NOVÍSSIMO (hoje VELHÍSSIMO) DICIONÁRIO DE ECONOMIA

Org. Paulo Sandroni, 1999. (e não obstante, desatualizado sobre vários acontecimentos da 1° metade dos anos 90!)

ACHTEL. Antiga unidade de medida utilizada na Alemanha, que significa a oitava parte de um todo e que admitia grande variabilidade. Por exemplo, como medida de volume de vinhos, um achtel equivalia a 0,1785 litro.”

ACORDO INTERNACIONAL DO CAFÉ. Convênio firmado em Nova York, em 1962, entre os países produtores de café e os principais países consumidores do produto, com [o] objetivo de criar mecanismos internacionais de controle da produção e comercialização do café. Isso decorreu dos problemas causados pela superprodução cafeeira [pelo visto, eis o produto anti-malthusiano por excelência!], que se verificou em 1957 e que provocou uma catastrófica desvalorização do produto no mercado internacional. Entrou em vigor em 1964. Em 1965, os signatários do acordo estabeleceram um sistema de cotas de exportação para cada país produtor, bem como uma escala de preços. Para manter o equilíbrio entre a oferta e a demanda, a Organização Internacional do Café (OIC) ficava autorizada a retirar do mercado certa quantidade do produto sempre que, durante 15 dias consecutivos, se verificasse uma queda nas cotações. O mesmo deveria ocorrer no caso de um movimento de elevação dos preços, quando o equilíbrio seria restabelecido com a colocação, no mercado, de certa quantidade de café. O acordo é renovado periodicamente, e, sempre que se estabelecem negociações para a sua renovação, estas são acompanhadas de uma série de divergências entre os países produtores — que buscam mais vantagens na comercialização do produto — e os países consumidores. Essas divergências ocorrem também entre os próprios países produtores (disputa pelo aumento das cotas individuais) e entre os países consumidores, sobre os preços que devem ser pagos aos exportadores.”

ACORDO SMITHSONIANO. Acordo estabelecido pelo Grupo dos Dez [“Dons” Invisíveis], em dezembro de 1971, para adotar taxas de câmbio flutuantes. A conferência, realizada no Smithsonian Institute, em Washington, foi convocada para resolver o problema do colapso das taxas fixas de câmbio (adjustable peg), que existiam desde a Conferência de Bretton Woods, em 1944, e indiretamente pela decisão dos Estados Unidos de abandonar o padrão câmbio-ouro. A conferência levou a um acordo em 1972, com a Comunidade Econômica Européia, para limitar os movimentos monetários e cambiais numa faixa estreita de flutuação na CEE, chamada snake, fixando as taxas de câmbio à moeda mais forte da Comunidade, o marco alemão.”

ACRE. “A área de um acre foi estabelecida — e permanece até hoje — em 160 varas quadradas ou 4840 jardas quadradas, o que equivale a 4046,873m². Um Acre Foot é medida de volume correspondente à capacidade de uma área de um acre por um pé de profundidade, ou o equivalente a 43.560 pés cúbicos ou o equivalente a 325.851 galões (do sistema consuetudinário norte-americano) de água.”

ADMINISTRAÇÃO. “Frederick Taylor e Henri Fayol foram os primeiros clássicos da administração.”

AFFIDAVIT. Expressão latina que, na prática bancária, significa uma declaração escrita, juramentada por intermédio do testemunho de um tabelião. Os affidavits são geralmente exigidos dos tomadores de empréstimos para que postulem a obtenção de uma hipoteca. Este instrumento pode ser utilizado também quando, por alguma razão (incêndios, guerras etc.), os registros civis de uma comunidade foram destruídos e uma pessoa deseja provar, por exemplo, sua idade, ou como uma declaração imposta por um governo a estrangeiros portadores de valores mobiliários que, para receber determinadas isenções ou vantagens no pagamento de impostos, devem provar e assegurar sua condição de estrangeiros.”

AFTALION. Economista francês (1874-1956). Les crises périodiques de surproduction, 1913.

AGER PUBLICUS. Expressão latina que designa as terras de uso comunitário existentes na Europa até o advento do capitalismo.”

ÁGIO. Termo de origem italiana usado antigamente em Veneza para designar a diferença na troca entre moedas depreciadas e o metal do qual eram constituídas. Essas trocas eram efetuadas pelos bancos de Veneza, Hamburgo, Gênova, Amsterdã e de outras cidades comerciais e financeiras, os quais fixavam o ágio em cada caso. De forma genérica, o ágio significa um prêmio resultante da troca de um valor (moedas, ações, títulos, etc.) por outro. No comércio internacional de moedas, é a diferença entre o valor nominal e o real da moeda negociada. Ocasionalmente, o termo é utilizado para indicar um prêmio pago por uma letra de câmbio estrangeira. O ágio pode surgir também quando o preço oficial de um produto (ou preço de tabela) está fixado num nível muito baixo e sua compra só se concretiza se o interessado estiver disposto a pagar mais por essa transação. A diferença entre o preço oficial e o que o comprador realmente paga é considerada o ágio daquela transação. Esse tipo de fenômeno ocorre quando há tabelamento ou congelamento de preços, como aconteceu durante os planos econômicos de estabilização no Brasil durante os anos 80 — especialmente em ocasião do Plano Cruzado, em 1986 — e no início dos anos 90 com o Plano Collor. O ágio pode aparecer nesse contexto também se, embora não haja congelamento, existir uma forte descompensação entre oferta e demanda, como aconteceu, durante os primeiros meses do Plano Real, com a aquisição de automóveis populares. [?] Quando em lugar de um preço maior paga-se um preço menor por um título, uma ação ou uma moeda, ocorre um <deságio>.”

ALVES BRANCO, Manuel (1797-1855). Nasceu em Salvador (Bahia), foi o segundo Visconde de Caravelas, jurista e estadista, foi ministro da Fazenda, da Justiça, e presidente do Conselho de Ministros do Império. Durante seu mandato como ministro da Fazenda, decretou as primeiras tarifas alfandegárias do Brasil, em 1844, que passaram a ser conhecidas como Tarifas Alves Branco. Modificou as tarifas alfandegárias de quase 3 mil produtos importados aumentando os impostos em 30, 40, 50 e até 60%. O valor da majoração dependia de o produto poder ou não ser produzido no Brasil, bem como de sua

importância para o mercado interno. Até a promulgação das Tarifas Alves Branco, os produtos importados eram taxados em apenas 15%. As mercadorias inglesas gozavam desse privilégio desde 1810 (tratados de 1810 de comércio e navegação). Com o tempo, essa tarifa foi estendida às demais nações que comerciavam com o Brasil. Além de amenizar os problemas orçamentários do Segundo Reinado, a tarifa favoreceu alguns setores da economia brasileira, embora tenha sido alvo de violentos protestos dos países exportadores, sobretudo da Inglaterra e dos comerciantes ligados ao setor de importação.”

AMBUSH MARKETING. Expressão em inglês que significa literalmente <marketing de emboscada>, isto é, quando uma empresa consegue fazer aparecer de alguma forma sua marca em evento patrocinado por outra. Por exemplo, durante a Copa do Mundo de 1994, em alguns jogos da seleção brasileira de futebol cuja transmissão era patrocinada por uma marca de cerveja, sua principal concorrente colocou placas nas laterais do gramado e contratou espectadores uniformizados com sua marca, que acabaram aparecendo mais tempo durante a transmissão dos jogos do que a própria marca do patrocinador.”

AMERICAN STOCK EXCHANGE (Ase ou Amex). A segunda maior Bolsa de Valores dos Estados Unidos, transacionando cerca de 10% de todas as ações negociadas no país. A Bolsa proporciona um lugar físico para as transações com ações, as quais têm de pertencer a uma empresa registrada, ou seja, uma empresa que preencha os requisitos estabelecidos pela junta de diretores da Bolsa. As exigências para registro na American Stock Exchange são menores do que as existentes na Bolsa de Valores de Nova York (New York Stock Exchange). As companhias registradas devem apresentar relatórios financeiros anuais e informes quinzenais de suas movimentações e ganhos, além de impedir a ação de insiders. Se o interesse do público diminuir muito por um título ou ação, a empresa correspondente poderá perder seu registro. A American Stock Exchange é muito antiga e teve início quando os corretores se encontravam na rua para transacionar lotes de ações. Só no início do século XX essa Bolsa de Valores passou a ocupar um lugar coberto, saindo portanto da rua.”

AMIN, Samir (1931-[2018]). Economista egípcio estudioso dos problemas dos países em desenvolvimento. Formado pela Universidade de Paris, trabalhou como assessor da Organização para o Desenvolvimento Econômico, no Cairo, de 1957 a 1960; foi conselheiro técnico para o setor de planejamento do governo do Mali, de 1960 a 1963; é diretor do Instituto Africano para Desenvolvimento Econômico e Planejamento desde 1970. Professor de economia nas universidades de Poitiers, Paris e Dakar, publicou vários livros, que tratam principalmente dos problemas econômicos dos países do Terceiro Mundo: Três Experiências Africanas de Desenvolvimento: Mali, Guiné e Gana (1965); A Economia do Maghreb (1967); O Mundo dos Negócios Senegaleses (1968); O Maghreb no Mundo Moderno (1970); A Acumulação em Escala Mundial (1970); A África do Oeste Bloqueada (1971); O Desenvolvimento Desigual (1973); A Nação Árabe (1978).”

AMORTIZAÇÃO NEGATIVA. “É o que tem acontecido no Brasil com muitos contratos de aquisição da casa própria posteriores a 1988, nos quais as prestações não cobrem os juros que incidem sobre o saldo remanescente, o que tem causado crescente inadimplência entre os mutuários.”

ANARCO-SINDICALISMO. Variante do anarquismo que se desenvolveu na Europa no final do século XIX e início do século XX. Considerava que o sindicato era o principal órgão de luta e de organização dos trabalhadores e núcleo da futura sociedade anarquista. Somente a ação direta nas fábricas e a greve geral espontânea e revolucionária poderiam transformar radicalmente a sociedade capitalista. O principal teórico do anarco-sindicalismo foi o francês Georges Sorel. Sua doutrina teve grande aceitação nos círculos operários e sindicais da França, da Itália e da Espanha, sendo divulgada nos Estados Unidos, no Brasil e em outros países latino-americanos por emigrantes europeus. No Brasil, o anarco-sindicalismo foi no início do século a principal corrente política que orientou a prática do movimento sindical mais combativo; dele surgiram os primeiros agrupamentos marxistas que fundariam o Partido Comunista Brasileiro, em 1922.”

ANARQUISMO. “De inspiração socialista, propõe a abolição da propriedade privada capitalista, o fim da exploração do homem pelo homem, a coletivização dos meios de produção e a solidariedade entre os produtores (trabalhadores).” “No século XIX, o anarquismo foi uma das tendências mais expressivas no movimento operário europeu. Embora tenha vários precursores, foi o francês Pierre Joseph Proudhon o primeiro a considerar-se anarquista. Para ele, no entanto, a abolição do Estado e da propriedade capitalista viriam gradualmente, como resultado de um processo de organização dos trabalhadores e pequenos proprietários em cooperativas de produção e colaboração mútua. Já para o anarquista russo Mikhail Bakunin, discípulo de Proudhon, o fim do capitalismo e o advento de uma sociedade anarquista só seriam possíveis por meio da ação revolucionária das massas. Concordava nisso com os marxistas, chamados, entretanto, por Bakunin de <socialistas autoritários>, por defenderem a organização política dos trabalhadores em partidos e advogarem a manutenção do Estado como instrumento de construção da nova ordem econômica. O anarquismo teve grande influência na Espanha, na França, na Itália, na Suíça e em Portugal.”

ANATOCISMO. Termo que designa o pagamento de juros sobre juros, isto é, a capitalização de juros que foram acumulados por não ter sido liquidados nos respectivos vencimentos.”

ÂNCORA CAMBIAL. Instrumento de política econômica utilizado para estabilizar o valor de uma moeda fixando-se seu valor na taxa cambial. O instrumento é empregado nos casos de inflação acelerada ou de hiperinflação, em conjunto com outras políticas (congelamento de preços, p.e.), para estabilizar os preços e as desvalorizações da moeda. A âncora cambial pode ser acompanhada por uma política de conversibilidade total ou parcial. A adoção desse mecanismo exige, no entanto, que o país disponha de reservas suficientes e de um balanço de pagamentos sob controle para evitar o jogo especulativo em torno de uma futura desvalorização do câmbio.”

ÂNCORA MONETÁRIA. Instrumento de política monetária utilizado para estabilizar o valor de uma moeda numa conjuntura de grande elevação de preços e que consiste fundamentalmente no compromisso (legal ou não) de que as autoridades monetárias não emitirão moeda para cobrir eventuais déficits governamentais, tornando o Banco Central independente do Tesouro Nacional. Novas emissões só teriam lugar se houvesse correspondente aumento das reservas internacionais.”

ANIMUS LUCRANDI. Expressão em latim que significa <intenção de lucrar ou de tirar proveito> de alguém ou de alguma situação.”

APÓLICE. O termo tem origem no italiano polizza, que significa promessa, isto é, promessa de pagamento se cumpridas determinadas condições. Entre as principais apólices estão as apólices da dívida pública e as apólices de seguro. As

primeiras referem-se a um empréstimo feito por seu possuidor ao governo do município do Estado ou da União. As apólices de seguro são documentos nos quais a empresa emitente se compromete a pagar a pessoas ou firmas (nomeadas no próprio documento) certa importância, no caso de ocorrerem certos fatos, tais como a morte do segurado ou a perda de determinado bem.”

APOSENTADORIA. Éramos felizes e não sabíamos: “No início de 1998, foram aprovadas novas e importantes regras para o sistema previdenciário brasileiro. As modificações mais importantes são as seguintes: a idade para aposentadoria

passa a ser de 60 anos para as mulheres (antes era 55) e de 65 anos para os homens (antes era 60). A idade mínima passa a ser 53 anos para os homens e 48 para as mulheres, para aqueles que, estando trabalhando, ainda não cumpriram 30 anos (mulheres) e 35 anos (homens) de contribuição; aqueles que já cumpriram esses prazos poderão se aposentar a qualquer tempo. A aposentadoria proporcional será mantida para quem já está trabalhando: o trabalhador que já cumpriu o prazo mínimo (30 anos para os homens e 25 para as mulheres) poderá solicitar a aposentadoria proporcional; caso não tenha completado o prazo mínimo, terá de trabalhar 40% a mais do que o tempo que está faltando para solicitar a aposentadoria proporcional. Quem ingressar no mercado de trabalho depois de sancionada a reforma previdenciária não terá direito à aposentadoria proporcional e não poderá se aposentar com menos de 60 anos (homens) e 55 anos (mulheres), tendo de trabalhar no mínimo 35 anos (homens) e 30 anos (mulheres) para solicitar a aposentadoria.”

APOTHECARY SYSTEM. “Os farmacêuticos (apothecaries em inglês) conseguiram do rei uma autorização de exclusividade na venda de remédios e drogas e os comerciantes foram proibidos de vender tais produtos. Mas havia o problema de como os farmacêuticos aviavam as receitas dos médicos. Em 1618, os farmacêuticos organizaram um livro de receitas chamado Farmacopéia, onde se estabeleciam as formas de compor cada remédio, e para as dosagens era utilizada uma combinação das medidas do sistema troy e das antigas medidas para vinho. A partir de 1825, esta atividade passou a ter um sistema padronizado de pesos, e, atualmente, o sistema apothecary utiliza, além dos elementos do seu próprio sistema, aqueles do sistema métrico e ainda, eventualmente, dos sistemas troy e avoir-du-pois. A unidade básica deste sistema, como no caso dos sistemas troy e avoir-du-pois, é o grão, que equivale em todos os sistemas a 64,8mg. Vinte grãos são equivalentes a um escrópolo ou 1,295978g. O escrópolo era o nome que se dava antigamente a uma pequena pedra utilizada como medida de peso para quantidades muito pequenas. Três escrópolos equivalem a uma dracma (ou dram), o que, por sua vez, é igual a 3,889g. Oito dracmas equivalem a uma onça apothecary, que tem o mesmo peso da onça no sistema troy, isto é, 31,103g. No sistema apothecary, 12 onças são equivalentes a uma libra ou 373g, o mesmo que no sistema troy. Os farmacêuticos usam também medidas líquidas de capacidade com unidades muito pequenas. A menor de todas é o <mínimo>, que equivale mais ou menos a uma gota e corresponde a 0,06161ml. 60 mínimos correspondem a uma dracma líquida ou o equivalente a 3,696ml, e 8 dracmas correspondem a uma onça líquida ou o equivalente a 25,573ml. Assim como a maioria das medidas de peso teve origem no grão, as medidas líquidas tiveram origem no vinho e nas formas de consumo deste. Assim é que uma antiga medida já fora de uso, o gill, correspondia a 4 onças líquidas ou a 0,118 litro ou o que se considerava um gole de vinho. [golão!]

APRÉS MOI, LE DÉLUGE. Expressão em francês que significa literalmente <Depois de mim, o dilúvio>, utilizada em vários contextos, mas basicamente naquele em que uma pessoa, governante, empresário, utiliza meios para conseguir seus objetivos sem se importar com o futuro imediato, consumindo de forma predatória ou vandálica os elementos de que dispõe num determinado momento.” No Brasil: FODA-SE O MUNDO, QUE EU NÃO ME CHAMO RAIMUNDO!

ARANHA, OSVALDO Euclides de Sousa (1894-1960). Político e estadista brasileiro por 2 vezes ministro da Fazenda de Getúlio Vargas (1930-31 e 1953-54). Nesse cargo, após a Revolução de 1930, criou um novo sistema alfandegário e organizou um esquema de consolidação da dívida externa, transferindo para o governo federal todas as dívidas contraídas no exterior pelos Estados e municípios. Ministro das Relações Exteriores em 1938-44, negociou em 1939, nos Estados Unidos, os empréstimos para a construção da usina de Volta Redonda. No último governo de Vargas, colocou em prática o Plano Aranha, restringindo o crédito e estruturando um sistema de câmbio múltiplo por meio da Instrução 70 da Superintendência da Moeda e do Crédito (Sumoc).”

ARAPENE. Antiga medida agrária francesa de superfície que variava, conforme a região, entre 3400 e 5100m2. Ela aparece como unidade de medida nos textos dos fisiocratas, especialmente de François Quesnay. Seu correspondente na Alemanha era o morgen (manhã) ou o equivalente a que um agricultor poderia lavrar durante esse período do dia.”

ARBITRAGEM. “A prática de arbitragem é comum no mercado de títulos, ações, metais preciosos e commodities como trigo, café, soja e outras. Na verdade, a prática é também muito antiga, tendo se iniciado no século XVI no chamado <câmbio por arbítrio>, isto é, as transações com as diferentes moedas.” “Aquele que praticava o câmbio por arbítrio atuava como fornecedor (vendedor) nos mercados onde o dinheiro estava caro e tomador (comprador) nos mercados onde o dinheiro estava barato. Durante a segunda metade do século XVI, a Espanha foi palco de um processo muito amplo de câmbio por arbitragem, pois com a chegada do ouro e da prata da América o dinheiro tornou-se <barato> na Península Ibérica e <caro> no resto da Europa.”

ARISTOCRACIA OPERÁRIA. Expressão que designa a camada superior do operariado do ponto de vista salarial ou de outros elementos que diferenciem este setor de outros grupos de trabalhadores. No prefácio de seu livro A Situação da Classe Operária na Inglaterra, de 1889, [publicado na data, mas muito anterior] Engels reconhece que a camada superior da classe operária, pelas diferenças de remuneração que obtinha devido a um certo grau de controle sobre a oferta, passava a constituir uma <aristocracia operária>. Lenin faz referência ao mesmo fenômeno, localizando sua causa na exploração imperialista que países como a Inglaterra exerciam em nível mundial. Essa exploração permitia à burguesia, ao mesmo tempo que se aristocratizava, neutralizar (com o aburguesamento) a força de certos setores do proletariado com uma remuneração mais elevada.”

ARITMÉTICA POLÍTICA. Tendência estatística surgida na Inglaterra durante o século XVII, e que tinha como principal preocupação o estudo estatístico dos fenômenos sociais e políticos. Os representantes dessa tendência elaboraram as (primeiras) tabelas de mortalidade. Seus principais representantes foram William Petty, John Graunt e o astrônomo Edmund Halley.”

ARRÁTEL. Medida de peso utilizada pela Casa da Moeda do Brasil antes da adoção do Sistema Métrico Decimal e equivalente a 16 onças ou aproximadamente 457,104g (cada onça avoir-du-pois equivalendo a 28,569g).”

ARTESENATO. O QUE VOCÊ QUER SER QUANDO CRESCER? “A atividade artesanal, presente em toda a história do homem, adquiriu feição própria no Neolítico. Na Antiguidade Clássica, era executada sobretudo pelos escravos domésticos no âmbito da propriedade patriarcal. Sua importância na história econômica vem da Idade Média, quando se tornou uma das principais atividades dos homens livres que viviam nas cidades nascentes. Antes, no início do feudalismo, o trabalho artesanal era realizado na casa do próprio camponês ou pelos servos artesãos no castelo feudal: o camponês medieval, para vestir-se, tinha de tosquiar a ovelha, fiar, tecer e costurar. Somente a partir do século XII, com o desenvolvimento do comércio e das cidades, foi que se processaram modificações na organização do trabalho artesanal: o artesão deixou a agricultura e passou a dedicar-se exclusivamente ao seu ofício. Surgiu então o sistema de corporações (onde trabalhavam mestres e aprendizes), que produziam para um mercado pequeno, mas em desenvolvimento. Isso perdurou até o século XVI. Mas, daí ao século XVIII, à medida que aumentava a demanda de produtos nas cidades e se aperfeiçoavam os instrumentos de trabalho, o artesão foi perdendo sua independência, passando a ser tarefeiro de um comerciante ou de um manufatureiro rico, ou simplesmente assalariado. Com o advento da Revolução Industrial (séculos XVIII-XIX), o artesanato tornou-se, na Europa, uma atividade produtiva marginal.”

ARUBAITO. Termo em japonês derivado da palavra em alemão Arbeit, que significa trabalho. Arubaito quer dizer trabalho em tempo parcial, trabalho temporário, ou trabalho noturno (serão), moonlighting. As empresas, no Japão, geralmente têm uma categoria de trabalhadores denominados arubaito, que trabalham regularmente em tempo integral, mas são pagos por hora ou por dia e que não gozam de benefícios e vantagens que têm os empregados regulares. O termo também se aplica àqueles que fazem <bicos>, como os estudantes nos períodos de férias.”

ASSIGNATS. Papel-moeda emitido pelo governo revolucionário na França entre 1790 e 1795. Era lastreado nas terras expropriadas do clero e da nobreza emigrada. Houve grande inflação de assignats entre aqueles anos e, em 1796, eles foram substituídos por outras emissões, sendo ambas posteriormente repudiadas. Os assignats eram na verdade bônus hipotecários garantidos por 400 milhões de francos de capital territorial real em terras pertencentes à ex-Coroa e ao clero (decreto de dezembro de 1789 ordenando a venda desses bens para constituir o lastro dos assignats).”

ASSÍNTOTA. Valor para o qual tende a variável dependente de uma função na medida em que a variável dependente se torna muito grande ou muito pequena, embora sem alcançá-la. Na expressão Y = a + 1/X, Y se aproxima de a na medida em que X se torna muito grande.”

ATAQUE ESPECULATIVO. Situação do mercado financeiro internacional, especialmente o cambial, quando uma moeda de determinado país encontra-se debilitada e seu governo não tem reservas suficientes para evitar uma desvalorização. O ataque especulativo ocorre exatamente quando existe a probabilidade de uma desvalorização, especialmente no caso de um país apresentar déficits sucessivos em sua balança comercial ou déficits em transações correntes. Os investidores naquela moeda abandonam suas posições vendendo intensivamente aquelas divisas, e, se o governo emissor da referida moeda não dispuser de reservas suficientes, pode ser obrigado a desvalorizá-la. Casos mais recentes ocorreram com o peso mexicano no final de 1994 e com o baht da Tailândia em julho de 1997. O real brasileiro sofreu também um ataque sem um desenlace desfavorável no primeiro semestre de 1995, quando foi anunciado o sistema de bandas cambiais.”

ATTENTION ECONOMY. Expressão em inglês cuja tradução literal é <economia da atenção>. Abordagem para estudar o novo contexto dos mercados cada vez mais dependentes e, portanto, saturados de publicidade e propaganda, contando com apenas 24 horas por dia [?] para chamar a atenção dos clientes potenciais para seus produtos e serviços. Esses estudos se intensificaram com a globalização dos sistemas de informação mediante redes de computadores quando os sites passaram a ser também arenas de propaganda e marketing de produtos e serviços globalizados. Esta nova abordagem ajuda a explicar também por que a remuneração de artistas, esportistas e personalidades globais

vem alcançando cifras astronômicas e por que as despesas com promoção (marketing e propaganda) de um produto ou serviço equivale ou mesmo supera muitas vezes os respectivos custos de produção.”

ATUÁRIA. Área do conhecimento que, utilizando-se da Matemática Financeira, do Cálculo das Probabilidades e de dados estatísticos, tem por objeto de estudo o cálculo dos seguros em geral. O termo vem do latim actuarius, designação daqueles que, na Roma Antiga, elaboravam as acta publica (sic) do Senado, assim como daqueles que se dedicavam à contabilidade e à intendência da administração do exército. Mais tarde, na Inglaterra, era a denominação dada à atividade exercida pelo contador ou técnico de uma companhia de seguros ou um lloyd.”

AUDITORIA. “Há 2 tipos de auditoria: auditoria interna, realizada por funcionários da própria empresa ou instituição; auditoria externa, feita por uma firma de prestação de serviços, contratada especialmente para esse fim. Os relatórios emitidos por um auditor seguem normas estabelecidas pelas associações de classe. A expressão <auditoria> tem se estendido a vários setores específicos: estão nesse caso a auditoria mercadológica, a de pessoal e a fiscal.”

AUTARQUIA. Serviço estatal descentralizado e com autonomia econômica, embora tutelado pelo poder público. No Brasil, surgiu depois de 1930 para atender ao grande número de serviços que deveriam ser prestados pelo Estado e descentralizar os encargos em órgãos especializados dotados de orçamento próprio e maior flexibilidade. As autarquias brasileiras classificam-se em econômicas (caso do extinto Instituto Brasileiro do Café), industriais (Instituto de Pesquisas Tecnológicas, IPT, de São Paulo), creditícias (Caixa Econômica Federal), assistenciais (Instituto Nacional de Previdência Social), corporativas (Ordem dos Advogados do Brasil) e culturais (Conselho Nacional de Pesquisas). Alguns anos depois de sua criação, as autarquias brasileiras passaram a perder suas características de autonomia e flexibilidade, ficando cada vez mais submetidas à administração direta do Estado. Logo após a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), rígidas medidas de padronização, controle e uniformização alcançaram as autarquias, tornando sua administração quase tão rígida quanto a dos órgãos diretamente subordinados ao poder público. As autarquias são entidades de direito público, o que as distingue das empresas estatais, que são entidades de direito privado. [?]

AUTOGESTÃO. O SÉC. XX ESGOTOU TODAS AS EXPERIÊNCIAS SOCIAIS POSSÍVEIS: “Modalidade de administração que consiste em entregar as decisões ao conjunto dos trabalhadores a partir de seus locais de trabalho e de moradia. Num sistema de autogestão, os operários de cada empresa decidem sobre as metas de produção, salários e como sua unidade produtiva deve se relacionar com a totalidade da economia nacional. Em sua origem, a autogestão econômica vincula-se ao ideário anarquista, embora de forma diversa esteja presente também no pensamento de Karl Marx. Foi na Iugoslávia que a autogestão se tornou uma prática, em contraposição ao modelo econômico centralizado dos demais países socialistas da Europa Oriental, sobretudo o da ex-União Soviética.”

AVERBAÇÃO. Anotação feita por autoridade competente em qualquer documento, referindo-se a fato que altere o conteúdo do documento em questão. É o caso, por exemplo, da anotação de uma sentença de divórcio feita em um registro de casamento, ou da prorrogação de prazo de uma hipoteca. Em direito fiscal, é a declaração que confirma, num documento, o recolhimento do imposto exigido por lei. Averbação é também o registro — em livro especial de uma sociedade anônima — da transferência de ações nominativas ou endossáveis, ou do vínculo (penhor, caução) estabelecido sobre determinada ação.”

AVOIRDUPOIS. Termo de origem francesa que literalmente significa <bens de peso> e que designa um sistema de pesos utilizado no comércio, especialmente entre os países de língua inglesa e pela maioria dos países que com eles comerciam. Este sistema pertence ao Sistema Imperial Inglês e é utilizado em quase todas as pesagens, com exceção de metais, pedras preciosas e de remédios na atividade farmacêutica. As unidades do sistema avoirdupois são as seguintes: o grão (gr), a dracma (dr), a onça (oz), a libra (lb), o quintal (cwt) e a tonelada (t).”

B. Inicial de uma série de termos cujos significados, em economia e finanças, podem ser os seguintes: 1) baht (unidade monetária da Tailândia); 2) balboa (unidade monetária do Panamá); 3) belga (ex-unidade monetária da Bélgica); 4) bani (ex-unidade monetária da Romênia); 5) bolívar (unidade monetária da Venezuela); 6) bond (título); 7) barrel (barril); 8) classificação de risco de investimento da Moody’s Investors Service e da Standard & Poors, que significa, no primeiro caso, falta de características de um investimento desejável, e no segundo, um investimento especulativo, isto é, de risco elevado.”

BABBAGE, Charles (1791-1871). Nasceu na Inglaterra e é pouco reconhecido por suas contribuições para o pensamento econômico. Seu nome é mais associado à origem do computador (a elaboração da máquina analítica de Babbage) do que ao fato de ter tecido interessantes críticas a Adam Smith. Educou-se no Trinity College, em Cambridge, e, ainda estudante, iniciou a Sociedade Analítica com Herschel e Peacock, para a reforma da matemática na Inglaterra. Seu interesse pela matemática foi a base de suas contribuições para a economia e a estatística. Depois de Cambridge, Babbage transferiu-se para Londres, onde desenvolveu o trabalho durante o resto de sua vida em torno da máquina analítica, talvez a primeira tentativa de fabricar uma máquina de calcular. Seu livro mais importante é On the Economy of Machinery and Manufactures (Sobre a Economia de Maquinaria e Manufaturas), de 1832. Uma de suas contribuições mais importantes para a economia é o chamado Princípio de Babbage, que traz uma visão diferente das vantagens da divisão do trabalho enunciadas antes por Adam Smith: <Pela divisão do trabalho a ser realizado nos diferentes processos, cada um exigindo graus diferentes de habilidade e força, o empregador pode comprar exatamente a quantidade necessária de trabalho para cada etapa>. Dessa forma, o empregador poderia economizar com o pagamento de força de trabalho, pois, se um mesmo trabalhador realiza tanto o trabalho simples quanto o complexo, o empregador teria de pagá-lo, durante o tempo em que se dedicasse ao primeiro, pela cotação do segundo, que é a mais elevada, pois, caso contrário, não conseguiria esse tipo de trabalhador. É interessante assinalar que, mesmo afirmando que o Princípio de Babbage foi deduzido por ele ao analisar o sistema fabril existente na época, não apenas na Inglaterra mas também no continente, Babbage reconhece que um certo Gioja, no livro Nuovo Prospetto delle Scienze Economiche (tomo I, capítulo IV), editado em Milão em 1815, já havia enunciado o mesmo princípio.”

BABEUF, François Noël (1760-1797). Revolucionário francês conhecido como Gracchus Babeuf. Autor de Manifesto dos Iguais e Análise, pregava a luta por uma sociedade igualitária, a propriedade comum das terras e de todos os bens sociais, o direito e a obrigatoriedade ao trabalho. Foi guilhotinado por conspirar contra o Diretório.”

BACHA. Política econômica e distribuição de renda, 1978.

BACKUP. Expressão em inglês que significa súbita mudança numa tendência de mercado. Quando as taxas de juros estão subindo, as cotações dos títulos de renda fixa, como, por exemplo, os títulos do Tesouro (dos Estados Unidos), tendem a cair e o rendimento dos títulos automaticamente se eleva. Como os portadores desses títulos não podem liquidá-los tão facilmente como podiam antes da mudança de tendência, o mercado sofre um backup. Quando um investidor, antecipando-se a uma inflexão do mercado, muda suas posições de títulos de longo prazo para aqueles de curto prazo, diz-se que ele encurtou seu porta-fólio ou se caracterizou como backup.”

BAGAROTE. Denominação popular das moedas ou notas de mil réis.”

BAKUNIN, Mikhail Alexandrovitch (1814-1876). Revolucionário russo, criador do anarquismo coletivista. Discípulo de Proudhon, rebelou-se contra os princípios mutualistas do mestre e negou a eficácia das cooperativas de trabalhadores numa sociedade dominada pelo Capital. Afirmava que as cooperativas ou a autogestão só poderiam ser a base de uma nova sociedade por meio de uma revolução radical que expropriasse os burgueses e os proprietários rurais. Para ele, a organização política e econômica da sociedade deveria ocorrer de baixo para cima, pela livre união dos trabalhadores em associações, comunas, até chegar a uma grande federação nacional e internacional. Esse organismo autogestionário, partindo do local de trabalho, prescindiria do Estado, tido como a base de todos os males sociais. Bakunin expôs sua doutrina sobretudo em O Estado e a Anarquia (1873).”

BANCO. “A origem dos bancos confunde-se com a própria moeda, sobretudo quando esta começou a ser negociada em cima de bancos de madeira (daí a expressão) nos mercados da Antiguidade. Estudos arqueológicos comprovam a existência de atividades bancárias na Babilônia e na Fenícia. Tais atividades decorriam das dificuldades de transporte, que faziam com que muitos negociantes confiassem aos <banqueiros> a incumbência de efetuar pagamentos e cobranças em lugares distantes. Na Grécia, os primeiros centros bancários conhecidos (Delfos, Éfeso) estavam ligados aos templos religiosos, que funcionavam como lugares seguros para aqueles que quisessem guardar seus tesouros. A partir do século IV a.C. surgem os banqueiros laicos, chamados <trapezistas> (do grego trapezion, que significa banca, mesa pequena). Em Roma, no século II a.C., as operações bancárias eram privilégio de uma categoria de cidadãos, os publicanos, mas na época imperial surgem os argentarii ou mensarii, cuja principal ocupação era o câmbio de moedas estrangeiras, mas que também aceitavam depósitos e faziam empréstimos. Na Idade Média, a atividade bancária deixou de existir até o século XI, quando ressurgiu em íntima ligação com o desenvolvimento do comércio. Judeus, lombardos e os membros da Ordem dos Templários destacaram-se na nova atividade. Os templários enriqueceram extraordinariamente o patrimônio da ordem, financiando as Cruzadas; atribui-se a eles a criação dos arbítrios de câmbio e da contabilidade por partidas dobradas. Em grandes feiras comerciais, como as de Champagne e

Lyon, na França, faziam-se grandes operações de câmbio e, para evitar o transporte de volumosas somas de dinheiro, criou-se a letra de pagamento. A extraordinária expansão do comércio no Renascimento e no século XVII foi a responsável pelo aparecimento de grandes banqueiros (Medici, Fugger) e numerosos estabelecimentos bancários, como a Casa di San Giorgio (Gênova, 1586), Banco di Rialto (Veneza, 1587), Banco di Sant’Ambrosio (Milão, 1593), Banco de Amsterdã (1609), Banco de Hamburgo (1619) e Banco de Roterdã (1635); nessa época, surgem a letra de câmbio e a técnica do desconto.”

BANCO DE DESENVOLVIMENTO. “Os bancos de desenvolvimento tiveram grande importância durante os anos 70 no Brasil. Posteriormente, com a crise de financiamento do setor público e o problema do estrangulamento externo causado pela expansão do respectivo endividamento durante os anos 80, a presença e participação desses bancos tendeu a se reduzir.”

BANCOR. Nome proposto por Keynes (John Maynard) na Conferência de Bretton Woods (Estados Unidos, 1944), durante a criação do Fundo Monetário Internacional (FMI), para uma moeda internacional inteiramente destinada a ajustar desequilíbrios dos balanços de pagamentos, embora permanecendo cada país com seu sistema monetário particular. Segundo o projeto de Keynes (também conhecido como Plano Keynes), o Bancor não estaria totalmente desvinculado do padrão-ouro, embora este metal não fosse tomado como base absoluta de seu valor. A proposta não foi aceita por pressão dos delegados norte-americanos, que pretendiam transformar o dólar, sua moeda nacional, no padrão internacionalmente aceito, com as vantagens inerentes a essa adoção.” [Evento de graves conseqüências para a História mundial]

BANTO. Termo em japonês que designa um executivo contratado pelo proprietário de uma empresa para administrá-la. Os bantos eram administradores profissionais que na época anterior à Segunda Guerra Mundial ganharam grande influência nas empresas que constituíam os zaibatsus. Possuíam algumas características especiais como a perseverança, a capacidade de trabalho, a lealdade à empresa e à família à qual pertencia a empresa e o respectivo zaibatsu. Depois da guerra, durante a ocupação, com a dissolução dos zaibatsus, os bantos foram destituídos de suas funções, criando-se um vazio de dirigentes nas empresas japonesas que foi logo ocupado pelos escalões inferiores, formando uma camada de dirigentes que hoje gozam de maior liberdade na direção das empresas do que seus antecessores.”

BARBOSA, Rui de Oliveira (1849-1923). Político e jurista brasileiro, ministro da Fazenda no governo provisório republicano (de janeiro de 1889 a novembro de 1891). Partidário da industrialização do país, sua política financeira, conhecida historicamente como Encilhamento, caracterizou-se pelo estímulo sem limites à expansão do crédito e à formação de sociedades por ações. A inexistência de instrumentos eficazes de controle dessas medidas, por parte do governo, possibilitou uma grande especulação na Bolsa de Valores, inflação e surgimento de companhias-fantasmas. Essa situação gerou uma forte oposição dos proprietários rurais, levando-o à renúncia. Sensível às tensões sociais, em 1919, por ocasião de sua segunda campanha eleitoral à presidência da República, defendeu a necessidade de uma legislação específica para atender aos conflitos entre Capital e trabalho. Deixou inúmeros escritos, entre os quais os mais conhecidos são: Questão Militar; Abolicionismo; Trabalhos Jurídicos; Swift (1889); Queda do Império; Diário de Notícias (1890); A Constituição de 1891 (1896); Cartas de Inglaterra (1902); Réplica (1919) e Oração aos Moços.”

BECCARIA. “Na obra Dei Delitti e delle Pene (Dos Delitos e das Penas), de 1764, Beccaria condena o sistema penal e penitenciário da época, sobretudo os processos secretos, as torturas e a desigualdade das penas em função de diferenças de classe social. A partir dessa obra, foram criados os fundamentos jurídicos da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, documento básico da Revolução Francesa.”

BENTHAM, Jeremy (1748-1832). Filósofo, jurista e economista inglês, criador do utilitarismo. Em 1787, escreveu Defence of Usury (Proibição da Usura), onde se alinha com Adam Smith, a favor da liberdade de iniciativa econômica do indivíduo. [Proibição???] Com An Introduction to the Principles of Morals and Legislation, de 1789, Bentham expôs a doutrina utilitarista que o tornaria célebre. Considerando que apenas o egoísmo e a busca da felicidade motivam a conduta humana, defendia um sistema de governo que harmonizasse os interesses, garantindo a maior satisfação possível ao maior número de pessoas. Em Plan of a Parliamentary Reform, in the Form of a Catecism, de 1817, propôs reformas democráticas do sistema político inglês, defendendo eleições anuais, sufrágio universal e voto secreto.” Jamais perder meu tempo com ele.

BERNOULLI (Família). A família Bernoulli, pertencente à religião protestante, oriunda da Holanda, estabeleceu-se na Suíça. Foi uma família da qual se originaram, no final do século XVI e ao longo do século XVII, 8 matemáticos brilhantes, e todos eles tiveram um papel importante no desenvolvimento do cálculo matemático. Os irmãos Jacob (1654-1705), Johann (1667-1748) e Daniel (1700-1782), o segundo filho de Johann, foram destacados matemáticos. Jacob e Johann eram amigos de Leibniz, com quem trocaram nutrida correspondência por meio da qual pode-se dizer que o cálculo matemático se desenvolveu. Jacob estudou os problemas do tautochrone, do brachistochrone, da geometria, da dinâmica e outros, inclusive o problema isoperimétrico. Foi o primeiro a mudar, em 1690, o nome até então utilizado de calculus summatoris para calculus integralis, que se mantém até hoje. Seu livro Ars Conjectandi foi publicado postumamente em 1713. Nesta obra foram encontradas as regras que tornaram seu nome destacado na teoria da probabilidade. Ele foi professor de física experimental na Universidade da Basiléia e, mais tarde, tornou-se professor de matemática. Ensinou matemática a seu irmão Johann, que o sucedeu como professor na mesma universidade. As descobertas de Johann apareceram nas publicações Acta Eruditorum e Journal des Savants. Em 1701, o início do cálculo das variações foi utilizado em sua solução para o cálculo do problema isoperimétrico. Ele introduziu o termo functio, a origem do termo atual <função>, amplamente utilizado em matemática. Apesar das discrepâncias entre os irmãos e também entre pais e filhos, os Bernoulli eram pesquisadores brilhantes e grandes professores, que ensinaram não apenas seus filhos, mas também matemáticos como Euler. Daniel Bernoulli destacou-se especialmente na teoria da probabilidade, dando também contribuições no campo da hidrodinâmica e da teoria cinética dos gases. Nicolau Bernoulli, neto de Johann, distinguiu-se como professor de matemática em São Petersburgo. O irmão mais novo de Daniel, Johann (1710-1790), sucedeu seu pai Johann Sr. como professor na Universidade de Basiléia. O filho de Johann Jr., também chamado Johann (1744-1807), foi catedrático de matemática na Academia de Berlim. Um filho do terceiro Johann, chamado Jacob (1759-1789), foi professor de física experimental na Universidade de Basiléia. Nicolau (1687-1759), neto do fundador da família Nicolau (1623-1708) e filho de Nicolau Bernoulli, o pintor (1662-1716), ocupou entre 1716 e 1719 a cátedra de matemática em Pádua, que pertencera a Galileu.” QUE FAMÍLIA!

BETTELHEIM, Charles (1913-). Economista francês, autor de vários livros sobre a planificação socialista e os problemas da planificação em geral. Em 1936, visitou a União Soviética pela primeira vez, e 6 anos depois publicou seu primeiro livro sobre a planificação socialista. Logo após o término da Segunda Guerra Mundial, publicou o segundo livro a respeito do mesmo assunto, do ponto de vista teórico e prático. Sua visão sobre a formação soviética modificou-se substancialmente depois da revolução cultural chinesa e dos acontecimentos no Leste europeu no início dos anos 70, especialmente na Polônia. Sua obra mais importante é a trilogia Les Luttes de Classe en URSS, cujo primeiro volume, correspondente ao período 1917-23, foi lançado no Brasil em 1975 com o título A Luta de Classes na União Soviética. Na obra, sustenta a tese de que na União Soviética prevalece o capitalismo de Estado e não um Estado socialista. O segundo volume, que analisa o período 1923-1930, foi editado na França em 1977. Bettelheim escreveu ainda L’Économie Soviétique (A Economia Soviética), 1950, e Problémes Théoriques et Pratiques de la Planification (Problemas Teóricos e Práticos da Planificação), 1952.”

BLACK MONDAY. Expressão em inglês que designa o dia da semana em que houve uma forte queda na Bolsa de NY. Nesse caso, 19/10/87, quando a média Dow Jones caiu 508 pontos, provocando pânico: os aplicadores acreditaram que estava se iniciando um novo 1929.”

BLACK TUESDAY (Terça-feira Negra). Dia 29/10/29, data da grande quebra da Bolsa de Valores de Nova York, quando o volume de transações dobrou e o Dow Jones caiu, no início do pregão, de 252 para 238 e, no encerramento, para 212.”

BLANC, Louis. Direito ao Trabalho (1848).

BNH — Banco Nacional da Habitação. Instituição de crédito vinculada ao Ministério do Interior, criada em 1964 para financiar a execução do Plano Nacional da Habitação. Fornecia financiamento a curto prazo para os construtores de moradias e a longo prazo para os compradores de casa própria. Atuava também no fornecimento de recursos na implantação de projetos de infra-estrutura urbana, destinados a melhorar as condições de moradia da população. Utilizava recursos provenientes do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) e de letras imobiliárias lançadas no mercado financeiro. O BNH foi extinto pelo decreto-lei nº 2.291, de 21 de novembro de 1986. A Caixa Econômica Federal sucedeu ao BNH em todos os seus direitos e obrigações, incluindo a administração do seu passivo e ativo, do pessoal, dos bens móveis e imóveis, na gestão do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço, do Fundo de Compensação de Variação Salarial, do Fundo de Assistência Habitacional, do Fundo de Apoio à Produção de Habitação para a População de Baixa Renda e das operações de crédito externo realizadas pelo BNH com a garantia do Tesouro Nacional.”

BODEMERIA. Termo muito antigo, já registrado no Código de Hamurabi e que consistia num empréstimo ou numa hipoteca contraída pelo proprietário de um navio para financiar sua viagem. Se o navio naufragasse, o empréstimo não precisaria ser pago. É uma das formas mais antigas de seguro marítimo e, durante a época romana, quando começaram a surgir os seguradores, essa forma continuava a ser praticada.”

BODIN, Jean (1530-1596). Jurista francês da Renascença, precursor do mercantilismo. Monge carmelita, deixou o convento para dedicar-se à teoria do Estado e trabalhar como consultor do Parlamento de Paris e do duque de Anjou, um dos líderes católicos franceses que propunham a unidade nacional em torno do poder real. Em seu clássico A República, 1576, Bodin estabeleceu a doutrina da soberania do Estado como poder central independente das corporações, do Parlamento e do papado. Em economia política, Bodin distinguiu-se por um avançado estudo sobre a moeda: Réponse aux Paradoxes de Sire de Malestroit (Resposta aos Paradoxos do Senhor de Malestroit), 1568. Nessa obra, sustentou que a alta dos preços na França era devida principalmente ao grande afluxo de ouro e prata do Novo Mundo e não à política real. Tornou-se assim um pioneiro da teoria quantitativa da moeda. Condenava ainda os monopólios e os gastos excessivos das côrtes e, embora fosse adepto de uma autoridade central soberana, achava que ela deveria obter o <consentimento dos súditos>, para os quais defendia o direito à propriedade privada e à liberdade de comércio.”

BÖHM-BAWERK, Eugen von (1851-1914). Estadista e economista austríaco, um dos expoentes da escola austríaca e do marginalismo, especialista na teoria do capital e dos juros. Professor de economia da Universidade de Viena, foi deputado e ministro das Finanças de seu país por 2 vezes (1895-1898 e 1900-1904). Escreveu Grundzüge der Theorie des Wirtschaftlichen Güterwertes (Elementos da Teoria do Valor Econômico dos Bens), 1886; Kapital und Kapitalzins (Capital e Juros), 1884, e Positive Theorie des Kapitales (Teoria Positiva do Capital), 1889. Para Böhm-Bawerk, os juros são o resultado de mecanismos psicológicos que levam o indivíduo a depreciar o futuro e valorizar o presente; o juro seria, assim, a diferença entre o maior valor que o indivíduo confere a um bem presente e o menor valor que atribui ao bem futuro. A isso se acrescentam — segundo o autor — uma razão de ordem econômica (um capital imediatamente disponível vale mais que um não imediatamente disponível) e uma razão de ordem técnica (o tempo exigido pelo processo de produção capitalista). Com essa teoria, Böhm-Bawerk pretendeu mostrar que o sistema capitalista repousa sobre leis naturais que não podem ser transgredidas quando se quer utilizar eficazmente as forças produtivas; pretendeu também combater as teorias socialistas sobre a exploração da força de trabalho pelo capital.

BOICOTE. Termo derivado do nome do capitão inglês C. Boycott, um corretor de terras com quem os irlandeses se recusaram a tratar durante os motins de 1879-1881 desencadeados contra a legislação fundiária inglesa. (…) Atualmente, com a generalização das lutas ecológicas para a proteção do meio ambiente, o boicote vem acontecendo em relação a lojas que vendem, por exemplo, casacos de pele oriundos de animais em extinção. Quando esse tipo de ação se reveste de base jurídica, como, por exemplo, a recusa da venda de armas para países onde não se respeitam os direitos humanos, o procedimento é denominado embargo.”

BOISGUILLEBERT, Pierre de (1646-1714). Economista francês, precursor dos fisiocratas, um dos primeiros representantes do liberalismo econômico. Autor de Le Détail de la France (A Particularidade da França), de 1697, e de Le Factum de la France (O Memorial da França), de 1707, em que critica acerbamente a política econômica de Colbert, ministro das Finanças de Luís XIV. Essas obras valeram-lhe o exílio e foram apreendidas. Boisguillebert propunha uma reforma fiscal que abolisse grande parte dos impostos, porque para ele o consumo é a fonte da riqueza da nação e esta só pode aumentar na medida em que aquele aumente também, o que só seria possível com a supressão dos impostos que pesam sobre os consumidores.”

BOLSA DE VALORES. “Em suas origens, as Bolsas de Valores confundiam-se com as Bolsas de Mercadorias, mas a partir do século XVIII, com o extraordinário aumento das transações com valores mobiliários e, sobretudo, com o surgimento e posterior desenvolvimento das sociedades por ações, iniciou-se um processo de especialização do qual resultou o aparecimento de Bolsas dedicadas exclusivamente a operações com títulos e ações.”

BORTKIEWICZ, Ladislaus Von (1868-1931). Suas críticas à teoria dos juros de Böhm-Bawerk, Der Kardinalfehler der Böhm-Bawerk Zinstheorie (O Principal Erro da Teoria dos Juros de Böhm-Bawerk), foram publicadas em 1906. Bortkiewicz acreditava que as teses apresentadas pela <teoria da produtividade> (do capital) haviam sido definitivamente refutadas por Böhm-Bawerk, mas a explicação alternativa deste também não era satisfatória. De acordo com Böhm-Bawerk, métodos de produção mais longos eram tecnicamente mais produtivos do que métodos mais curtos, de tal forma que bens de capital atuais poderiam proporcionar maiores quantidades de bens de consumo do que capitais futuros: eis aí a fonte do juro do capital. Mas, argumenta Bortkiewicz, se compararmos 2 investimentos, do mesmo montante e composição e iniciados em momentos diferentes com a mesma eficiência, cada um deles produzirá a mesma quantidade de produto, só que em momentos diferentes. Portanto, a superioridade alegada por Böhm-Bawerk dos bens de capital presentes sobre os futuros não passa de um simples intervalo de tempo, o que, por si só, não explica a origem dos juros. Em seguida, Bortkiewicz trata de uma outra explicação proposta por Böhm-Bawerk: a escassez de capital. A crítica é que tal escassez só pode ser temporária e devida a erros de previsão. Uma vez que o capital, de acordo com Böhm-Bawerk, não é outra coisa que <um produto intermediário>, a ação dos mecanismos de mercado nivelariam a escassez ou excessos dos diferentes capitais nos diferentes setores. As críticas a Böhm-Bawerk levaram Bortkiewicz a examinar as críticas daquele a Marx, sobre a origem do lucro e sobre a questão da transformação de valores em preços de produção. Apoiando-se nas contribuições de Tugan-Barankowsky (1905) sobre o tema, Bortkiewicz desenvolve uma sugestão, indicada pelo próprio Marx, de que o valor do capital constante e do capital variável deveria ser transformado em preços, da mesma maneira que o valor do produto. Dessa forma, poder-se-ia determinar simultaneamente preços e taxa de lucro. Apesar de todos esses enfoques, não se deve concluir que Bortkiewicz tivesse uma posição objetivista em teoria econômica. Admitia que tanto as influências objetivas como subjetivas (marginalistas) deveriam ser consideradas na determinação dos preços. Quanto à origem do lucro (e dos juros), sustentava que Marx tivera a visão correta de que o lucro tem origem na mais-valia, o que permite que as mercadorias sejam trocadas por seu valor. Isto é, o lucro não surgiria da elevação do preço de uma mercadoria no momento de sua venda, nem devido aos <serviços produtivos do capital>. Bortkiewicz não considera o lucro, no entanto, como o fruto da exploração, mas como uma <dedução> do valor de uma mercadoria.” [?]

BOTERO, Giovanni (1540-1617). Economista italiano da Renascença, defensor do mercantilismo e do industrialismo. Em sua obra Delle Cause della Grandezza e Magnificenza delle Città (Sobre as Causas da Grandeza e da Magnificência das

Cidades), 1558, critica as idéias do inglês John Halles, seu contemporâneo, defendendo a tese de que o número de habitantes de um país depende da massa de meios de subsistência disponíveis. Com isso foi, de certa forma, um precursor de Malthus. Aconselhava também que se incrementasse, ao lado da agricultura, a produção industrial.”

BOULDING, Kenneth Ewart (1910-[1993]). (…) em seu primeiro livro, Economic Analysis (Análise Econômica), 1941, procurou sintetizar a teoria econômica neoclássica e keynesiana num só corpo teórico.”

BOURBON. Variedade de café desenvolvida no Brasil e que se apresenta como: Bourbon Amarelo (tem todas as características do Bourbon Comum, só que o fruto é amarelo), Bourbon Caturra (uma variedade de elevada produção, de arbusto pequeno e resistente ao sol), Bourbon Pontiagudo (crescimento lento do arbusto e de baixa produtividade), Bourbon Santos (denominação do café cuja origem é a semente Moka; depois do terceiro ou quarto ano de colheita, a semente muda de formato, tornando-se menos arredondada e mais plana, recebendo a denominação de Flat Bean Santos, sendo um café barato e utilizado para mesclas.”

BRACERO (Sistema). Programa iniciado durante a Segunda Guerra Mundial nos Estados Unidos para compensar a falta de mão-de-obra na agricultura americana. Consistiu na importação de mão-de-obra mexicana (os braceros), a fim de que os salários não subissem em demasia nos períodos de colheita, especialmente nos Estados do Texas e da Califórnia. Desde então, o termo designa mão-de-obra não especializada de trabalhadores agrícolas. Esses trabalhadores também foram denominados espaldas mojadas (costas molhadas), sendo que, para migrar durante a época de colheita nos Estados Unidos, tinham de atravessar, geralmente de forma clandestina, o rio Grande, que separa os dois países.”

BREAK EVEN RULE. Expressão em inglês utilizada na indústria cinematográfica que designa a regra de que um filme deve gerar de receita aproximadamente 3 vezes seu custo de produção para alcançar o ponto de equilíbrio econômico-financeiro.”

BRENTANO, Lujo (Ludwig Josef) (1844-1931). “Interessou-se pela história dos sindicatos, que rastreou até as corporações de ofício (guildas) medievais em seu livro On the History and Development of Guilds, and the Origin of Trade Unions (Sobre a História do Desenvolvimento das Guildas e a Origem dos Sindicatos). Outro ponto analisado e de grande interesse foram as discussões sobre os efeitos positivos na produtividade da redução da jornada de trabalho. (…) Como pretendia resolver a questão social sempre nos limites do sistema econômico existente, rejeitava as posições de Marx e dos social-democratas alemães do século XIX. (…) Outros campos de estudo de Brentano foram as teorias da população de Malthus e a teoria do valor, tendo ele se inclinado pela concepção marginalista.”

BROFENBRENNER, Martin (1914- ). Embora Brofenbrenner seja um economista neoclássico treinado em Chicago, sua contribuição à teoria da distribuição da renda modifica aquela concepção de tal forma que é capaz de equacionar tanto questões levantadas pela economia clássica quanto pela neomarxista. Foi um dos primeiros a desenvolver análises do desenvolvimento econômico japonês. Entre suas obras mais importantes, citam-se Income Distribution Theory (Teoria da Distribuição da Renda), 1971, e Macroeconomic Alternatives (Alternativas Macroeconômicas), 1979.”

BÜCHER, Karl (1847-1930). Historiador e economista alemão, representante da Jovem Escola Histórica, que é basicamente descritiva. (…) Entre suas obras destacam-se Die Entstehung der Volkswirtschaft (O Surgimento da Economia Política), 1893; Beiträge zur, Wirtschaftsgeschichte (Contribuições à História da Economia), 1922.

BUKHARIN, Nikolai Ivanovitch (1888-1938). Economista e político russo, um dos principais teóricos do Partido Bolchevista. Sua principal obra, O Imperialismo e a Economia Mundial (1915), precedeu o estudo de Lênin sobre a mesma questão. Publicou também A Economia da Renda (crítica ao marginalismo, em 1914), A Economia do Período de Transição (1918), O ABC do Comunismo (1919, com Preobrajensky) e Teoria do Materialismo Histórico (1921). Posicionou-se contra as medidas de Stalin durante a coletivização forçada da agricultura e defendeu o prolongamento da Nova Política Econômica (NEP), instituída por Lênin após o comunismo de guerra. [o comunismo soviético ou ‘socialismo real’ jamais deixou de ser ‘de guerra’…] Advogou também a continuidade, ainda que por certo período, da pequena produção camponesa, como compatível com a construção do socialismo. Foi fuzilado em 1938, durante um dos grandes expurgos de Stalin, e reabilitado em 1988 durante o governo de Mikhail Gorbatchev.”

BUSHEL. “um bushel de sal pesa mais do que um bushel de carvão, de tal forma que os americanos resolveram fixar um peso para cada bushel de cada mercadoria a ser medida, e assim ele só varia se for ‘raso’ ou ‘cheio’.” Gringuice.

CADERNETA DE POUPANÇA. “Com a extinção do BNH, decretada pelo Plano Cruzado 2, em novembro de 1986, a caderneta de poupança foi perdendo sua finalidade de instrumento de financiamento da casa própria para transformar-se em mecanismo de financiamento da dívida pública. Mesmo assim, estimulados pelos altos juros nominativos, nos períodos de alta inflação de 1988 e 1989, os depósitos em caderneta de poupança continuaram a crescer. Em fevereiro de 1990, um mês antes da instituição do Plano Collor, os depósitos em caderneta de poupança chegaram a representar 25% dos ativos financeiros do país. Com o desestímulo provocado pelo Plano de Estabilização Financeira aplicado em março de 1990, quando grande parte de seus valores foram <bloqueados> pelo governo, os depósitos em caderneta de poupança começaram naturalmente a decrescer. Em maio do mesmo ano, eles representavam apenas 20% dos ativos financeiros.”

CAIRNES, John Elliott (1823-1875). Economista irlandês conhecido como <o último dos economistas clássicos>, representante da Escola Econômica Clássica inglesa. Sua obra principal, The Character and Logical Method of Political Economy (O Caráter e o Método Lógico da Economia Política), de 1857, enfatiza a importância do método dedutivo e é considerada um tratado definitivo sobre a metodologia da Escola Clássica. O livro fez parte de uma longa controvérsia quanto ao objeto e método da economia política, mantida por Cairnes com Stuart Mill e Nassau Senior. Cairnes aplicou seu método em estudos como The Slave Power (O Poder Escravo), de 1862, em que analisou as conseqüências sociais de uma economia baseada no escravismo, influenciando a opinião pública inglesa em favor dos Estados do Norte na Guerra Civil norte-americana. O livro é considerado um exemplo de interpretação econômica da História feita independentemente do marxismo. Em Some Leading Principles of Political Economy Newly Expounded (Alguns Princípios Condutores da Economia Política Expostos de Maneira Nova), de 1874, Cairnes fez uma rigorosa exposição dos fundamentos da Escola Clássica inglesa, abalados com o abandono da teoria do fundo de salário por Mill, em 1869.

CAIRU, Visconde de (José da Silva Lisboa) (1756-1835). Discípulo de Adam Smith, escreveu Princípios de Economia Política (1804), primeira obra do gênero em português e na qual divulga as idéias de Smith, Malthus e Ricardo. Publicou ainda Observações sobre o Comércio Franco no Brasil (1808-1809), Observações sobre a Franqueza da Indústria e Estabelecimento de Fábricas no Brasil (1810), Observações sobre a Prosperidade do Estado pelos Liberais Princípios da Nova Legislação do Brasil e Refutação das Declamações contra o Comércio Inglês (1810), Ensaios sobre o Estabelecimento dos Bancos para o Progresso da Indústria e Riqueza Nacional (1811), Extrato das Obras de Burke (1812).”

CAIXA ECONÔMICA FEDERAL. “O PIS, um programa de participação dos empregados nos lucros das empresas, foi instituído em 1970. Seu primeiro exercício financeiro ocorreu em 1971-1972. A finalidade do PIS é proporcionar a formação de patrimônio individual do empregado e estimular a poupança em todos os níveis, corrigindo deformações na distribuição de renda e possibilitando acumulação de recursos a serem aplicados no aumento da produção nacional. A partir de 1974, os recursos do PIS, juntamente com os do Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público (Pasep), passaram a ser aplicados pelo então Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDE), hoje Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Desde então, cabe à Caixa apenas reaplicar parte dos recursos do PIS, já alocados para financiamentos de capital de giro, repassando-se ao BNDES as amortizações dos empréstimos anteriores concedidos para capital fixo. O FAS, que entrou em vigor em 1975, concentra seus recursos nas áreas sociais básicas — educação, saúde e saneamento, previdência, assistência social e trabalho —, movimentando recursos originários da renda líquida das loterias, de dotações orçamentárias da União, de operações de repasse e financiamento, e, ainda, dos resultados operacionais da Caixa”

CAMPANELLA, Tommaso (1568-1639). Filósofo e reformador social italiano. Monge dominicano, foi perseguido pela Inquisição por suas idéias igualitárias. Defendeu a partilha das terras feudais e, depois de liderar uma rebelião camponesa na Calábria, ficou preso por 27 anos. Influenciado por Platão, escreveu La Città del Sole (A Cidade do Sol), 1623, obra que descreve uma sociedade ideal, caracterizada pela comunhão de bens e de mulheres.”

CANNAN, Edwin (1861-1935). Economista inglês, renomado por seus estudos de história das doutrinas econômicas e sobretudo pela edição crítica e comentada de A Riqueza das Nações, de Adam Smith; o texto dessa obra por ele estabelecido em 1904 tornou-se padrão de todas as edições posteriores. Publicou ainda, em 1896, as conferências do mesmo autor (Lectures on Justice,

Police, Revenue and Arms) e escreveu Theories of Production and Distribution (Teorias da Produção e da Distribuição), 1924, e A Review of Economic Theory (Retrospecto da Teoria Econômica), 1929.”

CANTILLON, Richard (1680-1734). Banqueiro e economista francês de origem irlandesa, precursor dos fisiocratas e de Adam Smith. Seu Essai sur la Nature du Commerce en Général (Ensaio sobre a Natureza do Comércio em Geral), conhecido desde 1730, mas só publicado em 1755, expõe as contradições do mercantilismo então vigente. A obra esteve por muito tempo esquecida e foi redescoberta por Stanley Jevons, no final do século XIX. É considerada a mais sistemática exposição dos princípios econômicos que se fez antes de A Riqueza das Nações, de Adam Smith. Cantillon começa por definir a terra como única fonte de riqueza, na forma de um excedente econômico (acima dos custos de produção), e o trabalho como força geradora dessa riqueza. Trata, em seguida, dos problemas monetários, das trocas e dos juros. Estuda ainda o comércio exterior, o câmbio, os bancos e o crédito.”

CAPITAL. É um dos fatores de produção, formado pela riqueza e que gera renda. É representado em dinheiro. O capital também pode ser definido como todos os meios de produção que foram criados pelo trabalho e que são utilizados para a produção de outros bens. Assim, o capital de uma empresa ou de uma sociedade, por exemplo, é constituído pelo conjunto de seus recursos produtivos que foram criados pelo trabalho humano. Os recursos naturais, como a terra, por exemplo, não são considerados capital. O conceito de capital abrange somente os meios de produção social, ou seja, aqueles utilizados em atividades que se inserem na divisão do trabalho.”

