los auténticos momentos políticos en la obra de W..”

Su traición no consiste en que se entregue a los caballeros, sino en que, ajeno al mundo y presa del sueño, les cante la loa a Venus, la misma loa que por 2ª vez lo inmola precisamente al mundo del que en la fantasmagoría ya una vez huyó. Su misma evasión es ilusoria: lo lleva del Venusberg al torneo de canto, del sueño a la canción, y la huella de lo que le empujó a la rebelión sólo subsiste en el genial canto del pastor que, más allá del sueño y la cautividad, evoca la productividad de la naturaleza misma como obra del mismo poder que al cautivo le parecía mera ausencia de libertad. Lo que salva a Venus son las palabras <Lam dama Holda salió de la montaña> y no el traicionero elogio de Tannhäuser. Para la experiencia socialmente determinada del placer como ausencia de libertad el mismo poder de los instintos se transforma en enfermedad, tal como con el grito <!Ya basta!> ya Tannhäuser percibe en el reino de Venus su propio goce como una debilidad. Toda la obra de W. está impregnada de la experiencia del placer como enfermedad.” “La enfermedad y el deseo se confunden en la opinión de figurarse que a un ser vivo sólo se le mantiene vivo mediante la opresión de su vida.” “En una regresión bien conocida por la educación burguesa y desde hace mucho tiempo interpretada por el psicoanálisis como <sifilofobia>, sexo y enfermedad venérea se asimilan, y no por casualidad en su lucha contra la vivisección a W. le indignaba que sus resultados favorecerían la curación de enfermedades contraídas por <vicio>.”

Assinalou-se que em W. as flautas que ressonam no Venusberg em solo rara vez aparecem como instrumentos desacompanhados. São vítimas da difamação por parte da fantasmagoria do prazer que elas representam na fantasmagoria mesma. Bem o notou Nietzsche: <Por que sofro eu quando sofro pelo destino da música? Pelo fato de que a música se despojou de seu caráter transfigurador do mundo, afirmativo, pelo fato de que é uma música da decadência e já não é a flauta de Dionísio>. A flauta wagneriana é a do caçador de ratos de Hamelín; mas, como tal, logo se converte em tabu.”

A ilusão entranha a desilusão. Na obra de W. ela tem seu modelo muito bem-ocultado: o de D. Quixote, que W. tinha em muito alta conta. A fantasmagoria d’Os Mestres cantores, seu segundo ato, impõe aos heróis o papel de quem luta contra moinhos de vento.”

Enquanto esboço de uma pré-história burguesa, Os Mestes Cantores são a obra central de W.”

quando a Santa Lança [Longinus?] se detém fantasmagoricamente sobre a cabeça de Percival, este se serve dela para maldizer: <Que em ruínas e pó converta o falso esplendor!>. É a maldição daquele rebelde que quando jovem assaltava bordéis não olvidados.”

A fantasmagoria, bem como o ritmo de seu declive, deve desdobrar-se na obra de arte épica extensa (a obra de arte total ou o <drama do futuro>, na boca de W.).”

Ao desembocar em um quid pro quo dos meios estéticos que mediante a perfeição artificial deve ocultar todos os pontos de sutura do artefato, a diferença entre este e a natureza pressupõe precisamente a alienação radical de toda naturalidade que, instaurando-se como segunda natureza, a obra total queria fazer sepultar.”

A ocultação do processo de produção poética em prol de sua intencionalidade, por conseguinte de sua racionalidade, assim como a relação constitutiva da obra de arte com a <vida ordinária> que Ópera e drama não se cansa de recordar, W. as introduz na configuração que define a fantasmagoria.” Um compositor de ópera que precisou explicar sua obra via livros… O contrário do filósofo que faz música transcendental com seus escritos. Vê-se que a obra de arte total não era tão total assim!

Com a <ocultação da intenção> do poema por meio da música, a obra de arte total aspira ao ideal do fenômeno absoluto com o qual a fantasmagoria ilude: <É assim que a forma artística unitária mais completa é definida por mim como aquele em que um vastíssimo conjunto de fenômenos da vida humana – ‘conteúdos’ – é comunicável ao sentimento numa expressão tão perfeitamente inteligível que este conteúdo se manifesta em todos os seus momentos como um conteúdo que estimula perfeitamente, e satisfaz perfeitamente ao sentimento. O conteúdo tem de ser, destarte, um conteúdo constantemente presente na expressão; e esta expressão, uma expressão que constantemente faça presente o conteúdo em toda sua extensão; pois o que não está presente só pode ser captado pelo pensamento, enquanto o [que está] presente [só pode ser captado] pelo sentimento>.” Conteúdo, conteúdo, conteúdo… Você é um vestibulando por acaso, VVaguinho?

eu cap[o]to as sensações

(*) “Hermann Cohen (1842-1918): filósofo alemão neo-kantiano que rechaça a oposição kantiana [?!] entre sensibilidade e entendimento em prol de uma intuição puramente intelectual como único meio de conhecimento.”

O DR. FRANKENSTEIN: “A atualização permanente que a música deve consumar no poema às custas do tempo musical persegue o fim de, dissolvendo-o e vivificando-o, transferir à aparência de uma pura atualidade subjetiva todo o rigidamente objetual do poema e com isso o reflexo do mundo das mercadorias na obra de arte: <A ciência nos mostrou o organismo da linguagem; mas o que nos mostrou era um organismo morto, que só a extrema necessidade do poeta pode devolver à vida, e isso certamente tapando as feridas infligidas pelo escalpelo anatômico ao corpo da linguagem e insuflando-lhe o hálito que o anime ao automovimento. Mas esse hálito é… a música…>

Texto recente sobre a estética do cinema: <tal como a adaptação realizada pelo olho ao acostumar-se a captar a realidade de antemão como uma realidade das coisas, no fundo como uma realidade de mercadorias, o ouvido ainda não realizou nada parecido. O ouvido é, em contraste com a visão, <arcaico>, não acompanhou o desenvolvimento da técnica. Poder-se-ia mesmo dizer que reagir essencialmente pondo o ouvido ‘olvidado’ de si mesmo, em lugar de abrindo olhos vivazes e calculadores, contradiz, de certo modo, a era tardo-industrial… O olho é sempre um órgão DE ESFORÇO, de trabalho, de concentração, que apreende univocamente algo DETERMINADO. Já o ouvido carece de concentração, é PASSIVO. Não há como fazê-lo se acostumar, i.e., ‘se arregalar’ diante de ‘uma tela’, gradativamente… Comparado ao olho, o ouvido é sonolento e apático. Mas sobre esta sonolência paira o tabu que a sociedade fizera pesar sobre a ‘preguiça’ de maneira geral. Desde sempre a música fôra uma tentativa de burlar esse tabu.>(*)

(*) Embora faça parecer que se trate de uma citação acadêmica qualquer do séc. XX, quem sabe até apócrifa, na verdade é uma AUTOCITAÇÃO de Adorno. Cf. Adorno & Eisler, Komposition für der Film, Munique, 1969.” Não pesa tabu algum. Falou, falou, falou, e NADA DISSE. Órgão de CONCENTRAÇÃO é o próprio ouvido.

O inconsciente, cujo conceito W. devia à metafísica de Schopenhauer, é, nele, já ideologia: a música deve dar calor e fazer somar as relações alienadas e reificadas dos homens, como se ainda foram humanas. Tal ressentimento tecnológico é o a priori do drama musical. Reúne as artes a fim de mesclá-las delirantemente. A linguagem voluptuoso-idealista de W. o apresenta sob a metáfora da união sexual: <O que necessariamente se há de dar de si, a semente que a partir de suas forças mais nobres só se condensa na mais ardente excitação amorosa – semente que não procede senão do impulso a se dar, i.e., de se comunicar para fecundar; mais ainda: que em si é a encarnação deste mesmo impulso –, esta semente fecundante é a intenção poética, que aporta na música, mulher esplendorosamente amante, aquilo a que se há de dar a luz.>

Não somente os dramas musicais culminam em fragmentos de delírio, como no canto final de Isolda, a cena de Sigfried e Brunilda ao fim de Sigfrido ou o lamento fúnebre de Brunilda n’O Crepúsculo dos deuses; na promiscuidade de seus elementos, a mesma forma dramático-musical está, a cada instante, aberta ao delírio enquanto <regressão talassal>.¹”

¹ Tálassa, divindade grega, pré-olímpica. Fecundada por Urano, é avó das ninfas ou ainda mãe de Afrodite ou do Amor. Como aquela que habita pela primeira vez todos os oceanos, prefigura-se aqui um ‘sentimento oceânico’ junguiano?!

Figuras e símbolos se fundem mutuamente, até que Sachs se converte em Marke e o Graal no tesouro dos nibelungos, os nibelungos nos wibelungos. [?] Só do extremo de uma espécie de fuga do pensamento, da renúncia a todo o unívoco, da negação de tudo o que leve a marca do individual, de nenhum modo meramente na música, deduz-se a idéia de drama musical.”

Assim como o conceito de obra de arte técnica, também o de <vontade de estilo> teve de vir ao mundo (abortado, mais cedo) com a obra de W..” “a totalidade wagneriana está sempre condenada a quebrar em pedaços.”

Música-cena-palavra unicamente se integram porque o autor – a palavra compositor-poeta não designa mal o monstruoso de sua posição – as trata como se todas convergissem no mesmo. Mas com isso ele violenta e desfigura o todo. Este se converte em tautologia e repetição, sobredeterminação permanente. A música só diz uma vez mais o que as palavras não cessam de dizer, e quanto mais se põe em primeiro plano, tanto mais supérflua se torna com respeito ao sentido que deve expressar. (…) Wagner queria exatamente o contrário quando idealizou o seu Sprechgesang (palavra cantada) como recurso estilístico. Acontece, porém, que na prática a palavra cantada empobrece a música. (…) a própria gesticulação dos atores no palco aparece como caricatura, como se todos não fossem mais que personalizações do próprio diretor de orquestra, o que de fato são, aliás. (…) A ópera anterior, à qual W. reprovava a ausência de unidade estética do ponto de vista da integração dos meios sensíveis, era superior a sua ópera, ao menos no sentido em que não buscava a unidade pela assimilação, senão pela obediência às demandas de cada um dos âmbitos do material. A unidade mozartiana era a da configuração, não da identificação. (…) Enquanto coisa aleatória que de modo usurpador se atribui a si mesma necessidade, a filosofia da história vê tal obra de arte total como algo que deve inevitavelmente naufragar. (…) um só instante de reflexão em meio a todo esse delírio bastaria para destruir a aparência de unidade ideal.”

Dioses, héroes y acción planetaria prometen al anhelo estético la salvación basada en la huida de lo banal; el romanticismo temprano no había tenido necesidad de imágenes de la grandeza porque todavía no se encontraba a cada paso con la amenaza del carácter de mercancía del que luego acaban por adolecer también en W. los modelos heroicos.”

el mundo de las imágenes musicales, al cual se recurre en cuanto reverso metafísico de la mónada solitaria, proviene de la sociedad que éste mundo niega.”

Nadie imparcial que oiga por vez primera el vehemente <motivo de la decisión de morir> de Tristán podrá sustraerse a la impresión de jovialidad trivial.” “También pagó, por tanto, la metafísica wagneriana de la muerte su tributo a la inaccesibilidad del goce vigente desde Beethoven en toda gran música.”

La concepción de la totalidad cerrada en sí y que se despliega a sí misma, de la idea presente en la intuición sensible, es un fruto tardío de los grandes sistemas metafísicos, cuyo impulso, filosóficamente roto desde el Feuerbach conocido por W., se refugió en la forma estética. Se puede creer a W. que cuando finalmente leyó a Schopanhauer se sintió meramente confirmado por éste, que no <influido> en el sentido habitual; el desplazamiento del acento metafísico al arte se prepara en el tercer libro de El mundo como voluntad y representación. Pero así como este desplazamiento está condicionado por el positivismo que tan claramente se anuncia en la determinación de Schopenhauer a negar el <sentido> a toda existencia natural y concedérselo a la ciega voluntad, así también la metafísica inmanente al procedimiento wagneriano va a la par con el desencantamiento del mundo.” “La obra de arte ya no obedece a su definición hegeliana como la apariencia sensible de la idea, sino que lo sensible se dispone para parecer como si dominase a la idea: ésta es la verdadera razón del rasgo alegórico en W., de la invocación de una esencialidad irrecuperable. El delirio tecnológico se prepara por miedo a la harto próxima sobriedad.”

El entusiasmo del joven Nietzsche se equivocaba sobre la obra de arte del porvenir: en ésta se produce el nacimiento del cine a partir del espíritu de la música.” “El 23 de marzo de 1890, mucho antes de la invención del cinematógrafo, Chamberlain escribió a Cósima sobre la Sinfonía Dante de Liszt, representativa de toda esta esfera: <Ejecutad esta sinfonía con una orquestra oculta y en una sala oscura, y haced que por el fondo se pasen imágenes, y veréis entrar en éxtasis a todos los Levi y a todos mis fríos vecinos de hoy, cuya insensibilidad atormentaba el pobre corazón>. Pocas cosas podrían probar más drásticamente hasta qué punto es falso que la cultura de masas le sobreviniera meramente desde el exterior al arte: éste se transformó en su contrario en virtud de su propia emancipación.”

En ninguna parte se muestra lo frágil de la concepción del drama musical más acentuadamente que allí donde más se aproxima a su propia razón de ser, la ocultación del proceso de producción: en la actitud antagonista de W. con respecto a la división del trabajo, la cual luego se convierte en base confesada de la industria cultural.”

El marcador gremial no puede ni entender la canción de concurso ni, atiborrado de reglas de tablatura, realizar tampoco él mismo algo coherente; y Mime, el herrero, es <demasiado hábil> para forjar la única espada que necesita. En ambas figuras insulta W. al entendimiento reflexivo.” “El <cantante> Walther acaba por inclinarse ante el <maestro> Sachs y aprende a no <menospreciar> los <gremios> de especialistas; en lo cual, por supuesto, la reconciliación de lo feudal con el orden burgués desemboca en la colusión con precisamente el mundo reificado al que el hidalgo, con toda razón, teme.”

No pocos de los contrarios a Wagner creyentes en la cultura y hostiles a la civilización, entre ellos Hildebrandt, le reprochan que, a pesar de toda la supuesta <lucha contra el siglo XIX>, adoptara sin escrúpulos sus adelantos técnicos.”

El esbozo de instrumentación – hoy a lo mismo se le llama particella – se fija paralelamente al esbozo de composición: lo sigue siempre a distancia de pocos días. Con ello los dos métodos de trabajo de separan claramente entre sí y se evita que el sonido en sentido berlioziano se autonomice. (…) El efecto mágico es inseparable precisamente del proceso racional de producción que él mismo destierra lejos de sí.”

W. planteaba una exigencia de humanismo real. Esta exigencia se transformó en él en delirio y enceguecimiento, en lugar de apoyar a la libertad con la conducción racional del proceso de trabajo.”

Atualmente não é possível que duas pessoas pensem em fazer possível o drama integral em comum, pois ao discutir esta idéia teriam que confessar perante o público com a necessária franqueza a impossibilidade de sua realização, e este reconhecimento estrangularia, portanto, sua empresa em germe. Só o solitário pode com seu impulso transformar em si a amargura deste reconhecimento em um deleite embriagador que o empurre com coração de bêbado à empresa de fazer possível o impossível; porque só ele recebe o impulso de duas forças artísticas às quais não se pode resistir e pelas quais se deixa voluntariamente levar em auto-sacrifício.”

Por muita verdade que contenham essas frases, sua conseqüência não desemboca na obra de arte total, senão em sua proibição crítica. (…) O que o indivíduo sacrifica no drama musical não é a si mesmo, senão à consistência da obra (…) Para chegar a uma obra de arte total depurada de falsa identidade seria mister um coletivo de especialistas submetidos a um plano.”

Quem ignora que o final d’O crepúsculo dos deuses contém o motivo da Redenção não compreende nem a consumação musical nem a poética. Esse é o preço que o drama musical tem de pagar por ter renunciado à lógica puramente musical da construção na imanência do tempo.”

O mesmo que o homem não se nos representa com certeza mais plena, mais satisfatória, salvo se se manifesta ao mesmo tempo a nossos olhos e ouvidos, assim tampouco o órgão de comunicação do homem interior convence nosso ouvido com a mais completa certeza salvo se se comunica de maneira igualmente satisfatória aos <olhos e ouvidos> deste ouvido.”

Melhor do que eu, ninguém pode saber que a realização do drama que pretendo depende de condições que não se encontram na vontade, nem sequer na capacidade do indivíduo, ainda que esta fosse infinitamente maior que a minha, senão somente numa situação geral e numa colaboração coletiva possibilitada por esta, das quais agora não existe senão precisamente todo o contrário.”

El delirio fantasmagórico expulsa toda política de la ópera; por lo demás, ya en Meyerbeer los temas políticos se neutralizaban como meros objetos de curiosidad, tal como p.ej. sucede en las películas en color o las biografías de personas célebres que hoy en día pone en el mercado la industria cultural.”

Al Anillo se le podría anteponer aquella sentencia de Anaximandro recientemente interpretada por Heidegger, que en cuanto mitólogo del lenguaje guarda semejanzas con W.. En traducción de Nie., dice así: <Allí donde las cosas tienen su nacimiento debe también producirse por necesidad su destrucción, pues deben pagar su culpa y reparar su injusticia conforme al orden del tiempo>. La justicia, que se define como expiación de la injusticia, equivale a ésta y se convierte por tanto ella misma en injusticia, el orden en destrucción (…) La música de W. se pliega al axioma jurídico de que tensión y solución han de corresponderse totalmente, de que nada debe quedar desnivelado, nudo, aislado”

Every tone which is added to a beginning tone makes the meaning of that tone doubtful. If, for instance, G follows after C, the ear may not be sure whether this expresses C major or G major, or even F major or E minor; and the addition of other tones may or may not clarify this problem. In this manner there is produced a state of unrest, of imbalance which grows throughout most of the piece, and is enforced further by similar functions of rhythm. The method by which this balance is restored seems to me the real idea of the composition.

Schönberg, Style and Idea

O DURKHEIM DO TEATRO: “Por verdadeira que seja a censura estética a W. por haver posto a mão, ele, o moderno, sobre o mais antigo, ele, o profano, sobre o mito, a regressão do procedimento estético não depende do arbítrio individual ou do azar psicológico. Ele pertence a uma geração que, pela primeira vez em um mundo completamente socializado, compreendeu a impossibilidade de mudar individualmente o que se consumava por sobre a cabeça dos homens.”

Los maestros cantores coquetean con aquella costumbre de la pintura antigua de poblar espacios y tiempos remotos con figuras de generaciones posteriores y autóctonas.”

A cada cual le parece que es su propiedad exclusiva, mensaje de su infancia olvidada, y a partir del déjà vu de todos cristaliza la fantasmagoría del colectivo.”

Anticipó estéticamente tensiones que teóricamente sólo aparecieron con el conflicto entre Freud y Jung.” “En los instantes de toma de consciencia la forma literaria de W. anticipa la de Nietzsche 30 años antes de Zaratustra: ¡Temor de la madre primordial! ¡Miedo primordial! ¡Abajo! ¡Abajo, al sueño eterno!

La dramaturgia del W. maduro opera siempre con una especie de <teatro épico>. Con la renuncia a la oposición de la música a los mitos se sacrifica de antemano toda idea trágica.”

o temerário é aquele sobre o qual não têm nenhum poder nem a autoridade do pai nem a ordem natural das gerações”

melodía del mediodía

melodia

do

meiodia

Se ao drama musical falta a palavra redentora, em compensação seus personagens não deixam de se declarar redimidos”

Trata-se aqui da astúcia da razão. Qualquer coisa que ocorra em oposição ao <total>, à vontade universal de Wotan, ocorre ao mesmo tempo no sentido deste, ainda que seja meramente porque o espírito absoluto de Wotan não pensa nada além de sua própria destruição.”

Nem terra nem gente ofereço, nem casa nem pátio paternos: unicamente herdei o próprio corpo; vivendo o consumo.”

