A FUNÇÃO DO ORGASMO ou: SOFRIMENTOS DE UM JOVEM BUROCRATA EX-PROFESSOR

9ª ed. – Vol. I – A descoberta do orgônio

Reich

29/06 a 23/08

DIC – priapismo / satiríase / satiromania: ereção dolorosa; excitação sexual excessiva (mórbida).

             espermatorréia: derramamento involuntário do esperma

As investigações de Forel na organização racional das formigas dirigiram a minha atenção para o problema do vitalismo. Entre 1919 e 1921, familiarizei-me com a Philosophie des Organischen e com a Ordnungslehre, de Driesch.”

Lange – Geschichte des Materialismus

Grimm – Buddha

Hoje muito poucas pessoas sabem que a moralidade foi uma vez encarada como um instinto filogeneticamente, e na verdade sobrenaturalmente, determinado. Isso se dizia com absoluta seriedade e grande dignidade.”

Adler era decepcionante. Criticou Freud.”

O seu inconsciente é como a <coisa em si> de Kant. Em si mesmo não pode ser agarrado” A coisa-em-si não existe

A teoria da esquizofrenia de Freud tinha parado na conclusão prematura de que essa doença é atribuível a uma regressão auto-erótca. Ele tinha idéia de que uma fixação do desenvolvimento psíquico de uma criança no período do narcisismo infantil primário constitui uma disposição para a doença mental. Defendi essa idéia por ser correta, mas não por ser completa. Não era tangível. Parecia-me que o ponto em comum de contato entre a criança absorvida em si mesma e o esquizofrênico adulto está na forma como sentem o seu meio ambiente. Para o recém-nascido o meio ambiente com os seus inúmeros estímulos não pode ser mais que um caos do qual as sensações do seu próprio corpo são uma ponte. Em termos de experiência, não existe nenhuma distinção entre o eu e o mundo. (…) Se, durante o processo de separação, a criança experimenta um choque sério, as fronteiras entre o eu e o mundo permanecem confusas e nebulosas.” “a perda do sentido da realidade no esquizofrênico começa com a interpretação errônea das sensações do seu próprio corpo em desenvolvimento.”

Foi só muitos anos mais tarde que Ferenczi afirmou que ninguém realmente seguia, ou podia seguir, essa regra. Isso é tão claro para nós hoje que nem mesmo esperamos que alguém o faça. [sobre o <dizer tudo quanto lhe viesse à cabeça>]”

Sabe-se que pacientes que sofrem de súbito estupor catatônico se tornam logo normais outra vez, quando são capazes de ter acessos de violência.” “Em pacientes que sofrem de estupor catatônico a <couraça> muscular domina o corpo inteiro. A descarga de energia se torna cada vez mais restrita. Em um acesso de violência, um impulso forte irrompe do centro vegetativo, que ainda é móvel, e, através da couraça, libera a energia muscular presa. Mas o seu caráter real como experiência tem de ser agradável. Isso era impressionante, e a teoria psicanalítica da catatonia não podia explicá-lo. Dizia-se que o paciente catatônico <voltava completamente ao útero e ao auto-erotismo>, explicação que não era satisfatória”

O que o analista levava meses deslindando e interpretando em pacientes compulsivos era expresso em linguagem clara pelo paciente psicótico.” “O paciente psicótico é assediado pelas idéias sexuais que nos outros são cuidadosamente escondidas, reprimidas ou apenas meio admitidas. O ato sexual, atividades perversas, relações sexuais com a mãe ou com o pai, cobrir de excremento os órgãos genitais, sedução de – ou por – mulher ou marido de amigo ou amiga, fantasias grosseiramente sensuais, inclusive mamar e outras semelhantes, inundam o pensamento consciente do psicótico.” “Quanto a sua experiência de vida, o paciente neurótico e o paciente pervertido estão para o esquizofrênico assim como o ladrão ordinário está para o arrombador ousado.”

Observei uma garota que estava de cama na clínica havia anos e não fazia nada exceto mover a região pélvica e passar o dedinho no clitóris. Estava totalmente bloqueada.” “De vez em quando, entretanto, uma expressão inteligível se desenhava no seu rosto. Se alguém conhece realmente a terrível angústia das crianças pequenas que são proibidas de masturbar-se, então entenderá semelhante comportamento em pacientes neuróticos. Eles desistem do mundo, e dementes, praticam o ato que um mundo irracionalmente governado uma vez lhes proibiu. Não se vingam; não castigam; não causam qualquer mal. Simplesmente permanecem deitados e tentam salvar os últimos restos de um prazer patologicamente corrompido.”

O ouro deve ser misturado ao cobre, e nunca ao pague.

Estava a ponto de empurrar as crianças para dentro d’água quando foi tomada de terrível angústia. Daí em diante foi atormentada pelo impulso de confessar-se à polícia a fim de proteger as crianças contra ela mesma. O impulso mantinha-a em um estado de medo mortal, pois temia ser enforcada pelo crime. O pensamento provocou-lhe uma constrição na garganta. O mutismo impedia-a de ceder ao impulso.” “Fôra órfã e vivera com estranhos, morando com 6 ou mais pessoas no mesmo quarto. Menina, fôra sexualmente violada por homens feitos. Era atormentada pelo desejo de uma mãe que a protegesse.” “Ninguém a entendia. Embora fosse totalmente fria, dormia com muitos homens diferentes.” “Apesar do fato [de] que o seu trabalho era dificultado por perturbações psíquicas agudas, era explorada cruelmente e sem piedade. Recebia uns 2 schillings por dia de 10h de trabalho, o que quer dizer que devia sustentar-se, e aos 3 filhos, com uns 60 ou 80 schillings por mês! O extraordinário é que o conseguia! Nunca pude descobrir como. Apesar de tudo, não se descuidava absolutamente da sua aparência. Lia sempre, inclusive alguns livros que me tomou emprestados.”

Outra paciente estava sofrendo da chamada ninfomania. Não conseguia nunca experimentar a satisfação. Por isso, dormia com qualquer homem disponível — sem encontrar satisfação. Masturbava-se com o cabo de uma faca, ou mesmo com a lâmina, até que lhe sangrava a vagina. Somente aqueles que conhecem o tormento de uma excitação sexual insaciável e sumamente tensa deixarão de falar sobre a <transcendência da espiritualidade fenomenológica>.” “Quando a mãe percebe que a criança se está masturbando, atira simplesmente uma faca na criança.” “Esse caso está pormenorizadamente descrito no meu livro Der triebhafte Charakter [A Compulsão do Caráter].”

Os neuróticos compulsivos e os pacientes histéricos foram educados desde tenra idade de forma absolutamente anti-sexual. Na primeira infância, não tiveram orientação sexual, ou foram prematuramente ativos. Então, subitamente, foram brutalmente punidos, e a punição viveu no inconsciente como um sentimento de culpa sexual.”

EXTATÍSTICA, UMA ESTATÍSTICA ENÉRGICA E SEMOVENTE

Freud agarrava-se à idéia de que as meninas têm apenas uma sexualidade clitória e não experimentam o erotismo vaginal na primeira infância.”

Um menino que tivesse uma vinculação genital plenamente desenvolvida em relação à mãe teria muito maior facilidade em estabelecer uma vinculação genital com uma mulher do que um menino que houvesse amado a mãe de uma forma somente anal, i.e., perversa.”

O desenvolvimento independente da economia sexual começou com a questão da diferença entre prazer pré-genital e genital. Nem um só ponto da minha teoria é válido sem isso.”

O seu caso parecia totalmente desesperado. Subitamente, surgiu uma fantasia incestuosa, e pela primeira vez o paciente se masturbou com satisfação. Todos os seus sintomas desapareceram imediatamente. Em 8 dias voltaram pouco a pouco. Masturbou-se outra vez. Os sintomas desapareceram de novo, apenas para voltar alguns dias mais tarde. Isso continuou por várias semanas. Finalmente consegui chegar à raiz dos seus sentimentos de culpa quanto à masturbação, e corrigir alguns hábitos prejudiciais de comportamento. Após um total de 9 meses, terminei o tratamento.”

Uma vez que o paciente era diligente e ordeiro — <ajustado à realidade>, como costumávamos dizer — não ocorreu a nenhum de nós que era precisamente essa tranqüilidade emocional, essa equanimidade inabalável,que formava a base patológica do caráter, pela qual a impotência eretiva podia ser mantida.” “Terminei a análise alguns meses mais tarde e o paciente não estava curado. A imperturbabilidade com que aceitou isso era tão estóica quanto a imperturbabilidade com que aceitou tudo, durante o tratamento todo. Esse paciente gravou em mim o importante conceito de <bloqueio emocional> na análise do caráter.”

“Os psicanalistas faziam graças maliciosas a respeito da sua preguiça durante a sessão analítica. Se um paciente não fazia nenhuma associação durante horas a fio, o analista tinha de fumar muito para não adormecer. Houve analistas, inclusive, que deduziram disso teorias grandiosas. Se o paciente permanecia em silêncio, então, o analista devia também manter-se em silêncio, mesmo que fosse, afinal, por horas ou semanas. Isso era considerado como <técnica consumada>.” “A situação não era nada melhorada nem pelas brincadeiras a respeito: do analista que despertou de um sono profundo, durante uma sessão, e encontrou vazio o divã; nem pelas explicações enroladas para provar que estava certo que o analista cochilasse um instante, pois o seu inconsciente permaneceria atento ao paciente. Afirmava-se mesmo que o inconsciente do analista podia, ao despertar do sono durante um tratamento, compreender exatamente o rumo que o inconsciente do paciente estava seguindo. Era deprimente e desanimador. Por outro lado, Freud aconselhava-nos a não ser demasiado ambiciosos nos nossos esforços terapêuticos.”

somático: corpo menos tripas e cabeça (físico, por oposição a psicológico, psíquico).

Como muitos outros, Stekel não conseguia ver a diferença fundamental entre a excitação psicossomática e o conteúdo psíquico de um sintoma.” “não havia dúvidas de que as psiconeuroses tinham um cerne neurótico atual (estase) e que as neuroses estásicas tinham uma superestrutura psiconeurótica.”

Embora muitos analistas atribuíssem a maior importância aos conteúdos psíquicos dos sintomas neuróticos, eminentes psicopatologistas, como Jaspers (cf. a sua Psychopathologie) negavam completamente o caráter científico da interpretação psicológica do significado, e por isso negavam o caráter científico da própria psicanálise. Jaspers afirmava que o <significado> de uma atitude psíquica ou de uma ação podia ser compreendido apenas <filosoficamente> — e não cientificamente.” “Allers, o filósofo e fisiologista vienense, recusou-se a entrar na questão da vida psíquica inconsciente porque, do ângulo da filosofia, a hipótese de um <inconsciente> era a priori falsa.”

Um ano mais tarde, o médico vienense Chrobak enviou uma paciente a Freud. Sofria de crises agudas de angústia e ainda era virgem, após 8 anos de casamento com um homem impotente. Chrobak escreve o seguinte comentário: <Sabemos bem demais qual é a única prescrição para estes casos, mas não podemos prescrevê-la. É: Penis normalis, dosim repetatur!>”

Uma mulher era considerada genitalmente sã quando capaz de experimentar um orgasmo clitório. A esse tempo, desconhecia-se a distinção econômico-sexual entre excitação clitória e vaginal. (N.E.:) A controvérsia não chegou ao fim. Masters e Johnson são as autoridades que mais recentemente negaram a distinção. Ainda assim, a única autoridade verdadeira deve ser a mulher que experimentou tanto o orgasmo clitório como o vaginal. Invariavelmente afirmará que há uma diferença.” “a pura verdade é que uma análise precisa do comportamento genital, além das frases nada explicativas <dormi com uma mulher> ou <dormi com um homem>, era absolutamente proibida na psicanálise. Levei mais de 2 anos de experiência para livrar-me completamente dessa reserva delicada, e descobrir que as pessoas confundem o ato sexual puramente animal com a posse amorosa.”

um economista sexual — que sabe que o homem é a única espécie biológica que destruiu a sua própria função sexual natural e está doente em conseqüência disso.” “Até 1923, ano em que nasceu a teoria do orgasmo, apenas as potências ejaculativa e eretiva eram conhecidas da sexologia e dos psicanalistas. Sem a inclusão dos componentes funcionais, econômicos e experimentais, o conceito de potência sexual não teria existido. Potência eretiva e ejaculativa eram apenas pré-condições indispensáveis da potência orgástica. Potência orgástica é a capacidade de abandonar-se, livre de quaisquer inibições, ao fluxo de energia biológica; a capacidade de descarregar completamente a excitação sexual reprimida, por meio de involuntárias e agradáveis convulsões do corpo.

Nem um único neurótico é orgasticamente potente, e as estruturas de caráter da esmagadora maioria dos homens e mulheres são neuróticas. No ato sexual livre de angústia, de desprazer [hm] e de fantasias, a intensidade de prazer no orgasmo depende da quantidade de tensão sexual concentrada nos genitais. Quanto maior e mais abrupta é a <queda> da excitação, tanto mais intenso é o prazer.” Soninho pós-coito: bom sinal.

Fase de controle voluntário da excitação

A ternura também está ausente no <coito onanista> com um objeto não-amado. Normalmente a atividade da mulher não difere de modo algum da do homem. A passividade da mulher, embora comum, é patológica e resulta habitualmente de fantasias masoquistas de violação.” “Pela fricção mútua, gradual, rítmica, espontânea e sem esforço, a excitação vai-se concentrando na superfície e na glande do pênis, e nas partes posteriores da membrana mucosa da vagina. A sensação característica que precede e acompanha a descarga do sêmen está ainda totalmente ausente (não nos casos de ejaculação prematura). O corpo ainda está menos excitado que o genital. A consciência está inteiramente dirigida para a assimilação das sensações ondulantes de gozo. O ego participa ativamente, na medida em que tenta explorar todas as possíveis fontes de prazer e atingir o mais alto grau de tensão antes do momento do orgasmo. Intenções conscientes obviamente não têm lugar aqui. Tudo acontece espontaneamente com base nas experiências de anteprazer individualmente diferentes, por uma mudança de posição, pela natureza da fricção, pelo ritmo, etc. Segundo a maior parte dos homens e mulheres potentes, quanto mais lentas e delicadas são as fricções, e mais estreitamente sincronizadas, mais intensas são as sensações de prazer. Isso pressupõe um alto grau da afinidade entre o homem e a mulher. Um correspondente patológico disso é o desejo de fazer fricções violentas, especialmente pronunciado nos caracteres sádicos compulsivos que sofrem de anestesia do pênis e da incapacidade de descarregar o sêmen. Outro exemplo é a pressa nervosa dos que sofrem de ejaculações prematuras. Os homens e mulheres orgasticamente potentes nunca riem ou falam durante o ato sexual exceto, possivelmente, para trocar palavras de carinho. Falar e rir indicam sérias perturbações da capacidade de entregar-se” “Nesta fase, a interrupção da fricção é em si mesma agradável por causa das sensações especiais de prazer que acompanham essa pausa, e não exigem esforço psíquico. Dessa forma, prolonga-se o ato. A excitação diminui um pouco durante a pausa. Não desaparece inteiramente, entretanto, como nos casos patológicos. A interrupção do ato sexual pela retração do pênis não é desagradável na medida em que ocorra após uma pausa tranqüila. Ao continuar a fricção, a excitação aumenta firmemente além do nível anteriormente atingido. Toma gradualmente, mais e mais, posse do corpo inteiro, enquanto o próprio genital mantém um nível mais ou menos constante de excitação. Finalmente, como resultado de um novo aumento habitualmente repentino de excitação genital, inicia-se a fase de contração muscular involuntária.”

Fase de contrações musculares involuntárias

Neste ponto, a consciência se torna mais ou menos nublada; seguindo-se a uma pequena pausa no <auge> do clímax, as fricções aumentam espontaneamente e o desejo de penetrar <completamente> se torna mais intenso com cada contração muscular ejaculatória. As contrações musculares na mulher seguem o mesmo curso que seguem no homem; há apenas uma diferença psíquica, isto é, a mulher sã quer <receber completamente> durante, e logo após, o clímax.”

Pressupõe-se que é patológica a continuidade do ato, isto é, refazê-lo, como se a tensão não houvesse sido dissipada.

a pessoa orgasticamente impotente experimenta um esgotamento plúmbeo, desgosto, repulsa, aborrecimento ou indiferença e, ocasionalmente, aversão ao companheiro. Nos casos de satiríase e ninfomania, a excitação sexual não desaparece. A insônia é uma das características essenciais da falta de satisfação. Não se pode, entretanto, concluir automaticamente que uma pessoa experimentou a satisfação quando cai no sono imediatamente após o ato sexual.”

experiência sensorial x experiência motora

(fase 1) (fase 2)

convulsão=solução

É preciso distinguir dois grupos de fantasias que poderiam acompanhar o ato sexual: umas em harmonia com a experiência sexual, outras em contradição com ela. Se o companheiro é capaz de atrair todo o interesse sexual para ele, ou para ela, ao menos momentaneamente, então as fantasias inconscientes são também supérfluas. Em termos da sua própria natureza, essas fantasias se opõem à experiência real, pois só se fantasia o que não se pode obter na realidade.” “Quanto mais intensamente a fantasia precisa trabalhar para aproximar, do ideal, o companheiro, tanto mais o prazer sexual perde em intensidade e valor econômico-sexual. Depende inteiramente da natureza das discordâncias que existem em toda relação prolongada a redução, ou não, da intensidade da experiência sexual; e, no caso afirmativo, o grau de redução. Essa redução tende a transformar-se em uma perturbação patológica muito mais cedo quando há uma fixação forte do objeto primitivo e incapacidade de realizar uma transferência genuína, e quando, além do mais, é necessária grande quantidade de energia para superar no companheiro as características em contradição com o objeto primitivo.”

A fórmula terapêutica de Freud para as neuroses, embora correta, é incompleta. O pré-requisito fundamental da terapia consiste em tornar o paciente consciente da sua sexualidade reprimida. Só isso não cura; isto é, pode curar, mas não cura necessariamente. O tornar o paciente consciente dos impulsos sexuais reprimidos garante a cura quando também elimina a fonte de energia da neurose, i.e., a estase sexual. Em outras palavras, esse tipo de terapia efetua a cura quando a consciência das exigências instintivas restaura também a capacidade de obter uma plena satisfação orgástica. Dessa forma, as proliferações patológicas são privadas da fonte da sua energia (princípio de remoção de energia).”

A excitação sexual é um processo somático. Os conflitos da neurose são de natureza psíquica. O que acontece é que um conflito secundário, em si mesmo normal, causa uma leve perturbação na balança da energia sexual. Essa estase secundária intensifica o conflito, e o conflito por sua vez aumenta a estase. Assim, o conflito psíquico e a estase da excitação somática aumentam-se mutuamente. O conflito psíquico central é a relação sexual entre a criança e os pais. Está presente em toda neurose. É o armazém histórico da experiência, de que se alimenta o conteúdo da neurose. Todas as fantasias neuróticas podem ser reduzidas à primeira vinculação sexual da criança com os pais. (…) As fixações patológicas incestuosas pelos pais, pelos irmãos e irmãs, perdem a sua força quando se elimina a estase simultânea de energia, i.e., quando a plena satisfação orgástica é experimentada no presente real. Por isso, depende do grau de descarga da energia sexual que o conflito de Édipo se torne ou não patológico. Em suma, a neurose atual [a neurose somática de Freud, também chamada de pré-genital ou pré-edipiana, num mal-entendido, por algumas gerações de psicanalistas freudianos] e a psiconeurose [a neurose clássica, genital ou edipiana] se sobrepõem: não podem ser concebidas como tipos separados de neuroses.” “Se as atividades sexuais não-genitais são reprimidas, a função genital se torna perturbada. Essa perturbação provoca fantasias e ações pré-genitais. As fantasias e atividades sexuais pré-genitais, que encontramos nas neuroses e perversões, são não apenas a causa das perturbações genitais mas, de qualquer forma, também o resultado dessa perturbação. Esses critérios e observações constituem o fundamento da distinção, que fiz, em 1936, entre impulsos naturais e secundários.”

As enfermidades psíquicas revelam apenas qualidades. Todavia, sempre parecem depender dos chamados fatores quantitativos, da resistência e da força, da catexia de energia, das experiências e ações psíquicas. Em uma reunião do círculo mais íntimo de analistas, Freud uma vez aconselhou-nos a ser prudentes. Tínhamos, disse, que estar preparados para esperar perigosos desafios de uma futura organoterapia à terapia psíquica da neurose. Não havia maneira de saber o que poderia ser essa organoterapia, mas já se podiam ouvir os seus expoentes batendo à porta. A psicanálise deverá um dia estabelecer-se sobre uma base orgânica. Isso era uma verdadeira intuição freudiana!

Todo paciente é profundamente cético em relação ao tratamento. Cada um apenas o disfarça de maneira diferente. Apresentei uma vez um relatório sobre um paciente que disfarçava a sua secreta desconfiança de um modo extremamente engenhoso: mostrava-se muito polido e concordava com tudo.” “A adaptação da técnica à hipocrisia do caráter do paciente apresentava conseqüências que ninguém adivinhava, e que todos inconscientemente temiam.”

O id era <mau>, o superego sentava-se num trono com uma longa barba e era <austero>; e o pobre do ego esforçava-se por ser um <medianeiro> para os dois.” “Desapareceu a seriedade das comunicações psicanalíticas: foi cada vez mais substituída por um pathos, reminiscência dos filósofos morais. Pouco a pouco, a teoria das neuroses foi traduzida para a linguagem da <psicologia do ego>. A forma eclipsou o conteúdo; a organização tornou-se mais importante que a tarefa. Teve início o mesmo processo de deterioração que destruiu os grandes movimentos sociais da história. Exatamente como o primitivo cristianismo onde Jesus se havia transformado na Igreja, e como a ciência marxista se tornara na ditadura fascista, muitos psicanalistas logo se tornaram os piores inimigos da sua própria causa. A cisão no âmago do movimento já não tinha conserto. Hoje, 15 anos depois, isso é evidente para todos. Foi somente em 1934 que o percebi claramente. Era tarde demais.”

sinais de desintegração dentro do movimento psicanalítico (por exemplo, a teoria do instinto de morte)” “A psicanálise jamais se recuperou disso.” “Se o analista não conseguia curar um paciente, o instinto de morte é que era o responsável.”

Reik publicou um livro, Geständniszwang und Strafbedürfnis [Compulsão de Confessar e Necessidade de Punição], no qual todo o conceito original de enfermidade psíquica estava de cabeça para baixo. O pior de tudo é que o livro encontrou aprovação. Reduzida à expressão mais simples, a sua inovação podia ser descrita como a eliminação do medo à punição pelas transgressões sexuais cometidas na infância. Em Beyond the Pleasure Principle e The Ego and the Id, F. presumia a existência de uma necessidade inconsciente de punição. Essa necessidade explicava ostensivamente a resistência do paciente à cura.

O paciente aventurava-se a procurar uma companhia, abandonava a abstinência, ou experimentava contatos sexuais mais satisfatórios. Entretanto somente em poucos casos se concretizava a esperança de que essa libertação de energia sexual acarretasse também o estabelecimento da função orgástica. Concluindo, poder-se-ia dizer que apenas uma energia insuficiente se havia libertado das amarras neuróticas. De modo geral, entretanto, o paciente permanecia bloqueado. Propunha-se, assim, a questão: onde, além dos sintomas neuróticos, se prende a energia sexual? Isso era um problema novo na psicanálise. mas não estava fora da sua estrutura. Pelo contrário, tratava-se apenas de uma aplicação consistente do método de raciocínio analítico, que tomava o sintoma neurótico como ponto de partida. A princípio, não obtive resposta para a pergunta. Problemas clínicos e terapêuticos nunca podem ser resolvidos pela meditação. Solucionam-se no processo de controle dos trabalhos práticos.”

Somente o aparelho genital é capaz de proporcionar o orgasmo e de descarregar plenamente a energia biológica. A pré-genitalidade pode apenas aumentar as tensões vegetativas”

não há conversão de uma excitação sexual. A mesma excitação que aparece nos genitais como sensação de prazer é percebida como angústia quando se apodera do sistema cardíaco, i.e., é percebida como o oposto exato do prazer.” “A angústia cardíaca se encontra na angina pectoris [dor isquêmica do peito, i.e., parestesia], na asma brônquica, no envenenamento pela nicotina e na exoftalmia [saliência exagerada do globo ocular]. Assim, a angústia sempre se desenvolve quando o sistema cardíaco é afetado por qualquer excitação anormal.” Quando se vive? era necessário distinguir a angústia que resultava de uma estase de excitação e a angústia que era a causa de uma repressão sexual. A primeira determinava as neuroses estásicas, a última, as psiconeuroses. Mas os dois tipos de angústia agiam simultaneamente em qualquer dos casos.”

Na fantasia ou na expectativa de um perigo, o organismo age como se o perigo já estivesse presente.” Me afadigo apenas de pensar na troca de uma lâmpada no meu futuro apartamento…

Eu estava firmemente convencido da exatidão da minha ampliação do conceito original de F. sobre a angústia. Era muito agradável sentir que me estava aproximando cada vez mais da sua função fisiológica.” “Freud havia demonstrado que a angústia na neurose se torna fixa. O paciente escapa à angústia se, por exemplo, desenvolve um sintoma compulsivo. Se a função da compulsão é perturbada, a angústia aparece imediatamente. Muitos casos persistentes de neurose de compulsão e depressão crônica não puderam ser alterados. Eram de certa forma inacessíveis. Na literatura psicanalítica, não havia processos técnicos para vencer a superfície desse estado enrijecido. Era o caráter como um todo que resistia.” pensar é sofrer, por outro lado…

Eu leio para não (me) odiar.

A função da terapia psicanalítica era descobrir e eliminar resistências. Não se esperava que interpretasse diretamente a matéria inconsciente. Assim, o analista devia partir da repressão dos impulsos inconscientes pelo ego moralista.”

O esquema de Freud, da interrelação do <inconsciente> com o <pré-consciente> e o <consciente>, não coincide com o seu outro esquema da estrutura psíquica, que consiste do <id>, do <ego> e do <superego>. [DUAS ABSTRAÇÕES COMPLETAMENTE ARBITRÁRIAS, POR SINAL.] De fato, freqüentemente se contradizem. O <inconsciente> de Freud não é idêntico ao <id>. O último é mais profundo. O inconsciente compreende os desejos reprimidos e importantes elementos do superego moralista. Uma vez que o superego tem a sua origem na vinculação incestuosa da criança aos pais, carrega as antigas características dessa vinculação. O próprio superego é provido de grande intensidade instintiva, particularmente de natureza agressiva e destrutiva. O <ego> não é idêntico ao <sistema consciente>. A defesa do ego contra os desejos sexuais proibidos é, ela própria, reprimida. Além disso, o ego tem origem no id, do qual é apenas uma parte especialmente diferenciada, embora, mais tarde, sob a influência do superego, entre em conflito com o id.” “a esse tempo não era possível trabalhar com o id, que não era tangível, nem como superego, que era apenas uma hipótese teórica, expresso claramente na forma de uma angústia de consciência. (…) Para Freud, o <inconsciente> nunca tinha sido mais que uma <hipótese indispensável>.” Fala como se não continuasse sendo uma pura hipótese de trabalho. Incompreensível ingenuidade – como se de um momento para outro se tivesse passado de uma pré-história caótica para uma sistematização empírica e milenarmente testada da mente. O que “provou” de súbito o id no meio do caminho, a própria psicanálise?! Não pode ser esse o nível silogístico do argumento!!

o jovem passivo-feminino que sofria de sintomas histéricos, incapacidade para o trabalho, e impotência ascética. Abertamente, era muito polido; secretamente, o seu medo o tornava muito astuto. Assim, concordava com tudo. A polidez representava o estrato mais alto da sua estrutura. Produzia matéria superabundante sobre a fixação sexual pela mãe. <Produzia>, sem qualquer convicção interior. Não examinei essa matéria, mas procurei continuamente chamar-lhe a atenção para a sua polidez, como uma defesa contra a percepção realmente afetiva. O ódio escondido começou a aparecer cada vez mais nos seus sonhos. (*) Como a sua polidez diminuísse, tornou-se insultante. (**) Assim, era a polidez que lhe aparava o ódio.(***) Consegui torná-lo evidente, por completo, destruindo cada uma das suas inibições. Até então, o  ódio havia sido uma atitude inconsciente. Ódio e polidez eram antíteses. Ao mesmo tempo, a sua polidez excessiva era uma expressão disfarçada do ódio. Pessoas excessivamente polidas são habitualmente as mais impiedosas e perigosas. [continua!]

(*) Mesma época do “poodle preto de Ranna”. A falta de compaixão para com os animais. “Quero que minha família vire farelo”; “…que meus ex-colegas da DRI morram”, “…que os sociólogos que conheci sejam infelizes”, etc., como pensamento-mor e desejo reinante seriam o equivalente simbólico da auto-destruição genital?!

22/02/2022: ocorrência esporádica do mesmo estilo de sonho (um cão pequeno, iracundo, de alguma pessoa secundária, grande perigo de me ferir, muito ódio presente). Como se todo um ressentimento só “me acessasse” em sonho.

(**) Sentimento da onda purificatória – Liz, Yssel, Jana, Cathy… Avanços e retrocessos.

Descontar a frustração cotidiana nos incautos mendigos e pedintes ou internautas desavisados/desaforados. Mas PRINCIPALMENTE nos segundos, que estão cada vez mais intragáveis.

(***) “Seja educado com os outros, Rafael, eles não têm culpa. Amadureça!” “Você não pode falar assim com a sua avó, com o seu chefe, com o seu pai, com a mãe dos outros! Mas com o seu presidente (Satanás), sim!” Estranha semelhança a versos bíblicos. (2022:) Veja quanto ressentimento o fascista doente não estava aprendendo a espocar – como a Dilma corroía o coraçãozinho dessas flores? O quanto eu não tive de padecer para aturá-los? O quanto hoje eles NÃO estão um centímetro melhores e toda a evolução e distância emocional e sentimental que conquistei? Esses imbecis são mesmo sencientes? São, sabem-no e estão AINDA mais amargurados? Porque se não mudam de idéia, como poderiam não estar?

cila com “c” de cão raivoso;

homem com “h” de hostil.

[cont.] Por seu lado, o ódio libertado repelia um medo intenso ao pai. Era simultaneamente um impulso reprimido e uma defesa inconsciente do ego contra a angústia. Quanto mais claramente o ódio era trazido à superfície, mais distintamente apareciam as manifestações de angústia. Finalmente o ódio deu lugar a nova angústia. O primeiro não era absolutamente a agressão original da infância, mas uma formação nova, de um período posterior. A nova angústia que irrompeu era a manifestação de uma defesa contra um estrato mais profundo do ódio destrutivo. O estrato superficial do ódio se havia satisfeito com o ridículo e o desprezo. A atitude destrutiva mais profunda consistia em impulsos assassinos contra o pai. Eliminado o medo a esses impulsos (<angústia destrutiva>), a atitude destrutiva mais profunda se tornou manifesta em sentimentos e fantasias. (…) o medo à destruição não podia subir à superfície sem, ao mesmo tempo, trair a agressão destrutiva. Como resultado da maneira pela qual se desenvolve a estrutura de caráter do homem moderno, uma <resistência interior> é constantemente interpolada entre o impulso biológico e a sua realização; o homem age <reagindo> e está intimamente voltado contra si mesmo.Tenho pena do D***.

Hora de ultrapassar nossos sonhos mais profundos até aqui…

ziguezague

Voltar a odiar, forçar o “corpo” a engolir esse ódio,

que não sou eu

f***-** Gaia!

Ele anda muito sentido!”