A teoria marxista distingue ainda entre capital constante e capital variável. Capital constante é aquela parte do valor do capital empregada na compra dos meios de produção: máquinas, matérias-primas e outros materiais. O valor desse capital não sofre alteração durante o processo de produção, não podendo, pois, constituir a fonte do aumento do capital inicial. O capital variável é a quantidade de capital gasto na compra da força de trabalho e tem seu valor aumentado no processo de produção. Esse aumento se efetua por meio da obtenção da mais-valia, o que faz do capital variável o responsável pelo aumento do capital inicial. O conceito inicial de capital remonta ao período de desenvolvimento comercial da Idade Média, quando foram criadas novas formas de escrituração mercantil para o controle dos negócios. Nessa época, capital designava a quantia de dinheiro com que se iniciava qualquer atividade comercial. À medida que seu uso foi se consolidando, seu significado foi ganhando conotações mais amplas: assim, após os grandes descobrimentos, representava o acervo das companhias comerciais ou as parcelas de dinheiro com que os associados contribuíam para a formação de uma companhia. Capital era dinheiro investido, nada tendo a ver com os bens nos quais o dinheiro fora aplicado. Alguns séculos depois, Adam Smith apontou diferenças entre o capital social e o capital individual. Da totalidade das riquezas do homem, uma parte é utilizada para suprir suas necessidades individuais; outra pode ser utilizada para obter renda ou lucro. A primeira parte constitui apenas consumo cotidiano. A parcela destinada à obtenção de renda constitui capital. Para que dê lucros, deve ser investido em alguma atividade econômica, saindo da posse de seu investidor para retornar depois.”

CAPITALISMO TARDIO [= TECNOCRACIA]. “No plano ideológico, o capitalismo tardio substituiu a crença no individualismo e na competição sem limites pela fé na ciência e na técnica, cujos princípios devem organizar e planejar a sociedade e a economia.”

CAPITANIAS HEREDITÁRIAS. “A crise do sistema deu-se devido à falta de capital dos donatários para desenvolver, povoar e defender as capitanias e à rebeldia dos colonos. O sistema de capitanias hereditárias vigorou de 1534 até a época pombalina (1750-1777).”

CARAT. “A expressão <ouro de 18 carats> significa que o ouro possui um toque de 18/24, isto é, consiste em 18 partes de ouro puro e 6 partes de outro metal que constitui a liga.”

CICLO DO CACAU. “O Brasil logo se tornou o primeiro produtor mundial, o que veio fortalecer o predomínio, em escala regional, da figura do <coronel> do Sul da Bahia, plantador de cacau. Posteriormente, a liderança mundial passou à Costa do Ouro (atual Gana) e à Nigéria. Na década de 70, porém, em decorrência do aprimoramento técnico no cultivo, o Brasil voltou a ocupar o primeiro lugar na produção mundial de cacau.”

CLIOMETRIA. Denominação do conjunto de estudos e pesquisas sobre história que se utiliza da econometria. A denominação vem de Clio, a deusa inspiradora dos estudos do passado e suas medições quantitativas. Foi iniciada por economistas americanos durante os anos 60 e 70 em pesquisa sobre o papel que as ferrovias tiveram no desenvolvimento dos Estados Unidos no século XIX. Existem controvérsias sobre a denominação da disciplina, alguns preferindo História Econométrica, História Quantitativa ou Nova História Econômica.”

COLETIVISMO. Sistema político-social baseado no controle da atividade econômica pela coletividade ou pelo Estado. Os coletivistas negam a propriedade privada dos meios de produção e afirmam que só vivendo em comunidade e a ela se submetendo é que os indivíduos podem ser efetivamente livres e realizar todas as aptidões pessoais. De inspiração socialista, foi enfatizado sobretudo pelas correntes anarquistas, cujo coletivismo tem como base a autogestão política e econômica a partir dos locais de trabalho. O coletivismo de inspiração marxista enfatiza o papel transitório do Estado como instrumento de planificação e coordenação econômica.”

COLÔNIA CECÍLIA. Comunidade agrícola de inspiração anarquista criada em 1890 no município de Palmeira (Paraná). Seu principal fundador foi o agrônomo italiano Giovanni Rossi, que conseguiu do imperador dom Pedro II a doação das terras para a organização da colônia. Chegou a agrupar cerca de 300 pessoas e existiu até 1893. A experiência foi narrada por Rossi em Quaderni della Libertà, revista publicada em São Paulo em 1932.”

COLONIALISMO. Sistema de relações econômicas, políticas, sociais e culturais que tornam dependente uma sociedade (a colônia) em relação a outra (a metrópole). Pressupõe assim a perda da autonomia de territórios colonizados, sob ocupação militar e totalmente subordinados à metrópole. Nesse sentido, o colonialismo apresenta- se como um fenômeno resultante da Revolução Comercial européia (séculos XV e XVI), que atingiu o apogeu no século XIX, prolongando-se até os anos imediatamente posteriores à Segunda Guerra Mundial. Durante esse período, utilizando formas diferentes de dominação, Portugal, Espanha, Holanda, Bélgica, Alemanha, França e Inglaterra construíram seus impérios coloniais. No primeiro momento (séculos XVI e XVII), a expansão colonial correspondeu à necessidade de conquistar fontes fornecedoras de produtos (metais preciosos, especiarias, açúcar e outros produtos tropicais) indispensáveis ao comércio europeu em desenvolvimento. Assim se deu a colonização da América, da Ásia e a primeira colonização da África. A segunda fase do colonialismo (segunda metade do século XIX) diz respeito às transformações verificadas no âmbito do modo de produção capitalista. A produção em larga escala levou à exportação de capitais, à conquista de novos mercados consumidores e ao controle de fontes fornecedoras de matérias-primas: petróleo, borracha, minérios e produtos tropicais. Deu-se então a nova partilha da África, a penetração na China e a dominação inglesa na Índia — e a hegemonia das metrópoles do capitalismo sobre a vida econômica, política e cultural de países de passado colonial que, depois da independência, continuavam como fonte de produtos primários para o mercado mundial.”

COLONO. “Trabalhador solteiro não era aceito como colono. Como pagamento para cuidar do cafezal — em geral 5 mil pés de café —, o colono recebia um pagamento em dinheiro, casa e um lote de terra, onde plantava milho, feijão, arroz, hortaliças e criava animais. Segundo Thomas Holloway, no início do século XX cerca de 80% dos ganhos do colono eram provenientes de rendas não salariais. Isto é, consistiam na remuneração representada pela casa e pelo que lhe rendiam os gêneros produzidos na terra cedida pelo dono do cafezal. Parte dessa produção era vendida nas pequenas cidades do interior paulista, possibilitando ao colono certa acumulação. Com esses recursos ele podia adquirir uma gleba de terra e tornar-se um pequeno proprietário. Os primeiros contingentes de colonos eram formados de imigrantes europeus, sobretudo italianos, que vieram para o Brasil no final do século XIX e início do século XX. Formaram o primeiro mercado consumidor potencial de artigos produzidos no Brasil, contribuindo decisivamente para o crescimento das atividades fabris em São Paulo.”

COMPANHIA GERAL DO GRÃO-PARÁ E MARANHÃO. Instituição do comércio ultramarino português criada em junho de 1755 por iniciativa do marquês de Pombal. Teve influência decisiva na valorização da economia do Norte do Brasil, onde introduziu a mão-de-obra escrava, vendendo 26 mil africanos a juros baixos e, depois, sem juros. Financiou o cultivo de arroz branco e a comercialização das chamadas “drogas do sertão” (cacau, cravo, baunilha etc.). Detinha o monopólio comercial dos produtos da metrópole (vinhos, manteiga, azeite etc.), sendo por isso muito combatida pelos comerciantes da colônia. Foi dissolvida por dona Maria I, em 1777, ao terminar seu prazo legal de funcionamento.”

COMPANHIA HOLANDESA DAS ÍNDIAS OCIDENTAIS. Sociedade por ações formada em 1621 com capitais de mercadores e apoiada pelo governo das Províncias Unidas dos Países Baixos (Holanda). Tinha o monopólio do comércio holandês com as Américas e a África, além da prerrogativa de conquistar territórios e administrá-los. Foi a serviço dessa companhia que os holandeses ocuparam o Nordeste brasileiro na primeira metade do século XVII. Sob sua orientação também se estabeleceram colônias na América do Norte, nas Antilhas e na África, depois perdidas para Portugal, Espanha e Inglaterra. Dedicada desde 1675 ao tráfico de escravos, a companhia foi extinta em 1794, depois de ser encampada pelo governo holandês.”

COMPANHIA HOLANDESA DAS ÍNDIAS ORIENTAIS. Sociedade por ações fundada em 1602 por um grupo de banqueiros e mercadores holandeses com o apoio do governo. Monopolizava o comércio com o Oriente, conquistava territórios e administrava-os em nome do governo holandês. Expulsou os portugueses de vários pontos da Ásia, dominando praticamente toda a Indonésia, as ilhas Molucas e o Ceilão, de onde levava para a Europa cravo, canela, noz-moscada, chá, café, metais e tecidos. Teve grande prosperidade até meados do século XVIII, quando os dividendos pagos aos acionistas chegavam a 50%. Entrou em decadência a partir de 1750 devido à concorrência de outras nações na expansão colonial, e foi extinta em 1798.”

COMPANHIAS DAS ÍNDIAS ORIENTAIS. Companhias comerciais de capital privado, apoiadas por governos europeus do século XVII e voltadas para a comercialização monopolista dos produtos trazidos do Oriente (Índia, Indonésia, Molucas, Ceilão, China) após a descoberta da rota marítima para as Índias por Vasco da Gama. As companhias mais importantes foram a inglesa e a holandesa, mas todas competiam para a obtenção da hegemonia comercial da região e a conquista de territórios para a implantação de colônias. A Companhia Inglesa das Índias Orientais (1600-1858) dominou o comércio com a Índia, além de controlar a quase totalidade do território indiano. [só acredito vendo] William Pitt restringiu seu poder em 1784, e, em 1858, suas prerrogativas foram transferidas à Coroa inglesa.”

COMPANHIAS DE COMÉRCIO. “No Brasil colonial, a primeira sociedade comercial portuguesa foi a Companhia Geral do Comércio do Brasil (1649), inspirada pelo padre Antônio Vieira, conselheiro de dom João IV. Tinha o monopólio sobre o vinho, o azeite, a farinha, o bacalhau e a venda do pau-brasil, e podia proibir a fabricação de produtos que concorressem com os da metrópole. Além dela, foram criadas a Companhia Geral do Grão-Pará e Maranhão (1755) e a Companhia Geral de Pernambuco e Paraíba (1759), voltadas para o controle do comércio regional com Lisboa. As companhias privilegiadas, em escala mundial, desapareceram definitivamente no século XIX”

COMPOSIÇÃO ORGÂNICA DO CAPITAL. (Marxismo) “A composição orgânica do capital resulta da relação de proporcionalidade existente entre o capital constante (c) e o capital variável (v), expressa na fórmula COC = c/(c+v). (…) No mundo atual, a tendência das empresas capitalistas orienta-se no sentido de elevar a composição orgânica do capital, com maior utilização de maquinarias e utensílios e um consumo maior de matérias-primas (elementos que compõem o capital constante); em contrapartida, vem ocorrendo uma queda relativa no volume de mão-de-obra utilizada (capital variável). (…) Para compreender a relação da composição orgânica do capital com a taxa de lucro, devem ser consideradas a rotação de capital e a taxa de mais-valia. Tendo isso em vista, pode-se afirmar que quanto mais alta for a composição orgânica do capital, menor será a taxa de lucro, e quanto mais alta for a mais-valia e mais intensa a rotação do capital, maior será a taxa de lucro.”

COMUNA. Comunidade de caráter igualitário, criada com objetivos econômicos e políticos. A comuna popular é a unidade econômico-administrativa característica da zona rural chinesa. A organização comunal na China processou-se a partir de 1958 como meio de promover a coletivização da agricultura. A comuna é proprietária dos meios de produção (terra e instrumentos de trabalho) e tem a seu cargo o governo local, a organização da produção, do abastecimento e dos serviços de educação e saúde. Na Idade Média européia, comunas eram as cidades autônomas, particularmente na Itália e em Flandres. Eram governadas por mercadores ricos e estavam voltadas para a defesa dos seus habitantes (comerciantes e artesãos). A autonomia das comunas decorreu de freqüentes revoltas de seus habitantes contra o senhor da cidade (bispo ou barão), e também da compra desse direito, por meio de vultosas quantias. O termo ‘comuna’ também designa os governos revolucionários que se instalaram na França durante a revolução de 1789 e 1871 (a Comuna de Paris). Nesta última, as massas parisienses, influenciadas por ideais socialistas, sublevaram-se contra o governo conservador em decorrência da derrota sofrida pela França na guerra com a Prússia.”

COMUNISMO. “Na França, até os acontecimentos da Comuna de Paris (1871), o movimento insurrecional de tendência comunista esteve ligado basicamente às idéias de Auguste Blanqui, partidário dos métodos conspirativos de François Babeuf (Gracchus). Novas abordagens da questão social na sociedade capitalista surgiram a partir de 1848, após os levantes operários na França e na Alemanha. Então, as idéias dos socialistas utópicos perdiam influência e 2 tendências passavam a disputar a hegemonia dos movimentos comunista e operário: os partidários de Karl Marx e Friedrich Engels (fundadores do socialismo científico) e os partidários de Joseph Proudhon, um dos pioneiros do anarquismo.” “Mais tarde, o movimento comunista contemporâneo passou por divergências que ganharam várias tendências opostas, cada uma delas atribuindo a si própria a maior fidelidade ao pensamento de Marx e Engels. Assim ocorreu na divergência entre Lenin e os representantes da II Internacional, no rompimento entre Stalin e Trotski, na denúncia de Stalin por Kruschev, nas divergências e conflitos entre a União Soviética e a China, entre esta e a Albânia e no afastamento dos dirigentes do eurocomunismo em relação aos soviéticos.”

COMUNISMO DE GUERRA. Conjunto de medidas de rígido controle político e econômico adotadas pelos bolcheviques após a Revolução Russa para enfrentar a guerra civil e a intervenção estrangeira. Abrange o período que vai de outubro de 1917 ao final de 1921, quando as forças brancas, apoiadas por tropas inglesas, francesas e japonesas, tentavam impedir a consolidação da revolução socialista liderada por Lenin e Trotski.” “A produção industrial reduziu-se a 1/5 da anterior à guerra e a produção de carvão ficou apenas em 1/10 da normal. A população de Moscou ficou reduzida à metade e a de Petrogrado diminuiu em 70%. Com a devastação dos campos e a resistência dos camponeses em aceitar o confisco das colheitas — que reduzia as provisões familiares dos pequenos e médios agricultores —, a fome matou milhões de pessoas.” Fonte? Quantos milhões?

CONVERSÃO DE DÍVIDA. Troca de títulos de dívida pública, vencidos ou a vencer, por outros com vencimentos a prazo mais longo. Equivale, na prática, a uma rolagem da dívida, já que seu vencimento é ‘empurrado’ para o futuro. No que se refere à dívida externa de um país, pode consistir na transformação de parte dessa dívida em capital de risco, operação que geralmente implica um deságio no ato de conversão.”

COROA. Unidade monetária da Islândia (Nova Coroa Islandesa; Submúltiplo: aurar), da Dinamarca (Coroa Dinamarquesa; submúltiplo: ore), da Noruega (Coroa Norueguesa; submúltiplo: ore), da Suécia (Coroa Sueca; submúltiplo: ore), da República Tcheca (Coroa Tcheca; submúltiplo: haléru). Territórios e dependências: Groenlândia (Dinamarca, Coroa — ore), Ilhas Faroë (Dinamarca, Coroa — ore), Sual Bard (Noruega, Coroa — ore).”

COSSA, Luigi (1831-1896). Nasceu na Itália e foi professor de economia política na Universidade de Pádua, de 1858 até sua morte. Sua influência se exerceu menos pela obra que produziu diretamente e mais pelos alunos que teve. É considerado um dos ‘socialistas de cátedra’ italianos e como tal foi acusado por Ferrara de ser ‘germanófilo, socialista e corruptor da juventude italiana’. Cossa foi muito influenciado por Roscher — com quem estudou — e aceitava a idéia da relatividade histórica das leis econômicas. Também admitia que o protecionismo, em certos casos e condições, permitia grande progresso da indústria. A fama de Cossa deve-se também, em boa medida, aos ensaios bibliográficos que publicou, como o Guida allo Studio dell’Economia Politica (Guia para o Estudo da Economia Política), 1876, reeditado com ampliações em 1892, com o título Introduzione allo Studio dell’Economia Política (Introdução ao Estudo da Economia Política).”

COSTA, Artur de Sousa (1893-1957). “Ocupou a pasta da Fazenda de 1934 até a deposição de Vargas, em 1945. Nesse período, empreendeu a reforma tributária e reorganizou o sistema de arrecadação de impostos, gerando recursos para o Estado impulsionar o processo de industrialização do país. Entre 1940 e 1944, efetuou a renegociação da dívida externa brasileira, tendo antes suspenso o pagamento de juros e parcelas de amortização aos credores. Nessa época introduziu o regime de câmbio livre, criou o Banco de Crédito da Borracha, fundou a Companhia Vale do Rio Doce e instituiu o cruzeiro como padrão monetário brasileiro. Foi também o criador da Cacex (Carteira de Exportação do Banco do Brasil) e da Sumoc (Superintendência da Moeda e do Crédito).”

COURNOT (1801-77). “Seu livro Recherches sur les Principes Mathématiques de la Théorie des Richesses (Pesquisas sobre os Princípios Matemáticos da Teoria das Riquezas), de 1838, é considerado o ponto de partida da teoria matemática em economia.” “As aplicações matemáticas de Cournot aos problemas do preço no regime de concorrência perfeita, de monopólio ou do que se conhece hoje como duopólio foram esquecidas por muito tempo e só retomadas por marginalistas como Jevons e Walras.” Mau sinal.

CRISE DO XENXÉM. Crise sofrida pelo sistema monetário brasileiro logo depois de proclamada a independência em 1822 e que durou até 1835. Sua eclosão deveu-se basicamente ao fato de D. João VI e sua corte, ao voltarem para Portugal em abril de 1821, terem levado todas as reservas metálicas do Tesouro, obrigando o Ban co do Brasil a emitir papel-moeda sem lastro. A aceitação cada vez mais precária desse tipo de moeda fez com que desaparecessem aquelas de ouro e prata de circulação, levando D. Pedro I a autorizar particulares a cunhar moedas de cobre cujo valor nominal era superior ao seu peso legal de 10 réis por oitava. As moedas de cobre assim cunhadas eram denominadas ‘xenxém’. Para ter uma idéia da desproporção entre o valor nominal e o valor do cobre no qual as moedas eram cunhadas, basta examinar o discurso do deputado Lino Coutinho, na Câmara dos Deputados em 20/5/1826, que encaminhava um projeto para resolver a crise do xenxém: ‘…uma libra de cobre custa dezoito vinténs e, cunhada, produz o valor de dois mil réis’. Na época, 18 vinténs equivaliam a 360 réis.”

CUM RIGHTS. Expressão anglo-latina que significa que o portador de um título goza de todos os direitos que este título contém.” Belo duplo sentido!

CUNHAGEM. “As civilizações antigas alcançaram esse estágio de desenvolvimento, fundamental para o início do processo de cunhagem, no século VIII a.C., embora as primeiras notícias de cunhagem datem do século VII a.C.: a Lídia (Ásia Menor) já nessa época produzia peças de uma liga de ouro e prata chamada electrum. A escolha dos metais era determinada mais pelas necessidades econômicas imediatas e pelas oportunidades do que por ordens dos governantes. O desenvolvimento do comércio, no entanto, superou as limitações ditadas pela distribuição geográfica dos metais, cuja escolha serviria de base material para a moeda. É por esta razão que na Grécia Antiga, assim como em Roma, depois da morte de César, moedas de ouro e prata foram cunhadas em substituição às de bronze. Na Idade Média, com a retração do comércio, apenas moedas de cobre e prata foram cunhadas, com exceção de uma cunhagem temporária de ouro durante a época carolíngia. Com o crescimento da demanda de moedas, as cunhagens de ouro foram retomadas com os florins florentinos, e os zecchini de Veneza. Desde então, o ouro constituiu-se no metal preferido para a cunhagem de moedas, e no comércio internacional na forma de lingotes. O desenvolvimento da técnica de cunhagem, no entanto, foi relativamente lento. Só a partir do século XVI a produção deixou de ser manual e passou a ser mecânica. Em 1786, Boulton introduziu a força a vapor na cunhagem, e em 1839, Ulhhörn inventou a prensa de cunhagem, que acelerou enormemente seu processo de fabricação. O desenvolvimento econômico proporcionado por esses avanços técnicos é digno

de nota. O custo de produção da cunhagem, que até o século XVIII oscilava entre 10 e 20% do valor da moeda, foi reduzido nas moedas de ouro a menos de 0,3%. As novas técnicas de cunhagem permitiriam também a uniformidade das moedas, o que facilitava a aceitação por seu valor de face, e não por peso, como ocorria em Roma, na Idade Média e mesmo na era moderna. A modernização das técnicas resolveu também um dos problemas mais graves do setor: a escassez de moeda.”

D. Pedro II de Portugal, cognominado ‘O Pacífico’ por Carta Régia de 8/3/1694 criou a Casa da Moeda na Bahia, a primeira do Brasil. Quatro anos depois ela foi transferida para o Rio de Janeiro.”

CUNHAGEM DECIMAL. Sistema de circulação monetária que utiliza a base dez. Quase todos os sistemas mundiais operam nessa base. A importante exceção era a Inglaterra, onde, até 1971, uma libra esterlina valia 20 xelins e cada xelim, 12 pence. A partir daquela data, a libra esterlina manteve o seu valor e foi dividida em 100 novos pence (p), que equivalem a 2,4 dos antigos.”

CURVA DE LEXIS. É a que representa a extinção gradual de uma mesma geração humana, anotando-se as idades nas abcissas e o número de sobreviventes nas ordenadas.”

CUT — Central Única dos Trabalhadores. Uma das centrais sindicais brasileiras, fundada em agosto de 1983 em congresso que contou com a participação de 5059 trabalhadores, delegados de sindicatos urbanos e rurais. No congresso, foi eleita uma coordenação composta de 86 membros, tendo como presidente o ex-presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo, Jair Meneguelli. A CUT e a CGT constituem as duas grandes centrais do movimento sindical brasileiro. Por seu programa e pelas greves e ações coletivas que tem patrocinado no campo e na cidade desde a sua origem, a CUT é considerada mais à esquerda do que a CGT.”

CYBERPHOBIA. Termo relacionado com os estudos dos impactos da incorporação do progresso técnico sobre os trabalhadores e que consiste no medo ou nas fobias causadas pela presença de computadores e aparelhos a eles relacionados nos locais de trabalho.” LOL

DARDANISMO. Palavra derivada de Dardanus, feiticeiro fenício que destruía as colheitas. Significa a destruição consciente de uma colheita ou produção agrícola, para que os preços não caiam por excesso de oferta e a lucratividade se mantenha satisfatória. No Brasil, o caso mais expressivo de dardanismo foi a queima do café nas fornalhas das locomotivas nos primeiros anos da década de 30”

DELFIM NETO. [O Wikipédia, hoje, grafa Delfim Netto, além de colocar sua data de nascimento como 1928 – segue vivo até este 4/3/24] USPiano que se dava bem com os militares? Isso não cheira bem: “em março de 1967, assumiu o Ministério da Fazenda, mantendo-se no cargo até março de 1974. (…) foi considerado o principal artífice do ‘milagre brasileiro’. Embora teoricamente ligado à escola monetarista neoclássica, ao liberalismo econômico e ao anti-estatismo, Delfim Neto utilizou-se amplamente dos instrumentos de intervenção estatal na economia. [Nada incomum em termos de ministros da economia brasileiros] Com o início do governo Geisel, em 1974, foi nomeado embaixador brasileiro na França.”

Para enfrentar a falência do ‘milagre’, a recessão do final da década de 70, valeu-se fundamentalmente de recursos técnicos monetaristas, enfatizando o controle dos salários como meio de combater a inflação. Com a elevação da dívida externa e diante da impossibilidade de o país saldar seus compromissos financeiros no exterior, conduziu as negociações com os credores estrangeiros e com o Fundo Monetário Internacional (FMI). Esse fato e o agravamento da crise tornaram-no o principal alvo das críticas dirigidas ao governo Figueiredo.”

DESILUSÃO MONETÁRIA. Em contraposição à ilusão monetária, significa o desencanto quando, depois de um plano de estabilização, com a inflação se reduzindo muito, os consumidores percebem que os preços, embora estáveis, se encontram num patamar muito elevado em relação aos seus rendimentos. A expressão foi cunhada para refletir o que aconteceu no Brasil logo depois da implantação do Plano Real em 1º/7/1994.”

DOBB, Maurice Herbert (1900-1976). Economista marxista inglês. Elaborou uma análise teórica e histórica do desenvolvimento do capitalismo, além de trabalhos sobre a formação de salários, o cálculo econômico racional e a transformação dos sistemas econômicos. Professor do Trinity College da Universidade de Cambridge desde 1924, Dobb ocupa lugar de importância entre os economistas marxistas contemporâneos pelo rigor de suas análises e pela amplitude de sua obra; nela se destacam a teoria econômica, os problemas do socialismo e a história do desenvolvimento do capitalismo. Profundo conhecedor da teoria econômica neoclássica, criticou-a e rejeitou-a em seu livro Os Salários, 1926. Dobb foi um dos primeiros economistas a reconhecer a importância política da intervenção dos sindicatos e dos poderes públicos no estabelecimento de uma política de salários. Também foi um dos primeiros economistas ocidentais a estudar, desde o início, a economia socialista soviética, defendendo o socialismo centralizado em On Economic Theory and Socialism (Teoria Econômica e Socialismo), 1955.

Em seguida, porém, admitiu uma transição para uma economia descentralizada, realizando uma crítica à burocracia e discutindo os temas da democracia dos trabalhadores e da democracia econômica. Realizou ainda uma ampla análise econômica e histórica do desenvolvimento do capitalismo em Studies in the Development of Capitalism, 1946 (traduzido no Brasil como A Evolução do Capitalismo), na qual destaca as características do capitalismo contemporâneo. A obra traz à tona as novas funções econômicas do Estado e os problemas decorrentes do surgimento de um setor socialista mundial e das novas nações do Terceiro Mundo, voltadas para medidas de planejamento econômico e de capitalismo de Estado como meio de ultrapassar o atraso econômico.

Dobb analisou os problemas de crescimento econômico dos países do Terceiro Mundo e investigou as relações entre o crescimento econômico e as linhas gerais de política econômica em An Essay on Economic about Growth and Planning (Um Ensaio sobre o Crescimento Econômico e Planejamento), 1960. Além de publicar, junto com o economista Piero Sraffa, as obras completas de David Ricardo, escreveu os seguintes livros: Capitalist Enterprise and Social Progress (Empresa Capitalista e Progresso Social), 1925; Soviet Economic Development since 1917 (Desenvolvimento da Economia Soviética desde 1917), 1928; Economia Política e Capitalismo, 1937; Marx as Economist (Marx como Economista), 1943; Papers on Capitalism, Development and Planning (Estudos sobre o Capitalismo, Desenvolvimento e Planejamento), 1967; Welfare Economics and the Economics of Socialism (Economia do Bem-estar e Economia do Socialismo), 1969; Theories of Value and Distribution since Adam Smith (Teorias do Valor e da Distribuição desde Adam Smith), 1973.”

DRACMA. Antiga moeda cunhada em prata a partir do século IV a.C. e cujo valor, inicialmente, correspondia a 4,9g de prata, mas que, posteriormente, foi reduzido para 3,40g. É também unidade de medida de peso para pedras e metais preciosos, equivalente a 27,3437 grãos ou 1,771g, e que se mantém até hoje no sistema Avoirdupois. Atualmente, o Dracma é grafado com ‘Dram’ em inglês. É também a denominação da unidade monetária da Grécia, tendo como submúltiplo o ieptae.”

DU PONT DE NEMOURS, Pierre Samuel. Administrador, político e economista francês (1739-1817), um dos mais influentes membros do grupo dos fisiocratas. Discípulo de Quesnay, em 1764 publicou L’Importation et l’Exportation des Grains (A Importação e a Exportação de Cereais), defendendo as teses de Turgot em favor da liberdade do comércio internacional de cereais. Em 1765, tornou-se diretor do Journal de l’Agriculture, du Commerce et des Finances. Em 1768, publicou Origines et Progrès d’une Science Nouvelle (Origens e Progresso de uma Ciência Nova), considerado um excelente resumo da doutrina fisiocrática. Com a morte de Turgot em 1781, Du Pont de Nemours passou a ser a eminência parda de muitos políticos da época e autor da maior parte das reformas econômicas e administrativas que se processaram entre 1780 e 1789. Após a eclosão da Revolução Francesa, foi preso, exilando-se depois nos Estados Unidos, onde colaborou com Jefferson (1743-1826) num plano de educação nacional. De volta à França em 1809, ali permaneceu até 1814, quando se instalou definitivamente nos Estados Unidos. Neste país, deixou importantes descendentes, entre os quais o criador do grande complexo de indústrias químicas que leva seu nome.”

DÜHRING, Karl Eugen (1833-1921). Filósofo positivista alemão conhecido por atacar as concepções de Karl Marx e Friedrich Engels em seus escritos e conferências feitos a partir de 1870. Engels, por sua vez, escreveu em resposta o longo livro Herrn Eugen Dührings Umwälzung der Wissenschaft (A Subversão da Ciência pelo Senhor Eugen Dühring), 1878, conhecido como o Anti-Dühring, e que adquiriu grande importância para a teoria do materialismo dialético e histórico. O pensamento de Dühring alia ao positivismo de Comte a economia política de H.C. Carey, o materialismo mecanicista e o socialismo utópico. Foi professor na Universidade de Berlim de 1864 a 1877 e escreveu Kapital und Arbeit (Capital e Trabalho), 1865; Careys Umwälzung der Volkswirtschaftslehre und Sozialwissenschaft (Revolução de Carey na Teoria Econômica e na Sociologia), 1865; Kritische Geschichte der Philosophie (História Crítica da Filosofia), 1869; Cursus der National und Sozialökonomie (Curso de Economia Política e Social), 1873-1892, uma de suas obras de maior sucesso.”

ECONOMIA POLÍTICA. Ciência que estuda as relações sociais de produção, circulação e distribuição de bens materiais, definindo as leis que regem tais relações. Procura também analisar o caráter das leis econômicas, sua especificidade, sua natureza e suas relações mútuas. Nesse sentido, é uma ciência fundamentalmente teórica, valendo-se dos dados fornecidos pela economia descritiva e pela história econômica. Para atingir seu objetivo, a economia política recorre a um conjunto de categorias que formam seu instrumental teórico e a uma metodologia capaz de conduzir o investigador científico a um conhecimento objetivo do processo produtivo e de suas leis. Impossibilitada de recorrer à experimentação, como ocorre nas ciências exatas, a economia política vale-se da abstração, que se baseia na observação comparativa dos processos estudados. A partir daí, procura estabelecer as relações mais gerais, eliminando os aspectos secundários e ocasionais da problemática econômica. A síntese desse procedimento metodológico é a formulação de teorias econômicas que definem a posição de indivíduos e até mesmo de grupos sociais em face dos fenômenos e dos fatos econômicos.” “Esse estudo assumiu a denominação de economia política, sendo o termo ‘política’ sinônimo de ‘social’, segundo a tradição aristotélica de que o homem é um animal político, isto é, um animal social. Os estudos de economia política começaram com a escola mercantilista, cujos principais representantes foram Thomas Mun, Josiah Child e Antoine Montchrestien. Este último foi quem restabeleceu a nomenclatura grega: economia política. Avanço considerável dos estudos econômicos ocorreu com os fisiocratas no século XVIII (Quesnay, Turgot), conhecidos como les économistes, que, ao contrário dos mercantilistas, deslocaram o foco de sua análise da circulação para a produção, fundamentalmente para a produção agrícola. Com a escola clássica — William Petty, Adam Smith e David Ricardo —, a economia política definiu claramente seu contorno científico integral, passando a centralizar a abordagem teórica na questão do valor, cuja única fonte original foi identificada no trabalho, tanto agrícola quanto industrial. A escola clássica firmou os princípios da livre-concorrência, que exerceram influência decisiva no pensamento econômico capitalista. A escola marxista, fundada por Karl Marx e Friedrich Engels, seguindo a teoria do valor-trabalho, chegou ao conceito de mais-valia, fonte do lucro, do juro e da renda da terra. Centrando seu estudo na anatomia do modo de produção capitalista, o marxismo desvendou a lei principal desse sistema e forneceu a base doutrinária para o pensamento revolucionário socialista.”

A partir de 1870, a concepção ampla da economia política foi sendo paulatinamente abandonada, dando lugar a uma visão mais restrita do processo produtivo, que ficou conhecido como economia. Essa postura teórica foi iniciada pela escola neoclássica: William Stanley Jevons, Carl Menger, Léon Walras e Vilfredo Pareto. A abordagem abstrata de conteúdo histórico e social foi substituída pelo enfoque quantitativo dos fatores econômicos. A inovação mais importante na tradição neoclássica ocorreu com a obra de J.M. Keynes, que refutou a teoria do equilíbrio automático da economia capitalista, apresentando uma nova visão do problema do desemprego, dos juros e da crise econômica.” “No que diz respeito à economia política marxista, trava-se em seu interior um amplo debate (sobretudo no Ocidente), visando a aprofundar certos aspectos teóricos não desenvolvidos por Marx e também a levar adiante a análise crítica do capitalismo moderno.”

ECONOMIA PÓS-KEYNESIANA. “Seguindo as teses de Sraffa, alguns autores dessa corrente estudaram as tendências de longo prazo da economia capitalista e a divisão do excedente entre o capital e o trabalho e as contradições que cercam essas relações. Tais contradições criariam incertezas, o que impediria que uma economia crescesse num ritmo estável, correspondendo a todas as expectativas dos agentes. “

ENGELS, Friedrich (1820-1895). Pensador alemão, colaborador de Karl Marx na elaboração dos princípios do socialismo científico e do materialismo histórico. Abordou temas de filosofia, história, etnologia, ciências naturais, estratégia militar e economia política. Filho de um rico industrial alemão de Manchester (Inglaterra), seus trabalhos sobre economia antecedem as pesquisas de Marx sobre o modo de produção capitalista. Em 1843, escreveu o artigo Umrisse zur Kritik der Nationalökonomie (Esboços para uma Crítica da Economia Política), considerado por Marx — que só conheceria o autor no ano seguinte — uma obra profunda, que influenciaria sua teoria econômica. Em Die Lage der arbeitenden Klasse in England (A Situação da Classe Operária na Inglaterra), 1845, trabalho pioneiro de pesquisa de campo, Engels analisa as conseqüências sociais da Revolução Industrial nas condições de vida dos operários (condições que o levariam a tornar-se partidário de uma solução comunista desde 1845). Publicou com Marx Die Deutsche Ideologie (A Ideologia Alemã), 1845-6, e Die heilige Familie (A Sagrada Família), 1845. Às vésperas do movimento revolucionário europeu de 1848, ambos publicaram Das kommunistische Manifest (O Manifesto Comunista). Sozinho, publicou ainda Der deutsche Bauernkrieg (A Guerra Camponesa na Alemanha), 1850; Anti-Dühring, 1877; Der Ursprung der Familie, des Privateigentums und des Staates, 1884 (A Origem da Família, da Propriedade e do Estado); Ludwig Feuerbach und das Ende der Klassischen deutschen Philosophie (Ludwig Feuerbach e o Fim da Filosofia Clássica Alemã), 1888; Die Entwicklung des Sozialismus von der Utopie zur Wissenschaft (Do Socialismo Utópico ao Socialismo Científico), 1892. Colaborou intensamente na redação do Livro Primeiro de O Capital, de Marx. Depois da morte do amigo, editou os livros Segundo e Terceiro da mesma obra, com numerosas notas explicativas, além de redigir o capítulo ‘Rotação do Capital’, do qual Marx deixara apenas o título. Como reconhecimento da contribuição de Engels à teoria econômica de Marx, passaram a ser editados, como apêndice de O Capital, dois trabalhos econômicos de sua autoria: Lei do Valor e Taxa de Lucro e A Bolsa.”

ESCOLA AUSTRÍACA. Também conhecida como Escola de Viena, a Escola Austríaca é constituída por um grupo de economistas que lecionou na Universidade de Viena e sustentou algumas idéias comuns, mais tarde englobadas no Marginalismo. Nascida com Carl Menger (1840-1921), a escola continuou com Friedrich von Wieser (1851-1926) e Eugen von Böhm-Bawerk (1851-1914). A tradição austríaca encontra-se também nos trabalhos de Ludwig Edler von Mises (1881-1973), de Friedrich August von Hayek (1899-[1992]) [tudo riquinho: von isso, von aquilo!] e de John Richard Hicks (1904-[1989, o inglês infiltrado do bando]). O ponto de partida de Carl Menger consistiu em chamar a atenção para os fundamentos psicológicos do valor, voltando a certas idéias de Condillac, que criticava os economistas clássicos que pesquisavam a origem do valor nas coisas e não no homem. Baseando-se nessa idéia, Menger constatou que a intensidade de um desejo decresce com sua satisfação e daí concluiu que o valor de um bem (supondo que ele seja divisível, como um pedaço de pão) é determinado por sua última porção, ou seja, por sua porção menos desejável. Esse é o princípio da utilidade marginal. A conclusões semelhantes chegaram os economistas William Stanley Jevons (1835-1882) e Léon Walras (1834-1910), mas foram os representantes da escola austríaca os que melhor exploraram o princípio. Reduzindo todos os fatos econômicos a valores e partindo da nova noção de valor que formularam, os austríacos acreditaram poder reconstituir abstratamente os mecanismos da vida econômica. Assim, eles propuseram novas explicações para o valor dos bens de produção, os juros, a moeda e a distribuição dos bens.”

ESCOLA CLÁSSICA. Linha de pensamento econômico que vai da publicação do livro A Riqueza das Nações, de Adam Smith, em 1776, aos Princípios de Economia Política, de John Stuart Mill, de 1848, e é marcada pela obra de David Ricardo, Princípios de Economia Política e Tributação, de 1817. Fundada por Smith e Ricardo, a escola clássica desenvolveu-se nos escritos de Malthus, Stuart Mill, McCulloch, Senior e do francês Jean-Baptiste Say.” “Para Adam Smith, o objeto da economia está indicado no título completo de sua obra: é uma investigação sobre a natureza e as causas da riqueza das nações, entendendo-se por riqueza os bens que possuem valor de troca.” “Para os fisiocratas, apenas o trabalho na agricultura produzia valor. Smith refutou-os, demonstrando todas as atividades que produzem mercadorias. E, contra as concepções mercantilistas, Smith argumenta que a riqueza é constituída pelos valores de troca, e não pela moeda, que é apenas o meio que permite a circulação dos bens.” “A política livre-cambista deveria ser posta em prática, uma vez que só ela conduziria ao desenvolvimento das forças produtivas. O padrão mercantilista de regulamentação estatal e controle passa também a ser claramente contestado. A política econômica deveria ser medida por seus efeitos sobre o processo de riqueza e por suas conseqüências sobre a acumulação de capital e especialização do trabalho.” “Em suas análises, Ricardo localiza uma contradição entre o valor de troca e o preço relativo das mercadorias, que só seria resolvida muitos anos mais tarde por Marx, ao analisar a transformação do valor de troca em preço de produção.”

Em seguida, [n]o trabalho de Say e seus discípulos, os rendimentos do capital, denominados juros, passaram a ser considerados de modo separado dos lucros.”

A teoria dos preços desdobra-se numa teoria da repartição que visa a explicar a renda, a terra, o salário, o juro e o lucro. Ao mesmo tempo, a escola clássica apresenta uma visão de conjunto da dinâmica econômica, na qual os elementos decisivos são o princípio do crescimento populacional de Malthus, a lei dos rendimentos não-proporcionais e o princípio da acumulação de capital.”

A teoria clássica é elaborada em função de um equilíbrio automático que ignora as crises e os ciclos econômicos.”

Ricardo admitia que o proprietário rural ocupava áreas menos férteis à medida que a população aumentava. Desse modo, os proprietários das terras mais férteis beneficiavam-se com a elevação dos custos de produção em outras áreas, uma vez que os preços dos produtos seriam mantidos para cobrir os custos mais elevados em terras de baixa categoria. Assim, acabariam tendo uma maior receita, independentemente do capital e do trabalho aplicados na produção. Esse excedente econômico foi denominado por Ricardo de renda diferencial da terra. Com o crescimento dessa renda diferencial, os proprietários rurais iriam se apropriar de um excedente econômico maior, em detrimento dos capitalistas, que teriam seus lucros reduzidos, a ponto de colocar em perigo a acumulação de capital, prejudicando o desenvolvimento econômico. Para superar esse problema, Ricardo propõe o livre-cambismo no comércio internacional, que permitiria aproveitar as melhores terras em escala mundial. Formula, assim, a teoria das vantagens comparativasAté que a Terra inteira seja um deserto.

as revoluções que ocorreram na Europa no período de 1830 a 1848 mostraram que a harmonia de uma ‘ordem natural’ e do não-intervencionismo preconizado pela escola clássica era remota. O liberalismo e o individualismo começam então a sofrer várias críticas de pensadores preocupados com os problemas econômicos e sociais.”

Surgem a doutrina intervencionista de Sismonti, o industrialismo de Saint-Simon, o nacionalismo de List, o liberalismo otimista de Bastiat e o socialismo utópico de Fourier e Proudhon.” “Mas falta a essas críticas uma visão global do sistema econômico diante da visão integrada e coerente apresentada pela escola clássica. Marx é o primeiro autor a contestar verdadeiramente a análise realizada pelos clássicos, tanto nas suas premissas e objetivos como em suas conclusões, ao desenvolver a análise do processo capitalista baseado na concepção materialista da História e na luta de classes, embora conservasse dos clássicos parte do instrumental analítico e alguns conceitos, como a teoria do valor-trabalho”

ESCOLA DE LAUSANNE. Escola de pensamento econômico marcada pelas obras do economista francês Léon Walras (1834-1910), primeiro catedrático de economia da Faculdade Lausanne, e de seu sucessor e discípulo, o italiano Vilfredo Pareto (1848-1923). A escola caracteriza-se também pela formulação da teoria do equilíbrio geral, desenvolvida por Walras, e pela ênfase no tratamento matemático dos problemas econômicos. Walras e Pareto procuraram demonstrar como todos os valores econômicos determinam-se mutuamente, definindo uma interdependência geral dos mercados de produtos e dos fatores de produção (ou de serviços produtivos, segundo a expressão de Walras). Essa interdependência seria assegurada pela ação do empresário, que utiliza os fatores de produção para produzir e vender bens e serviços, e pelo fato de que as receitas totais provenientes de todas as vendas dos meios de produção devem igualar — numa concorrência pura e equilibrada — as receitas totais obtidas pelas vendas de todos os bens de consumo. À noção de interdependência de mercados, acrescenta-se a de equilíbrio. Walras e Pareto procuraram definir as condições de um equilíbrio estável, onde existiriam forças que compensariam automaticamente os desvios e desequilíbrios, restabelecendo o equilíbrio geral.”

ESCOLA HISTÓRICA. Caracterizada pela importância primordial concedida à História no estudo do processo econômico, surgiu em 1840, na Alemanha, como reação à escola econômica clássica e teve influência durante cerca de 4 décadas. Seus principais componentes, na primeira fase (1840-60), foram Wilhelm Roscher (1817-1894), Bruno Hildebrand (1812-1878) e Karl Knies (1821-1898). Em sua crítica ao classicismo, a escola histórica alemã nega que as leis econômicas possam ter validade universal, argumentando que não podem ser consideradas absolutas e de atuação perpétua, mas, ao contrário, devem ser relativas e variáveis com o tempo e o lugar. Rejeitando o processo dedutivo como método, enfatizou o relativismo. Ao mesmo tempo, insistiu sobre a unidade da vida social, afirmando que existe uma interação estreita entre os diferentes aspectos sociais, o que tornaria impossível a uma única ciência esgotar o campo a ser investigado. A primeira obra que marca a escola histórica alemã é a de W. Roscher, Grundriss zu Vorlesungen über die Staatswirtschaft nach geschichtlicher Methode (Esboço de um Curso de Economia Política Segundo o Método Histórico), 1843, que se baseia nos métodos da escola do direito de Savigny e considera o empirismo histórico a base de toda pesquisa econômica. Sem muita clareza de método, Roscher utiliza o material histórico como ilustração e fonte de inspiração dos problemas econômicos. Com Bruno Hildebrand, que publica em 1848 Die Nationalökonomie der Gegenwart und Zukunft (A Economia Política do Presente e do Futuro), a escola histórica torna-se mais explicativa, procurando formular leis do desenvolvimento econômico, e mais consistente na oposição ao classicismo. Hildebrand nega a pretensão da escola clássica de ter encontrado as leis da economia natural, válida em todos os tempos, e distingue os problemas econômicos práticos da análise teórica, à qual se dedica. Propõe-se ainda estudar a evolução da experiência econômica humana, para chegar a uma história econômica da cultura, que se desenvolveria junto com outros ramos da história e da estatística. Karl Knies foi mais preciso na exposição dos problemas metodológicos da escola. Em Die politische Ökonomie von Standpunkte der geschichtlichen Methode (A Economia Política do Ponto de Vista do Método Histórico), 1883, revela-se um crítico mais sistemático da escola clássica que Roscher e Hildebrand, aos quais se opõe, mostrando que Roscher confunde diferentes ramos da investigação econômica e criticando as leis do desenvolvimento de Hildebrand por fazerem concessões à teoria pura. Sustenta que o método histórico é a única forma legítima de economia, que não poderia proporcionar leis como as ciências físicas, mas apenas descobrir certas regularidades no desenvolvimento social, sugerindo analogias. Propõe ainda aos economistas que evitem polêmicas metodológicas, mas produzam obras sobre os problemas econômicos do ponto de vista histórico. A escola histórica alemã teve continuidade com Gustav Schmoller (1838-1917) e seus discípulos Adolph Wagner e K. Bücher, inaugurando, a partir de 1870, uma segunda fase basicamente positiva e descritiva, e desenvolvendo uma forte tendência para a investigação histórico-econômica. Já não se nega a existência de leis sociais, mas coloca-se em dúvida a capacidade do método clássico para desvendá-las. Também não se procura formular leis gerais do desenvolvimento, mas simplesmente analisar os fatos econômicos e as instituições, argumentando que os mecanismos econômicos são relativos às instituições do momento. A nova escola histórica alemã tornou-se conhecida também por entrar em conflito com os marginalistas, na chamada ‘controvérsia sobre o método’ (o Methodenstreit), que durou 2 décadas. A polêmica foi iniciada pelo marginalista austríaco Carl Menger, com a publicação de seu Untersuchungen über die Methode der Sozialwissenschaften und der Politischen Ökonomie insbesondere (Pesquisas sobre o Método das Ciências Sociais e da Economia Política em Especial), 1883. Menger usa a discussão do método das ciências sociais em geral para atacar as idéias da escola histórica, argumentando que, se é necessária uma base histórica para a solução dos problemas econômicos, não se poderia dispensar a utilização dos conceitos gerais nem a procura de regularidades sob a forma de leis.”

ESCOLA MARXISTA. Escola de pensamento econômico fundada por Karl Marx e Friedrich Engels. Consiste num conjunto de teorias econômicas (a mais-valia), filosóficas (o materialismo dialético), sociológicas (o materialismo histórico) e políticas, desenvolvido a partir da filosofia de Hegel, do materialismo filosófico francês do século XVIII e da economia política inglesa do início do século XIX. A síntese dessas formulações foi apresentada em O Capital (1867), em que, a partir da teoria do valor-trabalho da escola clássica inglesa, Marx desenvolve o conceito de mais-valia como trabalho excedente, não-pago, fonte do lucro, do juro e da renda da terra. A partir da teoria da mais-valia, Marx analisa o processo de acumulação de capital no sistema capitalista, mostrando haver uma correlação entre a crescente acumulação e concentração de capital e a pauperização do proletariado e a proletarização da classe média, situações que causariam a eclosão das contradições básicas do sistema. Entre os principais fatores que contribuíram para as crises periódicas no sistema capitalista, Marx destacou: o progressivo decréscimo da taxa de lucro (a diminuição da mais-valia), decorrente do maior aumento do capital constante (máquinas e equipamentos) em relação ao capital variável (mão-de-obra empregada); o dinamismo anárquico do sistema, ligado à busca incessante de lucros maiores e expresso no fato de os progressos técnicos tornarem os antigos instrumentos de trabalho ultrapassados antes de sua utilização normal; a desordem dos mercados provocada pela contradição básica entre o aspecto coletivo dos meios de produção (as grandes unidades técnicas) e o caráter privado de sua apropriação. A queda do regime capitalista ocorreria por força de suas próprias contradições internas, mas a mudança seria impulsionada pela luta de classes, pela ação revolucionária do proletariado, que implantaria um regime socialista, com a socialização dos meios de produção, estágio preparatório para a fase definitiva do comunismo. Entretanto, após a morte de Marx e Engels, a rápida industrialização da Alemanha e o fortalecimento do Partido Social-Democrata e dos sindicatos melhoraram as condições de vida dos operários alemães. Nesse contexto, considerando que as previsões de pauperização progressiva das massas não se tinham verificado, surgiu na II Internacional uma tendência revisionista da teoria marxista. Seu principal porta-voz foi Eduard Bernstein (1850-1932), que propôs substituir o conteúdo revolucionário do marxismo pela concepção de uma evolução reformista e gradual. O revisionismo ‘direitista’ de Bernstein foi combatido pelo ‘centro’ ortodoxo representado por Karl Kautsky (1854-1938) e pela ‘esquerda’ social-democrata de Rosa Luxemburgo (1870-1919). A controvérsia que se seguiu referiu-se basicamente à teoria do colapso do sistema capitalista e à natureza das crises que levariam a seu fim e ao advento do socialismo: as crises provocadas pela tendência decrescente da taxa de lucros e as causadas pelo subconsumo das massas. Nessa discussão, destacou-se a posição do economista revisionista russo Tugan-Baranovski, para quem as crises se deviam à ‘desproporção’ entre os vários ramos da produção. Mas o destaque maior nessa controvérsia coube a Rosa Luxemburgo. Em A Acumulação do Capital, 1913, ela argumenta que acumulação de capital era impossível num sistema capitalista fechado, adaptando a teoria de Marx às novas condições do imperialismo econômico e político do início do século XX. Pouco antes, o dirigente socialista austríaco Rudolf Hilferding havia publicado seu famoso livro, O Capital Financeiro (1910), no qual mostra que o imperialismo é uma conseqüência do desenvolvimento dos monopólios, controlados pelo capital financeiro. As concepções desses autores foram desenvolvidas por Lenin em O Imperialismo, Etapa Superior do Capitalismo, 1916, em que caracteriza o capitalismo moderno por sua própria dinâmica de formação e ampliação de mercados por meio da dominação colonial e da guerra. A ação do capital monopolista internacional dividiria os países em dois grupos: os de estrutura financeira e industrial poderosa (em permanente expansão econômica) e os atrasados (fornecedores de matéria-prima e mão-de obra barata), em relação de dependência com os primeiros. A importância da contribuição teórica e prática de Lenin para a teoria marxista deu origem à expressão marxismo-leninismo. O marxismo-leninismo atribui ao Partido Comunista o papel de consciência teórica e liderança prática do proletariado na derrocada do capitalismo, doutrina vitoriosa na Revolução Russa de 1917. Mais tarde, durante os primeiros anos de regime soviético, destacou-se a posição do economista Preobrajensky, autor de uma proposta de industrialização imediata e de um rápido progresso técnico, em detrimento da expansão do setor agrícola. Após a morte de Lenin, surgiram novamente posições ‘direitistas’, ‘esquerdistas’ e ‘centristas’ no âmbito da experiência soviética (e na Internacional Comunista). Seus principais porta-vozes eram, respectivamente, Nikolai Bukharin (1888-1938), Leon Trotski (1879-1940) e Joseph Stalin (1879-1953), que esmagou seus adversários e adotou uma política que oscilou entre as concepções de Bukharin e Trotski, ambos teóricos de peso. Após a estagnação dogmática que caracterizou o período stalinista, houve um revigoramento da pesquisa teórica no campo do marxismo. Desenvolveu-se uma série de polêmicas, centradas particularmente em torno das contribuições de Mao Tsé-Tung, Antonio Gramsci, Rosa Luxemburgo, Georg Lukács, Louis Althusser e outros. No campo da teoria econômica, depois da importante contribuição do economista polonês Oskar Lange à planificação socialista, dando-lhe fundamento matemático, destacam-se as contribuições teóricas do belga Ernst Mandel, dirigente da IV Internacional (fundada por Trotski em 1938) e autor de penetrante análise do capitalismo contemporâneo, que denomina de ‘capitalismo tardio’; do economista inglês Maurice Dobb, no estudo dos problemas econômicos do socialismo; do austríaco Andre Gorz, nas análises das contradições do capitalismo e numa estratégia alternativa de transição para o socialismo; do francês Charles Bettelheim, autor de importante estudo da estrutura de classes na União Soviética; e dos norte-americanos Paul Sweezy e Paul Baran, na análise das características do capitalismo monopolista contemporâneo.”

ESCOLA NEOCLÁSSICA. Escola de pensamento econômico predominante entre 1870 e a Primeira Guerra Mundial, também conhecida como escola marginalista, por fundamentar-se na teoria subjetiva do valor da utilidade marginal para reelaborar a teoria econômica clássica. Seus precursores foram Thgünen, Gossen e Cournot. São considerados seus fundadores os economistas

Carl Menger, na Áustria — iniciador do grupo da chamada escola austríaca —, William Jevons, na Inglaterra, e Léon Walras — criador do grupo de Lausanne, na França. E, como representantes da segunda geração neoclássica, destacam-se Alfred Marshall, em Cambridge, Eungen von Böhm-Bawerk, em Viena, Vilfredo Pareto, em Lausanne, e John Bates Clark e Irving Fisher, nos Estados Unidos. Os economistas neoclássicos negaram a teoria do valor-trabalho da escola clássica, substituindo-a por um fator subjetivo — a utilidade de cada bem e sua capacidade de satisfazer as necessidades humanas —, acreditando que o mecanismo da concorrência (ou a interação da oferta e da demanda), explicado a partir de um critério psicológico (maximização do lucro pelos produtores e da utilidade pelos consumidores), é a força reguladora da atividade econômica, capaz de estabelecer o equilíbrio entre a produção e o consumo. A análise da escola neoclássica caracteriza-se fundamentalmente por ser microeconômica, baseada no comportamento dos indivíduos e nas condições de um equilíbrio estático, estudando os grandes agregados econômicos a partir desse ponto de vista e com uso da matemática. Tem como postulados a concorrência perfeita e a inexistência de crises econômicas, admitidas apenas como acidentes ou conseqüências de erros. Após a Grande Depressão de 1929-1933, os princípios da teoria neoclássica foram contestados por Keynes, que desenvolveu uma análise macroeconômica e introduziu o conceito de equilíbrio de subemprego.”

EULER, Leonhard (1707-1783). Matemático e físico suíço cujas proposições os marginalistas utilizaram nas teorias da produção e da distribuição, formulando o chamado teorema de Euler.” Os marginalistas gostam de ressuscitar antiquarias!

A partir de hipóteses simplificadoras sobre o modo como os fatores de produção se combinam para produzir uma mercadoria, o teorema de Euler demonstra a forma pela qual a teoria da produtividade marginal explica a melhor combinação de fatores de produção e a distribuição da renda entre esses fatores. A utilização desse teorema resolveu o problema da agregação, que preocupava os primeiros teóricos da produtividade marginal: o teorema permitiu demonstrar como a soma da remuneração dos principais fatores de produção (terra, trabalho e capital), determinada pela produtividade marginal de cada fator, seria acrescida ao produto total.”

EXÉRCITO INDUSTRIAL DE RESERVA. Expressão empregada por Karl Marx para designar o conjunto dos trabalhadores desempregados. A esse mesmo contingente humano ele deu também a denominação de população relativa excedente. Ao contrário de todos os economistas que o precederam, Marx analisou a existência do exército industrial de reserva como um fenômeno inerente à própria produção capitalista. Para ele, os capitalistas, a fim de vencerem os concorrentes, são obrigados a empregar continuamente novas máquinas, com o intuito de baratear os custos de produção e aumentar a produtividade do trabalho. O emprego de novas máquinas e novos equipamentos leva à diminuição da parte relativa à mão-de-obra, o que provoca o chamado desemprego tecnológico.” “Marx salientou o fato de que o capitalismo, mesmo em época de prosperidade, necessita da existência de um número razoável de trabalhadores desempregados com a finalidade de impedir uma maior pressão sobre o preço dos salários.”

FANNO, Marco (1878-1965). Economista italiano e professor de economia política nas universidades de Sassari, Messina e Pádua. Sua obra se classifica na escola do equilíbrio geral predominante na Itália durante os anos 30. (…) No livro La Teoria delle Fluttuazioni Economiche (A Teoria das Flutuações Econômicas), 1947, desenvolve uma síntese das principais teorias existentes sobre o tema e apresenta farto material histórico e empírico. O eixo principal do trabalho é um exame detalhado do papel do crédito na determinação da duração dos ciclos econômicos.”

FICHTE, Johann Gottlieb (1762-1814). Filósofo alemão da época do romantismo. Na obra Der geschlossene Handelstaat (O Estado Comercial Fechado), 1800, ele defende a criação de um Estado socialista autárquico, sem moeda, com a economia regida por planos qüinqüenais e a produção e distribuição de bens rigorosamente planejadas.” O:

GALBRAITH, John Kenneth (1908-[2006]). Economista e escritor norte-americano, nascido no Canadá, destacado crítico do poder das grandes empresas monopolistas e da tecnocracia. Galbraith desenvolveu seu trabalho teórico no sentido de mostrar que a moderna economia capitalista, dominada por grandes organizações monopolistas, é um fato consumado, que deve ser enfrentado com uma nova atitude por parte da sociedade e do Estado. Em Capitalismo, 1952, introduz o conceito de poder compensador e questiona o espírito competitivo da sociedade industrial norte-americana, dominada por grandes empresas, sugerindo a organização de diferentes setores da sociedade (sindicatos, cooperativas, etc.) em blocos de pressão. Em The Affluent Society (A Sociedade Afluente), 1958, Galbraith defende a tese de que os recursos absorvidos pela produção dos bens de consumo supérfluos deveriam ser canalizados para investimentos públicos e de bem-estar social. Por sua posição liberal e pela crítica mordaz aos monopólios e aos mitos da sociedade industrial, Galbraith tornou-se conhecido do grande público, notabilizando-se pela capacidade de expor claramente complexos problemas econômicos. Escritor prolífico, em sua numerosa obra destacam-se ainda: A Theory of Price Control (Uma Teoria do Controle de Preços), 1952; The Great Crash, 1929 (O Colapso da Bolsa, 1929), 1955; The Economics Discipline (A Disciplina Econômica), 1967; The New Industrial State (O Novo Estado Industrial), 1967; Economics, Peace and Laughter (Economia, Paz e Humor), 1971; Economics and the Public Purpose (Economia e Senso Público), 1974; The Age of Uncertainty (A Era da Incerteza), 1977; e mais recentemente (1996) A Sociedade Justa: uma Perspectiva Humana.”

GENRYO KEIEI. Expressão em japonês que designa o processo que acometeu, em meados da década de 70, as empresas japonesas, as quais foram submetidas a enormes pressões para reduzir custos de todas as formas possíveis, e a administração das empresas deslocou sua atenção das questões relacionadas com o crescimento econômico para as questões decorrentes dos custos explosivos da energia, alta inflação e recessão. Foi durante esse período que o processo de introdução de robôs nas linhas de montagem começou a se disseminar em muitas atividades industriais no Japão.”

GODWIN, William (1756-1836). Pensador inglês, de linha anarquista idealista. Pastor protestante, aderiu ao ateísmo por influência dos enciclopedistas franceses e desenvolveu uma filosofia social inspirada em Rousseau. Tornou-se conhecido com a obra Enquiry Concerning the Principles of Political Justice (Investigação Sobre os Princípios de Justiça Política), 1793, na qual ataca firmemente o governo (atribui-se a ele a frase ‘Todo governo, mesmo o melhor, é um mal’), a família (sua mulher, Mary Wollstonecraft, foi a primeira teórica do feminismo) e a propriedade privada. Para Godwin, a única propriedade legítima é a que resulta de uma distribuição das coisas segundo as necessidades de cada um. Apontava os governos como os principais responsáveis pela manutenção do estatuto da propriedade privada, do direito de herança e de todas as conseqüentes desigualdades sociais. Não defendeu a derrubada violenta dos governos, acreditando que eles pudessem ser naturalmente dissolvidos pelo desenvolvimento dos homens e da sociedade. Considerava que o homem é produto do meio e poderia atingir a perfeição por intermédio da razão e da compreensão mútua. A crítica desse otimismo de Godwin foi um dos pontos de partida para a teoria econômica de Malthus.”

GORZ, André (1924-[2007]). Nasceu em Viena e radicou-se na França após a Segunda Guerra Mundial. Seus escritos estão concentrados na análise das contradições da sociedade capitalista e da transição para o socialismo. Uma das premissas principais de Gorz é a de que o desenvolvimento das forças produtivas do capitalismo se deu de modo a impedir uma apropriação coletiva por parte do proletariado. A superação do capitalismo, sua negação em nome de uma racionalidade diferente, só poderia resultar da ação de camadas que representam ou prefiguram a dissolução de todas as classes, inclusive da classe operária. Chega-se, por esse caminho, ao tema central de Adeus ao Proletariado (1980): a abolição do trabalho. Para Gorz, esse termo sintetizaria um processo em curso, e em rápida aceleração, nos países mais industrializados da Europa Ocidental. Neles, ocorreria a ampliação do espaço da liberdade, do tempo livre, destinado a atividades autônomas, a partir da redução progressiva da necessidade de trabalhar para comprar o direito à vida. Outras obras: La Morale de l’Histoire (A Moral da História), 1960; Stratégie Ouvière et Néo-capitalisme (Estratégia Operária e Neocapitalismo), 1966; Le Socialisme Difficile (O Socialismo Difícil), 1967; Fondements pour une Morale (Fundamentos para uma Moral), 1977.”

GUNDER FRANK, Andre (1929-[2005]). “A tese da existência do feudalismo na história da América Latina também é negada em seus escritos, tendo como conseqüência a impossibilidade de uma revolução burguesa em países que já são parte integrante do sistema capitalista mundial. Conclui pela necessidade e inevitabilidade da revolução socialista como próximo estágio da história da América Latina. Entre suas obras, destacam-se: Capitalismo e Subdesenvolvimento na América Latina: Estudos da História do Chile e do Brasil; América Latina: Subdesenvolvimento ou Revolução.”

HECKSCHER, Eli Filip (1879-1952). “Em 1931, publicou Mercantilism (Mercantilismo), em 2 volumes, considerada uma obra de consulta obrigatória sobre as teorias e políticas da era mercantilista.”

HEGEL, Georg Wilhelm Friedrich (1770-1831). O mais importante filósofo alemão da primeira metade do século XIX. Esforçou-se por unificar todo o conhecimento num vasto sistema lógico e racional, com o objetivo de apreender o real em sua totalidade. Uma das preocupações de Hegel foi a de eliminar a distância que, na concepção de seus antecessores, separava o ser do conceito. Assim, Fichte e Schelling haviam concluído que o ser só se determina na oposição e na luta com seu oposto. De Fichte, Hegel aceita a noção de dialética como processo de afirmação, negação e negação da negação, isto é, síntese; e de Schelling, a noção de idealismo objetivo e da identidade do sujeito e do objeto na consciência do absoluto. Hegel leva às últimas conseqüências o ‘trabalho do negativo’, concluindo que o conceito é um conhecimento do ser, que se cumpre como um retorno a si, depois da saída de si e da exteriorização na natureza. Essa idéia é central no sistema de Hegel e justifica as divisões de sua filosofia em: fenomenologia do espírito, na qual a consciência se eleva progressivamente das formas elementares de sensação até a ciência; lógica, que estuda o ser, a essência e o conceito; filosofia da natureza, que apresenta o momento em que o espírito se torna estranho a si mesmo, alienando-se em natureza; e filosofia do espírito, que descreve o retorno do espírito a si, por meio do direito, da moral, da religião e, finalmente, da filosofia. [Essa explicação não está didática demais?] Segundo Hegel, a filosofia atinge as coisas, a natureza e a história em sua verdade, ou seja, é vista como momentos de realização de um espírito que, por meio deles, toma consciência de si. Esse processo leva à transformação dos dados dos sentidos em pensamento, conduz da individualidade à universalidade. E sua realização é marcada pelo ritmo ternário da dialética [Kabalah]: a realidade é posta em si (tese), em seguida manifesta-se fora de si (antítese) para, finalmente, retornar a si (síntese). Para Hegel, o espírito absoluto realiza-se gradativamente através da história, assumindo a forma de espírito objetivo (arte, ciência, religião e demais criações humanas). A verdade seria, assim, historicamente determinada, correspondendo a cada uma das fases do desenvolvimento do espírito e contendo em si o germe da contradição. A identidade entre o real e o racional faz com que a compreensão do real — basicamente histórica — somente possa ser construída por meio de uma lógica dialética, movida pela idéia de negação determinada. O final do processo em que o absoluto se relativiza em história seria a liberdade absoluta: por intermédio da consciência filosófica, o espírito absoluto torna-se autoconsciência. No plano político, essa culminação é identificada por Hegel com a criação do Estado prussiano. O hegelianismo foi o último dos grandes sistemas filosóficos do Ocidente, exercendo decisiva influência nas ciências sociais, no marxismo, no existencialismo e em algumas correntes do pensamento cristão. Obras principais: Die Phänomenologie des Geistes, 1807; Wissenschaft der Logik, 1812-1816; e Encyclopädie der philosophischen Wissenschaften, 1817.” #OFFTOPIC!