O crepúsculo dos deuses não é meramente a consunção do veredito metafísico de Schop., senão o abandono de uma filosofia da história em que o antagonismo entre o universal e o particular se destelha sempre enganosamente; privado da articulação dialética pela qual Hegel o domina, mas privado também da esperança de uma situação alterada, na qual o mesmo perene antagonismo se desvaneceria. À produção da resistência pelo todo social corresponde o fim, a identificação da resistência com o domínio: o poder do Anel de interpretar a história tem aí seu limite e se perde na noite da indiferença.” “o todo nada mais é que a má-eternidade da rebelião enquanto anarquia e incansável autodestruição. Entre o deus pai Wotan e Sigfried, seu adversário salvador e seu funesto salvador, a verdade é que não há nenhuma fronteira, e em sua união o Anel celebra o abandono da revolução que não o era.”

A ambigüidade da construção se torna patente nas oscilações da concepção da Tetralogia. Enquanto que na primeira versão Sigfried, ao perecer, salva o Valhalla, na última conduz ao desenlace desesperado em que – para ser mais que só uma vítima e servidor passivo do existente, sem que com isso mudasse nada do próprio existente, do qual é apenas um fruto afinal, como o reconhece a resignação wagneriana –, destruindo-se a si mesmo e à individuação em geral, produz não menos do que a destruição do todo. A resignação do incondicionado, o fracasso da revolução burguesa e a representação do processo universal como destruição universal casam muito mal entre si. Sua relação, ao menos a entre a insurreição fracassada e a metafísica niilista, não deixou de assinalar-se desde Nietzsche.

Finalmente, a franqueza na qual o burguês e o mítico se mascaram mutuamente é desde o Iago de Shakespeare o verdadeiro clima da traição.”

Para W., o anarquismo significa que o único necessário é colocar em movimento uma insurreição mundial para convencer o camponês russo – em quem a bondade natural do homem oprimido foi mantida pela natureza, a despeito de tudo, e na forma mais infantil – de que incendiar os castelos dos senhores, com tudo o que está dentro e nos arredores, é completamente justo em si e mesmo aprazível aos olhos de Deus; e disso deve resultar a destruição de tudo o que, pensando-se detidamente, deve parecer, até mesmo para os mais filosóficos pensadores da Europa civilizada, a real fonte de toda a miséria do mundo moderno.”

Para Lukács, o nivelamento com o universalmente humano e sua <nulidade> passa por alto a verdadeira <essência>, a mesma lei do movimento histórico da sociedade, e reduz a princípio universal a miséria de um período histórico.”

Como um autêntico chefe de polícia secreta, em sua grande biografia Glasenapp redigiu autênticos registros judiciais de todas as pessoas e cachorros que tiveram contato com W., e chega ao ponto de tachar Nietzsche de <rábula> por ocasião de este ter considerado W. seu amigo unicamente por ter W. dito que N. era <seu amigo>.”

Por si mesmo só se cumpre o cumprimento do destino.”

O princípio metafísico da falta de sentido é hipostasiado como sentido da existência empírica sem sentido, de modo não diferente a como mais tarde sucederia nos inícios da filosofia existencial alemã.”

Se Schopenhauer condena a vida como jogo cego da vontade, W. se curva obedientemente a este jogo e o adora como natureza inconcebivelmente sublime.” “Em Sch. a conversão da própria vontade de viver é sinônima da tomada de consciência de si mesma da representação. Esta desiste de sua própria vontade de viver ao se dar conta da injustiça que inevitavelmente comporta a vontade e abre uma brecha no circuito do destino cego – Sch. fala de um círculo de carvões ardentes do qual tem-se de sair – com a esperança de que, imitando tal conduta, o mundo do pecado original mesmo se apazigüe. Para ele o primeiro requisito da renúncia é o ascetismo sexual. Certamente, no Parsifal W. fez deste seu postulado, mas só para comprometê-lo de maneira mais grave segundo os conceitos schopenh. por meio do brilho mundano da comunidade do Graal e a cavalaria do Graal. No Anel, no entanto, e no Tristão, o ideal ascético se confunde com o mesmo instinto sexual. A satisfação do instinto e a negação da vontade de viver se mesclam no delírio, naquela <morte risonha> de Sigfried e Brunilda, na noite de amor que deve produzir o esquecimento da vida: <Recebe-me em teu seio, libera-me do mundo!>. Quando finalmente Tristão maldiz o amor, a maldição se dirige ao insaciável anelo da individuação, que unicamente se pode <saciar> na paz da morte como no prazer.” “Em todas as partes, o mundo tal como é tira proveito da doutrina segundo a qual o mundo é mau em si.”

Schopenhauer erra quando “em lugar da penetrante autoconsciência da vontade em sua suprema objetivação se instala de novo o inconsciente, o delírio e aquela espécie de unio mystica que na obra de W. se oferece em abundância. Em Sch. já se anunciam o mascaramento da morte como redenção e o ribombante conceito da <redenção universal> que em W. constitui a suma ideológica de toda sua obra”. Curiosamente, isso aproxima ambos de Hegel.

W. leva às últimas conseqüências o pessimismo. A negação do mundo burguês, toda a negatividade e toda a positividade se imbricam numa coisa só ou, antes, a negação e a negatividade passam por valor positivo. A destruição do mundo ao final do Anel é ao mesmo tempo um happy end.” “a própria impensabilidade da morte se converte em meio de dourar a vida má.”

(*) “Halvard Solness: protagonista do drama de Ibsen estreado em 1893 Solness o construtor (também encontrado, em espanhol, como El maestro Solness). Na apresentação da montagem do Teatre Nacional de Catalunya, em outubro de 2000, a diretora Carme Portaceli declarou: <Solness é um construtor, um grande arquiteto, que pode se entender como metáfora de Deus. Este homem chegou ao cume de sua trajetória, porém ao preço de sua felicidade e da de todos que o rodeiam.> O ator Lluís Homar: <É uma obra imensa, tão grande como o buraco que esconde o construtor. O texto se debate com a soberba absoluta do artista que, às vezes, converte-o numa espécie de déspota>.”

A velha controvérsia sobre o nihil negativum, o absoluto, e o nihil privativum, o relativo, Sch. a decidiu em favor do último. Para ele, como para seu antípoda Hegel, o nada é só um momento no movimento do ser, que é o todo.”

Não há nada sem despertar.

o cavalo de Brunilda parece conduzir o agora do despertar enquanto sobrevivente da pré-história; da pré-história que, segundo Sch., é cabalmente o nada. Se W. recorda niilisticamente a história na natureza, a natureza é, sem embargo, por sua vez, esse todo ao que o nada pertence como momento dialético parcial e que põe limites ao nada. Em W. não se representa nenhum nada que não prometa a sobrevivência da natureza. Símbolo disso são as filhas do Rin que levam, jubilosas, o anel recuperado às profundezas. Se bem que essas profundezas são o abismo do nada wagneriano.”

Se na má-infinitude de uma sociedade que se reproduz sem meta a imagem da natureza está distorcida e impressa na imagem do nada como única fissura na servidão total, este nada se converte em algo em nome do inferno que se mobiliza contra o enganoso hermetismo do sistema da obra de arte e da sociedade.”

Sigfrígido

o inferno, o reino de Alberish, que projeta tomar por assalto o Walhalla.”

Morrer de amor: isso significa também perceber a fronteira que a ordem da sociedade impõe ao homem mesmo: experimentar que a aspiração ao prazer, se se pensara sempre até o final, faria estalar precisamente aquela pessoa autônoma, que se pertence a si e degrada sua própria vida à coisa, a pessoa que crê cegamente encontrar prazer na posse de si mesma e para quem justamente essa posse é privação do prazer.”

Sem dúvida cabe a pergunta de se o desideratum nietzscheano de saúde vale mais que a consciência crítica que obtém a grandiosa debilidade de W. no trato com as potências inconscientes do próprio desmoronamento.”

O imperialista sonha com a catástrofe do imperialismo; o niilista burguês adivinha o niilismo da época imediatamente posterior.”

Estes encouraçados de grande porte, contra os quais o orgulhoso e magnífico barco à vela não pode mais se enfrentar, oferecem o horrível aspecto e o gosto dos fantasmas. [!]”

W. o pacifista

As partes febris do terceiro ato de Tristão contêm aquela música negra, áspera, dentada, que não tanto dá cor de fundo à visão como a desmascara. A música, a arte mais mágica de todas, aprende a romper a magia com que ela mesma rodeia todas as suas figuras. A maldição do amor por Tristão é mais que o impotente sacrifício do delírio à ascese; é a sublevação, por mais que completamente vã, da música contra a própria imposição do destino, e somente com vistas a sua total determinação por este recupera ela a autorreflexão. (…) Ao expressar a angústia do homem desamparado, poderia, ainda que débil e desfiguradamente, significar uma ajuda para os desamparados e prometer de novo o que o protesto ancestral da música já prometera: viver sem angústia.”

MAHLER. UNA FISONOMÍA MUSICAL

a picante, imaterial agudeza do pianissimo se ouve com precisão, como 70 anos mais tarde nas partituras de velhice de Stravinski, quando o mestre da instrumentação se fartara da instrumentação magistral. Por trás de uma segunda entrada das madeiras, o motivo de quartas descendentes se seqüencia até ficar suspenso num si bemol que roça com o das cordas.”

Se com sua primeira nota toda música promete o que seria diferente, o desgarramento do velo, suas sinfonias quereriam por fim não voltar a fracassar, pô-lo literalmente diante dos olhos; quereriam recuperar musicalmente a fanfarra teatral que soa na cena da masmorra do Fidelio, imitar aquilo que, 4 compassos antes do trio, põe a cesura no Scherzo da Sétima de Beethoven. Assim quiçá desperta a um adolescente às 5 da manhã a audição de um som que se aproxima imponente, cujo retorno nunca deixa já de esperar quem por um segundo o tenha percebido em repouso.”

Isso é o que hoje em dia atrai o ódio sobre Mahler. Se disfarça de probidade contra o enfático: contra a pretensão da obra de arte de encarnar algo que o pensamento meramente acrescenta, sem se realizar. Detrás dessa probidade assoma o rancor contra aquilo mesmo que fica por realizar. O <Não deve ser> de que a música de Mahler se lamenta desesperada é astuciosamente sancionado como mandamento. A insistência em que em música não deva haver nada mais que o que está aqui e agora encobre por igual uma amarga resignação e a comodidade de um ouvinte que se dispensa do trabalho e do esforço do conceito musical enquanto aquilo que devém e aponta para além de si mesmo.” “Mahler enfurece aos coniventes com o mundo porque recorda o que eles devem expulsar de si mesmos.”

Enquanto arte, a música está presa no laço que ela mesma quer cortar, e o reforça mediante sua participação na aparência. Enquanto arte, a música se faz culpável de sua verdade; o mesmo, no entanto, que, faltando à arte, se nega seu próprio conceito. As sinfonias de Mahler tratam progressivamente de se subtrair a este destino.” “Isso é o que a Quarta sinfonia chama de <ruído mundanal>, e que Hegel chamaria de <curso do mundo> invertido, o qual de entrada se enfrenta com a consciência como algo <oposto e vazio>. Mahler é um membro tardio da tradição do wertherismo(*) europeu pelo mundo.

(*) Wertherismo: Weltschmerz; literalmente <dor do mundo>. Em francês, o mal do século.”

A inútil hiperatividade sem autodeterminação é o sempre igual. É o inferno, num primeiro momento ainda não demasiado tórrido musicalmente, há um tabu sobre o novo. É o espaço absoluto. Assim foi sentido já o Scherzo da Segunda sinfonia; de maneira extrema, logo o da Sexta.”

Outrora a atividade do sujeito ativo, engrenagem do trabalho socialmente útil, inspirou o sinfonismo clássico, ao que, por suposto, já em Haydn e ainda mais em Beethoven o humor conferiu um duplo sentido. Atividade não é meramente, como ensina a ideologia, a vida repleta de sentido de seres que se determinam a si mesmos, senão também a fútil agitação da falta de liberdade destes.” “a esperança que ainda em Beethoven dá seu pulso à vida ativa e permitiu ao Hegel da Fenomenologia acabar, não obstante, atribuindo ao curso do mundo a prioridade sobre a individualidade que só no indivíduo se faz real se perdeu para o sujeito retroprojetado sobre si mesmo e ao mesmo tempo impotente. Por isso o sinfonismo de Mahler advoga outra vez contra o curso do mundo. Imita-o para acusá-lo. (…) Em nenhum instante ata a fratura entre sujeito e objeto; prefere quebrar-se a si mesmo que simular como lograda a reconciliação impossível. Num começo, Mahler esboça em música programática a exterioridade do curso do mundo. Mas já de então Mahler não se contentou com o contraste poético demasiado seguro de si mesmo entre a transcendência e o curso do mundo. No curso do incessante movimento a música se faz a si mesma vulgar com toscos conjuntos dos instrumentos de sopro. A justiça hegeliana, porém, puramente pela lógica do discurso compositivo, guia a pluma do compositor de tal modo que comunica ao curso do mundo algo da força que se reproduz, persiste, se resiste à morte, como corretivo do sujeito que protesta imutável (…) o ordinário é desafiado quando o tema chega aos primeiros violinos com seu som e caráter melódicos”

como viu Hegel, o curso do mundo não é tão mau quanto a virtude se imagina.”

Sobre Frederico II não ter confiscado o terreno do moinho barulhento que interrompia suas tardes de trabalho a despeito de não tê-lo conseguido comprar, disse Mahler: “É bom que moinheiro e moinho estejam protegidos e garantidos em seu terreno – se não fosse porque as rodas batucavam de tal forma que sobrepassavam os limites da maneira mais desavergonhada e produziam nos terrenos vizinhos uma quantidade de perturbação e dano que não é de modo algum possível medir.” Só mesmo um artista para entender a suscetibilidade ao som desagradável…

Na quarta sinfonia (…) o estridente violino rústico, afinado um tom inteiro mais alto que os normais, toca desagradavelmente, com um som estranhamente desacostumado, sem que o ouvido compreenda a razão disto e portanto de maneira duplamente irritante. Acidentes cromáticos azedam a harmonia e a melodia; o colorido é solístico, como se faltasse algo: como se a música de câmara se houvesse aninhado de forma parasita na orquestra.”

mesclando a emoção triste com a fuga das imagens que velozmente a atravessam.”

Quinta sinfonia (…) Varreu-se o humor, que se jacta de rir do curso do mundo desde uma distância que este não o permite a ninguém; se desencadeia irresistivelmente com todos os acentos da dor, sem paliativos. Suas proporções, a relação das tempestuosas partes allegro com as proliferantes interpolações lentas da marcha fúnebre, dificultam sobremaneira a execução. Essas proporções não devem se entregar ao acaso do estar-composto-assim de uma vez para sempre, senão que desde o princípio toda a peça há de organizar-se tão claramente até o contraste que não fique emperrada nas partes andante; a alternância é o que configura a forma. É importante também que as partes presto, sem concessão no tempo, se toquem distinta, tematicamente, e não se percam no torvelinho; elas são o contrapeso das melodias da marcha fúnebre.” “Em que pese todo o dinamismo, toda a plasticidade no detalhe, o movimento não conhece nenhuma história, nenhuma meta, propriamente falando nenhum tempo enfático. Sua carência de história o remete à reminiscência.”

Paul Bekker, Gustav Mahlers Sinfonien, 1921

A coda obedece ao que ocorrera: a antiga tempestade se converte em seu eco impotente.“

As palavras da cena final do Fausto, que Mahler pôs mais tarde em música de maneira incomparável, fracassam. A utópica identidade entre arte e realidade fica malograda. (…) Quão mais lograda a obra, tanto mais pobre a esperança, pois esta sobrepujaria a finitude da obra em si congruente.”

Para dotar de violência o coral, se o encomenda aos metais, cuja aparatosidade, desde Wagner até Bruckner, os havia desprovido de dignidade. Mahler foi o último a não se dar conta disto.”

todos os temas fragorosamente lançados pelos metais se assemelham fatalmente e põem em perigo o sinfonicamente mais importante, o ser ele mesmo do individual, e portanto a plasticidade do discurso. Nas obras mais tardias a violência dos metais devém momentânea, angustiosa ou agoniante; já não são o registro fundamental da sonoridade conjunta. Mas a sublimação da irrupção, tal como o exige a técnica, está já implantada teleologicamente na própria irrupção.”

Para a poderosa lógica beethoveniana da conseqüência a música se resumia em identidade hermética, como juízo analítico. A filosofia a que assim se acomodava detectou em seu cume hegeliano o aguilhão de tal idéia.”

Se a música em geral tem mais em comum com a lógica dialética que com a discursiva, então em Mahler ela quer precisamente aquilo que a filosofia, com esforços de Sísifo, incita ao pensamento tradicional, os conceitos petrificados em identidade rígida [a lógica discursiva]. Sua utopia é esse mover-se do lugar do já-tendo-sido e do ainda-não-tendo-sido no devir.” Cita Ciência da Lógica de H., o que também nada tem a ver…

a grande música foi, até Mahler, tautológica. Esta era sua congruência, a do sistema carente de contradições. Mahler derroga este sistema, a ruptura se converte em lei formal.”

Desde que a estética descuida do belo natural, que Kant ainda reservava à categoria do sublime, enquanto que Hegel o despreza já, na arte o conceito de natureza se aceita sem o menor reparo. Até tal ponto se estreitou a rede da socialização que a mera antítese desta última se considera um arcano do qual nem se deve falar. Pois a mesma natureza, contrafigura da tirania humana, está deformada enquanto se a espolia e violenta.”

A natureza, espargida na arte, produz todas as vezes o efeito de não ser natural”

Ao compositor reduzido aos meses de férias, a vida musical oficial, que ele não deixou de menosprezar nem sequer como diretor de Ópera de Viena e diretor estrela de orquestra, nele martelou até à aniquilação física.” “Repugnava-lhe sua própria posição, mas não queria renunciar a ela, pois conhecia demasiado bem o curso do mundo para para não ignorar que a pobreza podia privá-lo daquela margem de liberdade infinitesimal de que seu destino humano necessitava.”

Del mismo modo que ponen en duda la lógica inmanente de la identidad musical, sus sinfonías se oponen también a aquel veredicto histórico que desde el Tristán seguía impulsando unidimensionalmente a la música: la cromatización como descalificación del material. No como reaccionario, pero sí como si temiera el precio del progreso, Mahler persiste en el diatonismo como en un soporte obvio, cuando ya la exigencia de una composición autónoma lo ha llevado a la ruina. (…) El odio contra él, con resonancias antisemitas, no fue muy distinto de aquel contra la nueva música. El shock que produjo se descargó en la risa, en un malicioso no-tomarlo-en-serio”

el gusto siempre depurado de los académicos del arte musical puede probar, sacudiendo la cabeza, lo pueril de las irrupciones mahlerianas.”

Cuando Debussy abandonó protestando el estreno parisino de la Segunda sinfonía, el antidiletante jurado se comportó como un verdadero especialista; es muy posible que la Segunda produjera a sus oídos el mismo efecto que a los ojos los cuadros de Henri Rousseau(*) en medio de los impresionistas del Jeu de Paume.

(*) Henri Rousseau, El aduanero (1844-1910): pintor francés. De formación autodidacta, carecía tanto de conocimiento de las convenciones académicas como de cualquier ambición vanguardista, pero su innato instinto para la composición y el colorido convirtieron su obra en precedente de la pintura naïve y, parcialmente, de la de un Léger, un Picasso o los surrealistas. (N.T.)”

En cuanto a la riqueza de los grados, al menos las primeras sinfonías son menos osadas que Brahms, en cuanto al cromatismo y la enarmonía menos que el W. maduro.”

la partitura califica de ‘estridente’ un pasaje de las maderas en el Scherzo de la Séptima sinfonía, también un timbre del oboe en Rewelge. Pero lo forzado mismo se convierte en expresión. (…) En la Quinta sinfonía, el primer trío de la marcha fúnebre, que ya comienza muy grandiosamente, no responde ya con un lamento líricamente subjetivo a la tristeza objetiva de la fanfarria y la marcha. Gesticula, eleva un grito de espanto ante algo peor que la muerte.” “música de pogrom, del mismo modo que los poetas expresionistas profetizaron la guerra. Tras las partes de marcha retenidas por la forma, tras el enfático do sostenido menor, la extrema intensidad expresiva del pasaje, que se niega a la segunda zona media de la forma, empuja a la obra de arte a convertirse en protocolo, como 50 años más tarde El superviviente de Varsovia de Schönberg.”

