[ARQUIVO] ONE-DIMENSIONAL MAN: Estudos em Ideologia da Sociedade Industrial Avançada, 1964. – Herbert Marcuse

Originalmente publicado em 12 de fevereiro de 2010.

INTRODUÇÃO: A Paralisia da Crítica

Até mesmo a análise mais empírica das alternativas históricas parece especulação irreal, e a adesão a ela uma questão de preferência pessoal (ou grupal).”

  1. AS NOVAS FORMAS DE CONTROLE

Impressões: texto charmoso, períodos curtos e um conhecimento extraordinário: um pastiche de tudo que eu mesmo sei. Não sei se é meu estado de espírito de momento, mas estou rindo das definições do nosso querido Ocidente totalitário.

Como toda a teoria exposta já é minha conhecida (eu diria que é uma arte trezentos sujeitos dizerem a mesma coisa de formas diferentes), vou anotar minhas sensações:

Eu costumo viciar no texto e orientar meu dia por ele – enquanto leio e enquanto a experiência é recente, torturo-me com a perspectiva de “esquecê-lo” e ficar idiota, no que já percebo um auto-deboche, pois não sou eu exatamente, mas o inexorável quadro de humores e superficialidades a que logo somos dragados. E veja: durante o dia 18 conversarei alegremente sobre este livro – hoje, na madrugada do dia 17, eu ainda penso: jamais falarei uma palavra, é “inútil”. Como se minha necessidade fisiológica não estivesse acima dos parâmetros funcionais.

Talvez – talvez – eu esteja ficando maluco e a única medicação que posso tomar é: dosar as leituras em cronogramas diários mais fixos que aqueles que vinha tomando (foda-se O AMANHÃ, pensemos apenas em termos de saúde mental), e bem mais modestos. No máximo 2 capítulos por dia em horário sem sol se o teor deles for tão pesado quanto o deste 1(+INTRO). Logo, para que eu não me sinta mal por estar sendo lerdo ou aquém do que deveria ser na bosta da universidade, me autorizo aqui, expressamente, a demorar… O engraçado é que eu vicio nessa coisa maldita, não consigo passar o dia sem ler. Mas… toda vez que me sentir culpado: “EU NÃO PRECISO MAIS LER NADA NO MUNDO SE NÃO QUISER!”.

  1. O FECHAMENTO DO UNIVERSO POLÍTICO

(…)

  1. A CONQUISTA DA CONSCIÊNCIA INFELIZ: DESSUBLIMAÇÃO REPRESSIVA

Eros e Civilização é considerado a continuação desta obra.

DES-sub… não é perda da OPORTUNIDADE de sublimar, mas é esvaziar o sentido da ação sublimante, quer seja: o onanismo não é mais “proibido”, então como pode constituir alívio quando executado? Banal. Ora, isso (essa liberalização, tolerância) indica a marcha rumo à condição trágica. Sexo como não-vergonha. O sujeito se revoltará menos à medida que a sociedade dá mais vazão a seu inconsciente.

  1. O FECHAMENTO DO UNIVERSO DA LOCUÇÃO

(…)

  1. PENSAMENTO NEGATIVO: A DERROTADA LÓGICA DO PROTESTO

(…)

  1. DO PENSAMENTO NEGATIVO PARA O POSITIVO: RACIONALIDADE TECNOLÓGICA E A LÓGICA DA DOMINAÇÃO

(…)

  1. A VITÓRIA DO PENSAMENTO POSITIVO: FILOSOFIA UNIDIMENSIONAL

Para uma história do positivismo: Saint-Simon, Comte e Fourier.

Wittgenstein: como NÃO filosofar com o martelo.

A limitação da filosofia à descrição degustativa do abacaxi (analítica): não é um problema fundamental, como de onde vem a fruta ou o que se faz para comprá-la, quem dirá “o que é o ser?”.

essa aceitação radical do empírico viola o empírico”

Sim, pode-se falar e pensar daquilo e naquilo que não é”

  1. O COMPROMISSO HISTÓRICO DA FILOSOFIA

(…)

  1. CATÁSTROFE DA LIBERTAÇÃO

(…)

  1. CONCLUSÃO

A verdadeira fisionomia de nossa época se mostra nas novelas de Samuel Beckett”

O protesto social não só não é eficaz como é prejudicial, por iludir a massa de sua eficácia pontual – omitindo a conversão do povo, outrora força revolucionária, em força de coesão.

O QUE É LOLICON? Debate acadêmico compreensivo e supramoral.

Na cultura pop nipônica, lolicon (ロリコン, em algumas instâncias transliterado lolicom) é um gênero de mídia ficcional em que garotas jovens (ou apenas de aparência jovem) surgem em contextos sexuais ou ao menos românticos. O termo, um portmanteau (contração, fusão) das palavras inglesas “Lolita” e “complexo” (como em “complexo de Édipo” – ironicamente, Vladimir Nabokov, autor de Lolita, odiava a psicanálise; para um conceito de complexo “melhorado” no reino da psicologia, cfr. Jung, Os arquétipos e o inconsciente coletivo). Mas lolicon pode também significar afeto ou desejo, por parte do consumidor, direcionado a personagens com essa característica (ロリ, as lolis), e por extensão ser empregado para designar fãs dos respectivos personagens ou obras que os contemplam.

Associado com formas irrealistas e estilizadas presentes nos mangás, animes e videogames, [conforme abaixo] lolicon na cultura otaku é entendido como diferente da atração por materiais reais vinculados a garotas jovens ou atração direta por garotas jovens (parafilia, pedofilia, efobofilia) (Galbraith 2016, McLelland 2011b, Kittredge 2014). Dessa forma, o conceito de lolicon cruza com o de moe.

POLÊMICA ATRÁS DE POLÊMICA:

SOCIOLOGIA, PSICOLOGIA, SEXOLOGIA, LITERATURA, ECONOMIA, RELIGIÃO, HISTÓRIA JAPONESA E DOS MEIOS DE COMUNICAÇÃO DE MASSA NOS SÉCULOS XX E XXI: Não há esfera que fique de fora da discussão!

O primeiro termo deriva da novela Lolita, vertida pela primeira vez ao japonês na década de 1970, época em que no Japão imagens hoje chamadas “do gênero shōjo” (idealização artística da mulher não-adulta) se expandiam e adquiriam imensa popularidade. Durante o “lolicon boom”, como chamaremos esse período iniciado nos anos 1970 e completamente desenvolvido nos anos 80 (no Japão), a terminologia se sedimentou entre os otakus, querendo dizer atração por bishōjo (idealização artística da mulher não-adulta considerada esteticamente bela – é isso que o prefixo bi- acrescenta à conceituação de shoujo dada acima: a idéia, ademais, de beleza) precoces.

Onde, no shoujo, a idade da “heroína” pode flutuar dos 8 aos 18 anos, aproximadamente, o acréscimo do adjetivo jovem tende a restringir o alvo da atração do leitor a uma faixa etária mais estrita e inferior, flutuando entre os 8 e os 15, genericamente falando, isto é, a pubescência tardia ou a maturidade do desenvolvimento feminino são descartadas, havendo preferência por personagens mais jovens que “colegiais” (equivalentes à idade em que cursariam o ensino médio).

Com o tempo, essa restrição etária, baseada nas preferências dos otakus, foi baixando, isto é, se tornando ainda mais estreitamente intervalada. O alvo da atração ou afeição recuou para uma preferência por representações mais infantis, variando dos 8 aos 12 anos, de forma geral, excluindo-se, agora, as séries finais do ensino fundamental, oitavo e nono ano, antigas sétima e oitava série (para tomar as séries escolares como referência-base). Doze anos era a idade da protagonista da novela de Vladimir Nabokov (idade em que, se espera, conclua-se a sexta série ou sétimo ano).

O artwork comum nesse boom (explosão, em termos midiáticos) foi fortemente influenciado pelo caráter arredondado dos traços dos mangás shōjo já existentes antes do fenômeno (é importante destacar que inicialmente este gênero é/era marqueteado, no Japão, para garotas como leitoras-padrão ou consumidoras finais). Isso significa que na arte destinada aos homens houve um recuo do realismo dos traços para favorecer formas mais “graciosas” e estilizadas, o que por fim é entendido como a aproximação a um conceito de “eroticismo” ou “erotização” fofos (kawaii ero). Nos anos 80 este era um estilo artístico subcultural, porém hoje em dia, em escala global, trata-se de fenômeno mainstream.

Para quem desconhece o histórico do fenômeno, no entanto, pareceria que o lolicon boom seria extinto no fim da década 1980 e não seria exportado do Japão, pois houve um grande arrefecimento do movimento e o que sobrou do subgênero foram alguns poucos mangás de natureza abertamente erótica. O que explica que o fenômeno tenha se revigorado desde então, após um hiato que será discutido mais abaixo, e com receio de tornar-me repetitivo aqui, é que o lolicon boom representava um tempo em que o material era dirigido a garotas jovens e no entanto houve a reapropriação do material pelo público masculino como efeito colateral imprevisto (podemos dizer, então, que duas vezes num período de 20 anos). Quando o público reage de uma forma diferente e amplia-se a base de consumo, mudam as regras da produção cultural.

Além disso, uma onda de pânico moral direcionado contra “mangás [ditos] perniciosos”, especificamente na década de 90, quando atingiu seu auge, tornou lolicon quase uma palavra proibida ou maculada, sendo a explicação “extra-estética” de sua decadência temporária. Leis de pornografia infantil em certos países abrangem material ficcional (desenhos provocativos de crianças), enquanto que noutros a legislação é mais branda, incluindo o próprio Japão (McLelland 2016). Logo houve uma divisão geral em dois campos mutuamente opostos, ditos militantes ou ativistas, nos pólos mais extremos: os adversários e os apoiadores da tese de que representar crianças imageticamente em atos pré-sexuais ou sexuais seria um crime de abuso sexual e contra os direitos da infância.

Críticos de mídia geralmente associam o lolicon a uma separação muito mais discernível entre ficção e realidade do que seria permitido, antes de tudo, para que o debate acima referido fizesse sentido. Antes de tudo – a repetição da expressão não é à toa –, o que se quer entender é a sexualidade sui generis daqueles que se enquadram no rótulo otaku (parte desse complexo debate já foi empreendida nos primeiros artigos enciclopédicos desta série no rafazardly, que chega com este post ao terceiro episódio, e faz sua primeira ‘ponta’ ou participação no blog-afiliado Seclusão Anagógica, devido à natureza eminentemente mais filosófica da discussão; os dois anteriores tratavam diretamente do fenômeno moe – recomendo a leitura, aqui e aqui).

Embora a referência principal seja ao trabalho de Nabokov,¹ os japoneses também extraíram sua concepção de “Lolita”, “loli” e “Lolita complex” do livro – e particularmente do título do livro – de outro autor, quase no mesmo período, que leu ou não leu Nabokov (certamente sabia do livro e do título do livro), mas que escreveu de forma não-ficcional sobre o assunto: Russell Trainer, The Lolita Complex (1966, traduzido ao japonês em 1969) (Takatsuki 2010).