HILFERDING, Rudolf (1877-1941). Economista e político marxista alemão, embora nascido na Áustria, um dos pioneiros na análise do capitalismo monopolista. Foi professor da escola de quadros do Partido Social Democrata da Alemanha e editor do jornal partidário Vorwärts (1907-1915). A partir da Primeira Guerra Mundial, tornou-se um dos mais destacados teóricos do socialismo reformista, ocupando, em 1923 e 1928-1929, o Ministério das Finanças da República de Weimar. Exilou-se em 1933 e foi assassinado na França pelos nazistas, em 1941. Em sua crítica ao capitalismo, Hilferding demonstrou como a concentração do capital conduziu a um papel decisivo dos bancos no processo de crescimento industrial, fenômeno que não se manifestara ainda nas condições do capitalismo concorrencial observado por Marx. O novo estágio do capitalismo, na visão de Hilferding, caracterizava-se pela hegemonia do ‘capital controlado pelos bancos e utilizado pelos industriais’. Antes da publicação de O Capital Financeiro, 1910, Hilferding destacou-se como competente discípulo de Marx ao rebater as críticas feitas por Böhm-Bawerk a possíveis contradições entre o Livro Primeiro e o Livro Terceiro de O Capital, nas passagens em que Marx trata da troca de equivalentes, isto é, sobre a questão dos preços e suas relações com a teoria do valor-trabalho. Essa resposta recebeu a denominação de A Crítica de Böhm-Bawerk a Marx (1904).”

HOBSON, John Atkinson (1858-1940). Economista e reformador social inglês. Precursor de Keynes, sustentou que a causa fundamental da crise econômica é a predominância da poupança em detrimento do consumo, com a conseqüente queda da produção. Socialista fabiano, Hobson definia-se como um herético entre os economistas de sua época. Recusando-se a separar a economia da ética, opunha ao bem-estar econômico o bem-estar humano. Criticou a teoria marginalista da utilidade final como uma ‘futilidade final’, procurando substituí-la por uma nova análise da distribuição da renda. A principal contribuição de Hobson foi a explicação das crises econômicas pelo subconsumo, desenvolvida em Physiology of Industry (Fisiologia da Indústria), 1889, livro escrito em colaboração com A.F. Mumery. Essa teoria do subconsumo baseia-se na idéia de que os gastos do capital e do consumo experimentam um desequilíbrio entre si devido ao excesso da poupança de uma minoria privilegiada, que freia a utilização dos meios de produção disponíveis. Defende um investimento constante da poupança como meio de incentivar a demanda de bens, tese que seria desenvolvida mais tarde por Keynes, em sua Teoria Geral (1936). Numa obra posterior sobre o problema do desemprego, Hobson argumenta que a repartição injusta da renda é um dos fatores que provocam o excesso de poupança e a insuficiência do consumo. Acrescenta que a solução para a crise estaria na realização de obras públicas financiadas pelo Estado. Outra contribuição importante de Hobson está na obra Imperialism: A Study (Imperialismo: Um Estudo), 1902. Após comparar as despesas públicas feitas nos empreendimentos coloniais e os lucros dos capitalistas, argumenta que a Inglaterra deveria abandonar o imperialismo por basear-se em impostos elevados dos contribuintes para sustentar ganhos particulares. Repleto de dados e cifras, o livro foi freqüentemente utilizado por autores marxistas como Hilferding e Lênin. Militante do Partido Trabalhista inglês desde 1914, suas idéias desempenharam um importante papel na evolução da doutrina do partido. Além de numerosos artigos e panfletos, publicou 35 livros, destacando-se, além dos citados, The Evolution of Modern Capitalism (A Evolução do Capitalismo Moderno), 1894; The Industrial System (O Sistema Industrial), 1909; Work and Wealth (Trabalho e Riqueza), 1914; The Economics of Unemployment (A Economia do Desemprego), 1922, e Confessions of an Economic Heretic (Confissões de um Herege em Economia), 1938.”

HODGSKIN, Thomas (1787-1869). Pensador socialista inglês da corrente anarquista, crítico de Ricardo, Malthus e de outros autores clássicos do início do século XIX. Hodgskin condenava o capitalismo e propunha reformas sociais a partir das lutas dos trabalhadores por meio das associações de trabalhadores e do Parlamento. Seus escritos econômicos são baseados na idéia de que o trabalho é a única fonte de riqueza e que os trabalhadores são privados da riqueza que produzem. No livro Labour Defended against the Claims of Capital (A Defesa do Trabalho contra as Pretensões do Capital), 1825, e em Popular Political Economy (Economia Política Popular), 1827, um dos primeiros manuais socialistas de economia, Hodgskin denuncia os proprietários rurais e os capitalistas por reduzirem os salários ao mínimo possível e confiscarem todo o excedente do valor criado pelo trabalho, sustentando que os trabalhadores devem receber integralmente o valor do que produzem. Entretanto, Hodgskin não era um adversário da propriedade privada e reprovava a intervenção do Estado na economia, sustentando que apenas os sindicatos operários poderiam suprimir a exploração do trabalho pelo capital. Publicou ainda The Natural and Artificial Rights of Property Contrasted (Os Direitos Natural e Artificial da Propriedade Comparados), 1832.”

HUME, David (1711-1776). Filósofo escocês, o maior representante do ceticismo no século XVIII e um dos precursores do liberalismo econômico. Levou às últimas conseqüências o empirismo de Francis Bacon (1561-1626) e John Locke (1632-1704), concluindo que o conhecimento humano não pode alcançar a certeza, mas somente o provável. Kant afirmava que Hume o despertara de seu ‘sono dogmático’. [!] Adam Smith, considerado o fundador da ciência econômica, também foi muito influenciado por ele: nas obras filosóficas de Hume, estão desenvolvidas algumas das teses fundamentais do liberalismo, como, por exemplo, a de que a propriedade não é um direito natural e seu primeiro fundamento é o trabalho. As idéias exclusivamente econômicas estão em oito ensaios que fazem parte de Political Discourses (Discursos Políticos), 1752. Particularmente importante é o primeiro ensaio, no qual o autor trata dos problemas do comércio exterior, atacando a tese central do mercantilismo (de que a riqueza privada é o fundamento da riqueza pública) e mostrando que os comerciantes e donos de manufaturas absorvem recursos que poderiam servir ao fortalecimento do Estado. Nesse texto, Hume procura mostrar que o comércio exterior exerce o papel de fornecedor do estímulo inicial à indústria, com o que aumenta o número de empregos, a demanda interna e a riqueza da nação. Passada essa fase inicial, no entanto, o comércio exterior deixaria de ser essencial ao desenvolvimento da indústria, tornando-se um mal que deveria ser combatido, pois as pessoas ricas causariam um crescimento ilimitado da demanda interna. O mercantilismo é também atacado quando afirma que a abundância de moeda (trazida pelo comércio exterior) não é a causa da baixa nas taxas de juros, pois estas dependeriam dos lucros no comércio e na indústria, tese posteriormente retomada por Smith e Ricardo.” Não esperava um papel tão proeminente de Hume, contemporâneo de Smith. Imaginava que ele fôra apenas “coetâneo” dos liberais clássicos, i.e., compartilhou de seu Zeitgeist, e daí advinha a coincidência de idéias!

HYMER, Steven Herbert (1934-1974). Economista canadense radicado nos Estados Unidos, Hymer recebeu seu título de doutoramento no Massachussets Institute of Technology (MIT), em 1960. Depois de trabalhar em Gana por alguns anos, regressou aos Estados Unidos, onde lecionou em Yale de 1964 a 1970. Inclinando-se no sentido do marxismo, no final dos anos 60, foi afastado de Yale e se transferiu para a New School for Social Research, onde ajudou a fundar e desenvolver um programa de economia política até sua morte prematura, em 1974. As contribuições mais importantes de Hymer foram suas análises sobre o investimento no exterior das empresas multinacionais. Afastando-se da teoria tradicional do comércio internacional, considerava os investimentos diretos no exterior das empresas multinacionais uma conseqüência de suas contradições internas e da tendência a ampliar seu controle territorial. Suas contribuições também se desdobraram no desenvolvimento das análises da economia política marxista. Seus ensaios mais significativos a esse respeito, assim como as análises sobre as corporações multinacionais, foram publicados postumamente no livro The Multinational Corporation (A Corporação Multinacional), 1979.”

INTERNACIONAL SOCIALISTA. VOCÊ DEVE SEUS DIREITOS A ELES: “Paralelamente, com o desenvolvimento acelerado do capitalismo europeu, acirraram-se os conflitos sociais, o que contribuiu para o surgimento de fortes partidos socialistas, organizados segundo o modelo do Partido Social Democrata alemão. Em 1889, esses partidos fundaram em Paris a II Internacional ou Internacional Socialista, que se definiu oficialmente pelo marxismo. Entre seus líderes, destacavam-se Karl Kautsky, Lenin, Rosa Luxemburgo, Eduard Bernstein, Jean Jaurès e Wilhelm Liebknecht. Dirigiu numerosas lutas por melhorias nas condições de trabalho — sobretudo pela jornada de 8 horas, pelo sufrágio universal e contra a guerra.”

O rompimento total entre as duas correntes ocorreu às vésperas da Primeira Guerra Mundial, quando os socialistas alemães, franceses e ingleses, que participavam dos parlamentos, votaram a favor dos créditos de guerra. Já a corrente liderada por Lenin e Rosa Luxemburgo propunha a transformação da guerra em luta revolucionária contra o capitalismo: foi o que fizeram os bolcheviques na Rússia. Em meio aos acontecimentos revolucionários na Rússia e à guerra mundial, a II Internacional se desfez e os seguidores de Lenin fundaram, em 1919, em Moscou, a III Internacional ou Internacional Comunista.” “A III Internacional tornou-se em pouco tempo um instrumento de difusão da política soviética e, após a morte de Lenin, do pensamento ideológico de Stalin. O rompimento político-ideológico entre Stalin e Trotski, motivado por interpretações divergentes sobre a condução da construção do socialismo na Rússia e da revolução mundial, levou Trotski e seus partidários a fundarem, em 1938, na França, a IV Internacional. Em 1943, em plena guerra, Stalin desfez a III Internacional para consolidar sua política de aliança antinazista com os Estados Unidos e a Inglaterra. A Internacional trotskista continua a existir, mas dividida em numerosas facções.”

JUGLAR, Clément (1819-1905). Economista francês, pioneiro no estudo dos ciclos econômicos e na constatação da natureza periódica das crises. Seu nome denomina os ciclos curtos, o ‘ciclo Juglar’, de 8 a 10 anos, de variações alternadas na atividade econômica. Médico, Juglar interessou-se pela economia ao estudar os fenômenos demográficos. Em seguida, passou a analisar as crises econômicas, que, para ele, tinham causas naturais, inevitáveis mas previsíveis e que retornariam em ciclos. Destacou-se como estatístico realizando previsões acuradas da retomada das atividades econômicas, o que também lhe permitiu acumular uma grande fortuna por meio da especulação. Professor da Escola Livre de Ciências Políticas de Paris e fundador da Sociedade de Estatística de Paris, seu mais importante trabalho foi Des Crises Commerciales et de Leur Retour Périodique en France, en Angleterre et aux États-Unis (Das Crises Comerciais e Seu Retorno Periódico à França, à Inglaterra e aos Estados Unidos), 1862, a primeira obra a fornecer uma descrição pormenorizada do ciclo econômico e a insistir na periodicidade das crises. Publicou ainda Du Change et de la Liberté d’Émission (Da Troca e da Liberdade de Emissão), 1868, e Les Banques de Dépôt, d’Escompte et d’Émission (Os Bancos de Depósito, de Desconto e de Emissão), 1884.”

KALECKI, Michal (1899-1970). Economista polonês, um dos pioneiros da crítica sistemática à doutrina do marginalismo. Ao mesmo tempo e independentemente de Keynes, demonstrou a fragilidade do princípio do equilíbrio automático da escola clássica e desenvolveu uma teoria da dinâmica capitalista e dos seus ciclos de conjuntura e crise. Em 1933, publicou, numa revista polonesa, o primeiro esboço de sua teoria, ‘Próba-Teorii Koniunktury’ (‘Esboço de Uma Teoria do Ciclo Econômico’), trabalho apresentado no mesmo ano numa conferência da Sociedade Internacional de Econometria, na Holanda. Dois anos depois, o trabalho sairia na Revue d’Économie Politique e na revista norte-americana Econometrica. Era um dos primeiros modelos matemáticos construídos para explicar os ciclos econômicos de conjuntura, mas não despertou atenção na época e foi completamente ofuscado, em 1936, pela publicação de A Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda, de Keynes. Sustentou que o nível de atividade econômica depende dos investimentos: se eles aumentarem, subirão os níveis de atividades e de emprego, haverá maior demanda de bens e também os lucros dos capitalistas serão maiores. A demanda efetiva aumentará se o Estado gastar mais do que arrecada e se o país conseguir exportar mais do que importa, mas a decisão básica continuará nas mãos dos capitalistas: se eles investirem, a produção e os lucros aumentarão até o ponto em que os lucros acumulados (a poupança) sejam equivalentes ao investimento. Por sua vez, a insuficiência do investimento em relação à poupança causa a contração da produção e a subutilização da capacidade produtiva. Isso ocorre quando a poupança cresce em excesso devido à baixa dos salários reais. Na Suécia, em contato com Gunnar Myrdal, Kalecki inicia um livro, mas o abandona ao tomar conhecimento do livro de Keynes, propondo sugestões semelhantes às suas. Na Inglaterra, conhece Joan Robinson e Piero Sraffa, e, em seguida, Keynes, que o convida a trabalhar em Cambridge. Kalecki aceita e prepara uma obra em que expõe de modo mais amplo sua teoria: Essay in the Theory of Economic Fluctuations (Ensaio sobre a Teoria das Flutuações Econômicas), 1939. Este livro e o seguinte, Studies in Economic Dynamics (Estudos de Dinâmica Econômica), 1943, são seus mais importantes trabalhos sobre a teoria dos ciclos. Para Kalecki, o mundo capitalista é regido pelas decisões dos empresários quanto a investir, pelo Estado quanto ao equilíbrio orçamentário e pelo comércio internacional. Nesse sistema, os ciclos de conjuntura são inevitáveis, mas a profundidade das crises e sua duração dependem de decisões políticas, e não apenas das forças cegas do mercado. Essa posição era heterodoxa nos meios marxistas da época, que esperavam, como absoluta fatalidade ao final da guerra, uma reedição da crise dos anos 30. Desse modo, Kalecki desempenhou, no lado marxista, um papel semelhante ao de Keynes entre os marginalistas, embora com impacto e êxito menores. Ainda durante a guerra, em 1943, escreveu um artigo profético: ‘The Political Aspects of Full Employment’ (‘Aspectos Políticos do Pleno Emprego’). No final, prevê que o desenvolvimento da conjuntura econômica dependeria cada vez mais de decisões políticas, sugerindo que as crises cíclicas poderiam ser atenuadas por meio da política econômica, e elaborando a noção de ‘ciclo de conjuntura política’, que ajuda a entender as contradições do capitalismo contemporâneo. Depois de curtos períodos em Oxford, Paris, Montreal e Varsóvia (onde contribui para a planificação da economia socialista polonesa), Kalecki assumiu, em 1946, um cargo no secretariado da ONU. Ali, editou os Relatórios sobre a Economia Mundial, até 1954, quando se demitiu sob pressão política dos representantes norte-americanos.”

KANTOROVITCH, Leonid Vitalovitch (1912-1986). Economista e matemático russo, elaborou o primeiro modelo matemático de programação linear. Recebeu o Prêmio Nobel de Economia de 1975 por suas aplicações da matemática aos problemas econômicos. Especializado na pesquisa de um emprego ótimo dos recursos e dos meios de produção numa economia socialista, publicou em 1939 O Método Matemático de Organização do Planejamento da Produção. (…) Kantorovitch aplicou seus modelos de otimização dos recursos em problemas de planejamento, transportes, teorias do preço e do investimento, progresso técnico e outras áreas da economia socialista. Foi professor nas universidades de Leningrado, Glasgow, Grenoble, Helsinque, Paris e Cambridge e diretor do Instituto de Sistemas e Estudos da Academia de Ciências, Comércio e Técnica de Moscou.”

KAROSHI. Termo em japonês (ka = demasiado; ro = trabalho; shi = morte) que significa ‘morte súbita provocada por excesso de trabalho’, também conhecida como síndrome da morte súbita. Esse processo, que ocorre entre trabalhadores de escritório (‘colarinhos brancos’) relativamente jovens, vem chamando cada vez mais a atenção atualmente no Japão. A morte do trabalhador ocorre geralmente por enfarte do miocárdio ou hemorragias internas. Alguns estudiosos do tema atribuem o aumento da incidência do karoshi às formas intensas e extensas de trabalho (o Japão é o país que tem jornadas de trabalho mais extensas entre os países desenvolvidos).”

KAUTSKY, Karl Johann (1854-1938). “Após a morte de Engels (1895), de quem foi secretário, tornou-se a figura de maior destaque do movimento marxista internacional. A trajetória teórica de Kautsky foi singular: tornou-se marxista sob a influência de Eduard Bernstein, mas combateu o revisionismo deste e o radicalismo de Rosa Luxemburgo, [e combateu errado!] tornando-se porta-voz do marxismo centrista, [oxímoro idiota] que se opunha à ala mais radical do Partido Social Democrata.” “A maior parte de suas idéias, que foram aproveitadas para a orientação prática de sua política, está em seu livro mais famoso, Karl Marx Ökonomische Lehren (As Doutrinas Econômicas de Karl Marx), 1887, no qual defende a proposta de um marxismo evolutivo, que deveria levar à revolução como um fenômeno natural.” “Entretanto, Kautsky é lembrado por duas importantes contribuições à teoria socialista: a publicação do livro pioneiro A Questão Agrária, 1899, um dos primeiros estudos do desenvolvimento do capitalismo no campo sob o ponto de vista marxista; e a edição das notas manuscritas que formariam o quarto volume de O Capital, de Marx, publicadas com o título de Theorien über den Mehrwert (Teorias da Mais-valia), 1905-1910. [desconfiar da boa-fé!]

KIBUTZ. Fazenda coletiva de Israel onde se pratica o regime de co-propriedade e cooperação mútua voluntária. Todas as atividades administrativas e produtivas são realizadas comunalmente. O kibutz fornece a seus habitantes alojamento, alimentação, berçários e educação elementar, de acordo com as necessidades de cada indivíduo. A educação fica a cargo da própria comunidade. Os primeiros kibutzim surgiram no início do século XX, originando-se dos ideais socialistas dos imigrantes sionistas russos. Muitos kibutzim acabaram se tornando organizações econômicas fortes, que incluem indústrias de transformação.”

KONDRATIEFF, Nicolai Dmitrievitch (1892-1930). Economista e estatístico russo. Seu nome está associado ao estudo dos ciclos econômicos longos, ou ciclos seculares, de 40 a 60 anos, os chamados ciclos Kondratieff. A maioria dos economistas admite a existência de 3 ciclos Kondratieff no período que vai de 1790 a 1950. O primeiro estende-se até 1850, compreendendo 24 anos de alta e 36 de baixa; o segundo, entre 1850 e 1896, corresponde a 23 anos de alta e 23 de baixa da atividade econômica, e o terceiro, de 1896 a 1940, com 22 anos de alta e 22 de baixa. Entretanto, a marcação das datas dos ciclos Kondratieff é um problema de conceituação imprecisa. [É ÓBVIO] Por exemplo, não se sabe quando terminou a baixa iniciada supostamente em 1920 e se, atualmente, estamos ou não numa fase de baixa de um novo ciclo Kondratieff.” Hahaha, que ridículo!

KROPOTKIN, Piotr Alekseievitch (1842-1921). Príncipe e geógrafo russo, destacado líder e teórico do anarquismo. Abandonou a carreira e a posição social em 1871, para dedicar-se às atividades revolucionárias. Foi preso em 1874, mas conseguiu fugir da Rússia. Esteve preso na França entre 1883 e 1886 e, em seguida, viveu na Inglaterra, dedicando-se aos estudos, escrevendo e proferindo conferências. Retornou à Rússia em 1917, mas reprovou a Revolução de Outubro e viveu no isolamento até a morte. Entre seus livros destaca-se A Conquista do Pão (1888)

LAMB. Termo em inglês que se aplica ao operador inexperiente que investe seu dinheiro na Bolsa às cegas.” Todos gostam muito de Mariah Carey!

LANGE, Oskar (1904-1965). Economista e político polonês. Emigrou para os Estados Unidos em 1934, onde lecionou em universidades. Naturalizou-se norte-americano em 1943, porém retomou a nacionalidade polonesa em 1945. Representou seu país em Washington (1945-1946) e no Conselho de Segurança da ONU (1946-1948). Como vice-presidente do conselho de ministros e presidente da Associação Central de Cooperativas, influiu praticamente na planificação da economia da Polônia. No âmbito da teoria, figura como um dos mais importantes fundadores da econometria.”

O.L., Totalidade e Desenvolvimento à Luz da Cibernética, 1962.

LASSALLE, Ferdinand (1825-1864). Filósofo político alemão, socialista, discípulo de Fichte e de Hegel. Fundou, em 1863, a Associação Geral dos Trabalhadores Alemães, o primeiro partido operário da Alemanha, transformado depois no Partido Social Democrata.”

Partidário da unidade alemã, liderada pela Prússia, lutou pelo estabelecimento do sufrágio universal, para ele um objetivo da classe operária e um meio de o Estado servir aos interesses da maioria e realizar o socialismo. O pensamento de Lassalle, inspirado em Fichte e Hegel, está presente na sua principal obra, Das System der erworbenen Rechte (O Sistema dos Direitos Adquiridos), 1861, na qual defende uma linha socialista distante das concepções de Marx.”

Lassalle defendia a aliança com o governo como caminho para o socialismo e colaborou com Bismarck para alcançar tal objetivo, embora, após sua morte, os socialistas tenham sido perseguidos sistematicamente pelo Estado. O Partido Socialista Alemão, contudo, adotou em 1875 um programa inspirado em Lassalle, no que foi contestado por Marx em A Crítica ao Programa de Gotha (1875).”

A maioria de seus escritos foi reunida postumamente em Gesammelte Reden und Schriften (Coletânea de Discursos e Escritos), 1919.”

LA TOUR DU PIN CHAMBLY DE LA CHARCE, René, Marquês de (1834-1924). “Impressionado pelos acontecimentos da Comuna de Paris, fundou com Albert de Mun os primeiros círculos operários, dentro de um espírito corporativo. Suas concepções foram apresentadas numa série de ensaios escritos entre 1882 e 1907, reunidos no livro Vers un Ordre Social Chrétien (Rumo a uma Ordem Social Cristã).” “As idéias de La Tour du Pin influenciaram decisivamente a formação do ‘neocorporativismo’ defendido pela ultraconservadora Action Française.”

LAW, John (1671-1729). Financista escocês radicado na França, adepto da teoria quantitativa da moeda. Law, como os mercantilistas seus contemporâneos, considerava que o aumento do dinheiro, fator de desenvolvimento, estimularia o crescimento da produção e do poder do país. Acrescentava que o ouro e a prata, então escassos, poderiam ser substituídos por papel-moeda emitido por um banco central controlado pelo governo. Fundou tal banco (Banque Royale), em 1716, e a Compagnie des Indes Occidentales, em 1719, com apoio estatal. A companhia monopolizava o comércio no Território do Mississípi. As atividades do banco, no entanto, resultaram em especulação desenfreada, política inflacionária e pânico na economia francesa em 1720.”

LEI DE MURPHY. Concepção relacionada com a seguinte hipótese: se existir a possibilidade de que um item de um equipamento seja montado ou reparado de forma errada, então alguém, em algum lugar e em determinado momento, agirá exatamente assim. Às vezes esta ‘lei’ é apresentada da seguinte forma: ‘Se alguma coisa puder dar errado, ela dará errado, e, portanto, um equipamento deverá ser produzido à prova de tolos’.” A “Economia” é uma grande piada, uma seita, mal podendo receber o epíteto já demasiado elogioso de pseudociência. Exoterismo de quinta.

LEI DOS RENDIMENTOS DECRESCENTES. Também conhecida por Lei das Proporções Variáveis ou Lei da Produtividade Marginal Decrescente. Pode ser conceituada da seguinte maneira: ampliando-se a quantidade de um fator variável, permanecendo fixa a quantidade dos demais fatores, a produção, de início, aumentará a taxas crescentes; a seguir, após certa quantidade utilizada do fator variável, passará a aumentar a taxas decrescentes; continuando o aumento da utilização do fator variável, a produção decrescerá. Um exemplo clássico é o do aumento do número de trabalhadores em certa extensão de terra a ser cultivada. Numa primeira fase, a produção aumenta, mas logo se chega a um estado de nenhum crescimento na produção, devido ao excesso de trabalhadores em relação à extensão de terra (que não aumentou).”

LEMPIRA. Unidade monetária de Honduras. Submúltiplo: centavo.”

LENIN, Vladimir Ilitch Ulianov (1870-1924).

Quem São os Amigos do Povo e como Lutam os Sociais-Democratas?, 1894.

O Desenvolvimento do Capitalismo na Rússia, 1899.

Materialismo e Empirocriticismo, 1909.

O Imperialismo, Etapa Superior do Capitalismo, 1916.

Os populistas argumentavam que a viabilidade do capitalismo na Rússia era problemática, pois arruinaria a economia camponesa, limitando seu mercado interno, e não teria nenhuma possibilidade de expansão devido à ocupação dos mercados externos pelos países industrializados. Baseado em dados concretos, Lenin pôde mostrar que a ruína dos camponeses não implica a liquidação do mercado interno para o capitalismo. Ao contrário, é uma conseqüência necessária do processo de instalação e evolução do capitalismo, que promove a industrialização, acelera e aprofunda as contradições já existentes na comunidade camponesa, desintegrando-a e liberando as massas para a formação do proletariado.”

Outras obras importantes deste autor, traduzidas em mais de cem idiomas: O Que Fazer?, 1902; Duas Táticas da Social-democracia na Revolução Democrática, 1905; Um Passo à Frente, Dois Passos Atrás, 1904; O Estado e a Revolução, 1917; O Socialismo e a Guerra, 1915; e O Esquerdismo, Doença Infantil do Comunismo, 1920.

LER NOVO. Unidade monetária da Albânia. Submúltiplo: quindarka.”

LEVASSEUR, Pierre Émile (1828-1911). Economista, estatístico e geógrafo francês. Considerado o fundador da moderna história econômica na França, introduziu na história os ensinamentos da economia e de outras ciências sociais.”

Histoires des Classes Ouvrières en France, depuis la Conquête de Jules César jusqu’à la Revolution, 1859.

Cours d’Économie Rurale, Industrielle et Commerciale, 1869.

« LIBRA. O sistema monetário durante o reinado de Carlos Magno (747-814) rompe com o sistema romano (baseado no ouro) ao adotar o monometalismo de prata. Suas unidades de conta são a libra e o soldo, e, como unidade real, o denário. »

LILANGENI. Unidade monetária da Suazilândia. Submúltiplo: cent.”

LIRA. Unidade monetária da Itália (lira italiana; submúltiplo: centesimi), de San Marino (lira italiana; submúltiplo: centesimi), do Vaticano (lira italiana; submúltiplo: centesimi), de Chipre (setor turco, lira turca; submúltiplo: kurush) e da Turquia (lira turca; submúltiplo: kurush).”

LONGFIELD, Samuel Mountifort (1802-1884). Economista e jurista irlandês. Primeiro professor da cadeira de economia política do Trinity College, em Dublin (Irlanda), foi precursor da teoria da utilidade marginal. Sua principal obra, Lectures on Political Economy, 1834, em geral seguiu as doutrinas fundamentais da economia clássica, mas introduziu inovações. Identificou o valor de um bem com sua utilidade.”

LOTI. Unidade monetária de Lesoto. Submúltiplo: lisente.

LUDITAS. Grupos de operários ingleses que no início do século XIX destruíam as máquinas introduzidas na indústria têxtil. O emprego da máquina no processo produtivo provocou a ruína de milhares de artesãos, que se viram obrigados a vender sua força de trabalho aos empresários. Voltaram-se então contra as máquinas que substituíam nas fábricas seus instrumentos de trabalho. A prática foi reprimida com a pena de morte (lei de 1812) [QUE IRONIA! Quase posso ler Lei 8.112…] e a deportação. A designação veio do nome de King Ludd, um dos líderes do movimento.”

LUXEMBURGO, Rosa (1870-1919). “Rosa Luxemburgo e Liebknecht foram presos e em seguida assassinados, seus corpos atirados num canal.” A principal vítima da extrema-direita alemã antes da ascensão do nazismo.

Cartas da Prisão, 1921.

Acumulação do Capital, 1913. “O livro de Luxemburgo provocou uma acesa controvérsia no pensamento marxista, envolvendo Kautsky, Bukharin, Otto Bauer e outros autores. Devido ao fato de abordar criticamente as características da fase imperialista do capitalismo, foi considerado um trabalho precursor do estudo que Lenin realizou sobre o tema.”

MANDEL, Ernest (1923-1995). “Como teórico marxista, adquiriu notoriedade após a publicação da obra Traité d’Économie Marxiste (Tratado de Economia Marxista), 1962. O rigor científico de suas pesquisas manifesta-se também no estudo A Formação do Pensamento Econômico de Karl Marx, 1967, no qual reconstitui detalhadamente os passos teóricos dados por Marx, desde seus primeiros escritos até a elaboração de O Capital. No entanto, seu trabalho mais expressivo e inovador no que diz respeito à economia moderna é Der Spätkapitalismus — Versuch einer marxistischen Erklärung (O Capitalismo Tardio), 1972, no qual analisa a atual fase do capitalismo monopolista.” “Os temas abordados em O Capitalismo Tardio têm continuidade na obra Ende der Krise oder Krise ohne Ende? (Fim da Crise ou Crise Sem Fim?), 1977, uma série de ensaios que tratam sobretudo da natureza da recessão mundial na atualidade.” Atualidade sempre atual.

MARCUSE, Herbert (1898-1979). “Em uma de sua obras mais importantes, Ideologia da Sociedade Industrial, 1964, Marcuse faz uma análise crítica do sistema ideológico do moderno capitalismo industrial e afirma que o proletariado dos países desenvolvidos se interessa pela conservação do sistema. O autor acha que o potencial revolucionário para derrubar o capitalismo e construir uma sociedade sem exploração de classe e sem repressão dos impulsos naturais encontra-se nas maiorias oprimidas, nas classes marginalizadas e nos povos do Terceiro Mundo. Seus ataques demolidores à sociedade de consumo e sua reivindicação de liberdade sexual como complemento indispensável da emancipação política e econômica tiveram grande repercussão nos movimentos estudantis de 1968, principalmente nos Estados Unidos, França e Alemanha.”

MARGINALISMO [Ou Super-Stuartmillismo]. Escola e teoria econômica que define o valor dos bens a partir de um fator subjetivo — a utilidade, isto é, sua capacidade de satisfazer necessidades humanas, rompendo com a teoria clássica do valor-trabalho.” No máximo, entendem o princípio da adição à droga.

mercado de concorrência perfeita — premissa clássica mantida pelos marginalistas” E com que direito??

O marginalismo [coisa de marginal, realmente] surge como escola e teoria econômica estruturada a partir de 1870, elaborado e desenvolvido independentemente nas obras de 3 economistas: Karl Menger, William Jevons e Léon Walras. No início do século XX, a análise econômica baseada na utilidade marginal é refinada pelos representantes das 3 escolas mais importantes: a inglesa, com Alfred Marshall (1842-1924); a austríaca, representada por Böhm-Bawerk (1851-1914) e Von Wieser (1851-1926); a de Lausanne, com Pareto (1848-1923), discípulo de Walras. Tornou-se o fundamento da doutrina econômica acadêmica oficial dos países capitalistas, reafirmando o sistema de concorrência perfeita e a inexistência de crises econômicas, admitidas apenas como acidentes ou conseqüência de erros.” Ou seja: o ápice do patético.

SAINDO DO JARDIM DE INFÂNCIA: “Keynes tinha formação marginalista, mas rompeu com os preceitos ortodoxos, elaborando suas teorias da renda, consumo e investimento a partir de comportamentos sociais, e não de peculiaridades individuais.”

MARX, Karl Heinrich (1818-1883). “Doutorou-se em direito pela Universidade de Iena com a tese Sobre as Diferenças da Filosofia da Natureza de Demócrito e Epicuro, influenciado pela dialética de Hegel. De maio de 1842 a janeiro de 1843, foi redator-chefe do jornal Rheinische Zeitung (Gazeta Renana), editado em Colônia, porta-voz do liberalismo alemão. “

Artigos famosos: “A Liberdade de Imprensa”, “Manifesto sobre a Escola Histórica do Direito”, “Debates Motivados pela Lei contra o Furto da Lenha”, “Justificação do Correspondente do Mosela”.

Segundo Ernest Mandel, já nessa época Marx teria vislumbrado a noção da mais-valia, de ampla utilização posterior.”

Na capital francesa, ele entrou em contato com um movimento operário relativamente amadurecido e com revolucionários de toda a Europa, entre os quais Bakunin (…) Além disso, conheceu Friedrich Engels,”

PROTO-MARXISMO: Sagrada Família > Ideologia Alemã (visão ingênua do dicionário, talvez) >

MARXISMO “1”: Miséria da Filosofia > “incorpora Ricardo” (romantização?) >

MARXISMO “2” (Marxismo p.d.): Manifesto Comunista > Trabalho Assalariado e Capital >

PERÍODO PLATÔNICO DA DUPLA, E COM PLATÔNICO ENTENDER A EXPERIÊNCIA REAL QUE PLATÃO TEVE COM DIONÍSIO (Ironicamente): “Mas os trabalhos teóricos deveriam esperar: em 1848, a eclosão do movimento revolucionário em vários países europeus conduziu Marx e Engels de volta à Alemanha, onde editaram a Neue Rheinische Zeitung (Nova Gazeta Renana), procurando orientar as ações do proletariado alemão.” >

MARXISMO “3” (maturidade & além): As Lutas de Classe na França 1848-1850 > O Dezoito Brumário > Contribuição à Crítica da Economia Política > Grundrisse >

Teorias da Mais-valia (suposto Capital IV, antes da “trilogia”, haha) > Salário, Preço e Lucro > Capital I > A Guerra Civil na França > Crítica ao Programa de Gotha > Capital II & III (post-mortem)

MEADE, James Edward (1907-1995). Economista inglês, neokeynesiano, pioneiro no campo da macroeconomia e especialista em comércio internacional. Recebeu o Prêmio Nobel de Economia de 1977, juntamente com o sueco Bertil Ohlin, pelas pioneiras contribuições realizadas à teoria do comércio internacional e aos movimentos internacionais de capital.” Cf. Theory of International Economic Policy.

MERCIER DE LA RIVIÈRE, Pierre-Paul (1720-1794). Advogado, administrador e economista francês. Entre 1749 e 1759, foi chanceler do Parlamento Francês. Embora não seja certo que tenha se encontrado antes de 1765 com Quesnay ou Mirabeau, a partir dessa data tornou-se um destacado fisiocrata e publicou uma obra que muitos — entre eles Adam Smith — consideraram a exposição mais clara da doutrina fisiocrata.”

MIL-RÉIS. Originalmente, era ¼ de 1/8 do ouro de 22 quilates, ou o equivalente a 0,8965g de ouro amoedado. A peça principal do sistema era a moeda de 20 mil-réis, de 5/8 de ouro, com um peso equivalente a 17,930g. O mil-réis era a unidade monetária brasileira até 1942, quando foi substituído pelo cruzeiro.”

MILHA. Medida de distância originada durante o Império Romano, a qual equivalia inicialmente a mil passos (milia passuum), sendo estes equivalentes a uma passada dupla contada do lugar em que um pé deixava o chão ao ponto em que voltava a ele, e equivalente a 5 pés (cerca de 1,5m). Até o ano 1500 a milha era equivalente a 5 mil pés. Para facilitar a medição da terra a milha foi transformada em 5280 pés, de tal forma que o furlong, que era a medida de distância mais comum na época, seria exatamente igual a 1/8 de milha, isto é, 1 milha conteria 8 furlongs. Esta é a milha terrestre, de 5280 pés ou 1609,3m.”

MIRABEAU, Conde de (Honoré Gabriel Victor Riqueti) (1749-1791).

Philosophie Rurale ou Économie Générale et Politique de l’Agriculture: « A ordem econômica seria regida por leis naturais e não deveria sofrer intervenção do poder governamental. »

MISSES an opportunity ov n’t being alive…

The Anticapitalistic Mentality

The Theory of Money and Credit

Socialism: An Economic and Sociological Analysis

Human Action

MODO DE PRODUÇÃO. “Louis Althusser entende o modo de produção como uma totalidade que articula a estrutura econômica, a estrutura político-jurídica (leis, Estado) e uma estrutura ideológica (idéias, costumes). (…) Para outros teóricos marxistas, o conceito de formação social abrange o modo de produção e a superestrutura da sociedade. Teoricamente, numa formação social concreta, podem estar presentes vários modos de produção, tendo um como dominante.”

MODO DE PRODUÇÃO ASIÁTICO. “As observações de Marx a esse respeito tinham como referência a China, a Rússia e a Índia. A originalidade histórica do modo de produção asiático como forma de transição consiste no fato de comportar determinado tipo de Estado e um sistema de exploração do trabalho sem que exista a propriedade privada da terra.” Solo fértil para a ditadura do proletariado.

…está ausente das formulações de Engels em A Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado, em que é apresentado um esquema geral de evolução e sucessão dos modos de produção.”

MOLOCH. Termo hebraico que denomina antiga divindade semítica, a quem se fazia o sacrifício dos próprios filhos. Por analogia, designa o Estado todo-poderoso e onipresente a quem se faz o sacrifício da liberdade, da autodeterminação e da vontade, ou seja, o Estado centralizador e totalitário.” Estados Unidos, são vocês?!

MONJOLO. Pilão mecânico rudimentar acionado a água, trazido provavelmente da Ásia, e muito usado no Brasil desde as primeiras fases da colonização até os dias de hoje, em certas áreas do interior do Brasil.”

MONTCHRESTIEN, Antoine de (1575-1621). Economista francês, um dos primeiros teóricos do mercantilismo e ao qual se atribui a criação da expressão economia política. Na obra Traité de l’Économie Politique (Tratado da Economia Política), 1616, sustenta, como Jean Bodin, que a ordem social exige a submissão dos mais fracos aos mais fortes e que a guerra contra o estrangeiro é útil à paz interna de uma nação. Bem de acordo com as novas idéias mercantilistas que se difundiam pela Europa da época, Montchrestien propõe uma crescente intervenção do Estado em todas as atividades econômicas, obrigando as pessoas a trabalhar, criando manufaturas estatais e reservando o comércio aos naturais do país.”

MORITA, AKIO (1921-[1999]). Nasceu no Japão, no município de Aichi, e formou-se na Universidade de Osaka. Logo depois da Segunda Guerra Mundial, em 1946, fundou com Ibuka Masaru a Tokyo Tsushin Kogyo, que mais tarde veio a ser a Sony Corporation, tornando-se seu presidente em 1971 e presidente do conselho em 1976.” “Na medida em que seus produtos, durante os anos 70, passaram a constituir uma ameaça para os concorrentes norte-americanos, estabeleceu uma filial da Sony em San Diego, Califórnia, e ao mesmo tempo montou uma poderosa trading company. As ações da Sony passaram a ser cotadas na Bolsa de Valores de Nova York, o que significou que pela primeira vez uma empresa japonesa participava da big board.”

MORTMAIN. Expressão de origem francesa que significa, literalmente, ‘mão morta’ e que significa a propriedade perpétua e não transferível de um imóvel por parte de instituições como, por exemplo, a Igreja.”

MOSCA, Gaetano (1858-1941). Jurista, cientista social e político italiano, um dos principais estudiosos da teoria da circulação das elites, ao lado de Robert Michels e Vilfredo Pareto.” Melhor Mosca Sociológica que Príncipe dos Sociólogos no Hemisfério Sul!

Em sua principal obra, Elementi di Scienza Politica (Elementos de Ciência Política), 1896, afirmou que todas as sociedades são dominadas por pequena minoria, organizada e coesa, cujos integrantes apresentam algum atributo, real ou aparente, altamente considerado nessas sociedades, e cuja autoridade emana tanto de características próprias como da organização e coesão de que dispõem.” Um tanto óbvio… Mas, como disse acima, melhor ser óbvio do que mentiroso e hipócrita (FhC)!

As idéias de Mosca foram aproveitadas pelos fascistas italianos, embora ele propusesse uma organização em parte autocrática e em parte liberal, que permitisse a contínua renovação das elites.” Como os manuais de economia são ingênuos: eles acreditam que liberalismo e fascismo se distinguem!!

Ciò che la Storia Potrebbe Insegnare: Scritti di Scienza Politica, 1884

Partiti e Sindicati nella Crisi del Regime Parlamentare

[bons para treinar o recém-adquirido italiano!]

MOVIMENTO STAKHANOVISTA. Campanha de larga escala desenvolvida na ex-União Soviética para elevar a produtividade. O movimento encorajava os trabalhadores da indústria, da mineração e da agricultura a apresentar sugestões para o aumento da produtividade e para a melhoria dos métodos de trabalho. O movimento também enfatizava a necessidade de uma melhor divisão do trabalho e uma utilização mais eficiente das máquinas e equipamentos. Este movimento teve origem quando, em 31/08/1935, um mineiro — Alexei Gregorievitch Stakhanov — num único turno de trabalho conseguiu extrair 102 toneladas de carvão (14x a norma), mediante a separação dos processos do corte do carvão e sua redução em pedaços menores para a colocação na caçamba que os transportaria e designando cada uma das tarefas a diferentes trabalhadores.” Ele foi patrão e não mineiro!

os níveis de produção alcançados pelos stakhanovistas não eram verdadeiros, não apenas porque os dados eram manipulado mas também porque as equipes stakhanovistas eram ajudadas por grupos anônimos que faziam com que a produção se apresentasse como maior. Depois da Segunda Guerra Mundial, alguns dos abusos foram corrigidos e os níveis do salário mínimo, elevados.”

MUTATIS MUTANDIS. Expressão em latim que significa “não faço a menor idéia do que estou falando, mas como sou formado em economia uso essa expressão para maquiá-lo achando que engano alguém”.

MUTUAL CONVENANT. Pacto de duas bruxas.

MYRDAL, Gunnar Karl (1898-1987). Economista, sociólogo e político sueco, especializado em estudos sobre populações marginalizadas e países subdesenvolvidos. Recebeu, juntamente com F.A. Hayek, o Prêmio Nobel de Economia em 1974.” JUNTO COM HAYEK. Os “subdesenvolvidos” não param de ser humilhados!

NAISHOKU. Nos tempos feudais, no Japão, denominava-se naishoku o trabalho complementar (colateral) realizado por um samurai ou um ronin, isto é, o samurai que por alguma razão não estava a serviço de um senhor feudal. Hoje o termo designa o trabalho por peça feito em casa — geralmente pela dona de casa (mulher) — para complementar o orçamento doméstico.” Samurai em semana de ronin.

NECKER, Jacques (1732-1804). Economista, político e banqueiro francês. Ministro das Finanças de Luís XIV, fez um plano de reformas econômicas e financeiras com concessões à burguesia, já nos últimos tempos da monarquia. Sua popularidade junto às massas parisienses levantou contra ele a desconfiança da nobreza e do clero, levando-o à renúncia em 1790. Publicou obras sobre política financeira, como Elogio de Colbert e Ensaio sobre a Legislação e o Comércio de Cereais, ambas de 1775.”

NENKO. Termo em japonês que significa um sistema de salários baseado na antiguidade (senioridade) dos empregados.”

NEOCAPITALISMO. Designação dada por alguns autores ao capitalismo dos países altamente industrializados na atualidade, caracterizado pela aplicação de medidas que visam ao bem-estar social. Corresponderia, por exemplo, ao perfil do Novo Estado Industrial traçado por J.K. Galbraith, ou ao Estado do Bem-Estar Democrático analisado por Gunnar Myrdal.” Saudades. Nos últimos anos ante-trumpistas também conhecido como economia verde!

NEW HARMONY. Pequena cidade do Estado de Indiana (EUA) onde foram criadas, no início do século XIX, duas comunas cooperativas organizadas segundo as idéias de Robert Owen. Em 1814, George Rapp, líder da Harmony Society, fundou a primeira Harmony. Dez anos mais tarde, foi vendida a Robert Owen e rebatizada New Harmony. Centro cultural e científico durante certo tempo, foi extinta em 1828.”

NEW LENARK. Nome de uma cidade têxtil localizada perto de Glasgow, na Escócia, onde Robert Owen estabeleceu suas fábricas de algodão. Na época, foi considerada uma comunidade-modelo, onde os salários e condições de trabalho eram bem superiores às existentes no resto da Inglaterra. Em New Lenark, o empresário recebia um retorno modesto pelo seu capital, isto é, sua taxa de lucro era relativamente baixa, mas em compensação os salários dos trabalhadores eram mais elevados, o que se traduzia também por um melhor nível de vida na comunidade onde a fábrica estava localizada.” Algo impensável, não é?

OCIDENTALISTAS [ou ‘Dostoievski estava certo!’]. Grupo de intelectuais russos do século XIX que, em oposição aos eslavófilos, advogavam a modernização do país segundo os padrões do Ocidente europeu. Defendiam a implantação de um governo republicano, a libertação dos servos e a adoção da tecnologia ocidental. Entre os ocidentalistas destacavam-se Belinski, Turgueniev, Bakunin, Herzen.”

OITAVA. Medida de peso utilizada pela Casa da Moeda do Brasil antes da adoção do sistema métrico decimal e equivalente a 3 escrópulos ou aproximadamente 3,571 gramas.” Uma oitava desafinada…

OPEP— Organização dos Países Exportadores de Petróleo. Entidade criada em 1960 no Iraque. Foram responsáveis por sua fundação a Arábia Saudita, o Irã, o Kuweit, a Venezuela e o próprio Iraque. A Opep surgiu com o objetivo de estabelecer uma política comum em relação ao petróleo. Integraram-se posteriormente à organização: Argélia, Equador, Gabão, Indonésia, Líbia, Nigéria, Qatar e União dos Emirados Árabes. No início da década de 80 os países da Opep respondiam por cerca de 60% da produção mundial de petróleo e 90% das exportações.” “A Opep surgiu como uma poderosa organização logo após a guerra árabe-israelense de 1973, quando os países árabes nela integrados boicotaram o fornecimento de petróleo para os Estados Unidos e outros países que auxiliavam Israel.” “Em 1976 foi introduzido um sistema dual de preços, pois a Arábia Saudita e a União dos Emirados Árabes decidiram mantê-los em nível mais baixo que os demais membros da organização.” Protetorados americanos…

OURO NEGRO. Denominação metafórica dada ao petróleo na medida em que este é um produto de aceitação geral, e quem o produz pode obter moedas fortes em troca de sua exportação. É também nome de uma liga natural de ouro encontrada em moedas durante os reinados de D. João VI até D. Pedro II, no Brasil.”

OWEN, Robert.

A New View of Society or Essays on the Principle of Formation of the Human Character

Lectures on an Entire New State of Society

Life of Robert Owen Written by Himself

PARADOXO DE ALLAIS. A origem do paradoxo de Allais está na crítica que este autor desenvolveu ao livro Theory of Games (Teoria dos Jogos), 1947, de Von Neumann e Morgenstern.” “1) Você prefere a situação A ou a situação B? Situação A: certeza de ganhar 100 milhões de francos; Situação B: 10% de probabilidade de ganhar 500 milhões de francos; 89% de probabilidade de ganhar 100 milhões de francos; 1% de probabilidade de não ganhar nada. 2) Você prefere a situação C ou a situação D? Situação C: 11% de probabilidade de ganhar 100 milhões de francos; 89% de probabilidade de não ganhar nada. Situação D: 10% de probabilidade de ganhar 500 milhões de francos; 90% de probabilidade de não ganhar nada. Allais mostra que de acordo com as formulações neobernoullianas (de Von Neumann e Morgenstern), a preferência da situação A sobre a B, isto é, se AB, significaria a preferência da situação C sobre a D, isto é, que CD. No entanto, Allais observou que mesmo pessoas muito cuidadosas, acostumadas ao cálculo de probabilidade e consideradas racionais (embora com rendas relativamente pequenas se comparadas com os ganhos do exemplo anterior), preferiam A a B, mas ao mesmo tempo preferiam D a C. Uma vez que os neobernoullianos consideram evidentes os axiomas dos quais eles deduzem formulações (neobernoullianas), reputam esse resultado, isto é, o experimento de Allais, um paradoxo.” Ninguém acha que é o 1%, pelo menos quando este 1% é o mais azarado.

PATACA. Moeda de ouro cunhada durante o reinado de dom Pedro II (período da Regência) e equivalente a 320 réis. A meia-pataca equivalia a 160 réis.” Ou seja, porra nenhuma.

PENNYWEIGHT. Termo em inglês que significa medida de peso equivalente a 24 grãos ou 1,555 g, cuja abreviação é dwt. 20 pennyweights ou 480 grãos equivalem a uma onça troy.”

PENSAMENTO ECONÔMICO. Embora alguns aspectos dos problemas econômicos tenham sido tratados nas obras de Aristóteles e outros filósofos gregos e, na Idade Média, por teólogos como Tomás de Aquino, foi somente na Era Moderna que surgiu o estudo empírico e teórico dos fenômenos econômicos, inaugurando propriamente uma história de pensamento econômico. Assim, nos séculos XVI e XVII, o período de nacionalismo econômico, conhecido como mercantilismo, produziu os primeiros teóricos preocupados com a economia, como Thomas Mun, Josiah Child e William Petty.”

No início do século XVIII, destaca-se o esforço sistematizador de Richard Cantillon, cujo Essai sur la Nature du Commerce en Général (Ensaio sobre a Natureza do Comércio em Geral), 1734, já apresenta uma visão coerente dos fenômenos econômicos, ressaltando o papel do empresário. Mas o avanço fundamental viria na segunda metade do século, com a escola fisiocrática. Nos trabalhos de François Quesnay e Turgot, a indagação econômica volta-se para a esfera da produção de riquezas e em especial para a produção agrícola, vista como a única fonte geradora de valores. O Tableau Économique, de Quesnay, publicado em 1758, é a primeira representação do circuito econômico, da interdependência das atividades econômicas, das relações entre a produção e sua repartição. Em 1776, é publicado A Riqueza das Nações, de Adam Smith, gigantesco marco inicial da escola clássica inglesa: o trabalho, agrícola ou industrial, passa a ser visto como a única fonte das riquezas de um país.”

Contra o pensamento da escola clássica, começaram a desenvolver-se, a partir de 1820, diferentes reações doutrinárias, como a doutrina intervencionista de Sismondi, o industrialismo de Saint-Simon, o sistema nacional de economia política de Liste, o socialismo utópico de Fourier e Proudhon. Mas foi Karl Marx o primeiro a contestar de modo global a análise realizada pelos clássicos ingleses, tanto em suas premissas e objetivos quanto em suas conclusões.”

Mas a inovação mais importante da corrente neoclássica surgiu na década de 30, com a obra de John Maynard Keynes, A Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda, 1936, que refutou a teoria do equilíbrio automático da economia capitalista.”

PETTY, William (1623-1687). Economista inglês, considerado o precursor da escola clássica e fundador da estatística econômica. Interessado no estudo das finanças públicas, escreveu A Treatise of Taxes and Contributions (Tratado dos Impostos e Contribuições), 1662. A mesma preocupação em indicar as melhores formas de arrecadar impostos e encaminhar os gastos públicos conduziu Petty à necessidade de dispor de dados o[s] mais amplos possível[is] [sic] sobre a atividade econômica.”

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Political Anatomy of Ireland

Political Arithmetick

PLEKHANOV. “Em 1903, no segundo congresso do partido, rompeu com Lênin, liderando a facção menchevique. A partir desse momento, acentuaram-se suas divergências com o leninismo. Plekhanov retornou à Rússia em 1917, pedindo a suspensão temporária da luta de classes diante da necessidade de defesa do país, ameaçado pela guerra, um argumento classificado pelos bolcheviques de ‘social-chauvinismo’.”

PONTES DE KÖNIGSBERG. No início do século XIX existiam 7 pontes na cidade de Konigsberg (atual Kaliningrado [já mudou de nome de novo]). Elas cruzavam as diversas bifurcações do rio Pregel (Pregolya) como mostrado no diagrama abaixo. O problema colocado era o seguinte: seria possível, a partir de qualquer ponto, atravessar cada ponte somente uma vez e voltar ao ponto de partida? O problema foi tratado por Leonhard Euler, que o colocou de forma mais geral e publicou o que talvez possa ter sido o primeiro trabalho sobre a questão da teoria dos grafos. No caso em questão, a resposta é não, pois, como Euler demonstrou, a resposta só é positiva quando o número de vértices for par.”

PONZI GAMES. O termo tem dois significados correlacionados. A palavra ‘Ponzi’ é o sobrenome de um estelionatário (escroque) norte-americano (Charles Ponzi) que desenvolveu um tipo de golpe que prometia aos investidores dobrar o capital investido em 90 dias, tirando proveito das oportunidades de arbitragem no mercado internacional de títulos (cupons) postais. Ponzi foi preso em 1920, passou 3 anos e meio na prisão e sua empresa foi declarada insolvente em 1931. Charles Ponzi morreu em 1949. Do ponto de vista econômico, o esquema adotado por Ponzi, ou um Ponzi game, refere-se a uma situação na qual um devedor executa uma rolagem perpétua de sua dívida, cobrindo os juros e o principal de sua dívida passada com mais dívida no presente. Ou melhor, os encargos da dívida existente são pagos com a ampliação da própria dívida. Num esquema do tipo Ponzi, devemos destacar, em primeiro lugar, que o endividamento não tem como garantia ativos reais, mas simplesmente dívida futura (ou capacidade de endividamento futuro), e, em segundo, que o mecanismo torna-se possível desde que o fluxo de transações financeiras no mercado tenha sempre um valor presente positivo para o devedor, isto é, que o valor do empréstimo inicial dos credores ao devedor não seja suplantado em valor presente pelos pagamentos deste último aos primeiros. No Brasil, durante os anos 50 esse golpe foi aplicado com a seguinte estruturação: um cidadão de nome Felipe (daí o nome de Felipeta [sensacional!] para as promissórias assinadas por ele como sinônimos de títulos micados, isto é, sem valor) adquiria automóveis a prazo e vendia à vista com grande desconto; em determinado momento, tão mais próximo quanto maior fosse o desconto dado e menor o número de ‘clientes’, ele não seria capaz de pagar as prestações com o dinheiro arrecadado pelas vendas à vista, e teria de declarar-se insolvente [protótipo do ‘golpista burro’]. Durante os anos 80, o endividamento externo brasileiro também teve uma trajetória parecida com um Ponzi game, na medida em que se tentou perpetuar o mecanismo de pagar os encargos do estoque da dívida externa aumentando este estoque com endividamento adicional. No momento em que os credores internacionais, temerosos dos eventuais efeitos em cadeia da moratória mexicana (1982), reduziram seus empréstimos para a continuação da rolagem da dívida externa brasileira, [que pena!] o sistema entrou em crise e somente em 1994 estabeleceu-se um novo acordo para o pagamento de nossa dívida externa.”

POSTUM. Um tipo de café artificial difundido nos Estados Unidos e composto pela mistura de cereais e leguminosas torradas e moídas como a chicória, o trigo, o centeio e a aveia. Este tipo de produto fazia parte das refeições realizadas pelas operárias durante os experimentos de Hawthorne nos Estados Unidos, durante os anos 30.” Que safados!

POUSIO. Técnica de cultivo correspondente ao período medieval, quando o predominante era a rotação de terras e não a rotação de cultivos. O pousio implicava que determinada quantidade de terras destinadas às lavouras numa comunidade (entre 25% e 35%) deviam permanecer em descanso, para que sua fertilidade pudesse ser recuperada naturalmente. Com o descobrimento da técnica da rotação de cultivos, a partir do século XVII, essa restrição foi elimina da e a produção e a produtividade do trabalho agrícola puderam aumentar na Europa, acompanhando a maior demanda de alimentos e matérias-primas que caracterizou a Revolução Industrial.”

PRADO JÚNIOR, Caio da Silva (1907-1990). Historiador da economia brasileira, pioneiro na aplicação do marxismo à análise da realidade nacional.” Livros posteriores a Formação do Brasil Contemporâneo (livro que li em 2008 em sociologia): Dialética do Conhecimento (1952), Notas Introdutórias à Lógica Dialética (1959), A Revolução Brasileira (1966), Estruturalismo e Marxismo (1971) e História e Desenvolvimento (1972).

PRÊMIO NOBEL (Economia). Prêmio em Ciências Econômicas do Banco da Suécia em memória de Alfred Nobel. Foi concedido pela primeira vez em 1969, e a lista dos ganhadores é a seguinte: 1969 — Jan Tinbergen e Ragnar Frisch; 1970 — Paulo Samuelson; 1971 — Simon Smith Kusnetz; 1972 — John Richard Hicks e Kenneth Arrow; 1973 — Wassily W. Leontief; 1974 — Gunnar Karl Myrdal; 1975 — Tjalling Koopmans e L. Kantorovitch; 1976 — Milton Friedman; 1977 — James Edward Meade, Bertil Ohlin; 1978 — Herbert A. Simon; 1979 — William Arthur Lewis e Theodore W. Schultz; 1980 — Lawrence Robert Klein; 1981 — James Tobin; 1982 — George Stigler; 1983 — Gerard Debreu; 1984 — Richard Stone; 1985 — Franco Modigliani; 1986 — James McGill Buchanan; 1987 — Robert Solow; 1988 — Maurice Allais; 1989 — Trygve Haavelmo; 1990 — Harry Markowitz, Merton Miller e William Sharpe; 1991 — Ronald Coase; 1992 — Gary Baker; 1993 — Robert W. Fogel e Douglas North; 1994 — John Harsanyi, John F. Nash e Reinhard Selten; 1995 — Robert E. Lucas; 1996 — James Mirrlees e William Vickrey; 1997 — Robert C. Merton e Myron S. Scholes; 1998 — Amartya Sen.” Um quartel de século a mais e com certeza muitos imbecis premiados…

PREOBRAJENSKI, Evgueni Alekseievitch (1886-1937). Economista e político socialista russo. Após a Revolução de 1917, integrou o Comitê Central do Partido Comunista. Nos anos 20, foi um dos mais acirrados críticos da Nova Política Econômica (NEP), proposta por LEnin, e que consistia num retorno parcial e tático à economia de mercado para fazer frente às dificuldades econômicas. Defendendo a prioridade da indústria sobre a agricultura, subscreveu as Teses da Oposição de Esquerda, lideradas por Trotski, que se opunha à construção do socialismo ‘a passos de tartaruga’, proposta por Bukharin, a partir de uma vigorosa economia camponesa. Mas as posições de Preobrajenski iam além da ênfase à industrialização e ao planejamento econômico. Ele defendia uma industrialização imediata e um progresso técnico rápido, realizado por meio de uma ‘acumulação socialista primitiva’, financiada pelo setor agrícola. Essa proposta implicava a compra de produtos agrícolas abaixo de seu valor e a venda de bens industriais socialistas acima do preço, com a exportação dos produtos agrícolas a preços mais elevados, possibilitando assim o financiamento e a demanda de bens de capital. Apesar da origem ‘trotskista’, foi essa a base do projeto stalinista da construção do ‘socialismo num só país’.” E nada tem essa práxis de errado, a não ser que Trotski deve ter dela se arrependido!

PROLETARIADO. “Juridicamente reconhecidos como homens livres, esses operários viviam em condições subumanas, desprovidos de direitos políticos e até mesmo de se organizar livremente para lutar por melhores condições de vida. Recebiam baixos salários e trabalhavam em média dezesseis horas por dia, sendo também vítimas de castigos corporais por parte dos patrões. A revolta dos trabalhadores muitas vezes se dirigiu contra as máquinas, as quais destruíam, como no caso dos luditas.” “Não faltaram também as tentativas de tomada direta do poder nas numerosas rebeliões que se desenvolveram na Europa no século XIX.”

PROUDHON, Pierre Joseph (1809-1865). “defendia a substituição da propriedade que possibilita a exploração do trabalho de outrem pela posse pessoal, familiar e hereditária resultante do trabalho.” “Para a formação de capitais, existiria um banco diferente dos capitalistas, o Banc d’Échange, que não cobraria juros e faria circular cheques-trabalho (correspondentes ao trabalho despendido na produção de um artigo).”

Idéia Geral da Revolução no Século XIX (1851)

Da Justiça na Revolução e na Igreja (1855)

Da Capacidade Política das Classes Operárias (1865)

REVOLUÇÃO SOCIALISTA. “Nela continuará existindo o mercado, a produção para o mercado, a lei do valor e as trocas, elementos que não desaparecerão simplesmente por vontade da direção revolucionária. Como afirma Henry Lefèvre, a respeito do desenvolvimento da nova sociedade, o direito dos produtores (trabalhadores) será ainda proporcional ao trabalho fornecido em quantidade e qualidade. A igualdade propugnada pela revolução consistirá apenas em que o trabalho será, consciente e racionalmente, função da medida comum das trocas, e não o dinheiro. E essa situação de desigualdade só será superada nas condições da sociedade comunista (etapa superior), quando o lema será de cada um de acordo com sua capacidade e a cada um de acordo com suas necessidades.Distinção obsoleta.

Foi somente com o declínio das divergências revolucionárias na Europa Ocidental, por volta de 1880, que Marx e Engels voltaram suas atenções para a Rússia, agitada pela ação dos narodniks. Mas, para eles, a vitória plena da revolução socialista nesse país dependia do fim do capitalismo nos países mais adiantados.”

RICARDO, David (1772-1823). Economista inglês, considerado o mais legítimo sucessor de Adam Smith; suas idéias dominaram a economia clássica por mais de meio século. Após uma brilhante carreira na Bolsa, dedicou-se ao estudo da economia e escreveu artigos para jornais. Seu primeiro livro, O Preço Elevado dos Lingotes de Ouro, uma Prova da Depreciação das Notas de Banco (1810), explica a depreciação das notas bancárias, o movimento dos preços e dos fluxos de comércio e o volume de moeda. Em Ensaio sobre a Influência do Baixo Preço do Trigo sobre os Lucros (1815), analisa problemas específicos da cultura de cereais na Grã-Bretanha. Propostas para uma Circulação Monetária Econômica Segura (1816) é a base de seu trabalho mais importante, Princípios de Economia Política e Tributação (1817).”

Assim, a renda de determinada terra seria a diferença entre o valor da colheita dessa área fértil e da colheita de outras menos férteis. Com o inevitável crescimento da renda diferencial da terra, os proprietários rurais iriam se apossando de maior percentual do excedente econômico, em detrimento dos capitalistas. Ricardo previa a ocorrência de um ‘estado estacionário’, resultante do crescimento populacional e responsável pelo cultivo de terras cada vez menos férteis.”