Afrontarlo exige una meditación sobre la expresión en música. Ésta no es expresión de algo determinado: no por azar se convirtió espressivo en una indicación universal de ejecución. Persigue una intensidad marcada. (…) En cuanto llena de expresión, la música se comporta mimética, imitativamente, a la manera de gestos que reaccionan a un estímulo al que se igualan en el reflejo. En la música este elemento mimético va poco a poco enfrentándose al racional, al dominio sobre el material; la manera en que se liman uno al otro constituye su historia. No se reconcilian: también en música el principio racional, el de la construcción, tiraniza al mimético. Éste tiene que afirmarse polémicamente, instaurarse a sí mismo; espressivo es la protesta consentida, recibida, de la expresión contra la proscripción que sobre ella cayó.” Tomar um expresso.

cuanto más petrificado el sistema musical de la racionalidad, tanto menor el lugar que reserva a la expresión. Para seguir en general sonando con medios tonales, tiene que resaltar algunos, elevarlos a idea hipertrofiada, endurecerlos como vehículos de expresión tanto como se endureció el sistema circundante. El manierismo es la cicatriz que la expresión deja en un lenguaje que propiamente hablando ya no satisface a la expresión.”

La extrema similitud con el lenguaje es una de las raíces de la simbiosis mahleriana de canción y sinfonía”

En Mahler todas las categorías empiezan a quedar corroídas, ninguna se establece en límites no-problemáticos. Su difuminación no se debe a falta de articulación, sino que revisa ésta.”

incluso allí donde el discurso musical parece decir ‘yo’, su punto de referencia, análogo al latente yo objetivo de la narración literaria, es separado de la persona que escribió la obra por el abismo de lo estético. La herida Mahler no la configuró como contenido expresivo, según hizo W. en el tercer acto del Tristán. (…) Pero (…) el carácter neurótico era al mismo tiempo una herida histórica en la medida en que su obra quería realizar con medios estéticos lo estéticamente ya imposible.”

Uma orquestra toca na consciência musical mais do que esta se projeta sobre uma orquestra. Quiçá essa exterioridade do musicalmente interior capacite a música para aquele logro pelo que a psicanálise gostaria muito bem de explicá-la, para a defesa contra a paranóia, para a mitigação do narcisismo libertino.” “A música de Mahler não expressa a subjetividade, senão que esta toma, nela, posição ante a objetividade.”

Los acordes menores mahlerianos, que desautorizan a las tríadas mayores, son máscaras de disonancias venideras.”

El Mahler temprano desprecia la elemental exigencia escolástica de una vigorosa progresión de los grados.” “Al igual que algo más tarde en Puccini y Debussy, el bajo continuo ya no ejerce sobre él ninguna verdadera autoridad.”

El hecho de que en Mahler la modulatoria, por lo demás con notables excepciones especialmente en las sinfonías Sexta, Séptima y Novena, se mantuviera relativamente subordinada cobra un sentido compositivo.”

Em Mahler o consolo é o reflexo da tristeza. Nisto a música de Mahler conserva ansiosa ese algo mitigador, curativo, que desde tempos imemoriais a tradição atribuíra à música como força para expulsar os demônios, e isto, contudo, empalidece como quimera segundo a medida do desencantamento do mundo. À pergunta de o quê queria chegar a ser um dia, Mahler, desda infância, já havia respondido: mártir. Posto que o que mais lhe aprazeria é sua própria música ser o Paráclito, ela se excede e se torna, aí, inauténtica.”

Sua Nona é sobretudo estranha. Nela, o autor mal se expressa enquanto indivíduo. É como se essa composição devera ter um autor oculto que usara Mahler meramente como porta-voz, como bocal.”Arnold Schönberg, Estilo e Idéia (El estilo y la idea [1963]), NY, 1950.

Logo depois da wagneriana, a mahleriana é a música de diretor de máximo ranking; uma música que se executa a si mesma.” “A situação é análoga à da narrativa literária formal do discurso indireto. Inimiga de toda ilusão, a música de Mahler acentua sua inautenticidade, sublinha a ficção, a fim de se curar da falsidade em que a arte está começando a mergulhar. Nasce assim no campo de forças da forma o que em Mahler se percebe como o caráter da ironia. Qualquer asno ouve em Mahler marcas da música de diretor de orquestra, as marcas do conhecido no novamente produzido.” “O diretor de orquestra metido a compositor não tem no ouvido meramente a sonoridade orquestral, mas também a praxis orquestral, o como da maneira de tocar instrumental, junto com aquelas tensões, debilidades, exagerações e fraquezas que sua intenção vence. (…) ajuda a música a se produzir espontaneamente” “A praxis com a orquestra, na esfera comercial algo funestamente positivo, que ata, desencadeia em Mahler a fantasia compositiva. (…) O fato de Mahler pertencer à cultura musical como maestro empapado de sua linguagem e no entanto estar separado dela ao mesmo tempo se converte no éter de sua linguagem, polida se bem que estranha, estrangeira. (…) Em Mahler o fluido e o reificado formam uma constelação parecida com o alemão de Heine [cujo idioma natal não é o alemão]. Não é lícito criticá-lo pelas fraturas na forma, porque ele tem sua idéia na fracionaridade mesma.”

A reflexão sobre a injustiça social que a linguagem artística inevitavelmente comete com quem não participa do privilégio da cultura se opõe energicamente à lógica musical.”

Seria o caso de confrontá-lo a Bruckner, com quem tão irrefletidamente se o associa nos países ocidentais, como se a mera duração fosse uma categoria qualitativa.”

A música de Mahler sabe e configura objetivamente o fato de que a unidade não se dá a despeito das fraturas, senão unicamente em virtude da fratura.”

A música de Mahler é o sonho do indivíduo num coletivo irresistível. Mas ao mesmo tempo expressa objetivamente que a identificação com este é impossível. Aquele que sabe a nulidade do eu isolado, e que tem erroneamente a si mesmo por absoluto, sabe que este eu não pode presumir ser imediatamente um sujeito coletivo. Não há em tal música nenhum rastro de atitudes objetivistas como as do neoclassicismo; no neoclássico, Mahler é odiado.”

O fato de que o judio Mahler, como Kafka em seu conto sobre a sinagoga, conseguisse sentir o cheiro do fascismo com décadas de antecedência é sem dúvida o que deveras motiva a desesperação do camarada errante, a quem um par de olhos azuis envia para a diáspora.”

Karl Kraus dizia que mais vale um barranco bem pintado que um palácio mal pintado.”

Ainda em vida, Mahler recebeu a crítica, de um famoso resenhista, segundo testemunho de Schönberg, de que suas sinfonias não passavam de ‘pot-pourris gigantescos’.”

Desde Berlioz, o processo de integração sinfônica marchou acompanhado como que por uma sombra, pela irracionalidade do procedimento compositivo.” “Comparada com o procedimento não-esquemático de Mahler, toda a música de seu tempo, a do jovem Schönberg inclusa, era tradicionalista na medida em que era música de especialista.” Resumindo: Mahler grita “foda-se o gosto!”.

Beethoven ainda reconciliava o momento plebeu com o classicista na relação com algo múltiplo que é certamente elaborado como ‘material’, mas que nunca destaca autonomamente, em bruto. Mas a época de Mahler já não conhecia um povo que pudesse perceber-se como brotado da natureza e a que o jogo musical houvera podido com decoro emprestar sua vestimenta. Ao mesmo tempo, tampouco o nível de domínio musical do material alcançado permite absorver o plebeu.”

o que faz aqui a música que tem seu caminho de volta bloqueado é antes tomar alento do que simular um caminho que não existe. (…) O inferior em Mahler é na verdade o negativo da cultura que fracassou.”

O espírito, celebrado na grande música tanto mais tiranicamente quanto maior é essa música, despreza o vil trabalho físico dos outros. A música de Mahler não quer participar no jogo segundo essas mesmas regras.”

cada compasso abre os braços em cruz. Mas o que a norma da cultura rechaçara, o detrito freudiano do mundo fenomênico, não se esgota de todo, segundo a idéia de tal sinfonismo, na cumplicidade com a cultura: a doutrina de Freud da cumplicidade entre o isso e o supereu contra o eu está escrita como a medida em Mahler. O detrito deve empurrar a obra para mais além da aparência em que se convertera sob a cultura e reestabelecer algo desta corporeidade por que a música se diferencia de outros meios artísticos.”

O primeiro esboço do tema ‘Todo o morredouro é uma cópia’ da Oitava sinfonia, há décadas na casa de Alban Berg, está anotado em um pedaço de papel higiênico.”

Não seduzido pelo romantismo do autêntico e essencial, Mahler em nenhum caso pretende pôr ante os olhos essa nudez de maneira não-metafórica, como algo que é em si. Daí a fracionaridade.”

Mahler leva a sério seus modelos infantis, à diferença de Stravinski. (…) Ele não se zanga com o velho desvigorado nem com o sujeito impotente. Nos seus tão citados momentos irônicos, o sujeito se acusa da vaidade de seu próprio esforço, ao invés de se rir do mundo de imagens perdido e conjurado. Mahler não sabe conservar a serenidade e a pachorra nesses momentos.”

Se, correndo-se o risco de ser mal-interpretado, se comparasse Mahler e Stravinski a correntes da psicologia, então Stravinski se alinharia com os arquétipos junguianos, enquanto que a consciência ilustrada da música de Mahler recorda o método catártico daquele Freud que, numa fase crítica de sua vida, renunciou à cura da doente por causa da causa [sexual] da histeria, no que por sinal se mostrara muito superior àqueles diáconos que despacharam Baudelaire com o diagnóstico de seu ‘complexo materno’.” Diácono é como o ajudante-do-padre, um zé-ninguém.

A história da música do século XX, na medida em que se orientava pela sensibilidade e pelo cromatismo, havia multiplicado enormemente as tensões e desvalorizado as distensões.”

Ali onde o composto são dois pontos ou uns sinais de interrogação, não cabe respondê-los com um mero sinal de pontuação, mas sempre somente com uma frase. (…) a música diz, de certo modo, voilà. Este momento o herdou logo a seguir Schönberg, cuja frase, a de que a teoria da música sempre trata somente do começo e da conclusão e nunca do que aparece no meio, alude a esse estado de coisas.”

A irrupção é sempre suspensão (…) mas nem toda suspensão é irrupção.” “da dialética não se pode saltar ao incondicionado sem perigo de recaída no inteiramente condicionado: ele evita pronunciar compositivamente o nome de Deus a fim de não entregá-lo a seu adversário.” “as suspensões dizem adeus à imanência da forma sem afirmar positivamente a presença do outro; auto-reflexões do preso em si, e não mais alegorias do absoluto.”

Para sua desconfiança da paz da era imperialista a guerra é o estado normal, e os homens soldados alistados contra a vontade.”

Se a ditadura não houvesse depravado a tal ponto a expressão ‘realismo socialista’, Mahler seria o único a quem ela conviria. Os compositores russos dos anos 60 soam como um Mahler contrafeito. Berg é o legítimo herdeiro desse espírito”

A humanidade de M. é uma massa de deserdados.”

Os relógios se chamam ao darem a hora e vê-se o fundo do tempo” Rilke

Mahler de Arquivo

PUXANDO SACO DO MESTRE: “Sobre sua metamorfose vela uma extrema precisão compositiva. Cada fenômeno, desde o movimento sinfônico inteiro até a frase ilhada, até o motivo e sua transformação, logra exata, univocamente, o que tem de lograr: isto a nova música, Berg sobretudo, copiou de Mahler. Neste as evoluções parecem dizer: isto é uma evolução; as interrupções se produzem de maneira indiscutivelmente brusca; se a música se abre, ouvimos os dois pontos; se se fecha [cumpre], a linha sobrepassa perceptivelmente em intensidade ao precedente e não abandona o nível alcançado. As resoluções claramente fulminam os contornos e a sonoridade. O marcato marca”

A norma de clareza a que ele submeteu rigorosamente sobretudo a instrumentação era resultado da autorreflexão compositiva” “quanto menos a música articula, mais deve se preocupar com essa articulação”

O todo, outrora o fundamento apriorístico da composição, se converte na tarefa de cada um dos movimentos mahlerianos.”

O impulso, o ímpeto sinfônico, era a capacidade da música para adquirir momentum, como sobretudo nos desenvolvimentos de Beethoven.”

Os movimentos de Mahler são rios em que afunda qualquer coisa que neles cai, sem que por isso absorvam jamais o determinado.”

Sua música, tonal, preponderantemente consonante, tem não poucas vezes o clima da dissonância absoluta, a negrura da nova música.”

BLACK METAL? “Tais instantes evocam a doutrina da mística judia que interpreta o mal e o destrutivo como manifestações dispersas da potência divina fragmentada; em conjunto, os rasgos mahlerianos nos quais se dependuraram os clichês de mente panteísta, caberia derivá-los antes de um estrato subterrâneo-místico do que da ominosa crença monista na natureza.”

O material sonoro mahleriano é caracterizado até na fisionomia dos instrumentos que saltam insubmissos do tutti: os emancipados trombones que perturbam o equilíbrio no primeiro movimento da Terceira; retumbantes, fragorosos motivos dos tímpanos na Primeira música noturna e no Scherzo da Sétima

Mahler trata a forma de maneira assistemática não por mera mentalidade do inovador, mas por conhecimento de que, diferente da arquitetura, o tempo musical não permite simples relações de simetria.”

assim tinham de ser os instrumentos infantis que ninguém nunca ouviu.”

Todas as obras de Mahler se comunicam subterraneamente, o mesmo que as de Kafka pelos passadiços intermináveis de seu famoso edifício. Nenhuma obra sua chega a ser uma mônada comparada às outras.”

Na Quarta escreve o contraponto a sério pela primeira vez”

es el intento solitario de comunicación musical con lo déjà vu, de color resistente como la imago del carromato de gitanos o del camarote del buque.”

Resgata a marcha, depreciada então pelos eruditos, ou seja, pela então ‘cultura’.

Como mais tarde ocorreu com o jazz, é provável que durante o séc. XIX um certo tipo de músicos sem pretensões artísticas conquanto qualificados como artesãos passou para a música militar e ali encontrou fórmulas compositivas exatamente apropriadas para uma corrente coletiva subjacente”

Como Eurídice, a música de Mahler foi raptada do reino dos mortos.”

Crianças que dificilmente entenderam corretamente (sic!) a completa e multidimensional música mahleriana, quiçá no terror tenham podido compreender melhor que os adultos a venturosa dor de canções como Andava alegre eu por um verde bosque.”

Pinta o paraíso com traços campesinos e antropomorfos, para anunciar que não existe.”

La increencia que subyace al cristianismo en todos los países convertidos a los que sometió, u en la cual se mezclan inextricablemente restos de una religión natural mítica con inicios de la Ilustración, entra en imágenes musicales de la fe.”

O tema principal, que ao não-inteirado soa como um regresso a Mozart ou a Haydn e que na verdade procede do conseqüente do tema cantável do Allegro moderato da Sonata para piano em si bemol maior, ópera 122 de Schubert, é o mais inautêntico de todos os mahlerianos.”

O chifre maravilhoso do rapaz – que nome!

El poema culmina en una cristología estrambótica, que sirve al Salvador como alimento para la famélica alma e involuntariamente acusa al cristianismo de ser una religión sacrificial mítica”

A teologia de M. é, uma vez mais como a de Kafka, gnóstica; sua sinfonia de conto de fadas é tão triste como as obras tardias.”

Em Strauss a caracterização fracassa porque ele define os significados puramente a partir do sujeito, autonomamente.”

para bem compreender Mahler nunca é necessário nenhum saber abstrato para além da manifestação fenomênica da própria música, nem é preciso recorrer a qualquer engrenagem de associações”

O momento reacionário da música de M. é sua ingenuidade.”

Duma espécie de mero ser-aí musical, aquele folclórico, hão de extrair-se mediações, o único que justificaria e dotaria de sentido. Do ponto de vista da filosofia da história a forma de M. se aproxima da novela. O material musical é pedestre, a execução, sublime. Essa foi a configuração conteúdo-estilo da novela-das-novelas, Madame Bovary.”

Na base da forma musical novelística há uma aversão que devia ser sentida já muito antes de Mahler, mas que ele foi o primeiro a não reprimir. Odeia saber de antemão como continua a música.”

O clássico desconjuntado

Ele podia reivindicar o subtítulo de Assim falou Zaratustra: ‘Música para todos e para ninguém’.”

Desde Kant e Beethoven, a filosofia e a música alemãs foram sistema. O que se lhe escapou, seu corretivo, se refugiou na literatura, na novela e numa tradição semi-apócrifa do drama, até que mais ou menos na virada para o XX a categoria da vida, lixiviada como cultura e já reacionária na maioria dos casos, se fez também acessível à filosofia. Diante disso, a música de Mahler assumiu originalmente o reconhecimento nietzschiano de que o sistema e sua unidade sem fissuras, a aparência de reconciliação, não era sincera. (…) O potencial para isso adveio-lhe da atmosfera austríaca inatacada pelo idealismo alemão, em parte até pré-burguesa, feudal, por outra parte cética à maneira de José II, enquanto M. tinha – ao mesmo tempo – a essência integral da sinfonia bastante presente como para protegê-lo de uma mentalidade formal que faria concessões demasiadas a uma audição atomista no sentido débil do termo.”

El trabajo temático de cuño beethoveniano, ese reflejo lúgubremente grandioso de una agudísima compresión del pensamiento y de una impertérrita consciencia de las metas, no encontró ya ninguna fundamentación interna en el nuevo estilo sinfónico (…) Así es como cayó la rígida temáticamente orgánica técnica de Beethoven, o más bien se convirtió en medio auxiliar de segundo orden.” Bekker

En Beethoven mismo la confianza en la plenitud extensiva y en la posibilidad de descubrir pasivamente una unidad en la multiplicidad contrapesó la idea estilística trágico-clasicista de una música del sujeto activo. Schubert, a quien esta última idea comienza ya a desvanecérsele, se ve tanto más atraído por el tipo épico de Beethoven. (…) De todas las preformas del modo mahleriano de configuración, quizá la más importante sea el primer movimiento de la Sinfonía en si menor de Schubert; Webern lo veneraba como una concepción totalmente fresca de lo sinfónico en general.”

Se não é verdadeiro o pronunciamento de Mahler sobre Bruckner, de que seu amigo seria ‘metade Deus, metade imbecil’, esta anedota foi, pelo menos, muito bem-inventada.”

Por mucho que los oscuros bosques vírgenes de Bruckner parezcan aventajar a la fraccionariedad de Mahler, ésta es superior a la leñosidad de Bruckner, a ese estatismo un poco empedernido que no tiene fundamento más firme que el hecho de que en San Florián Nietzsche todavía no era tema de conversación. Bruckner fue para Mahler lo mismo que Robert Walser fue para Kafka.”

empirismo musical”

O DOGMA VS. A FALTA DE SENTIDO: “La fraccionariedad del tono mahleriano es el eco de aquella aporía objetiva, de la escisión entre dios e imbécil.”

A sustentável gravidade de Mahler

Las obras de Mahler director de orquesta no están contagiadas por el gesto del hombre práctico que al componer en cierto modo chasquea los dedos y se cuida de que todo vaya rodado y, sobre todo, de que ningún oyente se distraiga.” “Tal desconsideración tiránica hacia el contexto de eficacia apoya a la intención épica; la indicación agógica ‘dejar tiempo’ que en ocasiones aparece describe todo su modo de reacción.”

Um tempo em que “la música ya no puede ni ‘narrar’ ni invitar a la danza.”

Es conocida la apasionada relación de Mahler con Dostoyevski, que hacia 1890 todavía representaba algo distinto que en la época de Möller van den Bruck.(*)

(*) Arthur Möller van den Bruck (1876-1930): escritor y politólogo alemán, traductor de Dostoyevski. En 1923 publicó El tercer imperio (Der dritte Reich), cuyo título adoptará como lema el nacionalsocliamo.”