¹ Que, a essa altura do campeonato (embora me seja irritante ter de esclarecer algo tão patente e óbvio), exige a imediata clarificação, para evitar mal-entendidos e novos pânicos morais: a novela de Nabokov que – eu dizia – NÃO faz apologia à pedofilia (concepção muito difundida por quem não leu ou leu mal o livro), sendo um trabalho de ficção que antes contém uma mensagem subjacente contrária, pois retrata Dolores Haze –“Lolita”– como uma criança abusada cuja infância foi roubada pelo protagonista e narrador. Este seu abusador, primeiro padrasto e depois amante de Lolita (ou talvez primeiro amante e depois padrasto, dependendo da perspectiva), auto-apelidando-se Humber Humbert, vem a ser claramente, na novela, desde as primeiras páginas, quando inicia sua história num presídio, como confessa, um doente psiquiátrico, além de criminoso e homicida (ele não assassina Lolita, receio dar o spoiler, mas quem ainda quiser conferir a obra depois deste alerta, não tendo-o feito até hoje, fique à vontade para descobrir a que me refiro quando chamo o protagonista de autor de um homicídio…).

O livro de Trainer é o que se pode chamar de um tratado de psicologia “popular” (compreensível para não-iniciados) em que seu autor usa o termo complexo de Lolita para designar os homens adultos que sentem atração por garotas pré-pubescentes e púberes (Stapleton 2016). A única diferença entre o sentido antigo de Trainer (década de 70) e o mais atual do termo, usado na esfera otaku, seria a transposição da atração erótica, de forma completa, de pessoas reais para representações gráficas e ficcionais, o que Trainer não pesquisou. Daí ser este um assunto necessariamente polêmico, mas não-necessariamente condenável, ao menos para quem puder manter uma posição impessoal e algo compreensiva ou tolerante (no sentido de que não é preciso concordar com uma determinada estética para entender que ela é possível de existir, ou que mesmo que seja repulsiva isso não signifique automaticamente que é criminosa ou apologética da prática da pedofilia; no sentido, ainda, de que concepções morais de um pesquisador, sobretudo ocidental, não deveriam preestabelecer o resultado de suas pesquisas e antecipar suas conclusões sobre o assunto) (Matt 2014, Galbraith 2021).

Por fim, lolicon, defendem outros estudos mais recentes que a exposição de Trainer, seria apenas um macrocosmo de representações visuais em que o erotismo velado ou o erotismo explícito (pornografia) representam apenas microcosmos, de forma que o conteúdo leve e associado apenas ao carisma de tais personagens costuma recair sob o manto do conceito de moe, o que complexifica sobremaneira a questão, fazendo ver que existem no mínimo duas vertentes do que vem se chamando todo este tempo de lolicon. Portanto, a primeira asserção que podemos elaborar em resposta à pergunta mais imediata que com certeza o parágrafo inicial deste artigo suscita é (a pergunta seria: “Lolicon é pornografia?”): Depende. Há obras lolicon pornográficas e obras lolicon não-pornográficas.

PULSÃO & SENTIMENTO:

Tentando equilibrar extremos inconciliáveis

Conforme Akira Akagi (1993), que além de acadêmico ocupa posição editorial no mercado japonês, o termo se afastou muito do que seria intuível de acordo com a novela de Nabokov: a anteposição de um parceiro, homem, muito mais velho a uma – basicamente – criança do sexo feminino. Para Akagi não há dúvida de que lolicon descreve ou exprime um desejo ou necessidade por coisas “fofas, agradáveis, bonitas […] impregnadas de feminilidade infantil” nas páginas dos mangás e nos quadros dos animes lidos e assistidos pelo público otaku ou lolicon em específico. Além disso, Akagi já não vê o fenômeno como confinado ao universo masculino, nem ao adulto masculino: essa pulsão viria de diferentes extratos do público, tanto homens quanto mulheres, de qualquer faixa etária.

Galbraith pesquisou enfaticamente a obsessão do público japonês pelo 2D da questão: a bidimensionalidade e inanidade do alvo da preferência loli, citando os conceito parelhos de “two-dimensional fetishism” (nijikon fechi, fetichismo bidimensional) e “two-dimensional syndrome” (nijikon shōkōgun, síndrome bidimensional ou síndrome das duas dimensões).

Por mais que soe repulsiva ao leitor-padrão qualquer tentativa de tolerar esse comportamento considerado “anômalo” por nossos standards, é salutar observar que, como todas as fake news e qualquer clima de histeria suscitado em nossas sociedades, os eventos repressivos ao lolicon boom dos anos 90 no Japão sucederam a um gatilho sensacionalista que partiu da dita imprensa marrom ou de tablóide estilo inglês, como sói acontecer: por causa de manchetes de jornais pouco esclarecedoras e artigos no geral contendo assunções, lolicon passou a ser uma ofensa ou estigma, sobretudo depois da prisão, em 1989, de Tsutomu Miyazaki, serial killer (incomum o suficiente na sociedade japonesa) de garotas jovens reputadas como lolitas. Miyazaki foi retratado como o estereótipo perfeito do que queriam demonizar como otakulolicon. Mais adiante entraremos em detalhes sobre os crimes de Miyazaki e seus traços de personalidade. O que nos interessa agora, independentemente da veracidade das alegações, seria colocar o caso num contexto adequado de causa-efeito sem tentar extrapolá-lo ou situá-lo como o big bang de vários males sociais que – sim – existem na cultura conservadora do Japão.

Para esse fim gosto de evocar um exemplo mais próximo de nós. Culpar toda a indústria e todos os fãs de um determinado gênero pelas ações de um criminoso, seja uma série de crimes ou um crime, seria como dizer que um assassino em série brasileiro que fosse fã da seleção brasileira exemplificaria que o futebol é pernicioso para as pessoas. Uma hipérbole simplificadora. Faz-nos lembrar como o Ocidente passou a demonizar os videogames em inúmeras instâncias, principalmente na era Mortal Kombat – também nos “puritanos” 90, mas dessa vez nos Estados Unidos – e depois, de novo, após o Massacre de Columbine (o que é uma longa, longa história para ser tratada aqui…). Até hoje nenhum estudo concluiu que videogames aumentam a violência no mundo real e, creia-me, há milhares deles, partindo de todos os espectros – portanto, ajamos com prudência e cautela neste assunto “parente” (violência e sexo parecem estar sempre coligados em nossa sociedade, seja a ocidental específica ou quando travamos conhecimento e intercâmbio com os gostos orientais, já repararam?).

(*) Aproveito este ponto da discussão para explicar o termo “supramoral” presente no título do post: aplico-o aqui no mesmo sentido de “extra-moral” no artigo de Nietzsche, Sobre a Verdade e a Mentira em um Sentido Extra-Moral, uma lição de humildade em epistemologia e perspectivismo (algumas traduções trazem não-moral no lugar, mas esse termo tende a confundir o leitor, sendo mais próximo de amoral ou mesmo de imoral, o que geraria o que aqui queremos evitar, o clássico pânico moral). Como Nietzsche também escreveu Muito além do bem e do mal, continuando suas idéias deste primeiro artigo em época mais madura de sua filosofia, super- ou supra- é um bom termo ou prefixo para designar a tentativa de uma discussão que esteja ou pretenda estar acima da moral (burguesa, em que vivemos), não sem prescindir da ética, mas tentando desviar de suas principais armadilhas limitadoras (a moral de uma época e sua capacidade de achatar e deformar o pensamento dos observadores, efeito jamais subestimado o bastante, i.e., a noção de que o bem e o mal são conceitos absolutos definidos desde o início dos tempos e imutáveis).

Esse mesmo episódio catalisador (a prisão de Miyazaki) pode ter influenciado a criação, na subcultura otaku, do termo moe, justamente para evitar as conotações pejorativas que contaminaram o termo lolicon (Galbraith 2016), pelo menos durante a postura da mídia japonesa de atacar o fenômeno (o que foi revertido posteriormente). O termo lolicon, no entanto, nunca foi abandonado de todo. Desde a passagem do ápice do pânico moral da grande mídia e do “furacão caso Miyazaki” parece ser menos pejorativo e menos malvisto (embora eu não tenha como avaliar como se dá seu uso cotidiano no próprio território japonês em diferentes contextos públicos).

A LONGA HISTÓRIA DO MANGÁ E O ETERNO BINARISMO SHOUNEN-SHOUJO/BISHOUNEN-BISHOUJO

Por incrível que possa parecer, o que vem acima foi tencionado como mera introdução ao tópico! Primeiro precisamos traçar o histórico do veículo mangá antes de compreendermos ainda melhor o lolicon (dos três meios de comunicação de massa invariavelmente citados ao lado dessa estética, o mangá é o mais influente de todos, tendo ditado vários cânones às animações televisivas e cinematográficas e aos jogos eletrônicos).

Após certa estagnação (seja de vendas ou de inovações estéticas) nos mangás direcionados ao público feminino jovem durante os anos 50 e 60, os anos 1970 foram muito prolíficos no terreno do shōjo. Novas maneiras de desenho, novas narrativas e roteiros, novos temas envolvidos nas páginas, como conflitos psicológicos, papéis sociais e, por que não, a sexualidade. Inegavelmente foi a incorporação deste último tema pelos mangakas que atraiu mais homens a consumir também shoujo em detrimento de apenas seus “mangás típicos”, os shounen. Alguma assimetria pode ser percebida aqui: enquanto que hoje muitas mulheres lêem shounen, tendo esse termo perdido seu significado de raiz, nos anos 70 era menos comum que garotas lessem mangás de garotos, ou pelo menos não na mesma proporção avassaladora que os gostos masculinos se metamorfosearam. O que acontece com a cultura japonesa e é difícil para um não-iniciado introjetar é que a intenção mercadológica não determinou o interesse público neste contexto, e lá a indústria tentara segmentar as leituras por sexo, o que, se é feito aqui, tem contornos menos pronunciados. Por exemplo: nunca fui censurado ou tratado pejorativamente porque via Powerpuff Girls na infância; meninas não são necessariamente tomboy só porque lêem Marvel e DC (excluamos os gatekeepers da análise, os fãs tóxicos, que existem em qualquer terreno cultural!).

Sucede que o fenômeno japonês não é nada curioso, olhando de uma perspectiva mais afastada. Continuando com exemplificações, e mal comparando, seria como se Alice no País das Maravilhas, um livro em tese destinado a crianças, fosse um dia lido por gente adulta, e muito comentado e pesquisado –– Ora, isso realmente aconteceu e acontece, contrariando “o intuito original do criador”, se é que Lewis Carroll pensava que sua multifacetada obra era tão unidimensional assim… Talvez os editores ingleses da época tivessem uma visão mais estreita? De todo modo, pouco adiantou, e o público, que é também agente, seguiu seus próprios gostos e orientações.