2 idiotas na lagoa

A dependência econômica nos fez pensar três vezes a cada ato de coragem do passado; quando não era mais absolutamente necessário meditar tanto… esquecemos como se fazia rebeldia e vôo livre… Temos que pagar alguém que nos reensine e readestre… Mas não há garantias de sucesso… Quando finalmente tivermos concluído o processo, estaremos às portas da velhice para colher os frutos. Pupilas gustativas deterioradas contraídas que não vêem…

[e ainda continua!] O impulso destrutivo em relação ao pai era, por sua vez, uma defesa do ego contra a destruição pelo pai. Quando comecei a descobrir isso e a desmacará-lo como uma defesa, a angústia genital veio à superfície. Assim, as intenções destrutivas contra o pai tinham a função de proteger o paciente contra a castração pelo pai.” Já não se aplica inteiramente a mim.

E assim Reich poderia seguir indefinidamente inventando novos teatrinhos…

[cont.] O medo de ser castrado, que era reprimido pela aversão destrutiva ao pai, era em si mesmo uma defesa contra um estrato ainda mais profundo de agressão destrutiva [JÁ CHEGA], principalmente o desejo de privar o pai do seu pênis e assim eliminá-lo como rival.” “Uma descrição completa desse caso aparece no meu livro Character Analysis [o mesmo do acima no título original em alemão?].” Completa perda de tempo a-social; nem parece que estamos diante do mesmo autor da PMF…

Não havia mais nenhuma dicotomia entre a matéria histórica e contemporânea. O mundo total da experiência passada incorpora-se ao presente sob a forma de atitudes de caráter. O caráter de uma pessoa é a soma total funcional de todas as experiências passadas.

Um conflito, combatido em determinada idade, sempre deixa atrás de si um vestígio no caráter do indivíduo. Esse vestígio se revela como um enrijecimento do caráter. Funciona automaticamente e é difícil de eliminar. O paciente não o sente como algo alheio; freqüentemente, porém, percebe-o como uma rigidez ou como uma perda da espontaneidade. Cada um desses estratos da estrutura do caráter é uma parte da história da vida do indivíduo, conservada e, de outra forma, ativa no presente. A experiência mostrou que os conflitos antigos podem ser bem facilmente reativados pela liberação desses estratos. Se os estratos de conflitos enrijecidos eram especialmente numerosos e funcionavam automaticamente, se formavam uma unidade compacta e não facilmente penetrável, o paciente os sentia como uma <couraça> rodeando o organismo vivo. (*) Essa couraça podia estar na <superfície> ou na <profundeza>, podia ser <tão macia quanto uma esponja> ou <tão dura quanto uma rocha>. A sua função em todos os casos era proteger o indivíduo contra experiências desagradáveis. Entretanto, acarretava também uma redução da capacidade do organismo para o prazer. Experiências de vários conflitos compunham o conteúdo latente da couraça. A energia que conservava a couraça unida era, habitualmente, uma tendência destrutiva inibida. Isso se comprova pelo fato de que a agressão começava a soltar-se imediatamente, quando a couraça era penetrada. (…) as pessoas reagiam com profunda aversão a qualquer perturbação do equilíbrio neurótico da sua couraça. (**) Essa era uma das maiores dificuldades na investigação da estrutura do caráter. A tendência destrutiva, em si mesma, nunca era livre. Era refreada por atitudes de caráter opostas. Por isso, nas situações da vida em que era necessário ser agressivo, agir, ser decidido, assumir uma posição definida, a pessoa era levada pela piedade, pela polidez, pelas reticências, pela falsa modéstia; (sic) em suma, pelas virtudes que são tidas em alta estima. Mas não podia haver dúvidas de que paralisavam toda reação racional, (sic) todo impulso ativo de vida no indivíduo.”

(*) Isso é deveras nítido. Eu sou o planeta e eles são os satélites e detritos de estações espaciais. Em inércia, mas em órbita. É necessário enviar um astronauta… E é uma operação perigosa.

(**) Idéia de título de livro [hahaha!]: TEMPO COME ESPAÇO: O MITO DE CRONOS, O DEVORADOR DE PLANETAS. // A HISTÓRIA DE UM ÓDIO IMPRESSIONANTE // O COMPLEXO DE SOUJIRO SETA: Rafael, o Solícito

A que preço, hein, teu velho cheio de cicatrizes? A que preço tu superaste todos os obstáculos diante de ti como um rolo compressor? Estás multifragmentado por dentro. Não és mais que uma couraça gigante. Combater a depressão formando uma casca deve ser o conselho médico mais imbecil que já ouvi na vida… Médico da posse na CAPES.

ENSAIO PESSOAL: Estratificações do meu caráter (síntese)

(nota-prólogo: sonho de hoje – 28 de julho)

Eu voltava à clínica do Dr. Minoro, meu primeiro psiquiatra. Era horário de almoço, ele não estava. A secretária me atendeu. Me forneceu uma medicação, uma espécie de líquido amarelo que despejou na própria mão e que eu deveria “recolher” (como se fosse guardar com minhas mãos no bolso, ou num recipiente; não era para consumo imediato, para sorver com a boca, era o correspondente a várias dosagens que devia tomar homeopaticamente em casa); ela cometeu um erro e despejou mais do líquido do que era necessário; ele transbordou da sua mão para a mesa. Ela riu e eu também; queria ter sido grosso com ela, mas me contive, sendo sempre muito polido. Mas esse não parecia ser o motivo principal da minha visita. Era como se eu estivesse ali para revisitar meus colegas da terapia coletiva/hospital-dia com quem estive em “pé de igualdade” antes, para mostrar-lhes que “estava bem melhor agora”. Como era horário de almoço, não pude encontrar ninguém. Um detalhe é que o dr. Minoro tinha estipulado que eu devia voltar à clínica a cada quatro sextas, isto é, uma vez ao mês, e por alguma razão eu passei cerca de 2 ou 3 meses sem comparecer, por puro esquecimento e desleixo.

Angústias do meu histórico que o sonho pode estar refletindo: Foi meu primeiro tratamento psicológico-psiquiátrico, e o resultado, embora na própria clínica tenha sido dado como satisfatório, não me agradou. É como se tudo que eu tivesse feito foi “dar uma pausa” nas correrias e demandas do mundo real. Sem trabalhar ou estudar, meu corpo e minha mente restauraram de alguma forma a saúde e a noção de bem-estar, mas eu não tinha certeza alguma em relação ao futuro a longo prazo. Fato é que recebi alta do hospital-dia; continuei a visitar o dr. Minoro a cada mês para receber receitas de remédios, o que não durou mais do que 2 ou 3 vezes. Lembro que estava com muitos remédios acumulados, que davam para um tempo de 2 ou mais meses, mesmo que eu não voltasse ao consultório. Houve alguma discussão entre mim e meu pai em que ele insinuou que os remédios eram inúteis e caros; eu, afligido com a situação de dependência econômica em relação e ele, e considerando-me um “ex-paciente” que já voltara à normalidade, me auto-dispensei dos medicamentos. O que, diferentemente do que haviam relatado (tanto outros pacientes quanto profissionais da clínica) sobre o efeito-rebote, não me causou qualquer efeito colateral ou abstinência. Minha vida seguiu no ritmo desejado: fiz curso para concurso, fiz várias provas, depois, quando achei que não agüentaria o mesmo ritmo de estudos e as provas interessantes escassearam, tendo certa margem para poder me concentrar noutras coisas (ainda tinha dinheiro no banco da minha época de professor, de forma que nunca mais havia pedido dinheiro para o meu pai; das provas que realizei, era boa a chance de ser empossado em algum cargo nos próximos meses, etc.), me tornei ativo esportivamente. Primeiro me engajei em diversas sessões fisioterápicas para um velho problema de fascite plantar [fáscia: tecido fibroso, sangüíneo, nervoso]; me informei sobre meu caso (“pisada pronada” ou “pé chato”“Harry!”) e passei a usar somente calçados adequados. Fiz academia pela primeira vez. Emagreci muitos quilos. Emagreci cerca de 20kg na balança, mas devo ter perdido mais de 30kg de gordura. Tinha uma rotina regrada; não sofria de insônia. Dormia sem esforço à meia-noite e às 8 da manhã já estava de pé. Fazia os exercícios pela manhã. Me sentia com apetite regular, aprendendo a comer menos nas refeições, e ainda assim me sentia saciado. A tarde e a noite eram livres. Podia ler, escrever, ouvir música e ver anime.

Lembro que durante o tratamento no hospital-dia, interrompi o consumo de álcool assim que iniciei com a medicação (tarja vermelha). Mais ou menos nas últimas semanas, senti nova curiosidade e novo ímpeto para provar álcool e reinseri-lo na minha “dieta alimentar”, porque tornava as saídas mais interessantes afinal. Ou seja, fui abstinente da substância aproximadamente entre 18 e 24 meses, não me lembro ao certo quanto tempo. Uma vez fiquei quase 30 dias sem fumar, num mês de dezembro, por causa de uma dor de garganta. Considerava que seria fácil de parar se eu quisesse, naquele momento, mas julguei que eu tinha direito a certa arbitrariedade nos meus prazeres, então continuei fumando, simplesmente porque é agradável. Nota: no máximo 5 cigarros por dia.

Todo esse ciclo que descrevo durou de setembro-2011 a dezembro-2013 ou janeiro-2014. Raramente eu sentia episódios de ansiedade. De forma crônica e moderada, posso dizer que no pôr-do-sol sentia meu ritmo acelerar; durante dois dias na semana, eu fazia curso de francês, começando às 19h ou 19h30. Me sentia um pouco mais nervoso e inquieto antes de entrar na sala de aula, sem saber definir o porquê. Sempre fui muito pontual em meus compromissos. Pela primeira vez, comecei a me atrasar nas aulas, parte voluntária parte involuntariamente, porque decidia terminar alguma tarefa no computador e não administrava o tempo corretamente. Por exemplo: queria terminar de uma vez uma resenha de jogo, ao invés de deixar para depois. Além disso, as aulas estavam “banais” (eu já estava no módulo avançado do curso e tinha bastante autonomia na língua; não aprendia nada essencial ou inédito via curso). Um dos professores era considerado imensamente tedioso pelos outros alunos (jovens de 18-20 anos da UnB), um verdadeiro robô que apenas seguia o livro didático ordeiramente. Mas fato é que hoje eu me considero um sujeito que “se atrasa” em encontros, ao invés de ser o que chega “demasiadamente cedo”, como até antes dessa época.

Uma briga com meu pai, em particular, em 2013, motivada pelo pouco caso que ele exibia sobre a situação traumática de eu sofrer assaltos, me deixou mal por uma semana; não foi o suficiente para me fazer deixar de freqüentar a academia nem deixar de executar meus hobbies, mas um grande sentimento de culpa tomou conta de mim por ter gritado em alto e bom som, numa festa de um primo dele, que ele tinha que morrer. Mesmo sabendo que seria merecido se acaso ele morresse. É como se eu acreditasse que estava moralmente impedido de “ir contra as regras da moral”, que meu corpo me puniria caso eu insistisse nessa volição homicida… Mas nunca fui injusto: a opinião que tenho dele é a mais correta. De qualquer forma, comecei a me sentir diferente, mais inseguro e intranqüilo, na véspera de ser convocado para o cargo público na CAPES (7 de maio de 2014, meu primeiro dia aqui). Desde então meu quadro reverteu à situação anterior, quando dava aula, e me ressubmeti ao tratamento, em outra(s) clínica(s).

Em resumo, porque o primeiro tratamento deu apenas parcialmente certo, mas sem que eu achasse que tenha sido pela qualidade dos profissionais que me atenderam, e porque eu não o segui até o final (recebi alta apenas do acompanhamento psicológico), é que eu considero que tive esse sonho agora. Me ressinto pelo meu primeiro psiquiatra ser um velho que não conseguia entender minhas angústias, e porque meus psicólogos de variadas vertentes não atacavam meus problemas fundamentais. A pior experiência do período foi quando meus pais foram chamados para uma sessão de psicodrama. Acho que o psicólogo se chamava Ivan. Pois bem, a sessão foi um fiasco completo; meu pai se descontrolou e eu voltei para casa bastante instável. A partir desse dia, não tolerava mais os métodos da clínica. Aquele dia deveria ter sido minha “formatura”, pois já estava implícito que minha alta estava próxima. Tinha avançado bastante e agora era preciso apenas “aparar as arestas” na relação com meu pai. Como nada do que pudesse ser feito por eles converteria o meu pai de suas convicções fossilizadas, me senti traído por todos, principalmente pelo psicólogo do psicodrama, que disse que “não há nada de errado com seu pai, ele é um homem bom, honesto, mas não enxerga algumas coisas”. Mas foi nesse dia do fiasco do psicodrama que finalmente disse para mim: não quero mais “descansar”. Quero estudar para concursos. Vamos ser pragmáticos! Procurei uma instituição para me matricular num curso. Creio que dali a 2 meses já estava estudando. E dali a 1 mês (em relação ao dia do psicodrama) já não freqüentava o hospital-dia. Por algum tempo (umas 3 semanas) ainda compareci às sextas-feiras para fazer a “transição” e terminar de me despedir dos pacientes, que afinal foram as pessoas com quem mais interagi depois de me demitir da escola. Ainda converso com uma enfermeira e uma psicóloga deste lugar (CAPP-Vida) pelo Facebook. Eu queria estar melhor do que estava, mas de certa forma já esperava por isso, porque nunca me sentira compreendido naquele lugar. Fiquei bem comigo mesmo, embora tivesse o pressentimento de que aquela serenidade seria efêmera e quando “o mundo” me atacasse com o mesmo vigor de antes eu voltaria a cair e me ver em maus lençóis.

0

0-12

Até onde eu sei, tive uma infância bastante saudável e resolvi satisfatoriamente o que psicanalistas chamariam de “Complexo de Édipo” da primeira infância, não sofrendo de uma incapacitação severa ou neurose delicada.

I

13-16:

conflitos: pai, socialidade, sexualidade, amadurecimento, vida escolar

soluções parciais (vestígios): mudança de escola, procura por outros amigos, auto-afirmação intelectual, conquista amorosa e primeiro sexo, procura de maior diálogo e intimidade com o sexo oposto, comportar-se adequadamente com base numa nova visão e consideração a longo prazo (para que sintam orgulho de mim e me tomem como um modelo a se seguir).

partes mais duras da crosta (contrapontos, resíduo negativo): bullying (Pedro e Pinguço – “você jamais seria um de nós, a panela headbanger, embora não seja um deles [os playboyzinhos da sala ou do colégio – SIGMA])”, autoestima afetada, saudade do colégio militar (considero a expulsão minha 1ª morte), desafio aos professores (devido a meu posto desprivilegiado, de mero aluno, jamais poderia ganhar), perda da belicosidade enquanto ferramenta vantajosa, a vulnerabilidade do amor (estresses e angústias anteriormente desconhecidos; vida fica mais “séria” a partir deste ponto); o número de hobbies cresce cada vez mais (início da construção da “bomba-relógio fatal” de quem quer coisas demais e tem pouco tempo para concretizá-las) – será?!?

II

17-19:

conflitos: pai, pós-sexualidade, amadurecimento, vida acadêmica, mercado de trabalho

soluções parciais (vestígios): eu não fazia o que meu pai queria que eu fizesse (tirar a carteira de motorista, cursar direito…, mas no fim eu me achava no lugar que queria [cursando jornalismo, que queria desde os 10, talvez 11 anos]); meu primeiro namoro acabou, e eu ainda a amava, mas eu sempre estava saindo com alguém ou me apaixonando por curtos períodos de tempo – o que me preocupava era não ter mais uma parceira fixa; eu me via me transformando em jornalista, mas sem a recompensa financeira por isso; veio a “crise”: devia abandonar o barco, queria estudar sociologia e ser professor. Quem sabe finalmente eu conseguisse “soltar a língua”, me recuperar da rigidez e ser mais espontâneo! Além disso, me livraria de um peso: meu pai não reclamaria das mensalidades do curso de jornalismo no CEUB.

partes mais duras da crosta (contrapontos, resíduo negativo): eu tinha pânico de ter de trabalhar durante o curso (queria tempo para me aperfeiçoar, para ler, para curtir), e meu pai falou no sentido de um ultimato: “a partir do quinto semestre você vai ter de me ajudar a pagar seu curso, arranjar um estágio”. Não é possível obter estágio no curso de jornalismo antes do quinto semestre. Mas eu havia feito 2 estágios logo no primeiro semestre; um deles não-remunerado, e o outro ilegal, até que a empresa foi obrigada a me desligar. Eu me sentia mal nesses lugares, preferia as aulas. Achei perda de tempo. Por isso, era muito importante passar no vestibular da UnB para não ser obrigado pelo meu pai a trabalhar (e o que é pior: sem vantagem financeira nenhuma, pois o dinheiro iria para os boletos do curso). Ou seja, eu não “estava mais onde queria”, tinha que dançar conforme a música do “mundo real”. Me adaptar. Uma vez na UnB, eu tinha um compromisso comigo mesmo de “me enxergar como um professor” tão rápido quanto possível.

(2022: O engraçado é que o ser mais desadaptado ao mundo que conheço é o EXIGENTE EX-PAI!)

III

20-22

conflitos: vida acadêmica, amadurecimento, socialidade

soluções parciais (vestígios): comecei a me entrincheirar, para não me sentir desconfortável em relações com colegas que eu não desejasse ter; meus semestres letivos eram inteiramente dedicados ao curso. Lia todos os textos das disciplinas. Nas férias, procurava textos complementares que via nas ementas, ou investigava assuntos do meu interesse, como filosofia, leituras recomendadas na época do jornalismo, etc. Não havia tempo para mais nada (meus hobbies, como resenhar jogos, escrever um livro de ficção, esse tipo de coisa – talvez a única exceção fossem “descobertas musicais”, que fazia com prazer e alívio). (2022:) De certa forma foi, até hoje, o momento “mais ocupado” de minha vida.

partes mais duras da crosta (contrapontos, resíduo negativo): Me senti um solitário, cada vez mais “pesado”. Nunca era maduro o suficiente, por mais que crescesse muito como escritor e pensador. Nenhum professor morria de paixões por mim ou me enxergava como um gênio ou talento promissor, coisas que eu fantasiei que aconteceriam antes do curso começar. Deixei inteiramente de lado o campo amoroso.

IV

23-26

(fase tratada acima, no prólogo com a ajuda da descrição do sonho)

V

27-presente

conflitos: socialidade, sintomas físicos (somatização), administração do tempo, pais

soluções parciais (vestígios): aberto a novas amizades, vou, no entanto, conforme me desapontam, me fechando cada vez mais, como que por reflexo, como se fosse uma planta carnívora competente (automática, sem liberdade). Toda a soma das minhas angústias, não encontrando escapatória, nem se esgotando psiquicamente, começou a afetar meu físico de “n” maneiras. Trabalhar 8h por dia é tão ruim quanto sempre me falaram minha vida inteira, e me sinto um zumbi durante boa parte da semana. O jeito é me concentrar nas leituras por quanto tempo eu puder, dentro ou fora do trabalho, é claro. Até mesmo a dor física parece nos dar uma trégua durante nossas horas de concentração em problemas “auto-propostos” e de uma esfera mais alta e abstrata do que as “coisas mundanas”. Voltei a assumir hobbies antigos como os reviews de jogos e interesses literários extra-acadêmicos. Na verdade, iniciei publicamente minha carreira de escritor. Voltei a ter uma parceira fixa, “sonho” antigo. Ou seja, diferentemente do que pensava, não estava morto para o amor.

partes mais duras da crosta (contrapontos, resíduo negativo): Me sinto um solitário, ora mais leve, ora mais pesado. Sou até mais maduro do que deveria ser. Se eu pudesse ser tão acéfalo quanto alguns “respeitáveis pais de família” que conheço, isso redundaria em prazer e qualidade de vida. O acúmulo dos meus hobbies e a insatisfação com o ritmo dos trabalhos, tendo em vista que o cronograma de um trabalhador em tempo integral é apertado, me frustra continuamente. Ler e escrever virou praticamente uma compulsão, um mantra, um sine qua non. Eu não chamaria de uma atividade satisfatória, mas apenas catártica: pelo menos serve de substituto para um rivotril de vez em quando. Mas é “tudo que tenho”. Cada vez mais a coexistência com meus pais me oprime. Todo o amadurecimento que acumulei neste tempo terá sido em vão se não puder “exercê-lo” de fato, “voando” sozinho (ou com uma parceira, no caso).

O paciente queixava-se do vazio das suas experiências. Mas quando eu lhe apontava o mesmo vazio na essência das suas comunicações, na sua frieza, na sua natureza grandiloqüente ou hipócrita, ele se enfurecia. Ele percebia o sintoma — uma dor de cabeça ou um tique — como algo estranho. Mas o seu caráter era ele próprio. Perturbava-se quando lhe apontava isso. O que é que impedia uma pessoa de perceber a sua própria personalidade? Afinal, a personalidade é o que a pessoa é! Gradualmente comecei a entender que é o ser total que constitui a massa compacta e obstinada que obstrui todos os esforços de análise.” “a tendência destrutiva cravada no caráter não é senão a cólera que o indivíduo sente por causa da sua frustração na vida e da sua falta de satisfação sexual. (…) O desejo de destruir é apenas a reação ao desapontamento amoroso ou à perda do amor.” “Em suma, o amor contrariado causa angústia. Igualmente, a agressão inibida causa angústia; e a angústia inibe as exigências do ódio e do amor.” “a pessoa orgasticamente insatisfeita desenvolve um caráter artificial e um medo às reações espontâneas da vida; e assim, também, um medo de perceber as suas próprias sensações vegetativas.” “Traços de caráter como <complexo de inferioridade> ou <ambição de poder> são apenas manifestações superficiais do processo de <encouraçamento>, no sentido biológico da inibição vegetativa do funcionamento vital.”

Quanto à necessidade inconsciente de punição, não tinha nenhuma utilidade terapêutica; pois, se há um instinto biológico profundamente enraizado de permanecer doente e de sofrer, então a terapia nada pode fazer!”

Muitos analistas desorientavam-se por causa da desolação reinante no campo da terapia. Stekel não quis trabalhar sobre a resistência psíquica à revelação da matéria inconsciente, preferindo <atirar contra o inconsciente com interpretações>. Essa prática ainda é seguida por muitos psicanalistas desorientados. Era uma situação desesperada.”

STEKEL, Wilhelm – Nietzsche und Wagner, eine sexualpsychologische Studie zur Psychogenese des Freundschaftsgefühles und des Freundschaftsverrates, [Nietzsche e Wagner: Um estudo sexual-psicológico sobre a psicogênese dos sentimentos e rompimentos de amizade], 1917. In: Artigo em jornal alemão de Sexologia.

Jung generalizou a tal ponto o conceito de libido que este perdeu completamente a sua significação de energia sexual. Acabou no <inconsciente coletivo> e com isso no misticismo, que mais tarde representou oficialmente como nacional-socialista.”

digam aos pacientes que tenham relações sexuais, se vivem em abstinência; que se masturbem, e tudo irá bem! Era assim que os analistas tentavam interpretar — mal — a minha teoria da genitalidade. De fato, isso era precisamente o que muitos médicos e psiquiatras estavam dizendo aos seus pacientes naquele tempo.”

No meu trabalho clínico, nunca encontrei um instinto primário correspondendo à sexualidade ou à fome. Todas as manifestações que poderiam ser interpretadas como <instinto de morte> provaram ser produtos da neurose. Assim, por exemplo, ocorria no suicídio, que era ou uma ação inconsciente contra outra pessoa — com a qual o indivíduo se identificava —, ou ação para escapar do enorme desprazer causado por uma situação de vida extremamente difícil.” “o medo da morte e de morrer equivale a uma inconsciente angústia de orgasmo, e o suposto instinto da morte, o desejo de desintegração, de inexistência é o desejo inconsciente da solução orgástica da tensão.”

Agressão, no sentido estrito da palavra, não tem nada que ver com sadismo ou com destruição. A palavra significa <aproximação>. Toda manifestação positiva da vida é agressiva: o ato do prazer sexual assim como o ato de ódio destrutivo, o ato sádico assim como o ato de procurar alimento. Agressão é a expressão de vida da musculatura e do sistema de movimento. (*) A avaliação da agressão tem enorme importância para a educação das crianças. Grande parte da inibição da agressão que as nossas crianças têm de suportar, em seu próprio detrimento, é o resultado da identificação de <agressivo> com <mau> ou com <sexual> (*). Agressão é sempre uma tentativa de prover os meios para a satisfação de uma necessidade vital. (**) Assim, a agressão não é um instinto, no sentido estrito da palavra; consiste mais no meio indispensável de satisfação de todo impulso instintivo. Este último é essencialmente agressivo porque a tensão exige satisfação. Conseqüentemente, há uma agressividade destrutiva, uma sádica, uma locomotora e uma sexual.”

(*) “Você ainda tem que aprender muito na vida pra deixar de ser arrogante!” Desaprender a ética dos humilhados. Ser grande não significa ser presunçoso. Para cortar a ínfima parte com larvas do fruto, os “educadores” de nosso tempo despejam safras inteiras nos esgotos!

(**) depressive-agressive

a perversão denominada <sadismo> é uma mistura de impulsos sexuais primários e de impulsos destrutivos secundários. Não existe em nenhum outro lugar do reino animal — e é uma característica do homem, adquirida em um período tardio do seu desenvolvimento; um impulso secundário.”

toda supressão dos impulsos sexuais provoca ódio, agressividade não-dirigida (i.e., inquietação motora sem um objetivo racional), e tendências destrutivas.”

Toda conversão de uma neurose compulsiva em histeria era acompanhada de uma redução de ódio. Perversões ou fantasias sádicas no ato sexual diminuíam na medida em que a satisfação aumentava. Essas observações nos permitem entender o aumento dos conflitos conjugais quando a atração sexual e a satisfação diminuem; permitem-nos também entender o desaparecimento da brutalidade conjugal quando aparece outro companheiro de satisfação. Investiguei o comportamento dos animais selvagens e verifiquei que são inofensivos quando bem-alimentados e sexualmente satisfeitos. [não está exagerando?] Os touros só são selvagens e perigosos quando levados para junto da vaca; não, porém, quando levados de volta. Cães acorrentados são muito perigosos porque a sua atividade motora e a sua satisfação sexual são impedidas. Acabei por entender os traços brutais de caráter que se manifestam em condições de insatisfação sexual crônica. Pude observar este fenômeno em solteironas malevolentes e em moralistas ascéticos. Em compensação, pessoas capazes de obter satisfação sexual são visivelmente amáveis e boas. Uma pessoa capaz de sentir a satisfação sexual nunca é sádica. Se uma dessas pessoas se tornasse sádica, poder-se-ia presumir com segurança que uma perturbação súbita havia impedido a satisfação habitual. Isso também se observou no comportamento de mulheres que estavam na menopausa. Há mulheres que, na idade crítica, não apresentam traços de maldade ou ódio irracional, e outras que desenvolvem características de ódio na medida em que ainda não as haviam desenvolvido. Não pode haver dúvidas de que a diferença no comportamento se deve à sua experiência genital anterior. O segundo tipo se constitui de mulheres que nunca tiveram uma relação amorosa satisfatória e lamentam agora essa falha, sentindo consciente ou inconscientemente as conseqüências da estase sexual. Cheias de ódio e de inveja, tornam-se os mais violentos oponentes de qualquer forma de progresso.” “Assim, quanto à técnica, era necessário encontrar os mecanismos que inibiam as reações de ódio a fim de liberar a energia encravada.”

As crises apareciam sempre que ia ter relações sexuais com o marido, ou quando namoriscava alguém e começava a ficar excitada. Nessas ocasiões, sofria de dispnéia aguda [dificuldade de respirar e desconforto generalizado], da qual só melhorava com o uso de drogas anti-espasmódicas. A vagina era hipestésica [insensível ao toque]. A garganta, pelo contrário, hipersensível. Inconscientemente, sofria de fortes impulsos — dirigidos à mãe — de morder e de sugar. (…) A fantasia de um pênis transpassado na garganta manifestava-se claramente nos seus sonhos e ações. Quando as fantasias se tornaram conscientes, a asma desapareceu pela primeira vez. Mas foi substituída por excitações intestinais vagotônicas agudas [tensão do nervo vagal] em forma de diarréia. Esta alternava com uma constipação simpaticotônica [hipertensão arterial e taquicardia decorrente de alteração mórbida no sistema nervoso simpático]. (…) A fantasia do pênis na garganta cedeu lugar à fantasia de <ter um bebê no estômago, e de ter que vomitá-lo fora>. (…) Temia uma crise de diarréia durante a cópula. (…) Os intervalos entre as recaídas se tornaram mais longos. Isso continuou por vários meses. A asma desaparecia com cada progresso em direção à excitação vaginal, e reaparecia com cada deslocamento da excitação para os órgãos respiratórios. A oscilação da excitação sexual entre a garganta e a região pélvica era acompanhada das correspondentes fantasias da sexualidade oral e genital infantis. (…) Depois que esse medo foi superado, foi tomada pela angústia de que se desintegraria ou estouraria por causa da excitação.”

Nos homens a sensação da ejaculação esconde freqüentemente a angústia de orgasmo. Nas mulheres, a angústia de orgasmo aparece na sua forma pura. As suas mais freqüentes angústias são de sujar-se durante a excitação, de deixar escapar um flato, ou de urinar involuntariamente.” “As mulheres reagem de formas diferentes à angústia de orgasmo. A maior parte delas conserva o corpo imóvel, sempre meio conscientes da atividade sexual. Outras movem o corpo de maneira muito exagerada, porque o movimento delicado produz uma excitação muito grande. As pernas se conservam juntas. A região pélvica é puxada para trás. Como forma de inibir a sensação orgástica, sempre prendem a respiração. Muito estranhamente, não percebi isso até 1935.”

Se o paciente sofre de um medo hipocondríaco de catástrofe, então toda excitação forte é bloqueada. (…) Assim, é necessário <não perder a cabeça>: é necessário estar constantemente <em guarda>. É necessário <estar alerta>. Essa atitude de vigilância se expressa na fronte e nas pálpebras.” “As neuroses compulsivas caracterizam-se por uma abstinência ascética, rígida e bem racionalizada.”

P. 86: Pelo que pude entender, A Função do Orgasmo nasceu como um artigo ou livreto. O autor trata metalingüisticamente da obra na obra, isto é, fala acerca dela em terceira pessoa; basta lembrarmos que esta é a nona edição, muito posterior à data das primeiras descobertas de Reich sobre o binômio neurose-sexualidade [a posteriori: A Função do Orgasmo é só a primeira das duas partes da obra-maior A Descoberta do Orgone – créditos ao Dimitri]: “Os principais aspectos das minhas descobertas clínicas foram apresentados no meu livro Die Funktion des Orgasmus. Dei o manuscrito a F. no seu apartamento, no dia 6 de maio de 1926; o trabalho lhe fôra dedicado. Pareceu meio aborrecido ao ler o título. Olhou o manuscrito, hesitou por um momento e disse como se estivesse agitado: <Tão grosso?> [em qual sentido?] Não me senti muito à vontade. A sua reação não fôra racional. Era muito polido e normalmente não teria feito uma observação tão cortante. Antes, Freud costumava ler todo manuscrito em poucos dias, fazendo então seu comentário por escrito [tão dissimuladamente quanto Adorno?]. Agora, mais de dois meses se passaram, antes que eu recebesse a sua carta.” “Você mesmo não consegue explicar alguns dos sintomas mais característicos, e toda a sua idéia do deslocamento da libido genital ainda não está muito boa para mim. Entretanto, espero que continue a estudar o problema e chegue, finalmente, a uma solução satisfatória…” Tertuliano, se quisesse ser academicamente universal, devia ter também escrito um panegírico da Humildade.