Conta-se que, durante uma excursão com Schönberg e os discípulos deste, Mahler recomendou-lhes estudar menos contraponto e ler mais Dostoyevski, depois do quê ouviu-se a heroicamente tímida resposta de Webern: ‘Vai me perdoar, senhor diretor, mas nós temos Strindberg’. A anedota anônima lança luz sobre a diferença entre a concepção novelística [D.] da música e a expressionista [S.] da geração seguinte, já plenamente emancipada, de compositores.”

o elevar-se a grandes situações, o desmoronar-se em si (Quinta Sinfonia, 2º movimento)”

Realizam-se gestos como o da Natacha de O Idiota, que lança ao fogo os bilhetes de banco; ou como aquele em Balzac, quando o criminoso Jacques Collin, disfarçado de bispo espanhol, dissuade o jovem Lucien Rubempré do suicídio e promove-o a um splendeur em prestações; quiçá também como o de Ester, que se sacrificava pelo amado sem suspeitar de que, àquela altura, a roleta da vida já havia salvado a ambos de qualquer miséria. Como nas novelas, em Mahler a felicidade floresce à margem da catástrofe.”

O mesmo que a filosofia, que a Fenomenologia hegeliana, a música em Mahler é a vida objetal que volta uma vez mais através do sujeito, e a volta dessa vida no espaço interior a transfigura num absoluto espumante. A concreção da leitura de novelas está em outra dimensão que a percepção distinta dos acontecimentos.”

À música épica segue vedado o descrever o mundo a que ela se refere: é tão transparente quanto críptica.” “distanciar-se-ia do mundo se quisera simbolizá-lo ou, sobretudo, reproduzi-lo. Schopenhauer e a estética romântica experimentaram isto ali onde meditaram sobre o que há de imaginário e onírico na música.” “Enquanto realidade sui generis a música se torna essencial mediante a desrealização. Não é como se ela representasse um grau intermediário entre o real e o sonho ou a fantasia.”

M., por duas vezes, escreve ‘imaginário’ como indicação de execução: no Scherzo da Sétima e no primeiro movimento da Nona.” “No espaço musical floresce uma empiria de segundo grau, já não, como a outra, heterônoma à obra de arte. A interioridade da música assimila o exterior no lugar de apresentar, exteriorizar, o interior.” Não há nada oculto: é assim a realidade, quando se pára para ouvi-la.

Se o mundo se equiparasse imediatamente à essência – e, segundo viu Schopenhauer, a música é imediatamente essência –, a música seria a loucura. Toda grande música é um furto de loucura; em cada qual há uma identificação do interior com o externo, mas a loucura não tem nenhum poder sobre ela.”

O fato de que Mahler, que passou a vida toda na ópera e cujo movimento sinfônico corre em muitos aspectos paralelo ao da ópera, não escreveu nenhuma ópera pode explicar-se pela transfiguração do objetal no reino interior das imagens. Sua sinfonia é opera assoluta. Como a ópera, o sinfonismo novelístico de Mahler brota da paixão e flui detrás; a ópera e a novela conhecem, mais que a música absoluta, fragmentos de desfecho como os seus.”

Proust chamou a atenção sobre o fato de que na música às vezes novos temas conquistam o centro como faziam nas novelas figuras secundárias que até então haviam passado inadvertidas.”

A idéia classicista da sinfonia conta com uma multiplicidade definida, cerrada em si, como a Poética aristotélica com as 3 unidades.” “Os componentes temáticos imprevistos destroem a ficção de que a música é um puro contexto dedutivo em que tudo o que sucede se deduz com unívoca necessidade.”

Lamentar as longitudes mahlerianas não é mais digno que aquela mentalidade que vende mais barato versões abreviadas de Fielding, Balzac ou Dostoyevski.”

M. não faz concessão à comodidade do easy listening sem memória nem expectativa.”

Se aos contemporâneos de Beethoven o tempo acelerado de suas sinfonias estremecia-lhes os nervos como se dizia dos primeiros trens, quem sobreviveu 50 anos a Mahler estremece-se com ele igual os habitués de viagens de avião quando viajam de navio. A duração mahleriana recorda-os que eles mesmos perderam duração; talvez temam não viver, em absoluto. Isso eles reprimem com aquela superioridade do homem importante que certifica não ter tempo, e com isso divulga sua própria verdade ignominiosa. É absurdo fazer Mahler e Bruckner consumíveis mediante cortes que, como disse Otto Klemperer, aumentam, em vez de encurtar, seus movimentos.”

A irracionalidade dos textos do Corno maravilhoso, tendente ao absurdo, produzida pela montagem de poemas divergentes, assinalada por Goethe em sua recensão, é reivindicada pelo modo de compor de Mahler”

Enquanto estróficas, as canções mahlerianas têm a objetividade das baladas, ao passo que a lírica subjetiva sacrifica a estrutura estrófica à poética, e à forma musical.”

Que a música disserta sobre si mesma, que se tem a si mesma por conteúdo, que narra sem nada narrar, não é tautologia, tampouco uma metáfora do porte de narrador que inquestionavelmente é muitas vezes o de Mahler.” “Assim como o narrador, a música de Mahler nunca diz duas vezes o mesmo do mesmo modo: assim intervém a subjetividade.”

Rewelge, com a indicação de execução ‘De contínuo’ confirma a exceção à regra total mahleriana, por tratar-se de uma marcha, que nem sequer a morte interrompe.”

Mahler se oponía al piano en cuanto el instrumento ya en su época reificadamente tableteante de la lírica subjetiva, mientras que la orquesta era capaz de dos cosas: registrar exactamente la representación compositiva en un color concreto y, gracias al volumen coral que conserva incluso en pianissimo, producir una especie de grandeza interior.”

Da intemporalidade do sempre igual Mahler faz surgir o tempo histórico. Com isso assume a originária tendência anti-mitológica do epos e portanto, e acima de tudo, da novela. (…) O que esses estilos têm de resolver é a recapitulação. Ou bem a resumem tanto que ela mal é considerada, em contraste, diante da prepotência do desenvolvimento, ou bem modificam-na radicalmente.”

No primeiro movimento da Terceira é chocante a renúncia a todas as categorias de mediação tradicionais. Analogamente ao Schönberg expressionista, não se põe muito cuidado a fim de erigir pontes entre os complexos. Com bárbara insolência, Mahler une-os precisamente com o mero ritmo de percussão, uma palpitação abstrata do tempo.” “M. serve migalhas, não caldo.”

O movimento se estira e estende em todas as dimensões como o corpo de um gigante. A polifonia não lhe interessa. O modelo principal do desenvolvimento, a entrada em si bemol menor, é certamente apresentado durante um par de compassos, como se estivesse prestes a ser fugado, porém, contra todas as regras da fuga, se aferra então a uma nota, e quem esperava a bem-educada resposta fica estalado em seu assento.”

Com grande esforço, por exemplo mediante o estudo ulterior de Bach, tem M. de adquirir o que compositores como Debussy, que estão impregnados de sua cultura, já trazem consigo. Os meios existentes não se adaptam à intenção mahleriana, que tende ao que não existe. Não só tem de aprender, como evitar de incorporar, como o saturado som de Wagner ou o ímpeto do, ainda em seus excessos, amável Strauss, que corre com desenfreio ao total.”

A partir da oposição à maestria dos outros, que havia degenerado em destreza; a partir das torpezas sem afetação e provocativas da Primeira e da Terceira, se restitui uma maestria que acaba por deixar debaixo de si, à mercê da identidade entre o composto e a manifestação fenomênica, o nível técnico da época”

O fato de que cada obra de Mahler critica a precedente faz dele o compositor evolutivo por excelência (…) o que ele melhora sempre se converte em algo distinto; daí a muito pouco bruckneriana policromia da sucessão de suas sinfonias.” “A Bekker não escapara que as últimas peças de quem mal chegou aos 50 são obras tardias no sentido mais explícito: exteriorizam o insensivelmente interior. Mas até que ponto contribuiu a vontade crítica de M. para sua evolução já se pode provar na época intermediária, muito antes disso.” “O salto qualitativo a partir da Quarta é indiscutível. (…) O que antes foi esboçado agora é desenvolvido.”

Analogamente a Wagner, sua obra sonha com um compor sem aparências, sóbria, não-transfiguradora.”

Mahler reagiu violentamente contra a estupidez musical, que no séc. XX se expandiu não menos que no XVIII e no XVII; a repetição infantil repugnava-lhe. E, paradoxalmente, era consciente de que o elemento tectônico, tal como primitivamente o representa a repetição, não pode ser extirpado.”

Qualquer série beethoveniana de variações se poderia comparar a uma canção qualquer de Mahler, como a Canção noturna da sentinela. O que em Beethoven se mantém fixo é (…) a condução das harmonias sobre um baixo contínuo; outros momentos, como as unidades do movimento ou a situação dos componentes motívicos principais, se alteram conseqüentemente de variação em variação. (…) Em Mahler, ao contrário, por todas as partes a estrutura geral se conserva de maneira inconfundível, porém por todas as partes também se introduziram fintas; proporções harmônicas como as de sonoridades em maior e em menor se inverteram com respeito a sua primeira aparição e, portanto, revogou-se a posteriori a formulação inicial do tema, como se esta se houvesse entregue ao capricho improvisatório.”

Se pintor fosse, Mahler seria aquele que pinta primeiro os contornos para depois preenchê-los. Beethoven faz tudo de imediato, de dentro para fora.

Tal largesse no tratamento do material, por sua vez contrária ao princípio de economia beethoveniano-brahmsiano, legitima tecnicamente a grande escala do sinfonismo épico de Mahler.”

O princípio da variante surge na canção estrófica variada na medida em que suas estrofes nunca podem ser profundamente variadas. Tão antipsicológicas como as baladas, retornam formulaicamente como refrões e são, não obstante, tão pouco rígidas como as fórmulas homéricas. O que aconteceu antes e o que virá a acontecer as afeta.”

O núcleo idêntico fixo, embora exista, dificilmente se deixa assinalar com o dedo: como se se subtraíra à escritura mensural.” “Paul Bekker constatou que o tema andante da Sexta Sinfonia, uma melodia perfeitamente fechada, tende, por assim dizer, a ser olvidado durante a peça.” “A propósito de temas que são conservados mas não firmemente coagulados e que emergem de um mundo de imagens coletivo, caberia pensar em Stravinski. Mas Mahler não são ‘cubos irregulares’, ‘montados obliquamente’, ‘desvinculados entre si’. (…) Seu princípio não é a violência.”

O tema minore do primeiro movimento da Nona sinfonia, p.ex., contém um sol sustenido impróprio à escala, o qual determina o caráter dissonante de todo o complexo em si; mas precisamente este sol sustenido ou seu equivalente é logo substituído muitas vezes por um lá, isto é, a quinta justa da tônica de ré menor. Em sua análise Werwin Ratz mostrou detalhadamente a função conformadora justamente da troca de ambas as notas críticas.”

O movimento, que recorre [percorre de novo] imensos lapsos temporais, logra a quadratura do círculo: é de uma só vez dinâmico e tectônico, sem que um princípio anule o outro.”

A recapitulação era a cruz da forma sonata. Revogava o que a partir de Beethoven era o decisivo, o dinamismo do desenvolvimento, de maneira comparável ao efeito de um filme no espectador que, depois do final, permanece sentado e vê uma vez mais o começo. Beethoven solucionou-o mediante um tour de force que para ele se converteu em regra: no frutífero momento do começo da recapitulação, apresenta o resultado do dinamismo do devir, como a confirmação e justificação do já-sido, do que em qualquer caso foi. Esta é sua cumplicidade com a culpa dos grandes sistemas idealistas, com o dialético Hegel, no qual ao fim a quintessência das negações, e portanto do mesmo devir, desemboca na teodicéia do que é. Na recapitulação a música, enquanto ritual da liberdade burguesa, seguia, o mesmo que a sociedade na qual é e que é nela, submetida à servidão mítica. Manipula o contexto natural que gira em si, como se o que retorna fôra, em virtude de seu mero retorno, mais do que é, o sentido metafísico mesmo, a <idéia>. Mas, pelo contrário, uma música sem recapitulação conserva algo de (não meramente desde o ponto de vista culinário) insatisfatório, desproporcionado, abrupto: como se lhe faltasse algo, como se não tivera um final. Com efeito, toda a nova música está atormentada pela questão de como poderia concluir, não só cessar, depois de que o deixaram de conseguir as formações conclusivas cadenciais, as quais têm elas mesmos algo da essência da recapitulação, que, se se quer, transporta em grande escala a fórmula cadencial. Mas a chegada de Mahler à alternativa converge com a das maiores novelas de sua geração. Ali onde, por razões formais, repete algo passado, não canta o elogio disto ou da caducidade mesma. Mediante a variante, sua música recorda desde longe o passado, o semi-esquecido, eleva um protesto contra sua superfluidade absoluta e o determina, todavia, como algo efêmero, irrecuperável. Sua idéia tem essa fidelidade redentora.”

Quando na Nona sinfonia Mahler abandonou a sonata, revelou meramente aquilo a que subcutaneamente se presta toda sua obra.” “Na Primeira a breve exposição allegro era já monotemática; falta o ortodoxo tema cantável.” “Na Terceira a sonata é derrotada, pois segundo os critérios desta a introdução, o tema principal da exposição e o desenvolvimento resultam desproporcionais. Por suposto, o primeiro movimento da Quarta é sonata, mas arcaica, como antes já o primeiro movimento da Oitava de Beethoven; para uma sonata propriamente dita o segundo tema seria uma canção instrumental demasiado independente (…) é só retrospectivamente que os pensamentos contrastantes se convertem numa unidade bastante ramificada no desenvolvimento, o primeiro mahleriano que desdobra didaticamente os componentes da exposição: com ele, arranca verdadeiramente o movimento como história. A coda completa o que a recapitulação ortodoxa omitira no começo. Em que pese tudo isso, este movimento renega também a essência sonatística não só porque tudo está composto ‘entre aspas’, porque a música parece dizer: ‘Era uma vez uma sonata’, como também porque tecnicamente os complexos da exposição se diferem tanto, estão tão energicamente separados, que de antemão se negam a aceitar um veredito.”

De todo modo, a composição épica nunca foi a mera antítese do dramático, mas, como na novela literária, vizinha dele nos impulsos, nas tensões, nas explosões.” “A tragédia rechaça a forma nominalista. A tonalidade, que para sua própria glória sanciona o afundamento do individual, ao qual não resta nenhuma opção ademais de afundar-se, domina indiscutível. A emancipação mahleriana em relação à sonata havia sido mediada pela própria sonata. Ele absorveu sua idéia nas sinfonias intermediárias para no final configurar de tal maneira que cada compasso esteja à mesma distância do centro.”

O tema principal não segue imediatamente, como manda a tradição, a introdução: chega-se a ele através de um breve allegro moderato que modula da tonalidade inicial de dó menor à tonalidade principal de lá menor; dessa versão intermediária do primeiro tema Mahler se recorda mais tarde num dos modelos mais importantes de desenvolvimento.”

Mediante o drástico dualismo de tema principal e secundário, renuncia-se a um grupo conclusivo prolixo ou a um terceiro tema.”

grandes novelistas como Jacobsen puderam omitir períodos inteiros da vida de seus heróis e com súbita resolução iluminar fases críticas de sua vida; o que Jacobsen abraçou expressamente como princípio da ‘má composição’, no grande experimento formal de Mahler se converte também no princípio de uma boa composição.”

Na Sétima, notas acrescidas fazem com que o maior resplandeça como uma espécie de supermaior, como o famoso acorde do Adagio da Nona de Bruckner.”

O nominalismo mahleriano, a crítica das formas por meio do impulso específico, afeta também o tipo de movimento que, herança da suite, se havia mantido desde Haydn com a máxima tenacidade, o minueto e o scherzo; só em Mendelssohn se havia pensado doutro modo.” “Com um esforço que ele mesmo teve de sentir como extraordinário, na Quinta M. concebe o novum do scherzo como desenvolvimento.”

la mayor parte de las veces el concepto de banalidad en Mahler aísla ergotistamente dimensiones individuales, ciego al hecho de que en él sólo la relación entre ellas, y no ninguna singular, define el carácter, la ‘originalidad’.”

A preocupação com uma reprodução correta se converteu em cânon da composição. Compor de tal modo que a execução não possa destruir a música, i.e., eliminá-la já virtualmente, significa, ao mesmo tempo, compor de maneira inteiramente clara, unívoca.”

A integração crescente do procedimento compositivo mahleriano não reduz, como muitas vezes depois dele, a substancialidade das dimensões individuais, senão que é ela somente a que lhes confere autenticamente relevo; o todo robustece retroativamente os momentos que o produziram. No Mahler jovem a harmonia tinha certamente suas peculiaridades, mas não era ainda um meio autônomo.”

Alban Berg chamou a atenção sobre o exemplo mais belo da interdependência entre o melodicismo e a harmonia no jovem Mahler, aquela frase intermediária da donzela na Canção noturna da sentinela, onde uma curva com amplos intervalos e a rítmica alternante entre compassos binários e ternários se reflete em progressões acórdicas e sonoridades de profunda corporeidade, como aquela em que as notas dó-si-ré sustenido-fá sustenido-ré chocam sem que ela, deduzida da condução das vozes, se converta numa mancha na textura harmônica”

De forma análoga à harmonia, o contraponto de Mahler se robustece com a maior densidade da textura sinfônica. A primeira vez em que Mahler dedicou-lhe atenção foi na Quarta, para, então, na Quinta e posteriormente, integrá-lo à forma total como dimensão compositiva.”

Algo bastante excepcional, no Conservatório de Viena se o dispensou do estudo do contraponto com base em suas próprias composições da época escolar. Segundo conta Natalie Bauer-Lechner, Mahler não demoraria a se lamentar por isso: ‘Porque, curiosamente, eu, desde sempre, nunca pude pensar mais que polifonicamente! Mas aqui, hoje, segue-me faltando, provavelmente, o contraponto, a escritura pura, que a qualquer estudante que nele se tenha exercitado pareceria mero jogo. (…) Agora compreendo que Schubert, segundo consta, até pouco antes de morrer quis estudar contraponto! Ele sentia até que ponto lhe fazia falta… E eu posso sentir o mesmo, posto que eu mesmo, desde os tempos de estudante, careço igualmente dessa capacidade e de uma prática correta, 100%, em contraponto. Em mim, de qualquer forma, o intelecto ocupa seu lugar, mas o gasto de forças que isso exige é desproporcionalmente grande.’” “Com ‘polifonia’, Mahler queria dizer, evidentemente, aquela propensão ao que soa caótico-desorganizado, à simultaneidade sem regras, contingente, do ‘mundo’ em cujo eco sua música quer se converter mediante sua organização artística.”

Como seu material estava antiquado, como o novo ainda não estava liberado, em Mahler o antiquado, o que ficara pelo meio do caminho, se converteu no criptograma das sonoridades ainda não ouvidas que chegariam mais tarde. O que lhe falta de imediatez do fenômeno musical é o que, graças a tal negatividade, o vestígio do sofrimento passado em sua linguagem, o faz superior a Bruckner.

Até que ponto a negatividade musicalmente imanente de Mahler se opõe ao entusiasta programa berlioz-lisztiano mostra-o o fato de que as novelas não têm nem veneram heróis como proclamam dois dos títulos de Strauss e incontáveis de Liszt. Inclusive no Finale da Sexta, apesar dos golpes de martelo, que por certo ainda hoje não se ouviram adequadamente e sem dúvida aguardam a realização eletrônica, alguém esperará em vão ao supostamente tocado pelo destino. [?]” Peçamos ao Ministry ou ao Nine Inch Nails esse inusitado ‘cover’!…

Erwin Ratz, Sobre el problema de la forma en Gustav Mahler. Un análisis del Finale de la Sexta sinfonía

em Reger o melodicismo se atomiza até se converter em pequenos intervalos de segundo plano desprovidos de qualquer qualidade, os quais vão colando uma harmonia com a outra. A técnica strauss-berlioziana do imprévu, da interrupção como efeito, da surpresa permanente, trata de paliar esta carência fazendo dela um principium stilisationis. Mahler extraiu a conseqüência inversa, impôs a melodia ali onde esta já não quer estar e com isso conferiu seu cachet às melodias mesmas, de modo remotamente análogo à maneira beethoveniana de represar o fluxo tonal mediante a implantação de sforzati e deixando ali, por assim dizer, as digitais da subjetividade. ‘Como fustigado’, reza em uma ocasião o Scherzo da Sexta. Desde a longa melodia do Finale da Primeira, M. tem com seus temas tão pouca contemplação como com seus cavalos esgotados tem um cocheiro obcecado com a meta.” “Rir-se dessas passagens heréticas de Mahler é sempre também solidário para com este mesmo; o ouvinte põe-se, assim, de seu lado.”