Por falar em Alice e Carroll, a primeira aparição do termo “Lolita complex” num mangá (e não num livro de psicologia) deu-se precisamente em Kyabetsu-batake de Tsumazuite, Stumbling Upon a Cabbage Patch [Deparando-se com/Tropeçando em uma folha de repolho é como eu traduzo, mas não cacei uma tradução oficial em português], inspirado em Alice no País das Maravilhas, serialização iniciada em junho de 1974 na revista de shoujo Bessatsu Margaret. Shinji Wada, o autor, desenhou uma cena em que um personagem masculino diz num balão que “Lewis Carroll era um homem de caráter bizarro por gostar só de crianças pequenas”, fala que evidentemente não deve ser confundida com a opinião do autor nem servir para subestimar o leitor, que não encara falas ficcionais como verdades, ainda mais tendo em conta que era um mangá humorístico. Uma piada inocente, estilo Michael Jackson, que não é nada estranha a qualquer conhecedor 101 de Alice no País das Maravilhas e o processo de criação do livro, parte da biografia do matemático e poeta Lewis Carroll. (Mais um caso em que teremos que encerrar o debate ou recorrer a opiniões infundadas, pois não há nada que comprove mais do que realmente se sabe, i.e., que Carroll era um sujeito apartado e nunca cometeu nenhum ato de pedofilia nem manifestava expressa atração por “garotinhas”, nem por Alice Liddell, sua “musinha” inspiradora – inclusive esse epíteto é questionável; ela apenas recebeu o livro, mas a heroína parece ter sido criada com outros arquétipos infantis em vista, fora da família Liddell, talvez uma síntese mental de todas as crianças vitorianas, como sói acontecer com escritores. Dou a mesma margem de presunção de inocência ao vilipendiado rei do pop Michael Jackson até que me provem o contrário.)

COMPLICAÇÕES:

A CULTURA JAPONESA NÃO É PARA PRINCIPIANTES!

Os primeiros exemplos da estética lolicon foram influenciados por desenhistas homens que conscientemente introjetaram traços shōjo em sua técnica (Schodt 1996, Kinsella 1998), bem como por mangás eróticos criados por mulheres mesmas, material esse em tese dirigido a homens conforme os editoriais das revistas em que era publicado (Shigematsu 1999). O nu artístico, fotografia de crianças reais, no âmbito shōjo, era popular na época (anos 70): uma coleção intitulada Nymphet: The Myth of the 12-Year-Old (Ninfeta: O mito dos doze anos de idade) foi publicado na Terra do Sol Nascente em 1969, até antes da década em estudo. Em 1972 e 1973 é que se reportam “ondas de Alice” ou um Alice boom específico, dentro do boom shoujo maior. Nessa onda estratificada, fotos de pessoas reais eram o tema.¹

¹ Mais uma vez: sobre fotografias nudistas de crianças (não-pornográficas) e a época vitoriana de Carroll, indico a leitura cuidadosa de https://seclusao.org/2023/12/02/lewis-carroll-serieosultimospolimatas/, em particular as seções “Hobby (em alto nível) da fotografia (1856–1880)”, “Sexualidade de Carroll & Algumas considerações sobre o surgimento da arte da fotografia” e “Os diários perdidos”.

A tendência não se limitou aos mangás. Na mídia impressa, revistas dedicadas ao homem adulto possuíam fotos eróticas, relatos ficcionais e ensaios sobre a beleza única da garota jovem. Por que essa evolução da preferência do homem japonês, entretanto? Teoriza-se que a própria legislação coercitiva fomentou esse gosto: havia a interdição de mostrar pêlos das partes íntimas; uma saída menos óbvia – talvez para nós – do que promover ensaios com mulheres em idade legal que praticavam a raspagem total (o que nós só fomos adotar também mais tarde, no Ocidente, como “prática higiênica” ou “padrão”) foi então adotada pelas editoras: procurar modelos femininas na idade em que ainda não exibiam pelugem. Essa lei “anti-obscenidade” que data do Japão imperial só foi corrigida de fato em 1991, quando já não importava muito. Mesmo assim, a lei continua proibindo pêlos, por exemplo, na indústria pornô. Mas em representações artísticas e desenhos a restrição caiu. Às vezes parece que as autoridades japonesas se preocupam mais com a aparição de pêlos vaginais ou escrotais que com toda a psique do ser humano, todavia.

Primeira página do mangá mais famoso de Hideo Azuma (1950-2019), Cybele. Gō Itō identifica este trabalho como a transposição do erotismo ficcional para figuras mais redondas e irrealistas (Circularidade, redondez – atributos que raramente associamos a imagens que suscitem sex appeal no Ocidente, pelo menos nas últimas décadas – nosso ideal de beleza prefere linhas magras nas personagens, tornando o trabalho de Azuma imensamente inocente e pueril a quaisquer olhos contemporâneos!), mais próximas aos traços revolucionários e à “redondez” ou rotundidade dos personagens (totalmente a-sexualizados) de Osamu Tezuka nos anos 50 (Tezuka é praticamente o Pai do Mangá, e sua arte é AINDA MAIS RECHONCHUDA que o visto acima!).

ANOS 80:

FORMAÇÃO DA ESTÉTICA LOLI & IMPORTÂNCIA DAS CONVENÇÕES OU ANIME EVENTS NIPÔNICOS

O advento do lolicon não teria sido possível sem a criação da Comiket (sigla para Comic Market), uma convenção feita principalmente para comercializar dōjinshi (material de fãs, sem intermediação de editoras) entre o público leitor e autores amadores. A feira foi criada em 1975 pelo grupo Meikyu (Labirinto), composta por homens adultos fãs dos traços shōjo. Em 1979 apareceu o fanzine Cybele, de Hideo Azuma, que continha em seu primeiro exemplar uma paródia erótica do conto da Chapeuzinho Vermelho. Azuma seria batizado posteriormente como o “fundador oficial” do lolicon. Antes de Cybele o estilo dominante nos seinen (o shoujo para adultos) e nos mangás abertamente pornográficos era o gekiga, resumível em seu ultra-realismo, ângulos pontudos, certa atmosfera carregada (sombria e séria) e dark hatching (não traduzirei o termo – para entendê-lo, verificar o esquema de cores, digo, sombreamentos, já que mangás nascem em preto e branco, de Berserk, que personifica muito bem essa técnica). Em suma, havia mangás eróticos até esse momento, basicamente fotorrealistas em suas representações. O que o trabalho de Azuma fez foi uma abrangente estilização imagética, com sombreamentos, quando necessários, bastante tendentes ao branco ou cinza mais claro, linhas circulares, atmosfera fantástica, tomada de empréstimo dos shōjo, segundo o próprio Azuma. Essa indicação é muito importante na compreensão do fenômeno loli como, se é que é, uma perversão ficcional, que se desconecta do desejo por crianças do mundo real.

Embora as figuras tenham deixado de ter tão “circulares” ou “rechonchudas” quanto eram sob o lápis de Azuma, o espírito de “irrealismo” cartunesco das personagens foi o que perdurou na estética lolicon até a atualidade. Mas além do fator erótico Azuma nunca se levou a sério – todas as suas criações eram mangás de humor ou sátira. Em que pese Azuma achar que seus cartuns tivessem um apelo erótico, somente uma minoria concordava consigo a princípio. Porém, gradualmente o gekiga foi sendo deixado de lado mesmo pelos leitores de pornografia, que aderiram a sua revolução no traço. Houve um período de transição com corpos mais realistas e faces infantilizadas, até que o azumismo (tanto corpo quanto rosto) se tornasse hegemônico no mangá.

E a feira Comiket, introduzida acima, ironicamente criada por homens para receber majoritariamente mulheres, teve uma “invasão” de otakus homens em edições de anos subseqüentes. Registra-se que no primeiro ano do evento, 1975, 9 em cada 10 participantes eram do sexo feminino. Em 1981 a demografia já era parelha (50-50%) (Lam 2010). Argumenta-se, ainda, que o lolicon ganhou força como reação ao yaoi (mangá com imagens homoeróticas de homens vendido mais entre as mulheres, e desenhados também por autoras mulheres).

Faltava a “profissionalização” do fenômeno de nicho, que veio a acontecer principalmente por intermédio das publicações de grande porte Lemon People e Manga Burikko, ambas iniciadas em 1982. No primeiro editorial, a Lemon People até declarava com orgulho: “Temos o monopólio dos quadrinhos lolicon!”, demonstrando que naqueles anos pioneiros o termo não era derrogatório (como se tornou nos 90) (Kimi 2021). Houve ainda magazines (mensais, com vários mangás serializados dentro) como Manga Hot Milk (nome sugestivo…), Melon Comice Halfliter. Tudo como que se confundia nessa época despida ainda dos conceitos norteadores da atualidade: ilustrativamente, a própria palavra otaku só foi cunhada na própria revista Burikko, e em 1983!

Inicialmente uma revista sem fins lucrativos exclusivamente com arte gekiga, a Burikko se transformou totalmente um ano depois, esse mesmo 1983, quando passou a ser editada por Eiji Ōtsuka (Nagayama 2020), que sempre propalou a idéia de “vender mangás shoujo para garotos”. Em novembro daquele ano, ainda dividindo páginas entre gekiga e lolicon, a equipe da revista começou a receber cartas de leitores solicitando que parassem com os traços gekiga. De dezembro em diante o subtítulo da Burikko se tornou “Totally Bishōjo Comic Magazine” [revista para quadrinhos completamente bishoujo].¹

¹ Se não é uma instância de dessexualização popular de uma mídia consumível, diria que é pelo menos uma bidimensionalização e caricaturização dessa sexualização (além do caráter 2D associado a fotografias em contraste com as “mulheres reais”, as mesmas que são fotografadas, é importante reparar no “salto” da foto ao desenho, retirando os resquícios de 3D que ainda havia no hobby, e em seguida o salto do desenho realístico ao desenho cada vez mais auto-referente ou inverossímil).

Manga artists mulheres ficaram famosas durante esse boom de publicações, como Kyoko Okazaki e Erika Sakurazawa. Essas eram “rainhas” ou precursoras do movimento. Se há um “pai do lolicon”, Azuma, há um “rei do loli”, Aki Uchiyama, quem produzia 160 páginas de mangá por mês para cumprir suas metas.¹ Uchiyama teve mangás publicados não só na Lemon People como na revista ainda mais mainstream Shōnen Champion.

¹ Mais de 5 páginas por dia. Levando em conta que os autores de shounen que adoecem cumprindo agendas de séries semanais com poucos recessos anuais precisam cumprir uma cota de aproximadamente 3 páginas/dia hoje, essa cifra é assustadora e terrível na esfera das leis trabalhistas japonesas – quanta desumanidade!