Em 1928, foi publicado no jornal psicanalítico o primeiro ensaio sobre o tema [de Análise do Caráter], com o título de <Técnica de Interpretação e Análise das Resistências>. No fim do ano, revi o ensaio e o apresentei ao seminário de técnica. Foi o primeiro dos inúmeros artigos que nos cinco anos seguintes foram compondo o mencionado livro. Deveria ser publicado pela imprensa psicanalítica. Estava justamente lendo as segundas provas tipográficas, quando a comissão executiva da Associação Psicanalítica Internacional decidiu não permitir que o livro saísse com a sua chancela. Hitler acabava de assumir o poder.

princípio de coerência desenvolveu-se com base nos erros típicos da análise convencional, chamada ortodoxa. Esta seguia a regra de interpretar o material na mesma seqüência em que o paciente o oferecia, sem considerar a estratificação e a profundidade. Sugeri que as resistências fossem tratadas sistematicamente, começando-se com a que estivesse mais próxima da superfície psíquica e tivesse particular importância imediata. A neurose devia ser combatida de uma posição segura. Toda quantidade de energia psíquica liberada pela dissolução das funções de defesa deveria reforçar as exigências instintivas inconscientes e, dessa forma, torná-las mais acessíveis. Uma remoção sistemática dos estratos da couraça do caráter deveria levar em conta a estratificação dos mecanismos neuróticos. Interpretações diretas da matéria instintiva inconsciente podiam apenas romper esse trabalho, e assim deviam ser evitadas. O paciente devia primeiro entrar em contato consigo mesmo antes de poder compreender as relações dos seus diversos mecanismos neuróticos. Enquanto a couraça funcionasse, o paciente podia, no máximo, conseguir uma compreensão intelectual da sua situação. De acordo com a experiência, isso tinha um efeito terapêutico secundário.

Desconhecia a caducidade do método de associação livre antes de ler este livro: “Como a couraça limita o paciente, é claro que a sua inabilidade para expressar-se faz parte da enfermidade. Não é má vontade, como pensavam muitos analistas. A solução correta do encouraçamento psíquico rígido deve levar finalmente à relaxação da angústia. Liberada a angústia estásica, têm-se todas as possibilidades de estabelecer uma energia que flua livremente e, em combinação com ela, a potência genital.”

Já sabia que o como, a forma do comportamento e das comunicações, era muito mais importante do que o quê o paciente dizia ao analista. As palavras podem mentir. A expressão nunca mente. Embora as pessoas não tenham consciência disso, a expressão é a manifestação imediata do caráter [lição primeiro aprendida com a Tharsila]. Aprendi, com o tempo, a compreender a forma das próprias comunicações como expressões diretas do inconsciente [cavar, cavar e cavar… nada ainda!]. A necessidade de convencer e de persuadir o paciente diminuiu em importância e logo se tornou supérflua [“pense sobre isso… ou não” – V.H.]. O que quer que o paciente não entendesse espontânea e automaticamente não tinha nenhum valor terapêutico. Atitudes de caráter tinham de ser entendidas espontaneamente. A compreensão intelectual do inconsciente era substituída pela percepção imediata do paciente da sua própria expressão. Deixei de empregar a terminologia psicanalítica com os meus pacientes. Isso, por si mesmo, afastava a possibilidade de esconderem um sentimento atrás de uma palavra. O paciente não falava mais do seu ódio: sentia-o.

As transferências de amor e de ódio para o analista perderam o seu caráter mais ou menos acadêmico. Uma coisa é falar sobre o erotismo anal da própria infância, ou lembrar-se de que um dia foi sentido; muito diferente é experimentá-lo durante a sessão como uma necessidade real de expelir um flato e ter, até, que ceder à necessidade.”

Muitas regras psicanalíticas tinham um caráter inerente e forte de tabu, que apenas reforçava os tabus neuróticos do paciente no campo sexual. Assim, por exemplo, a regra era que o analista não devia ser visto — mas deveria permanecer, por assim dizer, como uma folha branca de papel, na qual o paciente inscreveria as suas transferências. Esse procedimento não eliminava, antes reforçava, o sentimento do paciente, de estar lidando com um ser <invisível>, inatingível e sobre-humano, i.e., em termos de um modo de pensar infantil, com um ser assexuado. Assim, como podia o paciente superar a timidez que se encontrava na raiz da sua enfermidade? Tratado dessa forma, tudo o que pertencia à sexualidade permanecia como diabólico e proibido, como algo que devia ser <condenado> ou <sublimado>, a qualquer preço.” “Não considerava curado nenhum paciente que não pudesse, pelo menos, masturbar-se livre de sentimentos de culpa. Atribuía a maior importância à supervisão da vida sexual genital do paciente, durante o tratamento. (Espero que se entenda que isso não tem nada que ver com a teoria de masturbação praticada por alguns analistas.)”

por mais ampla e multiforme que a minha prática tenha sido, não tive um só caso de suicídio. Foi só muito mais tarde que cheguei a entender os casos de suicídio que ocorriam durante o tratamento. Os pacientes cometiam suicídio quando a sua energia sexual fôra excitada mas era impedida de conseguir uma descarga adequada.”

Era claro que os impulsos anti-sociais que enchem o inconsciente são viciosos e perigosos apenas enquanto está bloqueada a descarga de energia biológica por meio da sexualidade. Se este é o caso, há apenas, basicamente, três saídas patológicas: impulsividade autodestrutiva desenfreada (vício, alcoolismo, crime causado por sentimentos de culpa, impulsividade psicopata, assassínio sexual, violação de crianças, etc.); neuroses de caráter por inibição dos instintos (neurose compulsiva, histeria de angústia, histeria de conversão); e psicoses funcionais (esquizofrenia, paranóia, melancolia ou insanidade maníaco-depressiva). Estou omitindo os mecanismos neuróticos operantes na política, na guerra, no casamento, na educação das crianças, etc.”

NO DIVÃ…

– Quê que tá pegando, bicho?

– Faço a menor Idéia, meu!

– Jocasta, talvez?

– Não, ela ocupa a posição passiva…

– Disso eu entendo, afinal sou um anal-ista…

– He-he [forçada]

– Parabéns!

– Pelo quê?!

– Meu intuito nesta sessão era arrancar-lhe inconscientemente este seu desejo latente de rir de uma fria piada instrumental, de um jogo de linguagem [ba]c(a[na-l]. Isso fará de você, a médio prazo, um analisando menos banana!…

– Como pode ser tão cruel, Senhor Doutor?! Me comparando a um objeto passivo, devorado o tempo todo por macacos, o Pai do Homem!

– Isso porque eu não mencionei que se tratava de uma Banana Nanica!…

– Dizem que banana dá muito, em todas as estações do ano…

– Seja no litoral, seja no interior…

– Mas, desconversando, do que você chamaria o Popeye?!

– Agora o piadista é você?

– Ainda não está na pista?

– Eu diria que é um belo dum Freudiano clássico… Que se revela mormente nos sonhos…

– Por quê? Why? Cause then you pop ‘n eye?

– Porque ele tem PULSÃO!

– De vida ou de morte?

– Ora essa, de vida, pois o espinafre é verde e germina, como machão que é… Agora você paga!

– Como assim?

– É, como eu disse, é uma pulsão devida… Eu te dou motivos para continuar vivo, e fermento o fluxo de caixa em sua carteira…

Não entendia como é que o tenaz processo neurótico podia ceder tão rapidamente. Não desapareciam apenas os sintomas de angústia neurótica: mudava toda a personalidade do paciente. Eu não conseguia explicá-lo teoricamente.” “A atitude em relação ao trabalho mudou. Se, até então, haviam trabalhado mecanicamente, sem demonstrar nenhum interesse real, considerando trabalho como um mal necessário que uma pessoa assume sem pensar muito, agora se tornavam judiciosos. Se as perturbações neuróticas os haviam impedido antes de trabalhar, agora eram impelidos por uma necessidade de entregar-se a algum trabalho prático, pelo qual pudessem ter um interesse pessoal. Se o trabalho realizado era capaz de absorver os seus interesses, floresciam. Se, porém, era de natureza mecânica, como o do empregado de escritório, o do homem de negócios ou o do funcionário medíocre, então se tornava um peso quase intolerável.” “Em outros casos, houve completo abandono do trabalho quando o paciente se tornou capaz de obter a satisfação genital. Isso parecia confirmar as advertências mal-intencionadas do mundo, de que a sexualidade deixou de ser alarmante. Ficou claro que os últimos eram pacientes que, até então, haviam realizado o seu trabalho com base em um senso compulsivo do dever, à custa dos desejos íntimos a que haviam renunciado; desejos que não eram absolutamente anti-sociais, muito pelo contrário. Uma pessoa que se sentisse mais capacitada para ser um escritor e se empregasse em um escritório de advogado precisaria reunir toda a sua energia para dominar a sua revolta e suprimir os seus impulsos sãos.” “Os pacientes mais difíceis eram os que estavam estudando para o sacerdócio. Inevitavelmente, havia profundo conflito entre a sexualidade e a prática da sua profissão. Resolvi não aceitar mais sacerdotes como pacientes.”

Conservamos todas as utopias de nossa história pessoal. A nossa utosfera ou redetopia ou biotopia.

O jovem ficaria cada vez mais emaranhado em uma situação difícil. Não apenas se absteria da possibilidade da satisfação instintiva, mas se negaria também a possibilidade de procurar outro objeto. (*) Uma neurose para ambos resultaria necessariamente. Permaneceria a lacuna entre a moralidade e o instinto. Ou o instinto se expressaria de uma forma disfarçada ou corrompida. O jovem poderia, facilmente, desenvolver fantasias compulsivas de violação, impulsos de violação real, ou as características de uma dupla moralidade. (**) Freqüentaria prostitutas e correria o risco de adquirir uma doença venérea. Não haveria nenhuma possibilidade de harmonia interior. De um ângulo puramente social, o resultado não poderia ser mais desastroso, nem a <moralidade>, como quer que seja, teria sido satisfeita.”

(*) COMO DESTRUIR O VELHO MUNDO COM O MARTELO – COMECE POR SI MESMO: Um segundo tudo bem, mas um terceiro? Curso de graduação, a mulher perfeita, o melhor amigo… Um terceiro pai, um terceiro olho, terceiro gênero, terceiro membro colateral?! Um terceiro comprimento de cabelo? Uma série infinita de concursos cada vez mais bem-remunerados? Uma semiótica cada vez mais desnudadora? Temos um limite. Mesmo as brincadeiras atualizáveis da infância (videogame) se cristalizaram e são impedidas no mundo real. Gostam de ser revividas apenas esterilmente, em mil labirintos oníricos. Zum zaravalho… 1, 2, 3, COLÉGIO!!!

(**) Se eu fosse um monge, seria devasso. Se eu fosse mau, eu seria um bom homem.

título LIVRO: CALIGRAFIA DISCURSIVA

A auto-regulagem segue as leis naturais do prazer; não apenas é compatível com os instintos naturais: é, funcionalmente, idêntica a eles.” “A estrutura psíquica moralista abertamente adere às rígidas leis do mundo moralista; exteriormente adapta-se a elas; e interiormente revolta-se [Não seria esse o comportamento mais natural, em vez de anti-natural? O raciocínio silogístico de Reich parece não percebê-lo. Se se revolta, não é moralista. É uma mulher de César por necessidade.]. Uma pessoa com semelhante estrutura [Inata? Curável?] está constantemente à mercê de inclinações anti-sociais [A sociedade é moralista ou natural? A moral não é uma segunda natureza?] — de natureza tanto compulsiva como impulsiva. A pessoa com uma estrutura auto-regulada e sã não se adapta à parte irracional do mundo; insiste na satisfação dos seus direitos naturais. Parece doente e anti-social [Reich apenas se enrola na prosa, mas começamos a entender o que ele pretende afirmar] aos [olhos dos] moralistas neuróticos. Na realidade, é incapaz de praticar ações anti-sociais. Desenvolve uma autoconfiança natural, baseada na sua [pre]potência sexual[, diria uma Thaís]. Uma estrutura moralista caminha sempre de mãos dadas com uma potência fraca, e a pessoa é constantemente forçada a procurar compensações, i.e., a desenvolver uma autoconfiança artificial e afetada [Vanigracismo]. A felicidade sexual [contradição em termos] dos outros lhe desperta o mau humor [dilema/trampa/doublebind: estaria eu me disfarçando de auto-regulado, ou apenas estagiando no inferno do moralismo, perdido e desorientado?], porque se sente excitado por ela mas é incapaz de gozá-la. Essencialmente, empenha-se na relação sexual apenas para provar a sua potência [U*****]. Para a pessoa que tem uma estrutura genital [auto-regulada], a sexualidade é uma experiência de prazer, e nada mais. O trabalho (*) é uma atividade agradável e uma realização [salto complicado]. Para o indivíduo moralistamente estruturado, o trabalho é um dever cansativo, ou apenas uma necessidade material [que trabalho, cara pálida?].

(*) Critério de decisão: expediente burocrático ou período de criação e investigação artístico-filosóficas??

A pessoa que tem uma estrutura moralista [minha cobaia: A******] tem de desenvolver uma couraça que restringe e controla automaticamente todas as ações e funções, e independe de situações exteriores [exemplo concreto: Sempre considerou repulsivo que eu tivesse hábitos que os outros considerariam excêntricos, isto é, fazer listas de objetivos a curto ou médio ou longo prazo, expressar sentimentos ou exprimir-me poeticamente sobre laços de amizade originados na infância (episódio do Orkut). Hoje em dia, caso ainda conservasse contato comigo, ou, abstraindo, se pudéssemos divisar sua rotina na Valec, poderíamos intuir a continuidade desse quadro: A CREDIT TO DEMENTIA: <Qual o nexo de você perder seu tempo manuscrevendo ou digitando essas coisas no horário de almoço ou mesmo enquanto está vago no trabalho? Qual o sentido de ler esses caras? O que você GANHA com isso tudo?!? Pior: por que problematizar, racionalizar, sobre o que eu falo, essa sua própria condição anormal? Mire-me e inspire-se, eu sou o sucesso, o ~padrãozinho~ de nascença. Todas as doenças psicossociais passam por mim resvalando, no máximo de raspão, é isso mesmo, graças a minha condição exuberante desde o berço. Esse é o mito que NÓS nos criamos, percebe? Lembra-se? FRATURA EXPOSTA NOS SEUS SONHOS. Você não me ligou no dia do meu último aniversário porque afinal nós nascemos juntos. Prova disso é que eu me sinto em sintonia com os outros, fazendo o que todo mundo faz, ganho mais que você, tenho o carro do ano e não estou em crise com isso. Moro bem, sou bem-casado… Você só anda com malucos, não sabe nem dirigir, e tenho certeza que é um socialista! Ainda escuta heavy metal e deixa o cabelo e a barba crescerem, como se adolescente sujismundo fosse… Não sabe jogar bola, está acima do peso e fala mal dos outros pelas costas. Tenho pena de você! Inclusive esse eu imaginário que você trata de, realisticamente, que seja!, dotar de vida e incrustar no seu blog, em palavras, é a manifestação literal da sua patologia, a obra de uma mente insana e insanável! Eu, eu sou a prova, que você testemunha de 4 em 4 anos em época de Copa! Você no espelho gostaria de ser-me! Será que eu sei disso, Rafael? Seu sonho é me usar para um dia vender seus livros, eu rendo discursos. Pois bem, bolsominions são vendáveis! E tem mais: enquanto você digita, teima em achar que está sendo observado e julgado! Mas ninguém liga para o que você faz nesse computador o dia todo, simplesmente… Não poderia ser mais curto, ferino e grosso… Por que eu sou tão importante para VOCÊ VOCÊ VOCÊ?!?!?!?! My mother once said: you need Morals, you need Christian Morals, to survive and educate children in this world…You need my Son always in your unconscious, you need to be an A.A.V II’s Dad! Otherwise, it won’t work, I’m predicting, I’m prophesying> — Affectionately, Sphinx].”

DIREITO DE RESPOSTA AUTODADO: – É verdade, eu só queria um mundo em que ainda pudéssemos ser melhores amigos, em que você existisse e eu também (por incrível que pareça nem 2 desses 3 fatores podem coexistir… Se você existe e é meu amigo, eu não existo como tal; se eu e você existimos, não somos amigos como tais; se eu existo e sou seu amigo, você não é isso que você é, a negação mais positivada da carne que eu jamais testemunhei!

A regulagem moralista não pode ser destruída a menos que seja substituída por algo diferente, e melhor.”

Desempenho reativo do trabalho: O trabalho é executado de modo mecânico, forçado e maçante; enfraquece os desejos sexuais e é diametralmente oposto a eles. Só pequenas quantidades da energia biológica podem ser descarregadas na sua execução. O trabalho é essencialmente desagradável. As fantasias sexuais são fortes e interrompem o trabalho. Por isso, têm de ser reprimidas, criando mecanismos neuróticos, que reduzem ainda mais a capacidade para o trabalho. A redução do rendimento de trabalho sobrecarrega todo impulso amoroso com sentimentos de culpa. A auto-confiança é enfraquecida. Isso acarreta fantasias neuróticas compensatórias de grandeza.”

R. – The Sexual Revolution

Essas reuniões mensais na casa de Freud eram abertas apenas aos titulares da Sociedade Psicanalítica. Todos sabiam que se diziam palavras da maior importância e que se tomavam importantes decisões. Era preciso considerar cuidadosamente o que se dizia. A psicanálise tornara-se um movimento muito controvertido, de âmbito mundial. A responsabilidade era enorme, mas não era do meu feitio fugir parodiando a verdade: devia apresentar o problema exatamente como era, ou calar-me. A última hipótese já não era possível. O meu trabalho político-sexual adquirira autonomia”

O que é que se deve fazer quando a mulher, apesar de um desejo consciente, tem a vagina seca?” “Por que é que os homens gostam tanto de conversar entre eles sobre as suas relações com as mulheres?” “O ato sexual entre irmão e irmã é punido na União Soviética?” “Um operário estava casado com uma mulher gravemente doente que, havia anos, não podia deixar o leito. Tinham três crianças pequenas e uma filha de 18 anos. A moça tomou o lugar da mãe, cuidava das crianças e do pai. Não havia problemas. Dormia com o pai. Tudo ia muito bem. Ela continuava a tomar conta da família, a cozinhar, a cuidar da casa. O pai trabalhava e cuidava da mulher doente. A filha era boa para os irmãos menores. O povo começou a murmurar. A polícia de costumes foi chamada. O pai foi detido, acusado de incesto e jogado à prisão. As crianças foram postas no asilo. A família desabou. A filha teve de empregar-se como criada em uma casa estranha. Por quê?” “O que é que se deve fazer quando se quer ter uma relação sexual e há outras pessoas dormindo no mesmo quarto?” “O meu filho tem 3 anos e vive brincando com o pênis. Tento puni-lo, mas não adianta. Faz mal?” “Eu me masturbo todos os dias — casualmente três vezes no mesmo dia. É prejudicial à minha saúde?” “Zimmermann – um inovador suíço – diz que, para evitar a gravidez, o homem deve impedir a ejaculação não se movendo dentro da mulher. É verdade? Dói!” “Qual deve ser o relacionamento entre meninos e meninas em um acampamento de férias?” “A leucorréia [corrimento vulvovaginal esbranquiçado] é causada pela masturbação?”

Nesses serões, dedicados à discussão da profilaxia das neuroses e à questão da cultura, Freud a princípio exprimia claramente as opiniões que haviam sido publicadas em Civilization and its Discontents, em 1931 e que muitas vezes estavam em evidente desacordo com a posição assumida por ele em The Future of an Illusion.”O Mal-Estar na Civilização/Modernidade como reação freudiana a Reich.

A neurose é uma epidemia que age debaixo da superfície. A humanidade, como um todo, está psiquicamente enferma.” Problema infinito “Segundo os dados estatísticos que eu havia compilado em diversas organizações e grupos de jovens, podia demonstrar-se que não menos de 60 e até 80% dessas pessoas eram afligidas por graves moléstias neuróticas. E é preciso ter em mente que essas cifras representam apenas os sintomas neuróticos conscientes; não incluem as neuroses de caráter, das quais os membros dessas organizações não suspeitam.” “em reuniões de sociedades fechadas (por exemplo: organizações de livres pensadores, grupos de estudantes e de operários, todos os tipos de grupos jovens politicamente orientados, etc.), que não tinham nenhuma atração para os neuróticos, a percentagem de neuroses sintomáticas era apenas, em média, 10% mais baixa que a das reuniões abertas. Nos 6 centros de orientação que estavam sob a minha supervisão, em Viena, uns 70% dos que vinham em busca de ajuda e de conselho precisavam de tratamento psicanalítico. Apenas uns 30%, homens e mulheres que sofriam de neuroses estásicas de tipo médio, podiam ser ajudados por meio de orientação e ajuda social.”

qual é, na vida, o destino posterior dessas pessoas sãs? Não terão uma vida fácil: isso é certo. Entretanto, sem a ajuda da <organoterapia espontânea da neurose> (emprego a expressão para designar a solução orgástica das tensões), superam o laço patológico que as liga à família, e também os efeitos da miséria sexual da sociedade.”

O flagelo maciço das neuroses é produzido em três estágios principais da vida humana: na primeira infância, através da atmosfera de um lar neurótico; na puberdade, e finalmente no casamento compulsivo, na sua concepção estritamente moralista.”

Adolescentes que encontram o seu caminho dentro da verdadeira vida da sexualidade e do trabalho, rompem o laço que os ligava aos pais, e que fôra adquirido na infância. Os outros, seriamente afetados pela frustração específica determinada pela inibição sexual, regridem mais que nunca para a situação de infância. É por essa razão que a maior parte das neuroses e psicoses se desenvolve na puberdade.”

Age-se com hipocrisia quando se permite legalmente a um, ou uma, adolescente que se case na véspera do seu 16º aniversário — proclamando assim que as relações sexuais não são nocivas nesse caso — ao passo que, ao mesmo tempo, se exige o <ascetismo até o dia do casamento>, mesmo que este não se possa realizar antes que o homem, ou a mulher, tenha os seus 30.”

A rebelião típica dos adolescentes contra o lar paterno não é uma manifestação neurótica da puberdade, mas uma preparação para a função social que esses jovens terão de desempenhar mais tarde, como adultos. Eles têm de lutar pela sua própria capacidade e pelo seu progresso.”

A saúde psíquica se caracteriza não pela teoria do Nirvana dos iogues e budistas, nem pelo hedonismo dos epicuristas (*) ou pela renúncia do monasticismo; caracteriza-se pela alternância entre a luta desagradável e a felicidade, entre o erro e a verdade, entre a derivação e a volta ao rumo, entre o ódio racional e o amor racional; em suma, pelo fato de se estar plenamente vivo em todas as situações da vida.

(*) A expressão emprega-se aqui no seu sentido vernacular. Na verdade, Epicuro e a sua escola não têm, além do nome, nada em comum com a chamada filosofia epicurista da vida. A filosofia natural séria de Epicuro foi mal-entendida pelas massas semi-educadas e não-educadas como defensora da satisfação dos impulsos secundários. Não há como evitar essas falsificações de idéias verdadeiras. A economia sexual é traída pelo mesmo fato — pelos que sofrem da angústia de prazer, por uma ciência que teme a sexualidade.”

A capacidade de suportar o desprazer e a dor sem se tornar amargurado e sem procurar o refúgio no encouraçamento caminha lado a lado com a capacidade de receber a felicidade e de dar o amor. Como salientou Nietzsche, aquele que poderia <exaltar-se até atingir as culminâncias do céu> deve estar preparado para <ser mergulhado na morte>.” Human being against the turtle-in-us

As necessidades sexuais podem ser satisfeitas com um, e mesmo, companheiro durante algum tempo apenas. (…) A satisfação sexual pode prover a base de um casamento feliz. Mas essa mesma satisfação está em desacordo com todos os aspectos da exigência moralista da monogamia vitalícia.” “A intimidade sexual e a amizade humana são substituídas, nas relações conjugais, por uma fixação paterna ou materna e por mútua dependência escravizante: em suma, por um incesto disfarçado. Hoje esses temas são lugares-comuns, há muito tempo descritos pormenorizadamente, que só padres, psiquiatras, reformistas sociais e políticos continuam, em grande número, a ignorar.”

Biologicamente, o organismo humano são necessita de 3000 ou 4000 atos sexuais ao longo dos 30 ou 40 anos em que é genitalmente ativo.” Média de uma transa a cada 5 dias.

Os elementos do caos sexual são inter-relacionados. A proibição da masturbação na infância reforça na mulher a angústia de sentir a vagina penetrada ou tocada, levando-a a temer o uso de meios anticoncepcionais.”

a psicanálise, embora correta como psicologia individual, não tinha importância social. Era assim que falavam os marxistas que simpatizavam com a psicanálise.” R. – Dialektischer Materialismus und Psychoanalyse

Deixava os meus manuscritos permanecerem na gaveta do meu escritório durante anos, antes de me sentir suficientemente seguro para publicá-los. Ser esperto era algo que eu podia deixar para os outros.”

Wer Wissenschaft und Kunst besitzt, hat auch Religion,

Wer jene beiden nicht besitzt,

der habe Religion!”

Aquele que tem Ciência e Arte também tem Religião,

Aquele que ambas não tem,

que esse tenha Religião!”

Goethe

Hoje, encarando o perigo universal, o mundo inteiro percebe aquilo que há 12 anos apenas se mencionava.”

Toda a política da cultura (filmes, romances, poesia, etc.) gira em torno do elemento sexual e medra sobre a sua renúncia na realidade e a sua afirmação no ideal. As indústrias e a propaganda capitalizam-no.”

CONTRA O PAPA: “Admitir a possibilidade da felicidade humana teria sido a mesma coisa que admitir a incorreção da teoria do instinto de morte.” “Hoje entendo também a necessidade da sua resignação. Durante uma década e meia, ele havia lutado pelo reconhecimento de fatos simples. Os seus colegas de profissão o tinham caluniado, o haviam chamado de charlatão, e posto em dúvida a sinceridade das suas intenções. Freud não era um pragmatista social, <apenas> um cientista; mas era um cientista cuidadoso e honesto. O mundo não podia mais continuar a negar a existência da vida psíquica inconsciente e assim se valeu da sua antiga manobra de corrupção: enviou-lhe muitos estudantes, que chegaram a uma mesa servida e não tiveram de preocupar-se com a cozinha. Tinham apenas um interesse: popularizar a psicanálise o mais depressa possível. [ninguém obrigou Fraud a isso: ele foi o mais desejoso desse processo abestalhador!] (…) Freud sabia em 1929 que, apesar de todo o meu entusiasmo juvenil, eu estava certo. Admiti-lo, porém, significaria sacrificar a metade da organização psicanalítica.” “A maior tragédia de Freud é que ele procurava refúgio em teorias biológicas, em vez de calar-se ou de deixar que cada um fizesse o que bem entendesse. Foi isso o que o levou a contradizer-se.” “O sofrimento causado pelas relações do sujeito com outras pessoas, disse Freud, é mais doloroso que qualquer outro. As pessoas têm a tendência de encará-lo como um aborrecimento superficial, mas não é menos fatal ou mais evitável do que o sofrimento que tem outras origens. Aqui, Freud dá voz às suas próprias experiências amargas com a espécie humana. Aqui, atinge o problema econômico-sexual de estrutura, i.e., a irracionalidade que determina o comportamento de um homem. Eu mesmo tive dolorosa amostra disso na organização psicanalítica, organização cuja tarefa profissional deveria consistir no controle médico do comportamento irracional.” “Freud estava desiludido. A princípio, pensava haver descoberto a terapia radical das neuroses. Na realidade, isso fôra apenas um começo. Era muito mais complicado do que sugeria a fórmula de tornar o inconsciente consciente. Sustentava que a psicanálise podia abraçar não apenas problemas médicos, mas problemas universais da existência humana. Mas não encontrou o seu caminho na sociologia.”

Uma criança brinca de maneira natural. É coibida pelo seu ambiente. A princípio, defende-se contra a coibição. Vencida, preserva apenas a defesa contra a limitação do prazer, sob a forma de reações irracionais de despeito, destituídas de objetivo, e patológicas. Da mesma forma, o comportamento humano reflete apenas as contradições entre a afirmação de vida e a negação de vida no próprio processo social. A psicanálise tornou-se uma <teoria de adaptação cultural> abstrata e portanto conservadora, cheia de contradições insolúveis.”

influenciando os impulsos instintivos, e não o mundo que obriga as pessoas a viverem com o desejo, é que o homem poderia esperar libertar-se de uma certa dose de sofrimento. A finalidade dessa influência estaria em dominar as pontes interiores das necessidades. De um modo radical, isso poderia conseguir-se matando os instintos, como ensinado pela filosofia oriental e posto em prática pela ioga. Esses são os argumentos de Freud, o homem que, incontestavelmente, pôs diante do mundo a verdade da sexualidade infantil e da repressão sexual!” “Eu sabia que um dia todos os espíritos da escuridão e do medo à vida apontariam Freud como o seu chefe.”

O amor sexual proporciona as mais fortes sensações de prazer e é o protótipo do anseio de felicidade em geral. Mas uma pessoa nunca está menos protegida contra o sofrimento do que quando ama, e nunca está mais desamparadamente infeliz do que quando perde o objeto amado, ou o amor.”

No sentido estrito da palavra, a história e a mitologia primitivas são reproduções da economia sexual da espécie humana.”

Eu visava a descobrir os motivos inconscientes de um homem como Freud, que se pôs, e à sua autoridade, no ápice de uma ideologia conservadora e, com a sua teoria da civilização, destruiu aquilo que havia realizado por meio de um trabalho contínuo como cientista natural e como médico. Não podia haver dúvidas de que não agira assim por covardia intelectual ou por conservadoras razões políticas.”

EUNUCO, O POLÍTICO MAIS CRUEL

A supressão sexual tem a função de tornar o homem dócil à autoridade exatamente como a castração dos garanhões e dos touros tem a função de produzir satisfeitos animais de carga.”

O precoce tem sua vendeta na velhice, que lhe é mais confortável e contemporânea.

era precisamente essa a questão que os acontecimentos sociais, por volta de 1930, tornavam imperativa. Foi o dilúvio fascista que varreu a Alemanha como um macaréu [enchente, cheia, onda fluvial acarretada pelo encontro da água do mar com a correnteza de um rio em momento de maré alta], surpreendendo a todos e fazendo com que muitos se perguntassem como podia acontecer semelhante coisa. Economistas, sociólogos, reformistas culturais, diplomatas e homens de Estado procuravam por uma resposta nos livros antigos. Mas os livros antigos não continham nenhuma explicação desses fenômenos. Não havia um só modelo político que facilitasse uma compreensão das emoções humanas irracionais que o fascismo representava. Nunca, antes, a própria alta política havia sido posta em xeque coma estrutura irracional.”

O psicanalista inglês Ernest Jones protestou categoricamente contra esse argumento funcional e sociológico afirmando que o complexo de Édipo descoberto no homem europeu era a fons et origo de toda a cultura. Por isso, a família dos dias de hoje era uma instituição biológica imutável.”

A poucas milhas das ilhas de Trobriand, nas ilhas de Amphlett, vivia uma tribo com um sistema patriarcal baseado na autoridade da família. Todas as características dos neuróticos europeus (desconfiança, angústia, neuroses, suicídios, perversões, etc.) já eram evidentes nos nativos dessas ilhas.” Não sei por que lamentamos tanto o fim do patriarcado. O mal de ver a casa desabar de dentro? Enfim, 30 anos de neurose, desconfiança, angústia, perversões e, bem, pelo menos de 5 a 7 anos com pensamentos suicidas em nível moderado são o que meu pai me legou enquanto vivi sob este teto. Feliz dia dos pais (13 de agosto de 2017)!

O casamento de primos cruzados encontrou-se em toda parte onde a pesquisa etnológica pôde provar a existência atual ou histórica do matriarcado (cf. Morgan, Bachofen, Engels e outros). Exatamente como as nossas, essas crianças são obrigadas a viver vida ascética; demonstram as mesmas neuroses e traços de caráter que conhecemos nos neuróticos de caráter.”