A obra com que sem dúvida a maioria aprendeu a amar Mahler, a Segunda sinfonia, é a que provavelmente se desvanecerá mais depressa em razão da loquacidade do 1º movimento e do Scherzo, de certo primitivismo no Finale da ressurreição.”

sua incapacidade subjetiva para o happy end denuncia este mesmo happy end

DICAS DE INICIAÇÃO

WAGNER

Ouvir primeiro OS MESTRES CANTORES.

MAHLER

A Primeira Sinfonia é experimental. É o antiformalismo encarnado, evade a monumentalidade, que se tornou quase sinônima de “sinfonia” desde a Nona de Beethoven. A Quarta é a primeira do “Mahler maduro”.

DICIONÁRIO POLIGLOTA MUSICAL (E ÀS VEZES ALGO MAIS)

BAR (ALEMÃO): “É o nome que recebe a forma tripartida das canções dos menestréis e mestres cantores alemães. Compõe-se de duas estrofes ascendentes chamadas Stollen e de uma terceira contrastante, o Abgesang, de melodia descendente.” “Que, até o seu renascimento em Wagner, durante toda a era do baixo contínuo mal se escrevessem Abgesänge, isso se explica sem dúvida pelo fato de que, enquanto cumprimento [encerramento] de um contexto musical mediante algo essencialmente novo, colidiam os Abgesänge com a idéia do hermetismo imanente à música moderna, cujo princípio econômico permitia obter tudo como rendimentos de um bem original.” Em outros termos, a música não “necessitava” dos Abgesänge em sua fase clássica final (pré-Mahler).

CANTABILE (ITALIANO): Música instrumental com o intuito de imitar a voz humana.

CROMATISMO: “É uma frase musical formada com notas da escala cromática (formada por 12 semitons). É o uso das notas cromáticas em uma composição tonal, com a intenção de gerar tensão (melódica ou harmônica), prolongando a música (desenvolvimento tonal) e adiando a resolução melódica. À medida que os compositores da segunda metade do XIX expandiram os conceitos da música tonal, com novas combinações de acordes, tonalidades e recursos harmônicos, a escala cromática e os cromatismos se tornaram mais freqüentes. Como elemento expressivo, esta técnica encontrou seu auge no final do período romântico, com Liszt, M. e W..”

ENARMÔNICO: “Diz-se de notas de nomes distintos, mas que, por efeito dos sustenidos e dos bemóis, têm a mesma entonação.”

IMPASTO (ITALIANO, Pintura): “Impasto é uma técnica em que a tinta (em particular a de óleo) é espalhada numa área da tela, ou mesmo na tela inteira, de forma tão espessa que as marcas dos objetos utilizados para pintar (p.ex. pincel, espátula) são visíveis na pintura. A tinta também pode ser misturada diretamente na tela. Quando fica seco, o impasto dá textura e relevo à representação. O termo impasto tem origem italiana e quer dizer <mistura>. O impasto ganhou notoriedade nas pinturas de artistas venezianos, como  Titian e Tintoretto, além de ser possível observá-lo nas paisagens naturalista e romântica do séc. XIX. A técnica foi imposta como uma maneira de ressignificar a superfície das obras, que deveria ter sua própria realidade e profundidade, ao invés de ser apenas uma janela para um mundo imaginativo e ilusionista. Este método também pode ser definido pelo termo pictórico, no qual a aplicação de tinta é feita de forma <solta> ou menos controlada, causando efeitos sensoriais e visuais.” A razão da inclusão deste verbete é que Strauss chama alguns trechos do Lohengrin de impastos das madeiras, associando som, cor e textura à obra de W.. Mas não sei se a expressão tem sentido apenas sinestésico se referindo a um amálgama sensorial ou também ao entalhe dos instrumentos de madeira, uma vez que a palavra impasto também é usada para obturação e preenchimento em português! Cf. p. 71: “As madeiras hão de constituir, por assim dizer, o contrapeso objetivo ao espressivo subjetivo das cordas.” & “Na frase antecedente, as vozes das madeiras, e certamente também em piano (ver abaixo), aparecem totalmente dobradas. A razão imediata é a obrigação de corrigir uma certa heterogeneidade. As flautas são, por um lado, menos resistentes; por outro, mais difíceis de emplastrar/revestir que os clarinetes; são demasiado débeis e, sem embargo, se apartam da cor total.”

MONODIA: “Canção, ordinariamente triste, entoada por uma única voz, sem acompanhamento.”

PIANO (ITALIANO): Uma dentre diversas notações utilizadas na escala musical: p (piano) para indicar um trecho de calmaria ou quietude, ou seja, altura do som baixo (em termos de volume da música mesmo); pp (pianissimo) para indicar o superlativo; além de outras expressões como forte, fortissimo (altura do som alto ou altíssimo), etc. Essas notações integram a parte da Música Clássica chamada de Dinâmica. Um interessante resquício da “música analógica” para se ver e ouvir hoje em dia! Outras indicações:

mp – mezzo-piano

mf – mezzo-forte

ppp – pianississimo

fff – fortississimo

pppppp (!) – usado por Tchaikovski

SCHERZO (ITALIANO): Seção de uma sinfonia ou sonata.

DICIONÁRIO LINGÜÍSTICO PROSAICO

atañer: dizer respeito

campechanía: franqueza, cinismo

Helle: claridade

Hölle: inferno

pintarrajo: rabisco, esboço (desenho)

soltar los gallos: mentir, falhar a voz, sair do tom, embargar o discurso.

PSICANÁLISE E NAZISMO – Samuel Katz (Org.)

1. OBSERVAÇÕES SOBRE A CONJUNTURA E O DESTINO DA PSICANÁLISE E DA PSICOTERAPIA NA ALEMANHA ENTRE 1933-49 – Käthe Dräger (trad. Helena Lins e Barros)

Chega a ser paradoxal o mero surgimento, sob o nazismo, de um instituto psicoterapêutico que incluía psicoterapia analítica, pois o reconhecimento da neurose como doença e o interesse pela psique individual, pela vida interior das pessoas, opunha-se à ideologia nazista. A existência do instituto viabilizou-se pelo fato de M.H. Göring ser parente afastado de Göring, ministro do Reich, e por intermédio desse parentesco obter o apoio das autoridades.”

na DPG, ressurgida em 1946, dominava o grupo forte de Schultz-Hencke. O pequeno grupo reunido em torno de Müller-Braunschweig sentiu-se enfraquecido com a partida de Kemper, que viajou para o Brasil em 1948 e lá trabalhou por 20 anos como analista didata.”

2. PSICANÁLISE E NAZISMO – Elisabeth Brainin & Isidor J. Kaminer (trad. Angela Wittich)

Em 1932, alguns meses antes que Hitler se tornasse Chanceler, realizou-se o 12º Congresso Internacional de Psicanálise, em Wiesbaden, sob a direção de Max Eitingon. Foi o último congresso realizado em solo alemão. De acordo com o discurso inaugural de Eitingon, o congresso se realizava ali como prova do crescente estabelecimento e reconhecimento da psicanálise alemã. O perigo representado pelo ascendente poder nazista não foi, então, bem-avaliado, pois naquela época muitos analistas já deixavam a Alemanha.”

A mulher [do psicanalista não-judeu] Böhm estava muito identificada com as idéias do Partido Nazista. Jeckels, um judeu, era conhecido por seu posicionamento comunista e Paul Federn era um social-democrata engajado.”

F. parece colocar o Nazismo na continuidade da centenária perseguição aos judeus na Europa, e parece também expressar a esperança de que este pesadelo do séc. XX fosse passageiro.”

Böhm, após um relato de 3h, foi interrompido por F., com as seguintes palavras: Chega! Os judeus já sofreram centenas de anos por suas convicções. Chegou a hora dos nossos colegas cristãos sofrerem pelas suas.”

Em 1935 (…) Jones mantinha sua posição anterior, de apoio aos procedimentos da DPG, sempre disposta a firmar compromissos.”

vários oficiais de altas patentes participavam dos seminários e prática sobre terapia breve. Muitos oficiais de campanha recebiam instruções de como melhor lidar com os comandados. (…) O Instituto estava a serviço da ideologia nazista: faziam-se trabalhos sobre a infertilidade, o crescimento demográfico e a homossexualidade. Foi publicado, nessa época, o livro de Kemper: A perturbação da capacidade amorosa da mulher.”

Nas fontes a que tivemos acesso, não há nenhum caso de exclusão da WPB por atividade política [como se se pudesse confiar nas atas da Associação de Viena!]. Inclusive alguns conhecidos analistas, como Bernfeld, Nunberg, Deutsch, Friedjung, Buxbaum, tinham relacionamento íntimo com organizações de esquerda. Dentre os candidatos à formação, Marie Langer não era a única que seguia uma atividade política proibida; R. Eckstein, M. Gardiner, T. Erdheim-Genner podem ser citados como exemplo, e alguns tiveram que cumprir penas de detenção por isso.”

O químico nazista Sauerwald foi nomeado para dirigir a WPV, a Clínica Social e a Editora. A WPV foi dissolvida e a DPG, que ainda existia na época, assumiu a tutela de todos os seus direitos, deveres e bens. Bandos da SA e da Gestapo invadiram várias vezes a residência de F.. A situação estava de tal modo desesperadora que, 2º Schur, Anna chegou a pensar em suicídio. [Schur para mim não tem nenhuma credibilidade]; ao que F. teria replicado: ‘Por quê? Só porque eles gostariam disto?’.”

O índice de suicídios na Áustria duplicou e em seguida triplicou após a Anexação.”

O último ano de edição de Imago foi 1941.”

Na Itália, a Associação Psicanalítica também foi dissolvida, apesar do bom relacionamento de Edoardo Weiss com Mussolini, o que havia ajudado a salvar F. na Áustria.”

Karl Landauer, que já havia fugido dos nazistas da Alemanha para a Holanda, fundou, depois do Instituto de Frankfurt, a Associação Psicanalítica Holandesa. Foi mais tarde preso pelos nazistas, deportado para Theresienstadt e morreu no campo de Bergen-Belsen.”

O grupo de Praga também foi extinto. (…) O grupo húngaro pôde dar continuidade aos seus trabalhos, mesmo sob intensa repressão até a invasão das tropas alemãs, em 1944. Cada reunião tinha que ser comunicada com antecedência à polícia e era observada.”

O NEGACIONISMO

Lamenta-se apenas o próprio sofrimento e a perda de capacidades intelectuais ocorrida por terem ‘ido embora’ os judeus” “Por parte da Internacional mesma, nunca houve um esclarecimento sobre suas relações com os analistas alemães naquele período.”

Ainda em 1977, num congresso internacional em Jerusalém, houve uma forte discussão e protesto quando Berlim foi indicada para o próximo congresso.”

A cisão da DPV, desde a DPG, em 1950, devia dar a impressão da sua independência para com o período nazista. Os membros da DPV, no entanto, atuaram no Instituto Göring, da mesma forma que os membros da DPG. A denegação, em alguns depoimentos, vai tão longe que se considera a psicanálise ‘morta’ no período nazista, para não fazer menção de como esteve a serviço da ideologia dominante. No Instituto Göring a foto de F. ficava de frente à de Adolf Hitler, e foi retirada definitivamente em 1938.”

Todos os partidos políticos, em seus programas de atuação, estavam preocupados em deixar o passado no esquecimento. Mitscherlich fala de uma ‘defesa maníaca, pelo milagre econômico do pós-guerra, que transforma o ocorrido em não-ocorrido’

Se não for possível trabalhar tudo isto na análise didática, porque os sentimentos de contra-transferência do didata não o permitem, estes medos persistirão, como também a dificuldade de se estabelecer uma verdadeira relação com a realidade.” Não é possível. A psicanálise é uma terapia fraca, a-social.

(N.Org.) “Isto deve nos fazer voltar à tese de que as sociedades oficiais estão bem mais próximas dos fascismos do que nos atrevemos a confessar.” Finalmente!

3. PSICANÁLISE NA ALEMANHA HITLERISTA. COMO FOI REALMENTE? – Hans-Martin Lohmann & Lutz Rosenkötter (trad. A. Wittich)

Onde estavam a energia e o ímpeto quando ainda não existia o nacional-socialismo? Encontravam-se profundamente ocultos na alma germânica, muito diferente de uma lata de lixo cheia de desejos infantis familiares insatisfeitos, ressentidos e não-resolvidos.” Jung, 1934

Geoffrey Cocks (1975) demonstra-nos de forma clara essa negação da realidade, citando o caso de Georg Groddeck que, até o momento da sua morte (1934), acreditava precisar apenas de uma oportunidade de contato com o Führer para conduzi-lo à direção correta.”

Böhm que, junto com Müller-Braunschweig, era representante dos psicanalistas ‘arianos’ não-emigrados, refere-se em suas memórias a que, em todas as situações importantes para a psicanálise, quando se encontrava em apuros, sempre agia em concordância total com F.. O mesmo escreve Baumeyer (1971), que exalta a ‘aprovação’ de todos os passos, seguidos por F., Anna e Jones. (…) tudo que aconteceu à psicanálise após 1933 tinha a ‘bênção’ da autoridade vienense.”

Langer segue dizendo: Em 1936, eu e um grupo de médicos fomos presos sob a acusação de estarmos trabalhando pela paz . . . Na ausência de bases jurídicas, fomos libertados 3 dias depois.”

psiquiatras isolados, como, p.ex., Ernst Kretschmer, pertenciam à AÄGP, apesar da Psiquiatria acadêmica ser em geral contra a Psicoterapia.” “Em 06/04/33, Krestschmer, que não aceitava o NS, retirou-se da presidência da entidade. Seu sucessor foi Jung, que desde ‘30 ocupava o cargo de vice-presidente. Seguindo o plano de Jung, a Sociedade obteve status internacional”

Mathias Heinrich Göring, primo de Hermann Göring, nasceu em 1879, formou-se em Direito em 1900 e em Medicina em 1907. Em ‘09-‘10, foi assistente de Kraepelin, em Munique. A partir de ‘13, pertenceu à Clínica Universitária de Giessen. Foi lá que descobriu seu interesse pela psicoterapia e hipnose. Em ‘23, estabeleceu-se como neurologista em Wuppertal-Elberfeld. Após o término da formação e análise didática, com os discípulos de Adler, Seif e Kuenkel, em Munique, fundou uma entidade de orientação educacional e a Comunidade de Trabalho Psicoterápica de Wuppertal. Desde ‘28, pertencia à AÄGP.”

FELIZMENTE, HÁ “VIRA-CASACAS” OU “COLABORACIONISTAS” PARA O LADO CERTO DA HISTÓRIA: “A mulher de Göring, que inicialmente era tida como nazista ‘ferrenha’, submeteu-se a uma análise didática com Kemper, e se aproximou consideravelmente da forma de pensar freudiana. A Sra. Göring, por várias vezes, assinalou a Kemper algum colega que chamava atenção de forma desagradável no Partido.”

Os casos de ‘sobrecarga psíquica’, com queixas orgânicas e alterações psicossomáticas, como cefaléias e úlceras gástricas, eram muito mais freqüentes do que os tremores da 1ª Grande Guerra. É muito interessante que o termo neurose não pudesse ser utilizado, pois era contrário aos conceitos da época. Só se podia falar de reações vivenciais anormais. Foi possível realizar um trabalho íntimo com a Luftwaffe, por intermédio de J.H. Schultz, que era também oficial sanitário.”

O episódio a seguir é uma estranha mistura de prestação de serviço à organização nazista e um comportamento profissional correto: em 1942, M.H. Göring examinou, a pedido de Himmler, a filha de 17 anos de um oficial da SS, morto na guerra, para indicar quem deveria tomá-la sob seus cuidados, já que a moça apresentava perturbações psíquicas. A freudiana Kalau von Hofe deu um parecer psicanalítico baseado nos sintomas e indicou a internação numa clínica em que houvesse possibilidade de um tratamento psicoterápico. Iniciou-se o tratamento em Munique e, mais tarde, na Clínica Infantil de Tübingen, sob a supervisão da Sra. Marzinowski. Himmler aceitou todas as sugestões e o tratamento foi custeado pela SS.”

No final de abril de ‘45, o Instituto foi totalmente destruído durante um ataque aéreo. M.H. Göring ainda lutava nas últimas semanas de guerra, segundo um relato pessoal, e foi preso em Berlim, pelos russos, morrendo de tifo no mesmo ano, num campo de prisão russo.”

4. PSICANÁLISE, PSICOTERAPIA E NACIONAL-SOCIALISMO – Geoffrey Cocks (trad. Lya Luft [!])

Rittmeister morreu nas mãos da SS, por participar de um grupo de resistência que pertencia à rede de espionagem da Rote Kapelle (Orquestra Vermelha). Embora o pensamento e ação de Rittmeister mereçam admiração, relatos hagiográficos sobre sua vida correm o perigo de desviar a atenção das questões complexas e eticamente duvidosas, em matéria de serviços psicanalíticos em favor do Estado nacional-socialista.”

A ascensão da psicanálise na década seguinte [1920] fundamentava-se em boa parte nos sucessos psicanalíticos no tratamento das neuroses da I Guerra, que os psiquiatras militares de formação tradicional tinham abandonado como enigmas.”

Em 1926 os psiquiatras Robert Sommer e Wladimir Eliasberg fundaram a Sociedade Médica Geral de Psicoterapia. Essa organização internacional deveria ser uma reunião de todos os médicos que na sua prática usassem uma ou outra espécie de psicoterapia. (…) Entre os membros notáveis da sociedade estavam Alfred Adler, Carl Jung, Frieda Fromm-Reichmann, Hans von Hattingberg, Gustav Richard Heyer, Karen Horney, Ernst Kretschmer, Erwin Liek, Felix Deutsch, Georg Groddeck, Fritz Künkel, Kurt Lewin, Ernst Simmel, Johannes Heinrich Schultz, Leonhard Seif, Viktor von Weizäcker e Harald Schultz-Hencke. A DPG negou-lhe reconhecimento.”

De modo algum, pois, o nacional-socialismo destruiu a psicoterapia, ao oprimi-la inescrupulosamente, ou tornando-a escrava muda de sua própria confusa ideologia. Muito ao contrário, a história da evolução da psicologia médica na Alemanha, modificada pela dinâmica estrutural da ditadura marrom, produziu um campo de força que ofereceu à psicoterapia depois de ‘33 uma oportunidade sem igual de sobrevivência e desenvolvimento profissional.”

Junto com uma preocupação maciça pela ‘saúde do povo’, os nacional-socialistas consideravam uma psicoterapia e psicologia arianizadas um meio importante para assegurar a lealdade e produtividade do povo alemão. A fascinante jovem disciplina parecia-lhes uma encantadora síntese de uma herança romântica com uma (segundo eles) tarefa fundamental da psicologia médica: lidar com as qualidades internas dos seres humanos.” “O fato de que psicoterapeutas tenham gozado na Alemanha, durante 9 anos, de sucesso e status profissional, jamais superado antes ou depois, deve-se a sua base institucional singular, que se originava principalmente da influência e proteção do nome Göring.” “Por que essa singular história nunca foi revelada? A maior parte das análises precedentes do III Reich veio de setores diretamente atingidos pela tirania e agressividade de Hitler.”