Imagens de Clarisse (1979) são mais difíceis de encontrar do que se pensa! Créditos: https://fullfrontal.moe/

AS PRIMEIRAS ANIMAÇÕES DE MANGÁS EROGE

&

AS PRIMEIRAS VEDETES (ASSEXUALIZADAS COMO ROBÔS)

O primeiro anime pornô foi o nada-criativamente-batizado Lolita Anime, que durou de 1984 a 1985. Personagens icônicas desse período são Clarisse do filme Lupin III: Castle of Cagliostro (1979) e Lana do desenho para TV Future Boy Conan (1978), ambos dirigidos por Hayao Miyazaki (que odeia o fato de Clarisse ter se tornado um ícone loli). Clarisse se tornou instantaneamente objeto de culto, ajudada por resenhas em Gekkan Out, Animec e Animage. Uma série de zines ou mangás amadores com novas estórias de Clarisse era tão numerosa que virou um subgênero em si: Clarisse mangas! Essas mangás quase nunca eram abertamente eróticos, tendiam mais para uma leitura segura para garotas e garotos a partir dos 14 ou 15 anos.

Uma peculiaridade que só mesmo sendo japonês para entender por completo é que muitas das primeiras personagens lolicon nasceram do entrecruzamento entre mecha e bishoujo, mecha sendo o segmento com estórias que contenham e que se centrem em máquinas futuristas.¹ Kaoru Nagayama destaca a estréia de Daicon III Opening Animation (um anime que nem veio a ser comercializado ou terminado, mas que hoje é cultuado apenas com base na sua abertura, um grande feito técnico para o período, tendo sido mostrada numa convenção em 1981) como o marco zero desse crossover tão bizarro lolicon/sci-fi.

¹ A versão japonesa de “carros possantes e mulheres”? Cremos que não falte o elemento musical (os japoneses adoram o rock), mas com certeza a cerveja, ou doses copiosas de saquê, não entram nessa equação tríplice ou quádrupla!

Como já foi verificado neste artigo, animes inicialmente propagandeados para meninas, como Magical Princess Minky Momo (1982–1983), um dos primeiros do subgênero hoje profuso magical girls/isekai, explodiram em audiência – de ambos os sexos. Helen McCarthy sugere que os animes (diferente dos mangás, mais antigos, lembre-se) lolicon estão enraizados em shows de garotas com poderes mágicos como Minky Momo, pois a presença de heroínas metamorfas teria o poder de nublar as linhas entre a menina e a mulher (McCarthy & Clements 1998).¹,²

¹ Eu como criança não podia esconder a fascinação que as seqüências de transformação das sailors me provocavam – mesmo que eu fosse um pirralho de 7-8 anos vendo o anime na finada Rede Manchete. OBS: Repare no tamanho das pernocas – sempre me dizem, gracejando, que 2/3 do corpo dessas beldades são pura perna. Nada chubby como a arte dos 70/80-85, e tampouco nada loli: são legítimas adolescentes (no enredo) com aparência/corpo de mulher, diria Naoko Takeuchi, autora do mangá que explodiu mesmo quando virou anime. Isso se explica pelo que será dito no próximo tópico, já que Sailor Moon é dos anos 90. Acima, Minako, a Sailor Venus, como “garota normal” e depois de se transformar com a ajuda do broche, com uniforme estilizado de marinheiro. Veremos o “fetiche do uniforme” ressurgir em comentários sobre Evangelion e Kill la Kill, mais abaixo!

² Quantas teorias da genealogia do lolicon já percorremos? Isso mostra a complexidade do fenômeno. Com o perdão da expressão, a complexidade do complexo…

FLUTUAÇÕES: RETRAÇÃO DO BOOM E REVIVAL 90

(+ TODO PAÍS TEM SEU CHARLES MANSON)

Na reta final do boom, que extinguir-se-ia por si mesmo, segundo alguns, porque “os leitores/espectadores não tinham qualquer compromisso com o loliconper see “não tinham meninas jovens como seu objeto sexual”, a maioria dos criadores e consumidores do nicho erótico já havia migrado para um estilo mais diversificado e mesclado de traço bishoujo, resumível em “caras de bebê e peitões”, híbrido fetichista menina-mulher o que já não se consideram aspectos lolicon. Na própria Comiket, mangás lolicon declinaram sensivelmente em popularidade a partir de 1989, sendo substituídos por dōjinshi eróticos nas novas bases, abrangendo “novos tipos de fetiche” e uma onda de “erotismo softcore” que caía e ainda cai bem, segundo as demografias, entre homens e mulheres indistintamente, em particular quando se fala de yuri (subgênero de mangá de romance lésbico).¹

¹ Uma coisa que me chama a atenção é que o mangá erótico homem-homem surgiu e proliferou primeiro que o lésbico no Japão: normalmente em sociedades patriarcais a aceitação do lesbianismo se dá muito antes, ou desde o início (vide a Grécia Antiga), enquanto que o homoerotismo macho-macho é visto com muito mais reticência, senão completa interdição (Europa moderna ~1500-~1950). Os gregos tinham uma sociedade regulada pelo amor pederasta homem mais velho-moço, mas havia um código de ética tão estrito sobre essas relações que este assunto não podia ser discutido em público nem interferir na vida familiar heteronormativa da polis (seria mais grave que pular a cerca entre casados entre nós – não, pior do que falar abertamente sobre ‘ser traído’ pelo parceiro formal!). Já o lesbianismo era “ignorado” e não sofria sanções (ainda falando de Grécia Antiga), ao passo que imaginamos que, se uma mulher sáfica fosse descoberta, em coordenadas geográficas não muito distantes de onde floresceu a Filosofia, 1000 anos depois, seria levada imediatamente às torturas, ao “julgamento” (unilateral da Igreja Católica) e à sentença de queimar na fogueira.

Apesar de ser um parágrafo policialesco, temos que cobrir esta parte da história também: no mesmo 1989, lolicon e otaku se transformaram da noite para o dia em tópicos controversos, com o pânico moral pós-prisão de Tsutomu Miyazaki, um adulto na casa dos 20 anos que seqüestrou e matou 4 garotas entre os 4 e os 7 anos, além de violar os corpos já sem vida. Fotos do quarto de Miyazaki abarrotaram os jornais de então: uma extensa coleção de VHS, incluindo filmes de terror/slashers (subgênero de maníaco que age sozinho e mata suas vítimas com armas brancas em estórias ficcionais) supostas inspirações de seus atos; volumes de mangá, dentre eles shōjo e lolicon, etc. A “culpa” dos atos de Miyazaki foi atribuída pelo jornalismo japonês à cultura de então (poderíamos dizer que a mídia estava culpando a própria mídia? sim, o nicho ultra-conservador dos telejornais e mídia impressa para velhos ortodoxos culpando mídias que não compreendiam ou que eram fenômenos de menos de 20 anos de idade). Diziam que ao ler e assistir o que leu e assistiu Miyazaki sentiu sua inibição para cometer crimes reduzida, e achou mais fácil trafegar a tênue linha que separa ficção de realidade. Todos argumentos espúrios. Até onde sei a linha que separa páginas de mangá ou o écran da vida real continua sendo grossíssima! Curiosamente, nenhum outro Miyazaki apareceu, para confirmar a “empiria” da tese criminalística… De qualquer forma, o que aqui nos interessa é que este serial killer foi tachado de otaku, e a imagem do otaku impressa na população nacional como “gente social e sexualmente imatura”. Talvez os imperadores pedófilos que causavam guerras envolvendo milhões de vidas fossem gente social e sexualmente muito mais madura – que regressão, meu Japão!! (contém ) A conseqüência natural e imediata foi um expurgo das redações, estúdios, bancas e livrarias de material “tendente ao grotesco” ou a estéticas ditadas pelo mundo otaku. Muitos subgêneros de mangá foram considerados perniciosos por um tempo. Alguns artistas da subcultura dōjinshi foram presos na esteira do escândalo Miyazaki. E demoraria alguns anos até a poeira voltar a baixar…

Em suma, os anos 90 viveram basicamente da volta da dicotomia shounen/shoujo, com séries como Sailor Moon (vide nota acima) e Magic Knight Rayearth supostamente fazendo sucesso apenas com seu público tencionado: garotas. Não sei se aqui no Brasil é que a atração por algo tão “diferente do que estávamos acostumados” funcionou diferente, mas desconfio que o fenômeno do “macho que assistiu/leu Sailor Moon religiosamente” no Japão está subestimado pela fonte bibliográfica do artigo da Wikipédia e outros consultados!

Como tudo na vida, a estética lolicon não mais parecia decadente e enjoativa para o público otaku e nem voltou a ser problematizada com o mesmo ardor pelos veículos de comunicação quando voltou a despontar no fim do milênio e começo dos 2000. A principal revista mensal com compilados de capítulos de mangás lolicon deste período revivalista foi a Comic LO

¹ Obviamente que LOli era um trocadilho intencional a ser evocado, mas o O também é acrônimo para “only”: “Só” lolitas.

E ENTÃO, O QUE É (UM)A LOLITA JAPONESA?

Deu para perceber que nenhum conceito de lolicon é exaustivo e definitivo – infelizmente. Alguns persistem em defini-lo com base na idade dos personagens expostos (mas principalmente personagens femininas), outros entendem ser um tipo de traço, estilo ou técnica de desenho, resultando em personagens necessariamente pequenos, normalmente representando mulheres de busto chato, independentemente da idade (adultas podem ser lolis, segundo a cultura japonesa, modificando o que Nabokov instalou com sua obra). Para tentar adicionar algum conteúdo a tais definições já tentadas, diríamos que a maioria dos lolicon works fixa-se em tropos como personagens ingênuos, antagonizando ou contrastando com personagens “precoces” (com um senso anômalo de perversão ou conhecimento erótico-sexual), ou personagens nuançados, coquettes. Para complicar, lolicon é usado indiscriminadamente para artes explicitamente eróticas, implicitamente eróticas ou com zero erotismo (Aoki 2019).