Uma humanidade que tem sido forçada, por milhares de anos, a negar a sua lei biológica e que, em conseqüência dessa negação, adquiriu uma segunda natureza — que é uma anti-natureza — pode apenas debater-se em exaltação irracional quando quer restaurar a sua função biológica básica e, ao mesmo tempo, teme fazê-lo.” Na superfície, usa a máscara artificial do autocontrole, da insincera polidez compulsiva e pseudo-socialidade. Essa máscara esconde o segundo estrato, o <inconsciente> freudiano, no qual sadismo, avareza, sensualidade, inveja, perversões de toda sorte, etc., são mantidos sob controle, não sendo entretanto privados da mais leve quantidade de energia. Esse segundo estrato é o produto artificial de uma cultura negadora do sexo e, em geral, é sentido conscientemente como um enorme vazio interior e desolação. Por baixo disso, na profundidade, existem e agem socialidade e a sexualidade naturais, a alegria espontânea no trabalho e a capacidade para o amor. Esse terceiro e mais profundo estrato, que representa o cerne biológico da estrutura humana, é inconsciente e temido. Está em desacordo com todos os aspectos da educação e do controle autoritários.” “Uma das suas características mais essenciais veio a ser essa de sentir-se felicíssimo em atirar a sua responsabilidade de si mesmo para cima de algum führer ou político —, pois não se compreende mais e, na verdade, teme a si mesmo e às suas instituições. Está desamparado, é incapaz para a liberdade e suspira pela autoridade porque não pode reagir espontaneamente; está encouraçado e quer que se lhe diga o que deve fazer [complexo de Shinji], pois é cheio de contradições e não pode confiar em si mesmo.”

desamparado se depara com o desânimo, esse mundo parado

don’t tell me what ta do

don’t go travel to the United States of Claustrophobia

Hitler morreu… e o sociopata já não se sente muito bem…

O que o verniz superficial da boa educação e um autocontrole artificial havia refreado durante tanto tempo irrompia agora em ação, completado pelas próprias multidões em luta pela liberdade: nos campos de concentração, na perseguição aos judeus, na aniquilação de toda a decência humana, na destruição sádica e divertida de cidades inteiras por aqueles que só são capazes de sentir a vida quando marcha o seu passo de ganso [*], como em Guernica [**], em 1936 (…) uma dança de São Vito [***] que voltará sempre”

[*] Cadência militar não criada mas apropriada pelo nazismo e que hoje se conserva como um símbolo seu.

[**] Massacre (bombardeio aéreo) de civis pelas próprias forças aliadas (já que o Franquismo se aliou ao Nazifascismo às vésperas da Guerra) na cidade de mesmo nome. 1937. O número de vítimas parece risível hoje em dia: não chegou a 1000. Parece um daqueles fatos históricos banais que só repercutem mesmo em sua forma artística.

[***] Febre reumática e mal nervoso que gera espasmos involuntários em músculos dos membros e da face, geralmente em bebês. Excerto Wiki: Sydenham’s chorea is characterized by the abrupt onset (sometimes within a few hours) of neurologic symptoms, classically chorea [a dança dos pés e das mãos], usually affecting all four limbs. Other neurologic symptoms include behavior change, dysarthria, gait disturbance, loss of fine and gross motor control with resultant deterioration of handwriting, headache, slowed cognition, facial grimacing, fidgetiness and hypotonia.”

CAMPO DE LABORATÓRIO DE CONCENTRAÇÃO: “Em 1928-30, ao tempo da controvérsia com Freud, eu sabia muito pouco sobre o fascismo; quase tão pouco quanto a média dos noruegueses em 1939, ou a média dos americanos em 1940. Foi só em 1930-33 que comecei a conhecê-lo na Alemanha. Senti-me desamparadamente perplexo quando redescobri nele, aos poucos, o assunto da controvérsia com Freud.” “O fascismo alemão deixou bem claro que não operava com o pensamento e a sabedoria do povo, mas com as suas reações emocionais infantis. Nem o seu programa político nem qualquer das suas muitas e confusas promessas econômicas levaram o fascismo ao poder e o garantiu aí no período seguinte: mas sim, em grande parte, foi o apelo a um sentimento místico e obscuro, a um desejo vago e nebuloso, mas extraordinário e poderoso. Aqueles que não entenderam isso não entenderam o fascismo que é um fenômeno internacional.” “o fascismo não era uma nova filosofia de vida, como os seus amigos e muitos dos seus inimigos queriam fazer o POVO acreditar; ainda menos tinha qualquer coisa que ver com uma revolução racional contra condições sociais intoleráveis. O fascismo é meramente a extrema conseqüência reacionária de todas as anteriores formas não-democráticas de liderança dentro da estrutura do mecanismo social.O desapontamento por parte de milhões de pessoas quanto às organizações liberais, mais a crise econômica, mais um irresistível desejo de liberdade, produzem a mentalidade fascista, i.e., o desejo de entregar-se a uma figura autoritária de pai.”

As massas populares pareciam sentir que as sugestões a respeito das <técnicas de amor> tais como as que lhes dava Van de Velde, embora fossem um bom negócio, não tinham realmente nada que ver com o que procuravam, nem eram atraentes.”

obrigados a dizer <procriação eugênica superior> quando queriam significar <felicidade no amor>, as massas congregaram-se em torno de Hitler”

Todo ser humano percebe em si mesmo aquilo que se chama de <sentimentos oceânicos ou cósmicos>. A seca ciência acadêmica sentia-se orgulhosa demais para ocupar-se com semelhante misticismo. Esse anseio cósmico ou oceânico que as pessoas sentem não é senão a expressão do seu desejo orgástico pela vida. Hitler fez um apelo a esse desejo, e é por essa razão que as multidões o seguiram, e não aos secos racionalistas, que tentavam sufocar esses vagos sentimentos de vida com estatísticas econômicas.”

preservação da família überalles

perversão

cada um per se

ser 0.0 final solutionversion

perseveração

perversão de cão

afastando o jovem — da família para os grupos da juventude —, o fascismo levava em consideração tanto os laços familiais quanto a rebelião contra a família.”

Quando o fascista diz <judeu>, designa uma sensação irracional definida. Irracionalmente, o <judeu> representa o <fazedor de dinheiro>, o <usurário>, o <capitalista>. Isso foi confirmado pelo tratamento psicológico de profundidade de judeus e não-judeus, igualmente [?]. Em nível mais profundo,o conceito de judeu significa <sujo>, <sensual>, <bestialmente sexual>, mas também <Shylock>, <castrador>, <assassino>.” “Francês para o alemão tem o mesmo significado que judeu e negro têm para o inglês inconscientemente fascista. Judeu, francês e negro são palavras que significam <sexualmente sensuais>. Esses são os fatores inconscientes que permitiram que o moderno propagandista sexual do século XX, o psicopata sexual e pervertido criminoso Julius Streicher[*], pusesse o seu Der Stürmer nas mãos de milhões de adolescentes e adultos alemães. Nas páginas do Der Stürmer, mais que em qualquer outra parte, ficou claro que a higiene sexual deixara de ser um problema das sociedades médicas; tornara-se muito mais uma questão de decisiva significação social.”

[*] Wiki: “Within the pages of Mein Kampf, Hitler even praised Streicher for subordinating the German Socialist Party to the Nazi Party, a move Hitler believed was essential to the success of the National Socialists.”

Freud psicologizou a biologia. Disse que há no campo da vida <tendências> que <pretendem> umas coisas e outras. Isso era um ponto de vista metafísico. A sua crítica foi justificada pelas posteriores provas experimentais da natureza funcional simples dos processos instintivos.” “Se uma criança quebrava uma vidraça, esse ato se encarava como a expressão do instinto destrutivo. Se caía freqüentemente, isso se encarava como o efeito do instinto mudo de morte. Se a mãe a deixava sozinha e a criança brincava indo e voltando, isso se encarava como o efeito de uma <compulsão de repetição além do princípio de prazer>.”

O masoquista imagina estar sendo atormentado porque deseja <romper-se>. Só dessa maneira é que espera conseguir a relaxação.” Síndrome de Kuririn ou de Vítima do Hokuto no Ken “Mulheres de caráter masoquista só se podiam entregar às relações sexuais com a fantasia de estarem sendo seduzidas ou violadas. Como se o homem as obrigasse a fazerem aquilo que simultaneamente desejam e temem.” “A conhecida índole vingativa do masoquista, cuja autoconfiança está gravemente abalada, se realiza quando leva o outro a passar mal, ou quando provoca nele um comportamento cruel.” O que o E****** e a M******* efetivamente significam para meu sistema psíquico? “A idéia de que a pele, especialmente a pele das nádegas, se torna <quente> ou <está queimando> é freqüentemente encontrada entre os masoquistas. O desejo de ser esfregado com uma escova dura, ou de apanhar até que a pele <se rompa> não é senão o desejo de conseguir a liberação de uma tensão por meio de uma explosão. Assim, a dor não é de maneira nenhuma o objetivo do impulso; é simplesmente uma experiência desagradável durante a liberação de uma tensão sem dúvida real. O masoquismo é o protótipo de um impulso secundário, e demonstra por força o resultado da repressão da função de prazer natural.” “sem que o pretendesse, eu havia descoberto a natureza dinâmica de todas as religiões e filosofias do sofrimento.”

A perturbação do orgasmo do masoquista difere da perturbação de outros neuróticos pelo fato de que, no momento da mais alta excitação, o masoquista é possuído pelo espasmo e o conserva. Dessa forma, cria uma contradição entre a expansão acentuada que está a ponto de ocorrer e a contração súbita. Todas as outras formas de impotência orgástica inibem antes de ser atingido o ápice da excitação. Essa diferença sutil, que pareceria ter apenas um interesse acadêmico, decidiu o destino do meu trabalho científico. Está claro pelas minhas notas, entre 1928 e mais ou menos 1934, que o fundamento do meu trabalho experimental no campo da biologia, até o momento das experiências com o bíon, foi preparado nesse período.”

Se a excitação atingiu o ápice e exige uma descarga completa, o espasmo da musculatura pélvica tem o mesmo efeito que o puxar o freio de mão de um carro a 75 milhas por hora; tudo é lançado em confusão. O mesmo acontece ao paciente em um genuíno processo de cura.”

ESCORRIDO

Espasmos no vaso

espasmos no vazio

no vácuo

vácuo emocional

zero prazer

prazero

vazamento

A imagem do caráter humano como uma couraça [crosta morta] em volta do cerne do organismo vivo era extremamente significativa. Se uma bexiga [extremamente elástica] dessas fosse colocada em uma situação insolúvel de tensão e pudesse exprimir-se, lamentar-se-ia. Desamparadamente vencida, procuraria fora de si mesma as causas do seu sofrimento e se queixaria. Pediria para ser aberta com furos. Provocaria os que a cercam até pensar que havia atingido o seu objetivo [<O que será que ele quer? Acho que ele é enrolado!> consórcio V****-T****; minha vida é um VT: crise sempre repetida, autotransmitida impunemente. Meu agradecimento às heroínas amazonas.]. O que ela não conseguia realizar espontaneamente, de dentro para fora, esperaria passiva e desamparadamente do mundo exterior.

O paciente neurótico desenvolve uma <rigidez> na periferia do corpo, conservando embora um cerne interior vivo. Sente-se <constrangido dentro da sua própria pele>, <inibido>, incapaz de <compreender-se a si mesmo>, como se <estivesse emparedado>, <sem contato> e <tenso a ponto de romper-se>. Esforça-se, por todos os meios disponíveis, <em direção ao mundo> mas é como se <estivesse amarrado>. Mais que isso, os seus esforços para entrar em contato com a vida são freqüentemente dolorosos; está tão mal preparado para suportar as dificuldades e desapontamentos da vida, que prefere <arrastar-se dentro de si mesmo>.” Epilepsia como convulsão orgástica?

Estava claro que a ejaculação do sêmen sozinha não podia ser responsável por isso, pois a ejaculação sem prazer não reduz a tensão.”

Que o soma [corpo] influencia a psique é correto; é uma afirmação correta, mas unilateral. O reverso, i.e., que a psique condiciona o soma é coisa que pode ser vista freqüentemente. Não se pode alargar o campo psíquico a ponto de tornar válidas as suas leis para o soma.”

Na excitação sexual, os vasos periféricos se dilatam. Na angústia, sente-se uma tensão interior centralizada como se fosse explodir, os vasos periféricos se contraem.”

Daí em diante, descobri que sempre que eu dissolvia uma tensão muscular, irrompia uma das três excitações básicas do corpo — angústia, ódio ou excitação sexual.

CAMINHOS DE RESOLUÇÃO DA ANGÚSTIA

(ENSAIO EXPERIMENTAL AUTOBIOGRÁFICO):

vamos associar cada uma das 3 excitações a “representantes” antropomórficos:

MUNDANÍSSIMA TRINDADE”

angústia – colegas

ódio – pai

libido – a ex

CENÁRIO 1

2008

tensão gerada pela sensação de abandono e isolamento > “alcoolismo” > Maniax e Jardim Ingá > força anestésica da ressaca (descompasso) > bipolaridade semanal (interiorização das obrigações x escape ideal) > amigos apenas na 2ª instância (a ideal) > tentativa de realização do ideal na figura M**** > reação à recusa na intoxicação e misticismo > cena da fogueira > alucinação noturna > experimentação singular do triplo orgasmo múltiplo > enfraquecimento do sentimento inicial > primeiras dormências nas mãos (tremores nos dedos)

CENÁRIO 2

2009-10

discussões filho-pai > ódio concentrado (rompantes de fúria) > adormecimento consciente (transição com remorso e dor nas costas – sensação de abandono ou absurdo – textos “O ÓRFÃO”; “O INCOMUNICÁVEL”, etc., demonstrando o grande solipsismo em que me achava) > tratamento “musical” (…And Justice for All) > a longo prazo, transformação do ódio em indiferença (dormência pulsional) > desafetos universitário (Ceariba’s) > autossuficiência (busca recalcitrante) > o caso policialesco de Afrodite

Equilíbrio forjado entre a concupiscência, a ascese (masoquismo velado), o rancor, a euforia, a irritabilidade e a completa inércia ou afundamento melancólico. Esperando a improvável ajuda exterior.

Sentir-se atropelado (furacão Sabrina) não é tão ruim assim. Pelo menos o atropelamento não foi interno!

CENÁRIO 3

2014

O câncer J***** > a difícil expulsão da cólera adormecida > remorso e paralisia arrastada (falência corporal), purgatório CAPES > ressurgimento (conversão do ódio inicial em fetiche – a inusitada resolução da incompatibilidade entre o ateu combalido e heróico e a evangélica ressentida)

(sensação máxima de audácia no contra-ataque ao harém)

mas a represa continua

como em Mariana, as barragens não se rompem

auto-comiseração milica

se não pode com seu inimigo, junte-se a ele

corteje a Morte vestida como a noiva de preto

sua foice é de isopor,

ela só quer ser enrabada

Sem dúvida devemos ignorar os gostos ao redor,

Alimentar com rações parcas o cão chamado Ódio que mantemos adestrado (mascote da família),

E cultuar nossa Deusa caseira,

Sim, é isso.

Podia, agora, eliminar um sorriso amistoso atípico que dificultasse o trabalho analítico, ou descrevendo a expressão ou perturbando a atitude muscular, por exemplo levantando o queixo do paciente.” a extinção dos atendentes de telemarketing

Alguns fisiologistas pensam que os nervos armazenam excitação, enquanto a contração muscular a descarrega; pois não é o nervo, mas somente o músculo que pode contrair-se e é capaz de descarregar energia.” “Em estado de extensão, a bexiga poderia executar vários movimentos rítmicos; poderia, por exemplo, produzir uma onda de expansão e contração alternadas, como se verifica no movimento de uma lombriga ou na peristase intestinal.” “Uma sociedade formada de semelhantes bexigas criaria as filosofias mais idealísticas a respeito do <estado de ausência de sofrimento>. Como qualquer extensão em direção ao prazer ou motivada pelo prazer poderia ser sentida somente como dolorosa, a bexiga desenvolveria um medo à excitação agradável (angústia de prazer) e criaria teorias sobre a <maldade>, a <propensão para o pecado> e a <ação destrutiva> do prazer. Em suma, seria um asceta do século XX. Conseqüentemente, teria medo de qualquer idéia de possibilidade da tão ardentemente desejada relaxação; e então odiaria semelhante idéia e finalmente perseguiria e mataria qualquer um que falasse a respeito. Juntar-se-ia a outros seres igualmente constituídos, peculiarmente rígidos, e traçariam rígidas normas de vida. Essas normas teriam a função única de garantir a menor produção possível de energia interior, i.e., de garantir a tranqüilidade, a resignação, e a continuidade das reações habituais.” “A bexiga poderia ser sacudida por convulsões que emergiriam subitamente, por meio das quais se descarregaria a energia represada. Por exemplo, poderia ter acessos histéricos ou epiléticos. Poderia, por outro lado, tornar-se completamente rígida e desolada, como ocorre na esquizofrenia catatônica.” “Associar a natureza a convulsões do corpo seria uma blasfêmia. Assim mesmo criaria indústrias de pornografia, sem perceber a contradição.”

Em um nível fisiológico mais profundo, a expansão corresponde ao funcionamento parassimpático e a contração ao funcionamento simpático. De acordo com as descobertas de Kraus e Zondek, a função do parassimpático pode ser substituída pelo grupo iônico do potássio e a função do simpático pode ser substituída pelo grupo iônico do cálcio.”

A sensação de boca seca está associada à angústia. Em contrapartida, o suor (particularmente o suor frio) é abundante na pessoa angustiada e tensa.

A pele irrigada (rubor) é sinal de expansão (euforia, satisfação). O que permanece confuso para mim: o desconforto do tímido seria um prazer disfarçado?

A produção de adrenalina está relacionada à angústia.

Retenção do esfíncter: euforia; retenção da urina: angústia (apesar de a pessoa sentir mais vontade de ir ao banheiro).

Pênis flácido e escroto rígido: angústia.

Sentimento orgiástico: dissolução do ego, pressentimento de naturalidade (nos comportamos como autômatos, por mais que a expressão esteja “contaminada” pela perspectiva mecânica) e impressão de perfeição, ao contrário do ego prensado e claramente divisável e experimentado, que se sente “falhado” em tudo que executa, constrangido, sem espontaneidade.

Hipertensão: sintoma de que o coração “não vai bem”.

o mesmo nervo que inibe a glândula salivar estimula a secreção de adrenalina” “Em termos do organismo total, é também significativo que no prazer as pupilas sejam diminuídas pelo parassimpático (correspondendo ao diafragma de uma câmera), aguçando-se assim a visão. [mas não dizem que a pupila se expande até 2 ou 3x para ‘melhor observar’ o objeto amado?] Na paralisia causada pelo medo, ao contrário, a visão diminui, por causa da dilatação das pupilas.”

Todos os nossos pacientes contam que atravessaram períodos na infância nos quais, por meio de certos artifícios sobre o comportamento vegetativo (prender a respiração, aumentar a pressão dos músculos abdominais, etc.) haviam aprendido a anular os seus impulsos de ódio, de angústia ou de amor. (…) Pode dizer-se que toda rigidez muscular contém a história e o significado da sua origem. Não é como se tivéssemos de deduzir a partir de sonhos ou de associações a maneira como se desenvolveu a couraça muscular; a couraça é a forma na qual a experiência infantil é preservada como obstáculo ao funcionamento.” “Não pode haver dúvidas de que a maior parte do que as pessoas costumam descrever como uma <disposição> ou como uma <constituição instintiva> acabará provando ser um comportamento vegetativo adquirido.” o afeto reprimido aparece antes da lembrança correspondente. Semelhante aproximação proporciona uma garantia segura da liberação dos afetos, uma vez que a atitude muscular crônica tenha sido entendida e dissolvida com êxito. Quando se tenta liberá-los somente por meio de trabalho no campo psicológico, diminuem-se os afetos por uma questão de sorte.”

A atitude muscular é idêntica ao que chamamos expressão corporal. Muito freqüentemente não é possível saber se um paciente é hipertônico, ou não. Todavia, com o corpo inteiro, ou com partes dele, <expressa algo>. (…) A esse respeito lembramo-nos da perda da expressão espontânea nas crianças, primeira e mais importante manifestação da supressão sexual final que se dá no quarto ou no quinto ano de vida. Essa perda é experimentada primeiro como <estar morrendo>, como <estar sendo metido em uma couraça> ou como <estar sendo emparedado>. Em alguns casos, esse sentimento de <estar morrendo> ou de <estar morto> pode ser mais tarde compensado parcialmente pela camuflagem de atitudes psíquicas, por exemplo por uma jovialidade superficial ou por uma sociabilidade indireta.

Quando, por exemplo, um impulso de chorar deve ser reprimido, não é o lábio inferior que se torna tenso, mas toda a musculatura da boca e do queixo, e assim também a musculatura correspondente da garganta; em suma, todos os órgãos que entram em ação como uma unidade funcional no ato de gritar. Lembramo-nos a esse respeito do conhecido fenômeno de que as pessoas histéricas delimitam os seus sintomas somáticos não de acordo com áreas anatômicas, mas funcionais. Um rubor histérico não segue as ramificações de uma determinada artéria; mas envolve quase exclusivamente o pescoço ou a testa. A função vegetativa do corpo ignora os limites anatômicos, que são indicações superficiais.” A amigdalite crônica como afetos não-resolvidos… Vontade de gritar e de chorar reprimidas.

a dissolução de uma couraça muscular começa em geral nas partes do corpo mais afastadas dos genitais, habitualmente a cabeça. A atitude facial é a mais visível. A expressão facial e o tom da voz são também as funções que o próprio paciente sente e às quais presta atenção com mais freqüência e cuidado.” Minha expressão sem vida nas fotos sempre me assusta.

Cabeça e pescoço: dor de cabeça forte é um sintoma encontrado em muitos pacientes. Localiza-se muito freqüentemente acima do pescoço, sobre os olhos ou na testa. Na psicopatologia, essas dores de cabeça definem-se em geral como <sintomas neurastênicos>. Como começam? Se alguém tentar forçar a musculatura do pescoço durante um longo período de tempo, como se fosse evitar um golpe iminente, sentirá logo o aparecimento de uma dor na parte posterior da cabeça, bem acima do ponto no qual a musculatura está tensa. Por isso, a dor na parte posterior da cabeça pode ser reduzida a uma tensão excessiva dos músculos do pescoço. Essa atitude expressa uma angústia contínua de algo perigoso que possa sobrevir por trás; por exemplo, a angústia de ser agarrado pelo pescoço [estranho neo-freudianismo], golpeado na cabeça, etc.” Até hoje não se pratica uma terapia que una os benefícios da acupuntura, fisioterapia e RPG à psicanálise ou psicologia comportamental.

Alguns pacientes têm uma expressão facial que poderia ser descrita como <arrogante>. A dissolução dessa expressão mostra que é uma atitude de defesa contra uma atenção nervosa ou apreensiva do rosto. Alguns pacientes mostram <a testa de um pensador>. É raro encontrar um paciente que na infância não tenha criado a fantasia de ser um gênio. Habitualmente, essa atitude facial é o resultado de uma defesa contra a angústia, na maior parte das vezes, de natureza masturbatória. Em outros pacientes, observamos uma testa <lisa>, <chata> ou <inexpressiva>. O medo de ser golpeado na cabeça é sempre o motivo dessa expressão.” “Muitas pessoas têm uma expressão facial como uma máscara. (…) a parte inferior da boca é tensa. Esses pacientes sofrem freqüentemente de náuseas. A sua voz é habitualmente baixa, monótona ou <diluída>.” “Nessas condições é inútil tentar falar alto e com voz ressoante. As crianças freqüentemente adquirem essas condições em idade muito tenra, quando são obrigadas a reprimir violentes impulsos de chorar. A concentração contínua de atenção em uma determinada parte do corpo resulta invariavelmente em uma fixação da inervação correspondente.Maldito Diego, maldito Marcel, maldito Cintra! “Não há possibilidade de eliminar a náusea se a tensão do assoalho da boca não é descoberta (…) Antes que a sensação crônica da náusea possa ser eliminada, a inibição do impulso de chorar tem de ser completamente dissolvida.” “Conhecemos o rosto deprimido da pessoa melancólica. É notável como uma expressão de abatimento pode combinar-se com a mais extrema e crônica tensão da musculatura. Há pessoas que assumem uma expressão continuamente radiante; há aquelas cujas faces são <rígidas> ou <encovadas>.” “O choro reprimido leva facilmente os músculos faciais a uma impermeabilidade de máscara.”

As perturbações respiratórias nas neuroses são os sintomas que resultam das tensões abdominais. Imagine que você está assustado, ou que prevê um grande perigo. Involuntariamente aspirará o ar e prenderá a respiração. Como a respiração não pode cessar inteiramente, você logo respirará outra vez, mas a expiração não será completa. Será superficial.” Havia momentos na DRI em que eu me sentia quase que debaixo d’água: enquanto o ouvido permanecesse alerta, era sufocante inspirar e expirar. Qualquer gesto ou ruído mais dilatado pareciam me denunciar, me tornar vulnerável.

Em estado de apreensão, os ombros são involuntariamente levados para a frente, e permanecem nessa atitude rígida. Às vezes são também forçados para cima. Se essa atitude é mantida durante algum tempo, sente-se uma pressão na testa. Tratei vários pacientes nos quais não consegui eliminar a pressão na testa enquanto não descobri a atitude de expectativa amedrontada na musculatura do tórax.”

Qual a função dessa atitude de <respiração curta>? Se examinarmos a posição dos órgãos internos e a sua relação com o plexo solar, entenderemos imediatamente a situação com que estamos lidando. Em estado de medo, involuntariamente se inspira; estamos pensando na inalação involuntária que ocorre no afogamento e que verdadeiramente causa a morte.”

<Há algo no meu estômago que não consegue sair> — ou—

<Sinto como se tivesse um prato no estômago> — ou —

<A minha barriga está morta> — ou —

<Preciso segurar a minha barriga> —, etc.

Quase todas as fantasias das crianças sobre a gravidez e o nascimento giram em torno das suas sensações abdominais vegetativas.”

Pacientes que se queixam de um aperto crônico, assim como de um cinto, ou de um sentimento de pressão, apresentam a musculatura abdominal superior rígida, isto é, dura como uma tábua.”

À mais leve manifestação de sentimento, <regulava algo no estômago>, prendia a respiração e olhava inexpressivamente para o espaço. Os olhos pareciam vazios; pareciam <voltados para dentro>. A parede abdominal tornava-se tensa e as nádegas encolhiam-se.”

Era visível entre os seus traços patológicos o fato de ser incapaz de qualquer agressão. Sempre se sentia impelido a ser <amável e polido>, a concordar com tudo o que as pessoas diziam, ainda que expressassem opiniões opostas e contraditórias. Sofria por baixo da superficialidade que regulava a sua vida. Estava sofrendo dessa enfermidade muito comum — uma sociabilidade mal-interpretada e indireta — que se transforma em uma compulsão rígida e destrói intimamente muitas pessoas. (…) A boca dava a impressão de ser pequena e apertada; quase não a movimentava ao falar; os lábios eram estreitos, como se comprimidos um contra o outro. Os olhos careciam de expressão.

Apesar dessa diminuição óbvia e grave da sua mobilidade vegetativa, percebia-se, debaixo da superfície, uma natureza inteligente e muito viva. Era esse, sem dúvida, o fator que lhe permitia tenta resolver as suas dificuldades com grande energia.

O tratamento subseqüente durou 6 meses e ½, com 1 sessão por dia [!].” Demoraria de 2 a 3 anos para freqüentar o mesmo número de sessões semanalmente…

(…) O paciente ficou meio sentado no divã, tremeu de cólera, levantou o punho como se fosse dar um soco, sem entretanto completar o gesto. Então, sem fôlego, recuou exausto. Toda a ação se dissolveu em uma espécie de choro de lamentação. Essas ações expressavam <cólera impotente> semelhante à que as crianças freqüentemente experimentam diante dos adultos.”

havia, em algum ponto, uma ruptura na conexão entre a excitação muscular vegetativa e a percepção psíquica dessa excitação.”

Ele sabia que estava expressando uma cólera esmagadora que conservara trancada dentro de si mesmo durante anos. O desligamento emocional desapareceu quando uma crise provocou a lembrança do irmão mais velho, que o havia dominado e maltratado demais quando era criança.”

Quanto mais intensas se tornavam as ações musculares da face, mais a excitação somática, ainda totalmente desligada do reconhecimento psíquico, se expandia em direção ao tórax e ao abdômen. Várias semanas mais tarde, o paciente contou que durante as contrações no peito, mas principalmente quando essas contrações diminuíam, sentia <correntes> que se estendiam em direção ao baixo abdômen. Nesse meio tempo, separou-se da mulher com a intenção de ligar-se a outra. Entretanto revelou-se no decorrer das semanas seguintes que a pretendida ligação não se realizara. De início o paciente permaneceu indiferente a isso. Depois que lhe chamei a atenção para o fato, foi que tentou, arriscando várias explicações aparentemente plausíveis, interessar-se pelo assunto. Mas era bem evidente que uma interdição interior o impedia de tratar o problema de uma forma realmente afetiva. Como não se costuma, no trabalho de análise do caráter, tratar de um assunto por mais imediato que seja se o paciente não tocar nele por si mesmo de uma forma plenamente afetiva, adiei a discussão do problema”

Tornava-se cada vez mais claro que o paciente estava resistindo à compreensão do conjunto em todas as suas partes. Nós dois sabíamos que era muito precavido. Não era só na sua atitude psíquica que essa precaução se expressava; nem só no fato de que até certo ponto cooperava, e se adaptava às exigências do trabalho; e no fato de que se tornava meio inamistoso e frio quando o trabalho ultrapassava certos limites.”

Eu me sinto como um animal primitivo” “Sinto-me como um peixe”

Era um homem que as mulheres achavam muito atraente; mas por estranho que pareça não se aproveitara muito disso.”

DEFESA ABDOMINAL. Esse fenômeno existe em todos os neuróticos sem exceção, sempre que se ordena que expirem plenamente e se faz uma leve pressão na parede abdominal uns 3cm abaixo da extremidade do esterno. Isso provoca uma resistência forte dentro do abdômen; ou o paciente experimenta uma dor semelhante à que é causada por uma pressão nos testículos.”

EXPRESSINHO (conforto e carinho): A nostalgia do viaduto: toda criança gosta, e todo adulto gosta, por tabela, nostalgicamente, da sensação da queda, daquele êmulo de dor-de-barriga, típica da montanha-russa ou do carro veloz na ladeira íngreme: o puxar e repuxar, o arrepio convulsivo, no ventre. Dor-prazer de Adão?!

O que significa o aparecimento de crises de bocejo durante a sessão psicanalítica?

[v]idas e (vi)n(das)

É como uma casca protetora em volta de uma criança. É incrível como posso agora sentir a profundidade do mundo”

Este homem também se angustiava com gorilas quando pequeno: “Agora irrompera afinal. O gorila representava o pai, figura ameaçadora que queria impedi-lo de mamar.”

A forma forçada e dura da convulsão orgástica correspondia a uma atitude psíquica que dizia: <Um homem é duro e inflexível; qualquer forma de entrega é feminina>.”

Análise do caráter (psiquismo) e Vegetoterapia (somatismo, músculos): dois lados de uma mesma moeda, etapas intercaladas e indissociáveis do processo terapêutico integral.

Há dois pontos nos quais a inibição sempre se encontra: a garganta e o ânus.” As extremidades do sistema digestório.