As exigências falsas de reforma dos nacional-socialistas logo se revelaram vazias, de modo que ascensão e declínio, triunfos e fracasso dos mais diversos órgãos da administração e governo do III Reich continuaram sendo determinados por problemas e tentativas de solução pré-nacional-socialistas.”

Essa lógica impiedosa também é responsável pelo fato de que os nacional-socialistas – ao contrário do comunismo soviético – jamais usassem a clínica psiquiátrica como local de se guardar o inimigo político. Essa espécie de ‘psiquiatrização’ dos dissidentes, apesar de tanto ferir a dignidade humana, e de todos os maus tratos que geralmente lhe aplica, ainda parte da possibilidade e desejo de uma melhoria. (…) Por mais que a Alemanha nazista e a Rússia soviética se assemelhem como sistemas totalitários, suas ideologias são basicamente diferentes. O marxismo, com seu materialismo, é essencialmente racional, e apela para a construção e asseguramento de sua sociedade igualitária, para estratégias científicas – nesse caso, para uma psiquiatria que originalmente vem da psicologia de Pavlov, e hoje se distingue por uma decisiva orientação orgânica e química (Segal, 1975).” Que marxismo? Na Rússia pós-leninista? O modelo organo-químico prosperou mesmo com o capitalismo, e as grandes empresas alemãs que se inseriram no mercado no pós-guerra – dá-lhe Pfizer!

O Instituto Göring não apenas tratava grande número de lesados de guerra; oferecia ajuda psicoterapêutica a uma série de homossexuais, entre eles muitos membros das organizações de juventude nacional-socialista, e executava pelo menos 2 projetos ordenados oficialmente: sobre homossexualismo (sic) e sobre esterilidade psicogênica.”

O período do idealismo alemão, entre 1770 e 1830, forneceu o fundamento espiritual do nacionalismo alemão que tomou forma na luta contra Napoleão – um encontro histórico que conferiu ao pensamento alemão uma mudança de orientação militante anti-ocidental, especialmente em relação aos ideais políticos da Revolução Francesa. Esse fato, junto com a continuação do particularismo dos pequenos Estados, roubou à burguesia ascendente as chances de estender seu liberalismo da esfera econômica para a política. O fracasso da revolução de 1848, e a consequente unificação da Alemanha pela Prússia, selaram essa evolução. Sob a impressão do sucesso da política real de Bismarck dentro e fora da Alemanha, os liberais alemães se acomodaram de modo geral com uma posição subordinada no autoritário II Império. (…) Não apenas as camadas de classe média recebiam de boa-vontade o lucro econômico de sua derrota política, mas apossavam-se do luxo ‘feudal’ de uma Alemanha prussificada.

A solução era dupla: de um lado, o cidadão culto podia ascender desdenhosamente sobre a política, como um terreno de gente inculta, deixando-a nas mãos do governo; ao mesmo tempo podia louvar o poder de seu Estado como um triunfo da profunda cultura alemã sobre a civilização ocidental, materialista e mole. Essas tendências chegaram ao auge em 1914, quando sólidos cidadãos alemães foram para a guerra com a firme sensação de estarem lutando por valores mais altos.”

Seu conteúdo romântico misturava-se também com traços do luteranismo conservador e crédulo na autoridade, e com o embotado movimento pietista, voltado para dentro. Essa combinação não apenas provocou o que Fritz Stern (1960) chamou de ‘o alemão apolítico’, mas produziu também na elite culta de funcionários do governo, juristas, médicos, pedagogos, etc., uma arrogância cultural e social singular, parecida com o que Fritz Ringer descreveu (1969) como ‘mandarins alemães’.”

As noções de inconsciente e da unidade de corpo e alma podem ser seguidas na história da medicina até Heráclito no séc. 6 (sic) antes de Cristo. Como Rosseau (sic – porra, Lya Luft!) mais de 2 mil anos depois, H. acreditava que a razão era comum a todos os seres humanos, mas não constituía sozinha a peculiaridade do ser humano.”

Nos meios nazistas Paracelso passava por uma figura legendária, e por sua luta em favor de uma saúde mental, e seu emprego do alemão em vez do latim como língua escrita, foi estilizado como predecessor cultural e científico da ideologia nacional-socialista. Em 1943, o diretor Friedrich Wilhelm Pabst criou uma bombástica versão de sua vida.” Tudo no Reich era BOMBAstico.

Carl Gustav Carus determinava a psicologia como ciência da evolução da alma, do inconsciente para o consciente. Seguia-se que no tratamento de doentes mentais devia-se dar importância à cura do indivíduo total, não às partes isoladas, ou órgãos. A esse princípio – e sua posterior glorificação no meio nacional e cultural alemão – pertenceu também a singular dignidade filosófica e religiosa que ele conferia à psique; foi, entre outros, esse elemento que no séc. XX tornou tão sedutora para os psicoterapeutas alemães de tendência romântica a doutrina de Jung. Carus e seu livro de maior influência, Psique, para uma história da evolução da alma (1846), tornaram-se fonte de inspiração importante para Göring e outros psicoterapeutas do III Reich.”

Para M.H. Göring, Feuchtersleben, além de Leibniz, Carus e outros, foi testemunha histórica da riqueza de uma tradição psicoterapêutica genuinamente alemã, e da conseqüente inaptidão relativa do engano mecanicista de F. quanto ao inconsciente humano.

A tradição romântica chegou ao ápice com a Filosofia do Inconsciente de Eduard von Hartmann (1869). Depois tornou-se subterrânea, limitada a alusões das obras literárias de Goethe e Dostoiévski, e da filosofia de Nietzsche, enquanto na superfície imperava o período do positivismo científico e da nosologia psiquiátrica na medicina. Assim, também Nie. tornou-se importante desbravador da moderna psicoterapia na Alemanha.”

A neurologia, ciência do sistema nervoso humano, aparecera pela 1ª vez na Inglaterra e França no séc. XVII, adornando-se do lema hipocrático de que ‘o cérebro é o centro da loucura’.”

Espírito significava o pensamento ocidental materialista do Renascimento, que vencera a plenitude e profundidade da cosmovisão medieval (alma). Pode-se supor com alguma razão que os membros da Sociedade Médica Geral de Psicoterapia – apesar da abrangência de interesses, orientações e disciplinas médicas nela representadas – mantinham uma postura básica conservadora, nacionalista (na sua maioria protestante), ao contrário dos membros antes liberais, cosmopolitas (na sua maioria judeus) da DPG.” “entre todos os grupos profissionais acadêmicos na Alemanha, os médicos tinham a mais alta porcentagem (45%) de membros do Partido Nazi em suas fileiras (Kater, 1979).”

Além disso, o entusiasmo geral de 1933 teve um efeito especial sobre os alemães ‘apolíticos’. Entusiasmo – ou mero patriotismo – especialmente depois de 1939 e da catástrofe de Stalingrado em 1943, que conseguia sufocar em germe qualquer crítica.” “Ao mesmo tempo, a imagem notada e divulgada de um Führer que pairava acima das zonas inferiores da política vinha ao encontro da repugnada má-vontade com que a maioria dos alemães de formação tinha seguido a experiência democrática materialista e ineficaz da República de Weimar.” “Mesmo a política judaica nacional-socialista corria em surtos sempre interrompidos por tréguas de calmaria.” Deve ter querido dizer política nacional-socialista anti-semita!

Talvez muitas coisas tivessem sido diferentes se os psicoterapeutas e acadêmicos alemães tivessem (sic) pronunciado todos juntos um decidido ‘Não’, ou ao menos ‘Sem mim’. Mas o que na verdade fizeram jogou uma luz esclarecedora sobre a evolução profissional e a estrutura organizacional da Alemanha nazista.”

Enquanto os habitantes dos Países Baixos enfrentavam um regime de ocupação de tempo de guerra, os alemães lidavam com seu próprio governo; e a chance (…) de progresso profissional sob a proteção do nome Göring fazia a auto-dissolução parecer uma alternativa nobre mas pouco atraente.”

Embora os nacional-socialistas anunciassem de alto e bom som¹ a uniformização da sociedade alemã, a sua forma de dominação permitia, até animava, junto com a nebulosidade de seu programa, uma postura que se podia chamar ‘auto-uniformização’. (…) Do ponto de vista ético, isso trouxe maior responsabilidade nos atos individuais, pois ainda havia certa liberdade de opção.”

¹ Lya Luft, como previsto, tradutora horrorosa…

Além dos incontáveis pacientes que procuravam psicoterapeutas no III Reich, recebendo ajuda deles, havia na guerra alguns casos de homens que, sem intervenção daqueles, seriam declarados ‘simuladores’ e fuzilados.”

Comparados a outros grupos acadêmicos, p.ex. os estudiosos da Antiguidade clássica, praticamente intocados pelo nacional-socialismo (Losemann, 1977), ou os historiadores dirigidos por Walter Frank, que instalaram um grande ‘Instituto para História da Nova Alemanha’, de cunho nazi (Heiber, 1966), os psicoterapeutas seguiram, no III Reich, um caminho intermediário.”

os físicos (como estabelecer uma ‘física ariana’?) sofreram grandes males no III Reich (Beyerchen, 1977).”

Segundo Blanck, a psicoterapia até aqui não se separou suficientemente da medicina nem da psicologia para poder valer como ramo independente, e essa é a dificuldade essencial para a sua profissionalização.”

O protesto do movimento psicodinâmico contra os establishments nosológico e neurológico da psiquiatria alemã ampliou-se, aliás, na década de 1920, com um forte desconforto diante da ‘crise da medicina’. Houve preocupação com uma profissão médica que não conseguia mais encarar pacientes como pessoas, que era demasiadamente dada à ciência natural, demasiadamente burocrática e, na sua continuação em receitas e honorários, materialista demais. A esse protesto também se ligou forçadamente a Sociedade Médica Geral de Psicoterapia. A Sociedade declarou ser seu objetivo o estímulo da psicoterapia na luta contra a ‘peste popular’ da neurose. Sublinhando a necessidade de uma campanha para profilaxia social e tratamento da neurose, ela parecia ignorar a tradicional classificação psiquiátrica, academicamente rejeitada, das doenças do cérebro e do sistema nervoso, ou até torná-las desprezíveis.”

IMPOSSÍVEL RETORNAR A HIPÓCRATES: “A formação para essa tarefa não podia se limitar às ciências médicas, mas tinha de incluir as ciências sociais e espirituais.”

um estudo de medicina, mesmo na forma abreviada do governo nacional-socialista, ainda era um processo mais complexo que o diploma universitário em psicologia com formação clínica anexa.”

Partindo do juvenil temperamento artístico do Führer, e seu faro político na tática de partilhar e governar, as intenções contraditórias e interesse de senhores feudais grandes e pequenos, que formavam a corporação liderante do nacional-socialismo, desfizeram totalmente o já tênue verniz ideológico do movimento.”

(*) “O Nazismo não terá uma linha única de pensamento. Por relação (sic) às questões do psiquismo, p.ex., em ‘33 se querem eliminar os ‘doentes mentais’, enquanto em ‘45 se querem preservá-los, pois há enorme falta de força de trabalho.”

(*) “A psicoterapia alemã será unitária, enquanto a psicanálise judaica é múltipla e diferencial (teses de Jung).” Acontece que Jung foi EXPURGADO do “Partido Fraudiano” por manifestar as suas “teses”. Hitler e Freud são simétricos nesse tocante: dois Führers centralizadores, pusilânimes e tresloucados.

5. JOHN F. RITTMEISTER E C.G. JUNG – Ludger M. Hermanns (trad. Angela Wittich)

O texto [póstumo, não-publicado, de Rittmeister], no seu conjunto, mostra-se estranhamente inconsistente. É alimentado por uma crítica intensa e atual a Jung, frente ao fascismo alemão, complementada por frutos dos seus estudos, realizados em Zurique, dos clássicos marxistas-leninistas, completando-se afinal com fatos da sua própria experiência e socialização política (…) A publicação da versão original pareceu-me válida como documento histórico: assim pensou, falou e escreveu um psicanalista alemão nos meados dos anos 30. [próximo capítulo do livro]”

Num texto humanístico publicado por uma revista científica holandesa Rittmeister viu-se obrigado a substituir o termo Materialismo histórico por Métodos históricos da crítica social moderna, sobre uma antropologia estática (1936, p. 952).”

Após uma atividade inicial como voluntário no Hospital de Burghölzli, seguiram-se 3 anos como assistente na Policlínica para doentes nervosos, da Universidade de Zurique, concluídos e seguidos por novo período como médico voluntário em Münsingen, até o outono de 1937.”

Sendo notório o seu posicionamento político, foi muitas vezes prevenido, por seus amigos, contra sua volta à Alemanha. Regressou, porém, no outono de 1937, após lhe terem sido marcadas várias datas de saída, pelos órgãos suíços de controle de estrangeiros, em conseqüência às queixas por ‘atividades comunistas’. Sua decisão de retornar teve provavelmente motivo pessoal. No diário de cárcere, escreveu: ‘retornei à Alemanha em 1937, para buscar na pátria mulher e trabalho’ (p. 71). Possivelmente, no entanto, o fato dele só mencionar fatores pessoais se explique pelas circunstâncias em que foi escrito o diário, que a qualquer momento podia ser confiscado pela Gestapo.”

Casou-se em julho de ‘39, e a partir do mês de setembro começou a trabalhar na Policlínica do Instituto Göring, cuja direção passou a ocupar mais tarde, em cargo de confiança.” “uma palestra realizada para o ‘Grupo de Trabalho A’ [psicanalistas disfarçados], muito discutida, A crise mística do jovem Descartes, foi publicada postumamente, em 1961, por um amigo de Münsingen, Alfred Storch, numa revista científica suíça (Rittmeister, 1961).”

(*) “A Resistência era considerada a maior e mais efetiva organização de resistência antifascista alemã e era conhecida pelo nome, dado pela Gestapo, de Orquestra Vermelha. Na época da guerra fria, dada sua considerável atividade de espionagem pró-União Soviética, deixou de ser vista como grupo de resistência, sendo chamada de ‘traidora da pátria’, e condenada assim pela 2ª vez.”

Neste grupo discutiam-se principalmente temas políticos, lia-se literatura em conjunto e organizavam-se campanhas de ajuda a judeus e trabalhadores estrangeiros. Por volta do natal de 1941 travou conhecimento com Harro Schulze-Boyse, obtendo assim acesso à [outras figuras mais militantes da] Resistência”

Preso em 26/9/1942, foi condenado à morte pelo Tribunal de Guerra do Reich, tendo sido aplicada a mesma pena aos seus companheiros. Com alguns deles, foi executado em 13/5/1943, em Plötzensee, pelos nazistas. Ver Gilles Perrault, A orquestra vermelha, trad. Nova Época Editorial, SP.”

passei a me interessar cada vez mais por Jung e lia com avidez e entusiasmo Transformações e símbolos da libido

Após um rompimento afetivo, lançou-se ‘ainda mais nos desdobramentos dos assuntos russo e revolucionário (Bakunin) e na teoria junguiana, seguindo-se um estudo mais aprofundado, de julho a agosto, em Londres, de O Capital’ (R., 1942-3)”

não me agradava neste Círculo o clima nebuloso, místico e saturado. Por outro lado, eu não me sentia ali muito à vontade e cada vez mais era levado à indiferença, ligado não ao devir ou à contemplação de cultos passados e culturas orientais, mas à realidade: aqui, o mundo estava pegando fogo”

seu 1º trabalho científico publicado, com o título Energética da alma em C.G. Jung, é um relatório elogioso e muito detalhado da obra de J. (1930). Apesar deste entusiasmo, isto nunca invalidou sua posição por relação a F. [?? – não é possível ser anti-junguiano e anti-freudiano ao mesmo tempo? Negar um é afirmar o outro?]”

R. começa a desenvolver uma crítica à teoria junguiana, como reflexo às simpatias iniciais de J. pelo nacional-socialismo. Esta crítica à teoria dos arquétipos, somada a um estudo humanístico de ‘36, formam uma unidade e expressam o seu afastamento de J.”

Jung relata o caso de uma paciente que, nascida na Índia, foi para a Europa aos 6 anos de idade, apresentando mais tarde uma grave neurose. Ela adquirira, segundo o autor, através do leite de sua ama, fantasias e sonhos que se pode interpretar apenas pela ioga tântrica e regras indianas dos Chakras.”

Jung era realmente nacional-socialista?”

Hitler é o megafone que amplia os murmúrios inaudíveis da alma alemã, até que possam ser captados pelo ouvido inconsciente dos alemães citado através de Balmer, 1972.

Gustav Bally, psicanalista em Zurique, que realizou sua formação em Berlim, no antigo Instituto Psicanalítico, foi o 1º a erguer a voz contra o fato de um suíço, como J., vir a ser o editor da Zentralblatt für Psychotherapie. [antifascismo ou xenofobia? Não ficou claro!]”

O que J. quer dizer com isso? Deseja que nos perguntemos cientificamente se a origem da psicologia é germânica ou judaica? Como diferenciar 2 psicologias? Qual valor teria, nas ciências humanas, considerar as obras do judeu Husserl ‘diferentes’ das de Meinong ou Dilthey? Usando-se o critério racial nos trabalhos sobre psicologia gestáltica, seriam ‘germânicos’ Ehrenfels e Wolfgang Köhler, enquanto que Koffka e Wertheimer seriam ‘judeus’? O que espera J. de uma avaliação racial das inteligentes concepções do etnólogo Lévy-Bruhl em comparação com o diligente Frazer? Por que estas diferenciações seriam tão importantes, a ponto da sua omissão, segundo ele, levar a uma falsificação dos resultados na prática e na teoria?”

É a ressurreição da demonologia, com suas luas e crepúsculos determinados, o triunfo do talismã e a mágica dos curandeiros. Este curandeiro, porém, é um professor de Psiquiatria. Seu poder e sua doutrina não são compatíveis com a sua função. Exorcismo, não, ele traz consigo 7 demônios ainda piores. Interessa-se pela doença, a cura é secundária. Os vários pacientes de Jung não sofrem de deficiências específicas como, p.ex., um amor não-correspondido ou um desemprego [a bem da verdade, nem os de F.: tudo neles é amor frustrado pelo papai ou mamãe ou recalque homossexual]: sofrem de uma deficiência de demônios; segundo Jung, porque não são suficientemente inconscientes, arcaicos, primitivos e ‘profundos’. Ele proporciona-lhes então um contato, perdido em 5 mil anos de civilização, com os poderes e mitos do inconsciente coletivo!” Schumacher, Mitologistas modernos, Vencedores do progresso pela via retrógrada, Geômetras do espaço irracional, pp. 103-4.

O filósofo Ernst Bloch, em seu ensaio Imago, um clarão do inconsciente, já antes de 1933, chamava Prinzhorn, Jung e Klages de ‘criptofascistas da psicologia’” (Bloch, 1935)

O irônico dos críticos socialistas de Jung dos anos 30 ou 40 é que eles justificavam a cegueira do suíço apelando para sua ‘falta de visão do conjunto social’, quando esta deveria ser a mesma crítica a disparar contra Freud, o ‘queridinho das ciências sociais’ por algum tempo, não sabemos hoje, direito, baseados no quê! Brincadeira, sabemos: na falsificação da história da psicanálise. Mas ainda assim é espantoso: embora não pudessem saber, nem os intelectuais mais vanguardistas, então, que o inconsciente de Freud era uma charlatanice, podia-se facilmente constatar sua opinião sobre o comunismo em qualquer de seus escritos; mas não se fazia essa análise – ou diremos exame, para não parecer uma sessão pseudanalítica?

Incomoda também muito pouco a Jung que nem todos os filósofos que refletem sobre o sentido da vida sejam neuróticos.” Bloch

6. HIPÓTESE E CONSEQÜÊNCIAS DA TEORIA DOS ARQUÉTIPOS DE JUNG – Rittmeister (trad. Angela Wittich)

Jung, durante algum tempo, seguiu o mesmo caminho que F., como Marx em relação a Hegel. Os sinais de separação foram semelhantes, porém, nos últimos anos, se deram de forma mais decente e menos ruidosa.”

Não fossem 2 pontos, diria até que se trata de um paralelo bastante interessante!