Kaoru Nagayama (2020) constata que leitores de mangá eles mesmos definem lolicon como mangás a conter “heroínas [protagonistas] de idade inferior à de uma estudante do ensino médio”, o que novamente não nos ajuda, pois os tais “leitores de mangá” discordam entre si, segundo o próprio Nagayama. Outros nichos “preferem” caracterizar o lolicon como estrelando “qualquer figura menor de idade”, outros dizem que “abrange a sociedade inteira, desde que as personagens se enquadrem na estética”, outros vão além e citam “que não tenham excedido o ensino primário” (ala fanática e considerada abertamente pedofílica em seus gostos). Elisabeth Klar (2013) observa que female characters “oscilam em idade”, seja porque cada mangá estabelece seus parâmetros, seja porque uma mesma personagem pode apresentar uma idade física “x” com comportamento atribuível a uma idade mental “y”, e Klar alega que é esse contraste, o mais das vezes, que gera o conflito que possibilita o relato da estória, ou sua categorização no lolicon. Ilustração peculiar seria a roribabā, (arquétipo da “Lolita vovó”), deliberadamente de design infantil e que se porta como alguém idoso. Ao contrário do que se disse acima (que quando o fenômeno arrefeceu nos 80 os traços mais curvilíneos para o corpo já não eram loli), traços secundários que denotem madurez corporal podem ser tolerados ou catalogados dentro do lolicon (Galbraith 2011). Argumentos da plot podem ainda justificar a aparência demasiado jovem de entidades não-humanas ou sobre-humanas (vampiras, bruxas, monstros que tomaram a forma humana) (Galbraith 2009).¹

¹ Me reservo ao direito de explicar, neste momento, um personagem que vem a calhar para enriquecer a discussão: trata-se de Biscuit Krüger de Hunter X Hunter, que considero uma subversão ou paródia do tropo. Sempre faço questão de ressaltar, para os que não sabem, que o autor do mangá, Yoshihiro Togashi, é casado com Takeuchi, a autora de Sailor Moon. Não significa que ela o influenciou – mas ao mesmo tempo significa. Explico: Togashi com certeza está informado e influenciado por toda a repercussão do shoujo que veio antes de sua própria produção. Ambos são quase da mesma idade, mas Hunter X Hunter, sendo um mangá de 1999, incorpora todas as lições dos anos 90, diferentemente de Yu Yu Hakusho, mangá de Togashi contemporâneo a Sailor Moon e, com efeito, bastante diferente – enquanto que HxH produz uma quebra do binarismo de gêneros e é mais do que nunca uma aproximação com o shoujo – na época de YYH ambos não eram casados, então podemos considerar que Togashi era um de Takeuchi (talvez vice-versa?), mais famosa então –: Togashi não tinha como não se interessar por uma produção tão influente como foi Sailor Moon, independentemente de quem a criou. Sigamos à personagem que para mim sintetiza uma forma de “contar a estória de uma loli de forma inusitada para o fã, sem desagradá-lo” (e destaco que só seria loli segundo aqueles que defendem que o lolicon é definível pelo traço, não pelo psicológico ou idade das personagens):

TRANSITANDO ENTRE O LOLI E O NÃO-LOLI:

Estudo de caso de Biscuit Krüger

Biscuit Krueger (Bisky ou Bisky-chan para os íntimos) é uma mulher de 57 anos, mestra do shingen-ryu (espécie de karate neste mundo ficcional) e é um hunter (caçador) de 2 estrelas. Na obra de Togashi, hunters são as criaturas mais poderosas, pois a seleção para se tornar um caçador são bastante rigorosas e secretivas; dentre os próprios hunters, aqueles que obtêm mais destaque (como possuir 2 estrelas de mérito, das 3 possíveis) são a nata em termos de poder e eficiência. Eis uma dessas pessoas, no frágil corpo que se contempla acima. Embora muito nos interessasse discorrer sobre todas as suas técnicas e um pouco do sistema de poder do anime, nos ateremos ao que é necessário para a discussão do lolicon (ou crítica ao lolicon) aqui.

Introduzida num momento tardio da estória, ela é supostamente, por alguns episódios, uma antagonista dos 2 co-protagonistas, garotos de 12 anos de idade (Gon e Killua): “Garotinhos são tão inocentes. E é tão divertido arruinar suas amizades…”, ela diz, de si para si, enquanto banca a stalker ou parte rumo à captura de suas presas, em sentido metafórico.

Porém, sua antipatia por ambos era só uma fachada para conseguir aproximar-se: testemunhando a inexperiência conjugada com o talento não-polido de ambos durante a missão em que os três estavam envolvidos (vencer um jogo entre caçadores numa ilha gigantesca), ela não pode evitar, dada sua natureza de “mãezona”, se converter de imediato em figura de mestre e conselheira para os dois (a segunda mestra oficial de nen da dupla – nen sendo o equivalente ao ki ou força vital neste universo). “Vou treinar vocês a partir de agora, e de graça. Mas definitivamente não pegarei leve!!” (aos dois) / “Por que coisas que brilham como pérolas polidas sempre aceleram o meu coração?” (para si mesma)

A primeira subversão vem do fato de que Bisky não é um “artefato”, “coisa”, cobiçado(a) por homens mais velhos e que ignora suas intenções (paradigma dos personagens ingênuos ou tapados), resiste ou tenta “transitar” entre os dois (tornando-se uma companheira coquete do bando). Antes, a relação dela com os personagens é absolutamente assexual – mesmo quando Gon e Killua pensavam que ela fosse apenas uma garota, como eles – Bisky não está em relação com homens mais velhos, então o estereótipo de loli fica comprometido –– por outro lado seu design evoca o lolicon… E, ao mesmo tempo, bem no princípio parecia que ela seria a predadora e eles os predados… Dupla, tripla subversão…

Cedo na estória – desde a introdução de Biscuit, i.e. – o espectador aprende algo que os garotos continuarão ignorando por um bom tempo, através de outro personagem (Gon, em realidade, a série inteira; Killua sendo o único a desvendar o segredo, eventualmente): Binolt, um assassino infiltrado no jogo, possui o talento de aprender tudo sobre o físico e mental de seu adversário ao comer fios de seu cabelo. É nesse momento que o personagem ergue sua guarda e entra em desesperação, pois ao “comer” alguns cachos de Biscuit após cortá-los com sua tesoura de assassino, se dá conta de que seu alvo não é uma pobre e vulnerável criança, mas uma verdadeira senhora in disguise, a Loba e não Chapeuzinho num vestido mais claro… Porém os motivos de por que Biscuit é ou está dessa maneira são ainda obscuros para o expectador por mais alguns episódios… Pode ter a ver com sua técnica antropomórfica, uma espécie de boneca espiritual massagista que ajuda usuários de nen a relaxar e conservar por mais tempo a juventude… Mas isso fica como hipótese ou conjetura – e ainda não explica o ar cutesy e a falta de intenção de Bisky de confessar sua idade (ela até a revela para os garotos, mas há evidentemente alguma peça faltando, e isso aumenta a intriga de quem acompanha a trama…).

Como caçadora de tesouros, ela ingressa na ilha atrás de uma das cartas, que para o vencedor será convertida no item que contém; mas durante a competição, ao treinar os protagonistas, o presente sai melhor do que a encomenda: ela descobriu duas jóias humanas que ajudou a polir. Sua personalidade deliberadamente astuta e mentirosa num corpo “que não deveria ser o seu” é o cerne da personagem. E o talento de Biscuit para ludibriar é atestado quando o grupo é forçado a se aliar temporariamente com uma figura ambígua, pode-se dizer, um rival do tenro passado de Gon: o veterano e caprichoso hunter Hisoka. Bisky percebe instintiva e instantaneamente que ele mente, porque está acostumada a mentir e enganar pessoas, sendo sincero no que diz, mas escondendo coisas dos garotos. Ela própria consegue enganá-lo, ou mantê-lo curto na coleira, demonstrando que é mestra no quesito.

Vários eventos depois, fica claro que para ganhar o jogo o trio teria de lutar fisicamente com um esquadrão terrorista que estava mais perto de coletar as cartas necessárias para se sagrarem campeões. O problema é que esse trio de rivais não cogitava a possibilidade de dividir o prêmio nem travar um duelo honroso, recorrendo a táticas extremas, manipulando e matando suas vítimas se necessário. E – um dos charmes do anime em todo seu curso, aliás – Killua e Gon especialmente são mais fracos que os três adultos: eles são hunters (o que já é excepcional o bastante) crianças tentando sobreviver entre outros hunters adultos. Pelo menos dessa vez eles estão acompanhados de Bisky, que sabe muito bem o que fazer. O trio forma um plano cuidadoso e há lutas individuais para sanar a situação (o grupo de Gon não cederá as cartas a Genthru, o Bomber, usuário de um nen com características literalmente explosivas). No momento mais fenomenal da personagem, Biscuit se isola com um dos lutadores do trio Bomber. Ele não entende por que ela se afastaria de seus amigos, se isso a deixaria em visível desvantagem, afinal ela era a “menininha” do trio. Mostrando seu grande trunfo, ela responde que seu oponente é um tolo e não percebeu a diferença de nível de poder entre os dois: ela quer eliminá-lo sem testemunhas (nesse momento Bara, o alvo, sente o suor frio descer-lhe a nuca). Bisky começa a reverter de forma: seu corpo adquire uma massa incomparável e ela libera sua verdadeira força, ficando com este aspecto:

Com um só soco ela deixa seu adversário inconsciente – parece que não precisava matá-lo, afinal de contas. Mas antes disso ele havia, de olhos arregalados, perguntado por que ela se escondia sob a aparência de uma criança. Ela diz que tem dois motivos: 1) esconder seu real potencial dos inimigos; 2) ela odeia sua aparência verdadeira e pouco feminina. O tropo que Togashi gostaria de comentar fica aqui muito mais claro: por conveniência, até personagens que não são loli gostariam de ser loli se pudessem, sendo algo esteticamente mais aprazível e bastante vantajoso num shounen ou coisa do tipo (mangá de batalhas). É como uma queda da quarta parede na discussão do lolismo. Gostaria de me estender ainda mais sobre essa personagem fascinante que ainda ajuda os dois garotos-protagonistas ulteriormente no enredo, porém sairia do escopo do artigo!

Folha de designs de Bisky, incluindo sua “massagista de nen”, criatura artificial.

Coloração equivocada: não é tão raro nas adaptações mangá-anime. No mangá, obviamente, ela possui um design preto e branco, exceto quando aparece na capa (e o erro parece ter decorrido daí mesmo, cf. capa do volume 15, que não deve ter tido a aprovação prévia de Togashi), que DEVERIA CORRESPONDER à iteração mais conhecida de Bisky (o anime iniciado em 2011, retificado). Antes disso, porém, o anime de 1999 (num arco OVA) a representou com base no cabelo e olhos colorizados de forma errônea na capa do vol. 15, em que aparece com mechas castanhas e íris azul no lugar dos olhos rosa e cachos louros canônicos (talvez internamente não tenham entendido que Togashi quis realmente posicionar apenas a boneca que serviu de inspiração para o design da personagem como cover da edição, e não a personagem per se!). Essa Bisky “equivocada” dos anos 90 é hoje considerado um design mais realista (?) devido às cores mais escuras e expressões mais sérias dos rostos como eram a praxe então.

Um exemplo mais moderno, ainda “em execução” ou “em andamento”, do “tropo comentado/invertido” da loli ou do pós-loli, como eu batizaria, é Jewelry Bonney de One Piece. Esperaria o término do mangá ou de sua participação no mangá antes de uma análise idêntica à que fiz com Bisky.

FUTURO E INOVAÇÕES?¹

¹ Este tópico do Wikipedia já estaria mais para “passado”, por isso eu o abreviei aqui.