RODBERTUS, Johann Karl (1805-1875). Nasceu na Alemanha e formou-se em direito pelas universidades de Göttingen e Berlim. A partir de 1836, concentrou-se nos estudos de economia e história, tendo sido fortemente influenciado por Sismondi e Ricardo. Deste último aceitava a concepção de que os salários seriam sempre determinados em nível de subsistência, ou seja, acreditava na existência de uma Lei de Ferro dos Salários. Assim, qualquer aumento de renda nacional beneficiaria os lucros e a renda de terra e a participação dos salários diminuiria. Isso provocaria uma queda relativa do consumo na medida em que a demanda representada pelos trabalhadores diminuiria (em relação ao produto total) e ocorreriam crises. Nesse sentido, Rodbertus pode ser considerado um precursor dos teóricos do subconsumo.” “ele é considerado um socialista de Estado, embora no campo político fosse conservador. Suas teorias foram duramente criticadas por Marx e sua obra na realidade não obteve maior destaque entre os economistas durante o século XIX.” Reformistinha.

ROSCHER, Wilhelm Georg Friedrich (1817-1894). Economista alemão, professor nas universidades de Göttingen e Leipzig. Foi um dos fundadores da escola histórica alemã, influenciado pela escola de direito de Savigny e pelo empirismo histórico, propondo-se a destacar o espírito histórico nas investigações econômicas. Rejeitou o método da economia clássica, argumentando que suas teses clássicas não deviam ser demonstradas abstratamente, mas provadas ou ilustradas por exemplos concretos. Seu primeiro livro, Introdução de um Curso de Economia Política por Meio do Método Histórico (1843), considerado o marco de fundação da escola histórica alemã, destaca o empirismo histórico como base de toda política econômica.” “Entre outros escritos, publicou os cinco volumes do Sistema da Economia Política (1854-1894), de grande influência na época.”

ROTHSCHILD. Família de banqueiros europeus de origem judaica que exerceu grande influência econômica e política em diversos países durante quase dois séculos. Seu poder financeiro começou com Mayer Amschel Rothschild (1743-1812), que, tendo fundado uma casa de câmbio em Frankfurt, Alemanha, tornou-se o principal agente de negócios do príncipe Guilherme I, além de credor do governo dinamarquês e administrador dos bens do príncipe de Hesse. Os filhos de Mayer ampliaram a área de operações do estabelecimento de Frankfurt, abrindo agências em Viena, Londres, Nápoles e Paris. O gênio financeiro da família coube a um deles, Nathan Mayer Rothschild (1777-1836), diretor do banco em Londres, que, para maior eficiência de suas operações, utilizava-se de navios, cavalos e até pombos-correios. Foi desse modo que, no dia seguinte ao da batalha de Waterloo, comprou os títulos em baixa na Bolsa de Londres, antes que a notícia da vitória inglesa se espalhasse. Nathan Rothschild foi negociador dos empréstimos aos ingleses e seus aliados para a campanha contra Napoleão, fazendo com que os negócios da família alcançassem grande destaque na Europa, além de realizar transações em quase

todos os pontos do mundo.”

SAY, Jean-Baptiste (1767-1832). Industrial e economista clássico francês, divulgador da obra de Adam Smith. Elaborou em 1803 a Lei dos Mercados ou Lei de Say, segundo a qual a produção criaria sua própria demanda, impossibilitando uma crise geral de superprodução. Esse conceito de equilíbrio econômico foi a base da teoria econômica neoclássica.”

SCHMOLLER, Gustav (1838-1917). Economista alemão, fundador e principal representante da nova escola histórica alemã, que teve seu apogeu a partir de 1870. Rejeitando a síntese realizada por seus predecessores, a nova escola histórica tornou-se basicamente descritiva, desenvolvendo uma forte tendência para a investigação histórico-econômica pormenorizada e realista. Schmoller não procurou formular leis gerais do desenvolvimento, como a escola anterior, e colocou em dúvida a aptidão do método clássico para descobri-las. Assim, sua obra simplesmente analisa os fatos econômicos e as instituições, elaborando uma história econômica sob o argumento de que os mecanismos econômicos são relativos às instituições do momento. O Estado poderia intervir para modificar essas estruturas e instituições, realizando reformas sociais. Sobre isso, o autor publicou, em 1872, o Manifesto de Eisenach. O historicismo de Schmoller traduziu-se numa tendência intervencionista e vagamente socialista, conhecida como ‘socialismo de cátedra’, devido à adesão de muitos professores.”

SCHUMPETER, Joseph Alois (1883-1950). Economista austríaco, ministro das Finanças de seu país após a Primeira Guerra Mundial. Fixou-se nos Estados Unidos em 1932, lecionando nas universidades de Bonn e de Harvard. Precursor da teoria do desenvolvimento capitalista, ofereceu uma importante contribuição à economia contemporânea, particularmente no estudo dos ciclos econômicos. Schumpeter admitia a existência de ciclos longos (de vários decênios), médios (de dez anos) e curtos (de quarenta meses), [MUITO ESQUEMÁTICO] atribuindo diferentes causas a cada período. As depressões econômicas resultariam da superposição desses 3 tipos de ciclo num ponto baixo, como ocorreu na Grande Depressão de 1929-1933. O estímulo para o início de um novo ciclo econômico viria principalmente das inovações tecnológicas introduzidas por empresários empreendedores. [blá, blá, blá]

Capitalism, Socialism and Democracy (Capitalismo, Socialismo e Democracia), 1942 — obra esta considerada pessimista, pois Schumpeter, adversário do socialismo, conclui pelo desaparecimento do capitalismo e pelo inevitável triunfo do socialismo [benza deus] — e History of Economic Analysis (História da Análise Econômica), obra inacabada e publicada postumamente em 1954.”

SCHWARZER PETER THEORIE. Expressão em alemão que significa, literalmente, ‘teoria do Pedro Negro’, calcada num jogo homônimo no qual os jogadores procuram livrar-se de um objeto com a maior velocidade possível. A teoria baseada nesse jogo refere-se ao processo de aumento da velocidade de circulação da moeda decorrente de um processo de hiperinflação, quando todos procuram livrar-se o mais rapidamente possível do papel-moeda que recebem antes que seu valor diminua em função do aumento de preços, como ocorreu durante a hiperinflação alemã entre 1922/1923.” A batata quente racista!

SHIBATA, Kei (1902-1986). Economista japonês, obteve a graduação e a pós-graduação na Universidade de Kyoto. Seus primeiros trabalhos publicados em inglês na Kyoto University Economic Review, durante a segunda metade dos anos 30, chamaram a atenção não apenas no Japão, mas também no exterior. Seu livro Jiron Keizagaku (Teoria Econômica), 1935, recebeu um prêmio, e ele prosseguiu seus estudos em Harvard. Shibata tentou reconciliar a economia política marxista e a economia da escola de Lausanne. Ao estudar O Capital de Marx com o principal economista marxista japonês, o professor Kawakami Hagime, Kei Shibata interessou-se pela visão marxista, mas também pelo sistema

walrasiano de equilíbrio geral, especialmente pela elegância de suas equações, que ele estudou sob a supervisão de Tokata Yosumo, o pioneiro da economia moderna no Japão (substituto do professor Kawakami). O primeiro trabalho de

Shibata nesse sentido foi escrito em 1933, e esse texto influenciou fortemente Oskar Lange na elaboração de seu famoso artigo ‘Marxian Economics and Modern Economic Theory’ (‘Economia Marxista e a Teoria Econômica Moderna’), 1935, publicado na Review of Economic Studies. O método de Shibata foi vincular o sistema walrasiano de equações (numa forma simplificada)

com os esquemas (subdivididos) de reprodução de Marx. Ele tratou o problema não do ponto de vista das dimensões do valor e da mais-valia, mas sim tomando como referências os preços e os lucros, e por meio dessa abordagem examinou o problema da transformação de valores em preços de produção e a lei da tendência decrescente da taxa de lucro. Esses trabalhos chamaram a atenção de Maurice Dobb e de Paul Sweezy. No entanto, a visão de Shibata não supunha a transformação revolucionária, mas sim que uma nova sociedade surgiria da cooperação entre trabalhadores e empresários.” Ha-ha!

« SISMONDI, Jean Charles Léonard Simonde de (1773-1842). Historiador e economista suíço, profundo crítico do capitalismo industrial e precursor do socialismo. De origem aristocrática, sua primeira obra econômica, Sobre a Riqueza Comercial (1803), tem um enfoque liberal, seguindo os princípios de Adam Smith. Com o passar dos anos, a observação do capitalismo inglês e suas misérias o faz mudar radicalmente. E em 1819, dois anos depois de Ricardo publicar seus Princípios de Economia Política e Tributação, Sismondi replica com os Nouveaux Principes d’Économie Politique, uma veemente condenação do capitalismo inglês e de toda a economia liberal.” “Foi o primeiro a caracterizar o capitalismo como um sistema que sofre de crises inerentes.”

SMITH, Adam (1723-1790). “Entre 1764 e 1766 morou na França, convivendo com Quesnay, Turgot e outros. Ao retornar a seu país, a preocupação com os fatores que produziriam o aumento da riqueza da comunidade o levaria a escrever, em 1776, sua obra mais célebre, A Riqueza das Nações: Investigação sobre sua Natureza e suas Causas.”

As idéias mercantilistas já haviam sido criticadas por William Petty, que localizara no trabalho e não no comércio a verdadeira origem da riqueza. Mas a primeira alternativa sistemática ao mercantilismo fôra apresentada pelos fisiocratas, para os quais a riqueza era constituída pelos bens materiais e não pela moeda.”

Smith refutou o ponto de vista dos fisiocratas, demonstrando que todas as atividades que produzem mercadorias dão valor, reconhecendo o importante papel da indústria e estudando especificamente os fatores que conduzem ao aumento da riqueza da comunidade.”

Smith apontou ainda a origem do excedente no trabalho e também o modo como ele é apropriado pelos detentores dos meios de produção, lançando as bases de uma teoria sobre a exploração do trabalho.”

SOCIALISTA DE CÁTEDRA (Kathedersocialisten). Denominação dada a um grupo de jovens professores alemães de economia política por um jornalista liberal em 1872, [no original, 1972, o que está evidente errado] e citada por Gustav Schmoller em seu discurso de abertura do Congresso de Eisenach no mesmo ano. Esses professores concordavam que existiam graves problemas sociais, mas que não poderiam ser resolvidos de acordo com as receitas da Escola de Manchester (dominante então na imprensa alemã), que recomendavam a mera aplicação do laissez-faire. Ao mesmo tempo, esses jovens economistas rejeitavam as concepções dos social-democratas sobre a possibilidade (ou conveniência) de mudanças revolucionárias violentas. Não aceitavam tampouco a doutrina de Lasalle sobre a ‘lei de bronze dos salários’ ou o conceito de ‘mais-valia’ de Marx. Suas concepções variavam desde uma postura favorável aos sindicatos (de trabalhadores) até a recomendação de intervenção estatal no setor industrial. Mas a maioria dos representantes dessa corrente era moderada em suas expectativas e cautelosa em suas propostas práticas. Os resultados da ação dos socialistas de cátedra se resumiram numa legislação fabril menos desfavorável aos trabalhadores, e na preparação do caminho para a adoção de um sistema de seguridade social compulsório.”

SOMBART, Werner (1863-1941). Nazi ex-marxista!

O Capitalismo Moderno (1902)

Die Juden und das Wirtschaftsleben (Os Judeus e a Vida Econômica), 1911 – obra racista

Deutscher Sozialismus (Socialismo Alemão), 1934

SOREL, Georges (1847-1922). Pensador francês, teórico do sindicalismo revolucionário ou anarco-sindicalismo. Seu pensamento político desenvolveu-se a partir de 1890, quando as diversas correntes anarquistas procuravam redefinir sua ação política. Discípulo de Proudhon e Bakunin, concordava no entanto com Karl Marx no que se refere ao papel da classe operária como sujeito da transformação social.” “No sindicato, mediante a ação direta, dizia ele, dar-se-ia a organização da greve geral revolucionária.” “Afirmava que, para desenvolver a ação política, a liderança deveria estar respaldada em mitos políticos, um conjunto de valores e objetivos capazes de criar uma fé inabalável na revolução.

No campo filosófico, foi profundamente influenciado por Nietzsche e Bergson.”

MAIS UM QUE SE PERDEU PELO CAMINHO: “Sua obra mais importante é Reflexões sobre a Violência (1908), que influenciou a esquerda revolucionária e, sobretudo, Benito Mussolini. Nos últimos anos de vida esteve muito próximo da Action Française, movimento de ultradireita.”

SRAFFA, Piero (1898-1983). Economista italiano radicado na Universidade de Cambridge, um dos primeiros grandes críticos da economia neoclássica. Publicou, em 1926, um ensaio de apenas 15 páginas, ‘As Leis de Rendimentos em Condições Competitivas’, que provocou grande polêmica e iniciou uma nova exposição da teoria do equilíbrio do mercado.” “O artigo desencadeou uma série de obras sobre economia monopolista, entre elas, a de E. Chamberlin, A Teoria da Concorrência Monopolista (1933), e a de Joan Robinson, A Economia da Concorrência Imperfeita (1933). Sraffa também editou as obras completas de Ricardo (The Collected Works and Correspondence of David Ricardo, 1951-1953, 9 volumes), para os quais escreveu um importante prefácio. E publicou, em 1960, um livro fundamental e também polêmico: Production of Commodities by Means of Commodities (A Produção de Mercadorias por Meio de Mercadorias), que começara a escrever em 1925 e teria grande influência na atual teoria econômica. A obra introduz assim um novo conceito, o de mercadoria-padrão, que se compõe de todas as mercadorias básicas (as que entram na produção de outras mercadorias). Com esse conceito, o autor chega a uma medida invariável de valor — um dos objetivos de Marx, Ricardo e muitos outros —, mostrando que uma teoria objetiva do valor é possível e que se pode, a partir dela, ter uma visão coerente da dinâmica dos grandes agregados econômicos e das leis que os regem. Sraffa reabilitou a teoria do valor-trabalho; como cada mercadoria incorpora uma longa série de outras mercadorias que ajudaram a produzi-la, no processo de redução das mercadorias a um valor atual, elas se dissolvem até restar somente o ‘trabalho-datado’.” “Apesar de sua aparente simplicidade, o livro de Sraffa levou mais de 10 anos para ter seu significado corretamente entendido, provocando grande número de estudos e análises, além de polêmicas tanto nos meios marxistas como entre os marginalistas, na chamada ‘controvérsia sobre o capital’, que contrapôs os autores da Universidade de Cambridge aos teóricos do Instituto de Tecnologia de Massachusetts.”

STALIN, Josef (1879-1953). “A afirmação de Stalin como líder absoluto do partido, posição que perdurou até sua morte em 1953, se processou numa intensa e aguda luta contra as teses políticas e econômicas defendidas por Trotski, Zinoviev, Kamenev (a oposição de esquerda) e contra Bukharin, Rykov e Tomski, considerados a ‘direita’ da liderança bolchevique.”

Trotski e seus seguidores pregavam a necessidade de uma industrialização imediata, cuja acumulação deveria recair sobre os camponeses, e uma radical coletivização da agricultura.” Isso é uma postura de esquerda? Sofrei, camponeses?!

Por sua vez, Bukharin defendia a industrialização gradual e exigia prudência em relação ao campesinato e aos kulaks (camponeses ricos) de modo particular.”

As diretrizes políticas e econômicas preconizadas por Stalin foram, por fim, majoritárias no XIV e no XV congressos do partido, realizados respectivamente em 1927 e 1928, culminando essa supremacia com a expulsão de Trotski, em 1929.”

A essência da tarefa histórica de Stalin consistiu em que encontrou a Rússia trabalhando com arado de madeira e deixou-a equipada com centrais atômicas”

Isaac Deutscher, opositor de Stalin, mas ao menos anti-sionista convicto.

O Marxismo e a Questão Nacional (1913)

O Marxismo e os Problemas de Lingüística (1951)

SWEEZY, Paul.

Teoria do Desenvolvimento Capitalista (1942)

(com Paul Baran) O Capitalismo Monopolista (1966)

VEBLEN, Thorstein Bunde (1857-1929). “Veblen enfatizou a contradição entre o progresso tecnológico-industrial e a estrutura marcadamente financeira da organização dos ‘negócios’: ao introduzir novos meios de produção, a tecnologia tenderia a reduzir o valor dos bens de capital, aumentando sua taxa de depreciação. Assim, para o proprietário acionista, a tecnologia seria uma força hostil, que desgastaria o valor do capital, criando depressões econômicas.”

Em Engineers and the Price System (Os Engenheiros e o Sistema de Preços), de 1921, detecta as tendências para a formação de uma tecnocracia, com o poder entregue aos economistas e engenheiros.”

WAGNER, Adolph Heinrich Gotthelf (1835-1917). Economista alemão, representante da nova escola histórica alemã, fundada por Gustav Schmoller, e que se opôs à escola marginalista austríaca, sob o argumento de que o raciocínio lógico não era um instrumento válido para estudar as ações humanas e, portanto, as atividades econômicas. Wagner foi um crítico conservador do liberalismo econômico, defendendo a intervenção do Estado a fim de assegurar justiça social para a classe trabalhadora. Sua grande contribuição à economia situa-se na área das finanças públicas, que procurou integrar numa teoria geral da economia. Defendia o potencial redistributivo dos impostos e aceitava o crescimento da despesa pública pelo Estado.”

Theoretische Sozialokönomik (Economia Social Teórica), 1907-1909

WEBB, Beatrice e Sidney James. The Decay of Capitalist Civilization (A Decadência da Civilização Capitalista), 1923; Methods of Social Study (Métodos de Estudo Social), 1932; e Soviet Communism (Comunismo Soviético), 1925.

ZAIBATSU. Grupos industriais e financeiros que se organizaram como conglomerados, atingindo grande tamanho e poder na economia japonesa entre a Era Meiji (1868-1912) e o final da Segunda Guerra Mundial. Embora o Zaibatsu tenha sido dissolvido pelas forças de ocupação norte-americanas, a nova organização de conglomerados que surgiu em seu lugar — o Keiretsu — é considerada a verdadeira sucessora do Zaibatsu, apesar de seu poder ser consideravelmente menor.”

Entre os comentaristas japoneses existe um certo consenso em admitir que, até o final da Segunda Guerra Mundial, apenas os conglomerados Mitsui, Mitsubishi, Sumimoto e Yasuda eram Zaibatsu. Esses 4 conglomerados detinham grande poder e, durante a Era Meiji, tinham grande influência sobre o governo e obtinham deste vantagens e favores. Depois da Segunda Guerra Mundial, as forças de ocupação incluíram mais 6 conglomerados na classificação de Zaibatsu: Nissan, Asano, Furukawa, Okura, Nakajima e Nomura.” “E o capital dos 4 conglomerados que constituíam Zaibatsu representava, no final da guerra, cerca de 25% do total do capital do Japão. Na medida em que essas empresas e seus proprietários e diretores foram identificados com o expansionismo japonês e o caráter belicista de seu governo, uma das primeiras preocupações das forças aliadas, especialmente dos Estados Unidos, mesmo antes do final da guerra, foi dissolver os Zaibatsu e substituir o grupo dirigente das corporações e dos conglomerados.” “O Plano Yasuda foi aceito pelo general MacArthur, embora as compensações financeiras às famílias proprietárias das ações fossem feitas pelo valor destas, deduzidas as despesas financeiras, mas em 19 anos, por meio de títulos inegociáveis. Não obstante tal compensação formalmente pudesse ser considerada generosa com aqueles que haviam colaborado com uma guerra feroz contra os Estados Unidos, o processo inflacionário do pós-guerra no Japão se encarregou de transformar uma substancial indenização em quase um confisco.”

BIBLIOGRAFIA RECOMENDADA (ECONOMIA PRÉ-MARXISTA) (algumas sugestões foram fornecidas por Engels em Anti-Dühring) (atualizado em 1º abr. 2024)

BABBAGE, On the Economy of Machinery and Manufactures (Sobre a Economia de Maquinaria e Manufaturas), 1832.

BLANC, Direito ao Trabalho (1848)

BOISGUILLEBERT, O Memorial da França

BOTERO, Sobre as Causas da Grandeza e da Magnificência das Cidades, 1558

CAIRU, Princípios de Economia Política

CANTILLON, Richard, Essai sur la Nature du Commerce en Général (mestre de Adam Smith, pulveriza Hume!) 

COURNOT (1801-77). Recherches sur les Principes Mathématiques de la Théorie des Richesses (Pesquisas sobre os Princípios Matemáticos da Teoria das Riquezas), 1838.

DU PONT DE NEMOURS, Origines et Progrès d’une Science Nouvelle (Origens e Progresso de uma Ciência Nova)

FICHTE, O Estado Comercial Fechado

GIOJA, Nuovo Prospetto delle Scienze Economiche, 1815.

HILDEBRAND, A Economia Política do Presente e do Futuro

LOCKE, Considerations on Lowering of Interest and Raising of Money

MONTCHRESTIEN, Traité de l’Économie Politique (Tratado da Economia Política)

NECKER, Elogio de Colbert

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NORTH, Discourses upon Trade

OWEN, A New View of Society or Essays on the Principle of Formation of the Human Character

____,  Book of the New Moral World

____, Lectures on an Entire New State of Society

____, Life of Robert Owen Written by Himself

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____, Nouveaux Principes d’Économie Politique

SMITH, A Riqueza das Nações (procurar edição crítica de Cannan, ou tradução nela baseada)

STUART MILL, Princípios de Economia Política

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CHAMBERLIN, A Teoria da Concorrência Monopolista (1933)

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MARX & ENGELS, Sagrada Família

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LASSALLE, Das System der erworbenen Rechte (O Sistema dos Direitos Adquiridos), 1861

BIBLIOGRAFIA RECOMENDADA (ECONOMIA ANTI-MARXISTA)

BRENTANO, On the History and Development of Guilds, and the Origin of Trade Unions (Sobre a História do Desenvolvimento das Guildas e a Origem dos Sindicatos)

LA TOUR DU PIN, Vers un Ordre Social Chrétien

MENGER, Pesquisas sobre o Método das Ciências Sociais e da Economia Política em Especial

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BIBLIOGRAFIA RECOMENDADA (OUTRAS DISCIPLINAS)

BABEUF, Análise

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BARBOSA, Questão Militar

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O QUE É LOLICON? Debate acadêmico compreensivo e supramoral.

Na cultura pop nipônica, lolicon (ロリコン, em algumas instâncias transliterado lolicom) é um gênero de mídia ficcional em que garotas jovens (ou apenas de aparência jovem) surgem em contextos sexuais ou ao menos românticos. O termo, um portmanteau (contração, fusão) das palavras inglesas “Lolita” e “complexo” (como em “complexo de Édipo” – ironicamente, Vladimir Nabokov, autor de Lolita, odiava a psicanálise; para um conceito de complexo “melhorado” no reino da psicologia, cfr. Jung, Os arquétipos e o inconsciente coletivo). Mas lolicon pode também significar afeto ou desejo, por parte do consumidor, direcionado a personagens com essa característica (ロリ, as lolis), e por extensão ser empregado para designar fãs dos respectivos personagens ou obras que os contemplam.

Associado com formas irrealistas e estilizadas presentes nos mangás, animes e videogames, [conforme abaixo] lolicon na cultura otaku é entendido como diferente da atração por materiais reais vinculados a garotas jovens ou atração direta por garotas jovens (parafilia, pedofilia, efobofilia) (Galbraith 2016, McLelland 2011b, Kittredge 2014). Dessa forma, o conceito de lolicon cruza com o de moe.

POLÊMICA ATRÁS DE POLÊMICA:

SOCIOLOGIA, PSICOLOGIA, SEXOLOGIA, LITERATURA, ECONOMIA, RELIGIÃO, HISTÓRIA JAPONESA E DOS MEIOS DE COMUNICAÇÃO DE MASSA NOS SÉCULOS XX E XXI: Não há esfera que fique de fora da discussão!

O primeiro termo deriva da novela Lolita, vertida pela primeira vez ao japonês na década de 1970, época em que no Japão imagens hoje chamadas “do gênero shōjo” (idealização artística da mulher não-adulta) se expandiam e adquiriam imensa popularidade. Durante o “lolicon boom”, como chamaremos esse período iniciado nos anos 1970 e completamente desenvolvido nos anos 80 (no Japão), a terminologia se sedimentou entre os otakus, querendo dizer atração por bishōjo (idealização artística da mulher não-adulta considerada esteticamente bela – é isso que o prefixo bi- acrescenta à conceituação de shoujo dada acima: a idéia, ademais, de beleza) precoces.

Onde, no shoujo, a idade da “heroína” pode flutuar dos 8 aos 18 anos, aproximadamente, o acréscimo do adjetivo jovem tende a restringir o alvo da atração do leitor a uma faixa etária mais estrita e inferior, flutuando entre os 8 e os 15, genericamente falando, isto é, a pubescência tardia ou a maturidade do desenvolvimento feminino são descartadas, havendo preferência por personagens mais jovens que “colegiais” (equivalentes à idade em que cursariam o ensino médio).

Com o tempo, essa restrição etária, baseada nas preferências dos otakus, foi baixando, isto é, se tornando ainda mais estreitamente intervalada. O alvo da atração ou afeição recuou para uma preferência por representações mais infantis, variando dos 8 aos 12 anos, de forma geral, excluindo-se, agora, as séries finais do ensino fundamental, oitavo e nono ano, antigas sétima e oitava série (para tomar as séries escolares como referência-base). Doze anos era a idade da protagonista da novela de Vladimir Nabokov (idade em que, se espera, conclua-se a sexta série ou sétimo ano).

O artwork comum nesse boom (explosão, em termos midiáticos) foi fortemente influenciado pelo caráter arredondado dos traços dos mangás shōjo já existentes antes do fenômeno (é importante destacar que inicialmente este gênero é/era marqueteado, no Japão, para garotas como leitoras-padrão ou consumidoras finais). Isso significa que na arte destinada aos homens houve um recuo do realismo dos traços para favorecer formas mais “graciosas” e estilizadas, o que por fim é entendido como a aproximação a um conceito de “eroticismo” ou “erotização” fofos (kawaii ero). Nos anos 80 este era um estilo artístico subcultural, porém hoje em dia, em escala global, trata-se de fenômeno mainstream.

Para quem desconhece o histórico do fenômeno, no entanto, pareceria que o lolicon boom seria extinto no fim da década 1980 e não seria exportado do Japão, pois houve um grande arrefecimento do movimento e o que sobrou do subgênero foram alguns poucos mangás de natureza abertamente erótica. O que explica que o fenômeno tenha se revigorado desde então, após um hiato que será discutido mais abaixo, e com receio de tornar-me repetitivo aqui, é que o lolicon boom representava um tempo em que o material era dirigido a garotas jovens e no entanto houve a reapropriação do material pelo público masculino como efeito colateral imprevisto (podemos dizer, então, que duas vezes num período de 20 anos). Quando o público reage de uma forma diferente e amplia-se a base de consumo, mudam as regras da produção cultural.

Além disso, uma onda de pânico moral direcionado contra “mangás [ditos] perniciosos”, especificamente na década de 90, quando atingiu seu auge, tornou lolicon quase uma palavra proibida ou maculada, sendo a explicação “extra-estética” de sua decadência temporária. Leis de pornografia infantil em certos países abrangem material ficcional (desenhos provocativos de crianças), enquanto que noutros a legislação é mais branda, incluindo o próprio Japão (McLelland 2016). Logo houve uma divisão geral em dois campos mutuamente opostos, ditos militantes ou ativistas, nos pólos mais extremos: os adversários e os apoiadores da tese de que representar crianças imageticamente em atos pré-sexuais ou sexuais seria um crime de abuso sexual e contra os direitos da infância.

Críticos de mídia geralmente associam o lolicon a uma separação muito mais discernível entre ficção e realidade do que seria permitido, antes de tudo, para que o debate acima referido fizesse sentido. Antes de tudo – a repetição da expressão não é à toa –, o que se quer entender é a sexualidade sui generis daqueles que se enquadram no rótulo otaku (parte desse complexo debate já foi empreendida nos primeiros artigos enciclopédicos desta série no rafazardly, que chega com este post ao terceiro episódio, e faz sua primeira ‘ponta’ ou participação no blog-afiliado Seclusão Anagógica, devido à natureza eminentemente mais filosófica da discussão; os dois anteriores tratavam diretamente do fenômeno moe – recomendo a leitura, aqui e aqui).

Embora a referência principal seja ao trabalho de Nabokov,¹ os japoneses também extraíram sua concepção de “Lolita”, “loli” e “Lolita complex” do livro – e particularmente do título do livro – de outro autor, quase no mesmo período, que leu ou não leu Nabokov (certamente sabia do livro e do título do livro), mas que escreveu de forma não-ficcional sobre o assunto: Russell Trainer, The Lolita Complex (1966, traduzido ao japonês em 1969) (Takatsuki 2010).

¹ Que, a essa altura do campeonato (embora me seja irritante ter de esclarecer algo tão patente e óbvio), exige a imediata clarificação, para evitar mal-entendidos e novos pânicos morais: a novela de Nabokov que – eu dizia – NÃO faz apologia à pedofilia (concepção muito difundida por quem não leu ou leu mal o livro), sendo um trabalho de ficção que antes contém uma mensagem subjacente contrária, pois retrata Dolores Haze –“Lolita”– como uma criança abusada cuja infância foi roubada pelo protagonista e narrador. Este seu abusador, primeiro padrasto e depois amante de Lolita (ou talvez primeiro amante e depois padrasto, dependendo da perspectiva), auto-apelidando-se Humber Humbert, vem a ser claramente, na novela, desde as primeiras páginas, quando inicia sua história num presídio, como confessa, um doente psiquiátrico, além de criminoso e homicida (ele não assassina Lolita, receio dar o spoiler, mas quem ainda quiser conferir a obra depois deste alerta, não tendo-o feito até hoje, fique à vontade para descobrir a que me refiro quando chamo o protagonista de autor de um homicídio…).

O livro de Trainer é o que se pode chamar de um tratado de psicologia “popular” (compreensível para não-iniciados) em que seu autor usa o termo complexo de Lolita para designar os homens adultos que sentem atração por garotas pré-pubescentes e púberes (Stapleton 2016). A única diferença entre o sentido antigo de Trainer (década de 70) e o mais atual do termo, usado na esfera otaku, seria a transposição da atração erótica, de forma completa, de pessoas reais para representações gráficas e ficcionais, o que Trainer não pesquisou. Daí ser este um assunto necessariamente polêmico, mas não-necessariamente condenável, ao menos para quem puder manter uma posição impessoal e algo compreensiva ou tolerante (no sentido de que não é preciso concordar com uma determinada estética para entender que ela é possível de existir, ou que mesmo que seja repulsiva isso não signifique automaticamente que é criminosa ou apologética da prática da pedofilia; no sentido, ainda, de que concepções morais de um pesquisador, sobretudo ocidental, não deveriam preestabelecer o resultado de suas pesquisas e antecipar suas conclusões sobre o assunto) (Matt 2014, Galbraith 2021).

Por fim, lolicon, defendem outros estudos mais recentes que a exposição de Trainer, seria apenas um macrocosmo de representações visuais em que o erotismo velado ou o erotismo explícito (pornografia) representam apenas microcosmos, de forma que o conteúdo leve e associado apenas ao carisma de tais personagens costuma recair sob o manto do conceito de moe, o que complexifica sobremaneira a questão, fazendo ver que existem no mínimo duas vertentes do que vem se chamando todo este tempo de lolicon. Portanto, a primeira asserção que podemos elaborar em resposta à pergunta mais imediata que com certeza o parágrafo inicial deste artigo suscita é (a pergunta seria: “Lolicon é pornografia?”): Depende. Há obras lolicon pornográficas e obras lolicon não-pornográficas.

PULSÃO & SENTIMENTO:

Tentando equilibrar extremos inconciliáveis

Conforme Akira Akagi (1993), que além de acadêmico ocupa posição editorial no mercado japonês, o termo se afastou muito do que seria intuível de acordo com a novela de Nabokov: a anteposição de um parceiro, homem, muito mais velho a uma – basicamente – criança do sexo feminino. Para Akagi não há dúvida de que lolicon descreve ou exprime um desejo ou necessidade por coisas “fofas, agradáveis, bonitas […] impregnadas de feminilidade infantil” nas páginas dos mangás e nos quadros dos animes lidos e assistidos pelo público otaku ou lolicon em específico. Além disso, Akagi já não vê o fenômeno como confinado ao universo masculino, nem ao adulto masculino: essa pulsão viria de diferentes extratos do público, tanto homens quanto mulheres, de qualquer faixa etária.

Galbraith pesquisou enfaticamente a obsessão do público japonês pelo 2D da questão: a bidimensionalidade e inanidade do alvo da preferência loli, citando os conceito parelhos de “two-dimensional fetishism” (nijikon fechi, fetichismo bidimensional) e “two-dimensional syndrome” (nijikon shōkōgun, síndrome bidimensional ou síndrome das duas dimensões).

Por mais que soe repulsiva ao leitor-padrão qualquer tentativa de tolerar esse comportamento considerado “anômalo” por nossos standards, é salutar observar que, como todas as fake news e qualquer clima de histeria suscitado em nossas sociedades, os eventos repressivos ao lolicon boom dos anos 90 no Japão sucederam a um gatilho sensacionalista que partiu da dita imprensa marrom ou de tablóide estilo inglês, como sói acontecer: por causa de manchetes de jornais pouco esclarecedoras e artigos no geral contendo assunções, lolicon passou a ser uma ofensa ou estigma, sobretudo depois da prisão, em 1989, de Tsutomu Miyazaki, serial killer (incomum o suficiente na sociedade japonesa) de garotas jovens reputadas como lolitas. Miyazaki foi retratado como o estereótipo perfeito do que queriam demonizar como otakulolicon. Mais adiante entraremos em detalhes sobre os crimes de Miyazaki e seus traços de personalidade. O que nos interessa agora, independentemente da veracidade das alegações, seria colocar o caso num contexto adequado de causa-efeito sem tentar extrapolá-lo ou situá-lo como o big bang de vários males sociais que – sim – existem na cultura conservadora do Japão.

Para esse fim gosto de evocar um exemplo mais próximo de nós. Culpar toda a indústria e todos os fãs de um determinado gênero pelas ações de um criminoso, seja uma série de crimes ou um crime, seria como dizer que um assassino em série brasileiro que fosse fã da seleção brasileira exemplificaria que o futebol é pernicioso para as pessoas. Uma hipérbole simplificadora. Faz-nos lembrar como o Ocidente passou a demonizar os videogames em inúmeras instâncias, principalmente na era Mortal Kombat – também nos “puritanos” 90, mas dessa vez nos Estados Unidos – e depois, de novo, após o Massacre de Columbine (o que é uma longa, longa história para ser tratada aqui…). Até hoje nenhum estudo concluiu que videogames aumentam a violência no mundo real e, creia-me, há milhares deles, partindo de todos os espectros – portanto, ajamos com prudência e cautela neste assunto “parente” (violência e sexo parecem estar sempre coligados em nossa sociedade, seja a ocidental específica ou quando travamos conhecimento e intercâmbio com os gostos orientais, já repararam?).

(*) Aproveito este ponto da discussão para explicar o termo “supramoral” presente no título do post: aplico-o aqui no mesmo sentido de “extra-moral” no artigo de Nietzsche, Sobre a Verdade e a Mentira em um Sentido Extra-Moral, uma lição de humildade em epistemologia e perspectivismo (algumas traduções trazem não-moral no lugar, mas esse termo tende a confundir o leitor, sendo mais próximo de amoral ou mesmo de imoral, o que geraria o que aqui queremos evitar, o clássico pânico moral). Como Nietzsche também escreveu Muito além do bem e do mal, continuando suas idéias deste primeiro artigo em época mais madura de sua filosofia, super- ou supra- é um bom termo ou prefixo para designar a tentativa de uma discussão que esteja ou pretenda estar acima da moral (burguesa, em que vivemos), não sem prescindir da ética, mas tentando desviar de suas principais armadilhas limitadoras (a moral de uma época e sua capacidade de achatar e deformar o pensamento dos observadores, efeito jamais subestimado o bastante, i.e., a noção de que o bem e o mal são conceitos absolutos definidos desde o início dos tempos e imutáveis).

Esse mesmo episódio catalisador (a prisão de Miyazaki) pode ter influenciado a criação, na subcultura otaku, do termo moe, justamente para evitar as conotações pejorativas que contaminaram o termo lolicon (Galbraith 2016), pelo menos durante a postura da mídia japonesa de atacar o fenômeno (o que foi revertido posteriormente). O termo lolicon, no entanto, nunca foi abandonado de todo. Desde a passagem do ápice do pânico moral da grande mídia e do “furacão caso Miyazaki” parece ser menos pejorativo e menos malvisto (embora eu não tenha como avaliar como se dá seu uso cotidiano no próprio território japonês em diferentes contextos públicos).

A LONGA HISTÓRIA DO MANGÁ E O ETERNO BINARISMO SHOUNEN-SHOUJO/BISHOUNEN-BISHOUJO

Por incrível que possa parecer, o que vem acima foi tencionado como mera introdução ao tópico! Primeiro precisamos traçar o histórico do veículo mangá antes de compreendermos ainda melhor o lolicon (dos três meios de comunicação de massa invariavelmente citados ao lado dessa estética, o mangá é o mais influente de todos, tendo ditado vários cânones às animações televisivas e cinematográficas e aos jogos eletrônicos).

Após certa estagnação (seja de vendas ou de inovações estéticas) nos mangás direcionados ao público feminino jovem durante os anos 50 e 60, os anos 1970 foram muito prolíficos no terreno do shōjo. Novas maneiras de desenho, novas narrativas e roteiros, novos temas envolvidos nas páginas, como conflitos psicológicos, papéis sociais e, por que não, a sexualidade. Inegavelmente foi a incorporação deste último tema pelos mangakas que atraiu mais homens a consumir também shoujo em detrimento de apenas seus “mangás típicos”, os shounen. Alguma assimetria pode ser percebida aqui: enquanto que hoje muitas mulheres lêem shounen, tendo esse termo perdido seu significado de raiz, nos anos 70 era menos comum que garotas lessem mangás de garotos, ou pelo menos não na mesma proporção avassaladora que os gostos masculinos se metamorfosearam. O que acontece com a cultura japonesa e é difícil para um não-iniciado introjetar é que a intenção mercadológica não determinou o interesse público neste contexto, e lá a indústria tentara segmentar as leituras por sexo, o que, se é feito aqui, tem contornos menos pronunciados. Por exemplo: nunca fui censurado ou tratado pejorativamente porque via Powerpuff Girls na infância; meninas não são necessariamente tomboy só porque lêem Marvel e DC (excluamos os gatekeepers da análise, os fãs tóxicos, que existem em qualquer terreno cultural!).

Sucede que o fenômeno japonês não é nada curioso, olhando de uma perspectiva mais afastada. Continuando com exemplificações, e mal comparando, seria como se Alice no País das Maravilhas, um livro em tese destinado a crianças, fosse um dia lido por gente adulta, e muito comentado e pesquisado –– Ora, isso realmente aconteceu e acontece, contrariando “o intuito original do criador”, se é que Lewis Carroll pensava que sua multifacetada obra era tão unidimensional assim… Talvez os editores ingleses da época tivessem uma visão mais estreita? De todo modo, pouco adiantou, e o público, que é também agente, seguiu seus próprios gostos e orientações.

Por falar em Alice e Carroll, a primeira aparição do termo “Lolita complex” num mangá (e não num livro de psicologia) deu-se precisamente em Kyabetsu-batake de Tsumazuite, Stumbling Upon a Cabbage Patch [Deparando-se com/Tropeçando em uma folha de repolho é como eu traduzo, mas não cacei uma tradução oficial em português], inspirado em Alice no País das Maravilhas, serialização iniciada em junho de 1974 na revista de shoujo Bessatsu Margaret. Shinji Wada, o autor, desenhou uma cena em que um personagem masculino diz num balão que “Lewis Carroll era um homem de caráter bizarro por gostar só de crianças pequenas”, fala que evidentemente não deve ser confundida com a opinião do autor nem servir para subestimar o leitor, que não encara falas ficcionais como verdades, ainda mais tendo em conta que era um mangá humorístico. Uma piada inocente, estilo Michael Jackson, que não é nada estranha a qualquer conhecedor 101 de Alice no País das Maravilhas e o processo de criação do livro, parte da biografia do matemático e poeta Lewis Carroll. (Mais um caso em que teremos que encerrar o debate ou recorrer a opiniões infundadas, pois não há nada que comprove mais do que realmente se sabe, i.e., que Carroll era um sujeito apartado e nunca cometeu nenhum ato de pedofilia nem manifestava expressa atração por “garotinhas”, nem por Alice Liddell, sua “musinha” inspiradora – inclusive esse epíteto é questionável; ela apenas recebeu o livro, mas a heroína parece ter sido criada com outros arquétipos infantis em vista, fora da família Liddell, talvez uma síntese mental de todas as crianças vitorianas, como sói acontecer com escritores. Dou a mesma margem de presunção de inocência ao vilipendiado rei do pop Michael Jackson até que me provem o contrário.)

COMPLICAÇÕES:

A CULTURA JAPONESA NÃO É PARA PRINCIPIANTES!

Os primeiros exemplos da estética lolicon foram influenciados por desenhistas homens que conscientemente introjetaram traços shōjo em sua técnica (Schodt 1996, Kinsella 1998), bem como por mangás eróticos criados por mulheres mesmas, material esse em tese dirigido a homens conforme os editoriais das revistas em que era publicado (Shigematsu 1999). O nu artístico, fotografia de crianças reais, no âmbito shōjo, era popular na época (anos 70): uma coleção intitulada Nymphet: The Myth of the 12-Year-Old (Ninfeta: O mito dos doze anos de idade) foi publicado na Terra do Sol Nascente em 1969, até antes da década em estudo. Em 1972 e 1973 é que se reportam “ondas de Alice” ou um Alice boom específico, dentro do boom shoujo maior. Nessa onda estratificada, fotos de pessoas reais eram o tema.¹

¹ Mais uma vez: sobre fotografias nudistas de crianças (não-pornográficas) e a época vitoriana de Carroll, indico a leitura cuidadosa de https://seclusao.org/2023/12/02/lewis-carroll-serieosultimospolimatas/, em particular as seções “Hobby (em alto nível) da fotografia (1856–1880)”, “Sexualidade de Carroll & Algumas considerações sobre o surgimento da arte da fotografia” e “Os diários perdidos”.

A tendência não se limitou aos mangás. Na mídia impressa, revistas dedicadas ao homem adulto possuíam fotos eróticas, relatos ficcionais e ensaios sobre a beleza única da garota jovem. Por que essa evolução da preferência do homem japonês, entretanto? Teoriza-se que a própria legislação coercitiva fomentou esse gosto: havia a interdição de mostrar pêlos das partes íntimas; uma saída menos óbvia – talvez para nós – do que promover ensaios com mulheres em idade legal que praticavam a raspagem total (o que nós só fomos adotar também mais tarde, no Ocidente, como “prática higiênica” ou “padrão”) foi então adotada pelas editoras: procurar modelos femininas na idade em que ainda não exibiam pelugem. Essa lei “anti-obscenidade” que data do Japão imperial só foi corrigida de fato em 1991, quando já não importava muito. Mesmo assim, a lei continua proibindo pêlos, por exemplo, na indústria pornô. Mas em representações artísticas e desenhos a restrição caiu. Às vezes parece que as autoridades japonesas se preocupam mais com a aparição de pêlos vaginais ou escrotais que com toda a psique do ser humano, todavia.

Primeira página do mangá mais famoso de Hideo Azuma (1950-2019), Cybele. Gō Itō identifica este trabalho como a transposição do erotismo ficcional para figuras mais redondas e irrealistas (Circularidade, redondez – atributos que raramente associamos a imagens que suscitem sex appeal no Ocidente, pelo menos nas últimas décadas – nosso ideal de beleza prefere linhas magras nas personagens, tornando o trabalho de Azuma imensamente inocente e pueril a quaisquer olhos contemporâneos!), mais próximas aos traços revolucionários e à “redondez” ou rotundidade dos personagens (totalmente a-sexualizados) de Osamu Tezuka nos anos 50 (Tezuka é praticamente o Pai do Mangá, e sua arte é AINDA MAIS RECHONCHUDA que o visto acima!).

ANOS 80:

FORMAÇÃO DA ESTÉTICA LOLI & IMPORTÂNCIA DAS CONVENÇÕES OU ANIME EVENTS NIPÔNICOS

O advento do lolicon não teria sido possível sem a criação da Comiket (sigla para Comic Market), uma convenção feita principalmente para comercializar dōjinshi (material de fãs, sem intermediação de editoras) entre o público leitor e autores amadores. A feira foi criada em 1975 pelo grupo Meikyu (Labirinto), composta por homens adultos fãs dos traços shōjo. Em 1979 apareceu o fanzine Cybele, de Hideo Azuma, que continha em seu primeiro exemplar uma paródia erótica do conto da Chapeuzinho Vermelho. Azuma seria batizado posteriormente como o “fundador oficial” do lolicon. Antes de Cybele o estilo dominante nos seinen (o shoujo para adultos) e nos mangás abertamente pornográficos era o gekiga, resumível em seu ultra-realismo, ângulos pontudos, certa atmosfera carregada (sombria e séria) e dark hatching (não traduzirei o termo – para entendê-lo, verificar o esquema de cores, digo, sombreamentos, já que mangás nascem em preto e branco, de Berserk, que personifica muito bem essa técnica). Em suma, havia mangás eróticos até esse momento, basicamente fotorrealistas em suas representações. O que o trabalho de Azuma fez foi uma abrangente estilização imagética, com sombreamentos, quando necessários, bastante tendentes ao branco ou cinza mais claro, linhas circulares, atmosfera fantástica, tomada de empréstimo dos shōjo, segundo o próprio Azuma. Essa indicação é muito importante na compreensão do fenômeno loli como, se é que é, uma perversão ficcional, que se desconecta do desejo por crianças do mundo real.

Embora as figuras tenham deixado de ter tão “circulares” ou “rechonchudas” quanto eram sob o lápis de Azuma, o espírito de “irrealismo” cartunesco das personagens foi o que perdurou na estética lolicon até a atualidade. Mas além do fator erótico Azuma nunca se levou a sério – todas as suas criações eram mangás de humor ou sátira. Em que pese Azuma achar que seus cartuns tivessem um apelo erótico, somente uma minoria concordava consigo a princípio. Porém, gradualmente o gekiga foi sendo deixado de lado mesmo pelos leitores de pornografia, que aderiram a sua revolução no traço. Houve um período de transição com corpos mais realistas e faces infantilizadas, até que o azumismo (tanto corpo quanto rosto) se tornasse hegemônico no mangá.

E a feira Comiket, introduzida acima, ironicamente criada por homens para receber majoritariamente mulheres, teve uma “invasão” de otakus homens em edições de anos subseqüentes. Registra-se que no primeiro ano do evento, 1975, 9 em cada 10 participantes eram do sexo feminino. Em 1981 a demografia já era parelha (50-50%) (Lam 2010). Argumenta-se, ainda, que o lolicon ganhou força como reação ao yaoi (mangá com imagens homoeróticas de homens vendido mais entre as mulheres, e desenhados também por autoras mulheres).

Faltava a “profissionalização” do fenômeno de nicho, que veio a acontecer principalmente por intermédio das publicações de grande porte Lemon People e Manga Burikko, ambas iniciadas em 1982. No primeiro editorial, a Lemon People até declarava com orgulho: “Temos o monopólio dos quadrinhos lolicon!”, demonstrando que naqueles anos pioneiros o termo não era derrogatório (como se tornou nos 90) (Kimi 2021). Houve ainda magazines (mensais, com vários mangás serializados dentro) como Manga Hot Milk (nome sugestivo…), Melon Comice Halfliter. Tudo como que se confundia nessa época despida ainda dos conceitos norteadores da atualidade: ilustrativamente, a própria palavra otaku só foi cunhada na própria revista Burikko, e em 1983!

Inicialmente uma revista sem fins lucrativos exclusivamente com arte gekiga, a Burikko se transformou totalmente um ano depois, esse mesmo 1983, quando passou a ser editada por Eiji Ōtsuka (Nagayama 2020), que sempre propalou a idéia de “vender mangás shoujo para garotos”. Em novembro daquele ano, ainda dividindo páginas entre gekiga e lolicon, a equipe da revista começou a receber cartas de leitores solicitando que parassem com os traços gekiga. De dezembro em diante o subtítulo da Burikko se tornou “Totally Bishōjo Comic Magazine” [revista para quadrinhos completamente bishoujo].¹

¹ Se não é uma instância de dessexualização popular de uma mídia consumível, diria que é pelo menos uma bidimensionalização e caricaturização dessa sexualização (além do caráter 2D associado a fotografias em contraste com as “mulheres reais”, as mesmas que são fotografadas, é importante reparar no “salto” da foto ao desenho, retirando os resquícios de 3D que ainda havia no hobby, e em seguida o salto do desenho realístico ao desenho cada vez mais auto-referente ou inverossímil).

Manga artists mulheres ficaram famosas durante esse boom de publicações, como Kyoko Okazaki e Erika Sakurazawa. Essas eram “rainhas” ou precursoras do movimento. Se há um “pai do lolicon”, Azuma, há um “rei do loli”, Aki Uchiyama, quem produzia 160 páginas de mangá por mês para cumprir suas metas.¹ Uchiyama teve mangás publicados não só na Lemon People como na revista ainda mais mainstream Shōnen Champion.

¹ Mais de 5 páginas por dia. Levando em conta que os autores de shounen que adoecem cumprindo agendas de séries semanais com poucos recessos anuais precisam cumprir uma cota de aproximadamente 3 páginas/dia hoje, essa cifra é assustadora e terrível na esfera das leis trabalhistas japonesas – quanta desumanidade!

Imagens de Clarisse (1979) são mais difíceis de encontrar do que se pensa! Créditos: https://fullfrontal.moe/

AS PRIMEIRAS ANIMAÇÕES DE MANGÁS EROGE

&

AS PRIMEIRAS VEDETES (ASSEXUALIZADAS COMO ROBÔS)

O primeiro anime pornô foi o nada-criativamente-batizado Lolita Anime, que durou de 1984 a 1985. Personagens icônicas desse período são Clarisse do filme Lupin III: Castle of Cagliostro (1979) e Lana do desenho para TV Future Boy Conan (1978), ambos dirigidos por Hayao Miyazaki (que odeia o fato de Clarisse ter se tornado um ícone loli). Clarisse se tornou instantaneamente objeto de culto, ajudada por resenhas em Gekkan Out, Animec e Animage. Uma série de zines ou mangás amadores com novas estórias de Clarisse era tão numerosa que virou um subgênero em si: Clarisse mangas! Essas mangás quase nunca eram abertamente eróticos, tendiam mais para uma leitura segura para garotas e garotos a partir dos 14 ou 15 anos.

Uma peculiaridade que só mesmo sendo japonês para entender por completo é que muitas das primeiras personagens lolicon nasceram do entrecruzamento entre mecha e bishoujo, mecha sendo o segmento com estórias que contenham e que se centrem em máquinas futuristas.¹ Kaoru Nagayama destaca a estréia de Daicon III Opening Animation (um anime que nem veio a ser comercializado ou terminado, mas que hoje é cultuado apenas com base na sua abertura, um grande feito técnico para o período, tendo sido mostrada numa convenção em 1981) como o marco zero desse crossover tão bizarro lolicon/sci-fi.

¹ A versão japonesa de “carros possantes e mulheres”? Cremos que não falte o elemento musical (os japoneses adoram o rock), mas com certeza a cerveja, ou doses copiosas de saquê, não entram nessa equação tríplice ou quádrupla!

Como já foi verificado neste artigo, animes inicialmente propagandeados para meninas, como Magical Princess Minky Momo (1982–1983), um dos primeiros do subgênero hoje profuso magical girls/isekai, explodiram em audiência – de ambos os sexos. Helen McCarthy sugere que os animes (diferente dos mangás, mais antigos, lembre-se) lolicon estão enraizados em shows de garotas com poderes mágicos como Minky Momo, pois a presença de heroínas metamorfas teria o poder de nublar as linhas entre a menina e a mulher (McCarthy & Clements 1998).¹,²

¹ Eu como criança não podia esconder a fascinação que as seqüências de transformação das sailors me provocavam – mesmo que eu fosse um pirralho de 7-8 anos vendo o anime na finada Rede Manchete. OBS: Repare no tamanho das pernocas – sempre me dizem, gracejando, que 2/3 do corpo dessas beldades são pura perna. Nada chubby como a arte dos 70/80-85, e tampouco nada loli: são legítimas adolescentes (no enredo) com aparência/corpo de mulher, diria Naoko Takeuchi, autora do mangá que explodiu mesmo quando virou anime. Isso se explica pelo que será dito no próximo tópico, já que Sailor Moon é dos anos 90. Acima, Minako, a Sailor Venus, como “garota normal” e depois de se transformar com a ajuda do broche, com uniforme estilizado de marinheiro. Veremos o “fetiche do uniforme” ressurgir em comentários sobre Evangelion e Kill la Kill, mais abaixo!

² Quantas teorias da genealogia do lolicon já percorremos? Isso mostra a complexidade do fenômeno. Com o perdão da expressão, a complexidade do complexo…

FLUTUAÇÕES: RETRAÇÃO DO BOOM E REVIVAL 90

(+ TODO PAÍS TEM SEU CHARLES MANSON)

Na reta final do boom, que extinguir-se-ia por si mesmo, segundo alguns, porque “os leitores/espectadores não tinham qualquer compromisso com o loliconper see “não tinham meninas jovens como seu objeto sexual”, a maioria dos criadores e consumidores do nicho erótico já havia migrado para um estilo mais diversificado e mesclado de traço bishoujo, resumível em “caras de bebê e peitões”, híbrido fetichista menina-mulher o que já não se consideram aspectos lolicon. Na própria Comiket, mangás lolicon declinaram sensivelmente em popularidade a partir de 1989, sendo substituídos por dōjinshi eróticos nas novas bases, abrangendo “novos tipos de fetiche” e uma onda de “erotismo softcore” que caía e ainda cai bem, segundo as demografias, entre homens e mulheres indistintamente, em particular quando se fala de yuri (subgênero de mangá de romance lésbico).¹

¹ Uma coisa que me chama a atenção é que o mangá erótico homem-homem surgiu e proliferou primeiro que o lésbico no Japão: normalmente em sociedades patriarcais a aceitação do lesbianismo se dá muito antes, ou desde o início (vide a Grécia Antiga), enquanto que o homoerotismo macho-macho é visto com muito mais reticência, senão completa interdição (Europa moderna ~1500-~1950). Os gregos tinham uma sociedade regulada pelo amor pederasta homem mais velho-moço, mas havia um código de ética tão estrito sobre essas relações que este assunto não podia ser discutido em público nem interferir na vida familiar heteronormativa da polis (seria mais grave que pular a cerca entre casados entre nós – não, pior do que falar abertamente sobre ‘ser traído’ pelo parceiro formal!). Já o lesbianismo era “ignorado” e não sofria sanções (ainda falando de Grécia Antiga), ao passo que imaginamos que, se uma mulher sáfica fosse descoberta, em coordenadas geográficas não muito distantes de onde floresceu a Filosofia, 1000 anos depois, seria levada imediatamente às torturas, ao “julgamento” (unilateral da Igreja Católica) e à sentença de queimar na fogueira.

Apesar de ser um parágrafo policialesco, temos que cobrir esta parte da história também: no mesmo 1989, lolicon e otaku se transformaram da noite para o dia em tópicos controversos, com o pânico moral pós-prisão de Tsutomu Miyazaki, um adulto na casa dos 20 anos que seqüestrou e matou 4 garotas entre os 4 e os 7 anos, além de violar os corpos já sem vida. Fotos do quarto de Miyazaki abarrotaram os jornais de então: uma extensa coleção de VHS, incluindo filmes de terror/slashers (subgênero de maníaco que age sozinho e mata suas vítimas com armas brancas em estórias ficcionais) supostas inspirações de seus atos; volumes de mangá, dentre eles shōjo e lolicon, etc. A “culpa” dos atos de Miyazaki foi atribuída pelo jornalismo japonês à cultura de então (poderíamos dizer que a mídia estava culpando a própria mídia? sim, o nicho ultra-conservador dos telejornais e mídia impressa para velhos ortodoxos culpando mídias que não compreendiam ou que eram fenômenos de menos de 20 anos de idade). Diziam que ao ler e assistir o que leu e assistiu Miyazaki sentiu sua inibição para cometer crimes reduzida, e achou mais fácil trafegar a tênue linha que separa ficção de realidade. Todos argumentos espúrios. Até onde sei a linha que separa páginas de mangá ou o écran da vida real continua sendo grossíssima! Curiosamente, nenhum outro Miyazaki apareceu, para confirmar a “empiria” da tese criminalística… De qualquer forma, o que aqui nos interessa é que este serial killer foi tachado de otaku, e a imagem do otaku impressa na população nacional como “gente social e sexualmente imatura”. Talvez os imperadores pedófilos que causavam guerras envolvendo milhões de vidas fossem gente social e sexualmente muito mais madura – que regressão, meu Japão!! (contém ) A conseqüência natural e imediata foi um expurgo das redações, estúdios, bancas e livrarias de material “tendente ao grotesco” ou a estéticas ditadas pelo mundo otaku. Muitos subgêneros de mangá foram considerados perniciosos por um tempo. Alguns artistas da subcultura dōjinshi foram presos na esteira do escândalo Miyazaki. E demoraria alguns anos até a poeira voltar a baixar…

Em suma, os anos 90 viveram basicamente da volta da dicotomia shounen/shoujo, com séries como Sailor Moon (vide nota acima) e Magic Knight Rayearth supostamente fazendo sucesso apenas com seu público tencionado: garotas. Não sei se aqui no Brasil é que a atração por algo tão “diferente do que estávamos acostumados” funcionou diferente, mas desconfio que o fenômeno do “macho que assistiu/leu Sailor Moon religiosamente” no Japão está subestimado pela fonte bibliográfica do artigo da Wikipédia e outros consultados!

Como tudo na vida, a estética lolicon não mais parecia decadente e enjoativa para o público otaku e nem voltou a ser problematizada com o mesmo ardor pelos veículos de comunicação quando voltou a despontar no fim do milênio e começo dos 2000. A principal revista mensal com compilados de capítulos de mangás lolicon deste período revivalista foi a Comic LO

¹ Obviamente que LOli era um trocadilho intencional a ser evocado, mas o O também é acrônimo para “only”: “Só” lolitas.

E ENTÃO, O QUE É (UM)A LOLITA JAPONESA?

Deu para perceber que nenhum conceito de lolicon é exaustivo e definitivo – infelizmente. Alguns persistem em defini-lo com base na idade dos personagens expostos (mas principalmente personagens femininas), outros entendem ser um tipo de traço, estilo ou técnica de desenho, resultando em personagens necessariamente pequenos, normalmente representando mulheres de busto chato, independentemente da idade (adultas podem ser lolis, segundo a cultura japonesa, modificando o que Nabokov instalou com sua obra). Para tentar adicionar algum conteúdo a tais definições já tentadas, diríamos que a maioria dos lolicon works fixa-se em tropos como personagens ingênuos, antagonizando ou contrastando com personagens “precoces” (com um senso anômalo de perversão ou conhecimento erótico-sexual), ou personagens nuançados, coquettes. Para complicar, lolicon é usado indiscriminadamente para artes explicitamente eróticas, implicitamente eróticas ou com zero erotismo (Aoki 2019).

Kaoru Nagayama (2020) constata que leitores de mangá eles mesmos definem lolicon como mangás a conter “heroínas [protagonistas] de idade inferior à de uma estudante do ensino médio”, o que novamente não nos ajuda, pois os tais “leitores de mangá” discordam entre si, segundo o próprio Nagayama. Outros nichos “preferem” caracterizar o lolicon como estrelando “qualquer figura menor de idade”, outros dizem que “abrange a sociedade inteira, desde que as personagens se enquadrem na estética”, outros vão além e citam “que não tenham excedido o ensino primário” (ala fanática e considerada abertamente pedofílica em seus gostos). Elisabeth Klar (2013) observa que female characters “oscilam em idade”, seja porque cada mangá estabelece seus parâmetros, seja porque uma mesma personagem pode apresentar uma idade física “x” com comportamento atribuível a uma idade mental “y”, e Klar alega que é esse contraste, o mais das vezes, que gera o conflito que possibilita o relato da estória, ou sua categorização no lolicon. Ilustração peculiar seria a roribabā, (arquétipo da “Lolita vovó”), deliberadamente de design infantil e que se porta como alguém idoso. Ao contrário do que se disse acima (que quando o fenômeno arrefeceu nos 80 os traços mais curvilíneos para o corpo já não eram loli), traços secundários que denotem madurez corporal podem ser tolerados ou catalogados dentro do lolicon (Galbraith 2011). Argumentos da plot podem ainda justificar a aparência demasiado jovem de entidades não-humanas ou sobre-humanas (vampiras, bruxas, monstros que tomaram a forma humana) (Galbraith 2009).¹

¹ Me reservo ao direito de explicar, neste momento, um personagem que vem a calhar para enriquecer a discussão: trata-se de Biscuit Krüger de Hunter X Hunter, que considero uma subversão ou paródia do tropo. Sempre faço questão de ressaltar, para os que não sabem, que o autor do mangá, Yoshihiro Togashi, é casado com Takeuchi, a autora de Sailor Moon. Não significa que ela o influenciou – mas ao mesmo tempo significa. Explico: Togashi com certeza está informado e influenciado por toda a repercussão do shoujo que veio antes de sua própria produção. Ambos são quase da mesma idade, mas Hunter X Hunter, sendo um mangá de 1999, incorpora todas as lições dos anos 90, diferentemente de Yu Yu Hakusho, mangá de Togashi contemporâneo a Sailor Moon e, com efeito, bastante diferente – enquanto que HxH produz uma quebra do binarismo de gêneros e é mais do que nunca uma aproximação com o shoujo – na época de YYH ambos não eram casados, então podemos considerar que Togashi era um de Takeuchi (talvez vice-versa?), mais famosa então –: Togashi não tinha como não se interessar por uma produção tão influente como foi Sailor Moon, independentemente de quem a criou. Sigamos à personagem que para mim sintetiza uma forma de “contar a estória de uma loli de forma inusitada para o fã, sem desagradá-lo” (e destaco que só seria loli segundo aqueles que defendem que o lolicon é definível pelo traço, não pelo psicológico ou idade das personagens):

TRANSITANDO ENTRE O LOLI E O NÃO-LOLI:

Estudo de caso de Biscuit Krüger

Biscuit Krueger (Bisky ou Bisky-chan para os íntimos) é uma mulher de 57 anos, mestra do shingen-ryu (espécie de karate neste mundo ficcional) e é um hunter (caçador) de 2 estrelas. Na obra de Togashi, hunters são as criaturas mais poderosas, pois a seleção para se tornar um caçador são bastante rigorosas e secretivas; dentre os próprios hunters, aqueles que obtêm mais destaque (como possuir 2 estrelas de mérito, das 3 possíveis) são a nata em termos de poder e eficiência. Eis uma dessas pessoas, no frágil corpo que se contempla acima. Embora muito nos interessasse discorrer sobre todas as suas técnicas e um pouco do sistema de poder do anime, nos ateremos ao que é necessário para a discussão do lolicon (ou crítica ao lolicon) aqui.

Introduzida num momento tardio da estória, ela é supostamente, por alguns episódios, uma antagonista dos 2 co-protagonistas, garotos de 12 anos de idade (Gon e Killua): “Garotinhos são tão inocentes. E é tão divertido arruinar suas amizades…”, ela diz, de si para si, enquanto banca a stalker ou parte rumo à captura de suas presas, em sentido metafórico.