  1. Hegel não era contemporâneo de Marx;

  2. A tese é tão forçada quanto um trabalho de graduação de um ardoroso estudante do 2º semestre de sociologia: ao mesmo tempo em que o autor é freudomarxista (uma bizarrice por si), segundo ele Marx ao romper com Hegel triunfou; por isso o paralelo não funciona: ele quer que F. seja o “Marx da psicanálise”. Retificação: F. É o Marx da psicanálise. O problema todo aqui é o seguinte: a psicanálise é uma cosmovisão reacionária! Jung está errado porque é um racista ou pelo menos um simulacro de racista enquanto perdurou o III Reich, que se vendeu para sobreviver, não porque tenha “abandonado a psicanálise”!

R. já tinha consciência da ciclotimia das idéias: alternância entre racionalismo-irracionalismo, realismo-idealismo, etc. Prefigurou, de alguma forma, a condição pós-moderna. Entendeu até que o tempo entre as alternâncias estava acelerando cada vez mais… Nisto, foi sagaz.

Concede, também, que F. traiu o próprio legado (ademais hipervalorizado) ao publicar Para além do princípio do prazer. E seu fel não se limita aos anos 20 do “papa”:

F. não via nada além de pulsões e hipostasiava conceitos um tanto obscuros sobre a sexualidade. Também não via nada mais além do indivíduo isolado, numa realidade estática de Viena [uma espécie de Inferno do século XIX, a Viena freudiana], no período pré-guerra, à qual o neurótico tinha que se adaptar. No terreno sociológico, F. fantasiava, e seus discípulos ainda mais.” Agora sim estou vendo um Hegel II!

Jung deu à teoria da libido um aspecto mais abrangente e transcendeu o princípio estático e entediante da ambivalência, preconizado por F.. (…) Apontou incansavelmente para a literatura e religião chinesa, hindu e da Idade Média, acrescentando ao termo já conhecido Inconsciente dos antepassados, outro, Inconsciente coletivo” Mas: “J. não conseguiu estabelecer a ligação da filosofia clássica com a moderna, de modo que seu ponto de vista não se encaixa com o dos filósofos antigos, e o seu termo ‘coletivo’ não estabelece nenhuma relação com certos grupamentos raciais e culturais, muito bem-descritos em termos sociológicos.”

Hegel aceita a contradição de uma forma objetiva, mas essa objetividade é o espírito objetivo.” “Num enfoque geral, J. ficou estacionário numa etapa correspondente ao Idealismo romântico. Para ele, o absoluto é o Makranthropos, o homem gigante contido na alma, o ultrapassado homem coletivo, que acumula arquétipos hiper-individuais sobre… mas sobre o quê? (…) o Inconsciente coletivo é a coisa-em-si”

Para Berkeley [o cara vai fundo mesmo!] esse = percipi e as sensações que temos são dadas por Deus. Então só existem o Eu e Deus” “Para J., não só o mundo exterior, mas também Deus, foi incluído na subjetividade. O mundo dos arquétipos, os complexos autônomos recebem o atributo de serem ‘divinos’, e um deles (Self) é o ‘Deus em nós’.

Parece até um dos meus escritos de 2008 sobre o capitalismo tardio:

Este ser vampiresco, esta subjetividade divina, absorveu todo o mundo em si, o fez desaparecer, e se inflou em conseqüência disto, até alcançar uma universalidade coletiva em que Eu, de acordo com a demanda, sou uma vivência da criação do mundo, conforme Prometeu, ou diante da qual tenho que me subjugar, fazendo assim submergir minha própria consciência pessoal efêmera.

Minha alma é o continente desta divindade criadora de mil facetas, soberana, plena de Mana, que cria o mundo externo e o não-eu, que domina, que impulsiona, e com deuses e demônios no corpo, se eleva ao céu num inesperado agradecimento. Com toda minha atividade, eu me identifico com todas as possibilidades criativas coletivas de todos os tempos e povos, sou um Napoleão do armazenamento de todo possível inventário de conhecimentos arqueológicos.

Mas, ao mesmo tempo, eu sou pequeno, uma gota no mar do Inconsciente coletivo, ao qual tenho que sacrificar minha consciência egoísta e minha inteligência híbrida, e ao qual tenho que me submeter e adaptar pela intuição e pelos sentimentos.” [!!!]

O outro, a natureza, as leis do passado e do futuro, tudo isto é ou passa a ser fantasma desta teoria umbilicada.”

Lenin, Individualismo filosófico

hoje em dia o mundo é essencialmente interpretado como sonho, complexos e imagens interpessoais, de acordo com a teoria ‘pastoral’ da moderna psicanálise. Mesmo para F., todo o sentido da vida é a morte.” De fato! Como puderam canonizar este homem entre os maiores pensadores de um séc. inteiro? O maior enigma!

Cansado da crescente ambigüidade do mundo, que foge à vontade e à determinação do burguês, passa este a lançar mão da análise, do budismo, da ‘ciência cristã’, da teosofia e da psicologia, como se fossem um enquadramento do que é interno, de forma ainda cambaleante, em busca a todo momento de um denominador comum palpável, uma tábua de salvação.”

O homem permanece retraído apesar deste interior grandioso e multicolorido.” “Mas espere um momento! será que vemos o verdadeiro sol, as verdadeiras pradarias, nas quais nos enlevamos para fugir da solidão e da frieza dos escritórios e das fábricas?”

…as leis destes anos malditos em que vivemos.” Ah, Rittmeister, como 2020-21 está sendo um pandemônio junguiano, você mal imagina!

Será que posso considerar como importante a minha pessoa e buscar salvação em uma ilha de tranqüilidade aparente, mantendo escondido de mim mesmo o ruído e as lutas desta época, os possíveis privilégios materiais de minha classe, que gozo, apesar dos conflitos psíquicos?”

Vamos permitir que nossos brilhantes contemporâneos manipulem estas psicologias reluzentes de fogo fátuo, em pompa e honra? [E também em bomba!]

Vamos simplesmente observar a parede nebulosa que se ergue entre homens, classes, raças e povos, cada vez mais às expensas destas psicologias da moda, ao invés de fazê-las em união com a ciência e a sociologia?”

É trágico mas verdadeiro que mesmo o mais sublime e teórico idealismo leve sempre ao sofismo, ao endeusamento do Eu de uma elite, de uma raça, e termina finalmente no mais sangrento imperialismo.”

7. A NEO-PSICANÁLISE DE SCHULTZ-HENCKE (1892-1953): UMA VISÃO HISTÓRICA E CRÍTICA – Helmut Thomä (trad. Helena Lins e Barros)

Desde que Fenichel (1929) publicou um comentário crítico sobre o livro Einführung in die Psychoanalyse (Introdução à Psicanálise) de Schultz-Hencke, há mais de 30 anos, nada de importância substancial voltou a aparecer nas páginas psicanalíticas sobre a teoria das neuroses que S-H chamou de Desmologia a partir de 1934 e que após o término da 2ª guerra recebeu o nome de neo-psicanálise. (…) A partir de 1937, o desenvolvimento da psicanálise se deu no lugar onde a maior parte dos analistas que buscavam refúgio encontrou melhores possibilidades de trabalho: nos países anglo-americanos.”

Quando, após a guerra, S-H mudou o nome da Desmólise para neo-psicanálise, surgiram diferenças científicas que passaram a ser discutidas por psicanalistas e neo-psicanalistas. Entretanto, pouca coisa veio a público. Müller-Braunschweig, como expoente de um grupo, expôs rapidamente em uma brochura intitulada Streizüge durch die Psychoanalyse (Incursões em psicanálise) sua posição em relação à neo-psi.. Por ocasião do 1º Congresso Internacional do pós-guerra, realizado em Zurique em 1949, ele pronunciou uma conferência sobre a neo-psi. de S-H. A súmula inglesa dessa palestra ficou um tanto desconhecida. O próprio S-H foi bem mais produtivo e publicou várias apresentações sistemáticas, como Der gehemmte Mensch (O homem inibido) (1940), Lehrbuch der Traumanalyse (Compêndio da análise dos sonhos) (1949) e Lehrbuch der analytischen Psychotherapie (Compêndio de psicoterapia analítica) (1931). Além disso, empreendeu uma interpretação psicanalítica da esquizofrenia em seu livro Das Problem der Schizophrenie (O problema da esquizofrenia) (1952). No estado em que as coisas se encontravam, uma crítica à neo-psi. proveniente da psi. só poderia vir de dentro da Alemanha. (…) No livro de Munroe, Schools of Psychoanalytic Thought, p.ex., não consta o nome de Schultz-Hencke.”

A posição de S-H no III Reich era bastante cômoda, pois com as mudanças terminológicas por ele implementadas desde antes de 1933 não teve sua liberdade didática molestada.”

Naquela época, os congressos médicos de psicoterapia eram de alto nível” HAHAHAHA

A Psicologia Individual pressupõe a existência de sintomas e acaba a análise naquele fenômeno que seria descrito pela psi. como benefício secundário da doença.”

S-H retirou seus conceitos mais importantes (impulsão e inibição) de F. e Klages.”

A vontade não pode jamais produzir movimento, mas apenas dar subsídio a um movimento de fuga” Kl.

Ele faz parte daqueles autores que raramente fazem citações ou fundamentam com maior precisão as mudanças terminológicas. Não tenho conhecimento de que exista em alguma parte qualquer explicação de qual seria a vantagem de falar-se em inibição no lugar de recalcamento.”

Fenichel via com certa simpatia o esforço de Schultz-Hencke que, numa Introdução à psicanálise, procurava atrair o leitor com a descrição dos fatos, e não com artifícios de nomenclatura.”

Em S-H os 3 estágios (oral-anal-fálico) se tornam 7.

S-H não considera as fases pré-genitais do desenvolvimento como sub-espécies do conflito edípico, mas as toma em sua significação específica.” No que está correto.

A CRÍTICA SENTIU: “As imagens e equações de S-H, incomparavelmente mais pobres que as de F., favorecem especialmente a mistura da teoria com a experiência cotidiana”

A censura oficial do III Reich parece ter agido diferentemente em épocas distintas. Pois embora não haja teoricamente diferença substancial entre O homem inibido e os livros Lições sobre sonhos e Técnicas da Desmólise cujos esboços datavam de 1933, Schultz-Hencke foi proibido de publicá-los, como ele próprios nos informa.”

A psicanálise, excetuando-se seu método especulativo e teórico, é o estudo do homem inibido. Nem mais, nem menos. Na verdade, é uma desmologia e seu método o da desmólise. Se seus seguidores ortodoxos teimaram em proteger sob qualquer circunstância sua teoria especulativa de uma justa decadência e em chamar de ‘psicanálise’ apenas a este todo de verdade empírica, definições e especulação, então seus elementos básicos verificáveis deverão receber um novo nome . . . Não se pode imaginar que a ciência se adaptará a seu mundo conceitual insuficiente. A psi. não é uma ‘nova psicologia’ e sim um setor desta. E a este setor diz respeito a inibitoriedade de todos os seres humanos, com suas conseqüência. Investiga e tira conclusões sobre o homem inibido, e não sobre o homem em geral. (…) Este mal-entendido, como se se tratasse do restabelecimento da desinibição, pôde se manter porque mesclaram-se muitas especulações, definições e erros teóricas à teoria freudiana, cometidos pelo próprio F. e seus alunos. Especialmente a teoria da libido, o pan-sexualismo. Apenas o observador mais atento pôde perceber que dos fatos psíquicos descritos (e não da especulação sobre eles!), uma parte considerável nada tinha a ver com a sexualidade, que, surpreendentemente, no máximo a ela se acoplavam. (…) A própria literatura psicanalítica é em grande parte culpada, se o mundo não se preocupa com os fatos expansivos mencionados, e a psicologia comum dos homens sensatos fêz muito bem quando recusou a teoria sexual. ” S-H

S-H sabia que a agressividade já tinha há longo tempo um papel independente na teoria psicanalítica. Melanie Klein já publicara 2 obras importantes (1928 a 30), postulando a hipótese da destrutividade primária como uma das pedras angulares de sua técnica. (…) A maioria dos psicanalistas percebeu a ameaça de aniquilamento e conseguiu pôr-se a salvo.”

S-H é o bode expiatório: ele não citava o Édipo! Herético!

Resumindo, podemos dizer que todos os princípios característicos da neo-psi. estão contidos no livro representativo dessa fase, O homem inibido, de ‘40.”

O antigo Instituto Psicanalítico de Berlim, o 1º de seu tipo no mundo, não fôra restabelecido ao mesmo tempo que a Sociedade. Isto deve, antes de tudo, ser imputado ao fato de que nos 1os anos do pós-guerra a idéia de um trabalho comum abrangendo diversas correntes, como o extinto Instituto alemão, ainda não perdera seus atrativos.”

A idéia de representação de todos os psicoterapeutas por uma única instituição, a comissão docente, foi interrompida pelo desligamento de um grupo de junguianos (Bügler, Lemke). Mas, como outros psicoterapeutas igualmente junguianos ou simpatizantes (Kranefeldt, Schirren) permaneceram na ‘comissão’, esta abrangia representantes de todas as correntes, assim como também seu sucessor, o Instituto de Psicoterapia, fundado em 09/05/49.”

Se no mundo todo a todo-poderosa psicanálise fosse obrigada a submeter seus formandos a centros policlínicos, muitos dos absurdos e abusos dessa ‘escola’ jamais viriam à tona.

S-H (…) Acreditava ter separado o ouro da psi. de todas as impurezas, e criado uma síntese com os metais nobres das outras correntes.” Verdade ou não, isso nem Klein, nem Lacan tampouco estiveram perto de conseguir!

Segundo consta, ao amalgamar Adler, F. e Jung, foi este último quem “se deu pior” na neo-psicanálise, porque seus conceitos esotéricos eram realmente inassimiláveis por uma psicoterapia séria!

Consta da ata não-publicada da assembléia geral da DPG de 17 de abril de ‘48 que S-H achava que as variações de teoria freudiana ocorridas na América caminhavam na mesma direção que sua neo-psi.. E como na América não havia um Hitler, deve-se deduzir que este foi menos responsável pelo desenvolvimento científico na Alemanha do que uma tendência geral e independente da própria ciência.”

Um leitor pouco familiarizado com a história poderia deduzir do programa deste Congresso Internacional de Düsseldorf (1961) que a atual DPG é a herdeira espiritual daquela sociedade fundada em 1910. Na realidade, a continuidade organizacional e científica da psicanálise alemã foi destruída pelo nazismo. (…) De fato, era tão grande o predomínio do grupo neo-psicanalítico, que os psicanalistas que cercavam Müller-Braunschweig e que não queriam a Sociedade nova fundada sobre os pilares da teoria de S-H se viram forçados, em 1950, a fundar a DPV (que neste ínterim obtivera o reconhecimento internacional).”

A galera que o Manual de Psiquiatría designa como neo-psicanalistas: “Há trabalhos de outros autores, como, p.ex., Nunberg, Anna F., H. Hartmann, Rapaport (sic), Abraham, Rado, Fenichel e M. Klein.”

Este povo, outrora glorioso, não dá mais conta de ‘carregar’ seu passado histórico. Por quê? Pela decadência e degenerescência dos arianos, desde sua mistura com o povo ralé (Pöbelvolk), que torna a raça mais forte impura e enfraquecida.” Theodor Fritsch, Handbuch der Judenfrage (Manual de Questões Judaicas), 1919.

Säuberung é a palavra utilizada na língua alemã para designar os processos de Moscou, [?] é a palavra que Heidegger utiliza (na Introdução à Metafísica) para significar os expurgos nazistas de 1933-35 nas universidades, i.e., exatamente, a exclusão dos professores de origem judaica e de ideologia marxista ou democrática.”

O próprio Abraão, patriarca do povo judeu, teria sido um desses expulsos (de Ur na Caldéia). São Tschandala, i.e., os excluídos, criminosos, leprosos, vergonhosos, sem-raça, doentes contagiosos, etc.”

8. NAZISMO E PSICANÁLISE: OUTRAS RELAÇÕES – Chaim Samuel Katz

Por vezes, quando se lêem certos estudos acerca da psic. em suas relações com o nazismo, fica a impressão de que cada uma destas ‘entidades’ (a psicanálise, o nazismo) seguia um destino essencialmente marcado e distinto, e que seu encontro se deu unicamente por exercício e inscrição violento da parte do nazismo. Ou seja, nada haveria na psic. que a aproximasse do nazismo, a não ser sua coerção. Esta é a concepção que se funda, p.ex., no livro de Jones, obra histórica oficial da psicanálise erigida em torno de F..”

Como, então, explicar, p.ex., que as 2 sociedades psicanalíticas alemãs contemporâneas – a ‘nazista’ DPG e a ‘não-nazista’ DPV (ligada à IPA) se reuniram para formar uma sociedade mais ampla?”

a psicanálise jamais se preocupou diretamente com o nazismo, a não ser quando o nazismo começou a se preocupar diretamente com a psicanálise.”

se os psiquismos se fazem sempre iguais, não haveria ao menos que perguntar sobre quantos psicanalistas negros existem no Brasil? E quantos analisandos negros temos? Mas não se devem procurar elaborações sobre o assunto nas publicações da IPA, uma vez que o assunto é rapidamente eliminado, desde sua não-pertinência (atitude semelhante à da Direita estruturalista, da escola de Lacan [!]).”

FREUD IN A NUTSHELL: “Escolhi trabalhar com uma linha de investigação do que se poderia denominar de ‘saber impotente’, i.e., um conhecimento que, não propondo uma linha do vir-a-ser ou de dever-ser mas examinando o que é, perde as características do saber que idealiza, projeta, recomenda, modifica.”

Observe-se que depois da guerra só se diz IPA, enquanto que até 1936 mais ou menos esta se conhecia como IPV [seu equivalente germanófilo].”

Em 1932 o IZP publicou 2 ensaios, um de Reich criticando as concepções freudianas sobre a pulsão de morte, e outro de Bernfeld, criticando o ensaio de Reich. [Rs!] Deve-se levar em conta a importância de Reich para o movimento psicanalítico (o leitor conhece geralmente as críticas e análises políticas de Reich, mas ignora que ele fez a mais importante pesquisa sobre as técnicas psicanalíticas, especialmente de suas facetas não-verbais), e também o fato de que Bernfeld foi vice-diretor do Instituto de Formação psic. de Viena, em 1926.” “Os participantes da Sexpol podem elaborar teorias diferenciadas sobre aspectos teóricos e técnicos, o que não se admite é que o político apareça com características factuais (e foi exatamente esta faceta que marcou a Sexpol).”

Podem-se procurar todos os volumes posteriores das revistas oficiais, e jamais se encontrará nenhuma referência à similitude de certas concepções da psic. com a escola de Frankfurt. (…) [Mas] quando há proximidade entre as teorias psicanalíticas e a política oficial soviética (ambas anti-religiosas), certas notícias podem se manifestar.”

Fenichel, seguramente o mais proficiente resenhista de todos os que escreveram em órgãos oficiais da IPA, produz amplamente. Só no caderno 3 do IZP-IMAGO de ‘39 há 58 resenhas de Fenichel de livros e ensaios! Mas, para se entender suas posições ‘micro-políticas’, há que lê-lo em outras publicações.”

Ainda no caderno 3 deste ano, Fenichel, ao resenhar um ensaio de Reich (‘As necessidades sexuais das massas trabalhadoras e as dificuldades do tratamento sexual’), chegará a afirmar que ‘as neuroses das massas não podem ser tratadas nas grandes massas através de terapia individual, mas só combatidas profilaticamente’. Ora, esta ‘técnica ativa’ é uma modalidade política, e suas conseqüências (bem como o instrumento teórico que as funda) serão inteiramente distintas daquelas da psicanálise ‘normal’.”

No Boletim, editado por Anna F., nos avisos da Executiva Central, lê-se: ‘II – O Congresso – Em virtude da situação interna séria na Alemanha, cuja duração e extensão ainda não pode ser prevista, a Executiva Central resolve adiar para o próximo ano o 12º congresso internacional (…), que se deveria ter reunido em Interlaken (Suíça)’. O que é ‘situação interna séria’ na Alemanha? Se o leitor consultar todos os volumes citados, jamais saberá.”