O lolicon é proeminente hoje no Superflat,¹ a uma espécie de escola de arte fundada por Takashi Murakami. Entre os desenhistas desse movimento encontramos Mr. (esse é o nome estilizado do artista!) e Henmaru Machino (Darling 2001). Murakami ficou famoso por promover um ensaio de fotos com Britney Spears na temática lolicon¹ para a capa da revista japonesa Pop (Ashcraft 2010).

¹ Sobre o SUPOSTO envolvimento da pop idol ocidental e Princess of Pop em controvérsias relativas à sexualização de under-age girls no Japão (!), vide a partir do 3º parágrafo do tópico “ANATOMIA DO LOLICONISMO”, abaixo!

LOLICON X MOE

A resposta típica a moe characters seria o amor platônico. No lolicon isso não é tão simples. Estamos presos numa tempestade nebulosa aqui: o moe está incluso, inclui o lolicon, ou ambos são antagônicos, ou interpenetram-se em alguns pontos? Por exemplo: em Neon Genesis Evangelion, qual é o “coeficiente de sexualização das personagens”? Das colegiais e da principal adulta da trama, Misato, que num spin-off beija o protagonista Shinji de 14 anos de idade (para apimentar aqui a discussão), um beijo romântico, não apenas “selinho” – na cena, a personagem adulta sabia que morreria nos segundos subseqüentes e que o destino da criança era provavelmente o mesmo… na sua opinião isso atenua o impacto do “beijo molhado” na cena? Asuka e Rei, para começo de conversa, são moe ou loli? É possível que sejam moe e loli? O que elas insinuam e não mostram pode ser catalogado como “do gênero”? Por exemplo, não vemos nada erótico partindo de Asuka, vemos cenas semi-eróticas de Rei; por outro lado, Asuka fala quase sempre em sexo, e Rei é “frígida” e andrógina. São designs fofos, mas são também atraentes para o público masculino mais velho? E qual das pulsões prevalece no final, se é possível dar uma resposta unívoca? O autor de Neon Genesis Evangelion evoca em várias entrevistas a vontade de subverter o próprio gênero anime como um todo, quem dirá as sub-noções a ele atreladas de moe e lolicon – porém não podemos deixar o autor falar pela obra, até porque: 1) ele pode estar errado; 2) pode estar apenas fazendo campanha de marketing, autopromoção. Para complicar a equação, Shinji tem um envolvimento homoerótico velado – talvez interpretável como narcisismo, uma vez que a criatura em questão, Kaworu, não é humana, é, aliás, no lore de Evangelion, um anjo, denominação per se de entidades assexuadas – no anime clássico; mais explícito nos filmes Rebuild – mas não se consuma, é um relacionamento platônico. Já com Asuka, o “herói melindroso e realista” Shinji divide seu primeiro beijo…

Com o perdão da rima, menos em comum com o moe/loli, mais em comum com a estética adulta e angular de Sailor Moon. Além disso, Asuka “se transforma” num mecha, componente essencial dos anos 70 resgatado por Anno 20 anos depois.

Kaworu Nagisa, “o último anjo” ou “a tentação final”, um anjo antropomorfo que dá a liberdade de escolha ao EVA-01 e provavelmente serve de gatilho para o fim do projeto da Instrumentalidade Humana (fim da individuação, e da humanidade como a conhecemos, o bad ending da estória).

A icônica cena no elevador entre Asuka e Rei, o que mais se aproxima de uma DR entre “amigas” em NGE.

Curiosamente, no último filme de Evangelion (Evangelion: 3.0+1.0 Thrice Upon A Time), que estende a estória original (na verdade contradizendo-a, inclusive no sobrenome de personagens como Asuka), Shinji, envolto no acidente que demarca o fim do antigo anime, fica suspenso em criogenia por alguns anos. A realidade que ele conhecia (se o anime já era pós-apocalíptico, digamos que este quarto filme da série final de Hideaki Anno seria pós-pós-apocalíptico em seu máximo) não existe mais. Todos os seus companheiros de escola se tornaram pessoas adultas. Mesmo o seu novo interesse amoroso (ou antes o interesse é que parte dela…), Mari Makinami (não mais Asuka) – que é capaz de se abrir quanto aos sentimentos mais íntimos, ao contrário de Asuka –, é uma mulher mais velha (não tanto quanto Misao, que já está morta) – menos Rei, mas Rei descobre não ser humana, num sentido bastante melancólico… Fato é que os personagens da trama foram tão deslocados do ambiente original que já não há qualquer traço de loliconismo feminino na produção (antes, há lolilaconismo, se puderem perdoar o poeta). A vedetização das heroínas em seus supersuits e supermechas obliterando Anjos (os “vilões” da narrativa) ainda são presença obrigatória, servindo de pretextos excitantes por alguns minutos, mas num soft adult mode, conjugado com o carisma moe de suas atuações e falas um tanto infantis ou menos pretensiosas que o enredo total no meio das trocas de tiro.

Redesign anos 2010 de Asuka e a personagem-piloto exclusiva da tetralogia Rebuild of Evangelion, Mari Makinami (“retirando sex-appeal da piloto-mulher”, diriam alguns). Sobre Asuka Langley: “O character designer, Yoshiyuki Sadamoto, concebeu Asuka para ser a protagonista da série, mas ao contemplar melhor as opções percebeu que haveria muita verossimilhança com outros animes já co-digiridos por Anno e desenhados por ele, como Gunbuster e Nadia.” Sobre este último anime, conferir a dinâmica do casal protagonista Jean-Nadia, dita como protótipo da relação Shinji-Asuka.

John Oppliger da AnimeNation identifica Ro-Kyu-Bu!, Kodomo no Jikan e Moetan como exemplos de séries que desafiam a distinção entre moe e lolicon mediante o uso de innuendos sexuais: “Satiriza-se a santidade casta do moe; “Essas produções não hesitam em brincar com os espectadores e demonstrar como as linhas demarcatórias entre loli e moe são puramente perspectivísticas e idiossincráticas”. Por fim: “O ’moe-style’ lolicon apresenta um erotismo leve e  domado, com meros traços gráficos eróticos, como vislumbres de roupa íntima, desistindo de qualquer cena sexual propriamente dita”

¹ TERCEIRO ESTUDO DE CASO?

Bom, quase tudo sobre isso eu já expressei em minha análise de NGE acima. Gostaria de citar Kill la Kill como outra produção (também do estúdio Gainax, não há coincidência aí) como obra (deliberadamente) divisiva, com uma protagonista andrógina, tomboy, voz grossa – demorou até o episódio 2 para eu identificar que era do sexo feminino –, obrigada a vestir um uniforme de batalha sexy (ridiculamente sexy, over-the-top, como se diz na gringa, e que parece nada tapar, quase só mesmo os mamilos e a própria vagina) – uma entidade viva – para ganhar poderes, embora com o tempo ela se torne a melhor amiga do dito uniforme e o introjete casualmente, como faria uma sailor transformada. A protagonista, Ryuko Matoi, não deixa de lutar de maneira rude e bárbara, exibindo tantos panty-shots (panchira, grande tropo do gênero) quantos murros e golpes no estilo JoJo’s Bizarre Adventure old school ou Hokuto no Ken (protótipos da porradaria de macho alfa, com ligeiras nuances de romance bem no pano de fundo), ao contrário de Sailor Moon e seus movimentos de balé graciosos e magia ou os mechs envenenados e que entram em “modo berserk” de Evangelion (sendo, numa palavra, uma protagonista badass). Neste caso, porém, há um innuendo, como o artigo original do Wikipedia dizia – innuendo é insinuação –, de que, se há, o interesse amoroso de Ryuko é sua melhor amiga Mako, mas o final é “aberto” nesse sentido.

Numa só palavra, sendo grosseiro como não permite um artigo acadêmico: se Ryuko Matoi fosse de verdade, e se nós fôssemos outro personagem do enredo, preferencialmente um(a) colega de sua idade, gostaríamos tanto de abraçá-la, compadecendo-nos de seu indizível sofrimento emocional durante a saga, quanto de fodê-la e de sermos seu/sua namoradinho(a) e andarmos de mãos dadas por aí. De novo a Gainax acertou no meio da cultura otaku, com bombas de efeito moral (pun intended) capazes de confundir os próprios otakus-receptores tanto ou mais que a crítica especializada e as autoridades “policialescas” (já que não podemos dizer que haja padrecos ou crentes “enchendo o saco” por bobagens no Japão como os há por aqui).

Nota extra: meu primeiro pensamento sobre a série, confirmado, diria, em sua maior parte após terminar de assistir o curto anime, foi que Kill la Kill é a mais ambiciosa e mais bem-conduzida paródia-hômage a Sailor Moon jamais produzida. Se pode ser argumentado qualquer ponto antitético a essa tese e “pró-moe” em relação a Kill la Kill é que apesar de ser mais velha que uma sailor no começo da estória de Takeuchi (14), Ryuko, 17, parece mais jovem.

A comilona Mako Mankanshoku: essa cena faz sem dúvida referência ao último episódio de Evangelion clássico, em que, após a recusa da instrumentalidade humana, Rei aparece correndo para a aula atrasada, também com trajes azuis, segurando uma torrada com a boca.

ANATOMIA DO LOLICONISMO E MESCLA COM DADDY ISSUES OCIDENTAIS

(Inútil, inútil, inútil!…, diria Dio Brando)

Akira Akagi identificou 5 temas primordiais dos lolicon mangas em sua análise de 1993: sadomasoquismo, “objetos tentaculares” [agora eu ri] (literalmente tentáculos aliens ou robôs em formato peniano), fetiches “mecha” [isso não estaria incluso no tema anterior?] (fusão máquina-mulher), paródias eróticas de animes e mangás do mainstream e “material simplesmente indecente ou pervertido”, observando também [mas que observador tendencioso… quase me arrependo de tê-lo colocado nesse artigo, pois ele retirou a discussão das profundezas oceânicas e a atirou na superfície de uma piscina de plástico!] “lesbianismo” e “masturbação” [ou seja, esse autor carola considera que lolicon representa tudo que é degenerado, e na mente de pessoas caducas tudo é degenerado… mesmo o amor sáfico ou o ato de masturbar-se!]. O crítico de mídia [creio que a esse ponto da minha matéria, que traduz alguns trechos da Wikipedia, devo esclarecer que no Brasil essa expressão certamente seria substituída por “antropólogo” ou “sociólogo”, que são as faculdades que formam os críticos dos mass media por excelência – nada tem que ver com jornalismo, embora um jornalista possa ser crítico de mídia também…] Setsu Shigematsu argumenta que essas formas de substituição e mímica possibilitam ao lolicon “transformar o sexo heteronormativo e tradicional numa paródia completa da sociedade”. Obras mais extremas neste universo figuram ainda coerção, estupro, incesto, bondage [já foi citado acima em sadomasoquismo] e hermafroditismo [não há nada de extremo nisso!!!], este último tópico corroborado por Matthews 2011.