Contra o formalismo excessivo: “Em muitos casos, um espasmo sério de garganta não é descoberto enquanto a excitação vegetativa na pélvis não se tenha dissolvido até certo ponto.”

muitos pacientes sofrem de uma tensão crônica da musculatura dos maxilares, o que dá um aspecto mesquinho à metade inferior do rosto. Na tentativa de empurrar o queixo para baixo, verifica-se forte resistência e rigidez. Se se ordena ao paciente que abra e feche a boca, ele só executa o movimento depois de alguma hesitação e com visível esforço. Mas o paciente deve ser levado, primeiro, a experimentar essa forma artificial de abrir e fechar a boca antes de poder ser convencido de que a mobilidade do seu queixo está inibida.”

um movimento rítmico da musculatura das sobrancelhas (<tique>) pode funcionar como uma defesa contra um olhar tenso.”

descobrir as inibições e os pontos onde a fragmentação obstrui a unificação do reflexo do orgasmo”

Como maneira de preparar e conseguir o reflexo do orgasmo, faço primeiro os meus pacientes inspirarem e expirarem profundamente e os encorajo a <acostumarem-se com isso>. Se se ordena ao paciente que respire fundo, ele em geral força a respiração, para dentro e para fora, de modo artificial. Esse comportamento voluntário serve apenas para obstruir o ritmo vegetativo natural da respiração. Desmascara-se a inibição; pede-se ao paciente que respire de <modo inteiramente normal>, i.e., sem se entregar a quaisquer exercícios respiratórios, como gostaria de fazer. Depois de 5 ou 10 movimentos, a respiração em geral se torna mais profunda, e emerge a primeira inibição. Quando uma pessoa expira natural e profundamente, a cabeça se move com espontaneidade para trás no fim do movimento. Os pacientes não podem deixar a cabeça ir para trás de modo espontâneo e natural. Esticam o pescoço para frente para evitar o <movimento para trás>, ou movem a cabeça com um puxão violento para o lado; em qualquer caso, de modo diferente do movimento natural.

Na exalação profunda, os ombros relaxam-se com naturalidade e se movem suave e levemente para frente. É no fim preciso da exalação que os nossos pacientes mantêm os ombros firmes ou os levantam; em suma, executam movimentos vários com os ombros para impedir o movimento vegetativo espontâneo.

Outra maneira de liberar o reflexo do orgasmo é exercer uma pressão suave no alto abdômen. Coloco as pontas dos dedos de ambas as mãos aproximadamente no meio do abdômen superior entre o umbigo e o esterno, e digo ao paciente que inspire e expire fundo. Durante a expiração, vou aplicando, aos poucos, uma suave pressão no alto abdômen. Isso provoca reações diferentes em pacientes diferentes. Em alguns, o plexo solar se mostra altamente sensível à pressão; em outros, há um movimento de reação no qual as costas se arqueiam. Esses são os pacientes que suprimem toda excitação orgástica no ato sexual, puxando a pélvis para trás e arqueando as costas. Há também os pacientes nos quais uma pressão contínua no alto abdômen produz contrações ondulantes no abdômen. Isso às vezes libera o reflexo do orgasmo. Se a exalação profunda é continuada durante certo tempo, uma parede abdominal tensa e dura se torna invariavelmente macia. Pode ser pressionada com mais facilidade. Os pacientes contam que <se sentem melhor>, afirmação que não pode ser tomada ao pé da letra. Na minha prática, lanço mão de uma fórmula que os pacientes entendem espontaneamente: digo-lhes para <cederem> por completo. A atitude de entrega é a mesma que a da rendição: a cabeça desliza para trás, os ombros movem-se para a frente e para cima, o meio do abdômen se encolhe, a pélvis move-se para a frente e as pernas separam-se espontaneamente. A expiração profunda produz a atitude de rendição (sexual). Isso explica a inibição do orgasmo nessas pessoas que são incapazes de render-se, e que prendem a respiração quando a excitação se eleva a um clímax.”

Uma abertura frouxa da boca parece contribuir para o estabelecimento da atitude de rendição.”

Prender a respiração durante bastante tempo era algo que se considerava como uma façanha heróica de autocontrole”

Quando sinto medo, fico muito birrenta; então tenho vontade de lutar contra alguma coisa, mas não sei contra quê. Não pense que tenho vontade de brigar com o mágico {a mãe não o havia mencionado}; tenho muito medo dele. É uma coisa que eu não sei o que é.”

A inalação profunda provoca uma obstrução da atividade biológica dos centros vegetativos, resultando em uma irritabilidade reflexa aumentada. A exalação repetida reduz a estase e, com isso, a irritabilidade angustiosa.”

A reação reflexa desapareceu à medida que o paciente começou a superar o medo de expirar. Assim, a atividade respiratória inibida pela neurose é um fator central do mecanismo neurótico em geral. Bloqueia a atividade vegetativa do organismo, criando a fonte de energia dos sintomas e fantasias neuróticas de todo tipo.”

Quanto mais arduamente tentava superar a sua falta de auto-estima por meio da ruminação compulsiva [por que por que por que eu me odeio todos me odeiam], mais intensa se tornava a pressão. (…) Essas reações sempre apareciam quando uma excitação não conseguia chegar aos genitais e era desviada <para cima>. Essa é a base fisiológica do que os psicanalistas chamavam <deslocamento de baixo para cima>.”

é fácil pôr a mão entre as costas do paciente e o divã.” Ficam arqueados e tensos na ponta da poltrona do consultório. Igual na sessão de fisioterapia!

A musculatura das nádegas também fica tensa. Os pacientes, freqüentemente, superam a ausência de excitabilidade nesses músculos tentando produzir neles contrações e relaxações voluntárias.”

A defesa contra o reflexo do orgasmo provoca várias perturbações vegetativas, por exemplo a constipação crônica, o reumatismo muscular, a ciática, etc. Em muitos pacientes, a constipação desaparece, mesmo quando existiu durante décadas, com o desenvolvimento do reflexo do orgasmo. O seu pleno desenvolvimento é freqüentemente precedido por náuseas e por sensações de vertigem, somadas a estados espasmódicos da garganta, contrações isoladas da musculatura abdominal, do diafragma, da pélvis, etc. Mas todos esses sintomas desaparecem logo que se haja desenvolvido plenamente o reflexo do orgasmo.”

Embora nunca se expressasse abertamente, havia em muitos pacientes uma maldade escondida que eu não conseguia localizar. O tratamento do comportamento vegetativo permite determinar onde se localiza somaticamente a mesquinhez. Há pacientes que expressam amistosidade com os olhos e com as bochechas, mas que expressam, quanto ao queixo e a boca, exatamente o contrário. A expressão é completamente diferente na metade inferior da face e na metade superior. A dissolução da atitude da boca e do queixo libera incrível quantidade de cólera.

escondendo o pum na barriga” “encerrou a maldade”

Na neurose simples, há só uma restrição superficial da mobilidade vegetativa, que permite excitações interiores e descargas <na fantasia>. Se o encouraçamento atinge a profundidade, se bloqueia áreas centrais do organismo biológico e controla completamente a musculatura, há apenas duas possibilidades: irrupção forte (cólera violenta, que se experimenta como um alívio) ou deterioração gradual e completa do mecanismo vital. Várias enfermidades orgânicas, como a úlcera gástrica, o reumatismo muscular e o câncer, prendem-se ao problema neste ponto.”

O reflexo do orgasmo encontra-se em todas as criaturas que copulam. Entre organismos biológicos mais primitivos, como por exemplo os protozoários, encontra-se na forma de contrações plasmáticas. O estágio mais elementar, no qual se pode encontrar, é a divisão de células únicas.

Há algumas dificuldades para chegar a uma resposta a respeito do que é que, nos organismos mais altamente organizados, toma o lugar da contração, quando o organismo não pode mais contrair-se assumindo a forma esférica, como o protozoário [talvez Aristófanes esteja correto n’O Banquete!]. A partir de um certo estágio do desenvolvimento, o metazoário [todo animal pluricelular que já possui órgãos e sistemas especializados, membros diferenciados, etc.] tem uma estrutura óssea. Isso impede a operação, natural nos moluscos e protozoários, de se tornarem esféricos no ato de contrair-se. Imaginemos um tubo flexível, no qual a nossa bexiga biológica se tenha desenvolvido. Imaginemos depois que introduzimos nele uma vara que se pode curvar em uma direção. Isso representaria a espinha. Imaginemos que o impulso de contração é agora introduzido nessa bexiga longitudinalmente esticada. Podemos ver que a bexiga só tem uma possibilidade quando, a despeito da sua inabilidade para tornar-se esférica, deseja contrair-se. Tem de curvar-se o mais possível, e rapidamente.” “As pessoas histéricas têm uma tendência especial para desenvolver espasmos musculares em partes do organismo cuja musculatura é anular, sobretudo na garganta e no ânus.” O SER HUMANO CONTRA A CATATONIA: “Além disso, a musculatura anular encontra-se na entrada e na saída do estômago. Desenvolvem-se, nessas duas aberturas, espasmos que têm freqüentemente conseqüências sérias para o estado geral da pessoa. Esses pontos do corpo, especialmente dispostos para contrações continuas, e correspondendo biologicamente a estágios muito primitivos de desenvolvimento, são os pontos mais freqüentes de desordens espasmódicas. Se a garganta e o ânus são bloqueados, a contração orgástica se torna impossível. A retração somática expressa-se por uma atitude que é o oposto exato do reflexo do orgasmo: as costas ficam arqueadas, o pescoço duro, o ânus bloqueado, o peito para a frente e os ombros tensos. O arc de cercle histérico é o oposto exato do reflexo do orgasmo e o protótipo da defesa contra a sexualidade.”

A reserva psíquica expressa-se em rigidez vegetativa. O ódio psíquico expressa-se em uma atitude vegetativa definida de ódio.” “Bioenergeticamente, a psique e o soma funcionam condicionando-se mutuamente e ao mesmo tempo formando um sistema unitário.”

Uma paciente excepcionalmente bonita e sexualmente atraente queixava-se de sentir-se feia, porque não sentia o seu corpo como um todo unido. Descreveu assim o seu estado: <Cada parte do meu corpo é independente. As minhas pernas estão aqui e a minha cabeça está ali e eu nunca sei muito bem onde estão as minhas mãos. Eu não tenho o meu corpo todo junto>. Em suma, sofria da conhecida perturbação da autopercepção, especialmente pronunciada na despersonalização esquizóide. (…) Logo no começo do tratamento, era notável a <indiferença> da sua expressão facial. (…) Nessas ocasiões, os seus olhos tinham um olhar vazio e <perdido>. (…) A indiferença [dos olhos e da testa] tinha a função de impedir que a paciente ficasse continuamente à mercê da torturante percepção do ódio expresso pela boca. Depois de tratarmos a região da boca por umas duas semanas, a expressão maliciosa desapareceu por completo em conexão com o desenvolvimento de uma reação muito forte de desapontamento da paciente. Um dos seus traços de caráter era a compulsão de exigir continuamente amor. Zangava-se quando as suas exigências impossíveis não eram satisfeitas. Depois que se dissolveu a atitude da boca e do queixo, apareceram contrações pré-orgásticas em todo o corpo, primeiro em forma de serpentina — movimentos ondulantes que também, incluíam a pélvis. Entretanto, a excitação genital estava inibida em um ponto definido. Durante a procura do mecanismo da inibição, a expressão da testa e dos olhos foi-se tornando cada vez mais pronunciada. Tornou-se uma expressão de fixidez má, observadora, crítica e atenta. Com isso, a paciente percebeu que tinha de <estar em guarda> constantemente, e que nunca fôra capaz de <perder a cabeça>. (…) a <testa morta> havia escondido a <testa crítica>. O passo seguinte era descobrir que função tinha a <testa crítica> e maliciosa. (…) a testa da paciente montava guarda quando ela queria ceder a um impulso sexual. (…) Não eliminamos um sintoma somático apenas tornando-o historicamente compreensível. Não podemos progredir sem o conhecimento da função simultânea do sintoma. (Que não deve ser confundida com o <conflito atual>!)¹ O fato de que a atitude atenta da testa derivasse da sua identificação infantil com o pai severo não teria tido o mais leve efeito sobre a perturbação orgástica. O decorrer do tratamento dessa paciente provou a exatidão desse critério (…) Aos poucos, a expressão severa alternou com uma expressão alegre, meio infantil da testa e dos olhos. Assim, uma vez estava de acordo com o desejo genital; outra vez a sua atitude em relação a ele era crítica e adversa. Com a substituição da atitude crítica da testa pela atitude alegre, a inibição da excitação genital também desapareceu.”

¹ (2022) Essa parte supostamente histórica da psicanálise é sem dúvida a mais defasada.

<Não perca a cabeça> é uma atitude muito comum. A nossa paciente sofria da sensação de ter um corpo dividido, não-integrado e não-unificado. Por isso, também não tinha a consciência e a sensação da sua graça vegetativa e sexual. Como é possível que um organismo que constitui um todo unificado possa <despedaçar-se> na sua percepção? O termo despersonalização não indica nada, pois em si mesmo exige uma explicação. O que nos devemos perguntar é como é possível que partes do organismo funcionem por si mesmas, independentemente do organismo total.” “A observação clínica ensina-nos ainda que as perturbações da auto-percepção não desaparecem realmente enquanto o reflexo do orgasmo não é plenamente desenvolvido em um todo unificado.” “Assim, a despersonalização torna-se compreensível como uma falta de carga, i.e., como uma perturbação da inervação vegetativa dos órgãos isolados ou dos sistemas de órgãos (por exemplo, as pontas dos dedos, os braços, a cabeça, as pernas, os genitais, etc.).” “quando o paciente deveria estar à beira de recuperar a saúde, surgem contra esta as piores reações.” “Todo desequilíbrio da sensação somática total afeta simultaneamente a autoconfiança e a unidade do sentimento do corpo. Ao mesmo tempo, esses desequilíbrios obrigam o corpo a fazer compensações.” “variadas formas [d]a cisão da personalidade. Entre as mais simples sensações de frigidez ou rigidez, de um lado, e a divisão esquizofrênica, a falta de contato e a despersonalização de outro, não há diferenças de base mas tão somente diferenças quantitativas, que se expressam também qualitativamente. A sensação de integridade tem conexão com a sensação de contato imediato com o mundo. A unificação do reflexo do orgasmo também restaura as sensações de profundidade e seriedade. Os pacientes lembram-se do tempo da sua primeira infância [que idade?], quando a unidade de sensação do seu corpo não estava perturbada. (…) do tempo em que se sentiam <vivos>; e como finalmente tudo isso fora despedaçado e esmagado pela educação. No rompimento da unidade do sentimento do corpo pela supressão sexual, e no contínuo anseio de restabelecer contato consigo mesmo e com o mundo, encontra-se a raiz de todas as religiões negadoras do sexo. <Deus> é a idéia mistificada da harmonia vegetativa entre o eu e a natureza.”

Nem a música me encontra mais…

Isso é especialmente verdadeiro quanto às culturas da Índia, da China e do Japão. Quando um patriarcado austero e negador do sexo quer propagar-se, precisa suprimir severamente os impulsos sexuais das crianças. Isso resulta em angústia e cólera agudas, ambas prejudiciais à cultura da família patriarcal e dependentes da ideologia do autocontrole e do poder de não mover um só músculo, por maior que seja a dor (…) Essa ideologia também proporciona uma interiorização nos exercícios respiratórios dos iogues. A técnica de respiração ensinada pelos iogues é o oposto exato da técnica de respiração que usamos para reativar as excitações emocionais vegetativas nos nossos pacientes. (…) A expressão facial rígida semelhante a uma máscara, dos hindus típicos, dos chineses e japoneses, encontra o seu extremo oposto na capacidade para o êxtase intoxicado. O fato de que a tática iogue tenha podido espalhar-se na Europa e na América se deve ao fato de que nessas culturas se procura um meio de conseguir o controle sobre os impulsos vegetativos naturais e, ao mesmo tempo, de eliminar estados de angústia. Não estão longe de um pressentimento da função orgástica da vida.” “A <rígida atitude militar> é o exato oposto da atitude natural, solta, ágil. O pescoço tem de estar rígido, a cabeça esticada para a frente; os olhos devem olhar rigidamente para a frente; o queixo e a boca devem ter uma expressão <varonil>; o tórax deve estar puxado para fora; os braços devem ser rigidamente mantidos rente ao corpo; as mãos devem estar esticadas ao longo da dobra das calças. Sem dúvida, a mais importante indicação da intenção sexualmente supressiva dessa técnica militar é a ordem proverbial: estômago para dentro, tórax para fora. As pernas são duras e rígidas.” “a tensão dos tornozelos é uma indicação clínica típica do controle artificial dos afetos.”

ESPARTA: “Ensinar o povo a assumir uma atitude rígida e não-natural é um dos meios mais essenciais usados por um sistema social ditatorial para produzir, com a perda da vontade, organismos que funcionem automaticamente.”

Quem quer ser homem deve dominar-se.” “Não se deve deixar-se levar.” “Não se deve demonstrar medo.” “Cólera é falta de educação.” “Uma criança decente senta-se quieta.” “Não se deve demonstrar o que se sente.” “Deve-se cerrar os dentes.” “Essas frases, características da educação, inicialmente são repelidas pelas crianças, depois aceitas com relutância, laboradas e, por fim, exercitadas. Entortam-lhes — via de regra — a espinha da alma (…) É um dos grandes segredos da psicologia das massas que o adulto médio, a criança média e o adolescente médio são muito mais propensos a resignar-se com a ausência de felicidade que a continuar a lutar pela alegria de viver, quando esta última atitude acarreta sofrimento demais.”

Thomasismo: “Se a hipertonicidade da musculatura continua por anos e décadas, leva a uma contratura crônica e a nódulos reumáticos, como resultado do depósito de substâncias sólidas nos feixes musculares. Nesse último estágio, o processo reumático não é mais reversível. Observa-se na vegetoterapia do reumatismo que ele ataca tipicamente os grupos musculares que desempenham papel importante na supressão dos afetos e das sensações orgânicas. O reumatismo muscular é sobretudo comum na musculatura do pescoço (<pescoço duro>, obsticidade [inclinação patológica da cabeça para um dos dois ombros]) e entre as omoplatas, onde o gesto de puxar os ombros para trás dá a impressão, do ângulo da análise de caráter, de <autocontrole> e de <retração>. Essa doença atinge em geral os dois músculos grossos do pescoço que correm do occipício até a clavícula (músculos esternoclidomastóideos). Esses músculos tornam-se curiosamente hipertônicos quando a cólera é inconsciente e continuamente suprimida. Um paciente reumático teve a idéia de chamar a esses grupos musculares de músculos do ódio. Somado a esses está o espasmo crônico dos masseteres, que dá à metade inferior da face uma expressão obstinada e mal-humorada.”

O lumbago [lombalgia] requer uma investigação pormenorizada a esse respeito. Encontra-se muito freqüentemente em pacientes cuja musculatura das nádegas se encontra em estado de tensão crônica que retrai as sensações anais. Outro grupo de músculos em que encontramos com frequência o reumatismo muscular compreende os adutores profundos e superficiais da parte superior das coxas, que mantêm as pernas juntas. Têm a função, especialmente nas mulheres, de suprimir a excitação genital. No trabalho vegetoterapêutico, adotamos a expressão músculos da moralidade para designá-los. O anatomista vienense Julius Tandler referia-se jocosamente a eles como custodes virginitatis.”

Temos todas as razões para crer que o enfisema pulmonar, caracterizado pela forma de barril do tórax cheio de ar, é o resultado de uma atitude crônica e extrema de inspiração. Devemos lembrar-nos de que qualquer fixação crônica de uma atitude determinada prejudica a elasticidade dos tecidos; esse é o caso do enfisema, no que diz respeito às fibras elásticas dos brônquios.”

A úlcera gástrica como subproduto de uma perturbação afetiva crônica é tão freqüente que não pode haver mais qualquer dúvida quanto à sua natureza psicossomática.”

Hemorróidas, como resultado de um espasmo crônico do esfíncter anal. O sangue nas veias periféricas do esfíncter anal contraído é mecanicamente represado, causando a dilatação das paredes dos vasos.”

Com base no trabalho pioneiro de Wartburg sobre a asfixia do tecido no câncer (excesso de CO²) tornou-se claro que a restrição crônica da exalação causada pela simpaticotonia é um elemento essencial da disposição para o câncer. A reduzida respiração externa resulta em uma respiração interna escassa. Os órgãos cuja respiração é cronicamente prejudicada são mais suscetíveis aos estímulos que produzem o câncer do que os órgãos com boa respiração.”

EXPECTATIVA ETERNAMENTE ADIADA

Tive apenas a intenção de indicar um importante campo da patologia orgânica intimamente relacionado com o tema da função do orgasmo: para enfatizar conexões até aqui menosprezadas; para fazer um apelo à consciência da profissão médica no sentido de encarar as perturbações sexuais dos homens e mulheres tão seriamente como merecem; e para imprimir nos estudantes de medicina a necessidade de estudarem corretamente a teoria do orgasmo e a sexologia geral a fim de serem capazes de enfrentar as tremendas necessidades da população. O médico deve ter cuidado para não se confinar ao limite de uma lâmina de microscópio: deve relacionar o que vê no microscópio com a função autônoma da vida do organismo total. Deverá dominar essa função total nos seus componentes biológicos e psíquicos, e compreender que a influência exercida pela sociedade sobre a função de tensão-carga do organismo e dos seus órgãos exerce uma influência decisiva sobre a saúde ou doença daqueles que dependem dela. A medicina psicossomática, que é hoje o ramo especial de entusiastas e de especialistas, poderá ser, sem demora, o que promete vir a ser: a estrutura geral da medicina do futuro.

Seriam as cargas da superfície da zona sexual de um milésimo de volt, ou de meio volt? A literatura fisiológica não fornecia chaves para a resposta a semelhante pergunta. Mesmo a idéia de uma carga na superfície do organismo não era geralmente conhecida. Quando, em dezembro de 1934, perguntei ao diretor de um instituto fisiológico em Londres como se podia medir a carga da pele, achou a própria pergunta muito esquisita. Tarchanoff e Veraguth, mesmo antes do início do século, haviam descoberto o <fenômeno psicogalvânico>, que revelava a manifestação das excitações psíquicas em forma de oscilações potenciais na pele.” Cf. REICH, Experimentelle Ergebnisse über elektrische Funktion von Sexualitat und Angst. Sexpol Verlag, 1937.

Nos homens e mulheres descontraídos e vegetativamente vivos, o potencial de uma mesma zona sexual raramente é constante. Oscilações de até 50 mv [microvolts], e mais, podem ser observadas nas zonas sexuais. Isso está definitivamente de acordo com o fato de que as zonas sexuais são dotadas de alta, e extremamente variável, intensidade de sensações e capacidade de excitação. Subjetivamente, a excitação das zonas sexuais é experimentada como o fluir de uma corrente, como uma comichão ou como uma sensação confortante de calor ou de <suavidade>. As áreas da pele não-especificamente erógenas apresentam essas características em grau muito menor, ou não as apresentam.”

Reações negativas de angústia em forma de redução rápida da carga de superfície podem ser verificadas na membrana mucosa da vagina, na língua, e nas palmas das mãos. Um susto inesperado, causado por um grito, por uma bola que se estoura ou pelo som barulhento de um gongo que se toca, são particularmente adequados como estímulos.”

Órgãos desapontados e habituados reagem lentamente aos estímulos de prazer.”

Segundo a visão tradicional, a energia bioelétrica se move pelos caminhos das fibras nervosas, pressupondo-se que as fibras nervosas não sejam contráteis. Até aqui, entretanto, todas as observações levam à hipótese de que os plexos sinciciais vegetativos são, eles mesmos, contráteis, i.e., podem expandir-se e contrair-se. Conseqüentemente, a ameba continua a existir em todos os animais, inclusive no homem, na forma do sistema nervoso autônomo contrátil. Essa suposição é confirmada microscopicamente. Por exemplo, movimentos de expansão e contração em vermes pequenos e translúcidos podem ser facilmente observados ao microscópio. Esses movimentos do mecanismo autônomo da vida ocorrem independentemente dos movimentos do corpo total, e os precedem.” “A sensação de <ser frio> e de <estar morto>, e a <falta de contato> do paciente psiquiátrico são expressões de uma deficiência da carga bioelétrica na periferia do corpo.”

Como só as sensações vegetativas de prazer são acompanhadas de um aumento da carga na superfície do organismo, a excitação agradável tem de ser considerada como um processo especificamente produtivo no sistema biológico. Todos os outros afetos, por exemplo o desprazer, o aborrecimento, a angústia e a pressão, em termos de energia, são o oposto a esse processo e por isso representam funções negadoras da vida. Assim, o processo do prazer sexual é o processo da vida per se.” Engraçado como há apenas uma força da vida e da alegria do existir e 3, 4, 5 forças negativas e destruidoras.

Os vitalistas sempre haviam afirmado que a matéria não-viva é fundamentalmente diferente da matéria viva. Aduziam sempre um princípio metafísico, como a <enteléquia>, para explicar o funcionamento vivo per se. Por outro lado, os mecanicistas afirmavam que, física e quimicamente, a matéria viva não é em nada diferente da matéria não-viva; apenas não fôra ainda suficientemente investigada. Assim, os mecanicistas negavam que há uma diferença fundamental entre a matéria viva e a não-viva. A fórmula de tensão-carga podia provar a exatidão de ambas as visões, embora de maneira diferente do que ambas poderiam imaginar.” Não se pode provar isso, Reich.

Os experimentos elétricos demonstraram que a excitação biológica do prazer e a excitação biológica da angústia são funcionalmente equivalentes à sua percepção.”

A energia eletromagnética move-se à velocidade da luz, i.e., a aproximadamente 186 mil milhas (300 mil quilômetros) por segundo. A observação da natureza das curvas e das medidas de tempo que caracterizam o movimento da energia bioelétrica demonstra que o movimento da energia bioelétrica é fundamentalmente diferente da velocidade conhecida e do tipo de movimento da energia eletromagnética. A energia bioelétrica move-se extremamente devagar, a uma velocidade mensurável em milímetros por segundo. (A velocidade pode ser medida contando-se o número dos pontos máximos cardíacos) A forma do movimento é lenta e ondulante. Assemelha-se aos movimentos de um intestino ou de uma serpente. O movimento também corresponde ao lento despertar de uma sensação orgânica ou de uma excitação vegetativa. Poder-se-ia sustentar que é a grande resistência dos tecidos animais que baixa a velocidade da energia elétrica do organismo. Essa explicação é insatisfatória. Quando um estímulo elétrico é aplicado ao corpo, é sentido imediatamente e respondido.

De modo inesperado, o conhecimento da função biológica de tensão-carga levou-me à descoberta dos processos de energia nos bíons, no organismo humano e na radiação do sol.

No verão de 1939, publiquei um pequeno ensaio, Drei Versuche mit Gummi am statischen Elektroskop. A borracha e o algodão expostos a uma cultura de bíons obtidos da areia do oceano produziam nítida deflexão do indicador de um eletroscópio estático. As mesmas substâncias em contato com um corpo humano vegetativamente não-perturbado, em particular na região do abdômen e dos genitais, por aproximadamente 15 ou 20 minutos, influenciarão igualmente o eletroscópio. Em última análise, a areia da qual surgiram os bíons por meio do aquecimento e da dilatação é apenas a energia solar concentrada. Daí veio a idéia de expor a borracha e o algodão aos raios fortes do sol, depois de verificar que não afetavam o eletroscópio. Demonstrou-se que o sol emite uma energia que influencia a borracha e o algodão da mesma forma que influencia a cultura de bíons e o organismo humano após a respiração plena, em estado vegetativo não-perturbado. Chamei a essa energia, que é capaz de carregar a matéria orgânica, orgônio.” Logo, o ser-em-angústia, que não reage ao bíon, está mais morto que o morto, i.e., mais morto que o inorgânico? Isto não pode ser!

A esse ponto, a investigação do organismo vivo foi além dos limites da psicologia profunda e da fisiologia; entrou no inexplorado território biológico. Durante os últimos 5 anos, a investigação do bíon absorveu toda a atenção disponível. Os bíons são vesículas microscópicas carregadas de energia orgonal [energia solar concentrada na matéria]; desenvolvem-se a partir da matéria inorgânica por meio do aquecimento e da dilatação. Propagam-se como bactérias. Desenvolvem-se também espontaneamente e na terra ou, como no câncer, a partir de matéria orgânica em degeneração. O meu livro Die Bione (1938) mostra a importância da fórmula de tensão-carga para a investigação experimental da organização natural da substância viva a partir da matéria não-viva.

A energia orgonal demonstra-se também visual, térmica e eletroscopicamente no solo, na atmosfera e nos organismos vegetais e animais. A vibração do céu, que alguns físicos atribuem ao magnetismo terrestre, e o cintilar das estrelas em noites claras e secas, são expressões diretas do movimento dos orgônios atmosféricos. As <tempestades elétricas> da atmosfera que perturbam os aparelhos elétricos quando há intensificação da atividade das manchas solares são, como se pode demonstrar experimentalmente, um efeito da energia orgonal atmosférica. Anteriormente essas tempestades eram percebidas apenas como perturbações das correntes elétricas.

A cor da energia orgonal é azul ou azul-cinza. Conseguimos torná-la visível dispondo de certa forma determinados elementos. A detenção da energia cinética do orgônio é expressa por um aumento de temperatura. A sua concentração ou densidade é indicada no eletroscópio estático pelas diferenças na velocidade da descarga. A descarga espontânea dos eletroscópios no ar não-ionizado, fenômeno conhecido como natural leak, <vazamento natural>, pelos fisiologistas, é o efeito do orgônio atmosférico e não tem nada que ver com a umidade. (…) A cor azul-do-céu e o azul-cinza da neblina atmosférica nos dias quentes de verão são reflexos diretos do orgônio atmosférico. O azul-cinza, as luzes setentrionais em forma de nuvem, o chamado fogo de Santelmo e as formações azuladas recentemente observadas no céu pelos astrônomos durante um aumento de atividade das manchas solares são também manifestações da energia orgonal.

As formações de nuvens, até aqui mal-entendidas, e os temporais dependem de mudanças na concentração do orgônio atmosférico. Isso pode ser demonstrado simplesmente medindo-se a velocidade das descargas eletroscópicas.”

Todos os alimentos cozidos consistem de vesículas azuis, que contêm orgônio.”

Numerosas observações de biólogos (Neisenheimer, Linné e outros) tornam possível entender a coloração azul das rãs em estado de excitação sexual ou a luminosidade azul dos botões das plantas como uma excitação biológica (orgonótica) do organismo. As culturas de bíons obtidas da areia do mar, nas quais descobri a radiação de orgônio em janeiro de 1939, tiveram o mesmo efeito sobre o filme colorido tanto na escuridão completa como à luz do sol, i.e., fizeram o filme ficar azul.” Blue Planet

Em contraste com a energia eletromagnética, a energia do orgônio é capaz de carregar matéria orgânica não-condutora.” O segundo volume deste livro descreverá como a pesquisa do bíon levou à descoberta da energia atmosférica do orgônio, como a existência do orgônio pode ser objetivamente demonstrada e qual a importância da sua descoberta para a compreensão do funcionamento biofísico.”

EMÍLIO ou POR QUE LIVROS SÃO UMA PORCARIA ou ainda POR QUE EU ODEIO AS MULHERES

8 de julho de 2015

DIC: dupe – trouxa, mané

PREFÁCIO DO TRADUTOR INGLÊS WILLIAM PAYNE – 18/06/1892 [!]