Porém, sua antipatia por ambos era só uma fachada para conseguir aproximar-se: testemunhando a inexperiência conjugada com o talento não-polido de ambos durante a missão em que os três estavam envolvidos (vencer um jogo entre caçadores numa ilha gigantesca), ela não pode evitar, dada sua natureza de “mãezona”, se converter de imediato em figura de mestre e conselheira para os dois (a segunda mestra oficial de nen da dupla – nen sendo o equivalente ao ki ou força vital neste universo). “Vou treinar vocês a partir de agora, e de graça. Mas definitivamente não pegarei leve!!” (aos dois) / “Por que coisas que brilham como pérolas polidas sempre aceleram o meu coração?” (para si mesma)

A primeira subversão vem do fato de que Bisky não é um “artefato”, “coisa”, cobiçado(a) por homens mais velhos e que ignora suas intenções (paradigma dos personagens ingênuos ou tapados), resiste ou tenta “transitar” entre os dois (tornando-se uma companheira coquete do bando). Antes, a relação dela com os personagens é absolutamente assexual – mesmo quando Gon e Killua pensavam que ela fosse apenas uma garota, como eles – Bisky não está em relação com homens mais velhos, então o estereótipo de loli fica comprometido –– por outro lado seu design evoca o lolicon… E, ao mesmo tempo, bem no princípio parecia que ela seria a predadora e eles os predados… Dupla, tripla subversão…

Cedo na estória – desde a introdução de Biscuit, i.e. – o espectador aprende algo que os garotos continuarão ignorando por um bom tempo, através de outro personagem (Gon, em realidade, a série inteira; Killua sendo o único a desvendar o segredo, eventualmente): Binolt, um assassino infiltrado no jogo, possui o talento de aprender tudo sobre o físico e mental de seu adversário ao comer fios de seu cabelo. É nesse momento que o personagem ergue sua guarda e entra em desesperação, pois ao “comer” alguns cachos de Biscuit após cortá-los com sua tesoura de assassino, se dá conta de que seu alvo não é uma pobre e vulnerável criança, mas uma verdadeira senhora in disguise, a Loba e não Chapeuzinho num vestido mais claro… Porém os motivos de por que Biscuit é ou está dessa maneira são ainda obscuros para o expectador por mais alguns episódios… Pode ter a ver com sua técnica antropomórfica, uma espécie de boneca espiritual massagista que ajuda usuários de nen a relaxar e conservar por mais tempo a juventude… Mas isso fica como hipótese ou conjetura – e ainda não explica o ar cutesy e a falta de intenção de Bisky de confessar sua idade (ela até a revela para os garotos, mas há evidentemente alguma peça faltando, e isso aumenta a intriga de quem acompanha a trama…).

Como caçadora de tesouros, ela ingressa na ilha atrás de uma das cartas, que para o vencedor será convertida no item que contém; mas durante a competição, ao treinar os protagonistas, o presente sai melhor do que a encomenda: ela descobriu duas jóias humanas que ajudou a polir. Sua personalidade deliberadamente astuta e mentirosa num corpo “que não deveria ser o seu” é o cerne da personagem. E o talento de Biscuit para ludibriar é atestado quando o grupo é forçado a se aliar temporariamente com uma figura ambígua, pode-se dizer, um rival do tenro passado de Gon: o veterano e caprichoso hunter Hisoka. Bisky percebe instintiva e instantaneamente que ele mente, porque está acostumada a mentir e enganar pessoas, sendo sincero no que diz, mas escondendo coisas dos garotos. Ela própria consegue enganá-lo, ou mantê-lo curto na coleira, demonstrando que é mestra no quesito.

Vários eventos depois, fica claro que para ganhar o jogo o trio teria de lutar fisicamente com um esquadrão terrorista que estava mais perto de coletar as cartas necessárias para se sagrarem campeões. O problema é que esse trio de rivais não cogitava a possibilidade de dividir o prêmio nem travar um duelo honroso, recorrendo a táticas extremas, manipulando e matando suas vítimas se necessário. E – um dos charmes do anime em todo seu curso, aliás – Killua e Gon especialmente são mais fracos que os três adultos: eles são hunters (o que já é excepcional o bastante) crianças tentando sobreviver entre outros hunters adultos. Pelo menos dessa vez eles estão acompanhados de Bisky, que sabe muito bem o que fazer. O trio forma um plano cuidadoso e há lutas individuais para sanar a situação (o grupo de Gon não cederá as cartas a Genthru, o Bomber, usuário de um nen com características literalmente explosivas). No momento mais fenomenal da personagem, Biscuit se isola com um dos lutadores do trio Bomber. Ele não entende por que ela se afastaria de seus amigos, se isso a deixaria em visível desvantagem, afinal ela era a “menininha” do trio. Mostrando seu grande trunfo, ela responde que seu oponente é um tolo e não percebeu a diferença de nível de poder entre os dois: ela quer eliminá-lo sem testemunhas (nesse momento Bara, o alvo, sente o suor frio descer-lhe a nuca). Bisky começa a reverter de forma: seu corpo adquire uma massa incomparável e ela libera sua verdadeira força, ficando com este aspecto:

Com um só soco ela deixa seu adversário inconsciente – parece que não precisava matá-lo, afinal de contas. Mas antes disso ele havia, de olhos arregalados, perguntado por que ela se escondia sob a aparência de uma criança. Ela diz que tem dois motivos: 1) esconder seu real potencial dos inimigos; 2) ela odeia sua aparência verdadeira e pouco feminina. O tropo que Togashi gostaria de comentar fica aqui muito mais claro: por conveniência, até personagens que não são loli gostariam de ser loli se pudessem, sendo algo esteticamente mais aprazível e bastante vantajoso num shounen ou coisa do tipo (mangá de batalhas). É como uma queda da quarta parede na discussão do lolismo. Gostaria de me estender ainda mais sobre essa personagem fascinante que ainda ajuda os dois garotos-protagonistas ulteriormente no enredo, porém sairia do escopo do artigo!

Folha de designs de Bisky, incluindo sua “massagista de nen”, criatura artificial.

Coloração equivocada: não é tão raro nas adaptações mangá-anime. No mangá, obviamente, ela possui um design preto e branco, exceto quando aparece na capa (e o erro parece ter decorrido daí mesmo, cf. capa do volume 15, que não deve ter tido a aprovação prévia de Togashi), que DEVERIA CORRESPONDER à iteração mais conhecida de Bisky (o anime iniciado em 2011, retificado). Antes disso, porém, o anime de 1999 (num arco OVA) a representou com base no cabelo e olhos colorizados de forma errônea na capa do vol. 15, em que aparece com mechas castanhas e íris azul no lugar dos olhos rosa e cachos louros canônicos (talvez internamente não tenham entendido que Togashi quis realmente posicionar apenas a boneca que serviu de inspiração para o design da personagem como cover da edição, e não a personagem per se!). Essa Bisky “equivocada” dos anos 90 é hoje considerado um design mais realista (?) devido às cores mais escuras e expressões mais sérias dos rostos como eram a praxe então.

Um exemplo mais moderno, ainda “em execução” ou “em andamento”, do “tropo comentado/invertido” da loli ou do pós-loli, como eu batizaria, é Jewelry Bonney de One Piece. Esperaria o término do mangá ou de sua participação no mangá antes de uma análise idêntica à que fiz com Bisky.

FUTURO E INOVAÇÕES?¹

¹ Este tópico do Wikipedia já estaria mais para “passado”, por isso eu o abreviei aqui.

O lolicon é proeminente hoje no Superflat,¹ a uma espécie de escola de arte fundada por Takashi Murakami. Entre os desenhistas desse movimento encontramos Mr. (esse é o nome estilizado do artista!) e Henmaru Machino (Darling 2001). Murakami ficou famoso por promover um ensaio de fotos com Britney Spears na temática lolicon¹ para a capa da revista japonesa Pop (Ashcraft 2010).

¹ Sobre o SUPOSTO envolvimento da pop idol ocidental e Princess of Pop em controvérsias relativas à sexualização de under-age girls no Japão (!), vide a partir do 3º parágrafo do tópico “ANATOMIA DO LOLICONISMO”, abaixo!

LOLICON X MOE

A resposta típica a moe characters seria o amor platônico. No lolicon isso não é tão simples. Estamos presos numa tempestade nebulosa aqui: o moe está incluso, inclui o lolicon, ou ambos são antagônicos, ou interpenetram-se em alguns pontos? Por exemplo: em Neon Genesis Evangelion, qual é o “coeficiente de sexualização das personagens”? Das colegiais e da principal adulta da trama, Misato, que num spin-off beija o protagonista Shinji de 14 anos de idade (para apimentar aqui a discussão), um beijo romântico, não apenas “selinho” – na cena, a personagem adulta sabia que morreria nos segundos subseqüentes e que o destino da criança era provavelmente o mesmo… na sua opinião isso atenua o impacto do “beijo molhado” na cena? Asuka e Rei, para começo de conversa, são moe ou loli? É possível que sejam moe e loli? O que elas insinuam e não mostram pode ser catalogado como “do gênero”? Por exemplo, não vemos nada erótico partindo de Asuka, vemos cenas semi-eróticas de Rei; por outro lado, Asuka fala quase sempre em sexo, e Rei é “frígida” e andrógina. São designs fofos, mas são também atraentes para o público masculino mais velho? E qual das pulsões prevalece no final, se é possível dar uma resposta unívoca? O autor de Neon Genesis Evangelion evoca em várias entrevistas a vontade de subverter o próprio gênero anime como um todo, quem dirá as sub-noções a ele atreladas de moe e lolicon – porém não podemos deixar o autor falar pela obra, até porque: 1) ele pode estar errado; 2) pode estar apenas fazendo campanha de marketing, autopromoção. Para complicar a equação, Shinji tem um envolvimento homoerótico velado – talvez interpretável como narcisismo, uma vez que a criatura em questão, Kaworu, não é humana, é, aliás, no lore de Evangelion, um anjo, denominação per se de entidades assexuadas – no anime clássico; mais explícito nos filmes Rebuild – mas não se consuma, é um relacionamento platônico. Já com Asuka, o “herói melindroso e realista” Shinji divide seu primeiro beijo…

Com o perdão da rima, menos em comum com o moe/loli, mais em comum com a estética adulta e angular de Sailor Moon. Além disso, Asuka “se transforma” num mecha, componente essencial dos anos 70 resgatado por Anno 20 anos depois.

Kaworu Nagisa, “o último anjo” ou “a tentação final”, um anjo antropomorfo que dá a liberdade de escolha ao EVA-01 e provavelmente serve de gatilho para o fim do projeto da Instrumentalidade Humana (fim da individuação, e da humanidade como a conhecemos, o bad ending da estória).

A icônica cena no elevador entre Asuka e Rei, o que mais se aproxima de uma DR entre “amigas” em NGE.

Curiosamente, no último filme de Evangelion (Evangelion: 3.0+1.0 Thrice Upon A Time), que estende a estória original (na verdade contradizendo-a, inclusive no sobrenome de personagens como Asuka), Shinji, envolto no acidente que demarca o fim do antigo anime, fica suspenso em criogenia por alguns anos. A realidade que ele conhecia (se o anime já era pós-apocalíptico, digamos que este quarto filme da série final de Hideaki Anno seria pós-pós-apocalíptico em seu máximo) não existe mais. Todos os seus companheiros de escola se tornaram pessoas adultas. Mesmo o seu novo interesse amoroso (ou antes o interesse é que parte dela…), Mari Makinami (não mais Asuka) – que é capaz de se abrir quanto aos sentimentos mais íntimos, ao contrário de Asuka –, é uma mulher mais velha (não tanto quanto Misao, que já está morta) – menos Rei, mas Rei descobre não ser humana, num sentido bastante melancólico… Fato é que os personagens da trama foram tão deslocados do ambiente original que já não há qualquer traço de loliconismo feminino na produção (antes, há lolilaconismo, se puderem perdoar o poeta). A vedetização das heroínas em seus supersuits e supermechas obliterando Anjos (os “vilões” da narrativa) ainda são presença obrigatória, servindo de pretextos excitantes por alguns minutos, mas num soft adult mode, conjugado com o carisma moe de suas atuações e falas um tanto infantis ou menos pretensiosas que o enredo total no meio das trocas de tiro.

Redesign anos 2010 de Asuka e a personagem-piloto exclusiva da tetralogia Rebuild of Evangelion, Mari Makinami (“retirando sex-appeal da piloto-mulher”, diriam alguns). Sobre Asuka Langley: “O character designer, Yoshiyuki Sadamoto, concebeu Asuka para ser a protagonista da série, mas ao contemplar melhor as opções percebeu que haveria muita verossimilhança com outros animes já co-digiridos por Anno e desenhados por ele, como Gunbuster e Nadia.” Sobre este último anime, conferir a dinâmica do casal protagonista Jean-Nadia, dita como protótipo da relação Shinji-Asuka.

John Oppliger da AnimeNation identifica Ro-Kyu-Bu!, Kodomo no Jikan e Moetan como exemplos de séries que desafiam a distinção entre moe e lolicon mediante o uso de innuendos sexuais: “Satiriza-se a santidade casta do moe; “Essas produções não hesitam em brincar com os espectadores e demonstrar como as linhas demarcatórias entre loli e moe são puramente perspectivísticas e idiossincráticas”. Por fim: “O ’moe-style’ lolicon apresenta um erotismo leve e  domado, com meros traços gráficos eróticos, como vislumbres de roupa íntima, desistindo de qualquer cena sexual propriamente dita”

¹ TERCEIRO ESTUDO DE CASO?

Bom, quase tudo sobre isso eu já expressei em minha análise de NGE acima. Gostaria de citar Kill la Kill como outra produção (também do estúdio Gainax, não há coincidência aí) como obra (deliberadamente) divisiva, com uma protagonista andrógina, tomboy, voz grossa – demorou até o episódio 2 para eu identificar que era do sexo feminino –, obrigada a vestir um uniforme de batalha sexy (ridiculamente sexy, over-the-top, como se diz na gringa, e que parece nada tapar, quase só mesmo os mamilos e a própria vagina) – uma entidade viva – para ganhar poderes, embora com o tempo ela se torne a melhor amiga do dito uniforme e o introjete casualmente, como faria uma sailor transformada. A protagonista, Ryuko Matoi, não deixa de lutar de maneira rude e bárbara, exibindo tantos panty-shots (panchira, grande tropo do gênero) quantos murros e golpes no estilo JoJo’s Bizarre Adventure old school ou Hokuto no Ken (protótipos da porradaria de macho alfa, com ligeiras nuances de romance bem no pano de fundo), ao contrário de Sailor Moon e seus movimentos de balé graciosos e magia ou os mechs envenenados e que entram em “modo berserk” de Evangelion (sendo, numa palavra, uma protagonista badass). Neste caso, porém, há um innuendo, como o artigo original do Wikipedia dizia – innuendo é insinuação –, de que, se há, o interesse amoroso de Ryuko é sua melhor amiga Mako, mas o final é “aberto” nesse sentido.

Numa só palavra, sendo grosseiro como não permite um artigo acadêmico: se Ryuko Matoi fosse de verdade, e se nós fôssemos outro personagem do enredo, preferencialmente um(a) colega de sua idade, gostaríamos tanto de abraçá-la, compadecendo-nos de seu indizível sofrimento emocional durante a saga, quanto de fodê-la e de sermos seu/sua namoradinho(a) e andarmos de mãos dadas por aí. De novo a Gainax acertou no meio da cultura otaku, com bombas de efeito moral (pun intended) capazes de confundir os próprios otakus-receptores tanto ou mais que a crítica especializada e as autoridades “policialescas” (já que não podemos dizer que haja padrecos ou crentes “enchendo o saco” por bobagens no Japão como os há por aqui).

Nota extra: meu primeiro pensamento sobre a série, confirmado, diria, em sua maior parte após terminar de assistir o curto anime, foi que Kill la Kill é a mais ambiciosa e mais bem-conduzida paródia-hômage a Sailor Moon jamais produzida. Se pode ser argumentado qualquer ponto antitético a essa tese e “pró-moe” em relação a Kill la Kill é que apesar de ser mais velha que uma sailor no começo da estória de Takeuchi (14), Ryuko, 17, parece mais jovem.

A comilona Mako Mankanshoku: essa cena faz sem dúvida referência ao último episódio de Evangelion clássico, em que, após a recusa da instrumentalidade humana, Rei aparece correndo para a aula atrasada, também com trajes azuis, segurando uma torrada com a boca.

ANATOMIA DO LOLICONISMO E MESCLA COM DADDY ISSUES OCIDENTAIS

(Inútil, inútil, inútil!…, diria Dio Brando)

Akira Akagi identificou 5 temas primordiais dos lolicon mangas em sua análise de 1993: sadomasoquismo, “objetos tentaculares” [agora eu ri] (literalmente tentáculos aliens ou robôs em formato peniano), fetiches “mecha” [isso não estaria incluso no tema anterior?] (fusão máquina-mulher), paródias eróticas de animes e mangás do mainstream e “material simplesmente indecente ou pervertido”, observando também [mas que observador tendencioso… quase me arrependo de tê-lo colocado nesse artigo, pois ele retirou a discussão das profundezas oceânicas e a atirou na superfície de uma piscina de plástico!] “lesbianismo” e “masturbação” [ou seja, esse autor carola considera que lolicon representa tudo que é degenerado, e na mente de pessoas caducas tudo é degenerado… mesmo o amor sáfico ou o ato de masturbar-se!]. O crítico de mídia [creio que a esse ponto da minha matéria, que traduz alguns trechos da Wikipedia, devo esclarecer que no Brasil essa expressão certamente seria substituída por “antropólogo” ou “sociólogo”, que são as faculdades que formam os críticos dos mass media por excelência – nada tem que ver com jornalismo, embora um jornalista possa ser crítico de mídia também…] Setsu Shigematsu argumenta que essas formas de substituição e mímica possibilitam ao lolicon “transformar o sexo heteronormativo e tradicional numa paródia completa da sociedade”. Obras mais extremas neste universo figuram ainda coerção, estupro, incesto, bondage [já foi citado acima em sadomasoquismo] e hermafroditismo [não há nada de extremo nisso!!!], este último tópico corroborado por Matthews 2011.

Nagayama, terceiro estudioso citado neste subtítulo, diz que maioria dos mangás lolicon PORNOGRÁFICOS [agora sim foi traçada uma linha, porque o lolicon-sem-mais não pode ser resumido aos atributos do parágrafo precedente de forma alguma] lidam com “a consciência do pecado”, ou servem como sensibilizantes de tabus, da culpa e da compulsão [isso por si só explicaria sua origem específica na sociedade japonesa – mas hoje trata-se de fenômeno mundial]. Alguns mangás retratam a mulher como a beneficiária da experiência libertadora como resultado, a parceira realmente ativa da relação, a sedutora de homens. Noutros, o tropo e a realidade misógina do “homem como mal absoluto que preda vítimas indefesas” têm mais relevância. Seria uma exposição nua e crua da fragilidade dos personagens, ou quase sempre das personagens, das mulheres. O autor alega que se um mangá mostra o sexo entre duas crianças estaria isento da “consciência do pecado” validado pela inocência mútua do ato, além de evocar no leitor nostalgia e uma visão idealizada do passado, mais puro. Outros mangás tentam instilar esse desejo de nostalgia-agora, de repetir a infância, na psique problemática de seus personagens, principalmente nos mais abstratos em termos de estória e também character design. Mas Nagayama alerta: “É só porque é ficção e porque a ficção se distingue claramente da realidade que alguém experiencia a parte moe, estando implícito na fala que a “parte lolicon” é o resto maldito da equação. Não saberia o público (especificamente lolicon) apreciar a diferença entre ficção e realidade mais – teria perdido essa capacidade, que presumo inata no homem?

O governo da cidade de Tóquio já lançou campanhas maciças de banimento de artes eróticas questionáveis em animes, mangás e videogames. Durante um destes fuzuês que parecem cíclicos, My Wife Is A Grade Schooler [Minha Esposa é uma Colegial], mangá hoje fora de circulação, foi lançado. E esse trabalho foi a maior vítima da campanha. Quando o mangá foi mostrado na TV (não como anime, mas em canais de notícia, que filmaram suas páginas), post-its foram usados para censurar os locais mais sugestivos das caricaturas. Porém, aí ocorreu um efeito histérico reverso: os tais post-its induziram o público a imaginar as cenas ainda mais sugestivas do que eram de fato. O mangá era de “humor extremo” ou gag manga e criticava o cinismo da sociedade japonesa, incluindo sua hipocrisia pedofílica. Não são poucas as teorias de que o mangá foi parar no noticiário para servir de bode expiatório para toda uma geração de content creators, mas, novamente, o público underground passou a ter mais acesso à obra graças a essa tática asinina (mostrar o que se quer esconder… e mostrar apenas de forma censurada). Faremos um cruzamento inesperado do mundo totalmente japa ao mundo mais american way impossível ao descrever a capa do primeiro tankoubon de My Wife… como bastante alusivo a uma série de fotografias da super pop idol Britney Spears… Com efeito, a ascensão de Britney ao estrelato coincide com a exportação definitiva (segunda, terceira onda, não importa qual onda, mas dessa vez sem a recessão das outras, pois que vige até o momento) do modelo mangá-anime-videogames com estética japonesa traduzidos para os nossos continentes. Basta ver que digitando-se o nome do mangá “proibido” o google remete primeiro a sites sobre Britney Spears. Como se deu essa súbita associação transoceânica inimaginável? Não sei se essa capa e esse material é tão difícil de encontrar mesmo hoje na internet, mas vejo paródias-de-paródias como “If my wife became a high school student…” aparecendo na pesquisa… o que isso conota é o famoso meme: a namorada pergunta ao namorado: “Você ainda me amaria se eu virasse um verme?”. E creio que fique no terreno do meme. Ou, o que é mais grave e sensacionalista por parte da mídia ocidental, existe a hipótese de que o título japonês sempre tenha comportado a restritiva “se…” e que não estejamos falando de um mangá que parodia um gag manga, i.e., o círculo completo da auto-paródia, mas apenas de um e mesmo produto, da década passada, conforme encontrei visualmente na seguinte forma:

No que isso divergiria de um Goku magicamente transformado em criança num shounen absolutamente de classificação livre, ainda casado com uma idosa, faz meu cérebro coçar… pois não há resposta possível! Talvez o problema seja que a estória aqui contada seja mais interessante que Dragon Ball GT (uma chance de mais de 99,9%)… Realmente indignante para os puritanos. Desculpe não manter um tom neutro, mas às vezes a neutralidade é mentirosa, e aqui a desfaçatez da “discussão” (nem chamaria disso) ultrapassa todos os limites da inocuidade das picuinhas humanas… Que políticos japoneses percam tempo com esse tipo de palavrório contra “esse tipo de mangá” em vez de convencer sua população de que precisam de emigrantes (do ponto de vista do resto do globo), e jovens, e racialmente ecléticos, isso sim me deixa possesso! Uma sociedade que prefere, sendo uma exportadora de cultura, deixar-se morrer aos poucos por pura e simples xenofobia… Não deixa de ser irônico!

Mesma mochila vermelha, [parece que a obra da capa acima É a original; logo, a tradução anglófona da Wikipedia conduz a um erro fatal] mesma camisa de malha azul, vestido de noiva tal qual. Não é coincidência. Murakami, fotógrafo, dentre outros ofícios, e Seiji Matsuyama, o autor de My Wife Is A Grade Schooler (IF MY WIFE WAS, retificando, o que é grotescamente diferente, ainda mais no mundo da ficção – aliás, IF já denota que é ficção!), estiveram conversando no twitter sobre fotografia e sua relação com mangás ero. Matsuyama postou alguns links da Pop Magazine em seu website, com trabalhos que ele realizou como freela. Matsuyama chama suas criações de “Takashi Murakami x Britney Spears x My Wife Is A Grade Schooler collaboration” (uma tríade do mangá do polêmico autor, do ditocujo autor e do fotógrafo avant-garde com a cantora – diria influencer se essa palavra já existisse até seu auge lá pelos 2007 – que mais vendia no momento, e ainda sustenta inúmeros recordes que, se pensarmos nas mudanças no mercado da música, parecem inquebrantáveis para sempre). Murakami defende no twitter que esse tipo de projeto se destina precipuamente a indicar que mangá é arte. Aqui eu pego o bonde sensacionalista de um artigo da Kotaku (que não sabe se é pró-ocidente, pró-oriente, anti-todo mundo, site de fofoca, de games…).¹ Ashcraft (jornalista da Kotaku) pondera, a respeito:

“Se a legislação [japonesa] sobre crianças virtuais deveria ter passado [sido aprovada] ou se essas imagens são arte ou pornografia [veremos abaixo que COM CERTEZA não são (mais) pornografia, in this day an age, e felizmente!] está além do escopo deste artigo [5 parágrafos mal-redigidos!]. O que está em discussão aqui é se Britney Spears ‘sabia o que estava fazendo’. Ela sabia que estava participando? [em quê, esclareça o leitor! nas filmagens de Eyes Wide Shut, de Kubrick por acaso?!?] Estava por dentro do plano? Que essas imagens nessas fotografias estão conectadas ao que alguns críticos [que críticos?] estão chamando de pornografia infantil?”

Título isentão da matéria: Was Britney Spears Bamboozled Into Virtual Child Porn Protest Art?

¹ Pergunte-se por que Tim Rogers, o mais celebrado resenhista de lá, pulou do barco e hoje consegue muito mais audiência em seu canal-solo no YouTube!

MINHA PRAGMÁTICA E SUPRAMORAL OPINIÃO SOBRE TODA ESSA POLÊMICA-CHINFRIM, NÃO SEM ANTES APRESENTAR AS TAIS FOTOS DO “POLÊMICO” ENSAIO DE BRITNEY POR MURAKAMI, SE É QUE PRECISA (Hollywood, você já foi bem melhor com suas vedetes!):

Uma coisa podemos dizer: não é uma mulher recatada e do lar! Ah, e nem de longe as poses mais provocativas da diva, sou obrigado a dizer a quem não sabe ainda… Acho que homens babões atrás de mero fetiche imagético ficaram bastante decepcionados… E peraí… quantos anos Britney tem aqui? “Pornografia infantil”?!? Faz-me rir!

Se algo o desagrada, você, leitor, censor, ou se algo soa-lhe eticamente inconveniente, ignore, faça shadow ban, mas NÃO TENTE SUPRIMIR O MATERIAL com a ajuda de leis governamentais – isso fomentará a circulação do material de forma ilícita. Esse raciocínio ÓBVIO ainda não chegou à mente da maioria do público nem muito menos das autoridades escandalizadas, por sinal, daí a profusão de polêmicas inócuas com que lidamos! E especificamente sobre Spears: não subestimem a inteligência desta mulher e artista! “Sim e não”, caro Ashcraft (repórter homem sem qualquer tipo de suscetibilidade ou mesmo libido, imagino, o que inclui senso artístico); ela sabia “no que estava se metendo”, mas sua opinião era de que essas fotos ingénues nada tinham a ver com pornografia infantil, nem com pornografia dela mesma – fim do debate e da “polêmica”!

Meme que flagrei hoje, 20 de janeiro de 2024, na minha timeline: “If my father was a…?” parece ser a “idéia” central, para além de algumas referências implícitas a alguns animes para quem souber saborear os detalhes. Memes não possuem uma lógica que deva ser encarada com um códice moral ou olhar de julgador, simplesmente se ri deles ou se os ignora… Quanto mais eu demorar para publicar este artigo, mais referencial memético encontrarei para acrescentar, então é melhor terminar de uma vez!

PALAVRAS FINAIS, POR ORA

(estou ficando cansado…)

Em 2014 estabeleceu-se que obras lolicon ficariam de fora das leis de restrição japonesas em pornografia infantil. Um jurista do caso declarou que “Pornografia de mangá, anime e feita em CG [computer graphics] não viola diretamente os direitos de garotas e garotos. Não foi cientificamente validado que esse material possa vir a causar danos mesmo de modo indireto. Sem essa validação, punir autores, veiculadores e usuários se torna ditatorial”.

Estatisticamente, o abuso de menores está em queda no Japão desde os anos 60-70, justamente anos do boom lolicon. McLelland diz que “garotos” ou “garotas”, personagens desse tipo de mídia, são na verdade a hipóstase de um “terceiro gênero”. Steven Smet defende que o lolicon é um “exorcismo de fantasias” que inclusive ajuda a explicar a queda da criminalidade sexual no país. Galbraith sustenta ainda que esse tipo de arte e movimento, tornando-se profundo, promove o debate aberto dos temas da otaku culture com os meios de comunicação de massa, pondo a descoberto seus principais problemas éticos.

Um estudo de 2012 da Sexologisk Klinik (governo dinamarquês) não encontrou evidências de que desenhos que ilustrem explícito abuso sexual de crianças conduzam a abusos no mundo real. Sharalyn Orbaugh defende que mangás que contêm menores vítimas de abuso ou pelo menos engajados em atividades sexuais podem ser uma ferramenta de auxílio para menores que foram vítimas lidarem com o trauma.

Hiroshi Nakasatomi, do campo do direito, diz que a estética lolicon pode distorcer os desejos sexuais do leitor e induzir a crimes [alguém do direito falando em causa-efeito de forma tão simples, quanta novidade!]. Nakasatomi crê ainda que esse tipo de arte viola os direitos da criança, visão compartilhada pela ONG CASPAR (fundada em meio à repercussão do caso do serial killer Miyazaki).

A feminista Kuniko Funabashi entende que o lolicon contribui, sim, para a violência sexual por iconografar principalmente garotas em posições passivas e subordinadas e “apresentar o corpo feminino como uma posse do homem”. Mais um do Direito, o sr. Shin’ichirou Harata, toma o cuidado de ressalvar que qualquer lei sobre o assunto não pode indistintamente tratar material ficcional e real sob o mesmo crivo, cabendo ao “fã” ter discrição e “noção da quarta parede” em trabalhos potencialmente ambivalentes. Este jurista acredita que há ética no meio, e que o selo moe representaria justamente o lado ou metade “mais benigno(a)” deste universo, sendo o baluarte de uma ética otaku (a segunda vez que lemos essa opinião nesta espécie de suma de resenha crítica que vimos desempenhando).

Dilton Rocha Ferraz Ribeiro analisa que até o momento atual leis para restrição e leis que são contra restrição de materiais lolicon se mantêm estáveis nos últimos anos, sem tendência para reviravoltas acentuadas seja para um lado, seja para outro. Catherine Driscoll e Liam Grealy acreditam que há pressão internacional sobre o Japão para aprovar leis de censura e que no direito local tende-se a falar de um “excepcionalismo cultural” aplicável à cultura nipo. Deveríamos nos perguntar também por que legislações anti-armamentistas aprovadas pela própria ONU não encontram qualquer salvaguarda nos Estados Unidos da América, se não queremos ser aqui hipócritas!

Alguns mangakás e estudiosos dos mangás comparam o caso do lolicon (obviamente a taxa de pedófilos entre os leitores é muito baixa, como em qualquer segmento social) com a do público yaoi: a maioria dos leitores habituais desses mangás com enredos homossexuais masculinos é composta por heteros. Uma preferência literária não-condizente com a sexualidade cotidiana, portanto.

O teórico queer Yuu Matsuura (não confundir com o personagem fictício de mesmo nome) afirma em alto e bom som que personagens 2D são artefatos não-humanos e que desejo orientado a tais dispositivos não é qualificável como desejo sexual, a não ser que fosse de uma outra espécie não-humana, não-animal, figurativa, nova, sem precedentes, mesmo no campo do imaginário (pois é diferente até de ler um romance de cavalaria e sonhar com uma consumação platônica ou carnal). Matsuura diz que quem qualifica lolicon como “pornografia infantil” incorre num conceito para isso por ele formulado, “hiper-sexualismo antropomorfo”(*), alegando que há mais na natureza e nas pulsões humanas que essa visão clássica e ultrapassada. Segundo Matsuura essa tendência possui implicações bem desumanas, quer seja, a marginalização dos classificáveis como adeptos do nijikon, palavra que apareceu mais cedo no texto quando expusemos Galbraith (se quisermos passar grosso modo por esse conceito sem perder tanto de seu conteúdo originário, pensar basicamente na categorização “assexual” que cunhamos no Ocidente em tempos recentes). Só o que sabemos é que, enquanto seres vivos, temos pulsão-por-algo, esse algo não necessitando ser de nossa espécie, ou mesmo tridimensional, ou real.

(*) 対人性愛中心主義, taijin seiai chūshin shugi.

Akira Akagi entende que de décadas para cá a idealização do herói típica do público masculino sofreu intensa metamorfose (fenômeno ligado à decadência do gekiga): “Leitores de lolicon não necessitam de um pênis para ter prazer, eles sentem necessidade de êxtase por uma garota. […] Identificam-se COM A garota, e sentem com isso um prazer que o Ocidente até Freud classificaria de masoquista”. Gō Itō vai além e diz que já ouviu em entrevistas com mangakás: “A criança loli que eu desenhei sendo estuprada era eu”. Ele entende esse tipo de comentário, generalizadamente, como uma metáfora: o sujeito sendo estuprado pela sociedade e seu grito de protesto.

Kaoru Nagayama complementa essas posições dizendo que o leitor de lolicon não é estático e flui entre a perspectiva do observador voyeur onisciente e insensível num segundo para no outro identificar-se com cada personagem da trama e seus sofrimentos ou deleites, fazendo sínteses existenciais dessa experiência em poucos instantes. Co-autora do Book of Otaku (1989), a feminista Chizuko Ueno entende que o lolicon, sendo uma orientação clara para o bishōjo fictivo, é “completamente alheio à pedofilia”, e não perdeu a essência cute atribuída ao fenômeno moe em nenhum momento de sua evolução. Teria sido, sim, uma resposta masculina, dos que se sentiam excluídos dessa estética mais “fofa”, para também passarem a fazer parte do circuito bishoujo, apesar da demografia das editoras inicialmente direcionar-lhes apenas material shoujo. Em outros termos, o “homem”, para o “japonês médio”, já não é o mesmo, dos anos 50 para cá. Isso é tão óbvio, e tão corrente para nós, que até esquecemos que o Japão viveu um sistema rígido de patriarcado muito mais severo e estendido que os nossos diferentes patriarcados (considerando os dois tipos de colonização da América, a Europa, a Oceania, a Rússia, etc.), e que a revolução de costumes deles, ao menos nos meios de expressão artística, foi muito mais acelerada.

Partindo para a análise da sexualidade japonesa e deixando um pouco de lado os mangás, abstraindo o fenômeno evidente de que “a arte-influencia-a-vida-e-a-própria-arte” por um parágrafo apenas, e considerando somente as mudanças sociais e seus efeitos na arte (análise de causação linear), o sociólogo Kimio Itou atribui a emergência do lolicon às mudanças progressivas das relações intergênero no país. Para Itou a resposta mais óbvia que a juventude masculina japonesa do pós-guerra encontrou ao se sentir inferiorizada e imatura diante de mulheres cada vez mais independentes e assertivas, liberadas para o mercado de trabalho, foi procurar um refúgio imediato em formas de arte em que “dispunham de objetos passionais ainda fáceis de administrar, como na época de seus próprios pais [pais no coletivo de ‘apenas homens’] para com suas esposas submissas”. Eixo simplista de pensamento, como o dos que espumam por uma isonomia completa entre material de ficção e realidade para punição por pedofilia, porém agrega à discussão, sem dúvida, pois é uma das facetas do fenômeno.

Kinsella, informado pelo comentário de Itou, concorda, mas diz que há obviamente a influência feminina: a parcela das consumidoras mulheres também se interessa por ver homens mais vulneráveis e “desnudos”, mais convincentes e vulneráveis, em suas estórias, o que efetivamente acontece nos mangás que derrubam os tropos clássicos do shounen. Kinsella resume: o lolicon é um modo de lidar com a ansiedade social, prevalente na sociedade japonesa, em que participam ambos os sexos.

Este artigo é parte de uma série de traduções da Wikipédia inglesa sobre animes ou tópicos tangentes, mas acrescento ou removo detalhes ou conteúdos conforme minha predileção – a ponto de o artigo final se tornar quase irreconhecível se cotejado ao artigo da Wikipedia, tantas modificações e inserções eu faço. De fato, se tornou meu artigo em vez de apenas mera tradução. Às vezes – mas não sempre –, com o intuito de facilitar ao leitor, grifo os trechos mais pessoais de azul. Meus hiper-links não conduzem ao próprio site wikia, mas a outros artigos do rafazardly ou do seclusão (meus blogs), quando presentes.   

próximo da série “anime & mangá”: O QUE É SHOTACON? (o oposto diametral de LOLICON, ou antes a complementaridade de sexo do LOLICON, i.e., o mesmo fenômeno, só que espelhado para o masculino)

ANTI-DÜHRING – Engels

PREFÁCIO À 1ª EDIÇÃO

O presente trabalho não é, absolutamente, fruto de um ‘impulso interior’. Muito pelo contrário. Quando, há 3 anos, o Senhor Dühring surgia, cheio de rompante, apresentando-se, ao mesmo tempo, como adepto e reformador do socialismo, disposto a trazer o século à luta, alguns amigos da Alemanha expressaram várias vezes o desejo de que eu fizesse, no órgão do partido social-democrata, então o Volksstaat, um estudo crítico da nova doutrina socialista.”

Havia mesmo pessoas que já se julgavam no dever de difundir a doutrina entre os trabalhadores. Finalmente, o Senhor Dühring e seus correligionários punham a seu serviço todos os artifícios da propaganda e da intriga para obrigar o Volksstaat a tomar posição definitiva em face da nova doutrina, que entrava em cena com tão consideráveis pretensões.”

Por outro lado, o Senhor Dühring, como ‘criador de sistema’, não é uma aparição isolada na Alemanha contemporânea. De algum tempo a esta parte, os sistemas de cosmogonia, de filosofia da natureza em geral, de política, economia, etc., proliferam na Alemanha, da noite para o dia, às dúzias, como os cogumelos. Qualquer doutor em filosofia e até mesmo o simples estudante não mais se contentam senão com um sistema integral. Da mesma forma que, no Estado moderno, todos os cidadãos se supõem aptos para julgar as questões em que são chamados a dar voto; da mesma maneira pela qual, em economia política, se considera o comprador com conhecimentos profundos sobre todas as coisas que adquire para o seu sustento; da mesma forma se pretende proceder com respeito à ciência. A liberdade científica consistirá, assim, na possibilidade de cada qual escrever sobre ciência tudo o que nunca aprendeu, dando-o como o único método rigorosamente científico.”

É esse o mais característico e abundante produto da indústria intelectual alemã, ‘barato, sim, porém de má qualidade’, tal como outros produtos nacionais com que o país, infelizmente, não se fez representar na Exposição da Filadélfia. O próprio socialismo alemão, de algum tempo para cá, notadamente após o bom exemplo do Senhor Dühring fez, ultimamente, grandes progressos na arte do ruído de latão e exibe tal ou qual produto batizado de ciência e da qual não contém uma palavra.”

No momento de concluir este prefácio, recebo de uma livraria um anúncio redigido pelo Senhor Dühring, no qual o filósofo promete uma nova obra ‘capital’ intitulada: Novas leis básicas da química e da física nacionais. Tenho pleno conhecimento da insuficiência de meus conhecimentos em física e em química; apesar disso, porém, acredito conhecer bastante o meu caro Dühring, para adiantar, mesmo sem lhe haver lido a obra, que as leis físicas e químicas aí estabelecidas poderão competir, em confusão ou em banalidades, com as leis econômicas, cosmológicas e outras que ele até agora descobriu e examinei no meu livro. Só espero que o rigômetro, instrumento construído pelo Sr. Dühring para medir as temperaturas mais baixas, sirva para medir, não temperaturas altas ou baixas, mas simplesmente a arrogante ignorância do Senhor Dühring.

Londres, 11 de junho de 1878.”

PREFÁCIO À 2ª EDIÇÃO

A necessidade de fazer-se desta obra uma 2ª edição foi para mim verdadeira surpresa. A personagem, que neste livro se critica, está hoje inteiramente esquecida. A obra em si mesma não só teve numerosos leitores, quando apareceu em fragmentos no Vorwärts de Leipzig, em 1877 e 78, como dela se tiraram, em separado e integralmente, inúmeros exemplares. Como poderá alguém interessar-se pelo que eu disse há vários anos a propósito do Senhor Dühring?

Devo-o, antes de tudo, à circunstância de que esta obra, como, aliás, quase todos os meus escritos ainda agora em circulação, foi interditada no império alemão logo após a promulgação da lei contra os socialistas. Quem quer que não estivesse preso aos hereditários preconceitos dos funcionários dos países da Santa Aliança deveria claramente prever o efeito de semelhante medida: dupla ou tripla venda para os livros interditados e manifestação de impotência por parte daqueles Senhores de Berlim, que promulgam leis cuja execução não conseguem impor. Realmente, a amabilidade do governo do império forçou-me a novas edições que não poderia satisfazer: como não tenho tempo para corrigir o texto, coisa que seria de desejar, sou obrigado a contentar-me com uma simples reimpressão.”

Assim, a crítica negativa resultou positiva; a polêmica transformou-se em exposição mais ou menos coerente do método dialético e da ideologia comunista defendida por Marx e por mim, numa série de domínios bastante vastos. Esta concepção, desde o seu aparecimento na Miséria da Filosofia de Marx e no Manifesto Comunista, tem atravessado um período de incubação de mais de 20 anos, até este momento em que, com a apresentação d’O Capital, ela alcançou regiões cada vez mais distantes, e, hoje, já fora das fronteiras da Europa, prende a atenção em todos os países em que há proletários e cientistas imparciais.”

Quanto às demais modificações, que desejaria fazer, referem-se principalmente a 2 pontos: primeiramente, à história primitiva da humanidade, assunto de que Morgan só nos deu a chave em 1877. Mas, como, em minha obra As origens da família, da propriedade privada e do Estado tive ocasião de ordenar e expor a matéria por mim reunida desde o aparecimento deste livro, bastará recorrer a esse trabalho ulterior.

Em segundo lugar, teria desejado modificar a parte relativa às ciências naturais. Nota-se ali grande descuido de exposição e há várias coisas que hoje poderiam ser expressas com maior precisão e clareza. Não me arrogando o direito de corrigir, julgo-me na obrigação de fazer esta crítica.

Marx e eu fomos, sem dúvida alguma, os únicos que salvaram da filosofia idealista alemã a dialética consciente, incluindo-a na nossa concepção materialista da natureza e da história. Mas uma concepção da história, a um tempo dialética e materialista, exige o conhecimento das matemáticas e das ciências naturais. Marx foi um consumado matemático: mas, de nossa parte, não pudemos estudar senão fragmentariamente, de quando em quando, as ciências naturais. À medida que ocupações comerciais e a minha mudança para Londres mo foram permitindo, fiz uma completa mise en mue, como diria Liebig,¹ das matemáticas e ciências naturais, tarefa em que empreguei quase 8 anos. Estava eu em meio desse trabalho quando me ocupei do Senhor Dühring e de sua pretensa filosofia da natureza. Se, pois, nem sempre atino com a exata expressão técnica, e se, por vezes, me vejo em alguma dificuldade no domínio das ciências naturais, é naturalíssimo. Por outro lado, a consciência da própria incerteza me fez prudente: ninguém me poderá atribuir erros patentes sobre fatos então conhecidos, nem inexatidão na exposição das teorias professadas na época. A tal respeito, só surgiu um grande matemático pouco conhecido, a queixar-se, numa carta dirigida a Marx, de que eu havia criminosamente atentado contra a honra da XXX. Tratava-se, evidentemente, de que eu, ao fazer a recapitulação das matemáticas e ciências naturais, procurava convencer-me sobre uma série de pontos concretos – sobre o conjunto eu não tinha dúvidas –; de que, na natureza, se impõem, na confusão das mutações sem número, as mesmas leis dialéticas do movimento que, também na história, presidem à trama aparentemente fortuita dos acontecimentos; as mesmas leis que, formando igualmente o fio que acompanha, de começo a fim, a história da evolução realizada pelo pensamento humano, alcançam pouco a pouco a consciência do homem pensante; leis essas primeiramente desenvolvidas por Hegel, mas sob uma forma que resultou mística, a qual o nosso esforço procurou tornar acessível ao espírito, em toda a sua simplicidade e valor universal. Será escusado dizer que a velha filosofia natural – apesar das muitas coisas boas que realmente continha e dos muitos germes fecundos que encerrava(*) – não poderia contentar-nos: conforme se expõe minuciosamente neste livro, consiste-lhe o defeito na forma hegeliana de não reconhecer na natureza nenhum desenvolvimento no tempo, nenhuma ‘sucessão’, mas simplesmente uma ‘coexistência’ (Nacheinandr-Nebeinander). Tal defeito tinha razão de ser, de uma parte, no sistema hegeliano de per si, que não atribuía ao espírito seqüência de desenvolvimento histórico, e, de outro lado, no estado das ciências naturais na época. Assim, Hegel recua, neste ponto, bem para antes de Kant, que, em sua teoria da nebulosa, já punha em foco o problema das origens e cujo descobrimento do obstáculo que, segundo se supunha, as marés criavam ao movimento de rotação da Terra, anunciava já a consolidação do sistema solar. Finalmente, o problema, para mim, consistia, não em impor à natureza leis dialéticas predeterminadas, mas em descobri-las e desenvolvê-las, partindo da mesma natureza.

[¹ O químico alemão Justus von Liebig (1803-1873).]

(*) É bem mais fácil invectivar contra a antiga filosofia da natureza, acompanhando o vulgo profano, como o faz Karl Vogt, do que apreciar sua importância histórica. Ela contém inúmeros absurdos e fantasias, mas não tantas quantas se encerram nas teorias dos naturalistas empíricos da mesma época e já se começa a perceber, desde a vulgarização da teoria da evolução, quanto encerra de bom senso e de inteligência. Assim, Haeckel reconheceu muito justamente os méritos de Treviranus¹ e de Ocken.² Este estabeleceu o postulado da biologia baseado na substância colóide primitiva (Urschleim) e sua vesícula primária (Urblaschen), coisas que depois foram chamadas protoplasma e célula. Hegel é, no que lhe concerne especialmente, de muitos pontos de vista, bem superior aos empiristas de seu tempo, que supunham haver explicado todos os fenômenos atribuindo-os a uma força – força da gravidade, força da rotação, força do contato elétrico, etc. – e, na impossibilidade dessas, a uma substância desconhecidasubstância luminosa, calorífica, elétrica, etc. As substâncias imaginárias estão hoje mais ou menos abandonadas, mas o ‘charlatanismo das forças’, que Hegel combatia, reaparece como fantasma, por exemplo, no discurso pronunciado por Helmholtz em Innsbrück no ano de 1869. [Esperassem para ver o que o discípulo de Helmholtz iria provocar, hipostasiando até uma libido!] (…) Os filósofos da natureza estão, para a ciência natural conscientemente dialética, na mesma situação em que se acham os utopistas para o comunismo moderno.”

¹ Gottfried Reinhold Treviranus (1776–1837), médico e naturalista alemão.

² Lorenz Oken, nome de batismo Lorenz Ockenfuss (1779—1851), naturalista, botânico, biólogo e ornitólogo, também alemão.

possuímos hoje mamíferos ovíparos, e, se a notícia se confirma, aves que caminham sobre 4 patas. Se a célula impôs a Virchow,¹ há anos, a contingência de resolver a individualidade animal (conseqüentemente humana), numa federação de elementos celulares, este fato ainda mais se complica pela descoberta dos glóbulos brancos do sangue, que circulam à maneira de amebas no corpo dos animais superiores.”

¹ Rudolf Ludwig Karl Virchow (1821—1902), médico, antropólogo, patologista, pré-historiador, biólogo, escritor, editor e político alemão (ufa!).

Exatamente por isso, pelo fato de que vão aprendendo a utilizar os resultados de 3 milênios de história filosófica, por isso é que as ciências econômicas se estão emancipando de toda essa pretensa filosofia da natureza, estranha e superior a elas, assim como se vão também emancipando do mesquinho método especulativo, herdado do empirismo inglês.” Que pena que essa tendência não durou muito…

Londres, 23 de setembro de 1885.

INTRODUÇÃO. CAPÍTULO I. GENERALIDADES

(Vejo que Engels faz ‘divisões hegelianas’ nos capítulos do livro!)

Era a época em que, segundo a frase de Hegel, o mundo descobriu que tinha um cérebro.” “o passado merecia apenas comiseração e desprezo. O mundo, até então, havia estado envolto em trevas; para o futuro, a superstição, a injustiça, o privilégio e a opressão seriam substituídos pela verdade eterna, pela eterna justiça, pela igualdade baseada na natureza e por todos os direitos inalienáveis do homem.” 

…e o Estado da razão, o contrato social de Rousseau, ajustou-se, como de fato só podia ter-se ajustado, à realidade, convertido numa república democrático-burguesa. Os grandes pensadores do século XVIII, sujeitos às mesmas leis de seus predecessores, não podiam romper os limites que sua própria época traçava.” A gente já não pode porra nenhuma: nem viver a nossa época!

Os novos pensadores descobrem que também o mundo burguês, instaurado segundo os princípios do racionalismo, é injusto e irracional, merecendo, portanto, ser desprezado como um traste inútil, da mesma forma como já o foram o feudalismo e as formas sociais que o precederam. Se, até então, a verdadeira razão e a verdadeira justiça não governaram o mundo, isso se deve a que, segundo o seu modo de ver, ninguém ainda conseguiu alcançá-las.”

O mesmo poderia ter ocorrido há 500 anos e teria sido poupada a humanidade de 500 anos de erros, de sofrimentos e de lutas. Esse modo de ver é, em suma, o de todos os socialistas ingleses e franceses e o dos primeiros socialistas alemães, sem excluir Weitling.¹ O socialismo é a expressão da verdade, da razão e da justiça absoluta, e é suficiente descobri-lo para que se imponha ao mundo por sua própria virtude. E, como a verdade absoluta é independente do espaço, do tempo, do desenvolvimento do homem e da história, só o acaso pode decidir quando e onde se deve revelar o seu descobrimento.”

¹ Wilhelm Christian Weitling (1808–1871), alfaiate e comunista vanguardista, como coloca Engels, porém comunista ou socialista “utópico” segundo a classificação marxista que só se torna possível depois da primeira metade do séc. XIX.

forçosamente surge um conflito entre as verdades absolutas, não restando outra solução senão a dos atritos ou fusões de umas com as outras. Era, pois, natural e inevitável, que surgisse uma espécie de socialismo eclético e, com efeito, a maior parte dos operários socialistas da França e da Inglaterra tem, nos cérebros, uma mistura pitoresca que admite, aliás, toda uma série de matizes, na qual se fundem os princípios econômicos, as expansões críticas e as representações sociais do futuro, dos diversos fundadores de seitas. Essa mescla é tanto mais fácil de ser composta quanto mais depressa os ingredientes individuais vão perdendo, no curso das discussões, seus contornos agudos e concretos, como se fossem pedras aplainadas pela corrente do rio.” Lamentavelmente continua a ser assim – na verdade voltou a ser assim após anos muito mais organizados da esquerda (fim do séc. XIX/início do século XX 

Fora do estrito campo da filosofia, os franceses souberam também criar obras mestras de dialética, como, por exemplo, O Sobrinho de Rameau, de Diderot, e o estudo de Rousseau Sobre a origem da desigualdade dos homens.”

Se submetermos à consideração especulativa a natureza ou a história humana ou a nossa própria atividade espiritual, encontrar-nos-emos, logo de início, com uma trama infinita de concatenações e de mútuas influências, onde nada permanece o que era nem como e onde existia, mas tudo se destrói, se transforma, nasce e perece. Esta intuição do mundo, primitiva, simplista, mas perfeitamente exata e congruente com a verdade das coisas, foi utilizada pelos antigos filósofos gregos e aparece expressa, claramente, pela primeira vez, em Heráclito: tudo é e não é, pois tudo flui, tudo está sujeito a um processo constante de transformação, de incessante nascer e perecer. Mas esta intuição, por ser exatamente a que reflete o caráter geral de todo o mundo dos fenômenos, não basta para explicar os elementos isolados de que se forma todo esse mundo. E esta explicação é indispensável, pois, sem ela, nem mesmo a imagem total adquirirá sentido exato. Para penetrar nesses elementos, antes de mais nada, precisamos destacá-los de seu tronco histórico ou natural e investigá-los separadamente, cada um de per se, em sua estrutura, causas e efeitos que em seu seio se produzem, etc…”

Os rudimentos das ciências naturais exatas não se desenvolveram até chegar aos gregos do período alexandrino e, muito mais tarde, na Idade Média, com os árabes. Na realidade, a autêntica ciência da natureza data somente da segunda metade do século XV e, a partir de então, não fez mais que progredir com velocidade constantemente acelerada.” O que já não é mais o caso.

Para o metafísico, as coisas e suas imagens no pensamento, os conceitos, são objetos isolados de investigação, objetos fixos, imóveis, observados um após o outro, cada qual de per se, como algo determinado e perene. O metafísico pensa em toda uma série de antíteses desconexas: para ele, há apenas o sim e o não e, quando sai desses moldes, encontra somente uma fonte de transtornos e confusão. Para ele, uma coisa existe ou não existe. Não concebe que essa coisa seja, ao mesmo tempo, o que é uma outra coisa distinta. Ambas se excluem de modo absoluto, positiva e negativamente, causa e efeito se revestem da forma de uma antítese rígida. À primeira vista, esse método especulativo parece-nos extraordinariamente plausível, porque é o do chamado senso comum. Mas o verdadeiro senso comum, personagem bastante respeitável dentro de portas fechadas, entre as 4 paredes de sua casa, vive peripécias verdadeiramente maravilhosas quando se arrisca pelos amplos campos da investigação.”

Kant começou sua carreira de filósofo transformando o sistema solar estável e de duração eterna de Newton num processo histórico (…) Meio século mais tarde, sua teoria foi confirmada matematicamente por Laplace, e, depois de mais 50 anos, o espectroscópio demonstrou a existência, no espaço, daquelas massas ígneas de gás, em diferentes graus de condensação.” Mas que importa tudo isso? Se com Kant não estamos mais no tempo, mas o tempo está em nós, que NOS importa a teleologia e escatologia do sistema solar, ou sua genealogia?

Não importa que Hegel não tenha resolvido esse problema. Seu mérito, que marcou época, consistiu apenas em o ter colocado. Mas não se trata de um problema que pode ser resolvido apenas por um homem. E, mesmo sendo Hegel, ao lado de Saint-Simon, o cérebro mais universal de seu tempo, seu horizonte estava circunscrito, em primeiro lugar, pela limitação inevitável de seus próprios conhecimentos, e, em segundo, pela dos conhecimentos e observações de sua época, também limitados em extensão e profundidade. A tudo isso deve-se ainda acrescentar uma 3ª circunstância. Hegel era idealista. As idéias de seu cérebro não eram, para ele, imagens mais ou menos abstratas das coisas e dos fenômenos da realidade, mas coisas que, em seu desenvolvimento, se lhe apresentavam como projeções realizadas de uma ‘idéia’, existente não se sabe onde, antes da existência do mundo.” “O sistema Hegel foi um aborto gigantesco, porém o último de sua espécie.”

IGUALMENTE OUSADO E FUNESTO (Não tem lei aquilo que não existe, i.e., a humanidade): “A consciência da total inversão em que o idealismo alemão incorrera, necessariamente, tinha que levar ao materialismo. Mas, note-se bem, não se trata do materialismo puramente metafísico e exclusivamente mecânico do século XVIII. Afastando-se da simples repulsa, candidamente revolucionária, de toda a história anterior, o materialismo moderno vê, na história, o processo de desenvolvimento da humanidade, cujas leis dinâmicas tem por encargo descobrir.”

OH, METAPHYSICS! THEY TRY TO KILL YOU IN EACH GENERATION! “Desde o instante em que cada ciência tenha que se colocar no quadro universal das coisas e do conhecimento delas, já não há margem para uma ciência que seja especialmente consagrada a estudar as concatenações universais. Tudo o que resta da antiga filosofia, com existência própria, é a teoria do pensamento e de suas leis: a lógica formal e a dialéticaTudo o mais se dissolve na ciência positiva da natureza e da história.” Curiosamente, isso se coaduna bastante bem com os <paradigmas científicos> de Popper & Kuhn – não entendo por que eles são ferrenhos adversários do marxismo!

Lançavam-se os alicerces para uma concepção materialista e abria-se o caminho para verificar-se que a existência é quem determina a consciência do homem e não é a consciência quem determina a existência, como se afirmava tradicionalmente.” Diabrura epistemológica: mas então a revolução proletária continuará dependendo dos fatores <da existência> e não da consciência da classe?

Com efeito, o socialismo [tradicional anglo-franco] criticava o regime capitalista de produção existente e suas conseqüências, mas não conseguiu explicá-lo e, portanto, também não o poderia destruir, limitando-se apenas a repudiá-lo, simplesmente, como imoral.”

Era esse, mais ou menos, o sentido com que se apresentavam as coisas no campo do socialismo teórico e da decadente filosofia, quando o Senhor Eugen Dühring veio à cena e anunciou, com o auxílio de tambores e fanfarras, a total subversão da filosofia, da economia política e do socialismo, subversão feita unicamente por ele.

Vejamos, agora, o que o Senhor Dühring promete e… o que cumpre.”

INTRODUÇÃO. CAPÍTULO II. O QUE PROMETE O SR. DÜHRING

Já na primeira página, o Sr. Dühring se nos anuncia como o homem ‘que se outorga a representação desse poder (isto é, a filosofia) em sua época e em todo o seu desenvolvimento próximo previsível’. Ou, por outras palavras, declara-se como o único filósofo verdadeiro dos tempos presentes e de um futuro ‘previsível’. Quem dele se afasta, saiba que se afasta da verdade. Não é o Sr. Dühring o 1º que assim raciocina a seu próprio respeito, mas, excluindo-se Richard Wagner – é o primeiro que o afirma com tranqüilidade.” HAHAAHAHAAHA

além disso, termina suas investigações com um plano socialista completo, pessoal, perfeitamente desenvolvido, da sociedade do futuro, plano que é ‘o resultado prático de uma teoria clara, que se aprofunda até as últimas raízes’ e, portanto, compartilha com a infalibilidade e a virtude de santificação universal, que é o atributo da filosofia dühringuiana, pois, só sob a forma socialista por mim desenvolvida em meu Curso de Economia Política e Social pode uma autêntica propriedade ocupar o posto dessa propriedade aparente e provisória conquistada pela violência. Já sabe o futuro que, quer deseje ou não, terá que se basear, forçosamente, nessa concepção.

Nada nos custaria aumentar essa coleção de elogios dedicados pelo Sr. Dühring ao Sr. Dühring. Mas cremos bastar o que já dissemos para que o leitor tenha algumas dúvidas sobre o fato de ter realmente diante de si um filósofo ou… Não; rogamos ao leitor que reserve sua opinião até conhecer mais de perto o prometido ‘radicalismo’Se apresentamos todo esse florilégio é porque queríamos simplesmente demonstrar não se tratar de um filósofo e socialista vulgar, desses que se limitam a formular suas idéias deixando que os outros julguem de seu valor, mas de um ser verdadeiramente extraordinário, que afirma possuir a mesma infalibilidade do papa e cuja doutrina, de virtude universalmente santificadora, deve ser aceita, sem discussão, se não se quiser incorrer na mais horrenda das heresias.”

Ou o Sr. Dühring tem razão e, nesse caso, estaremos diante do maior dos gênios de todos os tempos, do primeiro homem sobre-humano, infalível, ou, então, está o Sr. Dühring equivocado, mas, mesmo assim, seja qual for a nossa opinião, se tomássemos em consideração, benevolentemente, a sua boa vontade, como se esta existisse, isso seria para ele a maior das ofensas.”

O SCHOPENHAUERIANO SR. DÜHRING! “‘Leibniz, carente de todo sentido elevado, é o melhor de todos os possíveis filosofadores cortesãos.’ Kant é ainda tolerado. Depois dele, entretanto, tudo virou às avessas, pois vieram as tolices e futilidades, tão sem substância e tão enganosas, dos primeiros epígonos, de um Fichte e de um Schelling … caricaturas monstruosas de incultos filosofastros da natureza … as ‘monstruosidades pós-kantianas’ e as ‘fantasias febris’ que encontram ‘num Hegel’ o seu remate e sua coroação.” Só faltou falar filosofia de bundões!

Os naturalistas não têm tratamento melhor, apesar de ser citado apenas Darwin.” Talvez só Nietzsche tenha tido a estatura para ser essas 3 coisas ao mesmo tempo: do século XIX, relevante e contra Darwin!

Do nosso ponto de vista, o darwinismo, do qual se devem separar, naturalmente, as doutrinas lamarckianas[como se o outro não fosse ainda pior!] é uma afirmação de selvageria e um crime de lesa-humanidade.”

[Quanto aos socialistas, u]nicamente Saint-Simon consegue um tratamento bastante passável, uma vez que só lhe é reprovado o ‘exagero’, considerando-se caridosamente a enfermidade de megalomania religiosa de que padecia. Mas, ao chegar a Fourier, o Sr. Dühring perde a paciência.” “O inegavelmente ‘perturbado Fourier’, essa ‘cabecinha infantil’, esse ‘idiota’, nem sequer era socialista; o seu palavreado nada tinha a ver com o socialismo racional; era simplesmente ‘um aborto trabalhado pelo padrão da vida vulgar’.”

E, por fim, ficamos sabendo que Robert Owen ‘tinha idéias pobres e mesquinhas … sua mentalidade tão grosseira no que se refere ao terreno moral … alguns lugares comuns degenerados em idéias confusas … talento de observação absurdo e torpe … O processo mental de Owen não merece sequer o tempo que se gasta com uma crítica séria … A sua vaidade …’ etc., etc. O Sr. Dühring classifica os utopistas, divertindo-se com os seus nomes, com o seguinte desperdício de humor: Saint-Simon, saint (santo), Fourier, fou (louco), Enfantinenfant (criança). Só lhe faltou acrescentar Owen, oh weh (oh! dor, em alemão), encerrando um período bastante considerável da história do socialismo com uma piada em 4 letras”

¹ Barthélemy-Prosper Enfantin (1796-1864), reformador social francês, saint-simoniano. Idealizou a criação do canal de Suez.

Dos julgamentos, que Dühring faz dos socialistas posteriores, limitar-nos-emos a destacar, devido à sua brevidade, os que faz sobre Lassalle e Marx:

Lassalle: ‘Ensaios de vulgarização pedantes e pegajosos … excessos escolásticos … uma mistura monstruosa de teorias gerais e de detalhes mesquinhos … superstição hegeliana absurda e disforme … exemplo repelente … limitação … envaidecimento jactancioso com a mais banal mediocridade … nosso herói judeu … panfletista … ordinário … uma concepção da vida e do mundo absolutamente insustentáveis …’

Marx: ‘Estreiteza de concepções … seus trabalhos e suas conclusões são falhos por si mesmos, isto é, do ponto de vista de teoria pura, do valor permanente, são indiferentes para o nosso objetivo (a história crítica do socialismo), e, no que se refere à história geral sobre as correntes do espírito, pode-se tomá-lo em consideração, no máximo, como um sintoma da influência atingida por um ramo do escolasticismo sectário moderno [HAHAAHA!] … impotência e incapacidade de concentração e ordenação … deformação de pensamento e de estilo, maneiras de linguagem pouco dignas … vaidade anglicana … engano … concepções áridas, que, na realidade nada mais são do que rimas bastardas da fantasia histórica e lógica … processos desonestos … vaidade pessoal … [a anglicana era apenas coletiva?] maneiras insolentes … impertinências … frasezinhas engenhosas [a raiva realmente passou para o estilo da escrita!] e tolices … erudição mesquinha … um retrógrado na filosofia e na ciência.’

PARTE 1. FILOSOFIA. CAPÍTULO III. CLASSIFICAÇÃO. APRIORISMO.

Com efeito, coloquemos a Enciclopédia de Hegel, com todas as suas fantasias febris, junto às verdades definitivas e inapeláveis do Sr. Dühring. Ao que o Sr. Dühring chama de esquemática geral do mundo, Hegel chama de lógica. O que o primeiro aplica à natureza como esquemas, o segundo o faz com as categorias lógicas e daí temos a filosofia da natureza, e, finalmente, a sua aplicação ao mundo do homem, que, em Hegel, se chama filosofia do espírito. Como vemos, a ‘ordem lógica interna’ da hierarquia dühringuiana nos encaminha diretamente, ‘com absoluta espontaneidade’, à Enciclopédia de Hegel, donde foi tirada com tal fidelidade que faria chorar de ternura ao judeu errante da escola hegeliana, o professor Michelet,¹ de Berlim.”

¹ Poderia ser o historiador francês Jules Michelet (1798–1874). O problema é que não consta que ele tenha se radicado na capital alemã.