Por que a assimetria URSS-Alemanha? “É que a Alemanha é uma Sorgenkind, mas aliada, passível de recuperação; enquanto a ‘Rússia’ [os malditos da IPA nem sequer se prestavam a escrever UNIÃO SOVIÉTICA!] é inimiga, irrecuperável.”

Para Jones, exclua-se, mate-se, inclua-se, salve-se: a psicanálise como essência será sempre igual a si mesma! A Sociedade de Viena passou de 112 psicanalistas e candidatos para 6 membros. Mas isto pouco importa, pois os fenômenos históricos, políticos e sociais não destruirão jamais o noumeno psicanalítico!!”

no informe da Sociedade francesa sobre o que aconteceu durante a Ocupação diz-se que ela se reduziu a DOIS membros, alguns morreram (de quê? como?), outros se juntaram ao exército (de Pétain ou de De Gaulle?), os judeus caíram na clandestinidade. Mas nunca se sabe se alguém colaborou com os nazistas; parece que isto é inteiramente indiferente à feitura da psic.”

Lagache faz um relatório explícito: foi impossível estudar, pois os alemães levaram os livros e proibiram até a citação do nome de F.. Mas durante a Guerra, segundo o psicanalista francês, ‘houve um movimento psicanalítico de resistência’, o que permitirá a retomada da psic.”

Esparsamente pode aparecer alguma notícia sobre campos de concentração: ‘O dr. Ernst Paul Hoffmann (antigo membro da Sociedade de Viena) morreu na Basiléia, em 23/12/44, depois de ter vivido 3 anos num campo francês de internamento (sob o governo de Vichy, controlado pelos alemães).”

INSTITUTO CHACRINHA: “este é o modo tradicional de produzir história à la IPA: primeiro, nada informa; segundo, se informa, não explica.”

Nem o exílio do próprio Freud é lembrado! Quanto à Índia, colônia inglesa, bem, esta vive nirvanicamente!”

O IJP se publicava na Inglaterra. Contudo, manteve uma distância acrítica do nazismo tão grande que jamais se suspeitaria que nesta época os 2 países [nazismo é um país?] estivessem em guerra.”

Quem leu as publicações oficiais da IPA antes e depois da guerra aprendeu, com surpresa, que um psicanalista como Wilhelm Reich é considerado mais inimigo da psicanálise oficial que um Matthias Heinrich Göring.” Nada a acrescentar!

Wälder resenhara um número do Zeitschrift für politische Psychologie und Sexualoekonomie (IMAGO, 1934, vol. XX, caderno 4, p. 504) para afirmar que ou se é marxista ou psicanalista.” “Wälder separa a psicanálise do ‘social’ (e, é claro, do político) e resolve as questões do ‘social’ desde uma certa leitura psicanalítica redutora. Contudo, e sempre, o ‘social’ estará apresentado convertido à psicanálise, e só aí merecerá ser considerado.”

9. A PSICANÁLISE EM BERLIM DE 1950 A 1970 – Gerhard Maetze (trad. Helena Lins e Barros)

A base financeira dos candidatos à formação naquele tempo era muito precária, pois os salários dos jovens médicos não passavam de uma[s] poucas centenas de marcos. Após os exames finais, alguns trabalhavam de graça nas clínicas buscando fazer jus a uma futura colocação remunerada. Após duras reivindicações, o Departamento de Saúde recém-começara a remunerar os serviços profissionais nas clínicas, pagando 50 marcos mensais em dinheiro em lugar do almoço gratuito na estação, à guisa de remuneração.”

APÊNDICE I

(…)

APÊNDICE II

A grande maioria dos teóricos procura pensar os fascismos como uma teoria da totalidade. Num determinado momento algo acontece e – plim, plim – surge o regime fascista. A melhor saída é atribuir tudo ao Estado (quer como fenômeno social novo, quer como manifestação fenomênica de outros fenômenos que não se evidenciam imediatamente), como seu centro organizador exclusivo.

(…)

É o que faz um psicanalista lacaniano. Comparando o fascismo com o despotismo, Mladen Dolar¹ diz que temos inicialmente a história de um nome, o nome do déspota (Mladen Dolar, Prolégomènes à une théorie du discours fasciste in: Analytica, vol. 33, Navarin, Paris, 1983): ‘E que este nome seja capital, pode-se prová-lo pelo absurdo: o acontecimento indiscutivelmente mais decisivo na vida de Hitler aconteceu 13 anos antes do seu nascimento, quando o seu pai trocou o sobrenome familiar, Schichklgruber, por Hitler. Imaginai as massas gritar: Heil Schichklgruber!’ ‘A presença do déspota se faz sentir por um escrito, um sinete – letra volante, significante despido de sentido. Pois o Führer não escreve, e é isto que o caracteriza: dita seu livro na prisão, jamais escreve uma linha.’ E os aspectos econômicos do Nazismo? Dolar diz: ‘É certo que o Führer não quer saber nada dos assuntos econômicos (e, de fato, nada sabe deles). Mas não se dá ao gozo enquanto os outros governam, ao contrário, vive uma vida de ascese para o único emprego digno de um mestre: o de guerreiro’.”

¹ Ele deve encher o cu de dinheiro… Quase que nos sai um BIN LADEN DOLLAR, aliás… Seria o NOME DO SÉCULO…

tais teses pertinentes e cêntricas têm interesse teórico, pois tornam inteiramente desnecessário perguntar sobre o fascismo psicanalítico.”

Bergman (O ovo da serpente) nos ensina mais sobre o assunto dos microaparelhos de poder que um grande número de teorias. Toda teoria ampla tem ainda capacidade de nos ensinar, quando apela para análises concretas (ver, p.ex., Nicos Poulantzas, O Estado, o Poder, o Socialismo, Graal, Rio, 1981, especialmente a ‘Primeira parte’, ‘A materialidade institucional do Estado’).”

Fascismo é um termo lançado pelos próprios fascistas – mais especificamente por Mussolini – consagrado pelos estudiosos e utilizado por políticos, religiosos, etc., e pelo povo em geral. Esta utilização suprimiu – como não poderia deixar de ser – um certo caráter científico da palavra.”

A esquerda muitas vezes, serve-se dele como ‘epíteto injurioso’ contra as forças de direita.” Pois esse termo já estava quase esquecido, quando o fascismo voltou, literalmente, e se tornou de uso banal 40 anos ou 45 anos depois deste texto…

ORIGEM DO “FASCISMO É DE ESQUERDA”: “A direita, por sua vez, aproveitando-se justamente do uso que do termo se faz na linguagem corrente, de se o estender a todos os regimes de inspiração semelhante aos da Itália fascista e da Alemanha hitlerista, sugerem aproximações entre o regime soviético por um lado e as ‘ditaduras fascistas’ por outro.”

Propondo uma interpretação do fascismo com a clara finalidade de inocentar o capitalismo, ou melhor, o capital financeiro de sua formação, William Ebenstein compara-o com o comunismo, usando para isso o conceito de Totalitarismo desenvolvido a partir da reativação dos sentimentos anticomunistas no Ocidente com a ‘guerra fria’.”

Segundo Leandro Konder, é Hannah Arendt que dá o apoio teórico mais consistente para uma crítica ao fascismo baseada no conceito de Totalitarismo: As Origens do Totalitarismo (1951).”

enquanto o comunismo é a forma de totalitarismo tipicamente ligada a povos pobres e subdesenvolvidos, o fascismo é a forma de totalitarismo que aparece em nações mais ricas e tecnicamente mais avançadas” Ebenstein

No caso do (…) fascismo (…) se apóia não somente em uma classe social mas sim ‘em todos os grupos sociais’: os industriais ricos e os latifundiários apoiam o fascismo na esperança de se livrarem dos sindicatos; a classe média o faz ante o temor de unir-se ao proletariado; os trabalhadores juntam-se a estes na busca de melhores condições” “há todavia que contar os nacionalistas que cada país tem, que são vulneráveis a toda promessa de conquista e império”

Esta fundamentação do fascismo em ‘todos os grupos sociais’ é uma de suas grandes debilidades (…) ela implica fazer promessas as mais contraditórias para satisfazer todos que a ele aderiram.”

el fascismo no tiene una declaración de princípios autoritária como la que tiene el comunismo Ebenstein – que tal “metralhar a petralhada”??? fascismo 2.0

Il nostro programa è símplice: vogliamo governare l’Italia” Mussolini

As relações familiares esclarecem este princípio de autoridade: as mulheres, por serem incapazes de usar armas, são ‘automaticamente cidadãs de 2ª categoria e devem ser excluídas das posições de chefatura no governo ou no partido’. A Alemanha nazi demonstrou o seu total desprezo pelas mulheres no ‘ridículo oficial a que se submeteu o matrimônio como um falso preconceito judaico-cristão e ao incitamento às mulheres alemãs para que dessem filhos à pátria fora do casamento.’

O emprego da palavra totalitarismo tem como efeito – e talvez para alguns represente uma finalidade – mascarar as diferenças que se encontram na própria essência dos regimes (comunista e fascista) e de sugerir certas aproximações nem sempre convincentes.” Jean Touchard

Segundo Leandro Konder (…) [o demérito de autores que delimitaram o fascismo ao período entreguerras, como Ernst Nolte, Franz Gress e Renzo De Felice, é que] eles ‘expulsaram o conceito da história que está sendo feita em nossos dias, obrigando-o a exilar-se no passado; acabaram contribuindo para confundir e desarmar as forças antifascistas, levando-as a não poderem identificar claramente as dimensões mundiais com que o fenômeno fascista pode reaparecer, modificado, em nossa época, no interior do capitalismo monopolista do Estado’.”

Não faz o menor sentido criar um conceito que só se aplicaria à Alemanha e à Itália das décadas de 20 a 40! Em vez de restringir o termo fascismo a estas duas instâncias, esses autores datados deviam é ter abolido o termo e se recusado a usar qualquer um para descrever o que houve nos dois países… Hitlerismo e mussolinismo seriam já o bastante enquanto nomenclaturas ‘exaustivas’.

A direita é o gênero de que o fascismo é uma espécie.” Franz Gress

É preciso não considerar o fascismo como qualquer coisa de definitivamente caracterizado, é preciso considerá-lo no seu desenvolvimento. Nunca como algo fixo, nunca como um esquema ou como um modelo.” Togliatti

O fascismo é uma tendência que surge na fase imperialista do capitalismo que procura se fortalecer nas condições de implantação do capitalismo monopolista de Estado, exprimindo-se através de uma política favorável à crescente concentração do capital; é um movimento político de conteúdo social conservador, que se disfarça sob uma máscara ‘modernizadora’, guiado pela ideologia de um dogmatismo radical, servindo-se de mitos irracionalistas e conciliando-os com procedimentos racionalistas formais do tipo manipulatório. O fascismo é um movimento chauvinista, antiliberal, antidemocrático, antissocialista, anti-operário. Seu crescimento num país pressupõe uma preparação reacionária que tenha sido capaz de minar as bases das forças potencialmente antifascistas (enfraquecendo-lhes a influência junto às massas); e pressupõe também as condições da chamada sociedade de massas de consumo dirigido, bem como a existência nele de um certo nível de fusão do capital bancário com o capital industrial, i.e., a existência do capital financeiro.” Leandro Konder, Introdução ao Fascismo, 1979

Nolte, El fascismo en su época, 1967

APÊNDICE III

Outra boa parte dos saberes, diante da impossibilidade de inscrever a realidade dos fatos, apela para o desespero. Se o real é impossível, nada há a fazer (menos, é claro, ganhar muito poder e dinheiro com tais teorias; mas afinal, dinheiro e poder são sempre ‘alguma coisa’ contra o desespero, não?).”

APÊNDICE IV

F. dizia que aquele que não recorda (e perlabora) está fadado a repetir. A colaboração da psicanálise com o nazismo não se fez unicamente na Europa, e se repetirá, ao menos enquanto ‘casos’ como o de Amilcar Lobo estiverem destinados ao esquecimento. Os fascismos são uma virtualidade ao exercício psicanalítico, e não mero acidente de seu ‘percurso libertário’.”

* * *

O torturador precisa do torturado vivo, para exercer sua condição de torturador. Assim como o senhor não existe sem o escravo, assim também o torturador não vive sem o torturado. Os defuntos têm um soberano desprezo pela tortura e, nesta medida, representam a morte do torturador. Um médico que cuida do torturado, como membro da equipe torturadora, serve ao torturador e à tortura, desonra o juramento hipocrático, o código de ética, e avilta o exercício da profissão.”

Em 1973, foi o dr. Lobo acusado de torturador pela revista argentina CUESTIONAMOS, em artigo assinado por Marie Langer e Armando Bauleo.” “O dr. Lobo, na ocasião, foi rigorosamente poupado, ao passo que a dra. Helena Viana, sua presumível acusadora, por pouco não se viu obrigada a mudar de país.”

Helio Pelegrino, A crise na psicanálise (pp. 44-6)

De quando a ISTOÉ valia pelo menos o papel em que era impressa (11 de fevereiro de 1981):

Inês. Dr. Lobo, eu acho que conheço o senhor. Meu nome é Inês Etienne Romeu, e eu estive com um médico chamado dr. Lobo na casa de Petrópolis. Outros presos políticos também o conheceram na PE [Polícia do Exército] da Barão de Mesquita.

(…)

Lobo. Eu fui convocado. Eu não fiz o serviço militar e, após terminar o curso de medicina, fui convocado pelo Exército. O que se está levantando é um assunto muito sério: que eu teria participado de tortura. Minha função lá foi exclusivamente de atendimento médico.

(…)

Lobo. Naquela casa não. Lá só estive com ela. Ajudei muita gente, posso chamar várias pessoas. Eu nem sei onde é esta casa, eu era levado lá encapuzado. (…)

Inês. (…) O dr. Lobo nunca conversou comigo. Ele só se dirigia ou ao dr. Pepe, ou ao dr. Teixeira, ou ao dr. Bruno.

Lobo. Eu não sei quem eram.

(…)

Inês. (…) O seu nome de guerra lá era dr. Carneiro.

(…)

Lobo. Minha posição é uma posição de esquerda, [?] podiam até me chamar de dr. Satanás… Eu não me lembro de ter feito essas transfusões de sangue. Só atendi o ferimento.

(…)

Lúcia. Gostaria que Inês rememorasse a cena em que o dr. Lobo lhe aplicou o Pentotal, já que ele não se lembra…

Lobo. Não é que eu não me lembre, eu nego isso.

(…)

Lobo. Posso ter aplicado nela um soro. Glicose. Nunca Pentotal.

(…)

Lobo. Três vezes tentei desligar-me do Exército, numa das vezes me responderam que o requerimento tinha ido parar na 6ª Seção. E o Exército só tem 5 seções.

(…)

Lobo. Esse é o tipo de ajuda que eu posso dar… eu ainda sou oficial da reserva…

Modesto. O senhor é R-1?

Lobo. R-2.”

Nessa casa, entre 8 de maio e 11 de agosto de 1971, Inês Etienne, militante da organização clandestina Vanguarda Popular Revolucionária (VPR), acusada de participar do seqüestro do embaixador suíço Giovanni Enrico Bucher, em 1970, presa pelo delegado Sérgio Fernando Paranhos Fleury na avenida Santo Amaro, em São Paulo, em 1971, e condenada à prisão perpétua, depois reduzida para 8 anos, que cumpriu integralmente, passou 96 dos piores dias de sua vida.” “Pentotal Sódico, o chamado ‘soro da verdade’” “foi torturada, estuprada (…) e, depois de cada uma de suas 2 tentativas de suicídio, medicada para recuperar as forças e ser de novo supliciada. Dez anos depois, graças ao telefone 40-90, número que ouviu em uma conversa de seus carcereiros e memorizou, Inês Etienne conseguiu localizar a casa de seus pesadelos.” “Explicou que emprestou a casa, entre 71 e 78, ao ex-comandante da Panair e ex-interventor na prefeitura de Petrópolis Fernando Aires da Mota, ligado segundo Lodders a um grupo paramilitar. ‘Ele é um prócer da Revolução de 64 (SIC), um homem de muito prestígio político’, conta Lodders, ‘eu não tinha como negar’. Ele nega, porém, que tivesse conhecimento de que na sua casa se praticavam torturas.” “Fernando Eduardo Aires da Mota, presidente da seccional da OAB de Petrópolis e filho do ex-interventor, chegou a tentar matar o dono da casa.” “O coronel Homem de Carvalho [Pinóquio], comandante da Polícia do Exér. entre 1971 e 72, e hoje na reserva e próspero empresário, proprietário da Homem de Carvalho Incorporações, também nega qualquer envolvimento”

Apesar de profundamente anticomunista e de ser considerado um dos oficiais mais ‘duros’ do Exér., o general Sylvio Frota nunca tolerou o uso de torturas contra prisioneiros políticos. Por isso suas relações com os homens do COD-DOI (sic) do Rio de Janeiro nunca foram muito cordiais. Elas se deterioraram ainda mais, entretanto, com a prisão por agentes (…) de um parente de um dos oficiais de seu gabinete.”

A casa da rua Arthur Barbosa, n. 668, passou a ser conhecida entre agentes dos órgãos de segurança e prisioneiros políticos como ‘Codão’, e ali foram torturados – e desapareceram – prisioneiros não apenas do RJ mas também de BH, Goiás, Espírito Santo e até do RS, do Nordeste e de SP.”

* * *

Citado por Amilcar Lobo como o outro médico que assistia os presos políticos na PE, em 71, o major Ricardo Falal disse ontem à ‘Folha’, por telefone, que nada tem a declarar sobre a questão, pois está sujeito ao Regulamento Disciplinar do Exército.”

Folha de SP, 7 de fevereiro de 1981.

Nas várias entrevistas que já deu depois das denúncias e reconhecimento por ex-presos políticos, Amilcar Lobo diz muitas vezes que ‘não quer se complicar’, que quer ‘ficar em paz’. Fala tão baixo que quase não se ouve, resiste muitíssimo a tomadas para a televisão, enfim, aparentemente, está com medo. Mas afirma que atualmente não teme nenhuma represália porque seu caso ‘tornou-se público demais’. Ou seja, qualquer ato contra ele seria imediatamente detectado.” “Depois de um estágio de 3 meses no Forte Copacabana, foi para a PE em função de seu aproveitamento, segundo ele, ‘péssimo’.” “Na PE, ele conta que (…) teve seu filho de 8 anos sequestrado ‘apenas como aviso’ durante algumas horas”

Na entrevista coletiva que deu na noite de sexta-feira, minutos antes de receber 6 ex-presos políticos torturados, disse não enxergar, do ponto de vista psicológico, grande diferença entre os terroristas de esquerda e seus torturadores, já que ‘não há distinção entre o sádico e o masoquista, porque todos são sádicos. (…)’”

O psicanalista se diz ‘bode expiatório’. ‘De quem, dr. Amilcar?’ Ele responde: ‘De todos.’ Ou seja, da esquerda terrorista que foi torturada – e que ele considera tão ‘mentalmente desequilibrada’ quanto os torturadores, duas faces da mesma moeda; dos médicos e psicanalistas que, na abertura, cobram das entidades a que pertence o dr. Amilcar Lobo. Ele se declara admirador da Social Democracia, como a praticada na Escandinávia, e aos 6 ex-presos políticos que o identificaram na noite de sexta-feira (…) ele se disse ‘socialista.’”

Amilcar Lobo afirma que seu trabalho na PE era conhecido de seu analista, já que representava enorme fonte de conflito. E que a conclusão chegada em análise era a de que ele deveria deixar o Exército, o que no entanto não foi possível.”

Para ‘dar liberdade à instituição de investigar livremente seu caso’, Amilcar Lobo voluntariamente se afastou da SRPJ (sic) em 1974 e 75, sendo reintegrado em 1976, o que supõe ter a Sociedade concluído por sua inocência.” “De acordo com o próprio Amilcar Lobo, o dr. Leão Cabernite [fascistóide-mor!] apurou ser da psicanalista Helena Beserman a caligrafia na margem da folha da ‘Voz Operária’, enviada à dra. Langer.”

Não se pode, diz Lobo, querer fazer política dentro de uma instituição científica.”

Folha, 8/2/81.