Não é provável que duas pessoas igualmente competentes concordariam completamente sobre uma lista de méritos entre os escritores educacionais, mas eu me aventuraria a enumerar os seguintes como os MAIORES CLÁSSICOS EM EDUCAÇÃO do mundo: a República de Platão, Política de Aristóteles, as 2 Morais de Plutarco, Instituições de Quintiliano, Didactica Magna de Comenius, Levana de Richter, How Gertrude Teaches Her Children de Pestaiozzi, Education of Man de Froebel, Filosofia da Educação de Rosenkranz, Gargantua de Rabelais, Ensaios de Montaigne, o Emílio de Rousseau, Posições de Mulcaster, Schoolmaster de Ascham, Pensamentos (…) de Locke, Educação de Spencer. Dessa lista de clássicos educacionais, os três livros que mais merecem essa preeminência são A República, o Emílio e Educação (Spencer); e se uma redução a mais tivesse de ser feita, designaria o E. de R. como o maior clássico educacional do mundo.” “we are justified in saying of the Émile what R. himself said of the Republic, <C’est le plus beau traité d’éducation qu’on a jamais fait>.” “As obras-pais são o Discurso sobre a Desigualdade e o Contrato Social. Nesses trabalhos a teoria de Rousseau é a de que o homem é naturalmente bom, mas foi depravado pela sociedade, e o único jeito de se reformar é retornar à natureza. O Emílio é o desenvolvimento dessa teoria, e é o monumento mais completo da filosofia de R.” “Às vezes a educação se torna quase totalmente <livresca>, devotada ao estudo dos livros e palavras em vez das coisas, e em outros momentos ela se torna principalmente literária ou humanística, até a negligência do estudo da matéria. Os registros do pensamento humano, do sentimento e das conquistas formam um termo do contraste, enquanto que a matéria e seus fenômenos, sob a alcunha de Natureza, constituem o outro pólo.” “Provavelmente a maioria dos homens sente às vezes esse instinto reverter para o estado de natureza, mas em R. esse instinto era uma paixão dominante. Em sua vida precoce esse instinto induziu a uma espécie de vagabundagem que o conduziu a longas caminhadas a pé pela Itália; e na vida tardia essa paixão achou satisfação no Eremitério de Montmorency, e finalmente em Ermenonville.” O Monge Peregrino

O Emílio pode ser chamado um romance educacional, seguindo o estilo da Cyropaedia ou do Gargantua, e sua forma pode ter sido sugerida por essas obras, ou bem possível que por aquele romance político incomparável…” “Nessa busca genérica e totalizante devemos dizer que R. estava em companhia respeitável, senão ilustre. Platão escreveu sua República, Harrington sua Oceana, More sua Utopia, Sidney sua Arcadia, e Hobbes seu Leviatã, cada um para expressar sua falta de satisfação com as coisas como existiam, e para achar gratificação na construção ideal de um mundo escorado em melhores princípios. Em todas essas criações há algum elemento de verdade perene, algo de que as sucessivas gerações precisam ser lembradas para manter o mundo, ou fazer do mundo, uma habitação deleitável para a raça.”

Veja os incontáveis dispositivos e máquinas para ensinar uma criança a ler! Que bando de geringonças inúteis! Crie-se na criança o desejo de ler, e todo esse aparato não serve para nada; o processo se simplifica o máximo, e a criança não poderá ser contida ou impedida de aprender.”

Boyhood follows childhood, and manhood, in turn, succeeds boyhood.” “um velho erro, que consistia em ou ignorar os direitos da infância como um todo ou prescrever o mesmo tratamento para crianças e homens indistintamente.” “os métodos infantis ganharam uma ascendência que não só é daninha às crianças como também para os adultos, já que os métodos infantis foram transportados para as universidades.” “Em nossos esforços para fazer da educação progressiva ela se tornou estacionária, e mesmo retrógrada. A reforma de Jean-Jacques [foi realmente adotada, mas] foi levada longe demais.” “Seu pensamento é de que, tanto quanto possível, a mente da criança deve ser mantida uma tabula rasa até a idade de 12, mas com toda a sua capacidade desenvolvida e preparada quando o sinal para se começar o trabalho de aquisição soar, sem prepossessão ou preconceito, o que a manteria equilibrada e independente.”

Foi relatado que uma vez um naturalista descobriu numa mina o que parecia uma nova espécie de planta, mas quando transplantada para a superfície ela se revelou a common tansy [flor amarela da ordem das “daisies”, margaridas] – um habitat anormal havia alterado sua aparência a ponto de ser impossível reconhecê-la.”

R. merece nossos aplausos quando desaconselha a seleção de uma intelectual para esposa, mas Sophie se parece demais com sua Teresa para merecer sequer nosso respeito.”

Que outro livro chamou tanto a atenção das mães para seu senso de dever com tamanhos paixão e efeito? O Emílio fez do ministério da sala de aula tão sagrado quanto o ministério do altar; e ao desvelar os mistérios de sua arte e desvendar o segredo de seu poder, fez do ofício de professor algo honrado e respeitado.”

O EMÍLIO PROPRIAMENTE DITO

Sou continuamente admoestado a propor aquilo que seja praticável! Isso é equivalente a dizer: <Proponha que se faça aquilo que está sendo feito!>, ou ao menos, <Proponha algo bom que seja compatível com a ruindade existente!>”

As pessoas lamentam a sorte das crianças; não vêem que a raça humana teria perecido se o homem não começasse por ser uma criança.” “quem pode esperar ter todo o controle sobre as conversas e atos que circundam uma criança?”

Por medo de que o corpo seja deformado por movimentos livres, nós nos apressamos a deformá-lo submetendo-o a uma prensa. Torná-lo-íamos deliberadamente impotente a fim de prevenir que fosse um corpo aleijado!”

They cry because of the wrong you do them.” “A free child must have ceaseless care, but when he is securely tied we may toss him into a corner and pay no heed to his cries.” “what a barbarous precaution it is to prolong the weakness of children at the expense of fatigue that must be suffered in later life.” “Suffering is the lot of man at every period of life.”

Augustus, the master of the world which he has conquered and which he governed, himself taught his grandsons to write and to swim”

Les Confessions, livro autobiográfico de R. em que ele expõe suas falhas como pai.

I will merely observe, contrary to the ordinary opinion, that the tutor of a child ought to be young – just as young as a man can be and be wise. Were it possible, I would have him a child, so that he might become a companion to his pupil and secure his confidence by taking part in his amusements. There are not things enough in common between infancy and mature years, so that there comes to be formed at that distance a really solid attachment. Children sometimes flatter old people, but they never love them.“There is a great difference, I assure you, between following a young man 4 years and conducting him 25. You give your son a tutor when he is already grown; but I would have him have one before he is born. Your man can take another pupil every 4 years; but mine shall never have but one.”

it is less reasonable to educate a poor man for becoming rich, than to educate a rich man for becoming poor.”

Aquele que se incumbe de um aluno doentio e abalável troca sua função de tutor pela de uma enfermeira; ao tratar de uma vida inútil, ele perde o tempo que seria destinado à aumentação de seu valor; e ainda corre o risco de ver uma mãe chorosa reprová-lo algum dia pela morte de um filho que ele manteve longamente vivo para ela.

Eu não me incumbiria de uma criança doente e debilitada, fosse para ele viver 80 anos. Não quero um aluno sempre inútil para si mesmo e para os outros, cuja única ocupação é manter-se vivo, e cujo corpo é um embaraço para a educação da alma. O que eu realizaria com cuidados milimétricos sem propósito, a não ser dobrar a perda para a sociedade ao roubar-lhe dois homens em detrimento de um? Se alguém fosse tomar o meu lugar e se devotar a esse inválido, não teria objeção, e aprovaria sua caridade; mas meu próprio talento não corre nessa linha.” “Não sei de que doença os médicos nos curam, mas sei que eles nos dão algumas bem fatais – covardia, pusilanimidade, credulidade, e medo da morte. Se curam o corpo, destroem a coragem. Que conseqüência se nos apresenta que façam corpos mortos caminhar? Do que precisamos é de homens, e não os vemos advir de suas mãos.” “O sábio Locke, que devotou parte de sua vida ao estudo da medicina, recomendava fortemente que crianças não fossem acompanhadas por médicos; nem por precaução e nem para cuidados triviais.” “A única parte útil da medicina é a higiene; e a higiene é menos uma ciência que uma virtude. Temperança e trabalho são os dois reais médicos do homem; o trabalho afia seu apetite, e a temperança previne-o de abusar-lhe.”

homens amontoados juntos como ovelhas pereceriam dentro em pouco. O bafo do homem é fatal para seus convivas; isso não é menos verdade literalmente que figurativamente. Cidades são os túmulos da espécie humana.”

Crianças devem ser banhadas freqüentemente; e na proporção que ganham força a quentura da água deve ser gradualmente arrefecida, até, finalmente, inverno e verão, elas tomarem banho em água fria, e mesmo em água a ponto de congelar. Como, para não expor sua saúde, essa redução de temperatura deve ser lenta, sucessiva e insensível, um termômetro terá de ser empregado com o fito de medições exatas.” “Ao manter-se as crianças vestidas e entre 4 paredes, nas cidades, elas sufocam.” “Crianças criadas em casas muito arrumadas em que aranhas não são toleradas têm medo de aranhas, e em muitos casos esse medo permanece depois de crescidas. Nunca vi camponeses, seja homem, mulher, ou criança, com medo de aranha.”

Uma criança quer desarranjar tudo que vê; ela quebra e danifica tudo que alcançar; segura um pássaro como seguraria uma pedra, e o estrangula sem saber o que faz.”

Orgulhar-se de não ter sotaque é orgulhar-se de retirar às sentenças sua graça e força.” “O sotaque mente menos que a fala, e é talvez por essa razão que pessoas cultivadas o temam tanto.”

First he would have your cane [bengala], presently your watch, next the bird which he sees flying in the air, and finally the stars which he sees glittering in the heavens – in a word, he would have everything he sees; and, short of being God himself, how is he to be satisfied?”

Do not give your pupil any sort of verbal lesson, for he is to be taught only by experience. Inflict on him no species of punishment, for he does not know what it is to be in fault. Never make him ask your pardon, for he does not know how to offend you.”

Two pupils from the city will do more mischief in the country than the youth of a whole village.” “To know good and evil, and to understand the reason of human duties, is not the business of a child.”

P. 68 (PDF): “Nothing is more difficult than to distinguish, in infancy, real stupidity from that apparent and deceptive stupidity which is the indication of strong characters. It seems strange, at first sight, that the two extremes should have the same signs, and yet this must needs be so; for, at an age when the man has as yet no real ideas, all the difference that exists between him who has genius and him who has it not, is that the latter gives admittance only to false ideas, while the former, finding no others, gives admittance to none. (…) During his infancy the younger Cato seemed an imbecile in the family. He was taciturn and obstinate, and this was all the judgment that was formed of him. It was only in the antechamber of Sylla that his uncle learned to know him. (…) If Caesar had not lived, perhaps men would always have treated as a visionary that very Cato who penetrated his baleful [doloroso] genius, and foresaw all his projects from afar.”

You are alarmed at seeing him consume his early years in doing nothing! Really! Is it nothing to be happy? Is it nothing to jump, play, and run, all the day long? In no other part of his life will he be so busy.”

What would you think of a man who, in order to turn his whole life to profitable account, would never take time to sleep? You will say that he is a man out of his senses; that he does not make use of his time but deprives himself of it; and that to fly from sleep is to run toward death.” Ro(u)be novo sono

It will seem surprising to some that I include the study of languages among the inutilities of education; but it will be recollected that I am speaking here only of primary studies; and that, whatever may be thought of it, I do not believe that, up to the age of twelve or fifteen years, any child, prodigies excepted, has ever really learned two languages.” “The spirit of each language has its peculiar form, and this difference is doubtless partly the cause and partly the effect of national characteristics. This conjecture seems to be confirmed by the fact that, among all the nations of the earth, language follows the vicissitudes of manners, and is preserved pure or is corrupted just as they are.” Saussure diria que todas as nações da Terra estão corrompidas e depravadas, segundo este raciocínio.

Nevertheless, we are told that he learns to speak several. This I deny. I have seen such little prodigies that thought they were speaking five or six languages. I have heard them speak German in terms of Latin, French, and Italian, respectively. In fact, they used five or six vocabularies, but they spoke nothing but German. In a word, give children as many synonyms as you please, and you will change the words they utter, but not the language; they will never know but one. § It is to conceal their inaptitude in this respect that they are drilled by preference on dead languages, since there are no longer judges of those who may be called to testify. The familiar use of these languages having for a long time been lost, we are content to imitate the remains of them which we find written in books; and this is what we call speaking them.”

I dare assert that, after studying cosmography and the sphere for two years, there is not a single child of ten who, by the rules which have been given him, can go from Paris to Saint Denis.”

P. 77: A história da morte de Alexandre, que se envenenou em honra da amizade com um famoso médico, Felipe. Felipe havia sido ordenado a envenenar Alexandre.

Émile shall never learn anything by heart, not even fables, and not even those of La Fontaine, artless and charming as they are; for the words of fables are no more fables than the words of history are history. (…) Fables may instruct men, but children must be told the bare truth § All children are made to learn the fables of La Fontaine, but there is not one of them who understands them. Even if they were to understand them it would be still worse; for the moral in them is so confused, and so out of proportion to their age, that it would incline them to vice rather than to virtue.” “in the fable of the Ant and the Cricket you fancy you are giving them the cricket for an example, but you are greatly mistaken: it is the ant that they will choose. No one likes to be humiliated.”

Reading is the scourge of infancy, and almost the sole occupation which we know how to give them. At the age of twelve, Émile will hardly know what a book is. But I shall be told that it is very necessary that he know how to read.” “Through what wonder-working has an art so useful and so agreeable become a torment to infancy? It is because children have been constrained to apply themselves to it against their wills, and because it has been turned to uses which they do not at all comprehend.” “Shall I speak at present of writing? No; I am ashamed to spend my time with such nonsense in a treatise on education.”

What need has he of learning to foretell rain? He knows that you observe the clouds for him.”

At eighteen, we learn from physics what a lever is; but there is no little peasant of twelve who does not know how to use a lever better than the first mechanician of the Academy.”

Our first teachers of philosophy are our feet, our hands, and our eyes. To substitute books for all these is not to teach us to reason, but to teach us to use the reason of others”

The limbs of a growing child should have plenty of room in their clothing. Nothing should impede their movements or their growth; nothing should fit so closely as to pinion the body. French dress, uncomfortable and unhealthy for men, is especially injurious for children.” “A better plan is to let them wear short skirts for as long a time as possible, then to give them a very loose dress, and to take no pride in showing off their form, a thing which serves only to deform it. Almost all their defects of body and mind come from the same cause: we wish to make men of them before their time.” “There should be little or no head-dress at any time of the year. The ancient Egyptians always went bareheaded, while the Persians covered the head with high tiaras, and they still wear high turbans, whose use, according to Chardin, is made necessary by the climate of the country.”

In the midst of the manly and sensible precepts which Locke gives us, he falls into contradictions which we should not expect from so exact a reasoner. This very man, who would have children in summer bathe in cold water, would not have them drink cool water when they are warm, nor lie down on the ground in damp places. As if little peasants selected very dry ground on which to sit or to lie, and as if one had ever heard say that the dampness of the earth had ever made one of them ill! To hear the doctors on this subject, one would fancy that all savages are impotent with rheumatism.

(*) “All this may be very well for savages, but if any enthusiastic disciple of Rousseau or of Locke should apply this hardening process to the children of civilized parents, the result would be like that which followed Peter the Great’s attempt to habituate his naval cadets to drinking sea-water. See Compayré, History of Pedagogy, English tr., p. 198.” Payne

Children require a long period of sleep, because their physical activity is extreme. One serves as a corrective for the other, and we thus see that they have need of both. Night is the season for repose, as is indicated by Nature.” “Whence it follows that in our climate, as a general rule, men and animals need to sleep longer in winter than in summer.” “No bed is hard for one who falls asleep the moment he lies down.” Professor cruel: “I shall sometimes awaken Émile, less from the fear that he may form the habit of sleeping too long than for the purpose of accustoming him to everything, even to being abruptly awakened. Besides, I should be poorly qualified for my employment if I could not force him to awaken of himself, and to get up, so to speak, at my command, without my saying a single word to him.”

Children should have many sports by night. This advice is more important than it seems. The night naturally frightens men, and sometimes animals. Reason, knowledge, intelligence, courage, relieve but few people from paying this tribute. I have seen logicians, strong minded men, philosophers, and soldiers, who were intrepid by day, tremble at night like women at the rustling of a leaf. We attribute this affright to the tales told by nurses, but we are mistaken; it has a natural cause. What is this cause? The same which makes the deaf distrustful and the people superstitious ignorance of the things which surround us and of what takes place about us.”

Let Émile spend his mornings in running barefoot in all seasons around his chamber, up and down stairs, and through the garden. Far from scolding him for this, I shall imitate him; only I shall take care to remove broken glass.”

As the sight is the sense which is the most intimately connected with the judgments of the mind, it requires a long time to learn to see. Sight must have been compared with touch for a long time in order to accustom the first of these two senses to make a faithful report of forms and distances; without the sense of touch, without progressive movement, the most piercing eyes in the world could not give us an idea of extension. To the oyster, the entire universe must appear only as a mere point; and were this oyster to be informed by a human soul, the world would seem nothing more. It is only by walking, feeling, numbering, and measuring dimensions that we learn to estimate them; but also, if we were always measuring, the eye, reposing on the instrument, would acquire no accuracy.”

Children, who are great imitators, all try their hand at drawing. I would have my pupil cultivate this art, not exactly for the art itself, but for rendering the eye accurate and the hand flexible; and, in general, it is of very little consequence that he understand such or such an exercise, provided he acquire the perspicacity of sense, and the correct habit of body, which are gained from that exercise. I shall take great care, therefore, not to give him a drawing-master who will give him only imitations to imitate, and will make him draw only from drawings.” In holding the pencil, I should follow his example; and at first I shall use it as awkwardly as he does.” “I shall begin by tracing a man just as lackeys [alunos] trace them on walls a stroke for each arm, a stroke for each leg, and the fingers larger than the arms. After a very long time we shall both take note of this disproportion; we shall observe that a leg has thickness, and that this thickness is not the same throughout”

O bom quadro não precisa de moldura?

I have said that geometry is not within the comprehension of children; but this is our fault. We do not perceive that their method is not ours, and that what becomes for us the art of reasoning ought to be for them only the art of seeing. Instead of giving them our method, it would be better for us to borrow theirs; for our way of learning geometry is as much a matter of imagination as of reasoning.” instead of using a compass to trace a circle, I will trace it with a point at the end of a thread turning about a centre. After this, when I would compare the radii of a circle, Émile will laugh at me, and will give me to understand that the same thread, while stretched tight, can not have traced unequal distances.”

(*) “No experimental process can ever establish the general truth that the sum of the three angles of a triangle is equal to two right angles. We should not confound <geometrical recreations> with geometrical science.”

I have sometimes asked why we do not offer children the same games of skill which men have, such as tennis, fives, billiards, bow and arrow, foot-ball, and musical instruments.” We always play games indolently in which we can be unskillful without risk. A falling shuttle-cock does harm to no one; but nothing invigorates the arms like having to protect the head with them, and nothing makes the sight so accurate as having to protect the eyes from blows.”

A perfect music is that which best unites these three voices. Children are incapable of this music, and their singing never has soul. So also, in the speaking voice, their language has no accent; they cry, but they do not modulate; and as there is little accent in their conversation, there is little energy in their voice. The speech of our pupil will be more uniform and still more simple, because his passions, not yet being awakened, will not mingle their language with his own. Therefore, do not make him recite parts in tragedy, or in comedy, nor attempt to teach him, as the phrase is, to declaim.

Moreover, in order to know music well, it does not suffice to render it; it is necessary to compose it, and one should be learned along with the other, for except in this way music is never very well learned.”

The farther the father fades…

For myself I would say, on the contrary, that it is only the French who do not know how to eat, since such a peculiar art is required in order to render their food palatable.” “Gluttony is the vice of natures which have no substance in them. The soul of a glutton is all in his palate – he is made only for eating; in his stupid incapacity, he is himself only at table, he is able to judge only of dishes. Leave him to this employment without regret; both for ourselves and for him, this employment is better for him than any other.” “The child thinks of nothing but eating; but in adolescence we no longer think of it; for everything tastes good, and we have many other things to occupy our thoughts.”

The clock strikes, and what a change! In a moment his eye grows dull and his mirth ceases; adieu to joy, adieu to frolicsome sports. A stern and angry man takes him by the hand, says to him gravely, <Come on, sir!> and leads him away. In the room which they enter I discover books. Books! What cheerless furniture for one of his age! The poor child allows himself to be led away, turns a regretful eye on all that surrounds him, holds his peace as he goes, his eyes are swollen with tears which he dares not shed, and his heart heavy with sighs which he dares not utter.”

His face, which has not been glued down to books, does not rest on his stomach, and there is no need of telling him to hold up his head.”

A teacher thinks of his own interest rather than that of his pupil. He endeavors to prove that he does not waste his time, and that he earns the money which is paid him; and so he furnishes the child with acquisitions capable of easy display, and which can be exhibited at will. Provided it can easily be seen, it matters not whether what he learns is useful.”

É contado que Alexandre O Grande, em sua infância, fôra o único a conseguir cavalgar o cavalo irado Bucéfalo. Ele descobriu que Bucéfalo nada temia, a não ser a própria sombra, e com a descoberta da causa veio a descoberta do remédio… Gata, eu quero cavalgar no seu bucéfalo!

Oh, but the human race is so easy to get lost, ‘cause there are monkeys who can surpass the negroes!

I receive pay for my tricks, not for my lessons.”

All this parade of instruments and machines displeases me. The scientific atmosphere kills science. All these machines either frighten the child, or their appearance divides and absorbs the attention which he owes to their effects.”

By collecting machines about us we no longer find them within ourselves.” O homemtécnica de Ráidega

Instead of making a child stick to his books, if I employ him in a workshop, his hands labor to the profit of his mind; he becomes a philosopher, but fancies he is only a workman.”

those multitudes of foolish and tiresome questions with which children weary all those who are about them, without respite and without profit, more to exercise over them some sort of domination than to derive any advantage from them.” Por quê?

Things! things! I shall never repeat often enough that we give too much power to words. With our babbling education we make nothing but babblers.”

I have often observed that in the learned instructions which we give to children we think less of making ourselves heard by them than by the grand personages who are present. I am very certain of what I have now said, for I have observed this very thing of myself.”

a man of his stature is buried in bushes.”

do you think that I should fail to weep if I could dine on my tears?”

O adolescente de 15 anos de Rousseau se comporta como nossa criança de 10 anos, talvez de 8.

I hate books; they merely teach us to talk of what we do not know.” (*) “Pestalozzi and even Plato affected a contempt for books: yet they were prolific authors, and owe their immortality to their writings. There are modern instances of this self-inflicted and unconscious satire of writing books to prove that books are useless!Se eu ao menos pudesse falar de tudo que não sei… Heil, Hitler!

my despite for sea ribes

(*) “Rousseau owed many of his ideas to the greater writers of ancient and modern times; but the source of his inspiration was Robinson Crusoé.”

Whatever men have made, men may destroy; there are no ineffaceable characters save those which Nature impresses, and Nature makes neither princes, nor millionaires, nor lords.”

I see that he owes his existence solely to his crown, and that if he were not king he would be nothing at all. But he who loses his crown and does without it, is then superior to it. From the rank of king, which a craven, a villain, or a madman might occupy as well, he ascends to the state of man which so few men know how to fill.”

UMA LIÇÃO PARA O DIOGO (EMBORA R. ESTEJA ERRADO): “<But,> you say, <my father served society while gaining this property.> Be it so; he has paid his own debt, but not yours. You owe more to others than as though you were born without property; you were favored in your birth. It is not just that what one man has done for society should release another from what he owes it; for each one, owing his entire self, can pay only for himself, and no father can transmit to his son the right of being useless to his fellows; yet that is what he does, according to you, in leaving him his riches, which are the proof and reward of labor.” Outside of society, an isolated man, owing nothing to any one, has a right to live as he pleases; but in society, where he necessarily lives at the expense of others, he owes them in labor the price of his support; to this there is no exception. To work, then, is a duty indispensable to social man. Rich or poor, powerful or weak, every idle citizen is a knave.”

I insist absolutely that Émile shall learn a trade. <An honorable trade, at least,> you will say. What does this term mean? Is not every trade honorable that is useful to the public? I do not want him to be an embroiderer, a gilder, or a varnisher, like Locke’s gentleman; neither do I want him to be a musician, a comedian, or a writer of books.*

* <You yourself are one,> some one will say. I am, to my sorrow, I acknowledge; and my faults, which I think I have sufficiently expiated, are no reasons why others should have similar ones. I do not write to excuse my faults, but to prevent my readers from imitating them.” A diligência chegou tarde, Rousseau! Eu sou outro você! Vamos salvar, juntos, a próxima geração?! Hmm, pouco provável… Eles estão ocupados demais jogando League of Legends para nos LER… Mas eis aí um progresso, quem sabe!

I would rather have him a cobbler [sapateiro; torta de fruta!] than a poet; I would rather have him pave the highways than to decorate china [porcelana].”

masonlayer

brickmason

brickmayor

fortressmason

musclelayer

masonslayer

brutemason

cobblermaker

shoecobbler

The great secret of education is to make the exercises of the body and of the mind always serve as a recreation for each other.”

Músculos doem, porque exagerei. Pensando no futuro de Rastignac e Mademoiselle Taillefer eu relaxo a postura, mas enervo e franzo minha fronte. Logo quererei caminhar, fazer uma promenade pelas aléias, en bouleversant le boulevard.

Émile has only natural and purely physical knowledge. He does not know even the name of history, nor what metaphysics and ethics are.”

At first we do not know how to live; soon we are no longer able to live; and in the interval which separates these two useless extremities three quarters of the time which remains to us is consumed in sleep, in labor, in suffering, in constraint, in troubles of every description.”

and whatever God wishes a man to do he does not cause it to be told to him by another man, but he says it to him himself, he writes it in the depths of his heart.”

À Tharsila na terapia:

Lembrei de você ao ler este trecho de Rousseau – Emílio, em que o autor elabora sucintamente seu conceito de “amor de si” em contraposição a “amor-próprio”. Vemos que talvez existam tantos conceitos de amor-próprio ou “auto-estima” quantas forem as cabeças!

[Voltei a trabalhar hoje, chego e não tenho conexão com a Internet nem mouse que funcione; tento resolver o problema e no começo (ou: até o momento) ninguém sabe o que houve… isso que eu chamo de pátria educadora!… Hehe, portanto, assim que voltar a me conectar ao mundo estarei enviando esse fragmento… acho que terei tempo de sobra para traduzir o trecho se você desejar (não sei seu nível de conhecimento do Inglês)… PS: o trecho após o asterisco, do próprio punho do Rousseau, parece ter sido feito sob encomenda para mim nas nossas sessões – vira-e-mexe parece que estou lendo justamente o que devia ler no momento em que estou lendo!]

The love of self (amour de soi), which regards only ourselves, is content when our real needs are satisfied; but self-love (amour-propre), which makes comparisons, is never satisfied, and could not be, because this feeling, by preferring ourselves to others, also requires that others prefer ourselves to them – a thing which is impossible.* (…) Thus, that which makes man essentially good is to have few needs and to compare himself but little with others; while that which makes him essentially bad is to have many needs and to pay great deference to opinion.

(*) Rousseau distinguishes love of self (amour de soi) from self-love (amour-propre). The first feeling is directed toward simple well-being, has no reference whatever to others, and is unselfish. The second feeling, on the contrary, leads the individual to compare himself with others, and sometimes to seek his own advantage at their expense. Our term self-love includes both meanings.”

The instructions of nature are tardy and slow, while those of men are almost always premature. In the first case, the senses arouse the imagination; and in the second, the imagination arouses the senses and gives them a precocious activity which can not fail to enervate and enfeeble, first the individual, and then, in the course of time, the species itself. [O MITO DA BESTA-LOIRA PUDICA NA GELEIRA:] A more general and a more trustworthy observation than that of the effect of climate is that puberty and sexual power always come earlier among educated and refined people than among ignorant and barbarous people [o mal da república tropical!].Explicação: a educação moderna, ao consistir num elevamento da censura, instiga a curiosidade no “pré-jovem”, tendo um efeito inverso e perverso em seu desenvolvimento físico e mental!

and if you are not sure of keeping him in ignorance of the difference of the sexes up to his sixteenth year, take care that he learn it before the age of ten.”

Modesty is born only with the knowledge of evil”

Whoever blushes is already guilty; true innocence is ashamed of nothing.”

There is a certain artlessness of language which becomes innocence and is pleasing to it; this is the true tone which turns aside a child from a dangerous curiosity.”

giggling governesses address conversation to them at 4 years which the most shameless would not dare to hold at 15. These nurses soon forget what they have said, but the children never forget what they have heard. Licentious conversation leads to dissolute manners; a vile servant makes a child debauched”

show them only pictures which are touching but modest, which move without seducing” A internet agradece.

Thucydides, in my opinion, is the true model for historians.” “The good Herodotus, without portraits, without maxims, but flowing, artless, and full of details the most capable of interesting and pleasing, would perhaps be the best of historians if these very details did not often degenerate into puerile simplicities, better adapted to spoil the taste of youth than to form it. Discernment is already necessary for reading him.” “We often find in a battle gained or lost the reason of a revolution which, even before that battle, had become inevitable.” “The fury of systems having taken possession of them all, nobody attempts to see things as they are, but only so far as they are in accord with his system.”

avoid a void

<The writers of lives who please me most,> says Montaigne, <are those who take more pleasure in counsels than in events, more in what proceeds from within than in what comes from without; and this is why in all respects my man is Plutarch.>”

There is no folly, save vanity, of which we can not cure a man who is not a fool.”

The lesson which revolts does not profit. I know nothing more stupid than this saying, I told you so.” “But if to his chagrin you add reproaches, he will hate you, and will make it a law no longer to listen to you, as though to prove to you that he does not think as you do on the importance of your advice.” “In saying to him, for example, that a thousand others have committed the same faults, you will place him far above his own reckoning; you will correct him by not seeming to pity him; for, to one who believes he is of more account than other men, it is a very mortifying excuse to be consoled by their example”

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properly prospering

Through what strange turn of mind is it that we are taught so many useless things, while the art of self-conduct counts for nothing? It is asserted that we are trained for society, and yet we are taught as though each of us was to spend his life in thinking alone in his cell, or in discussing idle questions with the indifferent. You fancy you are teaching your pupils to live by teaching them certain contortions of the body and certain verbal formula which have no significance. (…) The laws do not permit young men to transact their own business and to dispose of their own property; but of what use would these precautions be to them if up to the prescribed age they could acquire no experience? They would have gained nothing by waiting, and would be just as inexperienced at 25 as at 15.

a man superior to others, but not able to raise them to his level, to know how to condescend to theirs!”

Without having experienced the human passions, he knows their illusions and their manner of acting.”

Locke would have us begin with the study of mind, and pass thence to the study of the body. This is the method of superstition, of prejudice, and of error, but not that of reason, nor even of well-ordered nature; it is to close one’s eyes in order to learn how to see. We must have studied the body for a long time in order to form a correct notion of mind and to suspect that it exists. The contrary order serves only to establish materialism.”

<I would much prefer,> says the good Plutarch, <that one should believe there is no Plutarch in existence, than to say that Plutarch is unjust, envious, jealous, and so tyrannical as to exact more than he gives power to perform.>”

If I dissimulate and pretend to see nothing, he takes advantage of my weakness; thinking that he deceives me, he holds me in contempt, and I am the accomplice of his ruin. If I attempt to hold him back, the time for it is passed, and he no longer listens to me. I become disagreeable to him, odious, unendurable, and he will not be likely to lose any time in getting rid of me.”

Young men who are found wise on these subjects, without knowing how they became so, have never gained their wisdom with impunity.”

But why does the child choose secret confidants? Always through the tyranny of those who govern him. Why should he conceal himself from them if he were not forced to do so? Why should he complain of them if he had no subject of complaint? Naturally they are his first confidants; and we see from the eagerness with which he comes to tell them what he thinks, that he believes that he has only half thought it until he has told them. Consider that, if the child fears neither lecture nor reprimand on your part, he will always tell you everything; and that no one will dare confide anything to him which he ought to conceal from you, if he is very sure that he will conceal nothing from you.” “but if he becomes more timid and more reserved, and I perceive in his conversation the first embarassment from shame, the instinct is already developing itself, and the idea of evil is already beginning to be associated with it.” O engraçado é que isso está no capítulo dos 15 aos 20 anos, quando deveria estar no capítulo dos 7 anos de idade.