Se, ao chegar a um período qualquer do progresso humano, se tornasse possível construir um sistema definitivo e determinado das concatenações universais, tanto no físico como no espiritual e histórico, ter-se-ia encerrado o ciclo dos conhecimentos humanos e, uma vez que a sociedade se sujeitasse a esse sistema, levantar-se-ia uma barreira a todo o desenvolvimento histórico futuro, o que seria um contra-senso, um absurdo.”

É indubitavelmente certo que os conceitos das matemáticas puras regem independentemente da experiência concreta de qualquer indivíduo, ainda que essa virtude não pertença exclusivamente às matemáticas, o que é fato comum comprovado por todas as ciências e, mais ainda, a todos os fatos em geral, cientificados ou não. Os pólos magnéticos, a composição da água por 2 átomos de hidrogênio e 1 de oxigênio, o fato de que Hegel está morto e de que o Sr. Dühring está vivo, são fatos que existem independentemente de minha experiência ou da experiência de outras pessoa, e mesmo independentemente da experiência do Sr. Dühring, assim que ele dormir o sono dos justos. O que não é certo é que as matemáticas puras são entendidas pela inteligência apenas com as suas próprias criações e imaginações. De onde são tirados os conceitos de número e figura, senão do mundo real?” “Tiveram que existir objetos que apresentassem uma forma, e cujas formas pudessem ser comparadas entre si, para que pudesse surgir o conceito de figura.” “Mas, como acontece em todos os campos do pensamento humano, ao chegar a uma determinada fase de desenvolvimento, as leis abstraídas do mundo real se vêem separadas desse mundo real do qual nasceram, consideradas como se fossem alguma coisa à parte, como se fossem leis vindas de fora e às que o mundo se deveria ajustar. Assim aconteceu com a sociedade e o Estado e assim acontecera, num determinado momento, com as matemáticas puras, que serão aplicadas ao mundo, apesar de nele ter sua origem e de não representar mais do que uma parte de suas formas de síntese.”

PARTE 1. FILOSOFIA. CAPÍTULO IV. ESQUEMÁTICA DO MUNDO

No sujeito, o Sr. Dühring diz-nos que o ser, como universal, compreende tudo e no predicado afirma intrepidamente que nada, então, existe fora dele. Que colossal idéia ‘criadora de sistema’!” “E assim ‘as coisas do além não têm mais lugar, uma vez que o espírito aprendeu a discernir o que existe na sua universalidade homogênea’. Eis uma batalha do espírito comparada com a qual Austerlitz e Iena Sadow e Sédan desaparecem inteiramente.”

Não é bastante que me resolva eu a classificar uma escova de sapatos na classe dos mamíferos para que a mesma, como que por encanto, apresente glândulas mamárias. A unidade do ser, ou seja, aquilo que justifica a redução à unidade no pensamento, é, pois, justamente o que era mister demonstrar”

Começo pelo que existe. Penso. pois, sobre o que tem existência real. A idéia do que existe constitui uma unidade. Mas o pensamento e o que existe têm que estar de acordo, correspondem-se, <coincidem>. Portanto, o que existe é também, na realidade, unitário. Donde se conclui que o sobrenatural não existe.’ Se o Sr. Dühring nos tivesse falado assim, sem subterfúgios, ao invés de nos apresentar os dogmas anteriormente citados, sua ideologia se tornaria compreensívelQuerer demonstrar a realidade de um resultado mental qualquer por meio da identidade entre o que se pensa e o que existe é, de fato, uma das fantasias febris mais loucas de… Hegel.”

O mais cômico nessa história é que o Sr. Dühring, para provar a não-existência de Deus por meio do conceito do ser, lança mão da prova ontológica da existência de Deus. Diz essa prova: quando pensamos em Deus, nós o concebemos como a soma de todas as perfeições. Ora, a soma de todas as perfeições implica, antes de tudo, na existência, pois um ser inexistente é necessariamente imperfeito. Devemos, pois, incluir a existência no número das perfeições de Deus. Logo, necessariamente, Deus existe. É esse, tal qual, o raciocínio do Sr. Dühring: quando ideamos o ser, ideamo-lo como conceito uno. O que se compreende num só conceito é uno. O que existe não corresponderia, portanto, ao seu conceito se não constituísse uma unidade; Deus, portanto, não existe, etc.”

Temos que nos afastar, um só milímetro que seja, desse simples fato fundamental de que todos os objetos têm em comum a existência para que, desde logo, comecem a surgir aos nossos olhos suas diferenças.” “É necessário levar-se em conta que a existência começa a ser um problema a partir dos limites de nosso círculo visual.”

O ser … não é esse ser puro que, idêntico a si próprio, igual a si mesmo, é desprovido de qualquer propriedade concreta que não representa efetivamente senão uma contra-imagem do nada ou da ausência da idéia.”

[Mas é] somente a partir desse ser nada que se desenvolve o estado atual do mundo, diferenciado, mutável, apresentando já uma evolução, um processo de formação; e é somente depois de termos compreendido isso que chegamos a encontrar, de novo, sob essa transformação perpétua, ‘o conceito do ser universal idêntico a si mesmo’.”

Comparemos agora essa ‘nítida classificação dos esquemas gerais’ e esse ‘ponto de vista verdadeiramente crítico’, com as ingenuidades, as grosserias e os sonhos febricitantes de Hegel.”

Do reino da insensibilidade não se passa ao da sensação, apesar de toda a continuidade quantitativa, a não ser por um salto qualitativo do qual … podemos dizer que se diferencia infinitamente da simples variação de graus de uma só e mesma propriedade”

E, não contente com haver tomado de empréstimo o seu esquematismo daquele dentre os seus predecessores que ele mais calunia, o Sr. Dühring, depois de ter ele próprio dado o exemplo referido acima, de uma passagem brusca da quantidade em qualidade, tem a ousadia de falar de Marx nestes termos: ‘Como é cômico vê-lo (a Marx) referir-se a essa Idéia confusa e nebulosa de Hegel, de que a quantidade se transforma em qualidade!’

Do ser, Hegel passa à substância, à dialética. Aí, trata das determinações reflexas de seus antagonismos e contradições internas (por exemplo, negativo e positivo), depois chega à causalidade ou relação de causa e efeito, finalizando com o estudo da necessidade. Outra coisa não faz o Sr. Dühring. Onde Hegel escreve ‘teoria da substância’, o Sr. Dühring traduz por ‘propriedades lógicas do ser’.”

Quando, pois, o Sr. Dühring diz de si próprio: ‘nós, que não filosofamos de uma gaiola para fora’, ele quer dizer, sem dúvida, que filosofa dentro da gaiola

PARTE I. FILOSOFIA. FILOSOFIA DA NATUREZA. CAPÍTULO V. O TEMPO E O ESPAÇO

Essas proposições são literalmente copiadas de um livro bastante conhecido que apareceu, pela 1ª vez, em 1781 e que se intitula Crítica da Razão Pura” “Portanto, ao Sr. Dühring cabe unicamente a glória de ter batizado uma idéia de Kant com o nome de ‘lei do número determinado’ e de ter descoberto a existência de um tempo onde ainda não existia tempo, mas sim apenas o mundo. Quanto ao resto, isto é, quanto àquilo que, na análise do Sr. Dühring, tem algum sentido, ao subentender ‘nós’, na expressão ‘Encontramos’, quer se referir a Immanuel Kant; a atualidade das descobertas do Sr. Dühring tem apenas 95 anos.” HAHAHAHAHAA!

Mas acontece que Kant não considera, de modo algum, a tese acima como provada por sua demonstração. Ao contrário, na página seguinte sustenta e prova que o mundo não tem começo no tempo nem limite no espaço e justamente nisso é que reside a antinomia, a contradição irredutível, segundo a qual podemos provar tanto uma tese como a sua contrária.”

A série infinita adaptada ao mundo espacial é uma linha tirada em direção ao infinito, a partir de um ponto determinado, numa direção determinada. Isso exprime, mesmo remotamente, a infinidade do espaço? Pelo contrário: bastam 3 linhas tiradas a partir desse ponto único, em 6 direções opostas, para circunscrever as direções do espaço e teríamos assim 6 dimensões. Kant o compreendeu tão bem que não foi senão indiretamente, por um rodeio, que ele transportou a sua série numérica para o mundo espacial. O Sr. Dühring, pelo contrário, força-nos a admitir 6 dimensões no espaço e, logo depois, esquecendo-se do que afirmou, não encontra palavras para exprimir a sua indignação contra o misticismo matemático de Gauss que não queria contentar-se com as 3 tradicionais dimensões do espaço!” “A supressão da contradição seria o fim da infinidade. Hegel já o havia visto muito bem e é por isso que trata aos que se dedicam a fantasiar sobre essa contradição com um merecido desprezo.” Esse trecho não resta claro.

Esse Deus e esse Além, que o Sr. Dühring pretendia haver eliminado tão galhardamente de sua ‘esquemática do universo’, ele próprio os reintroduz, reforçados e aprofundados, em sua filosofia da natureza.”

PARTE I. FILOSOFIA. FILOSOFIA DA NATUREZA. CAPÍTULO VI. COSMOLOGIA, FÍSICA, QUÍMICA

A teoria sobre a gênese dos mundos atuais, pela rotação das massas nebulosas, foi o maior progresso que a astronomia fez desde Copérnico. Pela primeira vez abalou-se a idéia de que a natureza não teria história no tempo. Até então, acreditava-se, os corpos celestes se moviam, constantemente, desde a sua origem, nas mesmas órbitas invariáveis; e se bem fosse admitido que sobre cada um dos corpos celestes os seres orgânicos individuais pereciam, entendia-se que essa morte não afetava em nada às espécies e aos gêneros. A natureza estava, de fato, visivelmente empenhada num movimento perpétuo: mas esse movimento parecia não ser mais que a repetição incessante dos mesmos fenômenos. Nessa concepção, que correspondia inteiramente ao método filosófico metafísico, Kant abriu a primeira brecha, e isso de maneira tão científica que a maior parte dos argumentos empregados por ele tem, ainda hoje, um grande valor. É certo que a teoria de Kant não é, ainda agora, rigorosamente mais que uma hipótese. Mas o sistema cosmológico do próprio Copérnico não conseguiu ser senão uma hipótese, até hoje; e, depois que as investigações espectroscópicas, derrubando todos os argumentos contrários, apresentaram a prova evidente de que existem tais massas gasosas ígneas no firmamento, a oposição científica à teoria de Kant foi reduzida ao silêncio. O Sr. Dühring não pode, igualmente, construir o seu mundo, sem apelar para um estado de nebulosidade precedente, mas ele vinga-se exigindo que lhe demonstrem o sistema mecânico dessa nebulosa e, como não pôde ser atendido, investe contra essa demonstração com toda a espécie de epítetos desdenhosos.”

Observemos, de passagem, que, na ciência da natureza, a massa de névoa de Kant, que é designada atualmente pelo nome de nebulosa primitiva, não deve ser tomada, como é fácil compreender, senão num sentido relativo. Quando dizemos que ela é nebulosa primitiva, por um lado, queremos dizer que nela está a origem dos corpos celestes existentes e que ela é, por outro lado, a mais antiga forma de matéria a que podemos, até agora, remontar. O que absolutamente não exclui, mas, pelo contrário, supõe que a matéria tenha atravessado, antes da nebulosa primitiva, uma série infinita de outras formas.”

A unidade de matéria e força mecânica, à qual damos o nome de meio universal, é uma fórmula por assim dizer lógico-real, da qual nos valemos para designar o estado da matéria idêntico a si próprio, como fase prévia de todas as etapas da evolução que possamos estabelecer.”

fórmula lógico-real não é senão uma fraca tentativa de utilizar, na ‘filosofia da realidade’, as categorias hegelianas do em-si (Ansich) e para-si (Fürsich). Na primeira categoria reside, para Hegel, a identidade primitiva das antíteses ainda latentes e embrionárias, ocultas numa coisa, num fenômeno, num conceito; na segunda, manifestam-se a diferenciação e a separação desses elementos ocultos e começa o seu conflito.”

Nunca, em parte alguma, existiu, nem pode existir, matéria sem movimento. Movimento no espaço absoluto, [vácuo?] movimento mecânico de pequenas massas em qualquer dos mundos existentes, vibrações moleculares sob a forma de calor, de corrente elétrica ou magnética, de análise e síntese químicas, vida orgânica: em qualquer uma dessas formas de movimento, ou em várias ao mesmo tempo, é que se encontra, no mundo, cada átomo de matéria, em cada instante determinado.” “O movimento não pode, por conseqüência, ser criado ou destruído, como também não pode ser a própria matéria, e é a isso que a antiga filosofia (Descartes) se refere quando afirma que a quantidade de movimento existente no mundo é sempre a mesma.”

restaria ainda a dificuldade de se saber, em primeiro lugar, como o mundo foi carregado de forças, visto que nem hoje os fuzis se carregam por si próprios. Em segundo lugar, era preciso saber qual foi o dedo que apertou o gatilho. Por mais que mudemos a direção, por voltas e voltas, pelos ensinamentos do Sr. Dühring, chegamos sempre ao dedo… da Providência.”

Essa explicação é naturalmente uma hipótese, como, aliás, toda a teoria mecânica do calor, pois que ninguém, até agora, viu uma molécula e, muito menos, uma molécula vibrátil. Esta hipótese está cheia de defeitos como, aliás, toda a teoria térmica que é ainda bastante nova; mas pode, pelo menos, explicar os fenômenos sem entrar em contradição com a lei segundo a qual o movimento não se perde, nem se cria, ao mesmo tempo em que é capaz de explicar, com clareza, a existência do calor no curso de suas metamorfoses. O calor latente ou retidão não é, de maneira alguma, um impulso para a teoria mecânica do calor. Pelo contrário, essa teoria dá, pela primeira vez, uma explicação racional dos fenômenos e torna-se estranho que os físicos continuem a dar ao calor, transformado numa outra forma de energia molecular, o qualificativo antiquado e impróprio de ‘calor retido’.” “Quanto mais avançamos na filosofia da natureza do Sr. Dühring, mais nos parecem inconcebíveis e inconsistentes todas as tentativas de explicar o movimento pela imobilidade ou de encontrar a ponte pela qual o que está em repouso e é puramente estático poderia por si mesmo passar ao dinâmico, ao movimento.”

Volta a se dar aqui a mesma história que acima se deu com Kant: o Sr. Dühring arranja não importa que velha banalidade arqui-conhecida, cola sobre ela uma etiqueta de Dühring e chama as coisas de ‘resultado e concepções essencialmente originais … idéias criadoras de sistema … ciência radical …’

uma coisa há que o Sr. Dühring pode afirmar com segurança: ‘O ouro existente no universo existiu necessariamente sempre na mesma quantidade e não pode, assim como a própria matéria universal, aumentar ou diminuir’. Mas o que podemos comprar com esse ‘ouro’, o Sr. Dühring infelizmente não nos diz.”

PARTE I. FILOSOFIA. FILOSOFIA DA NATUREZA. CAPÍTULO VII. O MUNDO ORGÂNICO

No interior da órbita da vida, os saltos tornam-se cada vez mais raros e imperceptíveis. Desse modo é Hegel, mais uma vez, quem deve corrigir o Sr. Dühring.” “Para qualquer lado que volvamos os olhos, encontramos, nas afirmações do Sr. Dühring, grosserias hegelianas que ele põe sem nenhum constrangimento a serviço de sua ciência radical.”

O próprio Sr. Dühring, que, à menor tendência ‘espiritista’ em outrem, explode numa indignação moral sem limites, afirma-nos com certeza que ‘as sensações instintivas foram criadas, em primeiro lugar, graças à satisfação que está ligada a seu funcionamento’.”

Ora, Darwin não sonhou sequer em dizer que a origem da idéia da luta pela existência era a teoria de Malthus. O que ele diz é que a sua teoria da luta pela existência é a teoria de Malthus aplicada a todo o mundo vegetal e animalPor maior que fosse o deslize cometido por Darwin de aceitar, na sua ingenuidade, a teoria malthusiana, vê-se logo, a um primeiro exame, que, para se perceber a luta pela existência na natureza – que aparece na contradição entre a multidão inumerável de germes engendrados pela natureza, em sua prodigalidade, e o pequeno número desses germes que podem chegar à maturidade, contradição que, de fato, se resolve em grande parte numa luta – às vezes extremamente cruel – pela existência, não há necessidade das lunetas de Malthus. E, assim como a lei que rege o salário conservou o seu valor muito tempo depois de estarem caducos os argumentos malthusianos sobre os quais Ricardo a baseava – a luta pela existência pode igualmente ter lugar na natureza sem nenhuma interpretação malthusiana.”

“‘Se se tivesse procurado, no esquematismo interno da procriaçãoqualquer princípio de modificação substantiva, teria sido muito racional, porquanto é uma idéia bastante natural a de harmonizar o princípio da gênese geral com o da reprodução sexual, e a de conceber, de um ponto de vista superior, o que se chama de geração espontânea, não como o contrário da reprodução, mas precisamente como um caso de produção.’ E o homem que pôde redigir semelhante tolice não hesita em censurar Hegel pela sua ‘gíria’.”

Não temos, contudo, o direito de esquecer que, ao tempo de Lamarck, a ciência estava muito longe de dispor de materiais suficientes para poder resolver a questão da origem das espécies a não ser como uma antecipação a sua época, ou, por assim dizer, de uma maneira profética. Sem contar a massa enorme de materiais de zoologia e de botânica, anatômicos e descritivos, que foram reunidos a partir dessa época, surgiram depois de Lamarck 2 ciências inteiramente novas e de importância decisiva neste terreno, que estudam – uma a evolução dos germes vegetais e animais (embriologia) – e outra os vestígios orgânicos conservados nas diversas camadas da crosta terrestre (paleontologia).¹ Com efeito, descobriu-se que existe uma coincidência entre a evolução gradativa, segundo a qual os germes orgânicos se tornam organismos adultos, e a série cronológica das plantas e animais que aparecem sucessivamente na história da terra. E foi precisamente essa coincidência que deu à teoria da evolução a sua base mais sólida. Mas a teoria da evolução é ainda bastante nova e, por conseqüência, está fora de qualquer dúvida que as pesquisas ulteriores devem modificar notavelmente as idéias atuais, inclusive as que são estritamente darwinistas, sobre o processo da evolução das espécies.”

¹ Como repara o leitor de Origem das Espécies, Darwin até superestima a importância de achados paleontológicos.

Finalmente, ele nos adverte contra o abuso das palavras metamorfose e evolução. Segundo ele, a idéia de metamorfose é um conceito vago e a idéia da evolução só pôde ser admitida na medida em que se pôde verdadeiramente provar a existência das leis que a regem. E aconselha-nos a substituir ambas as palavras pelo termo ‘composição’ e então tudo irá bem. É sempre a mesma história: as coisas continuam como são e o Sr. Dühring mostra-se todo satisfeito se lhes mudamos o nome.

Faremos uma grande confusão se falarmos na evolução do pinto dentro do ovo, porque não conhecemos a ciência das leis que regem esse processo. Para esclarecer, devemos substituir, apenas, a palavra ‘evolução’ pela palavra ‘composição’. Não diremos mais: ‘essa criança desenvolve-se magnificamente’, mas sim, ‘essa criança compõe-se esplendidamente’. E podemos felicitar o Sr. Dühring pelo fato de, não contente com enfileirar-se dignamente ao lado do autor do Anel dos Niebelung, no que se refere ao alto conceito que tem de si mesmo, ainda não lhe fica atrás como ‘compositor’ do futuro.” HAHAHAHAHAHAHA!

PARTE I. FILOSOFIA. FILOSOFIA DA NATUREZA. CAPÍTULO VIII. O MUNDO ORGÂNICO (CONCLUSÃO)

Não existe átomo, como se sabe, para a gravitação ou qualquer outra forma dinâmica, mecânica, ou física, mas somente para a ação química.”

O núcleo celular estrangula-se primeiramente em seu centro; o estrangulamento que separa os 2 lóbulos do núcleo torna-se cada vez mais acentuado; por fim, separam-se e formam 2 núcleos celulares independentes. O mesmo processo que se dá com os núcleos estende-se à célula: cada um dos 2 núcleos torna-se o centro de um agregado de matéria celular: os agregados são ligados por um fio cada vez mais delgado até que se separam, passando a viver como 2 células independentes. É pela repetição de tais desdobramentos que a bolha germinal do ovo animal, depois que se processa a fecundação, engendra, pouco a pouco, todo o novo organismo”

Como vemos, o Sr. Dühring, no seu exemplo de caracterizar a vida, ‘no sentido estrito e rigoroso do termo’, apresenta 4 critérios inteiramente contraditórios de vida, que se excluem uns aos outros, sendo que condena à morte não só todo o reino vegetal, mas ainda cerca de metade do reino animal.”

Portanto, o característico de todos os seres animais é o de serem capazes de ter sensações, isto é, terem percepções subjetivamente conscientes dos estados pelos quais atravessam. A verdadeira linha divisória entre a planta e o animal está ali onde se realiza o salto para a sensação. E esse limite é tão claro e resiste tanto a deixar-se apagar pelas conhecidas formas intermediárias que, justamente essas formações exteriormente indistintas ou indetermináveis são as que se convertem numa necessidade lógica.”

Primeira, advertiremos que já Hegel dizia (Filosofia da Natureza, pág. 351, nota diferencial) que ‘a sensação é a differentia specifica, a característica absoluta do animal’.”

Em segundo lugar, ouvimos falar, pela primeira vez, de formações intermediárias exteriormente indistintas ou indeterminadas (delicioso patuá) entre o reino animal e o vegetal. (…) E tudo isso sugere ao Sr. Dühring a necessidade lógica de fixar uma característica diferencial que, ao mesmo tempo, afirma ser insustentável.”

Em terceiro lugar, temos mais uma ‘criação e livre imaginação’ do Sr. Dühring ao afirmar que a sensação está sempre, psicologicamente, ligada à existência de um sistema nervoso qualquer, ‘por mais simples que seja’. (…) Não é senão a partir dos vermes que o encontramos regularmente e o Sr. Dühring é o primeiro a afirmar que, nesses animais, a ausência de sensação provém do fato de não terem nervos.”

Deve-se admitir que o animal provém, por evolução, da planta? Semelhante pergunta só poderia ser feita por um homem que nada entende nem do que é um animal, nem do que é uma planta.”

A mudança de substâncias que se realiza por meio de uma esquematização plasticamente modeladora (pode-se saber o que é isso?) continua sendo um caráter distintivo do processo vital propriamente dito.’ É tudo o que nos ensina sobre a vida.”

Entende-se pela expressão corpos albuminóides, aqueles de que trata a química moderna, que compreende, sob esse nome, todos os corpos complexos, cuja composição é análoga à da albumina normal e que também têm, às vezes, o nome de substâncias protéicas ou proteínas. Essa definição de vida não agrada aos homens, pois a albumina normal é, de todas as substâncias afins, a mais inanimada, a mais passiva, sendo, como a gema do ovo, uma simples substância nutritiva para o germe em gestação. Mas enquanto não nos adiantarmos mais na composição química dos corpos albuminóides, essa denominação será ainda a melhor, por ser a mais geral de todas.” “As definições têm sempre um valor científico muito precário. Para se ter um conhecimento verdadeiramente completo do que é a vida seria preciso relacionar todas as formas em que ela se manifesta, desde a inferior até a superior. Mas, para uso corrente, tais definições são bastante cômodas, havendo casos em que não se pode dispensá-las.”

E, assim, o universo cósmico subjetivo não é mais estranho para nós que o universo objetivo. A constituição desses 2 reinos deve ser concebida segundo um tipo harmônico; temos assim os elementos iniciais de uma teoria da consciência cujo alcance é mais do que terrestre.”

Passemos adiante!”

PARTE I. FILOSOFIA MORAL E DIREITO. CAPÍTULO IX. VERDADES ETERNAS

Abstemo-nos de dar algumas amostras do guisado de tolices e sentenças oraculares, ou seja, do simples charlatanismo que o Sr. Dühring serve a seus leitores em 50 páginas como sendo a ciência radical dos elementos da consciência. Não citaremos senão esta: ‘Quem não é capaz de pensar senão com a ajuda da linguagem não tem a menor idéia do que significa pensamento original e verdadeiro’. Segundo essa afirmativa, os animais são os pensadores mais originais e mais verdadeiros, pois o seu pensamento jamais é perturbado pela intromissão da linguagem. A dizer verdade, vê-se bem nos pensamentos dühringuianos e na linguagem que os exprime, quanto eles se adaptam mal a uma linguagem qualquer, e, por outro lado, como a linguagem, pelo menos a alemã, se ajusta com dificuldade a esses pensamentos.”

4 capítulos depois (da obra do Sr. Dühring, isto é)…

Mas, por outro lado, será sempre uma concepção própria à ampliação benfazeja dos nossos horizontes, o representarmos a vida individual e social, em outros astros, como baseada, necessariamente, na contextura fundamental e geral de um esquema que … não pode ser suprimido nem cancelado por nenhum ser que atue de modo inteligente.”

Já, por si mesma, a dúvida permanente é um estado doentio de fraqueza e não faz senão manifestar um desolado confusionismo que às vezes procura dar-se a aparência de alguma solidez, na consciência sistemática de sua nulidade. Em matéria de moral, a negação dos princípios universais apega-se às diversidades geográficas e históricas dos costumes e dos princípios morais; e, confessando-se a necessidade inevitável do mal e do perverso em moral, acredita-se livre da obrigação de reconhecer a comprovada vigência e a ação eficaz de padrões morais coincidentes[!!!] Esse ceticismo dissolvente, que se exerce não contra tal ou qual falso ensinamento objetivo, mas contra a própria capacidade que tem o homem de obedecer a uma moralidade consciente, atinge mesmo alguma coisa pior que o puro niilismo. [!!!] … Ele tem a ilusão de, facilmente, poder governar o seu tumultuoso caos de noções morais desagregadas e de poder abrir as portas ao Capricho destituído de princípios. Mas seu erro é imenso, pois é suficiente que se recordem as aventuras inevitáveis da razão na verdade e no erro. para que se reconheça, revelada por essa analogia, que a falibilidade das leis naturais não exclui necessariamente a possibilidade de saber encontrar o caminho exato.”

E quando digo conhecimento humano, não é que tenha qualquer intenção de ofender aos habitantes dos outros astros, que não tenho a honra de conhecer; mas é que os animais também têm um conhecimento, embora não seja nunca soberano; o cão, por exemplo, terá o seu dono por um Deus, o que não impede que esse Senhor seja o maior canalha do mundo.”

O OTIMISMO DE ENGELS: “Assim, pois, quando eu digo que esse pensamento de todos os homens, inclusive os vindouros, sintetizado no meu espírito, é soberano, capaz de conhecer, de modo absoluto, o mundo real, desde que a humanidade subsista o tempo necessário para isso e que não se produza, nem nos órgãos nem nos objetos do conhecimento, modificação capaz de limitar esse conhecimento, estarei dizendo uma coisa banal e, além disso, estéril. Porque o resultado mais precioso dessa idéia seria tornarmo-nos extremamente desconfiados quanto aos nossos conhecimentos atuais, posto que estamos, segundo toda a probabilidade, ainda quase no início da história da humanidade, tendo as gerações que nos corrigirão de ser seguramente muito mais numerosas que aquelas cujos conhecimentos – não poucas vezes com um olímpico desprezo – somos capazes de corrigir.”

Nesse sentido, podemos dizer que o pensamento humano é ao mesmo tempo soberano e não-soberano e a sua capacidade cognoscitiva é ao mesmo tempo limitada e absoluta. Soberano e absoluto quanto à sua capacidade, sua vocação, suas possibilidades, sua meta histórica final: não-soberano e limitado, quanto à sua aplicação concreta e à realidade de cada caso particular.”

Ao introduzir as grandezas variáveis e ao estender a sua variabilidade até o infinitamente grande e o infinitamente pequeno, as puritanas matemáticas cometeram o pecado original, morderam a maçã do bem e do mal, que lhes abriu um caminho de grandes triunfos, mas também de grandes erros.” “Mas é ainda pior o que se dá com a astronomia e a mecânica, sem falarmos da física e da química: nelas, o cientista move-se dentro de um turbilhão de hipóteses que o assaltam, de todos os lados, como um enxame de abelhas.”

átomos (…) e se a interferência das ondas luminosas não é uma fábula, não há a menor esperança de que possamos algum dia chegar a ver esses tão interessantes objetos com os nossos próprios olhos.”

Incomparavelmente mais difícil é o terreno em que pisamos em geologia, ciência que estuda, por sua própria natureza, e em primeiro lugar, fenômenos que não só não assistimos, como também não foram assistidos por nenhum outro homem, em época alguma. Aqui, a procura de verdades definitivas inapeláveis é extraordinariamente penosa, e de rendimento escassíssimo, além do mais.”

A segunda categoria de ciências é a das que têm a seu cargo a investigação dos fenômenos que ocorrem nos organismos vivos.” “Pense-se na imensa sucessão de fases intermediárias que foi preciso percorrer-se, desde Galeno até Malpighi, para tornar clara uma coisa tão simples como a circulação do sangue nos mamíferos” “De vez em quando, e com muita freqüência, aparece uma descoberta, como esta da célula, que nos obriga a submeter a uma total revisão as noções que considerávamos verdades definitivas e inapeláveis no campo da biologia e a deixar de lado, para sempre, inúmeras delas.”

Mas as verdades eternas saem perdendo ainda mais no 3º grupo de ciências, as ciências históricas, aquelas que investigam, na sua sucessão histórica e nos seus resultados atuais, as condições de vida dos homens, as relações sociais, as formas do Direito e do Estado, com as suas superestruturas ideal, filosófica, religiosa, artística, etc.”

As espécies animais e vegetais continuam sendo, de modo geral, as mesmas do tempo de Aristóteles. O mesmo não acontece na história da sociedade, na qual as repetições de situações, desde que ultrapassamos a pré-história da humanidade, a chamada Idade da Pedra, são a exceção e não a regra.”

Ainda mais: quando conseguimos conhecer, uma vez ou outra, a íntima ligação que existe entre as modalidades de vida, sociais e políticas, de uma época, isso acontece, em regra geral, quando essas formas estão já semi-decadentes e caminham para a morte.”

Entretanto, é notável que seja este precisamente o campo em que, com maior freqüência, deparamos com pretensas verdades eternas, verdades definitivas e inapeláveis, etc. Considerar verdades eternas que 2 + 2 = 4, que os pássaros têm bico, e outras coisas deste gênero, não mais pode ocorrer a quem abrigue a secreta intenção de estabelecer o princípio das verdades eternas de modo geral, para deste princípio extrair deduções sobre a existência, também no campo da história humana, de verdades eternas, como sejam, uma moral eterna, uma justiça eterna, etc., com os mesmos títulos de legitimidade e o mesmo alcance que as verdades matemáticas e as aplicações dessas verdades.” “Centenas e milhares de vezes tais coisas já se passaram, de tal modo que se tem que ficar assombrado, de que haja ainda homens que sejam bastante ingênuos para acreditar, já não digo nas plataformas dos outros, mas nas suas próprias.”

Sabemos já que a negação, ou, mais ainda, a simples dúvida a respeito das verdades eternas, é um ‘estado de debilidade doentia’, um ‘desesperado confusionismo’, uma ‘nulidade’, um ‘nada’‘ceticismo desagregador’‘ainda pior que o simples niilismo’, um ‘caos de confusão’, e não sei quantas outras delicadezas do mesmo gênero. Já se sabe que os profetas não precisam molestar-se em realizar investigações críticas e científicas, pois lhes basta fulminar-nos com seus raios morais.”

e, como sabemos, todos os livros que se escreveram ou que continuam sendo preparados sobre lógica demonstram completamente que também neste campo não abundam, como muitos acreditam, as verdades eternas e inapeláveis.”

Tomemos, como exemplo, a conhecida lei de Boyle, segundo a qual, permanecendo invariável a temperatura, varia o volume dos gases na razão inversa da pressão a que estão submetidos. Regnault descobriu que esta lei não era aplicável a certos casos. Se tivesse sido um ‘filósofo da realidade’, deveria ter dito: a lei de Boyle é mutável; não é, portanto, uma autêntica verdade, ou seja, não é uma verdade, mas sim um erro. Mas com isso teria cometido um erro muito maior que o existente na citada lei; a rocha granítica de sua verdade teria desaparecido como se fosse um torrão de areia na imensidade de seu erro; teria convertido o seu resultado originariamente exato num erro tal que, comparada com ele, a lei de Boyle, apesar da poeira de erros a ela aderida, resplandeceria como uma grande verdade. Mas Regnault, como cientista que de fato era, não se deixou levar por semelhantes puerilidades, tendo continuado a pesquisar, até descobrir que a lei de Boyle era apenas aproximadamente certa e que deixava de sê-lo, sobretudo na presença de gases que, quando submetidos à pressão, se tornavam fluidos, ou, mais concretamente, a lei deixava de ser certa a partir do momento em que a pressão se aproximava do ponto de fluidez. A lei de Boyle só se mantinha exata dentro de certos limites. Mas, dentro destes limites, era absoluta, definitivamente verdadeira? Nenhum físico se atreverá a afirmar semelhante coisa. Responderá unicamente que esta lei é efetiva e exata dentro de certos limites de pressão e temperatura e para determinados gases; e mesmo dentro destes limites admitirá a possibilidade de que o seu campo de aplicação se restrinja mais ainda ou que a sua fórmula se modifique como resultado de posteriores investigações.

(*) [Nota de Engels] Posteriormente à data em que escrevi o trecho acima, parece ter-se confirmado essa hipótese. Segundo as últimas pesquisas feitas por Mendelelef e Bogusky, com aparelhos de maior precisão, todos os verdadeiros gases revelaram relações variáveis entre pressão e volume; o coeficiente de expansão do hidrogênio tinha sido positivo, em todas as pressões aplicadas até então (diminuía o volume com maior lentidão conforme aumentava a pressão); no ar da atmosfera e em todos os demais gases investigados, foi descoberto um ponto morto de pressão, de tal modo que, nos casos de pequena pressão, aquele coeficiente era positivo, convertendo-se em negativo com o aumento de pressão. Assim, a lei de Boyle, embora utilizável ainda, praticamente, precisará ser completada, de acordo com os resultados das pesquisas, por toda uma série de leis especiais. (Atualmente – 1885 – já sabemos, além disso, que não existem, de modo algum, ‘verdadeiros’ gases, pois que todos podem ser reduzidos ao estado fluido).”

As idéias do bem e do mal variaram tanto de povo para povo, de geração para geração, que, não poucas vezes, chegam a se contradizer abertamente.” “Que espécie de moral nos pregam hoje? Temos, em primeiro lugar, a moral cristã-feudal, que nos legaram os velhos tempos da fé e que se divide, fundamentalmente, numa moral católica e numa moral protestante, com toda uma série de variações e subdivisões que vão desde a moral católica dos jesuítas e a moral ortodoxa dos protestantes, até uma moral de certo modo liberal e tolerante. E, ao lado dessas, temos a moderna moral burguesa e, ao lado da moral burguesa moderna, a moral proletária do futuro.”

AH, ENGELS! “Que esta evolução se processa sempre, em largos traços, da mesma forma no campo da moral como no dos demais ramos do conhecimento humano e sempre num sentido de progresso, é o que nos parece indubitável.”

o fato de que o tipo de gato, que é encontrado nessa espécie animal com a falsidade que o caracteriza, pode ser comparado com a contextura de certos caracteres humanos, colocados, assim, no mesmo plano que esses bichos … O mal não é, pois, nada misterioso, a menos que se queira farejar alguma coisa de místico na existência do gato ou na dos felinos em geral.”

Goethe cometeu um erro imperdoável quando, em seu Fausto, apresentou Mefistófoles na forma de um cão negro, em vez de dar-lhe a figura de um gato.”

PARTE I. FILOSOFIA MORAL E DIREITO. CAPÍTULO X. A IGUALDADE

Esses 2 homens de encomenda são patrimônios de todo o século XVIII. Já os conhecemos em 1754 no Discurso sobre a desigualdade do homem, de J.J. Rousseau, onde – seja dito entre parênteses – se demonstra, também ‘axiomaticamente’, o contrário do que o Sr. Dühring afirma. Tornamos a nos encontrar com eles, desempenhando um papel de relevo, na economia política, desde Adam Smith até Ricardo, embora já não sejam, nesse assunto, completamente iguais, pois que exercem ofícios diferentes – geralmente os de caçador e pescador – e trocam entre si os seus produtos. Mas o século XVIII se utiliza, de um modo quase exclusivo, desses personagens, a título de ilustração e exemplo; a originalidade do Sr. Dühring consiste em tornar esse método puramente ilustrativo como método fundamental aplicável a toda a ciência da sociedade e como critério para o estudo de todas as manifestações históricas.”

aceitação voluntária da servidão é encontrada em toda a Idade Média e, na Alemanha, chega mesmo até a Guerra dos 30 Anos. Quando, na Prússia, depois das derrotas de 1806 e 1807, foi abolida a servidão e com ela a obrigação imposta ao nobre feudal de zelar pelos seus súditos, em casos de miséria, enfermidade ou velhice, dirigiram-se os camponeses ao rei para suplicar que os deixasse continuar como servos, pois, de outro modo, quem iria cuidar deles e ampará-los na miséria?”

Mas deixemos por um momento este assunto e suponhamos que nos tenha convencido a axiomática do Sr. Dühring e que estejamos verdadeiramente entusiasmados com a absoluta equiparação das 2 vontades, com a ‘soberania humana geral’, com a ‘soberania do indivíduo’, verdadeiras expressões maravilhosas ao lado das quais ‘Único’, de Max Stirner, com todas as suas propriedades, fica obscurecido, embora também a ele seja devida uma parte modesta da criação.”

Ali, onde homem e animal formam uma só pessoa, pode-se perguntar, em nome de uma 2ª pessoa completamente humana, se a sua conduta pode, neste caso, ser a mesma que teria sido frente a pessoas exclusivamente humanas, digamos assim … Começamos por supor 2 pessoas moralmente desiguais, uma das quais tem, de certo modo, um pouco do caráter das bestas, e, dessa forma, criamos um esquema fundamental aplicável a todas as relações que podem, de acordo com essa diferença, ser encontradas … entre os grupos humanos e dentro deles.”

procure entender o atormentado libelo que o Sr. Dühring apresenta (…) dá voltas e mais voltas, deslizando por sendas tortuosas, como um jesuíta”

Assim, a igualdade também termina ali onde 2 pessoas são ‘moralmente desiguais’. Então, para que esse esforço todo no sentido de reunir 2 seres humanos absolutamente idênticos, se sabemos que não existem 2 pessoas que sejam moralmente iguais? Pois é o Sr. Dühring quem nos diz que a desigualdade consiste em que uma delas é pessoa humana, enquanto que a outra tem dentro de si uma qualquer coisa de besta.” “A classificação dos homens em 2 bandos nitidamente distintos e separados, o dos humanos e os dos bestiais, os bons e os maus, os cordeiros e os lobos, somente pode ser admitida pela filosofia da realidade e pelo cristianismo, com a diferença de que este é mais conseqüente, pois cria um juiz universal, que tem a seu cargo a tarefa da classificação de cada indivíduo num dos 2 grupos.”

Quando, no verão de 1873, o general Kauffmann caiu, como um vendaval, sobre a tribo tártara dos jomudas, incendiou suas tendas, massacrou, ‘à boa maneira caucasiana’, como rezava a ordem, as mulheres e as crianças, invocava ele também a necessidade inevitável de submeter a vontade ‘desviada e hostil’ daqueles selvagens, para reduzi-los aos ‘vínculos coletivos’, afirmando que os meios postos em prática por ele eram os mais eficazes para conseguir tal coisa; e já se sabe, além do mais, que os fins justificam os meios. O que verificamos é que o general conquistador era um pouco menos cruel, pois não lhe ocorria, além de tudo, rir-se dos jomudas, enganando-os com a fábula de que, ao exterminá-los, como ‘compensação’, não fazia mais que render homenagem à sua própria vontade, acatando-a como ‘igualmente legítima’. Neste conflito, os eleitos são ainda, em última instância, os filósofos da realidade, que dizem agir de conformidade com a verdade e a ciência, e que portanto são chamados a definir o que quer dizer a superstição, o preconceito, a brutalidade, o que são as tendências malignas do caráter e quando é que devem ser indicadas a dominação e a força como meios de compensação.”

No fato de ver implícito na pena um direito próprio do criminoso é que se reconhece e se honra a este como um ser racional (Hegel, Filosofia do Direito, § 100, nota).”

Não precisamos ver como, pouco a pouco, vai o Sr. Dühring navegando para as águas tranqüilas da construção de seu Estado socialitário do futuro, no qual teremos oportunidade, numa manhã de bom tempo, de fazer-lhe uma visita. Basta-nos o que foi dito atrás para compreender que a completa igualdade entre as 2 vontades fica liquidada desde o momento e no ponto exato em que qualquer uma delas chegue a desejar alguma coisa. Compreendemos, desse modo, que, desde o momento em que deixam de ser vontades humanas como tais e passam a ser vontades reais, individuais, acabou-se a igualdade das vontades de 2 homens reais e concretos. Compreendemos que a infância, a loucura, o que ele chama de bestialidade, a suposta superstição, os preconceitos denunciados, a presumida incapacidade de um lado e o prurido de humanidade de outro, o domínio da verdade e das ciências, ou seja, que a mínima diferença do ponto de vista qualitativo entre as 2 vontades, ou no tocante à inteligência que as orienta, justificam uma desigualdade que pode chegar até a submissão. Para quê continuar, quando já o próprio Sr. Dühring pulveriza tão radicalmente, em seus próprios fundamentos, o seu edifício da igualdade?”

Foram precisos muitos milhares de anos e, de fato, passaram, antes que aquela idéia primitiva da igualdade relativa inspirasse, como um corolário, a idéia da igualdade dentro da sociedade e do Estado, e muito mais tempo seria preciso até que esta dedução se impusesse como algo evidente e natural.”

A invasão do ocidente da Europa pelos germanos varreu por vários séculos toda idéia de igualdade, levantando, pouco a pouco, uma hierarquia social e política tão complicada como até então não se conhecera; entretanto, ao mesmo tempo, a invasão germânica arrastava consigo, para o mesmo movimento histórico. todos os países do ocidente e do centro da Europa, criando, pela primeira vez, uma área compacta de cultura e sobre esta área erigindo, também pela 1ª vez na história, um sistema de Estados predominantemente nacionais, que se influenciavam e se contrapunham uns aos outros.”

Além disso, no bojo da Idade Média feudal, entrou em gestação a classe chamada a proclamar quando atingisse a idade madura, o postulado da igualdade humana moderna: a burguesia.” Esses artesãos são cheios de artes!

O comércio extra-europeu, que até então se realizava somente entre a Itália e os portos do Levante, torna-se extensivo agora à América e à Índia e logo ultrapassa em importância o intercâmbio entre muitos países europeus e mesmo o comércio interior destes países. O ouro e a prata da América inundaram a Europa e penetraram, como um ácido corrosivo, em todos os poros, fendas e vácuos da sociedade feudal.”

A passagem do artesanato para a manufatura pressupõe a existência de um certo número de operários livres – livres, de um lado, dos entraves gremiais e, de outro, donos dos meios de explorarem, por si próprios, a sua força de trabalho – capazes de estabelecer contrato com o fabricante, vendendo-lhe a sua força de trabalho, e que, portanto, sejam capazes de contratar de igual para igual.”

Por todas as partes se erguiam privilégios locais, barreiras alfandegárias para cada produto, leis de exceção de todo o gênero, prejudicando o comércio não só dos estrangeiros e dos habitantes das colônias, mas até, muitas vezes, de categorias inteiras dos próprios súditos do país; por todas as partes, inúmeros privilégios gremiais barravam-lhes o caminho e se antepunham ao desenvolvimento da manufatura.”

Embora proclamado este postulado da igualdade de direitos no interesse da indústria e do comércio, não havia mais remédio senão torná-lo extensivo também à grande massa de camponeses que, submetida a todas as nuanças de vassalagem, que chegava até a servidão completa, passava a maior parte de seu tempo trabalhando gratuitamente nos campos do nobre senhor feudal, além de ter de pagar a ele e ao Estado uma infinidade de tributos.” “E como a sociedade não vivia mais num império mundial como o romano, mas sim dividida numa rede de Estados independentes, que mantinham entre si relações de igualdade e tinham chegado a um grau quase burguês de desenvolvimento, era natural que aquelas tendências adquirissem um caráter geral, ultrapassando as fronteiras dos Estados, e era natural, portanto, que a liberdade e a igualdade fossem proclamadas direitos humanos. Para compreender o caráter especificamente burguês de tais direitos humanos, nada mais eloqüente que a Constituição norte-americana, a primeira em que são definidos os direitos do homem, na qual, ao mesmo tempo, se sanciona a escravidão dos negros, então vigente nos Estados Unidos, e se proscrevem os privilégios de classe, enquanto que os privilégios de raça são santificados.”

E ao movimento da igualdade burguesa acompanha, também, como a sombra ao corpo, o movimento da igualdade proletária.” “Os proletários colhem a burguesia pela palavra: é preciso que a igualdade exista não só na aparência, que não se circunscreva apenas à órbita do Estado, mas que tome corpo e realidade, fazendo-se extensiva à vida social e econômica. E, desde que a burguesia francesa, sobretudo depois da Grande Revolução, passou a considerar em primeiro plano a igualdade burguesa, o proletariado francês coloca, passo a passo, as suas próprias reivindicações, levantando o postulado da igualdade social e econômica, e, a partir dessa época, a igualdade se converte no grito de guerra do proletariado, e, muito especialmente, do proletariado francês.”

Este postulado da igualdade não é mais que uma explosão do instinto revolucionário e somente isso é que o justifica. Outras vezes, no entanto, nasce esse postulado como reação contra o postulado de igualdade da burguesia e tira dele muitas conseqüências avançadas, mais ou menos exatas, sendo utilizado como meio de agitação para levantar os operários contra os capitalistas, usando para isso frases tomadas dos próprios capitalistas e, considerado desse aspecto, se organiza e cai por terra esse postulado juntamente com essa mesma liberdade burguesa.” “abolição das classes”

Como vemos, a idéia da igualdade, tanto na sua forma burguesa como na proletária, é, por si mesma, um produto histórico que somente podia tomar corpo em virtude de determinadas condições históricas, as quais, por sua vez, tinham por trás de si um grande passado. Está longe, pois, de ser uma verdade eterna. E se alguma coisa é atualmente evidente para o grande público – num ou noutro sentido – se, como diz Marx – alguma coisa ‘possui já a completa estabilidade de um preconceito popular’, não há de ser devido à sua verdade axiomática, mas por ser resultado da difusão generalizada e da permanente atualidade das idéias do século XVIII. Portanto, se o Sr. Dühring pode se dar ao luxo de colocar os seus 2 homens a viver num plano de igualdade, isso se dá, pura e simplesmente, porque para o povo, devido a esse preconceito, parece essa igualdade ser a coisa mais natural do mundo. Não esqueçamos que o Sr. Dühring chama de filosofia natural à sua filosofia, por ser proveniente de toda uma série de coisas que parecem a ele naturalíssimas.”

PARTE I. FILOSOFIA MORAL E DIREITO. CAPÍTULO XI. LIBERDADE E NECESSIDADE

Comecei por dedicar-me ao estudo da jurisprudência e não só consagrei a ela os 3 anos usuais da preparação teórica universitária, como ainda mais 3 anos da prática judicial, ocupados por um constante estudo, principalmente destinado a aprofundar o seu conteúdo científico … Também enfrentaria seguramente a crítica das instituições de direito privado e suas correspondentes imperfeições jurídicas, com idêntico domínio da matéria, se não estivesse certo de conhecer todos os pontos fracos desta especialidade, da mesma forma que conhecia os seus pontos fortes.”

os estudos jurídicos primários do Sr. Marx, tão descuidados, segundo ele mesmo confessa”

Mas observemos de perto os conscienciosos estudos especializados e o profundo domínio da ciência, adquirido por nosso jurista, durante os 3 anos de prática judiciária.”

O Ministério Público, mergulhado no direito nacional prussiano, passou por alto, da mesma forma que o Sr. Dühring, a diferença essencial que distingue o preceito francês, concreto e preciso, da confusa imprecisão da norma prussiana, e, desse modo, pretendeu envolver Lassalle num processo tendencioso, tendo saído fragorosamente derrotado. Afirmar que o direito processual francês, assim como o prussiano, admite uma absolvição de instância, uma ‘meia-absolvição’, exige uma audácia que só se pode permitir em quem desconhece completamente o moderno direito francês. O direito francês admite apenas, com relação ao processo penal, uma absolvição ou uma condenação – não há meio termo.” “Não temos outro remédio senão concluir que o Sr. Dühring ignora, de modo absoluto, o único Código Civil moderno que se baseia nas conquistas sociais da Grande Revolução Francesa e que traduz estas conquistas para a linguagem jurídica: o moderno direito francês.” “o Sr. Dühring ignora completamente não apenas o único direito moderno, o direito francês, como demonstra mesmo idêntica incultura com respeito ao único direito germânico que se desenvolveu até os nossos dias, estendendo-se aos 4 cantos do mundo, fora de qualquer influência romana: o direito inglês.”

O que poderá significar o mundo de língua inglesa com o amálgama pueril de sua linguagem, ao lado de nosso vigoroso e antiquíssimo idioma?’ Basta-nos responder a isto com as palavras de Spinoza: ‘Ignorantia non est argumentum’.

Depois do que acabamos de expor, somos forçados a concluir que os conscienciosos estudos especializados do Sr. Dühring se reduziram a 3 anos de esforços teóricos consagrados ao Corpus Juris e outros 3 anos de preocupações práticas ao nobre Direito Nacional Prussiano. Estudos bastante meritórios, sem dúvida, e que são suficientes para um respeitabilíssimo juiz distrital ou para um senhor advogado prussiano. Mas quando se deseja criar uma filosofia do direito que seja válida para todos os mundos e todos os tempos, achamos que não seria demais acumular um pequeno conhecimento das instituições jurídicas de países como a França, a Inglaterra e os Estados Unidos da América, que representaram na História, e ainda representam, um papel bastante diferente que o direito desse recanto da Alemanha onde floresce o direito nacional prussiano.”

Também o anti-semitismo, tendo ou não importância e que é levado a extremos ridículos, merecendo o entusiasmo do Sr. Dühring, nos demonstra a mesma qualidade, se não especificamente prussiana, pelo menos característica de uma determinada região da Prússia: o Leste do Elba.”

O socialismo é a única força capaz de fazer frente a Estados de população com uma forte mescla judia.’ (Estados de mescla judia! Que linguagem!)”

o direito nacional prussiano, esse código ilustrado do despotismo patriarcal, escrito num alemão que se parece com o que aprendeu o Sr. Dühring, código que parece estar cheio da era pré-revolucionária, pelas suas glórias morais, pelo seu estilo vago e pela falta de consciência jurídica, bem como pelos açoites que adotava como meio de tortura e como pena.”

liberdade seria, pois, a linha média entre a razão e o instinto, entre a inteligência e a irreflexão; poder-se-ia determinar o grau de liberdade, em cada indivíduo, de modo empírico, por meio de uma ‘equação pessoal’, para dizê-lo em linguagem astronômica.”

Essa 2ª definição da idéia da liberdade, que se choca flagrantemente com a 1ª, não é mais do que uma fraca vulgarização da filosofia hegeliana. Foi Hegel o primeiro que soube expor de um modo exato as relações entre a liberdade e a necessidade.”

O livre arbítrio não é, portanto, de acordo com o que acabamos de dizer, senão a capacidade de decisão com conhecimento de causa. Assim, pois, quanto mais livre for o juízo de uma pessoa com relação a um determinado problema, tanto mais nítido será o caráter de necessidade determinado pelo conteúdo desse juízo; ao contrário, a falta de segurança que, baseada na ignorância, parece escolher, livremente, entre um mundo de possibilidades distintas e contraditórias, está demonstrando, desse modo, justamente a sua falta de liberdade, está assim demonstrando que se acha dominada pelo objeto que pretende dominar.”

O fogo, obtido dessa forma, foi que permitiu ao homem o domínio sobre uma força da natureza, emancipando-o definitivamente das limitações do mundo animal. máquina a vapor não poderá jamais representar um passo tão gigantesco na história do homem, por mais que apareça, ante nossos olhos, como a representação de todas essas gigantescas forças produtivas a ela incorporadas e sem as quais não seria possível instaurar um regime social livre de todas as diferenças de classe, no qual desapareçam as preocupações com relação aos meios de subsistência individual e se possa falar, pela primeira vez, de uma liberdade verdadeiramente humana, de uma vida em harmonia com as leis naturais que conhecemos.”

para essa filosofia, a história, focalizada concretamente, se divide em 2 grandes épocas, a saber: 1) do estado da matéria idêntica a si mesmo até a Revolução Francesa; e 2) da Revolução Francesa até o Sr. Dühring.” HAHAHAHA

Os poucos milênios a que se pode remontar a recordação histórica, por meio de documentos originais, para estabelecer a estrutura da humanidade até os nossos dias, não significam grande coisa, quando se pensa na série de milênios que ainda estão por vir … O gênero humano, considerado como um todo, é ainda muito jovem, e, quando chegar o dia em que as documentações científicas retrospectivas possam operar com dezenas de milhares e não apenas com milhares de anos, o caráter espiritualmente pueril e incipiente de nossas instituições ter-se-á imposto, indiscutivelmente, como sendo uma hipótese evidente sobre a nossa época, que será, então, considerada como a mais primitiva das antiguidades.”

É preciso que se seja um Richard Wagner filósofo – embora sem o mesmo talento – para não se compreender que todos os desprezos, que se costumam lançar sobre a história humana anterior aos nossos dias, acabam por se voltar, necessariamente, contra o próprio resultado final de suas investidas, a chamada filosofia da realidade.”

É preciso viver a vida, a vida íntegra. O Sr. Dühring nos proíbe apenas duas coisas: ‘a imundície e o uso do tabaco’ e as bebidas e alimentos que ‘provocam sensação de nojo ou contêm qualquer outra qualidade contrária às sensações delicadas’. Mas como, no seu curso de economia, o Sr. Dühring dedica uma série de ditirambos à destilação de aguardente, devemos por isso entender que a sua proibição não é extensiva a estas bebidas, mas somente ao vinho e à cerveja. Proíbe-nos, também, o uso da carne e essa proibição eleva a filosofia da realidade àquelas alturas em que se colocou, em seu tempo, com tanto êxito, Gustav Strouve: nas alturas da mais pura futilidade.”

PARTE I. FILOSOFIA DIALÉTICA. CAPÍTULO XII. QUANTIDADE E QUALIDADE

a contradição na realidade, a névoa que parece levantar-se dos pretendidos mistérios da lógica, demonstrando a inutilidade do incenso que se gastou, aqui e ali, em homenagem ao fetiche de barro da dialética da contradição, grosseiramente talhado e burilado na esquemática dos antagonismos do mundo.”

Na sua História Crítica, o Sr. Dühring focaliza, de um modo completamente diferente, a dialética da contradição e nela, principalmente, a doutrina de Hegel: ‘Na lógica hegeliana, ou melhor, na teoria do logos, o contraditório não reside no pensamento, que, por sua própria natureza, só pode ser representado como função subjetiva e consciente, mas que existe objetivamente e pode ser apalpado, digamos, de um modo corporal, nas coisas e nos próprios fenômenos; ou seja, o contra-senso não é de fato uma combinação impossível de pensamentos, mas sim uma potência real. A realidade do absurdo é o primeiro artigo de fé na unidade hegeliana da lógica e da falta de lógica … Quanto mais contraditório, mais verdadeiro, ou melhor, quanto mais absurdo, mais verossímil. Esta máxima, que nem sequer é nova, pois provém da teologia da revelação e da mística, é a expressão pura e simples do chamado principio dialético.’

Considerando-se o papel de suma importância que a chamada dialética da contradição tem desempenhado na filosofia, desde os gregos antigos até os filósofos atuais, mesmo um adversário um pouco mais forte do que o Sr. Dühring sentir-se-ia na obrigação de lançar contra ela argumentos que não fossem apenas uma afirmação e umas tantas injúrias.”

A inteligência que só sabe pensar metafisicamente não pode, de modo algum, passar da idéia do repouso à idéia do movimento, porque o obstáculo da contradição lhe barra o caminho. Para os que assim pensam, o movimento é, como contradição, alguma coisa de totalmente inconcebível.” “E, se o simples movimento mecânico, a simples mudança de um para outro lugar, contém uma contradição, suponha-se então a série de contradições que estarão contidas nas formas superiores de movimento da matéria, e, em particular, na vida orgânica e na sua evolução.” “ao cessar a contradição, cessa a vida e sobrevém a morte.”

Não há uma contradição no fato de que uma grandeza negativa não possa ser quadrado de nenhuma outra, embora toda grandeza negativa multiplicada por si mesma dê um quadrado positivo? A raiz quadrada de -1 é, pois, não somente uma contradição, mas simplesmente uma contradição absurda, um verdadeiro contra-senso. Entretanto, é, em muitos casos, o resultado necessário de uma operação matemática exata; onde estariam mesmo as matemáticas, tanto as elementares como as superiores, se lhes fosse proibido operar com a raiz quadrada de -1?”

Quando se tem conhecimento de como se reduziu a ‘teoria do ser’ de Hegel a esta vulgaridade de forças que se movimentam em direção determinada, mas não por um processo de contradições, o melhor que se tem a fazer é evitar cuidadosamente qualquer aplicação de um tal lugar comum. § Um outro pretexto em que se apoia o Sr. Dühring para dar vazão à sua cólera anti-dialética é O Capital de Marx.”

Embora já naquela época incorresse no deslize de confundir a dialética marxista com a hegeliana, não tinha ainda perdido por completo a capacidade de distinguir o método dos resultados conseguidos por meio dele, nem tampouco o dom de compreender que, para refutar de um modo concreto estes resultados, não basta lançar por terra, de um modo geral, o método.

Mas a verdadeira surpresa que nos tinha reservado o Sr. Dühring é a de que, do ponto de vista marxista, ‘em última análise tudo é uno’, ou seja, que, para Marx, por exemplo, capitalistas e operários assalariados, regimes de produção feudal, capitalista e socialista, ‘tudo é uno’ e acabamos, no fim de contas, por concluir que Marx e o Sr. Dühring são também uno e o mesmo. Para não cair em tal tolice e em semelhante simplismo, não temos mais que um caminho, que é o de supor que, pronunciando a palavra ‘dialética’, o Sr. Dühring se vê transportado automaticamente para um estado de irresponsabilidade, no qual, partindo de uma idéia de balbúrdia e confusão, acaba por achar que tudo é a mesma coisa, parecendo-lhe que é ‘um todo’ tudo quanto diz e faz.”

Faz com Marx exatamente a mesma coisa que com Darwin. Constrói um Marx imaginário, feito à medida de suas forças, para poder, logo depois, triunfar sobre ele.”

Assim, por exemplo, em O Capital de Marx, toda a seção 4a., dedicada ao estudo da produção da mais-valia relativa ao âmbito da corporação, da divisão do trabalho, e da manufatura, da maquinaria e da grande indústria, contém inúmeros casos de simples mudanças quantitativas que fazem transformar-se a qualidade e, de mudanças quantitativas que fazem com que se transforme a qualidade das coisas podendo-se dizer, portanto, para usar uma expressão que tanta indignação provoca no Sr. Dühring, que a quantidade se converte em qualidade e vice-versa. Temos, por exemplo, o fato de que a colaboração de muitas pessoas, a fusão de muitas forças numa só força total, cria, como diz Marx, uma ‘nova potência de forças’ que se diferencia, de modo essencial, da soma das forças individuais associadas.”

A teoria molecular, aplicada à química moderna e desenvolvida cientificamente pela primeira vez por Laurent e Gerhardt, descansa nesta mesma lei.”

M.

Trata-se das séries homólogas de combinações de carbono, muitas das quais já são conhecidas, cada uma delas tendo a sua própria forma algébrica sintética. Assim, pois, se, do mesmo modo que os químicos, chamarmos um átomo de carbono de C, um átomo de hidrogênio de H, um átomo de oxigênio de O e por n o número dos átomos de carbono encerrados em cada combinação, podemos expor as fórmulas moleculares de algumas dessas séries, do seguinte modo:

Série da parafina normal: CnH2n+2

Série de álcoois primários: CnH2n+20

Série dos ácidos graxos monobásicos: CnH2nO2

Se tomarmos como exemplo a última dessas séries e adotarmos, sucessivamente, n = 1, n = 2, n = 3, etc., teremos os seguintes resultados (deixando de pôr os isômeros):

ácido fórmico – CH2O2 – ponto de ebulição: 100° – ponto de fusão: 1°

ácido acético – C2H4O2 – ponto de ebulição: 118° – ponto de fusão: 17°

ácido propriônico – C3H6O2 – ponto de ebulição: 140° – ponto de fusão: —

ácido butírico – C4H8O2 – ponto de ebulição: 162° – ponto de fusão: —

ácido valeriânico – C5H10O2 – ponto de ebulição: 175° – ponto de fusão: –,

e assim sucessivamente, até chegar ao:

ácido melíssico (C30H60O2), que não se funde até os 80° e não tem ponto de ebulição pela simples razão de que esse ácido se decompõe ao se evaporar. Temos, pois, aqui, toda uma série de corpos qualitativamente distintos, formados pela simples adição quantitativa de elementos que são, além do mais, agregados sempre na mesma proporção. Esse fenômeno ainda se torna mais claro quando todos os elementos, que entram na composição, variam na mesma proporção e na mesma quantidade, como acontece com a série das parafinas normais (CnH2n+2). A primeira fórmula é o metano (CH4), que é um gás; a fórmula mais elevada que se conhece é o hecdecano (C16H34), corpo sólido formado por cristais incolores, que se funde a 21°, e que só atinge o seu ponto de ebulição a 278°. Em ambas as séries basta acrescentar CH2 ou seja, 1 átomo de carbono e 2 de hidrogênio, à fórmula molecular do membro anterior da série para que se tenha um corpo novo; donde se conclui que uma mudança puramente quantitativa da fórmula molecular faz surgir um corpo qualitativamente diferente.”

Napoleão descreve o combate travado entre a cavalaria francesa, cujos soldados eram pouco afeitos à equitação, mas que eram, no entanto, disciplinados, e os mamelucos, cuja cavalaria era a melhor do seu tempo para os combates individuais, mas que eram indisciplinados. Eis o que nos diz Napoleão: ‘Dois mamelucos sobrepujavam, indiscutivelmente, a 3 franceses; 100 mamelucos faziam frente a 100 franceses; 300 franceses venciam 300 mamelucos e 1000 franceses derrotavam, inevitavelmente, 1500 mamelucos’. Da mesma forma que, em Marx, a soma do valor de troca tinha que alcançar um limite mínimo determinado, embora variável, para se converter em capital, vemos que, na descrição napoleônica, o destacamento de cavalaria tem que alcançar um determinado limite mínimo para que a força da disciplina que se encerra na ordem unida de combate, e no emprego das forças, com base num só plano, possa se manifestar e se desenvolver até o ponto de poder aniquilar massas numericamente superiores de uma cavalaria irregular, composta de melhores montarias e de soldados pelo menos tão bravos quanto os outros.”

PARTE I. FILOSOFIA DIALÉTICA. CAPÍTULO XIII. NEGAÇÃO DA NEGAÇÃO

SEM MISERICÓRDIA DE NÓS, ENGELS JÁ ABRE O CAPÍTULO COM UM PETARDO DE LONGO ALCANCE DO SENHOR DããRING:

Este esboço histórico (o da gênese da chamada acumulação primitiva do capital, na Inglaterra) é, até agora, o que há de melhor, relativamente, no livro de Marx, e ainda poderia ter sido melhor se não se apoiasse na agudeza erudita e, além disso, na dialética. Recorre à negação da negação de Hegel para que ponha a seu serviço, na falta de meios mais claros e melhores, os seus serviços de parteira, ajudando-o a fazer brotar o futuro das entranhas do passado. A abolição da propriedade individual, que se processou, por esse modo, a partir do século XVI, é a primeira negação. Esta será seguida por outra, caracterizada como negação da negação e, portanto, como a restauração da ‘propriedade individual’, mas de uma forma mais elevada, baseada na propriedade comum do solo e dos instrumentos de trabalho. O fato de o Sr. Marx qualificar, em seguida, esta nova ‘propriedade individual’ também com o nome de ‘propriedade social’ revela a unidade hegeliana de caráter superior, na qual a contradição, conforme se verifica, fica cancelada; ou seja, de acordo com o já conhecido jogo de palavras, a contradição se mantém, ainda que superada. A expropriação dos expropriadores é, de acordo com isso, o resultado automático da realidade histórica, em suas circunstâncias materiais externas … Naturalmente, nenhuma pessoa que reflita deixar-se-á convencer só por terem sido invocados os disparates de Hegel, e a negação da negação nada mais é que um dos tantos, da necessidade de se implantar a comunidade da terra e dos capitais … Além disso, a nebulosa ambigüidade das idéias de Marx [Kant e os astrônomos póstumos conheciam essa nebulosa? Onde ela fica?] não surpreenderá a quem já sabe que ela pretende rimar com a dialética de Hegel, tomando-a como sua base científica, ou melhor, tomando como conclusão o absurdo a que nos querem levar. Para quem desconhece estes trechos, advertiremos que a primeira negação é, em Hegel, a idéia do pecado original do Catecismo e a segunda é a idéia de uma unidade superior que conduz à redenção do homem. E, sobre uma farsa desse gênero, tomada à religião, não se pode, facilmente, fundar a lógica dos fatos. O Sr. Marx se obstina em permanecer no mundo nebuloso de sua propriedade ao mesmo tempo individual e social, deixando que os seus adeptos resolvam por si esse profundo enigma da dialética.”