Nagayama, terceiro estudioso citado neste subtítulo, diz que maioria dos mangás lolicon PORNOGRÁFICOS [agora sim foi traçada uma linha, porque o lolicon-sem-mais não pode ser resumido aos atributos do parágrafo precedente de forma alguma] lidam com “a consciência do pecado”, ou servem como sensibilizantes de tabus, da culpa e da compulsão [isso por si só explicaria sua origem específica na sociedade japonesa – mas hoje trata-se de fenômeno mundial]. Alguns mangás retratam a mulher como a beneficiária da experiência libertadora como resultado, a parceira realmente ativa da relação, a sedutora de homens. Noutros, o tropo e a realidade misógina do “homem como mal absoluto que preda vítimas indefesas” têm mais relevância. Seria uma exposição nua e crua da fragilidade dos personagens, ou quase sempre das personagens, das mulheres. O autor alega que se um mangá mostra o sexo entre duas crianças estaria isento da “consciência do pecado” validado pela inocência mútua do ato, além de evocar no leitor nostalgia e uma visão idealizada do passado, mais puro. Outros mangás tentam instilar esse desejo de nostalgia-agora, de repetir a infância, na psique problemática de seus personagens, principalmente nos mais abstratos em termos de estória e também character design. Mas Nagayama alerta: “É só porque é ficção e porque a ficção se distingue claramente da realidade que alguém experiencia a parte moe, estando implícito na fala que a “parte lolicon” é o resto maldito da equação. Não saberia o público (especificamente lolicon) apreciar a diferença entre ficção e realidade mais – teria perdido essa capacidade, que presumo inata no homem?

O governo da cidade de Tóquio já lançou campanhas maciças de banimento de artes eróticas questionáveis em animes, mangás e videogames. Durante um destes fuzuês que parecem cíclicos, My Wife Is A Grade Schooler [Minha Esposa é uma Colegial], mangá hoje fora de circulação, foi lançado. E esse trabalho foi a maior vítima da campanha. Quando o mangá foi mostrado na TV (não como anime, mas em canais de notícia, que filmaram suas páginas), post-its foram usados para censurar os locais mais sugestivos das caricaturas. Porém, aí ocorreu um efeito histérico reverso: os tais post-its induziram o público a imaginar as cenas ainda mais sugestivas do que eram de fato. O mangá era de “humor extremo” ou gag manga e criticava o cinismo da sociedade japonesa, incluindo sua hipocrisia pedofílica. Não são poucas as teorias de que o mangá foi parar no noticiário para servir de bode expiatório para toda uma geração de content creators, mas, novamente, o público underground passou a ter mais acesso à obra graças a essa tática asinina (mostrar o que se quer esconder… e mostrar apenas de forma censurada). Faremos um cruzamento inesperado do mundo totalmente japa ao mundo mais american way impossível ao descrever a capa do primeiro tankoubon de My Wife… como bastante alusivo a uma série de fotografias da super pop idol Britney Spears… Com efeito, a ascensão de Britney ao estrelato coincide com a exportação definitiva (segunda, terceira onda, não importa qual onda, mas dessa vez sem a recessão das outras, pois que vige até o momento) do modelo mangá-anime-videogames com estética japonesa traduzidos para os nossos continentes. Basta ver que digitando-se o nome do mangá “proibido” o google remete primeiro a sites sobre Britney Spears. Como se deu essa súbita associação transoceânica inimaginável? Não sei se essa capa e esse material é tão difícil de encontrar mesmo hoje na internet, mas vejo paródias-de-paródias como “If my wife became a high school student…” aparecendo na pesquisa… o que isso conota é o famoso meme: a namorada pergunta ao namorado: “Você ainda me amaria se eu virasse um verme?”. E creio que fique no terreno do meme. Ou, o que é mais grave e sensacionalista por parte da mídia ocidental, existe a hipótese de que o título japonês sempre tenha comportado a restritiva “se…” e que não estejamos falando de um mangá que parodia um gag manga, i.e., o círculo completo da auto-paródia, mas apenas de um e mesmo produto, da década passada, conforme encontrei visualmente na seguinte forma:

No que isso divergiria de um Goku magicamente transformado em criança num shounen absolutamente de classificação livre, ainda casado com uma idosa, faz meu cérebro coçar… pois não há resposta possível! Talvez o problema seja que a estória aqui contada seja mais interessante que Dragon Ball GT (uma chance de mais de 99,9%)… Realmente indignante para os puritanos. Desculpe não manter um tom neutro, mas às vezes a neutralidade é mentirosa, e aqui a desfaçatez da “discussão” (nem chamaria disso) ultrapassa todos os limites da inocuidade das picuinhas humanas… Que políticos japoneses percam tempo com esse tipo de palavrório contra “esse tipo de mangá” em vez de convencer sua população de que precisam de emigrantes (do ponto de vista do resto do globo), e jovens, e racialmente ecléticos, isso sim me deixa possesso! Uma sociedade que prefere, sendo uma exportadora de cultura, deixar-se morrer aos poucos por pura e simples xenofobia… Não deixa de ser irônico!

Mesma mochila vermelha, [parece que a obra da capa acima É a original; logo, a tradução anglófona da Wikipedia conduz a um erro fatal] mesma camisa de malha azul, vestido de noiva tal qual. Não é coincidência. Murakami, fotógrafo, dentre outros ofícios, e Seiji Matsuyama, o autor de My Wife Is A Grade Schooler (IF MY WIFE WAS, retificando, o que é grotescamente diferente, ainda mais no mundo da ficção – aliás, IF já denota que é ficção!), estiveram conversando no twitter sobre fotografia e sua relação com mangás ero. Matsuyama postou alguns links da Pop Magazine em seu website, com trabalhos que ele realizou como freela. Matsuyama chama suas criações de “Takashi Murakami x Britney Spears x My Wife Is A Grade Schooler collaboration” (uma tríade do mangá do polêmico autor, do ditocujo autor e do fotógrafo avant-garde com a cantora – diria influencer se essa palavra já existisse até seu auge lá pelos 2007 – que mais vendia no momento, e ainda sustenta inúmeros recordes que, se pensarmos nas mudanças no mercado da música, parecem inquebrantáveis para sempre). Murakami defende no twitter que esse tipo de projeto se destina precipuamente a indicar que mangá é arte. Aqui eu pego o bonde sensacionalista de um artigo da Kotaku (que não sabe se é pró-ocidente, pró-oriente, anti-todo mundo, site de fofoca, de games…).¹ Ashcraft (jornalista da Kotaku) pondera, a respeito:

“Se a legislação [japonesa] sobre crianças virtuais deveria ter passado [sido aprovada] ou se essas imagens são arte ou pornografia [veremos abaixo que COM CERTEZA não são (mais) pornografia, in this day an age, e felizmente!] está além do escopo deste artigo [5 parágrafos mal-redigidos!]. O que está em discussão aqui é se Britney Spears ‘sabia o que estava fazendo’. Ela sabia que estava participando? [em quê, esclareça o leitor! nas filmagens de Eyes Wide Shut, de Kubrick por acaso?!?] Estava por dentro do plano? Que essas imagens nessas fotografias estão conectadas ao que alguns críticos [que críticos?] estão chamando de pornografia infantil?”

Título isentão da matéria: Was Britney Spears Bamboozled Into Virtual Child Porn Protest Art?

¹ Pergunte-se por que Tim Rogers, o mais celebrado resenhista de lá, pulou do barco e hoje consegue muito mais audiência em seu canal-solo no YouTube!

MINHA PRAGMÁTICA E SUPRAMORAL OPINIÃO SOBRE TODA ESSA POLÊMICA-CHINFRIM, NÃO SEM ANTES APRESENTAR AS TAIS FOTOS DO “POLÊMICO” ENSAIO DE BRITNEY POR MURAKAMI, SE É QUE PRECISA (Hollywood, você já foi bem melhor com suas vedetes!):

Uma coisa podemos dizer: não é uma mulher recatada e do lar! Ah, e nem de longe as poses mais provocativas da diva, sou obrigado a dizer a quem não sabe ainda… Acho que homens babões atrás de mero fetiche imagético ficaram bastante decepcionados… E peraí… quantos anos Britney tem aqui? “Pornografia infantil”?!? Faz-me rir!

Se algo o desagrada, você, leitor, censor, ou se algo soa-lhe eticamente inconveniente, ignore, faça shadow ban, mas NÃO TENTE SUPRIMIR O MATERIAL com a ajuda de leis governamentais – isso fomentará a circulação do material de forma ilícita. Esse raciocínio ÓBVIO ainda não chegou à mente da maioria do público nem muito menos das autoridades escandalizadas, por sinal, daí a profusão de polêmicas inócuas com que lidamos! E especificamente sobre Spears: não subestimem a inteligência desta mulher e artista! “Sim e não”, caro Ashcraft (repórter homem sem qualquer tipo de suscetibilidade ou mesmo libido, imagino, o que inclui senso artístico); ela sabia “no que estava se metendo”, mas sua opinião era de que essas fotos ingénues nada tinham a ver com pornografia infantil, nem com pornografia dela mesma – fim do debate e da “polêmica”!

Meme que flagrei hoje, 20 de janeiro de 2024, na minha timeline: “If my father was a…?” parece ser a “idéia” central, para além de algumas referências implícitas a alguns animes para quem souber saborear os detalhes. Memes não possuem uma lógica que deva ser encarada com um códice moral ou olhar de julgador, simplesmente se ri deles ou se os ignora… Quanto mais eu demorar para publicar este artigo, mais referencial memético encontrarei para acrescentar, então é melhor terminar de uma vez!

PALAVRAS FINAIS, POR ORA

(estou ficando cansado…)

Em 2014 estabeleceu-se que obras lolicon ficariam de fora das leis de restrição japonesas em pornografia infantil. Um jurista do caso declarou que “Pornografia de mangá, anime e feita em CG [computer graphics] não viola diretamente os direitos de garotas e garotos. Não foi cientificamente validado que esse material possa vir a causar danos mesmo de modo indireto. Sem essa validação, punir autores, veiculadores e usuários se torna ditatorial”.

Estatisticamente, o abuso de menores está em queda no Japão desde os anos 60-70, justamente anos do boom lolicon. McLelland diz que “garotos” ou “garotas”, personagens desse tipo de mídia, são na verdade a hipóstase de um “terceiro gênero”. Steven Smet defende que o lolicon é um “exorcismo de fantasias” que inclusive ajuda a explicar a queda da criminalidade sexual no país. Galbraith sustenta ainda que esse tipo de arte e movimento, tornando-se profundo, promove o debate aberto dos temas da otaku culture com os meios de comunicação de massa, pondo a descoberto seus principais problemas éticos.