Drama queen Rousseau: “Reading, solitude, idleness, an aimless and sedentary life, intercourse with young men and women, these are the paths dangerous to open to one of his age, and which ceaselessly keep him alongside of peril.”

When the hands are fully occupied, the imagination is in repose; when the body is very weary, the heart does not become excited.”

If hunting is ever an innocent pleasure, if it is ever fitting for a man, it is now that we must have recourse to it.”

Diana has been represented as the enemy of love, and the allegory is very appropriate. The languors of love spring only from a pleasing repose; violent exercise suppresses tender emotions.” Deixa eu correr pra você, gata! 

MONTESQUIEU APLICADO ÀS PULSÕES (“Só a paixão freia a paixão”): We have no hold on the passions save through the passions; it is through their empire that we must make war on their tyranny, and it is always from Nature herself that we must draw the instruments proper for controlling her.”

Give me a child of 12 years who knows nothing at all, and at 15 I will guarantee to make him as wise as he whom you have instructed from infancy”

Whoever has passed all his youth at a distance from cultivated society will maintain there for the rest of his life an air of embarrassment and restraint, a style of conversation that is always inappropriate, and dull and awkward manners which the habit of living there no longer corrects, and which become only the more ridiculous by the effort to escape from them.”

What is real love itself, if not a dream, a fiction, an illusion? We love the picture which we form much more than the object to which we apply it. If we saw what we love exactly as it is, there would no longer be any love in the world. When we cease to love, the person whom we loved remains the same as before, but we no longer see her the same. The veil of delusion falls, and love vanishes.” “Sophie is so modest! How will he view their advances? Sophie has such simplicity! How will he love their airs?”

You can not imagine how Émile, at the age of twenty, can be docile. How different our ideas are! As for me, I can not conceive how he could be docile at ten; for what hold had I on him at that age? It cost me the cares of fifteen years to secure that hold. (…) I grant to him, it is true, the appearance of independence; but he was never in more complete subjection, for his obedience is the result of his will.” “He sets too little value on the judgments of men to incur their prejudices, and is not at all anxious to be esteemed before being known.” But he would like to be known. And does not know exactly how. What to do with his know-how.

Just the contrary. If, alone, he takes no account whatever of other men, does it follow that he should take no account of them while living with them?”

Era uma vez o gentil Emílio no ônibus: “He indicates no preference for them over himself in his manners, because he does not prefer them in his heart; but, on the other hand, he does not treat them with an indifference which he is very far from feeling; if he has not the formalities of politeness, he has the active instincts of humanity. He does not love to see any one suffer. He will not offer his place to another through affectation, but will yield it to him voluntarily through goodness of heart, if, seeing him neglected, he thinks that this neglect mortifies him; for it will cost my young man less to remain standing voluntarily than to see the other remain standing by compulsion.”

Generally speaking, people who know little speak much, and people who know much speak little.” D*** “not for the sake of seeming well informed in social usages, nor to affect the airs of a polished gentleman, but, on the contrary, for the sake of escaping notice, for fear that he may be observed; and he is never more at ease than when no one is paying attention to him.” “Although, on entering society, he is in absolute ignorance of its usages, he is not, on this account timid and nervous. If he keeps in the background, it is not through embarrassment, but because in order to see well, he must not be seen; for he is hardly disturbed by what people think of him, and ridicule does not cause him the least fear.”

SÍNDROME DE GON: “Émile will be, if you please, an amiable foreigner, and at first his peculiarities will be pardoned by saying: <He will outgrow all that!> In the end, people will become perfectly accustomed to his manners, and, seeing that he does not change them, he will again be pardoned for them by saying: <He was made so!>” “He will not be fêted in society as a popular man, but people will love him without knowing why.” “He aims neither at eccentricity nor brilliancy. Émile is a man of good sense, and wishes to be nothing else”

In running he would be the fleetest, in a contest the strongest, in work the most clever, and in games of skill the most dexterous; but he will care little for advantages which are not clear in themselves, but which need to be established by the judgment of others as of having more genius than another, of being a better talker, of being more learned, etc.; still less those which become no one, as of being better born, of being thought richer”

he philosophizes on the principles of taste, and this is the study that is proper for him during this period.” “taste is corrupted by an excessive delicacy, which makes us sensitive to things which the most of mankind do not perceive. (…) In disputes as to the preference, philosophy and learning are exhausted (…) At this moment there is perhaps no civilized place on the globe where the general taste is as bad as in Paris. And yet it is in this capital that good taste is cultivated; and there appear but few books esteemed in Europe whose author was not trained in Paris. Those who think it suffices to read the books which are written there are deceived, we learn much more from the conversation of authors than from their books (…) If you have a spark of genius, come and spend a year in Paris; you will soon be all you are capable of being, or you will never be anything.”

It is of little account to learn languages for themselves, for their use is not so important as we think; but the study of language leads to the study of general grammar. We must learn Latin in order to know French well; and we must study and compare both in order to understand the rules of the art of speaking.”

There is, moreover, a certain simplicity of taste which penetrates the heart and which is found only in the writings of the ancients. In oratory, in poetry, in every species of literature, he will find them, just as in history, abundant in matter and sober in judgment. Our authors, on the contrary, say little and talk much. To be ever giving their judgment for law is not the means of forming our own. The difference between the two tastes is visible on monuments, and even on tombstones. Ours are covered with eulogies, while on those of the ancients we read facts:

Sta, viator; heroem calcas. [Pare, peregrino; você está pisando sobre o pó de um herói]

being the first, the ancients are nearer to Nature, and have more native genius. Whatever La Motte and the Abbé Terrasson may say to the contrary, there is no real progress in reason in the human race, because what is gained on the one hand is lost on the other; for as all minds always start from the same point, and as the time spent in learning what others have thought is lost for teaching one’s self how to think, we have more acquired knowledge and less vigor of mind. Our minds, like our hands, are trained to do everything with tools, and nothing by themselves.” “I take Émile to the theatre in order to study, not manners, but taste; for it is there, in particular, that he will be presented to those who know how to reflect. (…) The study of the theatre leads to that of poetry; they have exactly the same object. If he has the least spark of taste for poetry, with what pleasure he will cultivate the languages of poets, the Greek, the Latin, and the Italian!E que depreciação monstruosa ter lido os renascentistas em Inglês!

They will be delicious to him at an age and in circumstances when the heart is interested so charmingly in all varieties of beauty calculated to touch it. Imagine on one side my Émile, and on the other a college blade, reading the fourth book of the AEneid, or Tibullus, or the Banquet of Plato. What a difference!” Seria eu um retardado, no sentido anacrônico do termo? Num livro em que Rousseau sempre prescreve as coisas com atraso em relação a nossa época tão precoce, eu nunca jamais teria tido o prazer de gastar horas com um Platão em mãos, atualizando este blog, que para mim só passou a fazer real sentido em 2008, justo à segunda década de vida… Mas até seu Emílio se adianta a mim, logo neste hábito que me é tão caro!

Be a man of feeling, but be a wise man. If you are but one of these, you are nothing.” “I have said elsewhere that taste is but the art of discerning the value of little things (…) since the happiness of life depends on the contexture of little things, such concerns are far from being unimportant” “I should be temperate for sensual reasons.”

and in my viands I should always prefer those which she has made the most toothsome, and which have passed through the fewest hands in order to reach my table.”

who, seeking for summer in winter and winter in summer, would have cold in Italy and heat in the north.”

In order to be well served, I would have few domestics. A private citizen derives more real service from a single servant than a duke from the ten gentlemen who surround him.”

My furniture should be as simple as my tastes. I would have neither picture-gallery nor library, especially if I loved books and were a judge of pictures.”

Anti-Ronaldo Fenômeno, o PokerStars: “Play is not an amusement for a rich man, but the resource of an idler; and my pleasures would give me too much employment to leave me much time to be so poorly employed. Being solitary and poor, I do not play at all, save sometimes at chess, and this is too much. (…) We rarely see thinkers who take much pleasure in play, for it suspends this habit, or employs it in dry combinations”

The dishes would be served without order, appetite dispensing with manners”

it is a hundred times more easy to be happy than to appear so.”

Adeus a Paris, então, cidade tão famosa, barulhenta, fumacenta, e suja, onde as mulheres não mais acreditam na honra, nem os homens na virtude. Adeus, Paris. Como estamos em busca de amor, felicidade, e inocência, não estaremos jamais longe o bastante de ti.”

A partir da p. 260, a caracterização de Sophie: trechos que vão irritar a Brenda!

His merit lies in his power; he pleases simply because he is strong. I grant that this is not the law of love, but it is the law of Nature, which is anterior even to love.”

A burguesa crítica rousseauana de Platão: “As though it were not through the little community, which is the family, that the heart becomes attached to the great! And as though it were not the good son, the good husband, and the good father, who makes the good citizen!”

You are always saying that women have faults which you have not. Your pride deceives you. They would be faults in you, but they are virtues in them; and everything would not go so well if they did not have them.”

Brilhante e rafaelítica análise?

Woman is worth more as a woman, but less as a man; wherever she improves her rights she has the advantage, and wherever she attempts to usurp ours she remains inferior to us. Only exceptional cases can be urged against this general truth – the usual mode of argument adopted by the gallant partisans of the fair sex.” “A mulher vale mais como mulher, mas menos como homem; onde quer que ela aperfeiçoe seus direitos ela tem a vantagem, e onde quer que ela procure usurpar os nossos ela permanece inferior a nós. Só casos excepcionais podem ser evocados contra essa verdade geral – a principal argumentação utilizada pelos galantes partidários do sexo frágil.”

Ao tentar usurpar nossas vantagens elas não abandonam as próprias (…) conseqüentemente, não podendo manejar ambas propriamente, devido a sua incompatibilidade inata, esbarram em suas próprias limitações sem predominar nas nossas, assim perdendo metade de seu valor.” “Acredite em mim, mãe judiciosa, não faça de sua filha um bom homem, como se quisesse passar a perna na Natureza, mas faça dela sim uma boa mulher, e tenha certeza de que ela valerá mais para si mesma e para nós.” “the whole education of women ought to be relative to men. To please them, to be useful to them, to make themselves loved and honored by them, to educate them when young, to care for them when grown, to counsel them, to console them, and to make life agreeable and sweet to them – these are the duties of women at all times, and what should be taught them from their infancy.” “Little girls, almost from birth, have a love for dress. Not content with being pretty, they wish to be thought so. We see in their little airs that this care already occupies their minds; and they no sooner understand what is said to them than we control them by telling them what people will think of them. The same motive, very indiscreetly presented to little boys, is very far from having the same power over them.” “Delicacy is not languor, and one need not be sickly in order to please.” “Once opened, this first route is easy to follow; sewing, embroidery, and lace-work will come of themselves. Tapestry is not so much to their liking; and as furniture is not connected with the person, but with mere opinion, it is too far out of their reach. Tapestry is the amusement of women; young girls will never take very great pleasure in it.” “As long as they live they will be subject to the most continual and the most severe restraint – that which is imposed by the laws of decorum.” “By reason of our senseless customs, the life of a good woman is a perpetual combat with herself; and it is just that this sex share the discomfort of the evils which it has caused us.” “Do not deny them gayety, laughter, noise, and sportive diversions; but prevent them from being satiated with one and running to the other; never suffer them for a single moment of their lives to know themselves free from restraint.” “Made to obey a being as imperfect as man, often so full of vices, and always so full of faults, she ought early to learn to suffer even injustice, and to endure the wrongs of a husband without complaint” “Heaven has not made them insinuating and persuasive in order to become waspish; has not made them weak in order to be imperious; has not given them so gentle a voice in order to use harsh language; and has not made their features so delicate in order to disfigure them by anger. When they become angry they forget themselves; they often have reason to complain, but they are always wrong in scolding. (…) The husband who is too mild may make a woman impertinent; but, unless a man is a brute, the gentleness of a wife reforms him, and triumphs over him sooner or later.” “the little girls who have only just come into the world, so to speak; compare them with little boys of the same age, and if the latter do not seem dull, thoughtless, and stupid in their presence, I shall be unquestionably wrong.” “I know that austere teachers would have young girls taught neither singing, dancing, nor any other accomplishment. This seems to me ludicrous. To whom, then, would they have these things taught? To boys? To whom does it pertain, by preference, to have these talents: to men, or to women? To no one, they will reply; profane songs are so many crimes; the dance is an invention of the devil; a young girl ought to have no amusement save her work and her prayers. Strange amusements these for a child of ten!” “I can imagine nothing more ridiculous than to see an old dancing-master approach with a grim air young persons who want merely to laugh, and, while teaching them his frivolous science, assume a tone more pedantic and magisterial than if it were their catechism he was teaching.” “I shall never be made to believe that the same attitudes, the same steps, the same movements, the same gestures, and the same dances are equally becoming to a little brunette, lively and keen, and to a tall, beautiful blonde with languishing eyes.” “Women have a flexible tongue; they speak sooner, more easily, and more agreeably than men. They are accused also of speaking more. This is proper, and I would willingly change this reproach into a commendation. With them the mouth and the eyes have the same activity, and for the same reason. A man says what he knows, and a woman what is pleasing. In order to speak, one needs knowledge and the other taste” Estranha verdade que agrada, essa.

It is easy to see that if boys are not in a condition to form any true idea of religion, for a still stronger reason the same idea is above the conception of girls. It is on this very account that I would speak to them the earlier on this subject; for if we must wait till they are in a condition to discuss these profound questions methodically, we run the risk of never speaking to them on this subject.” “For the reason that the conduct of woman is subject to public opinion, her belief is subject to authority. Every daughter should have the religion of her mother, and every wife that of her husband. Even were this religion false, the docility which makes the mother and the daughter submit to the order of nature expunges in the sight of God the sin of error. As they are not in a condition to judge for themselves, women should receive the decision of fathers and husbands as they would the decision of the Church.” “Always extremists, they are all free-thinkers or devotees; none of them are able to combine discretion with piety.”

I wish some man who thoroughly knows the steps of progress in the child’s mind would write a catechism for him. This would perhaps be the most useful book that was ever written”

To what condition should we reduce women if we make public prejudice the law of their conduct? Let us not abase to this point the sex which governs us, and which honors us when we have not degraded it. There exists for the whole human species a rule anterior to opinion. (…) § This rule is the inner moral sense.” “Are women capable of solid reasoning? Is it important for them to cultivate it? Will they cultivate it with success? Is this culture useful to the functions imposed on them? Is it compatible with the simplicity which is becoming to them?” “The reason which leads man to the knowledge of his duties is not very complex; and the reason which leads woman to the knowledge of hers is still simpler.” “The search for abstract and speculative truths, principles, and scientific axioms, whatever tends to generalize ideas, does not fall within the compass of women; all their studies ought to have reference to the practical; it is for them to make the application of the principles which man has discovered, and to make the observations which lead man to the establishment of principles. All the reflections of women which are not immediately connected with their duties ought to be directed to the study of men and to that pleasure-giving knowledge which has only taste for its object; for as to works of genius, they are out of their reach, nor have they sufficient accuracy and attention to succeed in the exact sciences; and as to the physical sciences, they fall to that one of the two which is the most active, the most stirring, which sees the most objects, which has the most strength, and which exercises it most in judging of the relations of sensible beings and of the laws of nature.” “She must therefore make a profound study of the mind of man, not the mind of man in general, through abstraction, but the mind of the men who surround her, the mind of the men to whom she is subject, either by law or by opinion.” “It is for women to discover, so to speak, an experimental ethics, and for us to reduce it to a system. Woman has more spirit and man more genius; woman observes and man reasons.” “The world is woman’s book; when she reads it wrong, it is her fault or some passion blinds her.” In France girls live in convents and women travel the world over. Among the ancients it was just the contrary: girls, as I have said, indulged in sports and public festivals, while the women lived in retirement. This custom was the more reasonable and better maintained the public morals. (…) Mothers, at least make companions of your daughters. Give them a sense of uprightness and a soul of honor, and then conceal nothing from them, nothing which a chaste eye may look at. Balls, banquets, games, even the theatre, everything which, wrongly viewed, makes the charm of unadvised youth, may be offered without risk to uncorrupted eyes. The better they see these noisy pleasures the sooner will they be disgusted with them.” “I hear the clamor which is raised against me.”

The convents are veritable schools of coquetry – not of that honest coquetry of which I have spoken, but of that which produces all the caprices of women and makes the most extravagant female fops [dandismos; coisas de janota; almofadinhagens].” “it seems to me that, in general, Protestant countries have more family affection, more worthy wives, and more tender mothers than Catholic countries”

Unfortunately, private education in our large cities no longer exists. Society there is so general and so mixed that there is no longer an asylum for retreat, and we live in public even at home. By reason of living with everybody we no longer have a family, we hardly know our parents, we see them as strangers, and the simplicity of domestic manners has become extinct along with the sweet familiarity which constituted its charm.”

In the large cities the depravation begins with life, and in the small it begins with reason. Young women from the provinces, taught to despise the happy simplicity of their manners, make haste to come to Paris to share the corruption of ours” “Only fools are loud in their conduct; women who are wise create no sensation.”

Gloomy lessons serve only to involve in hatred both those who give them and all that they say.”

and if she were more perfect she would be less pleasing.” “Sophie is not beautiful; but in her presence men forget beautiful women, and beautiful women are discontented with themselves.” “she charms, but no one can tell why.” “She has also devoted herself to all the details of housekeeping. She is acquainted with the kitchen and the pantry; she knows the price of provisions, and also their qualities; she has a thorough knowledge of book-keeping, and serves her mother as housekeeper.” “It is not with girls as with boys, who can be governed up to a certain point by their appetite. This inclination has its consequences for the sex; it is too dangerous to go unchecked. The little Sophie, in her girlhood, going alone into her mother’s pantry, did not always come back empty-handed, and her fidelity with respect to sugar-plums and bonbons was not above suspicion. Her mother detected her, reproved her, punished her, and made her fast. At last she succeeded in persuading her that bonbons spoiled the teeth, and that eating too much made one stout. In this way Sophie reformed. As she grew up she contracted other tastes, which have turned her aside from this low sensuality. In women, as in men, as soon as the heart grows warm gluttony is no longer a dominant vice. Sophie has preserved the characteristic taste of her sex: she likes milk, butter, cream, and sweetmeats; is fond of pastry and dessert, but eats very little meat; she has never tasted either wine or intoxicating liquors. Moreover, she eats very moderately of everything; her sex, less laborious than ours, has less need to repair its waste.” “Sophie is naturally gay – she was even frolicsome in her childhood; but little by little her mother has taken care to repress her giddy airs, for fear that too sudden a change might ere long apprise her of the moment which had rendered it necessary.” “Woman is made to submit to man, and even to endure his injustice. You will never reduce young boys to the same point; in them the inner sense rises in revolt against injustice; nature has not made them for tolerating it.” “Sophie loves virtue, and this love has become her ruling passion. She loves it because there is nothing so beautiful as virtue; she loves it because virtue constitutes the glory of woman, and a virtuous woman seems to her almost equal to an angel” “Sophie will be chaste and upright even to her last breath” “She speaks of the absent only with the greatest circumspection, especially if they are women. She thinks that what makes them slanderous and satirical is the habit of speaking of their own sex; for as long as they restrict themselves to speaking of ours they are only just.” “although she is not tall, she has never wished for high heels; she has feet that are small enough to do without them.”

ROUSSEAU ENSINANDO A CORTAR CANTADAS DE PEDREIRO NO SÉCULO XVIII

Deixe o bonitão loquaz cumprimentá-la, exortá-la em altos termos por sua esperteza, por sua beleza, por suas graças, e pela felicidade incomprável de agradar-lhe, e ela o interromperá prontamente dizendo com polidez: <Senhor, receio ter conhecimento dessas coisas melhor do que o senhor, e se não temos nada melhor sobre o que conversar, penso que devemos encerrar a conversação neste mesmo instante.>”

Não corta o meu barato, gata, corta o meu carão.

Ou sou seu cachorrinho ou sou meu próprio demônio. Você me pediu para ir com calma, mas eu fui tão calmo quanto uma tsunami umedecendo a praia desguarnecida, arrancando as raízes das árvores mais anciãs!

Luneta profana, é o que eu nunca vou usar. No meio da montanha-russa eu não sei sentar!

Deus-micróbio: ou plenipotente ou um nada levado pelo vento das circunstâncias e emoções. microDeus-óbito.

Estou tendo um AVC. Vou terminar de tê-lo quando eu morrer. Isso pode levar décadas.

With such a great maturity of judgment, and developed in all respects like a girl of twenty, Sophie at fifteen will not be treated by her parents as a child. (…) The happiness of a noble girl consists in making a good man happy. We must therefore think of your marriage, and we must think of it thus early, for on marriage depends the destiny of life, and there is never too much time for thinking of this.” “Nada é mais difícil do que a escolha de um bom marido, salvo, talvez, a de uma boa esposa. Sofia, você deve ser essa esposa tão rara.” “but, although you have good judgment and know your own merits, you are lacking in experience, and do not know to what extent men can disguise themselves. An adroit rascal may study your tastes in order to lead you astray, and in your presence feign virtues which he does not have. This one might ruin you, Sophie, before you were aware of it, and you would become conscious of your error only to weep over it [LA FEMME DE 30 ANS]. The most dangerous of all snares, and the only one which reason can not avoid, is that of the senses. If you ever have the misfortune to fall into it, you will see nothing but illusions and idle fancies; your eyes will be fascinated, your judgment will be unsettled, your will will be corrupted, and you will cherish even your illusion, and when you are in a condition to be conscious of it you will not disown it. (…) As long as you are cool-headed, remain your own judge; but as soon as you are in love, then trust the care of yourself to your mother.” “In the two sexes I know of but two classes that are really distinct: people who think and people who do not think; and this difference depends almost wholly on education. A man belonging to the first of these two classes ought not to form an alliance with the second; for the greatest charm of companionship fails him when, having a wife, he is reduced to thinking alone. Men who devote their whole lives to working for a living have no other idea than that of their work or their interests, and their whole mind seems to be at the ends of their fingers.” “The conscience is the clearest of philosophers, and we need not know Cicero’s Offices in order to be a man of worth; and the most honorable woman in the world has perhaps the least idea of what honor is.” “It is then not meet for an educated man to take a wife who is uneducated, nor, consequently, to marry into a class where education is impossible. But I would a hundred times prefer a simple girl, rudely brought up, to a girl of learning and wit who should come to establish in my house a literary tribunal of which she should make herself the president. A woman of wit is the scourge of her husband, her children, her friends, her servants, of everybody. (…) Away from home she is always the subject of ridicule, and is very justly criticised, as one never fails of being the moment she leaves her proper station and enters one for which she is not adapted” “Readers, I appeal to you on your honor which gives you the better opinion of a woman as you enter her room, which makes you approach her with the greater respect: to see her occupied with the duties of her sex, with her household cares, the garments of her children lying around her; or, to find her writing verses on her dressing-table, surrounded with all sorts of pamphlets and sheets of notepaper in every variety of color? If all the men in the world were sensible, every girl of letters would remain unmarried all her life.”

It is asked whether it is good for young men to travel, and the question is in great dispute. If it were differently stated, and it were asked whether it is good for men to have traveled, perhaps there would not be so much discussion. § The abuse of books kills science. Thinking they know what they have read, men think they can dispense with learning it.” “Of all the centuries of literature there is not one in which there has been so much reading as in this, and not one in which men have been less wise; of all the countries of Europe, there is not one where so many histories and travels have been printed as in France, and not one where less is known of the genius and customs of other countries. So many books make us neglect the book of the world” “A Parisian fancies he knows men, while he knows only Frenchmen. (…) we must have lived with them, in order to believe that with so much spirit they can also be so stupid. The queer thing about it is, that each of them has read, perhaps ten times, the description of the country one of whose inhabitants has filled him with so much wonder.” “I have spent my life in reading books of travel, and I have never found two of them which gave me the same idea of the same people.” “They [books] are useful for preparing Platos of fifteen for philosophizing in clubs, and for instructing a company on the customs of Egypt and India, on the faith of Paul Lucas or of Tavernier.” O caráter nacional: “He who has seen ten Frenchmen has seen them all. Although we can not say the same of the English and of some other peoples, it is nevertheless certain that each nation has its peculiar and specific character, which is inferred by induction, not from the observation of a single one of its members, but of several.” Carmelitando: “There are many people whom travel instructs still less than books, because they are ignorant of the art of thinking; whereas in reading, their mind is at least guided by the author, while in their travels they do not know how to see anything for themselves.” Beware with whom you travel next time! “Of all the people in the world, the Frenchman is he who travels the most; but, full of his own ways, he slights indiscriminately everything which does not resemble them.” O gringo amado do Doutor Sérgio-Sapiente é o francês de hoje. “The English also travel, but in a different way; and it seems that these two nations must be different in everything. The English nobility travel, the French nobility do not travel; the French people travel, the English people do not travel. This difference seems to me honorable to the latter.” E quem seria o britânico de hoje? O britânico mesmo?! O europeu em geral?!? “The Englishman has the prejudices of pride, and the Frenchman those of vanity.” “Whoever returns from a tour of the world is, on his return, what he will be for the rest of his life.”

Seria eu, citando tantas passagens de um livro, o mesmo que um selfier ou recorder de show de música? Mas ora, se eu não leio várias vezes o que eu posto!! Já o selfier… E, bem, não há o que eu possa chamar de “exemplar original” no meu metier… Nen(h)um romance possui esse romantismo!

Tem gente que volta fedida da Europa porque só tomou banho de loja.

Vai uma fotografia na chapa com sal aí?!

To travel for the sake of traveling, is to be a wanderer, a vagabond; to travel for the sake of instruction, is still too vague an object, for instruction which has no determined end amounts to nothing. I would give to the young man an obvious interest in being instructed; and this interest, if well chosen, will go to determine the nature of the instruction. This is always the method which I have attempted to put in practice.”

Livro análogo em que Rousseau “ensina a religião do futuro, ou como sempre deveria ter sido ensinada”: Profession de Foi du Vicaire Savoyard.

Comentários póstumos de filósofos franceses:

Rousseau was not a pure theorist, proceeding by a + b and subjecting society without pity to the bed of Procrustes [que exigisse que se achatasse ou se alongasse a seu molde]”

Ele, que desdenhava fazer a barba a fim de aparecer diante do Rei da França, saltava de sua cama ainda no escuro a fim de saudar, na floresta, a flor recém-brotada ou um pássaro de estação.” Tradução bem livre, devo avisar.

We may imagine and even predict that a day will come when there will no longer be a single man in the world who has opened a single volume of Voltaire; but Rousseau!” “The moment we scrutinize his system of morals and come into close relations with it, it stands the test no better than his philosophy or his politics. The form is a marvel, but the substance is only an incoherent jumble of maxims, relatively true, but often false in their application.” “His mind was deformed from infancy, and could never be repaired. No; he withdraws from the real world, and with the ink and paper of the old books with which he has stuffed his head he builds a moral and philosophic world” “Teria ele se tornado nosso Rousseau se ele houvesse sido um pai de família, confinado a uma vida sedentária e regrada cujos fins seriam tão-só suas crianças e o pão de cada dia? Certamente que não.” Querida, abandonei as crianças!

Ab ovo: do começo. É dito que Helena de Tróia nasceu de um de dois ovos gêmeos botados por Leda. Helena, filha de Zeus, não deixa por isso de ser mais ou menos avó, bisavó ou trisavó de Aquiles, por mais absurdo que pareça! Já a maçã, símbolo do pecado e da perdição, em latim é mala. Os cristãos são uns malas sem ramo!

sour source!

 

COOL MEMORIES 2DOUBLEBIND2 (1987-90)

Jean Baudrillard – trad. inglesa Chris Turner; trad. inglês-português Mr. Cila

At the computer screen, I look for the film and find only the subtitles. The text on the screen is neither a text nor an image – it is a transitional object (video is a transitional image)”

Must one really force oneself to think? Sometimes it seems the other experience – of the progressive extenuation of both thought and the energy for writing – is newer and more extraordinary. How far can this dishabituation go?”

ANSIEDADE INCUBADA

O pressentimento radical de algo realmente poderoso prestes a acontecer; essa verdadeira idéia fixa, ainda que passageira, de todas as mentes civilizadas… A iminência de um evento que marcará indelevelmente nossa existência, a a-verbalidade desse fenômeno… Eu tenho certeza, Luísa! E tem a ver com a Copa do Mundo… Como numa novela interminável, uma Malhação, o pré-adolescente jornalista militar deve caminhar pelas comerciais e entre-quadras candangas, cruzar as pistas e encruzilhadas, a W3 que não some nem no horizonte, sem esperar muita coisa, mas regalando a vida em oferta por essa aparição incerta duvidosa segura banal. Não se sabe onde nem quando, mas virá, qualquer coisa há-de vir, do contrário não faria o menor sentido… Cada beijo aleatório tem um significado hegeliano profundo, que chatice a aborrescência! Mexe com a essência… Carência, estimulante… Qual será o clímax da temporada de expulsões? Por que eu estou sempre ou magro ou gordo demais? As camisas nunca me servem (por muito tempo). Está sol mas faz frio. Calor, tempo abafado, mas o céu é cinza como a fuligem de minhalma. Desata esse nó górdio das amizades… Emba(ra)çamento furioso. Não resolveu e se desenvolveu, hoje é um mal perdurável, antes mera possibilidade remota latente, pior cenário catastrófico de um talento promissor chegando ao seu fim pessoal em poucos anos.

<It’s a miracle! This morning I dropped my slice of bread and it didn’t fall on the buttered side!> The rabbi replies, <That’s because you’d buttered it on the wrong side, little Sarah.>”

How a woman can once again become violently desirable after you have broken up remains a mystery. Unless it is from a desire to immortalize the break-up.”

Everything makes us impatient. Perhaps we feel remorse for a life which is too long, from the point of view of the species, for the use we make of it.”

Um acidente num monitor de tráfego aéreo, o ataque cardíaco de uma velha, um foguete em chamas, uma telha que cai, tudo engatilha um processo de responsabilidade infernal. Crimes reais seriam preferíveis, crimes causados pela paixão e não pela poluição, pelo mal e não pela profilaxia e pela inócua masturbação mental de uma consciência dementizada.”

É assim que o tédio funciona, como um súbito estalo na linha telefônica cerebral que nos conecta à vida. É como algo numa quina de nossas vidas que se recusa a morrer. É como com o homem da estória de Buzzati-Traverso, que, chegando em casa à noite, esmaga um besouro enquanto avança corredor adentro. Ele não consegue dormir, sua mulher não pára de ziguezaguear ruidosamente pela casa, o galo canta no meio da madrugada, o cachorro se torna agitado. O homem se ergue da cama e, no corredor, percebe o besouro, ainda agonizando. Ele o pisoteia de uma vez por todas, terminando o serviço, no que o lar recai no silêncio outra vez. Sua esposa deita e ressona, o cachorro se aquieta e tudo se torna tranqüilo.”

A indiferença cresce conforme o destino se externaliza em tecnologias sofisticadas. Todas essas manipulações médicas e genéticas que se dizem descobridoras de todos os segredos do corpo apenas tornam as pessoas indiferentes a seus próprios corpos. Todas essas tecnologias que exaltam ou exasperam o pensamento apenas o tornam indiferente a si mesmo. Alguma vez alguém disse: Le câblage est accablant. Mais ou menos o seguinte: Conectar-se é fatigante.”

WHAT’S HAPPENING?

#Recanto99

Memória d’água (se nem peixes podem se lembrar de nada(r)!), coisa pra navio inglês deslizar. Tá tudo branco, chefia! Papá não pode mais diminuir, é um feixe. Gato-de-luvas. Cu paira no ar-rêgo. O Rocha Negra e o buraco de minhoca temporal. Minha ôca, mandióca, vazia sem água. Série atemporal de fenômenos esquizo-coletivistas. Grão funesto do passado. Jogo da memeria na internet zombeteira. Particows, partibees, partibeetles and queens in-betweens… Partisheep. Parte o navio negreiro satisfeito, da costa do Brasil. Honra a tarântula, totem sagrado! Índio não quer cachimbo, índio quer contracorrente.