O Sr. Dühring nos diz que é ‘um mundo nebuloso’ e, ainda que pareça estranho, dessa vez ele está com a razão. O pior é que, como sempre, não é Marx que vive extraviado nesse mundo nebuloso, mas, de fato, é o próprio Sr. Dühring. Com efeito, como já vimos, o seu desembaraço no manejo do método hegeliano do ‘delírio’ permitiu-lhe definir, sem dificuldade, o que conteriam os volumes ainda não publicados de O Capital, e ainda aqui lhe é fácil retificar Marx de acordo com Hegel, atribuindo-lhe a unidade superior de uma propriedade sobre a qual Marx não disse uma só palavra.”

Para qualquer pessoa que saiba ler, isto significa que a propriedade coletiva se tornará extensiva à terra e aos demais meios de produção, e a propriedade individual se limitará aos produtos, ou aos objetos destinados ao consumo. E, para que essa idéia possa ser compreendida mesmo por crianças que tenham 6 anos, Marx, na página 40, fala de ‘uma associação de homens livres que trabalham com meios comuns de produção e que despendem suas forças de trabalho individuais, conscientemente, como uma força de trabalho social’, isto é, de uma associação organizada de forma socialista, e acrescenta: ‘O produto coletivo da associação é um produto social. Uma parte desse produto volta a servir como meio de produção. Continua sendo social. Mas uma outra parte é absorvida como meio de vida pelos membros da associação. Deve, portanto, ser distribuída entre eles.’ Isto está mais do que claro e até mesmo uma cabeça hegelianizada, como a do Sr. Dühring, deveria compreendê-lo.”

Mas parece que chegou o momento em que o Sr. Dühring também se converte de quantidade em qualidade.”

Nas páginas 791 e seguintes, [Marx] expõe os resultados finais das investigações econômicas e históricas, que constam das 50 páginas anteriores, sobre a chamada acumulação primitiva do capitalAntes de sobrevir a era capitalista, dominava, pelo menos na Inglaterra, a pequena indústria baseada na propriedade privada do operário sobre os meios de produção. A chamada acumulação primitiva do capital se caracterizou, nestas condições, pela expropriação desses produtores imediatos, isto é, pela abolição da propriedade privada, baseada no trabalho do próprio produtor. Efetivou-se tal coisa porque aquele regime de pequena indústria era compatível somente com as proporções mesquinhas e primitivas da produção e da sociedade, engendrando, tão logo os meios materiais de produção atingiram um certo grau de progresso, a sua própria destruição. Esta destruição, que consistiu na transformação dos meios individuais e dispersos de produção em meios de produção socialmente concentrados, constitui a pré-história do capital. A partir do momento em que os operários se transformam em proletários, em que as suas condições de trabalho passam a ter a forma do capital, a partir do instante em que o regime capitalista de produção começa a se mover por sua própria conta, a socialização do trabalho e a mudança do sistema de exploração da terra e dos demais meios de produção, e que, portanto, há a expropriação dos proprietários privados individuais, é preciso, para continuarem progredindo, que seja adotada uma nova forma.”

Cada capitalista devora muitos outros. E, ao mesmo tempo em que alguns capitalistas expropriam muitos outros, desenvolve-se, em grau cada vez mais elevado, a forma cooperativa do processo de trabalho, a aplicação técnica e consciente da ciência, sendo a terra cultivada mais metodicamente, os instrumentos de trabalho tendem a alcançar formas que são manejáveis unicamente pelo esforço combinado de muitos, economizam-se os meios da produção, em sua totalidade, ao serem aplicados pela coletividade come meios de trabalho social, o mundo inteiro se vê envolvido na rede do mercado mundial, e, com isso, o regime capitalista passa a apresentar um caráter internacional cada vez mais acentuado. E, deste modo, enquanto vai diminuindo progressivamente o número dos magnatas do capital, que usurpam e monopolizam todas as vantagens desse processo de transformação, aumenta, no pólo oposto, proporcionalmente, a pobreza, a opressão, a escravização, a degradação e a exploração. Mas, ao mesmo tempo, cresce a revolta da classe operária e esta se torna cada dia mais numerosa, mais disciplinada, mais unida e organizada pelo próprio método capitalista de produção. O monopólio capitalista transforma-se nas grilhetas do regime de produção que com ele e sob as suas normas floresceu. A concentração dos meios de produção e a socialização do trabalho chegam a um ponto em que se tornam incompatíveis com a sua envoltura capitalista. E a envoltura se desagrega. Soou a hora final da propriedade privada capitalista. Os expropriadores são expropriados.”

Vemos, assim, que Marx, ao encarar esse fenômeno como um caso de negação da negação, não tem em mente a idéia de demonstrá-lo, por meio desse argumento, como um fenômeno de necessidade histórica. Pelo contrário: somente depois de haver provado historicamente o fenômeno que já se passara parcialmente e que terá necessariamente que se desenvolver daqui por diante é que o define como um fenômeno sujeito em sua realização, a uma determinada lei dialética.”

¹ Infelizmente o oligopólio pode durar até a extinção da civilização humana – a menos que integremos o materialismo histórico às trágicas conclusões de Nietzsche: o mundo não tende a um fim, se tendesse esse final já teria sido alcançado; a raça humana não perece; logo, chega o momento da inversão de valores, da dissolução das classes vigentes.

lógica formal também é, antes de mais nada e acima de tudo, um método de perscrutar novos resultados progressivos do conhecido ao desconhecido. [e não um expediente meramente probatório]”

As matemáticas elementares, que operam com grandezas constantes, se movem, pelo menos em termos gerais, dentro das fronteiras da lógica formalas matemáticas das grandezas variáveis, cujo setor mais importante é o cálculo infinitesimal, não são, em essência, nada mais que a aplicação da dialética aos problemas matemáticos. (…) Mas, a rigor, quase todas as demonstrações das matemáticas superiores, a começar pelas introdutórias ao cálculo diferencial, são falsas do ponto de vista das matemáticas elementares.” “Querer provar alguma coisa, pela simples dialética, a um metafísico [formalista do pensamento] tão declarado como o Sr. Dühring, seria perder tempo, e seria tão infrutífero como aconteceu quando Leibniz e seus discípulos quiseram provar, aos matemáticos de sua época, as operações do cálculo infinitesimal. (…) Aqueles cavalheiros foram, entretanto, pouco a pouco, pelo menos aqueles que sobreviveram àquela etapa, se rendendo à nova doutrina, embora resmungando, não porque esta convencesse, mas porque a verdade se impunha cada dia com mais força. O Sr. Dühring anda pelos 40, conforme sua própria informação, e podemos garantir que passará pela mesma experiência que aqueles matemáticos, se alcançar a idade avançada, como é, aliás, nosso desejo.”

Tomemos, por exemplo, um grão de cevada. Todos os dias, milhões de grãos de cevada são moídos, cozidos, e consumidos, na fabricação de cerveja. Mas, em circunstâncias normais e favoráveis, esse grão, plantado em terra fértil, sob a influência do calor e da umidade, experimenta uma transformação específica: germina. Ao germinar, o grão, como grão, se extingue, é negado, destruído, e, em seu lugar, brota a planta, que, nascendo dele, é a sua negação. E qual é a marcha normal da vida dessa planta? A planta cresce, floresce, é fecundada e produz, finalmente, novos grãos de cevada, devendo, em seguida ao amadurecimento desses grãos, morrer, ser negada, e, por sua vez, ser destruída. E, como fruto desta negação da negação, temos outra vez o grão de cevada inicial, mas já não sozinho, porém ao lado de 10, 20, 30 grãos. Como as espécies vegetais se modificam com extraordinária lentidão, a cevada de hoje é quase igual à de 100 anos atrás. [Não parece ser veraz.] Mas tomemos, em vez desse caso, uma planta de ornamentação ou enfeite, por exemplo, uma dália ou uma orquídea. Se tratarmos a semente e a planta que dela brota com os cuidados da arte da jardinagem, obteremos como resultado deste processo de negação da negação não apenas novas sementes, mas sementes qualitativamente melhoradas, capazes de nos fornecer flores mais belas; cada repetição deste processo, cada nova negação da negação, representará um grau a mais nesta escala de aperfeiçoamento. E um processo semelhante se dá com a maioria dos insetos, como, por exemplo, com as mariposas. Nascem, estas, também, do ovo, por meio da negação do próprio ovo, destruindo-o, atravessando depois uma série de metamorfoses até chegar à maturidade sexual, se fecundam e morrem por um novo ato de negação, tão logo se consume o processo de procriação, que consiste em pôr a fêmea os seus numerosos ovos. Por enquanto nada mais nos interessa, nem que não apresente o processo a mesma simplicidade noutras plantas e animais, que não produzem uma, mas várias vezes, sementes, ovos ou crias, antes que lhes sobrevenha a morte; a única coisa que nos interessa é demonstrar que a negação da negação é um fenômeno que se dá realmente nos 2 reinos do mundo orgânico, o vegetal e o animal. E não somente nestes reinos. Toda a geologia não é mais que uma série de negações negadas, uma série de desmoronamentos de formações rochosas antigas, sobrepostas umas às outras, e de justaposição de novas formações. A sucessão começa porque a crosta terrestre primitiva, formada pelo resfriamento da massa fluida, vai-se fracionando pela ação das forças oceânicas, meteorológicas e químico-atmosféricas, formando-se, assim, massas estratificadas no fundo do mar. Ao emergir, em certos pontos, as matérias do fundo do mar à superfície das águas, parte destas estratificações se vêem submetidas novamente à ação da chuva, às mudanças térmicas das estações, à ação do hidrogênio e dos ácidos carbônicos da atmosfera; e a essas mesmas influências se acham expostas as massas pétreas fundidas e logo depois esfriadas que, brotando do seio da terra, perfuram a crosta terrestre. Durante milhares de séculos vão-se formando, dessa forma, novas e novas camadas que, por sua vez, são novamente destruídas em sua maior parte e, algumas vezes, são utilizadas como matéria para a formação de outras novas camadas. Mas o resultado é sempre positivo em qualquer hipótese: a formação de um solo onde se misturam os mais diversos elementos químicos num estado de pulverização mecânica, que permite o desenvolvimento da mais extensa e variada vegetação.

Com as matemáticas ocorre exatamente o mesmo fato. Tomemos uma qualquer grandeza algébrica, por exemplo a. Se a negarmos, teremos -a (menos a). Se negarmos esta negação, multiplicando -a por -a, teremos +a², isto é, a grandeza positiva da qual partimos, mas num grau superior, elevada à segunda potência. Mas aqui não nos interessa que a este resultado () se possa chegar multiplicando a grandeza positiva a por si mesma, pois a negação negada é algo que se acha tão arraigado na grandeza a² que esta encerra, sempre e de qualquer modo, 2 raízes quadradas, a saber: a do a e a do -a.” “Entretanto é maior ainda a evidência com que se nos apresenta a negação da negação na análise superior, nessas ‘somas de grandezas ilimitadamente pequenas’ que o próprio Sr. Dühring considera como as supremas operações das matemáticas e que são as que vulgarmente chamamos de cálculo diferencial e integral.”

não restando, portanto, de x e y nada mais que sua razão ou proporção, despojada, por assim dizer, de toda a base material, reduzida a uma relação quantitativa da qual se eliminou a quantidade dy/dx, isto é, a razão ou proporção das 2 diferenciais de x e y, se reduz, portanto, a 0/0mas esta fórmula nada mais é que a expressão da fórmula y/x.” “Pois bem, que fizemos neste problema, além de negar as grandezas x e y, mas negá-las não nos descartando delas, que é o modo pelo qual a filosofia formal nega a metafísica, mas sim negando-as de um modo que se ajusta à realidade da situação? Substituímos as grandezas x e y pela sua negação, chegando, assim, em nossas fórmulas ou equações a dx e dy. Isso feito, seguimos nossos cálculos operando com dx e dy como grandezas reais, embora sujeitas a certas leis de exceção e ao chegar a um determinado momento, negamos a negação, isto é, integramos a fórmula diferencial, obtendo novamente, em vez de dx e dyas grandezas reais x e y. (…) teremos resolvido o problema contra o qual se debateram, em vão, por outros caminhos, a geometria e a álgebra elementares.

O mesmo acontece com a História. Todos os povos civilizados têm em sua origem a propriedade coletiva do solo. E, em todos esses povos, ao penetrar numa determinada fase primitiva, o desenvolvimento da agricultura, a propriedade coletiva converte-se num entrave para a produção. Ao chegar a este momento, a propriedade coletiva se destrói, se nega, convertendo-se, após etapas intermediárias mais ou menos longas, em propriedade privada. Mas, ao chegar a uma fase mais elevada de progresso no desenvolvimento da agricultura, fase essa que se alcança justamente devido à propriedade privada do solo, esta, por sua vez, se converte num obstáculo para a produção, conforme hoje se observa no que se refere à grande e à pequena propriedade. Nestas circunstâncias, surge, por força da necessidade, a aspiração de negar também a propriedade privada e de convertê-la novamente em propriedade coletiva. Mas esta aspiração não tende exatamente a restaurar a primitiva propriedade comunal do solo, mas a implantar uma forma multo mais elevada e mais complexa de propriedade coletiva que, longe de criar uma barreira ao desenvolvimento da produção, deverá acentuá-lo, permitindo-lhe explorar integralmente as descobertas químicas e as invenções mecânicas mais modernas.” Não subestime o homem: ele consegue embrulhar até a própria dialética; até o próprio tempo!

UM ERRO DE ENGELS: SUBESTIMAR PLATÃO E CONGÊNERES: “A filosofia antiga era uma filosofia materialista, porém primitiva e rudimentar. Esse materialismo não seria capaz de explicar claramente as relações entre o pensamento e a matéria. A necessidade de se chegar a conclusões claras a respeito desse problema levou à criação da teoria de uma alma separada do corpo e logo depois se passou à afirmação da imortalidade da alma e, por fim, ao monoteísmo. Desse modo, o materialismo primitivo se via negado pelo idealismo. Mas, com o desenvolvimento da filosofia, também o idealismo se tornou insustentável e, por sua vez, teve de ser negado pelo materialismo moderno. Este não é, entretanto, como negação da negação, a mera restauração do materialismo primitivo, mas, pelo contrário, corresponde à incorporação, às bases permanentes deste sistema, de todo o conjunto de pensamentos, que nos provêm de 2 milênios de progressos no campo da filosofia e das ciências naturais e da história mesma destes 2 milênios. Não se trata já de uma filosofia, mas de uma simples concepção do mundo, de um modo de ver as coisas, que não é levado à conta de uma ciência da ciência, de uma ciência à parte, mas que tem, pelo contrário, a sua sede e o seu campo de ação em todas elas. Vemos, pois, como a filosofia é, desse modo, ‘cancelada’,¹ isto é, ‘superada ao mesmo tempo que mantida’; superada, com relação à sua forma; conservada, quanto ao seu conteúdo.” A fé hegeliana no PROGRESSO ainda se encontrava no marx-engelismo, subsumida na superação do Estado em vez de na confirmação do Estado burguês, obviamente.

¹ Tudo isso que estamos vivendo hoje deve ser uma maldita maldição! As palavras têm poder!

Pois ali onde o Sr. Dühring não vê mais que ‘um jogo de palavras’ se esconde, para quem sabe ver as coisas, um conteúdo e uma realidade.”

Finalmente, até a teoria rousseauniana da igualdade, que tem apenas um eco apagado e falseado nas futilidades do Sr. Dühring, foi incapaz de se constituir sem os serviços de parteira da negação da negação hegeliana: e isto, mais de 20 anos antes do nascimento de Hegel. Longe de se envergonhar de tal coisa, essa teoria exibe, quase ostensivamente, em sua 1ª versão, a marca de suas origens dialéticas. No estado de natureza e de selvageria, os homens eram iguais; e como Rousseau considera já a linguagem uma deturpação do estado de natureza, tem razão quando aplica o critério da igualdade, assim como, ao mesmo tempo, pretendeu classificar, hipoteticamente, os homens-bestas sob a designação de ‘álalos’ (seres privados de fala). Mas estes homens-bestas, iguais entre si, levavam sobre os outros animais a vantagem de serem animais perfectíveis, de terem capacidade de desenvolvimento; eis onde está, segundo Rousseau, a fonte da desigualdade. Rousseau vê, assim, no nascimento da desigualdade um progresso, mas este progresso é contraditório, pois implica, ao mesmo tempo, num retrocesso.”

Para o poeta, o ouro e a prata, assim coma para o filósofo o ferro e o trigo, civilizaram o homem e arruinaram o gênero humano”

Rousseau

Todas as instituições que nascem nas sociedades, no decorrer do processo de civilização, se convertem no inverso de sua primitiva finalidade.”


O paradoxo: “frente ao déspota, todos os homens são iguais, pois todos se reduzem a zero.”

Ao chegar a essa fase, o grau máximo de desigualdade é o ponto final que, fechando o ciclo, toca já o ponto inicial do qual partimos: ao chegar a este ponto, todos os homens são iguais, pelo fato de serem nada e, como súditos, têm todos, como única lei, a vontade de seu Senhor”

Não lembrava de que Rousseau fosse tão genial também em seu tratado político (que li pela última vez em 2009), acostumado que estou apenas com sua imagem recente, a do grande educador.


A mesma força que o susteve, o derruba, e tudo se passa, de acordo com uma causa adequada e de acordo com a ordem natural”

a liberdade superior do contrato social. (…) É a negação da negação.” Idealista, i.e..

Em Rousseau, já nos encontramos, pois, com um processo quase idêntico ao que Marx desenvolve em O Capital. Além de todas as expressões dialéticas que são exatamente as mesmas empregadas por Marx, encontramos também processos antagônicos por natureza, cheios de contradições, contendo a transmutação de um extremo em seu contrário (…) Assim, já em 1754, Rousseau, que ainda não se podia exprimir pela nomenclatura hegeliana, estava, 23 anos antes do nascimento de Hegel, devorado até a medula pela peste da filosofia hegeliana, pela dialética da contradição, pela teoria do logos, pela teologia, etc., etc. E quando o Sr. Dühring, reduzindo a zero a teoria rousseauniana da igualdade, opera com os seus 2 homenzinhos triunfais, se vê forçado a deslizar por um plano perigoso, que o leva, irremediavelmente, para a negação da negação da qual está querendo fugir. (…) É divertido ver como, além de ampliar de modo benéfico o nosso horizonte visual, o próprio Sr. Dühring acaba cometendo, também, sem que se dê conta, contra a sua augusta pessoa, o horrendo crime que é o de incorrer na intolerável negação da negação.”

Quando se diz que todos esses processos têm de comum a negação da negação, o que se pretende é englobar a todos, sob esta lei dinâmica, sem se prejulgar, no entanto, de modo algum, o conteúdo concreto de cada um deles. [respondendo aos que dizem que o socialismo pretende aplicar o cálculo diferencial aos homens, hahaha!] Esta não é a missão da dialética, que tem apenas por incumbência estudar as leis gerais que presidem à dinâmica e ao desenvolvimento da natureza e do pensamento.”

Negar, em dialética, não consiste pura e simplesmente em dizer não, em declarar que uma coisa não existe, ou em destruí-la por capricho. Já Spinoza dizia: Omnis determinatio est negatiotoda determinação, toda demarcação é, ao mesmo tempo, uma negação.” “Ao se moer o grão de cevada, ou ao se matar o inseto, está-se executando, inegavelmente, o 1º ato, mas torna-se impossível o 2º. Portanto, cada espécie de coisas tem um modo especial de ser negada, que faz com que a negação engendre um processo de desenvolvimento, acontecendo o mesmo com as idéias e os conceitos.” “Não basta que saibamos que a muda de cevada e o cálculo infinitesimal se encontram sob as leis da negação da negação, para que possamos cultivar com sucesso a cevada ou para que possamos realizar operações de diferenciação ou integração, da mesma maneira que não nos é suficiente conhecer as leis que regem a determinação do som, pelas dimensões das cordas, para que saibamos tocar violino.” “Isso não obsta, porém, a que os metafísicos pretendam demonstrar que, se nos empenharmos em raciocinar sobre a negação da negação, somente poderemos utilizar este processo.” O tamborilar dos dedos no instrumento é uma negação da negação prática!

Muito antes de saber o que era dialética, o homem já pensava dialeticamente, da mesma forma por que, muito antes da existência da palavra escrita, ele já falava. Hegel nada mais fez que formular nitidamente, pela 1ª vez, esta lei da negação da negação, lei que atua na natureza e na História, como atuava, inconscientemente, em nossos cérebros, muito antes de ter sido descoberta. E se o Sr. Dühring fica aborrecido com um tal nome, e quer realizar o processo, sem que ninguém saiba que o está realizando, ainda é tempo de inventar um nome melhor.”

PARTE I. FILOSOFIA DIALÉTICA. CAPÍTULO XIV. CONCLUSÃO

Acabamos o estudo da Filosofia. Trataremos, a seguir, de outras fantasias contidas no Curso para, finalmente, examinarmos os característicos da revolução que o Sr. Dühring introduz no terreno do socialismo. Que nos havia prometido o Sr. Dühring? Tudo. E o que finalmente cumpriu? Absolutamente nada.” “apenas um eco charlatanesco e infinitamente desbotado da Lógica de Hegel”

No estudo da natureza orgânica tivemos oportunidade de ver que a filosofia da realidade, após condenar a luta pela existência e a seleção natural, de Darwin, como ‘um caso de selvageria cometida contra a humanidade’, permitia que estas teorias se esgueirassem novamente pela porta dos fundos, como fatores ativos da natureza, embora de 2ª classe. O Sr. Dühring soube endossar, além disso, no campo da biologia, uma ignorância que, desde que se tornaram habituais as conferências de vulgarização científica, já não é fácil encontrar e que, mesmo entre as senhoritas de boa sociedade, ter-se-ia que procurar com uma lanterna.”

Não consegue nem expor a sua filosofia da realidade sem insinuar ao leitor a sua repugnância contra o tabaco, contra os gatos e os judeus.” “Os pobres restos de sabedoria que nos oferece a respeito de assuntos próprios de filisteus como, por exemplo, o do valor da vida e o melhor meio de gozá-la, tem um tal caráter de vulgaridade que bastam para explicar, perfeitamente, a cólera de seu autor contra o Fausto de Goethe. Com efeito, o Sr. Dühring, não poderá perdoar jamais a Goethe, o fato de ter criado, como herói de seu drama, um ser tão imoral como Fausto, em vez de pôr em seu lugar um ilustre filósofo da realidade, como o seria Wagner.” HAHAHAHAHAHAHAAH!

Em resumo, a filosofia da realidade não é mais que, afinal de contas, para usar uma expressão de Hegel, ‘a mais vulgar lama do lamaçal alemão’, com uma fluidez e uma transparência feitas de lugares-comuns, que só pode ser tornada mais turva e mais densa com os coágulos oraculares que o seu autor nela dissolve.” “E este homem, que tanta propaganda faz de suas artes e mercadorias, ao som de fanfarras, como o mais vulgar camelô de feira, por detrás de cujas frases grandiloqüentes não se encontra nada, mas absolutamente nada, este homem tem a ousadia de chamar de charlatães a figuras como Fichte, Schelling e Hegel, o mais humilde dos quais seria, ao seu lado, um gigante! Há charlatanismo, sim: mas onde e por parte de quem?”

PARTE II. ECONOMIA POLÍTICA. CAPÍTULO I. OBJETO E MÉTODO

DIRIA QUE ERA UM ERRO TIPOGRÁFICO, MAS A EXATA REPETIÇÃO DO COMEÇO DESTE CAPÍTULO EM RELAÇÃO AO COMEÇO DO CAPÍTULO PASSADO SE JUSTIFICA, E ENGELS A USOU SEM DÓ: “Acabemos o estudo da Filosofia. Trataremos, a seguir, de outras fantasias contidas no Curso para, finalmente, examinarmos os característicos da revolução que o Sr. Dühring introduz no terreno do socialismo. Que nos havia prometido O Sr. Dühring? Tudo. E o que finalmente cumpriu? Absolutamente nada.”

A produção pode desenvolver-se sem a troca, mas esta pressupõe, sempre, necessariamente, a produção, pelo próprio fato de que o que se trocam são os produtos. Cada uma destas funções sociais sofre a influência de um grande número de fenômenos exteriores, sendo que essa influência é subordinada, em grande parte, a leis próprias e específicas. Mas, ao mesmo tempo, a produção e a troca se condicionam, a cada passo, reciprocamente e influem de tal modo uma sobre a outra, que se pode dizer que são a abcissa e a ordenada da curva econômica.” “Os habitantes da Terra do Fogo não conhecem a produção em grande escala, assim como não conhecem o comércio mundial, nem tampouco as letras de câmbio que circulam a descoberto e os inesperados cracks de Bolsa.” “A Economia Política é, portanto, uma ciência essencialmente histórica. A matéria sobre que versa é uma matéria histórica, isto é, sujeita a mudança constante. Somente depois de investigar as leis específicas de cada etapa concreta de produção e de troca, como conclusão, nos será permitido formular, a título de resumo, as poucas leis verdadeiramente gerais, aplicáveis à produção e à troca, quaisquer que sejam os sistemas.”

As velhas comunidades naturais, a que nos referimos atrás, puderam viver milhares de anos, como aliás ainda perduram em nossos dias entre os índios e muitos eslavos, antes que o comércio com o mundo exterior engendrasse em seu seio as diferenças de patrimônio que deveriam acarretar a sua disposição. Ao contrário, a moderna produção capitalista, que não conta mais de 300 anos e que não se impôs mesmo depois da implantação da grande indústria, isto, é, até há uns cem anos, provocou, no entanto, durante este curto período, muitos antagonismos no regime de distribuição – de um lado a concentração de capitais em poucas mãos e, de outro, a concentração das massas não possuidoras nas cidades mais populosas – de tal modo que estes antagonismos necessariamente a farão perecer.”

Enquanto um regime de produção está-se desenvolvendo em sentido ascensional, pode contar até mesmo com a adesão e a admiração entusiasta dos que menos beneficiados sairão com o regime de distribuição ajustado a ele. Basta que se recorde o entusiasmo dos operários ingleses ao aparecer a grande indústria. E mesmo depois que este regime de produção já consolidado, constitui, na sociedade de que se trata, um regime normal, continua-se mantendo, em geral, algum contentamento com a forma de distribuição e, se se ergue alguma voz de protesto, é das fileiras da classe dominante que ela sai (Saint-Simon, Fourier, Owen), sem encontrar nem mesmo algum eco no seio da massa explorada. Há de passar algum tempo – e encaminhar-se o regime de produção, já francamente pela vertente da decadência, deve este regime já ter sido superado em parte, devem ter desaparecido, em grande proporção, as condições que justificam a sua existência, estando mesmo tomando tal vulto o seu sucessor – para que a distribuição, cada vez mais desigual, seja considerada injusta, para que a voz da massa clame contra os fatos do passado junto ao tribunal da chamada justiça eterna. Claro está que este apelo à moral e ao direito não nos faz avançar cientificamente nem uma polegada; a ciência econômica não pode encontrar, na indignação moral, por mais justificada que ela seja, nem razões nem argumentos, mas simplesmente sintomas.”

A cólera provocada no poeta tem a sua razão de ser quando se trata de descrever esses males e abusos, ou de atacar os ‘harmonizadores’ que pretendem negá-los ou atenuá-los em benefício da classe dominante mas, para compreender como a cólera prova pouco em cada caso, basta que se considere que, até hoje, em todas as épocas da História, houve matéria de sobra para alimentar os seus impulsos.” Creio que Marx & Engels diriam no mundo de hoje: vê-se que apesar de toda a decadência abissal e contínua, recrudescida em relação a nossos escritos originais, o sistema de produção mantém-se de pé. Algo deve ter escapado de nossas análises, posto que se fôra necessidade que o regime devera ceder neste período, cederia, sem falta. Parece que algo no motor da História indica que a máquina da transformação conseguiu ser parada ou desacelerada consideravelmente, e isso integra quase que uma lei interna do Capital. Nada podemos fazer, não é hora de revolução – se ela ocorre localmente, o sistema de produção em outras partes poderá sufocá-la. E claro está que não ocorrerá globalmente, pois os centros de concentração do poder capitalista não permitiriam, mesmo se houvesse um desejo da maioria massacrante da população.

Tudo o que até hoje possuímos de ciência econômica se reduz quase exclusivamente à gênese e ao desenvolvimento do regime capitalista de produção. Ela parte da crítica dos restos das formas feudais de produção e de troca, põe em relevo a necessidade de fazer desaparecer estes restos, substituindo-os por formas capitalistas, desenvolve as leis do regime capitalista de produção, com as suas formas correspondentes de troca no seu aspecto positivo, i.e., do ponto de vista em que contribuem para fomentar os fins gerais da sociedade e conclui com a crítica socialista do regime de produção do capitalismo, o que quer dizer com a exposição das leis que presidem o seu aspecto negativo, com a demonstração de que este regime de produção por força de seu próprio desenvolvimento, se aproxima de um ponto em que a sua existência se torna impossível.”

um antagonismo sempre mais profundo entre alguns capitalistas, cada vez em menor número, porém cada vez mais ricos, e uma massa de operários assalariados, cada vez mais numerosa e em geral, também mais desfavorecida e mal-retribuída” E cada vez mais grupos intermediários cães de guarda do Capital, às vezes sem acesso a nenhum filé mignon.

Para compreender em todo o seu alcance esta crítica da Economia burguesa, não era suficiente conhecer a forma capitalista de produção, de troca e de distribuição. Era preciso investigar e trazer à comparação, embora apenas em seus traços mais gerais, as formas que a precederam e que, em países menos avançados, coexistem ainda com aquela. Até hoje, esta investigação e este estudo comparativo foram realizados somente por Marx, e devemos, portanto, a seus trabalhos, quase que exclusivamente, o que até agora se pode esclarecer com relação à teoria econômica pré-burguesa.

Embora tivesse nascido, nos fins do século XVIII, em algumas cabeças geniais, a Economia Política, no sentido restrito, tal como a apresentam os fisiocratas e Adam Smith, é essencialmente um fruto do século XVIII, figurando entre as conquistas dos grandes racionalistas franceses dessa época, participando, portanto, de todas as vantagens e todos os inconvenientes do tempo. O que dissemos dos racionalistas podemos aplicar também aos economistas desse século. A nova ciência não era, para eles, uma expressão das circunstâncias e das necessidades da época em que viviam, mas, sim, um reflexo da razão eterna: as leis da produção e da troca, descobertas por eles, não possuem uma forma condicionada historicamente, com a qual se deviam revestir essas atividades, mas outras tantas leis naturais eternas, derivadas da natureza humana. Mas o homem que eles tinham em conta era, na realidade, simplesmente o homem da classe média daqueles tempos, do qual depressa deveria brotar o homem burguês moderno, reduzindo-se a sua natureza apenas a fabricar e a comerciar, sob as condições historicamente condicionadas de então.”

Instituições como a escravidão e a exploração do trabalho assalariado, às quais se vêm unir, como sua irmã gêmea, a propriedade baseada na força, devem ser investigados como formas constitutivas econômico-sociais, de autêntico caráter político, formando as mesmas, no mundo atual, o quadro fora do qual não se poderiam revelar os efeitos das leis naturais da Economia.”

Assim, desligada já, felizmente, a distribuição de todo o contato com a produção e a troca, pode, então, realizar-se, por fim, o grande acontecimento.”

Um homem, na qualidade de indivíduo, ou seja, desligado de toda a conexão com quaisquer outros homens, não pode ter deveres. Não há, para ele, outros imperativos que o de sua vontade.’ Quem há de ser este homem, desligado de seus deveres e concebido como indivíduo isolado a não ser o fatal ‘proto-judeu Adão’ ainda no paraíso, despido de todo o pecado, pela simples razão de não ter com quem cometê-lo? Mas também a este Adão, da Economia da realidade, está reservado o seu pecado original. Ao lado dele surge, não uma Eva de longos cabelos encaracolados, mas um segundo Adão. E imediatamente Adão adquire deveres e logo os desrespeita. Em vez de estreitar contra o peito o seu irmão, como um seu igual, submete-o logo ao seu domínio, escraviza-o. E este primeiro pecado, este pecado original da escravidão, é o pecado cujas conseqüências ainda vêm sendo sentidas por toda a história do mundo, e tal é a causa por que esta história não valha, segundo o Sr. Dühring, nem uma cadelinha qualquer.”

versão semi[ó]tica da bíblia

…embora tenhamos de reconhecer que ninguém disputará ao Sr. Dühring a glória de ter construído o pecado original da maneira mais original do mundo: com 2 homens.” HAHAHAHAHA

Entre o estado da igualdade e o da anulação de uma das partes, ao lado da onipotência e da participação ativa da outra, medeia toda uma série de graus que os fenômenos da história universal se encarregaram de preencher [os fenômenos se encarregam de preencher, não os homens!] com uma pitoresca variedade. Uma vista de olhos universal sobre as diferentes instituições do direito e da injustiça históricos, torna-se aqui uma condição prévia essencial”

Não foi o Capital que inventou a mais-valia. Onde quer que uma parte da sociedade possua o monopólio dos meios de produçãoo operário, livre ou escravo, não tem outro remédio senão acrescentar ao tempo de trabalho, para o seu sustento, uma quantidade de trabalho excedente, destinada a produzir os meios de vida para o proprietário dos meios de produção, quer se trate de um kalokagathos [nobreza] ateniense, um teocrata etrusco, um civis romanus (cidadão romano), quer de um barão da Normandia, um escravagista americano, um senhor feudal da Valáquia, um proprietário de terras moderno ou de um moderno capitalista.”

O Capital

O que fica faltando para que haja mais-valia no sentido do Capital é a reinversão na melhoria dos próprios meios de produção (alavancagem, aceleração do montante da mais-valia, que nas sociedades tradicionais permanece ‘fixa’).

O nosso Adão, agora convertido em Robinson, põe a trabalhar o segundo Adão, ou seja, o ‘Sexta-feira’Porém, como ‘Sexta-feira’ há de se prestar a trabalhar mais do que o necessário para o seu sustento? Esta pergunta parece que foi também respondida, em parte, pelo menos, por Marx. Entretanto, a resposta de Marx é demasiado prolixa para os nossos 2 homens. Resolve-se o assunto com mais facilidade. Robinson ‘oprime’ o ‘Sexta-feira’, espolia-o ‘como um escravo ou instrumento, posto ao serviço econômico’, e somente o sustenta ‘na qualidade de instrumento’ [dá-lhe ração e lições de catequese!]. Com esta novíssima ‘manobra criadora’, mata o Sr. Dühring 2 coelhos com uma só cajadada. Em 1º lugar, poupa-se ao trabalho de explicar-nos as diversas formas de distribuição que se sucedem na história, com suas diferenças e suas respectivas causas. Basta que se saiba que todas estas formas são reprováveis, pois todas elas descansam na opressão, na violência – sobre isso teremos oportunidade de falar mais adiante. Em segundo lugar, desloca toda a teoria da distribuição do terreno econômico para o da Moral e do Direito, ou seja, do terreno dos fatos materiais concretos e decisivos para o das opiniões e sentimentos mais ou menos flutuantes.” “Como vemos, em 1868, a propriedade privada e o trabalho assalariado eram instituições naturais e necessárias e, portanto, justas. Em 1876, eram ambas, pelo contrário, resultado da violência e do roubo, e portanto, injustas. Não é nada fácil saber o que será considerado moral e justo, dentro de alguns anos, por um gênio tão vertiginoso como esse! Se quisermos, assim, estudar a distribuição das riquezas, será melhor que nos restrinjamos às leis reais e objetivas da Economia, e não às idéias momentâneas, mutáveis e subjetivas do Sr. Dühring, no que diz respeito ao Direito e à injustiça.”

Os místicos da Idade Média, aqueles que sonhavam com a proximidade do reino milenar, já tinham consciência dessa injustiça, a consciência da injustiça dos antagonismos de classe. Nos primórdios da história moderna, há uns 350 anos, ergueu-se a voz de Thomas Munzer, clamando contra esta injustiça. O mesmo grito novamente ressoa e perde-se na Revolução Inglesa e na Revolução burguesa da França. O grito, que até 1830 não tinha comovido ainda as massas trabalhadoras e oprimidas, encontra hoje eco em milhões de homens, abalando um por um, todos os países, na mesma ordem e com a mesma intensidade com que, nesses países, se vai desenvolvendo a grande indústria, e chega a atingir, no decurso de uma geração, uma força tal que pode desafiar todos os poderes coligados contra ele, estando mesmo seguro da vitória definitiva num futuro próximo.” Como é doloroso ler tudo isso em 2021…

Neste fato material e tangível, que se impõe, dentro de limites mais ou menos claros, através de uma irresistível necessidade, nos cérebros dos proletários vítimas da exploração, nesse fato e não nas idéias e maquinações de um erudito especulador sobre o Direito e a Justiça, é que se evidencia a certeza de que o socialismo moderno terá de triunfar.” Triste.

PARTE II. ECONOMIA POLÍTICA. CAPÍTULO II. TEORIA DA VIOLÊNCIA

A configuração das relações políticas é historicamente fundamental, e as dependências econômicas nada mais são que um efeito ou caso especial, sendo, portanto, sempre, fatos de segunda ordem. Muitos dos sistemas socialistas modernos têm, como princípio diretivo, a aparência de uma relação totalmente inversa, que salta aos nossos olhos, fazendo com que os estados econômicos surjam, digamos, das subordinações políticas. Esses efeitos de 2ª classe existem, sem dúvida, como tais, e são especialmente sensíveis nos tempos atuais; [isso não seria sinal de que você deveria estudar melhor o tema?] mas o elemento primário deve ser encontrado no poder político imediato e não no poder econômico indireto.”

“Em nenhum dos 3 tomos de sua obra, apesar de tão volumosos, pode ser encontrada a mais leve intenção de demonstrá-la ou de refutar a opinião contrária a sua. Ainda que os argumentos fossem baratos como amoras, o Sr. Dühring não nos forneceria nenhum em apoio a sua tese.”

A crença de que os atos políticos dos chefes e do Estado são um fator decisivo da História é uma crença tão antiga como a própria historiografia e a ela se deve particularmente o fato de que saibamos tão pouco a respeito da silenciosa evolução que impulsiona realmente os povos e que se oculta no fundo de todas as cenas ruidosas. Esta crença presidiu toda a História antiga até que, na época da Restauração, os historiadores burgueses lhe assestaram o primeiro golpe. O que é original é que o Sr. Dühring ignore tudo isso, como de fato o ignora.”

É preciso que se seja um Sr. Dühring para se poder imaginar que os impostos cobrados pelos Estados não são mais que ‘efeitos de 2ª ordem’ e que o ‘agrupamento político’ de nossos dias, que coloca, de um lado, a burguesia poderosa e, de outro, o proletariado oprimido, chegou a existir graças a si mesmo, e não como conseqüência dos ‘fins de subsistência’ dos burgueses dominantes, ou seja, pela produção de lucro e acumulação do Capital.”

antes de se instituir a escravidão, para que esta seja mesmo possível, é mister que a produção tenha alcançado já um certo grau de progresso e que, na distribuição, tenha sido atingido um certo grau de desigualdade. E, para que o trabalho dos escravos possa converter-se em regime de produção predominante em toda a sociedade, é preciso que, nesta, a produção, o comércio e a acumulação de riquezas se tenham desenvolvido num grau já muito superior.”

Sabemos que, nos tempos da guerra dos persas, o número de escravos se elevava, em Corinto, a 460 mil, e, em Egina, a 470 mil, chegando a haver 10 escravos para cada cidadão livre. É evidente que para chegar a este estado de coisas, não bastava usar a ‘violência’, mas, pelo contrário, devia fazer falta uma indústria artística e artesanal muito desenvolvida, ao lado de uma extensa rede comercial. Nos Estados Unidos da América a escravidão não descansava nem no uso da violência, nem na existência da indústria inglesa do algodão. Nas regiões não-algodoeiras e que não se dedicavam, como os Estados litorâneos, à manutenção de escravos, destinados aos Estados algodoeiros, foi-se extinguindo a escravidão por si mesma, sem apelar para a violência, pela simples razão de que não era rendosa.” Mas descansava sobre a existência da indústria do algodão noutra parte, ora!

despotismo oriental e a constante mudança de poderes, de uns para outros povos nômades conquistadores, não puderam violar, durante milênios, este regime primitivo de comunidade. Em compensação, a destruição gradual de sua indústria doméstica natural, pela concorrência com os produtos da grande indústria, vai conduzindo este regime, cada vez mais aceleradamente, para a sua dissolução.”

Nem mesmo a formação de uma aristocracia natural, como a que se instituiu entre os celtas e os germanos e na região hindu dos Cinco Rios, baseada no regime da propriedade coletiva do solo, surge, de forma alguma, baseada na violência, mas sim de modo espontâneo e por força do costume.”

Para que o ladrão possa se apropriar de bens alheios, é evidente que a instituição da propriedade privada já deve estar consagrada e em vigor em toda a sociedade; ou seja, a violência poderá, sem dúvida alguma, transformar o estado possessório, mas, entretanto, não engendrará nunca a instituição da propriedade.”

A luta da burguesia contra a nobreza feudal é a luta da cidade contra o campo, da indústria contra o proprietário de terras, da economia baseada no dinheiro contra a economia natural, e as armas decisivas que, nestas lutas, empregou o burguês foram simplesmente os seus recursos de poder econômico, constantemente reforçados por meio do desenvolvimento da indústria, a princípio artesanal e mais tarde manufatureira, e pela difusão do comércio. Durante toda esta luta, o poder político [se] formou ao lado da nobreza, com a única exceção de um período em que o poder real julgou conveniente utilizar a burguesia contra a nobreza, para contrabalançar uma camada com a outra. Mas, a partir do momento em que a burguesia, embora impotente politicamente, começara a ser perigosa, graças ao seu poderio econômico cada vez maior, a monarquia voltou a aliar-se com a nobreza. provocando, assim, primeiro na Inglaterra e logo depois na França, a revolução da burguesia.”

[Na França, p]oliticamente, a nobreza era tudo e a burguesia era nada. Socialmente, a burguesia era já a classe mais importante dentro do Estado, ao passo que a nobreza tinha perdido já todas as suas funções sociais, embora continuasse cobrando as rendas com que ainda eram remuneradas essas funções desaparecidas.” “hoje a burguesia já não está muito longe da posição que a nobreza ocupava em 1789, pois que de fator de progresso foi-se convertendo, pouco a pouco, num fator, não apenas socialmente inútil, mas até nocivo ao desenvolvimento da sociedade” “Este resultado da atuação e da conduta da burguesia não corresponde, de modo algum, a sua vontade; muito pelo contrário, foi cedendo ante o impulso de uma força irresistível, contra a sua vontade e contra as suas intenções, simplesmente porque as suas próprias forças produtivas ultrapassaram os quadros de sua direção e empurraram a sociedade burguesa inteira”

PARTE II. ECONOMIA POLÍTICA. CAPÍTULO III. TEORIA DA VIOLÊNCIA (continuação)

Mas, que saibamos, a violência não é capaz de criar dinheiro. A única coisa que ela sabe é arrebatar o que já foi criado, o que também de pouco nos servirá, como já o sabemos pela pungente experiência dos famosos 5 bilhões da França. [?]

A indústria não perde o seu caráter de indústria por se destinarem os seus produtos a destruir e não a criar os objetos. (…) As armas de fogo foram, por isso, desde o primeiro momento, manejadas pelas cidades e pela monarquia em ascensão, que nelas se apoiava para lutar contra a nobreza feudal. As muralhas de pedra das fortalezas feudais, até então inexpugnáveis, renderam-se frente aos canhões dos burgueses e as balas dos mosquetes da burguesia trespassaram as armaduras dos cavaleiros. (…) O desenvolvimento da burguesia fez com que passassem para o 1º plano, como armas decisivas da guerra, a infantaria e a artilharia, tendo esta forçado a criação de uma nova seção, dentro da indústria de guerra, até então desconhecida: a da engenharia militar.

As armas de fogo desenvolveram-se com grande lentidão. Os canhões continuavam pesados, os mosquetes não perdiam sua forma tosca, apesar de muitos inventos que o modificaram em detalhes. Foi preciso que se passassem 300 anos até que fosse inventado um fuzil que pudesse ser utilizado por toda a infantaria. Até os começos do século XVIII, o fuzil de espoleta, armado de baioneta, não eliminou definitivamente a lança, como arma de infantaria. As antigas tropas pedestres eram formadas pelos elementos mais vis da sociedade, que eram sujeitos a uma rigorosa instrução, mas não representavam nenhuma segurança e só conseguiam manter-se disciplinados à custa de pancada. (…) a única forma de luta na qual podiam estes soldados utilizar o novo fuzil era a tática de linha, que alcançou a sua máxima perfeição sob o comando de Frederico II. Esta tática consistia em formar toda a infantaria do exército num grande quadrado de 3 filas, capaz de se mover somente em bloco na ordem de batalha; o que no máximo se permitia era que uma das 2 alas avançasse ou recuasse um pouco. Toda essa massa disforme e lerda só podia movimentar-se ordenadamente num terreno completamente plano e, mesmo assim, com grande lentidão de movimentos (à razão de 75 passos por minuto). Não se podia pensar em mudar a ordem de batalha durante o combate, e uma vez que entrava em fogo a infantaria, a vitória ou a derrota podiam ser decididas de golpe, rapidamente.” Primitivo como o futebol na era Friedenreich!

“Contra estas linhas desmanteladas e tontas se levantaram, na guerra da independência norte-americana, as guerrilhas dos rebeldes que, embora sem estar instruídos, disparavam com muito mais pontaria com as suas carabinas e, além disso, como lutavam por seus próprios interesses, não se precisava temer que desertassem, como costuma acontecer com as tropas mercenárias. E estas guerrilhas não davam aos ingleses a satisfação de enfrentá-los com este, em linha regular de combate, nem a campo aberto, operando, pelo contrário, em grupos soltos, manobrando com muita rapidez e sob a proteção dos bosques. A linha, tornada impotente teve de sucumbir frente a um inimigo invisível e inatacável e surgiu a tática dos atiradores: uma tática nova, fruto de um novo material humano.

A obra iniciada pela Revolução Americana foi levada a termo, ainda no terreno militar, pela Revolução Francesa. Frente aos treinados exércitos mercenários da coalizão, a França podia apenas levantar as suas massas, trazidas de toda a nação, numerosas mas pouco bem-instruídas. Com estas massas tratava-se de proteger Paris, isto é, de defender uma determinada zona e, nestas condições, não podiam os combates abertos de massa garantir sozinhos o triunfo. Para tal resultado, não bastava também a tática de guerrilhas. Era preciso inventar uma forma nova para empregar as massas, e esta forma foi a coluna. A marcha em coluna e a sua disposição de combate permitiam ainda a tropas pouco treinadas que se deslocassem bastante ordenadamente e com certa rapidez de movimentos (à razão de 100 passos e até mais, por minuto), permitiam que se rompessem as rígidas formas das velhas linhas, lutando-se em qualquer terreno, mesmo quando desfavorável para as linhas, que se agrupassem as tropas do modo mais conveniente para cada caso, podendo-se barrar, cortar o caminho e fatigar as linhas inimigas, combinando a ação regular com a ação das guerrilhas dispersas, e distraindo o inimigo até que chegasse o momento de se lançar sobre ele e de se romper a sua frente com as massas de reserva. Este novo método de luta, baseado na ação combinada de guerrilhas de colunas e no agrupamento do exército em divisões e corpos de exército independentes, integrados por todas as armas, método de luta que Napoleão utilizou e desenvolveu perfeitamente em seu aspecto estratégico e tático, surgiu, como vimos, imposto pela necessidade, precisamente na ocasião em que se transformava o material humano militar com a Revolução Francesa. Mas também pressupunha 2 condições técnicas muito importantes. A 1ª era a invenção, por Gribeauval, de carretas mais leves para os canhões de campanha, de modo a permitir a estes deslocar-se rapidamente. A 2ª, o arqueamento das escopetas de caça, que até então vinha sendo aplicado apenas no sentido de alargar o diâmetro dos canhões, quando aplicado à culatra dos fuzis, e permitir que se apontasse a um homem isolado, sem se disparar ao acaso. Este invento foi implantado na França em 1767, e podemos dizer que, sem ele, não teria sido possível equiparar eficientemente os atiradores.

sistema revolucionário, que consistia em armar o povo, foi logo substituído pelo recrutamento obrigatório (trocado pelo resgate em dinheiro, no caso dos ricos) e adotado pela maioria dos grandes Estados do continente. A Prússia foi o único país que pretendeu estender aos quadros da reserva, em grandes proporções, a força militar do povo. E foi, além disso, o primeiro Estado a adotar em toda a sua infantaria a novíssima arma, o fuzil carregado pela culatra, depois de ter usado, por pouco tempo, o fuzil de carga dianteira, aperfeiçoado e adaptado para a guerra, entre 1830 e 1860. Tais foram as 2 inovações a que se deveram os triunfos prussianos de 1866.

Na guerra franco-prussiana, enfrentaram-se, pela primeira vez, 2 exércitos equipados com fuzis carregados pela culatra, ambos instruídos, em essência, nas formações táticas que já eram utilizadas no tempo do velho fuzil de espoleta. Nada mais os diferenciava, a não ser que os prussianos, adotando a coluna de companhia, se esforçavam por criar uma forma de luta mais adequada ao novo armamento. Quando, porém, em 18 de agosto, perto de St. Privat, a Guarda Prussiana quis tomar a sério a ordem de batalha de sua coluna de companhia, os 5 regimentos mais empenhados na ação perderam, em 2h, mais de 1/3 de seus efetivos (178 oficiais e 5114 homens). A partir deste momento, a coluna de companhia foi condenada a desaparecer como forma de luta, da mesma maneira que a coluna de batalhão e a linha. Abandonou-se toda e qualquer intenção de continuar expondo, ao fogo dos fuzis inimigos, formações cerradas e, a partir dessa época, os alemães passaram a guerrear somente em densas guerrilhas, naqueles mesmos enxames de tropas em que a coluna se abria, dispersando-se por si mesma, geralmente sob a chuva das balas inimigas, tática que o comando combatia como sendo contrária aos regulamentos. Uma outra inovação foi a adoção do passo rápido de marcha sob o alcance do fogo inimigo, como sendo a única forma de movimento. Novamente o soldado voltava a se mostrar mais inteligente que o oficial, descobrindo instintivamente a única forma de luta que, desde então, pôde vingar, sob o fogo do fuzil carregado pela culatra, e impondo-a, triunfalmente, apesar de todas as resistências do comando.” Ou seja: mais de meio século depois, o exército prussiano se aprimorou com táticas nada novas, provindas dos civis destreinados da revolução francesa. Época romântica dos conflitos armados; e no entanto Nietzsche já a considerava o tipo de guerra dos últimos homens, dos fracos e covardes.

A guerra franco-prussiana representa, na história militar, um ponto de transição que ultrapassa em importância a todos os precedentes. Em primeiro lugar, as armas adquirem um tal grau de aperfeiçoamento que nenhum progresso possível é já capaz de revolucionar este setor.” Calma!!

Quando já se dispõe de canhões capazes de alvejar um batalhão tão logo seja divisado a olho nu à distância, e fuzis que permitem fazer o mesmo tendo como objetivo um homem isolado e nos quais se demora menos tempo em carregar que em fazer a pontaria, todos os progressos que possam ainda ser feitos nas artes da guerra são de menor importância. Neste aspecto, podemos dizer que a era do progresso está mais ou menos terminada, pelo menos em sua parte essencial.”

ANTECEDENTES DA PRIMEIRA GUERRA MUNDIAL: “Em 2º lugar, a guerra obrigou todos os grandes Estados do continente a implantar o sistema rigoroso da reserva do tipo prussiano, com isso trazendo para os seus ombros uma carga militar que os levará à ruína dentro de poucos anos. Os exércitos se converteram na principal finalidade dos Estados, como um fim em si mesmo. Os povos existem hoje só para fornecer soldados e para sustentá-los. O militarismo domina e devora a Europa.” “Por outro lado, o serviço militar vai generalizando-se cada vez mais e com isso não faz mais que familiarizar com o emprego das armas todo o povo, ou seja, tornando-o capaz, mesmo contra a sua vontade, de impor, num determinado momento, a sua vontade à camarilha militar governante.”

Chegado este momento, os exércitos dos príncipes se converterão em exércitos do povo, a máquina se negará a continuar funcionando e o militarismo perecerá, engolido pela dialética de seu próprio desenvolvimento. E o que não pôde conseguir a democracia burguesa de 1848, precisamente porque era burguesa, e não proletária – infundir às massas trabalhadoras uma vontade ajustada à sua situação de classe –, conseguirá o socialismo, infalivelmente. E pelo fato de consegui-lo, matará em suas raízes o militarismo e os exércitos permanentes.”

Somente um povo de caçadores como o americano poderia de novo pôr em prática a tática dos atiradores. E os americanos não eram caçadores por capricho, mas por causas puramente econômicas, exatamente da mesma forma por que hoje, por causas também puramente econômicas, esses mesmos yankees – pelo menos aqueles que vivem nos Estados mais antigos – se converteram em lavradores, industriais, navegantes e comerciantes, que já não se dedicam à caça no desbravamento das selvas virgens, mas que, em troca, sabem como ninguém se mover com desenvoltura no campo da especulação, no qual aplicaram também a sua tática de massas.”

Até que ponto a tática da guerra depende atualmente do estado da produção e dos meios de comunicação do país, que o exército tem em sua retaguarda, é coisa que qualquer suboficial, por pouco instruído, poderá explicar ao Sr. Dühring.”

Passando dos exércitos de terra à marinha, veremos que somente os últimos 20 anos constituem uma verdadeira revolução neste aspecto da guerra.” “A princípio era uma camada muito delgada; 4 polegadas de espessura já se considerava uma blindagem pesadíssima. Mas os progressos da artilharia alcançaram e ultrapassaram esta defesa. Para cada nova espessura da blindagem era inventado um novo canhão sempre mais pesado que a perfurava com maior facilidade. Chegamos assim às espessuras de couraças de 10, 14, e 24 polegadas (a Itália se dispõe a construir um barco encouraçado com chapas de 3 pés de espessura), de um lado, e, de outro, aos canhões de 25, 35, 80 e até 100 toneladas (20 quintais de peso), capazes de lançar a distâncias antes inconcebíveis cargas de 300, 400, 1700 e até 2000 libras.” “O barco de guerra de hoje é um vapor gigantesco com chapa torneada, de 8 ou 9 mil toneladas de calado e 6 a 8 mil cavalos de força, com torres giratórias, e 4 ou, no máximo, 6 canhões pesados, e uma proa terminada em aríete por debaixo da linha de flutuação para pôr a pique os barcos inimigos; é todo ele uma máquina gigantesca, na qual a força de vapor não somente permite um deslocamento muito mais rápido, como também toda uma série de movimentos antes desconhecidos, tais como a direção do navio da ponte do comando, o manejo do leme, a rotação das torres, a direção e o carregamento dos canhões, a sucção da água, o arriar e içar dos botes – operação que se realiza, também às vezes, a vapor – etc. E o duelo entre a blindagem dos navios e o alcance dos canhões está muito longe de terminar, a ponto de que, geralmente, quando sai um navio dos estaleiros, já é antiquado e não mais corresponde às exigências que presidiram a sua construção.” “Todos os barcos encouraçados turcos, quase todos os russos e a maioria dos alemães, foram construídos na Inglaterra. As chapas blindadas de alguma eficácia quase que só são fabricadas em Sheffield. Das 3 fábricas de fundição da Europa, montadas em condições de fornecer canhões mais pesados, 2 correspondem à Inglaterra (Woolwich e Elswick) e a 3ª à Alemanha (Krupp).” “Ninguém ficará tão desesperado com esta nova situação como a própria violência, isto é, o Estado, que chega à conclusão de que um navio lhe custa hoje tanto como antes uma pequena esquadra, tendo por fim que se resignar com o fato de que estes navios caríssimos sejam logo considerados obsoletos, perdendo, portanto, o seu valor antes de fazer-se ao mar.” “De nosso lado, não temos por que nos indignar pelo fato de que, no duelo que se está desenrolando entre as placas blindadas e os canhões, o navio vai aperfeiçoando-se, até que termine por atingir uma perfeição tal que se torne definitivamente inexeqüível e inútil para a guerra.” O impasse das bombas nucleares só que aplicado às frotas perfeitas: duas armas de ataque e defesa máximos, que não conseguiriam danificar uma à outra; ou que forçosamente só o fariam sob o preço de também se virem naufragar.

o militarismo, como qualquer outra manifestação histórica, perecerá, devido às conseqüências de seu próprio desenvolvimento.” Ainda não atingimos esse ponto de corte.

Mas para que perder tempo com todas estas demonstrações? Que na próxima guerra marítima se entregue o Alto Comando ao Sr. Dühring e veremos como ele destruirá todas as frotas de encouraçados, escravizados pela ‘situação econômica’, sem utilizar torpedos ou outras armas do mesmo gênero, mas simplesmente apelando para a sua ‘força imediata’

PARTE II. ECONOMIA POLÍTICA. CAPÍTULO IV. TEORIA DA VIOLÊNCIA (conclusão)

quando, nos últimos tempos da República Romana, os proprietários dos grandes blocos de terra, os latifundiários, expulsaram os camponeses de seus lotes, substituindo-os por escravos, foi ao mesmo tempo substituída a agricultura pela criação de gado, semeando, como já predizia Plínio, a ruína da Itália (latifundia Italiam perdidere).”

Os colonos da Frisia, [Frígia?] da Baixa Saxônia, de Flandres, e do Baixo-Reno, os que cultivavam, a leste do Elba, a terra arrebatada aos eslavos, trabalhavam como lavradores livres, sob um estatuto muito favorável e sem estarem sujeitos a ‘nenhum tipo de vassalagem’. Na América do Norte, a grande maioria das terras foi aberta ao cultivo pelo trabalho de agricultores livres, enquanto que os grandes proprietários do Sul, com seus escravos e seus métodos de exploração, esgotaram o solo até o ponto de não dar mais nada, exceto pinho”

Na Austrália e na Nova Zelândia, fracassaram até agora todas as tentativas do governo inglês para a instauração artificial de uma aristocracia de fazendeiros.”

esse grande proprietário de terras, que começa por desbravar o solo e por submeter a natureza ao seu domínio, por meio de seus escravos ou vassalos, não é mais que uma pura criação da fantasia do Sr. Dühring. Longe disso, ali onde aparece esse grande proprietário de terras, como aconteceu na Itália, não é precisamente para desbravar e iniciar o cultivo das terras incultas, mas, muito ao contrário, para converter em pastos as terras cultivadas pelos camponeses, despovoando e arruinando regiões imensas.”

Para cada acre de terras comunais que os grandes proprietários cultivaram na Inglaterra, converteram, na Escócia, pelos menos 3 acres de terras cultivadas em pasto de ovelhas” Ou seja: terra destinada à agropecuária é muito mais improdutiva que a destinada à agricultura. Dir-se-ia que é inevitável a expansão do agronegócio devido ao aumento da população e à necessidade de carne; e que coisas como batatas poderiam ser facilmente adquiridas por importação. Mas numa economia de terceiro mundo, que destina também a carne à exportação (Brasil), isso é um desastre para a população, majoritariamente pobre. Ironicamente, grandes pastos só existem porque havia múltiplas pequenas propriedades destinadas ao cultivo, anteriormente, nessas mesmas regiões.

Se o Sr. Dühring, ao afirmar que o domínio do homem sobre o homem é, em termos gerais, a condição prévia do domínio da natureza pelo homem, e com isto quer dizer apenas que todo o nosso atual estado econômico, o grau de desenvolvimento a que chegaram a agricultura e a indústria, são apenas o resultado de uma história social que se veio desenvolvendo por antagonismos de classe, por relações entre o poder e a vassalagem, nesse caso está afirmando alguma coisa que é já, desde a publicação do Manifesto Comunista, um velho lugar comum. Trata-se precisamente de explicar as origens dessas classes e as relações do poder, e o Sr. Dühring não sabe nos oferecer mais que a repisada explicação da ‘violência’, mas essa palavra não nos faz dar nem um passo para frente. O simples fato de que os dominados e explorados tenham sido, em todos os tempos, uma legião muito mais numerosa do que a de seus dominadores e exploradores, tendo, portanto, em suas mãos a força real basta para pôr a nu toda a inutilidade da teoria da violência. O problema está, exclusivamente, repetimos, em explicar o por que dessas relações entre o poder e vassalagem.”

ORIGEM DO ESTADO VERSÃO CONDENSADA E HISTÓRIA DA ESPECIALIZAÇÃO DOS INDIVÍDUOS: “No seio de cada uma destas coletividades [primitivas, proto-estatais] existem, desde o 1º momento, determinados interesses comuns, cuja defesa se entrega a determinados indivíduos, embora sob o controle da coletividade, como seja: administração da justiça, repressão de atos ilegítimos, inspeção do regime de águas, principalmente nos países tropicais e, finalmente, toda uma série de funções religiosas, derivadas do primitivismo selvagem destas sociedades. Tais fenômenos de distribuição de competências se encontram nas coletividades naturais de todas as épocas, como já ocorria na sociedade antiquíssima dos marks alemães e como ainda hoje se observa na Índia. Trazem consigo, como é lógico, uma certa amplitude de poderes e representam as origens do Estado. Pouco a pouco, as forças produtivas se vão intensificando, a densidade cada vez maior de população cria interesses, ora comuns ora formados entre as distintas coletividades, de modo que, agrupando-se num todo superior, fazem nascer uma nova divisão do trabalho, criando os órgãos necessários para cuidar dos interesses harmônicos e para defender-se contra os interesses hostis.”

Não é necessário que examinemos aqui o modo como esta independência da função social frente à sociedade foi convertendo-se, com o correr dos tempos, numa verdadeira hegemonia sobre a própria sociedade, o modo como os primitivos servidores da sociedade, nos lugares onde as circunstâncias lhes foram propícias, foram-se erigindo paulatinamente em senhores dela própria e, finalmente, o modo como, de acordo com o ambiente, esses mesmos senhores se instauraram, no Oriente, como déspotas ou sátrapas, na Grécia como príncipes de linhagem, entre os celtas como chefes de clã, e assim por diante.”

POR QUE A INGLATERRA FRACASSOU NAS ÍNDIAS: “Muitos foram os déspotas que passaram pelo poder, na Pérsia e na Índia, mas todos eles sabiam perfeitamente que a sua missão coletiva era, antes de tudo, a de regar os vales, pois que sem irrigação não se podia fazer ali agricultura. Foi preciso que chegassem os ingleses civilizados para que esse dever primordial do despotismo, no Oriente, fosse esquecido. Os ingleses deixaram que se estragassem os canais e as represas, e, atualmente, depois de muitos anos, as épocas periódicas de fome vêm a lhes apontar que menosprezaram a única atividade que poderia tornar a sua hegemonia sobre a Índia pelo menos tão legítima quanto a de seus antecessores.”