Um estudo de 2012 da Sexologisk Klinik (governo dinamarquês) não encontrou evidências de que desenhos que ilustrem explícito abuso sexual de crianças conduzam a abusos no mundo real. Sharalyn Orbaugh defende que mangás que contêm menores vítimas de abuso ou pelo menos engajados em atividades sexuais podem ser uma ferramenta de auxílio para menores que foram vítimas lidarem com o trauma.

Hiroshi Nakasatomi, do campo do direito, diz que a estética lolicon pode distorcer os desejos sexuais do leitor e induzir a crimes [alguém do direito falando em causa-efeito de forma tão simples, quanta novidade!]. Nakasatomi crê ainda que esse tipo de arte viola os direitos da criança, visão compartilhada pela ONG CASPAR (fundada em meio à repercussão do caso do serial killer Miyazaki).

A feminista Kuniko Funabashi entende que o lolicon contribui, sim, para a violência sexual por iconografar principalmente garotas em posições passivas e subordinadas e “apresentar o corpo feminino como uma posse do homem”. Mais um do Direito, o sr. Shin’ichirou Harata, toma o cuidado de ressalvar que qualquer lei sobre o assunto não pode indistintamente tratar material ficcional e real sob o mesmo crivo, cabendo ao “fã” ter discrição e “noção da quarta parede” em trabalhos potencialmente ambivalentes. Este jurista acredita que há ética no meio, e que o selo moe representaria justamente o lado ou metade “mais benigno(a)” deste universo, sendo o baluarte de uma ética otaku (a segunda vez que lemos essa opinião nesta espécie de suma de resenha crítica que vimos desempenhando).

Dilton Rocha Ferraz Ribeiro analisa que até o momento atual leis para restrição e leis que são contra restrição de materiais lolicon se mantêm estáveis nos últimos anos, sem tendência para reviravoltas acentuadas seja para um lado, seja para outro. Catherine Driscoll e Liam Grealy acreditam que há pressão internacional sobre o Japão para aprovar leis de censura e que no direito local tende-se a falar de um “excepcionalismo cultural” aplicável à cultura nipo. Deveríamos nos perguntar também por que legislações anti-armamentistas aprovadas pela própria ONU não encontram qualquer salvaguarda nos Estados Unidos da América, se não queremos ser aqui hipócritas!

Alguns mangakás e estudiosos dos mangás comparam o caso do lolicon (obviamente a taxa de pedófilos entre os leitores é muito baixa, como em qualquer segmento social) com a do público yaoi: a maioria dos leitores habituais desses mangás com enredos homossexuais masculinos é composta por heteros. Uma preferência literária não-condizente com a sexualidade cotidiana, portanto.

O teórico queer Yuu Matsuura (não confundir com o personagem fictício de mesmo nome) afirma em alto e bom som que personagens 2D são artefatos não-humanos e que desejo orientado a tais dispositivos não é qualificável como desejo sexual, a não ser que fosse de uma outra espécie não-humana, não-animal, figurativa, nova, sem precedentes, mesmo no campo do imaginário (pois é diferente até de ler um romance de cavalaria e sonhar com uma consumação platônica ou carnal). Matsuura diz que quem qualifica lolicon como “pornografia infantil” incorre num conceito para isso por ele formulado, “hiper-sexualismo antropomorfo”(*), alegando que há mais na natureza e nas pulsões humanas que essa visão clássica e ultrapassada. Segundo Matsuura essa tendência possui implicações bem desumanas, quer seja, a marginalização dos classificáveis como adeptos do nijikon, palavra que apareceu mais cedo no texto quando expusemos Galbraith (se quisermos passar grosso modo por esse conceito sem perder tanto de seu conteúdo originário, pensar basicamente na categorização “assexual” que cunhamos no Ocidente em tempos recentes). Só o que sabemos é que, enquanto seres vivos, temos pulsão-por-algo, esse algo não necessitando ser de nossa espécie, ou mesmo tridimensional, ou real.

(*) 対人性愛中心主義, taijin seiai chūshin shugi.

Akira Akagi entende que de décadas para cá a idealização do herói típica do público masculino sofreu intensa metamorfose (fenômeno ligado à decadência do gekiga): “Leitores de lolicon não necessitam de um pênis para ter prazer, eles sentem necessidade de êxtase por uma garota. […] Identificam-se COM A garota, e sentem com isso um prazer que o Ocidente até Freud classificaria de masoquista”. Gō Itō vai além e diz que já ouviu em entrevistas com mangakás: “A criança loli que eu desenhei sendo estuprada era eu”. Ele entende esse tipo de comentário, generalizadamente, como uma metáfora: o sujeito sendo estuprado pela sociedade e seu grito de protesto.

Kaoru Nagayama complementa essas posições dizendo que o leitor de lolicon não é estático e flui entre a perspectiva do observador voyeur onisciente e insensível num segundo para no outro identificar-se com cada personagem da trama e seus sofrimentos ou deleites, fazendo sínteses existenciais dessa experiência em poucos instantes. Co-autora do Book of Otaku (1989), a feminista Chizuko Ueno entende que o lolicon, sendo uma orientação clara para o bishōjo fictivo, é “completamente alheio à pedofilia”, e não perdeu a essência cute atribuída ao fenômeno moe em nenhum momento de sua evolução. Teria sido, sim, uma resposta masculina, dos que se sentiam excluídos dessa estética mais “fofa”, para também passarem a fazer parte do circuito bishoujo, apesar da demografia das editoras inicialmente direcionar-lhes apenas material shoujo. Em outros termos, o “homem”, para o “japonês médio”, já não é o mesmo, dos anos 50 para cá. Isso é tão óbvio, e tão corrente para nós, que até esquecemos que o Japão viveu um sistema rígido de patriarcado muito mais severo e estendido que os nossos diferentes patriarcados (considerando os dois tipos de colonização da América, a Europa, a Oceania, a Rússia, etc.), e que a revolução de costumes deles, ao menos nos meios de expressão artística, foi muito mais acelerada.

Partindo para a análise da sexualidade japonesa e deixando um pouco de lado os mangás, abstraindo o fenômeno evidente de que “a arte-influencia-a-vida-e-a-própria-arte” por um parágrafo apenas, e considerando somente as mudanças sociais e seus efeitos na arte (análise de causação linear), o sociólogo Kimio Itou atribui a emergência do lolicon às mudanças progressivas das relações intergênero no país. Para Itou a resposta mais óbvia que a juventude masculina japonesa do pós-guerra encontrou ao se sentir inferiorizada e imatura diante de mulheres cada vez mais independentes e assertivas, liberadas para o mercado de trabalho, foi procurar um refúgio imediato em formas de arte em que “dispunham de objetos passionais ainda fáceis de administrar, como na época de seus próprios pais [pais no coletivo de ‘apenas homens’] para com suas esposas submissas”. Eixo simplista de pensamento, como o dos que espumam por uma isonomia completa entre material de ficção e realidade para punição por pedofilia, porém agrega à discussão, sem dúvida, pois é uma das facetas do fenômeno.

Kinsella, informado pelo comentário de Itou, concorda, mas diz que há obviamente a influência feminina: a parcela das consumidoras mulheres também se interessa por ver homens mais vulneráveis e “desnudos”, mais convincentes e vulneráveis, em suas estórias, o que efetivamente acontece nos mangás que derrubam os tropos clássicos do shounen. Kinsella resume: o lolicon é um modo de lidar com a ansiedade social, prevalente na sociedade japonesa, em que participam ambos os sexos.

Este artigo é parte de uma série de traduções da Wikipédia inglesa sobre animes ou tópicos tangentes, mas acrescento ou removo detalhes ou conteúdos conforme minha predileção – a ponto de o artigo final se tornar quase irreconhecível se cotejado ao artigo da Wikipedia, tantas modificações e inserções eu faço. De fato, se tornou meu artigo em vez de apenas mera tradução. Às vezes – mas não sempre –, com o intuito de facilitar ao leitor, grifo os trechos mais pessoais de azul. Meus hiper-links não conduzem ao próprio site wikia, mas a outros artigos do rafazardly ou do seclusão (meus blogs), quando presentes.   

próximo da série “anime & mangá”: O QUE É SHOTACON? (o oposto diametral de LOLICON, ou antes a complementaridade de sexo do LOLICON, i.e., o mesmo fenômeno, só que espelhado para o masculino)

A THEORY OF THE SOCIOLOGY OF WOMEN – Hellen Moore & Jane Ollenburger, 1989.

For example, sex role analyses use bipolar concepts, such as masculinity and femininity as givens. Even models of androgyny anticipate the reality of a continuum with fixed masculine and feminine end points. Thus, the language used in creating patriarchal and sex role theories sets parameters that cannot be ignored or transformed by the models themselves.”

Explain the development, maintenance, and change of women’s oppression in the range of cultures we can use as examples (Chafetz, Feminist Sociology, 1988). The reasons for building a feminist theory or explanation are clear. But why build a sociological theory? Are the problems created by patriarchal theory and liberal feminist theory inherent to the sociological theory building process? We believe it is not. Theory as a practice can itself be examined from a feminist perspective, analyzed for potential consequences, and revisioned for its potential contributions to an understanding of women’s lives”

A major challenge for feminist theorists is to bridge the structural and interpretive approaches available in the social sciences and in women’s studies theory. An integrative theory of women’s oppression should draw from all available models, not to construct a hodgepodge, but with an eye toward the patchwork quilt of women’s traditional crafts. Such a patchwork would take the useful concepts of feminist models and draw them together to make a strong theoretical fabric”

The post-structuralists argue that we cannot answer the question, ‘Are there women?’ (De Beauvoir, 1974; Eisenstein and Jardine, 1980). We believe that the questions must be asked, even if the medium of language will ultimately distort the reality of those lives.”

Drawing on the radical feminist theories, we also propose that, in a patriarchal system, men set the exchange value. As Hartmann and others have pointed out, capitalism goes hand in hand with patriarchy in most Western industrial nations (Hartmann, 1984).” Vago.

the lives of black women prior to the Emancipation Proclamation have been limited to a few diaries and to public records that define blacks as property. Immigrant and black women’s work was not recorded separately by race from white women until the 1890’s, and various Hispanic groups have been tabulated as white at various points in time. Not until the 1980 census were significant Hispanic cultural groups separated such as Cubana, Chicana, and Puerta Ricana for research and policy discussion.”

the absence of marital rape laws in the majority of states identifies the informal and formal definitions of sexual control for men.”

Women who do not fit this family-centered framework are thrust out of the normative definitions of sexuality: lesbians, nuns, spinsters [solteironas], prostitutes, and women in the pornography industry.”

The notion of recreational, non-reproductive sex (the use value of sex) is a relatively modem phenomenon, particularly for married women. This new model of sexuality has generated an avalanche of media images, novels, advice books, and self-help groups to create norms for the practice and enjoyment of women’s sexuality. Much of this recreational sexual identity has been based upon historical and erroneous definitions supplied by men: the norm of the vaginal orgasm, definitions of the sexually attractive, and control of the verbal and nonverbal cues for sexual initiation”