A força de trabalho adquiriu um valor. Mas nem a coletividade, por si mesma, nem o agrupamento de coletividades de que ela fazia parte podiam fornecer forças de trabalho disponíveis, excedentes. Fornecia-as a guerra, que já se efetuava a partir, pelo menos, dos tempos em que começaram a coexistir, lado a lado, distintos grupos sociais. Até essa época, não se tinha sabido, ainda, como empregar os prisioneiros de guerra, razão pela qual eram eles liquidados em vez de se os alimentar, como era costume em épocas anteriores. Ao chegar, porém, a esta etapa da evolução econômica, os prisioneiros de guerra começaram a representar um valor. Por isso, deixaram-nos viver, a fim de aproveitarem-se de seu trabalho. Como vemos, a violência, longe de se impor sobre a situação econômica, foi posta a serviço desta. Haviam sido lançadas as bases da instituição da escravidão.”

Foi a escravidão que tornou possível a divisão do trabalho, em larga escala, entre a agricultura e a indústria, e foi graças a ela que pôde florescer o mundo antigo, o helenismo.” “E sem as bases do helenismo e do Império Romano não se teria chegado a formar a moderna Europa.” “Podemos, neste sentido, afirmar, legitimamente, que, sem a escravidão antiga, não existiria o socialismo moderno.” “Neste terreno, por mais paradoxal e mais herético que possa parecer, não temos outro remédio senão dizer que a implantação da escravidão representou, nas circunstâncias em que ocorreu, um grande progresso. É indiscutível que a humanidade saiu de um estado de animalidade e que necessitou utilizar, portanto, de meios bárbaros e quase bestiais para erguer-se desse estado de barbárie.” Nietzsche-Adorno

As antigas comunidades, onde subsistem essas instituições, formam, desde milhares de anos, da Índia à Rússia, a base da mais tosca forma de Estado: o despotismo oriental.” “Enquanto o trabalho humano era muito pouco produtivo, é claro que apenas fornecia um pequeno excedente, depois de satisfeitas as necessidades mais prementes da vida, não se podendo tratar da intensificação das forças produtivas, da ampliação do mercado, do aperfeiçoamento do Estado e do Direito, da fundação de nenhuma arte [técnica] e de nenhuma ciência, a não ser pela mais reforçada divisão do trabalho, em cuja base estava, forçosamente, a grande divisão do trabalho entre as massas dedicadas ao simples trabalho manual e uns poucos privilegiados, ao cargo dos quais estava a direção dos trabalhos, o comércio, o trato dos negócios públicos e, mais tarde, o cultivo das artes e ciências.” “E representava esta instituição um progresso até para os próprios escravos: permitia, pelo menos, aos prisioneiros de guerra, entre os quais eram recrutados em seu maior número os escravos, que conservassem as vidas já que, até então, eram todos exterminados, no começo, por meio da fogueira, e, depois, por meio do cutelo.”

tinha que haver necessariamente uma classe especial que, livre do trabalho efetivo, tratasse desses assuntos.” Da kalokagathia até os levitas, tribo sacerdotal, e especial, dos semitas!

A gigantesca intensificação das forças produtivas, conseguida graças ao advento da grande indústria, é que tornou possível que o trabalho se possa distribuir, sem exceção, entre todos os membros da sociedadereduzindo dessa forma a jornada de trabalho do indivíduo a tais limites, que deixem a todos um tempo livre suficiente para que cada um intervenha – teórica e praticamente – nos negócios coletivos da sociedade.” Sem a inclusão da mulher, o homem trabalharia em dobro. Sem a inclusão de uma grande parte desse exército de reserva que está à míngua no Brasil nunca atingiremos os patamares europeus de, senão pleno emprego, pelo menos a redução ainda maior da carga horária, ainda convencionada em média a 40h semanais, a mais salutares 30h ou a menos dias úteis semanais.

PARTE II. ECONOMIA POLÍTICA. CAPÍTULO V. TEORIA DO VALOR

Há cerca de cem anos, apareceu, em Leipzig, um livro, que alcançou 31 edições até o começo do atual século, tendo sido distribuído e difundido nas cidades e aldeias, pelas próprias autoridades, por pregadores e por filantropos de toda a espécie, além de ser colocado em todas as escolas públicas do país, como texto de leitura. O título deste livro era: O Amigo da Criança, e tinha por autor um tal Rochow. A sua finalidade era doutrinar, aos jovens filhos dos camponeses e dos artesãos, a respeito de sua missão na vida e de seus deveres para com os seus superiores hierárquicos, na sociedade e no Estado, infundindo-lhes contentamento com a sorte benfazeja que o céu lhes tinha reservado na terra, e, ao mesmo tempo, com o pão negro e as batatas, as tributações feudais e os magros salários, as surras recebidas de seu pai, e outras coisas não menos agradáveis, tudo divulgado por meio de raciocínios que eram muito comuns naquela época.”

O valor das mercadorias é determinado pelo trabalho geral, humano, socialmente necessário, nelas materializado, o qual, por sua vez, é medido pela sua duração. O trabalho é a medida de todos os valores, mas não possui valor algum.”

Marx, O Capital

se o salário determina o valor, é impossível conceber que o operário seja explorado pelo capitalista.” O valor também determinaria o salário, não haveria inflação nem lucro capitalista, apenas uma troca equivalente universal entre trabalhadores e consumidores (as mesmas pessoas).

PARTE II. ECONOMIA POLÍTICA. CAPÍTULO VI. TRABALHO SIMPLES E TRABALHO COMPLEXO

trabalho mais complexo não é mais que o trabalho simples potenciado, ou melhor, multiplicado de tal maneira que uma quantidade pequena de trabalho complexo equivale a uma quantidade maior de trabalho simples. A experiência nos ensina que a redução de trabalho complexo para trabalho simples está sendo realizada diariamente. Embora uma mercadoria seja um produto do trabalho mais complicado do mundo, o seu valor a coloca no mesmo plano que os produtos do trabalho simples, o que faz com que só represente uma determinada quantidade de trabalho comum. As diferentes proporções em que as diferentes espécies de trabalho são reduzidas ao trabalho simples, que é a sua unidade de medida, são fixadas por meio de um processo social, desenvolvido sem o conhecimento dos produtores, que supõem mesmo que ela provém da tradição.”

O Capital

Ora, nem todo trabalho consiste na simples força humana de trabalho. Existem variadas espécies de trabalho, que envolvem o exercício de aptidões e conhecimentos, adquiridos com maior ou menor esforço, ao lado de um gasto maior ou menor de tempo e de dinheiro. Formam, essas categorias de trabalho complexo, no mesmo espaço de tempo, um valor mercantil idêntico ao do trabalho simples, que é o desgaste ou a aplicação da força simples de trabalho? Está claro que não. O produto de uma hora de trabalho complexo, comparado com o produto de uma hora de trabalho simples, representa uma mercadoria cujo valor é 2 ou 3x superior. O valor dos produtos do trabalho complexo é expresso, nesta comparação, por determinadas quantidades de trabalho simples, mas esta redução do trabalho complexo ao trabalho simples se realiza por meio de um processo social desconhecido dos próprios produtores, cuja trajetória não podemos aqui senão assinalar na exposição da teoria do valor, deixando a sua explicação detalhada para ocasião oportuna.”

Ao falarmos do valor do trabalho, empenhando-nos em determiná-lo, incorremos no mesmo contra-senso em que incorreríamos se falássemos, procurando encontrá-lo, do valor ou do peso, não de um corpo pesado, mas da própria gravidade.”

Para o socialismo, que aspira à emancipação da força humana de trabalho de sua condição de mercadoria, é da maior importância compreender que o trabalho não tem um valor. Demonstrado este fato, caem por terra todas as tentativas próprias do socialismo operário primitivo e elementar, que tem no Sr. Dühring um continuador, e que são destinadas a regulamentar a distribuição futura dos meios de vida por meio de uma espécie de salário superior.”

A CILADA DO VALOR ‘ABSOLUTO’ DE DÜHRING: “É claro que o modo tradicional de pensar das classes cultas, herdado pelo Sr. Dühring, tem que considerar, necessariamente, como uma monstruosidade que chegue o dia em que não existam mais carregadores e arquitetos de profissão, e no qual o homem, que passou uma meia hora dando instruções, como arquiteto, tem que servir durante algum tempo como carregador, até que seus serviços de arquiteto voltem a ser necessários. Para se eternizar a categoria dos carregadores de profissão não era preciso o socialismo!”

Entre 2 operários, até de um mesmo ramo industrial, o produto do valor criado em cada hora de trabalho se diferenciará sempre, quer devido à intensidade do trabalho, quer à habilidade do trabalhador. E este ‘mal’, que existe somente para homens do gênero do Sr. Dühring, não pode ser remediado nem mesmo pela Comuna Econômica, ao menos em nosso planeta.”

Na sociedade de produtores privados, os gastos para a formação de cada operário instruído correm por conta dos particulares ou de suas famílias, razão pela qual devem eles mesmos lucrar com a diferença de preço das forças de trabalho qualificadas. O escravo hábil é vendido por maior preço, o operário mais competente obtém um melhor salário. Na sociedade socialista, os gastos com a instrução correrão por conta da coletividade, e a ela, portanto, é que deverão caber os seus frutos, isto é, o excedente de valor engendrado pelo trabalho complexo.”

PARTE II. ECONOMIA POLÍTICA. CAPÍTULO VII. CAPITAL E MAIS-VALIA

Assim, segundo Marx, o capital teria nascido da moeda no começo do século XVI. É como se disséssemos que a moeda metálica nasceu há 3 mil anos, do gado, porque, como se sabe, este teve antigamente função de moeda. Só mesmo o Senhor Dühring seria capaz de exprimir-se com tanta grosseria e desacerto.”

Na sua primeira entrada em cena, isto é, na sua primeira aparição no mercado, quer se trate do mercado de mercadorias, do de trabalho ou de moeda, o capital reveste sempre a forma dinheiro, a forma de um dinheiro que (…) deve transformar-se em capital.

O Capital, livro I, capítulo IV

capitalista incipiente começa por comprar aquilo de que ele próprio ‘não tem’ necessidade; compra para vender, e para vender mais caro, para recuperar o valor-dinheiro primitivamente aplicado na compra e, mais ainda, para recuperá-lo acrescido de um excedente em dinheiro, que Marx denomina de mais-valia.”

O problema é este: como é possível vender constantemente mais caro do que se comprou, mesmo que se suponha que se trocam sempre valores iguais por valores iguais?

A solução dessa questão é, na obra de Marx, o seu grande mérito, um acontecimento que marca uma época. Ela veio iluminar domínios econômicos em que até aqui não só os socialistas como os economistas burgueses tateavam no meio das trevas mais espessas. Data dessa época, e em torno dela se agrupa, o socialismo científico.”

seria preciso que o nosso possuidor de dinheiro tivesse a sorte de descobrir, na esfera da circulação, isto é, no mercado, uma mercadoria cujo valor de uso fosse dotado da singular propriedade de ser fonte de um novo valor ou cuja utilização real seria, pois, a materialização do trabalho e, por conseqüência, ‘criação de valor’. Ora, o possuidor de dinheiro encontra no mercado essa mercadoria particular: é a capacidade de trabalho, ou força de trabalho.”

O Capital

Também o comprador da força de trabalho tem, em conseqüência, [do fato de que, no início, o valor pago pelas horas de trabalho suficientes para produzir a mercadoria não gere excedente¹] uma maneira inteiramente diversa de encarar a natureza do contrato realizado com o operário.”

¹ Obviamente essa hipótese ideal só poderia ocorrer sob 2 possibilidades razoavelmente difíceis de encontrar no mercado de trabalho:

a) remuneração justa;

b) jornada de trabalho honesta.


O fato de somente 6h de trabalho serem necessárias para manter a vida do trabalhador durante 24h não o impede de modo algum que seja obrigado a trabalhar 12h em 24.” Razão por que as reformas trabalhistas demoraram séculos, enquanto o Capitalismo se consolidava espetacularmente… Quando o Capital volta a enfraquecer no fim do século XX, principalmente no setor de serviços, onde não há a possibilidade de mecanização da maioria dos processos, tem de recorrer à terceirização e quarteirização, expediente que permite a flexibilização das leis trabalhistas e o retorno de jornadas de 10 a 12h para desprivilegiados do sistema.

Que o valor criado pela utilização dessa força de trabalho, durante um dia, seja 2x tão grande quanto o valor diário dessa força é uma grande sorte para o comprador; mas não é, de forma alguma, de acordo com as leis que regem a troca de mercadorias, uma injustiça em relação ao vendedor. Assim, o trabalho custa ao possuidor de dinheiro, segundo a nossa hipótese, diariamente, o produto em valor de 6h de trabalho. Diferença em proveito do possuidor de dinheiro: 6h de sobre-trabalho não-pago, no qual se acha incorporado o trabalho de 6h. Realizou-se o milagre, a mais-valia foi produzida, o dinheiro transformou-se em Capital.”

É preciso, primeiramente, que o trabalhador possa dispor, como pessoa livre, de sua força de trabalho, como de uma mercadoria qualquer; é preciso, em seguida, que não tenha outra mercadoria a vender e que esteja livre e desembaraçado de todas as coisas necessárias para realizar, por conta própria, a sua força de trabalho.”

O Capital

Com efeito, esse trabalho livre aparece na história, pela 1ª vez, em massa, no fim do século XV e começo do XVI, em seguida à decomposição do regime feudal de produção.”

Assim, o pecado que o Senhor Dühring acusa em Marx, de não fazer do Capital a idéia comumente admitida em economia política, não somente ele próprio o comete, como perpetra, em relação a Marx, um plágio torpe, ‘mal-dissimulado’ por meio de frases pretensiosas.”

O Capital é, pois, uma fase histórica, não somente em Marx como também no Sr. Dühring. Somos, assim, forçados a concluir que estamos entre jesuítas: quando 2 homens fazem a mesma coisa, não é a mesma coisa. Quando Marx diz que o Capital é uma fase histórica, essa afirmação é resultado de ‘uma imaginação exótica, produto bastardo da fantasia histórica e lógica em que a faculdade de discernimento desaparece com tudo o que significa probidade no emprego dos conceitos’. Quando o Sr. Dühring apresenta igualmente o Capital como uma fase histórica, isso é uma prova de ‘penetração na análise econômica, do caráter científico mais definitivo e mais rigoroso, no sentido das disciplinas exatas’.”

“‘O sobre-trabalho, o trabalho excedente ao tempo necessário à manutenção do trabalhador’, e a apropriação do produto desse sobre-trabalho por outrem, a exploração do trabalho, são, pois, comuns a todas as formas de sociedade até aqui existentes, enquanto nelas reinarem os antagonismos de classes. Mas é somente quando o produto desse sobre-trabalho se reveste da forma de mais-valia, quando o proprietário dos meios de produção encontra diante de si, como objeto de exploração, o trabalhador livre – livre de entraves sociais e livre de bens próprios – e o explora tendo em vista a produção de mercadorias, é somente então, segundo Marx, que os meios de produção se revestem do caráter específico de Capital.”

Noutros termos, o Senhor Dühring apropria-se do conceito de sobre-trabalho descoberto por Marx para fulminar a mais-valia, igualmente descoberta por Marx, e que, por enquanto, não lhe convém. Segundo o Senhor Dühring, não só a riqueza mobiliária e imobiliária dos cidadãos atenienses e coríntios, que utilizavam o trabalho escravo, mas também a dos grandes proprietários territoriais romanos da época imperial, e, do mesmo modo, dos barões feudais da Idade Média, por pouco que servissem, de qualquer maneira, à produção, constituem, todas, modalidades, sem exceção, de Capital.”

Para nós, é-nos absolutamente indiferente que todos os economistas burgueses se deixem dominar pela idéia de que a virtude de produzir juros ou lucros é inerente a qualquer soma de valores invertidos, sob condições normais, na produção ou na troca de mercadorias. Capital e lucro ou capital e juros são, na economia clássica, inseparáveis, estão de tal maneira entrelaçados entre si como a causa e o efeito, o pai e o filho, o ontem e o hoje. Mas a palavra, Capital, na sua significação econômica moderna, só aparece na época em que surge o próprio fenômeno que o caracteriza, em que a riqueza mobiliária se reveste cada vez mais da função de Capital, isto é, explora o sobre-trabalho de operários livres, com o fim de produzir mercadorias; e esse fenômeno começa a tomar forma, pela 1ª vez, na mais antiga nação capitalista que se apresenta na história: a Itália dos séculos XV e XVI.”

PARTE II. ECONOMIA POLÍTICA. CAPÍTULO VIII. CAPITAL E MAIS-VALIA (conclusão)

A mais-valia divide-se, portanto, em várias partes, que se destinam a diversas categorias de pessoas e se revestem, cada uma, de uma forma especial, independentes umas das outras, tais como lucro, juros, ganho comercial, renda territorial, etc.

O Capital

BURRO OU DESONESTO: “Quando o Sr. Dühring pretende, portanto, que a mais-valia de Marx é, para falar a linguagem comum, o ‘lucro do Capital’, o quê se pode concluir, em face disso, uma vez que todo o livro de Marx gira em torno da mais-valia? Só há 2 hipóteses: ou ele não sabe o que diz e, nesse caso, é de uma impudência sem igual pretendendo fulminar uma obra cujo conteúdo essencial ignora; ou conhece esse conteúdo e comete voluntariamente uma falsificação.”

Marx diz expressamente que o lucro comercial também constitui uma parte da mais-valia, e em tais circunstâncias isto só é possível se o fabricante vender seu produto ao negociante, abaixo de seu valor, cedendo-lhe, assim, uma parte de seu espólio. Feita como aí está, a pergunta, na verdade, não pode nem mesmo ser encontrada em Marx. Feita em termos racionais, ei-la: Como a mais-valia se transforma em suas formas e modalidades: lucro, juros, ganho do comerciante, renda territorial, etc.? E esta questão Marx promete, sem dúvida, resolvê-la no livro II de O Capital. Mas se o Senhor Dühring não podia esperar pacientemente pelo aparecimento do 2º volume de O Capital, poderia ter examinado, com mais cuidado, o 1º vol. Neste, poderia ver, afora as passagens já citadas, à página 323, por exemplo, que, segundo Marx, as leis imanentes da produção capitalista agem no movimento exterior dos capitais como as leis imperativas da concorrência, que é a forma sob a qual se revelam à consciência do capitalista individual como os seus motivos propulsores; que, por conseguinte, uma análise científica da concorrência não é possível senão quando se discerne a natureza íntima do capital[Sua natureza trágica e inconsciente] do mesmo modo que o movimento aparente dos corpos celestes só é perceptível aos que conhecem o seu movimento real, imperceptível aos sentidos.”

Para Marx, o sobre-produto, como tal, não entra absolutamente nos gastos da fabricação: é a parte do produto que não custa nada ao capitalista. Se os patrões concorrentes quisessem vender o sobre-produto ao preço de suas despesas naturais de fabricação, nada mais teriam a fazer senão dá-lo de presente. Mas não nos retardemos nestes ‘detalhes micrológicos’. Não estariam os patrões concorrentes valorizando diariamente o produto do trabalho acima do custo natural de produção?”

A Vênus da qual esse fiel mentor procura desviar a juventude alemã, ele a tinha ido buscar nas terras de Marx e a tinha posto, em surdina, em lugar seguro, para seu próprio prazer. Cumprimentemo-lo por esse produto líquido obtido, utilizando a força de trabalho de Marx, e pela luz particular que a sua anexação da mais-valia marxista, sob o nome de renda possessória, lança sobre os motivos da sua falsa e obstinada afirmação, aliás repetida em 2 edições, de que Marx entendia por mais-valia somente o lucro ou o ganho do Capital.”

PARTE II. ECONOMIA POLÍTICA. CAPÍTULO IX. LEIS NATURAIS DA ECONOMIA – A RENDA TERRITORIAL

Lei nº 1: ‘A produtividade dos meios econômicos, das riquezas naturais e da força do homem, é intensificada pelas <invenções> e <descobrimentos>.’

Espantoso! O Senhor Dühring trata-nos, mais ou menos como, em Molière, aquele pândego trata o fidalgo, ao dizer-lhe que ele fez prosa toda a vida sem o saber.”

—“que essa velha banalidade seja a lei fundamental de toda a economia, eis uma revelação que ficamos devendo ao Senhor Dühring.” “Se a ‘vitória da verdadeira ciência’, em economia política como em filosofia, consiste somente em dar ao 1º lugar-comum que nos ocorre um nome retumbante, e proclamá-lo como uma lei natural, ou seja, como uma lei fundamental, então, realmente, ‘fundar a ciência sobre uma base aprofundada’, revolucionar a ciência, torna-se possível a todo mundo, inclusive à redação da Volkszeitung, de Berlim.”

Quando dizemos, p.ex., que os animais comem, com isso enunciamos tranqüilamente, com toda a inocência, uma grande coisa. Para revolucionarmos toda a zoologia, não teríamos senão que dizer: a lei fundamental de toda vida animal é comer.” HAHAHA!

Lei nº 2: ‘Divisão do trabalho. A separação dos ramos profissionais e a especialização das atividades aumentam a produtividade do trabalho.’

Lei nº 3: ‘Distância e transporte são as causas principais que entravam ou favorecem a cooperação das forças produtivas.’

Lei nº 4: ‘O Estado industrial tem uma capacidade de produção incomparavelmente maior que o Estado agrícola.’

Lei nº 5: ‘Em economia política, nada acontece sem que corresponda a um interesse material.’ [HAHAHAHAA]

Tais são as ‘leis naturais’ sobre as quais o Senhor Dühring funda a sua economia.”

terminaremos por um estudo rápido das idéias do Senhor Dühring sobre a renda territorial. § Passamos por alto todos os pontos em que o Sr. Dühring se limita a repetir Carey, seu predecessor; não trataremos aqui de refutar a Carey, nem de defendê-lo contra suas tergiversações e fatuidades acrescentadas à concepção ricardiana da renda do solo.”

ele define a renda do solo como ‘a renda que o proprietário recebe do solo, em sua condição de proprietário’.” Parece fazer sentido!

[Mas a] idéia econômica de renda territorial, que o Sr. Dühring deve explicar, é singelamente traduzida em linguagem jurídica, de maneira que não avançamos um palmo. Nosso construtor de alicerces profundos é, portanto, obrigado a entregar-se, por bem ou por mal, a excessos de explicações.”

n[est]a teoria da renda territorial não se distingue especialmente o caso em que um homem explora, ele próprio, a sua terra, e não se dá muita importância à diferença quantitativa que existe entre uma renda percebida sob a forma de arrendamento e uma renda produzida por aquele mesmo que a aufere.”

Onde existam explorações consideráveis, ver-se-á facilmente que não se poderia considerar o ganho específico do arrendatário como uma espécie de salário de seu trabalho: esse lucro, com efeito, surge em oposição à força de trabalho agrícola, cuja exploração torna, por si mesma, possível essa espécie de renda. É evidentemente ‘uma fração de renda’ que fica nas mãos do arrendatário e torna menor a ‘renda integral’ que o proprietário receberia caso explorasse por conta própria a terra.

A teoria da renda territorial é uma parte da economia política especificamente inglesa e devia sê-lo, pois é somente na Inglaterra que existe um modo de produção em que a renda se separa efetivamente do lucro e dos juros. Na Inglaterra, como se sabe, dominam o latifúndio e a grande agricultura. Os proprietários territoriais arrendam suas terras, sob a forma, quase sempre, de grandes domínios, a arrendatários providos de capital suficiente para explorá-las. Estes arrendatários não trabalham como os camponeses alemães, não passando de autênticos empreiteiros capitalistas, pois empregam o trabalho de assalariados. Temos aí, portanto, 3 classes da sociedade burguesa e a renda própria a cada uma delas: o latifundiário, que percebe a renda territorial; o capitalista, que embolsa o lucro; o trabalhador, que recebe o salário. Nunca um economista inglês se lembrou de fazer do ganho do arrendatário, como ‘parece’ ao Senhor Dühring, uma espécie de salário.”

“É verdadeiramente ridículo, com efeito, dizer que nunca se levantou com tanta precisão a questão de saber o que é, na verdade, o lucro do arrendatário. Na Inglaterra, não se tem mesmo necessidade de fazer semelhante pergunta, cuja resposta está dada há muito tempo pelos fatos e nenhuma dúvida houve, até hoje, nesse sentido, desde Adam Smith.

O caso em que o proprietário explora, ele mesmo, as suas terras, segundo considera o Sr. Dühring, ou melhor, como diríamos nós, a exploração por parte dos administradores, por conta do proprietário territorial, como acontece, às vezes, na Alemanha, em nada altera a questão. Quando o latifundiário fornece o capital e faz explorar a terra por sua própria conta, ele embolsa, além da renda territorial, o lucro do capital, como é inevitável no atual regime de produção.”

Um latifundiário que ‘também explora’ parte de suas próprias terras deveria receber, uma vez pagos os gastos de exploração, a renda do proprietário territorial [mas é ele! a renda que ele recebe está na forma de não pagar o arrendamento ao proprietário, ora bolas!] e o lucro do arrendatário. Entretanto, ele chamará de boa vontade, pelo menos na linguagem corrente, todo o seu ganho de lucro, confundindo assim renda com lucro. A maioria dos lavradores da América do Norte e das Índias Ocidentais está nesse caso: a maior parte cultiva suas propriedades e raramente ouvimos falar da renda de uma lavoura, e, sim, do lucro que ela dá … Um hortelão, que cultiva com suas mãos sua própria horta, é proprietário territorial, arrendatário [!!!] e operário assalariado ao mesmo tempo: o produto deveria, portanto, pagar-lhe a renda do primeiro, o lucro do segundo e o salário do terceiro; [HAHAHA!] entretanto, tudo passa ordinariamente como sendo produto de seu trabalho: desse modo, a renda e o lucro se confundem com o salário.” 

Riqueza das Nações, vol 1, cap. 6

o arrendatário ‘diminui’ a renda do latifundiário, isto é, que, no Senhor Dühring, não é como se havia até agora figurado, o arrendatário que ‘paga’ ao proprietário territorial, mas ‘proprietário territorial’ que paga ‘ao arrendatário uma renda’ – [!!!!] e eis aí ‘um ponto de vista eminentemente original’.” “o que o Senhor Dühring entende [verdadeiramente] como renda do solo: é todo o sobre-produto obtido, na agricultura, pela exploração do trabalho do camponês.” Mas o latifundiário exclusivo não possui a mão-de-obra, burro!

Assim, segundo o Senhor Dühring, a única diferença entre a renda territorial e o lucro do capital é que a 1ª se obtém na agricultura e a 2ª na indústria e no comércio.”

PARTE II. ECONOMIA POLÍTICA. CAPÍTULO X. SOBRE A “HISTÓRIA CRÍTICA”

Como a economia política, tal qual se manifestou na história, não é, de fato, senão o estudo científico do que é a economia do período de produção capitalista, não se podem encontrar proposições e teoremas que com ela se relacionem (p.ex., entre os escritores da sociedade grega antiga) senão na medida em que certos fenômenos, tais como a produção mercantil, o comércio, a moeda, o capital que rende juros, etc., são comuns às duas sociedades. Todas as vezes que os gregos incursionam ocasionalmente nesse domínio, demonstram o mesmo gênio e a mesma originalidade que nos outros. Seus pontos de vista são, pois, historicamente, os pontos de partida teóricos da ciência moderna.”

D. critica Aristóteles, o inventor dos termos valor de uso e valor de troca, dizendo que em sua época (a de D., claro) já não é mais necessária essa distinção!

Desdém e nada mais, é tudo o que Platão consegue do Senhor Dühring pela sua exposição – genial para seu tempo – da divisão do trabalho como base natural da cidade (sinônimo de Estado para os gregos), e isso porque ele (Platão) não menciona (mas o grego Xenofonte o faz, Senhor Dühring!) que o ‘limite que impõe toda a extensão do mercado à divisão ulterior dos ramos profissionais e a separação técnica das operações especiais … A noção desse limite é a primeira verificação pela qual uma idéia que, antes, se podia dificilmente classificar de científica, se torna uma verdade de importância econômica.’

não foi o mercado que criou a divisão capitalista do trabalho, mas que, inversamente, foi o desdobramento de unidades sociais anteriores, e a divisão do trabalho dele resultante, que criaram o mercado. (Ver O Capital, livro I, capítulo XXIV, 5: ‘Estabelecimento do mercado interior para o capital industrial’).”

O papel da moeda foi, em todos os tempos, a primeira incitação às idéias econômicas (!).¹ Mas que sabia um Aristóteles desse papel? Evidentemente nada que ultrapassasse a noção de que a troca, por meio da moeda, sucedeu à troca primitiva em espécie.”²

¹ A exclamação de Engels se deve a que o Sr. Dãring havia reputado a Marx, em outra página, o erro calamitoso de que ‘o capital surgia com a moeda’, discutido mais acima, sendo que Marx nunca dissera isso!

² “Descobriu” o movimento M-D-M / D-M-D de Marx! Hahaha!

Mas, quando um Aristóteles se permite descobrir as 2 ‘formas de circulação’ diferentes da moeda, uma em que ela aparece como simples instrumento de circulação, outra em que age como capital monetário, não faz, com isso, segundo o Senhor Dühring, ‘senão exprimir uma antipatia moral’.” “um Dühring prefere nada dizer, por motivos dele conhecidos, sobre essa impertinente audácia.”

Faremos melhor lendo o capítulo do Senhor Dühring sobre o mercantilismo, no ‘original’, isto é, em F. List, Sistema Nacional, capítulo XXIX: O sistema industrial, falsamente chamado de sistema mercantil.”

A Itália precedeu todas as nações modernas, na teoria como na prática da economia política (…) [a] primeira obra escrita na Itália, especialmente sobre economia política, o livro de Antonio Serra, napolitano, Sobre os meios de proporcionar aos reinos ouro e prata em abundância [ou Breve Trattato] (1613).”

List

O Senhor Dühring aceita isso sem hesitação e pode, em conseqüência, ‘considerar o livro de Serra como uma espécie de epígrafe à entrada da pré-história moderna, da economia’. (…) mas, infelizmente, as coisas se passaram na realidade de outro modo, pois, em 1609, 4 anos por conseguinte antes do Breve Trattato, apareceu A Dicourse of Trade, etc., de Tomas Mann. Essa obra teve, desde a sua primeira edição, a significação particular de ser dirigida contra o antigo ‘sistema monetário’, então ainda defendido como prática do Estado, na Inglaterra, e representa, portanto, a ‘emancipação’ conscientemente praticada pelo sistema mercantil do sistema que lhe tinha dado origem.” “Na edição de 1664, completamente refundida pelo autor e aparecida após a sua morte sob o título de England’s Treasure, etc. continuou sendo, por mais 100 anos ainda, o evangelho mercantilista. Se, pois, o mercantilismo possui um livro que fez época, ‘uma espécie de epígrafe à entrada’, é bem esse, que também não existe de maneira alguma para o Senhor Dühring e nem para sua ‘História’, que ‘observa com o maior cuidado as gradações hierárquicas da história’.”

Do fundador da economia política moderna, Petty, o Senhor Dühring nos diz que tinha uma quantidade ‘bem grande’ de pensamentos superficiais, que ‘não tinha o senso das distinções interiores e sutis entre os conceitos’ “Que extraordinária condescendência, esta do ‘pensador sério’, Senhor Dühring, consentindo em levar em conta ‘um Petty’! E de que maneira o leva em conta!”

No seu Treatise on Taxes and Contributions (1ªed. em 1662), Petty faz uma análise perfeitamente clara e exata sobre a grandeza do valor das mercadorias. Esclarecendo primeiramente, à luz da igualdade de valor entre os metais preciosos e os cereais que custam um trabalho igual, ele foi o primeiro a dizer a última palavra ‘da teoria’ sobre o valor dos metais preciosos, expondo com a mesma precisão o princípio geral de que os valores das mercadorias são medidos por um ‘trabalho igual’ (equal labor).” Naquela época, aparentemente, dizer que 1kg de chumbo pesava tanto quanto 1kg de alface ainda gerava muito rumor e polêmica…

entretanto, na construção e na aplicação prática do princípio do trabalho igual existe, eu o confesso, muita diversidade e complicação”

Petty, o modesto

Um trabalho de Petty, perfeitamente harmônico, é o seu Quantulumcumque [Concerning Money], publicado em 1682, 10 anos após sua Anatomy of Ireland (aparecida ‘pela primeira vez’ em 1672 e não em 1691, como escreve o Senhor Dühring, conforme as ‘compilações dos manuais mais correntes’). Os últimos traços de concepções mercantilistas, que se acham noutros escritos de Petty, desaparecem por completo nesta obra. É uma pequena obra-prima, no fundo e na forma, e é justamente por isso que não figura na lista do Senhor Dühring.”

O Senhor Dühring trata Petty, fundador da Aritmética Política, vulgarmente chamada estatística, como já havia tratado Petty pelos trabalhos propriamente econômicos. Dá de ombros, com ar zangado, diante da singularidade dos métodos grotescos que o próprio Lavoisier aplicava ainda, nesse domínio, 100 anos mais tarde: quando consideramos a distância que ainda separa a estatística atual do objetivo que Petty lhe traçara em linhas gerais, esse ar de superioridade suficiente, 2 séculos post festum, parece como uma tolice desmedida.”

Law imagina, pelo contrário, que um ‘acréscimo’ qualquer do número desses ‘pedaços de papel’ aumenta a riqueza de uma nação.”

SUCESSORES DE PETTY: “As duas obras, Considerations on Lowering of Interest and Raising of Money, de Locke, e os Discourses upon Trade, de North, apareceram no mesmo ano de 1691.”

DEFEITO DO TRATADO ECONÔMICO: ERA EMPÍRICO DEMAIS! “‘O que Locke escreveu sobre os juros e a moeda não sai do quadro das reflexões que eram habitualmente, sob o reino do mercantilismo, ligadas aos acontecimentos da vida política (pág. 64, da História Crítica de Dãring). O leitor poderá, agora, por intermédio desse verídico informe, compreender com absoluta clareza por que o Lowering of Interests, de Locke, exerceu sobre a economia política francesa e italiana da 2ª metade do século XVIII influência tão considerável, e efetivada em diversos sentidos.”

enquanto que Locke só admite com restrições a liberdade dos juros reclamada por Petty, North a aceita integralmente.”

O Senhor Dühring ultrapassa-se a si mesmo quando, mercantilista mais inflexível ainda, num sentido ‘mais sutil’fulmina os Discourses upon Trade de Dutley North, observando que são escritos ‘no sentido do livre-câmbio’. É como se disséssemos, de Harvey, que ele escreveu ‘no sentido da circulação do sangue’. [HAHAHA] A obra de North – sem falar de outros méritos que tem – é uma análise clássica, escrita com uma lógica rigorosa, da doutrina livre-cambista, referente ao comércio tanto exterior como interior, análise que, na verdade, no ano de 1691, representava ‘algo inaudito’.

De resto, o Senhor Dühring relata que North era um ‘traficante’ e, ainda por cima, um mau sujeito, e que seu livro ‘não podia ter êxito’. Ele teria feito melhor mostrando que tal obra teria ‘êxito’ no momento em que triunfava definitivamente o sistema protecionista na Inglaterra, pelo menos junto à turba que representava o elemento característico. Entretanto, isso não impediu sua ação teórica imediata, que se pôde mostrar em toda uma série de escritos econômicos aparecidos na Inglaterra, imediatamente depois dele, alguns ainda no século XVII.”

durante o período que vai de 1691 a 1752, impõem-se ao observador mais superficial, pelo simples fato de que todos os trabalhos econômicos importantes dessa época a eles se referem, para dar razão ou refutar Petty. Esse período, em que abundam os espíritos originais, é conseqüentemente o mais importante para o estudo da gênese e do gradual desenvolvimento da economia política. O ‘historiador em grande estilo’, censura a Marx, como uma falta imperdoável, o fato de, em O Capital, ter feito tanto barulho em torno de Petty e dos escritores desse período, simplesmente escamoteia a todos eles da história. De Locke, North, Boisguillebert e Law, ela salta imediatamente para os fisiocratas e, então, aparece nos umbrais do verdadeiro templo da economia política… David Hume. Com a permissão do Senhor Dühring, restabeleçamos a ordem cronológica e ponhamos Hume antes dos fisiocratas.

Os Ensaios econômicos de Hume apareceram em 1752. Nos 3 ensaios existentes – Of MoneyOf the Balance of TradeOf Commerce, Hume segue passo a passo, às vezes até em suas simples fantasias, um livro de Jacob VanderlintMoney answers all things, Londres, 1734. Por mais desconhecido que esse Vanderlint tivesse permanecido para o Senhor Dühring é ainda tomado em consideração nos livros ingleses de economia política do fim do século XVIII, isto é, no período que se segue a Adam Smith.”

HUME, CARENTE EM DIVERSAS SEARAS: “Como Vanderlint, Hume trata da moeda como simples signo do valor; copia quase palavra por palavra (e isso é importante, porque ele poderia ter tomado de empréstimo a muitas outras obras essa teoria da moeda como signo do valor), de Vanderlint, as passagens explicando por que a balança do comércio não pode ser constantemente favorável ou desfavorável a um país; ensina, como Vanderlint, a teoria do equilíbrio das balanças estabelecendo-se natural e respectivamente, segundo as diversas situações econômicas dos diferentes países; prega, como Vanderlint, o livre-câmbio de maneira apenas menos audaciosa e menos conseqüente; insiste, como Vanderlint, porém com menos vigor, sobre as necessidades como motivo da produção: segue Vanderlint no que se refere à falsa influência atribuída à moeda bancária e a todos os valores públicos sobre os preços das mercadorias; como Vanderlint, repele a moeda fiduciária; como Vanderlint, faz depender os preços das mercadorias do preço do trabalho, portanto, do salário; segue-o mesmo nessa fantasia de que o entesouramento faz baixar o preço das mercadorias, etc., etc.”

Nada passa por ser um indício mais certo da prosperidade de uma nação que o nível baixo da taxa de juros, e com razão; contudo, creio que a causa desse fato é um pouco diferente daquela que geralmente se admite.’ Como vêem, desde a 1ª frase, Hume aceita a idéia de que o nível da taxa de juros é o indício mais seguro da prosperidade de uma nação, como um lugar-comum que já em seu tempo se tornara banal. Efetivamente, depois de Child, essa ‘idéia’ teve, para se popularizar, uns bons 100 anos de vulgarização.”

num trecho (…) [Hume] leva mais longe o erro de Locke, segundo o qual os metais preciosos só teriam um ‘valor imaginário’, e o agrava dizendo que eles têm principalmente um ‘valor fictício’. Nesse ponto, Hume é bastante inferior, não somente a Petty, mas ainda a vários de seus contemporâneos ingleses. Ele mostra o mesmo espírito atrasado quando se obstina em exaltar o ‘comerciante’, à moda antiga, como o primeiro motivo da produção, ponto de vista que Petty há muito tempo superara.”

Cantillon, 1752 (alternativa muito superior a Hume, que publicou por essa época – com a diferença suplementar que aquele já havia morrido, isto é, suas publicações são post mortem)


Como era inevitável num escocês, a admiração de Hume pelo enriquecimento burguês está longe de ser puramente platônica. Nascido pobre, ele consegue obter um rendimento anual de milhares de libras, o que o Senhor Dühring, uma vez que não se trata mais de Petty, exprime engenhosamente da seguinte maneira: ‘Ele chegara, partindo de poucos recursos, graças a uma boa <economia doméstica>, a não precisar escrever para agradar a quem quer que seja’

Sem dúvida, não nos consta que Hume se tenha associado com um Wagner, (sic) para negócios literários:(*) mas sabe-se que Hume era um partidário infatigável da oligarquia whig, defensora ‘da Igreja e do Estado’;¹ e que, como recompensa de seus serviços, obteve, primeiro, o posto de secretário da embaixada em Paris, e, mais tarde, o cargo incomparavelmente mais importante e lucrativo de sub-secretário de Estado. ‘Do ponto de vista político, Hume era e continuou sempre conservador e estritamente monarquista. Por esse motivo, não foi excomungado com tamanha violência, como Gibbon, pelos partidários da Igreja estabelecida’, diz o velho Schlosser. ‘Hume, esse egoísta, esse historiador mentiroso – diz esse ‘rude’ plebeu Cobbet – que insulta os monges ingleses de gordos, de celibatários, de sem-família, vivendo da mendicidade, nunca teve nem família nem mulher e era, ele próprio, um latagão gordo e grande, excelentemente engraxado pelo dinheiro do Estado, sem o ter nunca merecido, por serviço algum, verdadeiro, prestado ao povo.’

(*) Alusão a uma obra de Dühring para Bismarck, por encomenda de Wagener, professor e conselheiro prussiano.”

¹ Assim como nos Estados Unidos, eis a ultra-esquerda dos britânicos!


Escola ‘fisiocrática’ deixou-nos, como se sabe, no Quadro econômico de Quesnay, um enigma, que, para os críticos e historiadores da economia política, tem sido de impossível decifração. Esse Quadro, destinado a fazer compreender claramente a concepção que tinham os fisiocratas da maneira pela qual se produz e circula o conjunto da riqueza de um país, permaneceu bastante obscuro para os economistas ulteriores.” “Segundo o próprio sr. Dühring confessa, não compreende o ABC da fisiocracia.”

Mas não queremos que o leitor fique, a respeito do Quadro de Quesnay, na mesma ignorância em que necessariamente se afundaram os que bebem a sua ciência econômica ‘de primeira mão’ no Senhor Dühring. Vejamos, em poucas palavras, de que se trata.

Sabe-se que, para os fisiocratas, a sociedade se divide em 3 classes: 1ª. a classe produtiva, isto é, a classe que realmente se ocupa da agricultura, os colonos e os trabalhadores rurais, cujo trabalho é produtivo porque fornece um excedente: a renda; 2ª. a classe que se apropria desse excedente que compreende os proprietários territoriais, os príncipes e toda a clientela que deles depende; de modo geral, os funcionários pagos pelo Estado e, inclusive, a Igreja, na sua qualidade particular de recebedora de dízimo (para abreviar, designaremos a 1ª classe simplesmente pelo nome de ‘colonos’ e a segunda pelo de ‘proprietários fundiários’): 3ª. a classe industrial, ou estéril (improdutiva), porque, segundo os fisiocratas, se limita a incorporar às matérias-primas fornecidas pela classe produtiva o necessário valor para compensar os víveres que esta própria classe consome. Quadro de Quesnay é feito para tornar sensível aos nossos olhos como o produto total de um país (na realidade, a França) circula entre essas 3 classes e serve para a reprodução anual.

Supõe-se, inicialmente, no Quadro, que o sistema de arrendamento, e com ele a grande agricultura, no sentido que essa palavra tinha no tempo de Quesnay, fôra introduzido por toda parte, na Normandia, na Picardia, na Ilha-de-França, e em algumas outras províncias francesas. Também o arrendatário é para ele o verdadeiro condutor da agricultura; representa no Quadro toda a classe produtiva (agrícola), [grande confusão: quando estes arrendatários deviam ser simplesmente os capitalistas do campo, i.e., a 3ª classe de Quesnay, sua antípoda – aqui são justamente os ‘operários’, que pagam diretamente a renda da terra aos ‘senhores feudais’, por assim dizer, da nobreza!] e paga ao proprietário territorial uma renda em dinheiro. [que Quesnay novamente confunde e põe na 2ª classe, eminentemente urbana, onde estão até os funcionários do Estado! – o abstrato colono é a única mão-de-obra que ele conhece, afinal.]

O ponto de partida do Quadro é a colheita total do país, a qual, por essa razão, figura no alto do Quadro como produto bruto anual do solo ou ‘reprodução total’ do país, ou seja, da França.” “Como dissemos, calcularam-se os preços constantes e a reprodução simples, [‘PIB cíclico’, ‘orçamento anual’] segundo uma taxa fixada de uma vez por todas: O valor em moeda dessa parte descontada, de antemão, é igual a 2 bilhões de libras. Esta parte não entra, pois, na circulação geral, porque, conforme já dissemos, a circulação que se efetua somente dentro de uma das classes não é registrada no Quadro.”

Sendo a renda total o ponto de partida do Quadro, constitui ao mesmo tempo o ponto terminal de um ano econômico, por exemplo, o ano de 1758, após o qual um novo ano econômico começa. (…) Mas esses movimentos sucessivos, e dispersos, que se estendem por todo um ano, são – como de qualquer maneira devia fazer-se no Quadro – reunidos num pequeno número de atos característicos, abrangendo cada um, de um só golpe, o ano inteiro. Assim, no fim do ano de 1758, a classe dos arrendatários viu refluir para ela o dinheiro que havia pago como renda aos proprietárias territoriais em 1757, ou seja, a soma de 2 bilhões de libras, de maneira que ela pôde lançar novamente essa soma na circulação de 1759 (…) os 2 bilhões de libras que se encontram nas mãos dos arrendatários ficam representando a soma total da moeda circulante da nação. [onde outros 8 bilhões, que somados a esses 2 são o produto bruto do solo da França, são apenas transações interclasse e não ‘entram’ no ‘orçamento’!]

A classe dos proprietários territoriais que vivem de suas rendas, apresenta-se, então, como ainda hoje várias vezes acontece, no seu papel de credora. Segundo a suposição de Quesnay, os proprietários territoriais propriamente ditos não recebem senão 4/7 dessa renda de 2 bilhões, pois 2/7 vão para o governo e 1/7 para os cobradores de dízimos. No tempo de Quesnay, a Igreja era o maior proprietário territorial da França e recebia, ainda por cima, o dízimo da propriedade territorial restante.” O dízimo que era bem mais de 10%!

Quanto aos múltiplos papéis que esses produtos desempenham na exploração das indústrias dessa classe [a 3ª], é coisa que não interessa ao quadro, assim como nele não interessa a circulação de mercadorias e de dinheiro, que se verifica dentro da sua própria órbita. O salário pago pelo trabalho, graças ao qual a classe estéril transforma as matérias-primas em produtos manufaturados, é igual ao valor dos meios de existência que ela recebe, diretamente, da classe produtiva e, indiretamente, dos proprietários territoriais. Se bem que a classe estéril se divida em capitalistas e trabalhadores assalariados, ela está, segundo a concepção fundamental de Quesnay, como classe em seu conjunto, a soldo da classe produtiva e dos proprietários territoriais. [confusão da porra!]

Supõe-se, portanto, que, no começo do movimento figurado pelo Quadro[1º dia do ano fiscal] a produção anual em mercadorias da classe estéril se encontra inteiramente em suas mãos, e, por conseguinte, todo o seu capital de exploração, ou seja, as matérias-primas no valor de 1 bilhão, é transformado em mercadorias, no valor de 2 bilhões, cuja metade representa o preço dos meios de existência consumidos durante essa transformação.” “não só a classe estéril consome, ela própria, uma parte dos seus produtos, como ainda procura reter o máximo que pode; ela vende, pois, suas mercadorias postas em circulação, acima do seu valor real, e é forçada a fazê-lo uma vez que incluímos essas mercadorias no valor total de sua produção. Isso, entretanto, não altera os dados estabelecidos pelo Quadro, porque as 2 outras classes só recebem, afinal de contas, as mercadorias manufaturadas pelo valor de sua produção total.”

A classe produtiva, após haver substituído, em espécie, o seu capital de produção, dispõe ainda de 3 bilhões de produto agrícola e de 2 bilhões de moeda. A classe dos proprietários territoriais só é aí mencionada pelo seu crédito de 2 bilhões de renda sobre a classe produtiva. A classe estéril dispõe de 2 bilhões de mercadorias manufaturadas. Os fisiocratas chamam circulação imperfeita àquela que se efetua apenas entre 2 dessas 3 classes: a circulação perfeita é a que se passa entre todas as 3.”

Primeira circulação (imperfeita). – Os arrendatários pagam aos proprietários territoriais, sem prestação recíproca, a renda que lhes corresponde, com 2 bilhões em dinheiro. Com 1 desses bilhões os proprietários territoriais compram, dos arrendatários, meios de subsistência, e assim receberam metade do dinheiro desembolsado para pagar a renda.

Em sua Análise do Quadro Econômico, Quesnay já não fala nem do Estado, que recebe 2/7, nem da Igreja, que recebe 1/7 da renda territorial, porque o papel social de um e de outra é universalmente conhecido. Mas, no que se refere à propriedade territorial, [os 4/7 dos rentistas] diz ele que os seus gastos, entre os quais também figuram todos os trabalhadores [!] são, pelo menos em sua maior parte, gastos improdutivos, com exceção da pequena parte que é destinada a ‘manter e a melhorar os seus bens e incrementar o cultivo da terra’.” A classe inútil subsidia a classe produtiva com todos os meios de produção, que ficam aglutinados entre eles (os colonos). Que sonho lisérgico!

Segunda circulação (perfeita). – Com o 2º bilhão em dinheiro, que se acha ainda em suas mãos, os proprietários territoriais compram produtos manufaturados à classe estéril; e, por outro lado, esta, com o dinheiro percebido, compra dos fazendeiros os meios de existência pela mesma soma.”

Terceira circulação (imperfeita). – Os fazendeiros compram à classe estéril, com 1 bilhão em moeda, mercadorias manufaturadas correspondentes à mesma soma; [está se referindo à despesa da 2ª circulação, certo? pois do contrário, não tem sequer esse 1bi!] grande parte dessas mercadorias consiste em instrumentos agrícolas e outros meios de produção necessários ao cultivo da terra. A classe estéril restitui aos fazendeiros o mesmo dinheiro, comprando 1 bilhão de matérias-primas destinadas a substituir seu próprio capital de exploração[Sim, estamos apenas repetindo a 2ª circulação até aqui! Que inútil!] Assim, os arrendatários recuperam os 2bi em dinheiro por eles desembolsado para pagamento da renda. Desse modo, fica resolvido o grande enigma‘Que vem a ser, na circulação econômica, o produto líquido apropriado sob forma de renda?’.” Na verdade um nada, já que as riquezas são pré-históricas a este sistema maluco! Tudo isso é apenas um sistema solar em seu grande ano… Mas ainda tem mais, que tortura!:

No começo do processo, encontramos entre as mãos da classe produtiva um excedente de 3 bilhões. Deles, somente 2 foram pagos como produto líquido aos proprietários territoriais, sob forma de renda. O 3º bilhão excedente constitui os juros do capital total invertido pelos arrendatários, isto é, para 10 bilhões, 10%; estes juros – frisemo-lo bem – eles não os adquirem em virtude da circulação: acham-se em espécie em suas mãos, e a circulação nada mais faz que realizá-los, transformando-os, por esse meio, em mercadorias manufaturadas de valor igual.

Sem estes juros, o arrendatário, que é o agente principal da agricultura, não fará a ela o adiantamento do capital de estabelecimento. Esta já é uma razão para os fisiocratas pensarem que a apropriação pelo arrendatário da parte do sobre-produto agrícola que representa os juros, é uma condição tão necessária como a própria existência de uma classe de arrendatários; [a mais-valia é boa – e aliás é até NULA no final!] e esse elemento não pode, em conseqüência, ser incluído na categoria de ‘produto líquido’ ou ‘rendimento líquido’ nacional, nem pode ser consumido sem nenhuma consideração para com as necessidades imediatas da reprodução nacional.”


O sistema de Ricardo é um sistema de discórdia … nada mais faz do que provocar o ódio entre as classes … seu livro é o manual do demagogo que se esforça por ir ao poder, através da divisão das terras, da guerra e do saque”

Carey


tudo é o resultado da ‘violência’: maneira esta de falar com a qual, há séculos, os filisteus de todas as nações se consolam de tudo que lhes acontece de desagradável, e que nada nos ensina.”

PARTE III. SOCIALISMO. CAPÍTULO ÚLTIMO. TRAÇOS HISTÓRICOS

Contrato social de Rousseau tomaria corpo no regime do Terror e, fugindo dele e desconfiando já de seus próprios dons políticos, a burguesia foi refugiar-se, primeiro, na corrupção do Diretório e, por fim, sob a égide do despotismo napoleônico. A prometida paz eterna transformara-se numa interminável guerra de conquistas. A sociedade da razão também não teve melhor sorte. O antagonismo entre pobres e ricos, longe de desaparecer no bem-estar geral, aguçara-se ainda mais, com o desaparecimento dos privilégios feudais e outros, que o atenuavam, e dos estabelecimentos de beneficência, que mitigavam um pouco o contraste da desigualdade.”

privilégio da 1ª noite nupcial passou do senhor feudal para o fabricante burguês. A prostituição desenvolveu-se em proporções inauditas. O casamento continuou sendo o que já era: a forma sancionada pela lei, o manto oficial com que se cobria a prostituição seguida de uma abundância complementar de adultério. Numa palavra, comparadas com as brilhantes promessas dos racionalistas, as instituições políticas e sociais, instauradas pela ‘vitória da razão’, deram como resultados umas tristes e decepcionantes caricaturas. Só faltava mesmo que os homens pusessem em relevo o seu desengano. Esses homens surgiram nos primeiros anos do século XIX. Em 1802, foram publicadas as Cartas genebrinas de Saint-Simon; em 1808, Fourier editou o seu 1º livro, embora as bases da sua teoria já datassem de 1799; em 1º de janeiro de 1800, Robert Owen assumiu a direção da empresa de New Lanark.” “A grande indústria, que, na Inglaterra acabava de nascer, era inteiramente desconhecida na França.”

Se as massas desprotegidas de Paris conseguiram apossar-se, por algum tempo, do poder, durante o regime do Terror, foi somente para demonstrar até que ponto era impossível manter esse poder nas condições da época. O proletariado, que começava a destacar-se, no seio dessas massas desprotegidas, como tronco de uma classe nova, mas ainda incapaz de desenvolver uma ação política própria, não representava mais do que um setor oprimido, castigado, ao qual, em sua incapacidade para valer-se a si mesmo, teria que ser dada ajuda de fora, do alto, se possível.”

A sociedade não continha senão males, que a razão pensante era chamada a remediar. Tratava-se de descobrir um novo sistema, mais perfeito, de ordem social, a fim de impô-lo à sociedade, de fora para dentro, por meio da propaganda, e, se possível, pregando-o com o exemplo, mediante experiências que servissem de modelos de conduta. Esses novos sistemas sociais nasciam condenados a mover-se no reino da utopia; quanto mais detalhados e minuciosos mais haveriam de degenerar, forçosamente, em puras fantasias.

Baseados nisso, não há razão para nos determos nem um momento mais nesse aspecto já definitivamente incorporado ao passado. Deixemos que os trapeiros literários do tipo do Sr. Dühring revolvam solenemente estas fantasias, que hoje provocam riso, para salientar sobre esse ‘fundo’ a seriedade e a respeitabilidade do seu próprio sistema.”

Essa burguesia soube, além disso, aproveitar-se da revolução para enriquecer-se rapidamente, especulando com os bens confiscados e, em seguida, vendidos, da aristocracia e da Igreja, e enganando a nação por meio dos fornecimentos ao exército. Foi precisamente o governo desses especuladores que, sob o Diretório, levou a França e a revolução à beira da ruína, proporcionando a Napoleão o pretexto que desejava para o seu golpe de Estado.”

E esses mesmos burgueses, segundo as concepções de Saint-Simon, haveriam de transformar-se numa espécie de funcionários públicos, de agentes sociais, mas conservariam, sempre, diante dos operários, uma posição autoritária e economicamente privilegiada. Os banqueiros, principalmente, seriam chamados a regular toda a produção social por meio de uma regulamentação de crédito. Esse modo de conceber a sociedade correspondia perfeitamente a uma época em que a grande indústria e, com ela, o antagonismo entre a burguesia e o proletariado, começava a despontar na França.” “Mas, o conceber a Revolução Francesa como uma luta de classes entre a nobreza, a burguesia e os desprotegidos era um descobrimento verdadeiramente genial para o ano de 1802. Em 1818, Saint-Simon declara que a política é a ciência da produção e prediz a total absorção da política pela economia. E se aqui não se faz mais do que apontar a consciência de que a situação econômica é a base das instituições políticas, proclama-se já, claramente, a futura transformação do governo político sobre os homens numa gestão administrativa sobre as coisas e no governo direto sobre os processos da produção que não é nem mais, nem menos do que a idéia da abolição do Estado, que tanto ruído levanta hoje.”

Fourier não é apenas um crítico; seu espírito sutil e engenhoso torna-o satírico – um dos maiores satíricos de todos os tempos. A loucura da especulação, que se acentua com o refluxo da onda revolucionária, e a mesquinhez do comércio francês daqueles anos aparecem desenhados em sua obra com traços maravilhosos e cativantes.” “Fourier é o 1º a proclamar que o grau de emancipação da mulher numa sociedade é o barômetro natural pelo qual se mede a emancipação geral.” “Como se vê, Fourier maneja a dialética com a mesma mestria de seu contemporâneo Hegel. Diante dos que se empavonam falando da ilimitada capacidade humana de perfeição, salienta, com a mesma dialética, que toda fase histórica tem, ao mesmo tempo, um lado ascendente e outro descendente e projeta esta concepção sobre o futuro de toda a humanidade. E, assim como Kant proclama, na ciência da natureza, o futuro desaparecimento da Terra, Fourier proclama, na ciência histórica, a extinção futura da humanidade.”

O ritmo lento do período da manufatura transformou-se numa marcha verdadeiramente vertiginosa de produção. Com uma velocidade cada vez mais acelerada ia-se operando a divisão da sociedade em 2 campos: os grandes capitalistas e os proletários, entre os quais já não ficava encravada a antiga classe média, com sua estabilidade, mas, ao contrário, oscilava, levando vida insegura, uma massa instável de artesãos e pequenos comerciantes, a parte mais flutuante da população.” “Nestas circunstâncias, surge como reformador um industrial de 29 anos, um homem cuja pureza infantil atingia o sublime, e que era, ao mesmo tempo, um inato condutor de homens, como poucos. Robert Owen assimilara os ensinamentos dos materialistas do racionalismo, segundo os quais, se o caráter do homem é por um lado o produto de sua organização inata, é, por outro, o fruto das circunstâncias que o rodeiam durante sua vida, e, principalmente, durante o período de seu desenvolvimento.”

Já em Manchester, dirigindo uma fábrica de mais de 500 trabalhadores, tentara, não sem êxito, pôr em prática sua teoria: de 1800 a 1829, conduziu, no mesmo sentido, embora com muito mais liberdade de iniciativa e com um êxito que lhe valeu fama européia, a grande fábrica de fios de algodão de New Lanark, na Escócia, da qual era sócio e gerente. Uma população operária, que foi crescendo até chegar a 2500 indivíduos, recrutada entre os elementos mais heterogêneos, a maioria dos quais sem qualquer princípio moral, converteu-se, em suas mãos, numa perfeita colônia-modelo, na qual não se conhecem a embriaguez, a polícia, o cárcere, os processos, os pobres nem a beneficência pública. Para isso, bastou-lhe colocar os seus trabalhadores em condições humanas de vida, dedicando um cuidado especial à educação de seus descendentes. Owen foi o inventor dos jardins-de-infância, que funcionaram, pela 1ª vez, em New Lanark. As crianças, já aos 2 anos de idade, eram enviadas à escola e nela se sentiam tão satisfeitas, com os seus jogos e diversões, que não havia quem de lá as tirasse. Ao passo que, nas outras fábricas que lhe faziam concorrência, a duração do trabalho era de 13 e 14h por dia, a jornada em New Lanark era de 10h30. Ao estalar uma crise algodoeira, que o obrigou a fechar a fábrica durante 4 meses, os trabalhadores de New Lanark continuaram percebendo integralmente os seus salários. E, apesar disso, a empresa duplicou seu capital e deu, até o último dia, grandes lucros a seus sócios.

Owen, porém, não estava satisfeito com o que conseguira. A existência que proporcionara a seus operários estava, segundo ele, ainda muito longe de ser uma existência humana

Para onde irá a diferença entre a riqueza consumida por estas 2500 criaturas e a que teriam que consumir as 600 mil de outrora? [pré-revolução industrial] A resposta não era difícil. Essa diferença destinava-se a abonar aos sócios da empresa os 5% de juros do capital de estabelecimento, o que importava em 300 mil libras esterlinas de lucros.”

A ela, portanto, deviam pertencer os seus frutos. As novas e gigantescas forças produtivas que, até então, só haviam servido para enriquecer uma minoria e para a escravização das massas lançava, na opinião de Owen, os alicerces de uma nova estrutura social e estavam destinadas a trabalhar apenas para o bem-estar geral, como propriedade coletiva de todos os membros da sociedade.

E foi assim, por este caminho puramente industrial, como um fruto, por assim dizer, dos cálculos de um homem de negócios, que surgiu o comunismo oweniano, que conservou sempre este mesmo caráter prático. Em 1823, Owen propõe a criação de um sistema de colônias comunistas para combater a miséria irlandesa e apresenta, em favor de sua proposta, um orçamento completo de instalação, despesas anuais e receitas prováveis. E, em seus planos definitivos do futuro, as minúcias técnicas do assunto estão calculadas com tal conhecimento da matéria, que, aceito o método oweniano da reforma da sociedade, pouca coisa se lhe poderia objetar, mesmo um técnico muito competente quanto aos pormenores da organização.

Ao abraçar o comunismo, a vida de Owen transformou-se radicalmente. Enquanto se limitara a agir como filantropo, colheu riquezas, aplausos, honrarias e fama. Era o homem mais popular da Europa. (…) Mas, quando formulou suas teorias comunistas, a coisa mudou de aspecto. Segundo ele, os grandes obstáculos que se antepunham à reforma social eram, principalmente, 3: a propriedade privada, a religião e a forma atual do matrimônio. E não ignorava o perigo que corria combatendo-os. Nem podia ignorar que lhe estavam reservadas a condenação geral da sociedade oficial e a perda da posição que nela ocupava. Mas essa consideração não o deteve em seus impiedosos ataques àquelas instituições. E ocorreu o que estava previsto. Alijado da sociedade oficial, ignorado pela imprensa, arruinado por suas malogradas experimentações comunistas na América – às quais sacrificou toda a sua fortuna –, entregou-se diretamente à classe trabalhadora, no seio da qual ainda agiu durante 30 anos. Todos os movimentos sociais, todos os melhoramentos reais tentados pela Inglaterra em prol da classe trabalhadora estão associados ao nome de Owen. Assim, por exemplo, em 1819, depois de 5 anos de lutas, conseguiu que fosse promulgada a 1ª lei regulamentadora do trabalho da mulher e dos menores nas fábricas. Foi ele, também, quem presidiu o primeiro congresso em que os sindicatos de toda a Inglaterra se fundiram num grande e único sindicato. E foi também ele quem implantou, como medida de transição, até que a sociedade pudesse, na sua totalidade, organizar, comunisticamente, 2 espécies de organismos: as cooperativas de consumo e de produção, que, pelo menos, mostram praticamente a inutilidade do comerciante e do fabricante, e os bazares operários, estabelecimentos em que se trocavam os produtos do trabalho por bônus de trabalho, que fazem as vezes do papel-moeda e cuja unidade é a hora de trabalho despendido. Estabelecimentos necessariamente fadados ao fracasso, mas que superam os bancos proudhonianos de intercâmbio, muito posteriores, diferenciando-se destes principalmente porque não pretendem servir de panacéia universal para todos os males sociais, mas são, pura e simplesmente, um 1º passo para a transformação radical da sociedade.”

São estes os homens que o olímpico Senhor Dühring contempla dos cimos de sua ‘verdade absoluta e de última instância’ com o desprezo que salientamos na Introdução.”

E, no que se refere a Robert Owen, para escrever as 12 páginas que lhe consagra, não teve outra fonte de informação senão a mísera bibliografia de Sargant, um filisteu que também não conhecia as obras mais importantes de Owen: as relativas ao matrimônio e à organização comunista da sociedade. Essa ignorância permite ao Senhor Dühring lançar intrepidamente a afirmativa de que não há base para ‘pressupor’ em Owen um ‘comunismo decidido’. Se houvesse tido em suas mãos o seu Book of the New Moral World, não só teria visto afirmado nele o mais definido comunismo, com o dever geral de trabalhar e o direito de participar eqüitativamente do produto do trabalho – eqüidade dentro de cada idade, como Owen salienta sempre –, como também, perfeitamente esboçado, o edifício da sociedade comunista do futuro, com os seus planos, a sua planta e a sua perspectiva.”

O Sr. Dühring não é mais do que um epígono dos utopistas, o último dos utopistas, ele que, por toda parte, vê apenas epígonos.”

a luta entre as 2 classes, criada pelo regime atual de produção e continuamente renovada, em antagonismo cada vez mais acentuado, invadiu todos os países civilizados, tornando-se cada dia mais violenta; já temos hoje consciência de seu encadeamento histórico e podemos penetrar nas condições da transformação social, que se torna inevitável, como podemos predizer igualmente as linhas gerais dessa transformação, condicionada também por ela própria.”