BRASÍLIA

Cidades e vilas antigas possuem uma história; as americanas, sendo verdadeiras bombas urbanas sem planejamento, possuem verdadeiras expansões epidêmicas, incontroláveis e vertiginosas. Cidadezinhas recentes não têm nem uma nem outra coisa. Elas sonham com um passado impossível e uma explosão improvável.”

a terna loucura dos subúrbios”

Ação ou isenção? Votação, petições, solidariedade, informação, direitos humanos: todas essas coisas são extorquidas de você sob a forma de chantagem promocional ou pessoal.”

INDOLÊNCIA, INATIVIDADE

“Se gerações de camponeses jogaram a vida fora com trabalho duro, certamente devemos reconhecer, outrossim, que eles não gastaram mais tempo em labuta do que em momentos de preguiça.

Meu avô parou de trabalhar quando ele morreu: era um camponês. Meu pai parou bem antes do seu tempo: funcionário público, aposentadoria precoce (ele pagou por isso na forma de uma hipocondria mortal, mas sem dúvida isso foi como tinha de ser). Eu nunca comecei a trabalhar, tendo usufruído bem cedo de uma situação marginal e sabática: a de professor universitário. Quanto às crianças, elas não tiveram filhos. É então que a seqüência prossegue até o estágio supremo da impassibilidade.

Essa inatividade é rural na essência. É baseada num senso de mérito e equilíbrio <naturais>. Você nunca deve fazer demais. É um princípio de discrição e respeito pela equivalência entre trabalho e terra: o camponês dá, mas cabe à terra e aos deuses dar o restante – a maior parte. Um princípio de respeito pelo que não vem do trabalho e nunca virá.

Esse princípio traz consigo uma certa inclinação para acreditar no destino. A indolência é uma estratégia fatal, e o fatalismo uma estratégia de indolência. É dessa correlação que derivo uma visão de mundo que é ao mesmo tempo extremista e preguiçosa. Eu não vou mudar nesse aspecto, não importa como caminhem as coisas. Detesto a agitação buliçosa dos meus concidadãos, detesto a iniciativa, responsabilidade social, ambição, competição. Esses valores são exógenos, urbanos, coisas eficientes e pretensiosas. São qualidades industriais, enquanto que a indolência é uma energia natural.”

OBS: Eu sou o pai e o avô de Baudrillard num só: funcionário público que não se aposentará. Semi-homem rural. Camponês de terno. Meu pai concentrou ambivalentemente as duas vidas, não ao mesmo tempo, intercaladas, mas nos extremos: o funcionário dedicado e de chefia, ideal burocrático, décadas a fio, e depois, ainda antes da velhice, o “homem fazendeiro”, em ócio idílico, o sonho-mor da meia-idade industrial fatigada. Overdose decantada. Meu filho (?!) poderá ser qualquer coisa, não há nada que nos diga se estamos marchando para frente ou para trás, em que pese eu ter renegado a universidade com todas as forças… Ou quem sabe estamos estagnados no Zeitgeist da França da Guerra Fria, a da juventude baudrillardiana: ainda não tivemos nosso Maio de 68.

SALDO ZERO

Ainda na p. 7: Eu e o Paraíba: há aqueles que por onde passam geram eventos e acontecimentos, cheios de lubricidade, e há eu, para quem nada de bom ou ruim acontece. Nenhum “influxo demoníaco”, o silêncio da sina. Nós, os solitários e indiferentes (em mão dupla: o mundo também pouco nos dá), não gostamos de reciclar máquinas, revender notebooks antigos na OLX. Só nos daria dor de cabeça, perda de tempo. Não vale o que custa. A esterilidade nos infecta, pelo menos isso: quarentena móvel e virótica, eliminando os vírus do caos onde quer que resvalem nas imediações. Falta de carisma, falta de aura natal. Não nasci para ser prefeito de uma cidade. “Na falta de um destino que vivenciar, você só pode ironizar sobre as coisas – compensação bastarda.” “fui forçado a admitir a mim mesmo que minha imaginação conceitual advinha, no fundo, da minha impotência e esterilidade hereditária. Vingança do fatal (oh estratégias!).” “uma reflexão pálida do demônio da entropia” “Ah, the desert. There was something I experienced intensely. But then all the rest is justified, since it only takes one passion to justify an existence. But that’s just it – it was a passion for emptiness.”

Doubtless it is the secret aim of computers to put an end to the world by an exhaustive listing of data, as it is the secret aim of the photographer to exhaust the real by the endless production of images.”

Flies in the plane – a rare sight.”

speculation would never go so far as fornication, since penetration is metaphysical (Derrida dixit).”

On the lines of the Jesuit republics of the past, they ought now to found a Psychoanalytic Republic of Argentina, which would extend the rule of the Unconscious as far as Patagonia.” “After socialism in one country, psychoanalytic dictatorship in one country. Without it, the Unconscious will just fade away one day, leaving no trace.”

Word-processing as the artificial paradise of writing. The computer as the artificial paradise of intelligence. Like a landscape where the camera lens would automatically correct the contours of the land, it is now impossible, on some computers, to make spelling mistakes. On some others it is even impossible to exchange ideas. The machine corrects automatically.”

Reagan’s smile still hovered in the air after Reagan had disappeared. Kennedy’s murder was also still in the air long after Kennedy had disappeared. Reagan’s cancer is in keeping with his smile, since the person who can only smile is a candidate for cancer, whereas those who show political imagination expose themselves to murder.”

the oceanographer of ennui.”

There is no word in Japan for referring to communication. No concept of the universal either. For them, the universal is a local system, Western in character.”

O <livre-arbítrio> é grandemente assegurado no exterior hoje em dia. Mas se torna, por dentro, tristeza sob a ação repelente automática dos anticorpos, o enduro da vontade provocado por enzimas perversas – a rejeição da mente. (…) Isso é basicamente a rebelião das energias, a conspiração de uma vontade secreta contra todas as escolhas e cálculos existenciais. Logo depois você tem de recair em qualquer velha forma supersticiosa de tomada de decisão. (…) (e a liberdade é um corpo heterogêneo no universo metafísico), na animadversão ou qualquer loucura do gênero – o equivalente mental da rejeição biológica.”

O sofrimento é sempre um sofrimento relativo à indiferença patética do mundo quanto a nós” “A ironia é uma arma da astúcia, inevitavelmente maliciosa, inevitavelmente tornando as coisas piores, mas nos confortando frente à crueza da doença.” Esse comentário me lembra o P**** M******. O bom compadecido.

A BERMUDIZAÇÃO DO TRIÂNGULO DA REALIDADE

The invisible aircraft. So impossible to locate that it can no longer even locate itself and loses track of its own position (three of the planes crashed during testing).” “como é bem sabido, ao brincar de pique-esconde você nunca deve ficar invisível demais, ou os outros vão se esquecer de você.”

Hoje os grevistas são utilizadores-de-greves. O mesmo para greves de consumo.” Talvez seja bom deixar de comprar o suco de uva provisoriamente; quem sabe um suco de laranja seja um bom refresco, uma agradável novidade… Vamos curtir uma praia, mas com moderação. Não diga sim ao sindicato, diga ‘mais ou menos’.

Firmes convicções só podem ser derrotadas pela imbecilidade mais desenfreada.” D***, o eterno “último a falar”, irrefletido no espelho.

TEMERIDADES

PRÓLOGO DO FIM: O presidente, no acme da impopularidade indissolúvel, que dança para se conservar no cargo até o fim concreto do mandato (mais abstrato do que nunca, a essa altura), contra todas as probabilidades, é o verdadeiro esfomeado do bandejão. Não contente com a montanha de arroz, feijão, salada e carne de segunda que conseguiu deglutir, quase sem ter de pagar por isso, ainda lambe o prato de forma impecável, recusando qualquer ajuda, repelindo o mau-olhado dos garçons ou responsáveis por lavar a louça suja, sugando qualquer grão ou partícula sobrevivente. Com efeito, é ridículo o espetáculo e inócuo o banquete, não há calorias ou sinal de nutrição real, e há um constrangimento difícil de disfarçar nas mesas em torno, mas o que importa é a auto-satisfação, que se explodam as testemunhas, o tribunal da consciência: talvez a côdea de pão, o restolho de purê ou pirão, realmente valham a pena, não importa quão bem-vestido seja o lambedor, quão desprezível e caricato seja o ganho. Ele simplesmente não pode evitar…

INTERMEZZO

se consolar na desaparição

tocar sanfona para o auditório vazio

gozando na própria cara

ADÁGIO-RESUMO: De tanto simular a própria morte, ninguém irá ao enterro verdadeiro da democracia, passaram a ignorar a velha e sua tosse que já não sabem se é qualquer espasmo doentio ou fabricado. Na verdade, é bem possível que isso (a última missa) tenha sido num passado remoto. Nossas memórias andam mesmo pra lá de desreguladas. A dama era tão velha que talvez já tivesse uma filha idosa, e confundimos as duas. Uma já morreu, a outra é só uma cópia. Especulamos, somente, porque nenhum repórter daria mesmo esse furo.

Toda a arte da política hoje pode ser resumida assim: chicotear a indiferença popular.”

A painter exactly repaints a particular Picasso, a Matisse or a Velázquez. He signs this work, which is not a copy, finds a gallery to exhibit it and people to buy it. He may even merely sign the photo of a famous work. Why is it not possible to republish Sein und Zeit [Ser e Tempo de Heidegger] or La Chartreuse de Parme [O Monastério de Parma, de Stendhal] under my own name? Why is what is possible in painting, not possible in literature (and in music and architecture)?”

THIN [R]ICE

sideral sai do real

areal ao lado

irreal acima

desreal abaixo

pan-real nas latereais

dia-agonal

Escrever numa pressa enorme, quase até o ponto de haver terminado antes de haver começado, produz uma leve ansiedade – a impressão de ter concluído rápido demais, de que você está se destruindo com impaciência. Uma ansiedade ligada ao eclipse do Outro e, ao mesmo tempo, ao eclipse do conteúdo referencial. Um efeito de eletrocussão, de recuo – igual o de uma arma. Tudo sobre o que se escreve está desaparecendo – essa é a única razão convincente para escrever. Jenseits des eigenen Schattens [O Acolá da própria Sombra].”

CRISÁLIDA DE HERÁCLITO

Escrever as coisas muito rápido para não deixar a linha de raciocínio em aberto, aguardando uma chamada excepcional, um insight, <travado>, <dependente>, <responsável>, <lógico demais>… Melhor um auto-circuito fechado. Retrô alimentado. Alienado. Bifê refogado. Patógeno alienígena. Vírus adaptativo. Micróbio super-resistente. Super-ei. Superei a mim mesmo. A mímica. A mimese. Alívio nas costas sempre tensas. Explicar, esmiuçar, abordar, antecipar, sair do lugar? Convencer? Em plena era dos crentelhos? A-ham, espelhos… Convencidos os Narcisos… Atitude inicial, iniciativa, resposta anterior à provocação, é sempre pior que uma queda, uma precipitação! Jamais prova nada além do outro, mesmo que só para si prove os próprios pontos de vista, diante de D. Polícia da interpolação. Pop ululação das massas. Nelson Gaga. Ruptura. Tontura. Acupuntura. Suturas e remédios. Não é um cura, é só um médium.

Deveríamos nos admirar não de que haja tanto caos e violência, mas de que haja tão pouco e tudo funcione tão bem. Dados o nível de agressividade de cada motorista, as fragilidades dos equipamentos e a correria do tráfego, é um milagre que milhares não morram todo santo dia, é um milagre que não nos matemos uns aos outros senão raramente e que só uma pequena porção dessas possibilidades desastrosas atinjam a fruição. Quando se vê o imenso caos burocrático, o número de decisões absurdas, a fraude universal e o desperdício de nossas virtudes cívicas, a única reação natural é maravilhar-se diante do milagre diário dessa máquina que, de um jeito ou de outro, continua a funcionar, puxando consigo em sua órbita todo o detrito que ela mesma gera. Afora quebradeiras episódicas (não mais comuns, definitivamente, que tremores de terra), é como se uma mão invisível gerenciasse toda essa bagunça, normalizando a anomalia. Esse é talvez o mesmo milagre que nos previne de sucumbir, dia a dia, à idéia da morte ou à melancolia suicida.”

TRADUÇÃO LIVRE, ASPECTOS AUTORAIS: “Uma economia da poeira e da sujeira é uma aventura em si mesma e uma economia das aranhas, além de um desafio à natureza, é incorrer num risco ainda maior. Mas tentar uma economia do livro, abrir bibliotecas, organizando o inorganizável, permutando desordens que jamais se repetirão (Heráclito?) é realmente absurdo, deve trazer até má sorte. É tão pretensioso quanto a idéia de reorganizar num índice alfabético os neurônios do seu cérebro! Além do mais, a biblioteca é o topo da cadeia alimentar, acumula as 3 funções descritas, ao invés de ser apenas uma crematística dos livros: todo livro é um depósito de ácaros, todo livro é um lar em potencial de aracnídeos…”

A interdisciplinaridade vai matar os conceitos.

Num sistema tão perfeito quanto este, basta que te tirem o café-da-manhã para que te sintas imprevisível.”

Glenn Gould, o pianista definitivo do séc. XX.

OLÁ EU SOU FRANCÊS

se tivéssemos depositado todas as nossas energias para consumar a revolução de 1789, fato é que não teria sobrado nenhuma energia para celebrá-la.” “A energia usada para mentir não pode ser usada para falar a verdade. São duas energias totalmente distintas. Talvez que ambas as vertentes jamais se cruzem em algumas individualidades peculiares. Isso explicaria vermos alguns sujeitos que são perfeitamente sinceros e perfeitamente hipócritas, sem a menor imagem de contradição. § Toda transfusão de energias heterogêneas leva a sérias desordens (como um erro numa transfusão de sangue). Querer comungar energia sexual e energia mental soa tão aberrante quanto pedir que células cerebrais executem funções do fígado. Há uma energia específica para palavras e uma energia própria para imagens. Nem sempre apenas cópias se anulam, mas até figuras opostas! Canibalismo somático.” “Em suma, a energia que se dissipa comemorando uma revolução nada tem a ver com a energia-matriz que a gerou anteriormente.” “a energia das eleições é desespero; ainda que multiplicada ao infinito, não transmuta numa só esperança ou fato político” “Também é mentira que hoje em dia o social <perde> uma vez que temos muitas expensas militares.” Só haveria entropia verdadeira no cenário mais improvável da coincidência de infinitas entropias infinitesimais…

é a precessão da resposta sobre o enigma da (a pergunta sobre a) existência que torna o mundo indecifrável.” “A Filosofia moderna se jacta, afetando auto-suficiência, de haver formulado inúmeras questões decisivas para as quais não há respostas, mas na verdade o que temos de aceitar de uma vez é que não há, nunca houve [doente é ser o que?], pergunta alguma, caso em que nossa responsabilidade se torna total, já que SOMOS a resposta – e o enigma permanece, assim, insolúvel e pleno — eu diria, unilateral.”

Me pedem para escrever ficção. Ficção? É o que eu já faço. Meus personagens são um número de hipóteses malucas que maltratam a realidade de várias formas e cada um deles eu mato no fim, quando já cumpriram seu papel.” No meu livro agathachristieano, o bandido não é descoberto no final.

ME RECORDO DE TER SIDO PLATÃO SÓ NÃO LEMBRO QUANDO EXATAMENTE

Um romance ambientado no STF seria chamado como? Justiça & Repartição, é lógico…

CARAMBA, QUE INCONSCIENTE CAVERNOSO VOCÊ TEM, LOBA VOVÓ MÁ! Por que uma cabeça tão inchada e um poço de memórias tão profundo, hein? Bom, não vivo em prol da utilidade, mas, isso à parte, digo-te: é para te englobar sem o menor esforço, é para sumires sem pista nem recordo nessa imensidão não-azul, te nadificares todito… Sou espaçoso, ainda que ocioso… Burp!

Como as jovens cegas se maquiam?

O anúncio publicitário é a Extrema Unção reconciliadora de nós mesmos com o artificial.”

PSICANALIZADO & ZERADO: Encarando duas psicanálises ao mesmo tempo. Mais sutil que isso seria ter dois inconscientes e só um psicanalista (que não teria mais nenhum).”

Cicciolina é uma espécie de personificação do amor. Na verdade ela dissemina o amor sexual pelo corpo todo, isto é, desviriliza o órgão genital; irônico para alguém que é a encarnação de algo abstrato! Diz Baudrillard: é o sonho consumado, a meta, de Reich. “O último avatar do desejo se torna membro do parlamento – fantástico! [O que vem a seguir, a Playboy da mulher do Cunha?!] Em suas aparições televisivas pré-rafaelíticas [pré-renascentistas], ela parecia a única a estar viva, a única natural! Tendo exorcizado toda a modéstia, extravasado toda a imodéstia, ela finalmente se tornou, em sua doçura espectral, sedutora.”

Curiosamente, todos os adjetivos conceituais que definem os fenômenos extremos da contemporaneidade têm uma forma plural anômica no Francês: fatals, fractals, banals, virals. Já os antigos valores possuem plurais tradicionais: égaux, moraux, finaux, globaux.” Desse ponto de vista, o Português é a média com o universo, o bajulador perfeito; e o Inglês, a nadificação ultimada da língua e do homem. Não declino-para-nada, soul-pára-mor.Te

Hegemony of the commentary, the gloss, the quotation, the reference. But absolute superiority of the ellipsis, the fragment, the quip, the riddle, the aphorism.”

On me (us): “Deconstructing is a weak form of thought, the inverse gloss to constructive structuralism.” “it exhausts itself in passing the wor(l)d th(r)ough the sieve [peneira] of the text, going over and over the text and the exege(ne)sis with so many inverted < commas >, italics, ([pa](ren[t)h]ese[(s)] and so much etymology that there is literally no text left.” I’m bored

O dicionário é a minha faca (que corta e liga as coisas).

Deconstructing is as interminable as psychoanalysis, in which it finds a fitting partner.”

psicossíntese

By his own admission, Descartes only thought for two to three minutes a day. The rest of the time, he went riding, he lived. What are we to make of these modern thinkers, then, who think for fourteen hours a day? Just as Barthes said of sexuality that in Japan it was to be found in sex and nowhere else, whereas in the USA it was anywhere but in sex”

P. 17: “Todo ser humano julgado inferior por um outro automaticamente se torna superior a esse outro. É o que acontece em relações homem-mulher: a mulher presumida inferior imediatamente se torna superior. O oposto não é verdadeiro: quando uma mulher vê um homem como um ser superior, ela não se torna seu inferior mas está, ao invés, meramente em postura de sedução. E se um homem vê uma mulher como um ser superior, ele não se torna seu inferior: ele descansa meramente em postura de admirador.

A mulher atenta a essas coisas as nega veementemente, alegando que a tal superioridade feminina é uma fantasia masculina – mas dado que a suposta inferioridade da mulher é da mesma ordem, quiçá haja apenas fantasias masculinas? Nesse ponto, a mulher está sob risco de ceder à tentação de acreditar em si mesma como superior ao homem (o que é diferente de sê-lo). É então que ela se torna imediatamente inferior à própria feminilidade, i.e. igual, com efeito, ao homem quando ele, como é usual hoje, se torna inferior à própria essência masculina.”

investimos toda nossa liberdade no louco desejo de tirar o máximo de nós mesmos.”

Loucura horizontal, a nossa loucura (…) a loucura do autismo – em oposição à loucura <vertical> de anteontem, a loucura psíquica, a loucura transcendente da esquizofrenia, da alienação, da inexorável transparência do Outro. Hoje em dia tudo o que vemos são as monstruosas variantes da identidade: a do isofrênico, sem sombra, transcedência, Outro ou imagem, a do autista que, como tinha de ser, devorou seu próprio duplo e absorveu seu irmão gêmeo (ser um gêmeo é, por sinal, uma forma de autismo <a dois>). Loucura identitária, ipsomaníaca, isofrênica. Nossos monstros são todos autistas maníacos. Como produtos de uma combinação quimérica (mesmo quando é uma genética), desprovidos da heterogeneidade hereditária, afligidos com a esterilidade hereditária, eles não têm outro destino senão caçar-se desesperadamente uma <Outridade> por intermédio da eliminação de todos os Outros (Frankenstein – mas esse é também o problema do racismo). Computadores são autistas, máquinas celibatárias: a fonte de seu sofrimento e a causa de sua vingança é a natureza recalcitrante e tautológica de sua própria linguagem.

Onde quer que observemos, constatamos loucura horizontal se opondo à vertical.”

Todas essas coisas – ser um gêmeo, incesto e, até um certo ponto, homossexualidade e narcisismo – são mais profundas e potentes que a sexualidade e a única fuga em potencial é a morte.”

Ao princípio da separação de Segalen, da eterna incompreensibilidade, devemos agregar o princípio da eterna inseparabilidade em física de partículas. Essa simultaneidade de dois princípios opostos tem de ser pensada por inteiro até o fim. Não se pode estar mais separado e mais inseparável que o eu e a vida.” Obstinado em cristalizar-se. O banhista do rio heraclitiano quer agarrar-se às margens, e de fato o consegue por alguns poucos segundos, mas a correnteza é muito forte, e lá vai ele de novo, atabalhoado e engolindo água… Este eu que sou agora, é a Pura Morte, até virar apenas pegadas, e depois tudo menos isso, nem ao menos isso… Obstinado em morrer, mas ainda não é a sua hora. Ha-ha, nem é sua nem é hora. Nem o “mas”, muitos menos o “é”, talvez então o NÃO, talvez… a… não, de novo não… Rio Heraclitiano hoje é Zeus-peniano. Translúcido eletrochoque não-venenoso. Água-viva arraia-miúda do fundo do corrégomar. Medusa desperta, mentira que faz mimir. A água é um excelente metal.

A Metempsicose do Gato: ele foi camelo, cachorro, tartaruga, homem, planta, bruxa e filósofo.

Andar atrás de alguém é a ilusão cômica de nosso tempo.

Andar atrás dos outros é a ilusão trágica.”

Nunca um elevador sem piso

Nunca um sonho sem elevador”

Sempre um sonho meio aéreo

A viagem, como a existência, é uma arte não-figurativa.”

Para nós ir a Buenos Aires é como pisar na Lua. Tanto faz se o astronauta é de verdade ou o ambiente é simulado. Deserção: virtude feminina. A(s irmãs) América, a (lua) Europa, a Oceania, a África, a (linda) Ásia (de Maomé), a Patagônia…

Um dia descobriremos o gene da revolta. E talvez até o gene da revolta contra a engenharia genética. E muda isso alguma coisa sobre a revolta em si mesma?”

O caminhão carregando 35 toneladas de iogurte que colidiu contra a fábrica de laticínios. Uma excelente sacada acidental do real.

Médicos sem Fronteiras aumentam a taxa de mortalidade por onde passam, quando passam e por lá ficam. Ficam, ficam, ficam e morrem.

Alergia a coisas muito mais impalpáveis que a poeira.”

DV: “O compact disc. Ele não se desgasta, mesmo após usado. Espantoso. É como se você nunca tivesse usado. Então é como se você não existisse. Se as coisas não envelhecem mais, então é porque é você que está morto.”

Debaixo de sua franja, isolada do mundo via fones de ouvido. Coração moído, sentimentos intra-expansivos. Cartões-postais de cidades mal-conhecidas é seu único passatempo ou meio de comunicação. Durante o vôo, logicamente.

O mundo tornou-se um seminário. Tudo agora se reveste dessa forma acadêmica cansativa. Algumas existências são meramente um perpétuo seminário, sequiosas por uma lápide feliz à sombra da Cultura em seus estertores. O Juízo Final se converteu num simpósio gigante, com toda locomoção e estadia pagas de antemão.”

TRANQÜILO CHÁ DAS 5, MUITO EMBORA VAMOS TODOS MORRER MESMO DE TANTO O SOL BATER EM NOSSAS NUCAS DESPROTEGIDAS…

A camada de ozônio é a desculpa perfeita para o chato não trabalhar. Crachá de chato. Chatocrachá. Crachato, cara chato. Cratera terrestre-solar. Chávena de chá. Craque em ser chato como uma tocha que deve ser carregada num dia de calor. Regar a tocha, cagar conteúdos, óleo, óleo verbal escorrendo às pampas. Cálcio nos ossos. Coceira extremamente chata. Inoportuna. Gastar calorias com a língua. Ser. Ser chato. Ser chato tomando chá. Sendo chato tomar chá. o Ser-chato-chá. O estar-sendo, o ser-para-as-5, o ser-para-o-chá, a hora do inglês ver e ouvir embalado e embalando na cadeira de balanço à penumbra da porta, ante a penteadeira da vovó. Cheiro de mofo engraçado e prazenteiro. Vai um biscoitinho? Feito com muito amor e carinho. Impulsividade impossível. Acabamos aceitando.

What is being destroyed more quickly than the ozone layer is the subtle layer of irony that protects us from the radiation of stupidity. But, conversely, we may also say that the subtle film of stupidity, which protects us from the lethal radiation of intelligence, is also disappearing.”

O desejo, o corpo, o sexo terão sido meras utopias como o restante: Progresso, Iluminismo, Revolução, felicidade. Já estamos evitando o sol por medo do câncer (com um olho na ressurreição dos corpos?), desistimos do sexo diante dos perigos, nos exprimimos cada vez menos em público, paramos de fumar, beber, foder. A Nova Ecologia Política está em marcha. Vigie a sua parte da equação! Concentre-se na salvação das espécies e se divirta o menos que puder. Mas coragem! Um dia a camada de ozônio vai ser substituída pela camada de todos os detritos que dejetamos no espaço. Há uma justiça nisso: um dia seremos salvos pela poluição como hoje somos salvos, politicamente, pela servidão.”

o desejo foi para toda uma geração algo como uma estrela-guia. Hoje é só um satélite-observatório.”

Não temos aiatolás.

Não há mais como ofender ou causar aversão; em prol da subversão, nenhuma reação. Será que alguma manipulação secreta já teve êxito em desligar todos os genes da negatividade, todos os reflexos da violência, todos os signos do orgulho?”

ora, se até para obras de arte (nas quais o autor dá sempre o seu melhor para eludir qualquer tipo de interpretação) arranjam significados, por que não posso ser o crítico-entusiasta do belo movimento de implosão da vazia fascinação pós-hollywoodiana?”

os artistas plásticos, quem diria, me lêem me levando a sério, literalizando todas as minhas metáforas” “simulação não é o modelo de nada; assumir a simulação é a abandonar a simulação”

toda a nulidade do mundo contemporâneo na brancura da escrita. Com a piscadinha vulgar da pós-modernidade inclusa no pacote. Mas, diante disso, Camus é quase um clássico metafísico inatingível.” A era em que “pintura ruim” não mais é pintura ruim… Deduza as consequências, grave uma britadeira no estúdio e ganhe milhões, sem dividir com o inventor da britadeira…

Lixeira poética – títulos de possíveis obras:

POT-POURRI DO CILA

A ÉTICA DO DESTINO

SOBRE AS CINZAS DE DEUS

DESALENTO TOTAL

MEU NU É O NADA

A SEMIÓTICA DE TUDO AO MESMO TEMPO

PÓLVORA EM PALAVRAS

PARA DESAPRENDER O QUE EU JÁ SEI

O LIVRO DA BATATA QUENTE

900 PÁGINAS DE UM TUMOR ESBRANQUIÇADO

A INFUSÃO DO MAL

COMUNICAÇÃO (IGNORÂNCIA) É UMA BÊNÇÃO

A ALEGRIA DA DESRESPONSABILIZAÇÃO

PODIA SER PIOR

MONOTONIA CENTRÍPETA

PIONEIRISMO CIRCULAR

O LABIRINTO DA LINHA RETA // TODA LINHA RETA É UM LABIRINTO

Quem fala não desejar catástrofes e diz nunca esperar o mal do próximo nunca precisou de um órgão na fila da emergência. Transfusão, rá!

Sou um inquebrantável bloco de fragilidades autorreguladas

Microtrabalho em equipe do solitário

Golfinista

mesmo os suburbanos possuem um ânimo pioneiro ou animal”

Hamlet das horas de sono: dormir ou não dormir, eis a questão.

Que horas são? Hora de encontrar o meu relógio…

US: “Tanto com os puritanos faraônicos – os dos domos e templos – quanto com os grandes apostadores – os dos porn-shows e das luzes ofuscantes – ficamos com a mesma impressão de umpovo eleito ou maldito, talvez por conta do local desértico e da luz.” Coast to coast the same boast Dinheiro opaco do cassino, Jesus de vidro transparente A. o “proud of his values” de terno, gravata e cartão estourado assepsia de quem anda comigo engenharia social seleção supranatural

Uma das atrações de um parque americano: você adentra um labirinto e se perde, sem saber por onde ir, verdadeiramente inábil para achar a saída. Isso dura uma ou duas horas, dependendo de qual ingresso você comprou na entrada, no fim das quais um helicóptero pousa e o extrai.”

Na Disneyworld da Flórida eles estão construindo uma paródia gigantesca de Hollywood, com boulevards, estúdios, etc. Mais uma espiral no simulacro. Um dia vão reconstruir a Disneylândia na Disneyworld.”

A estupidez do exagero dos meios para um fim. A única coisa comparável à força bruta e ao esforço desproporcionais empregados por três escavadeiras que fazem o serviço normalmente alocado a dois trabalhadores manuais é a pletora de referências, bibliografia e registros em cartões de biblioteca necessária em exercícios pré-natais para o parto sem dor de uma pequena e digna de pena verdade objetiva [, necessária para construir as máquinas].”

A tentação de não existir para ninguém, de demonstrar que não existe para ninguém. Esse é o complexo do refém – o refém em quem todos logo perdem o interesse. Uma fantasia pueril: verificar se alguém o ama. Algo que você nunca deve tentar. Ninguém encara tantos suplícios por uma pessoa.”

Não se pode ter o bolo e comê-lo também

Não se pode ter a esposa e fodê-la ao mesmo tempo

Não se pode foder a própria vida e salvá-la junto”

Um dos prazeres de viajar é mergulhar nos lugares em que tantos outros estão obrigados a viver e depois emergir incólume, cheio de um prazer malicioso de abandoná-los a seus próprios destinos. Mesmo sua felicidade local parece estar subordinada a uma resignação secreta. Ou, ao menos, nunca pode ser equiparada à liberdade de partir. É nesses momentos que você percebe que não é o bastante estar vivo; é preciso atravessar a vida. Não é o bastante ter visto uma cidade; é preciso tê-la atravessado.” Aplicável ao TEMPO (“Eles ainda estão no meu ontem, coitados!”). “O essencial não é pensar a idéia, mas superá-la.”

Uma nova arte do body-building: engordar até os mais de 100kg, tornar-se um obeso, massa amorfa, para depois modelar a massa via escultura interna ao desenvolver os músculos de uma área particular e usar os exercícios apropriados para tirar da gordura uma forma.”

As vitrines de loja, a flora intestinal da cidade.”

O sono pode às vezes ser o equivalente a uma briga doméstica silenciosa. Pela manhã, dependendo de como foi o sono de cada um, marido e mulher podem ter se tornado completos estranhos um ao outro.”

É difícil fitar alguém terna e desapaixonadamente enquanto a insulta carnalmente no mesmo grau da impassibilidade e ternura faciais usadas. É difícil falar com aquela engenhosidade, distraído pela sensualidade das pernas nuas debaixo da minissaia negra, em que alguém poderia resvalar sem sequer ser percebido. Ainda assim a beleza de seus traços contraria qualquer senso de ciúmes ou concupiscência. Nesse nível, a diferença sexual desafia a imaginação, a beleza é como um signo astrológico.”

No passado, as doenças físicas eram sublimadas nas paixões da alma. Hoje, a dessublimação das paixões é expulsa pelos vírus do corpo.”

Pensamentos circulam como o bolo alimentar no labirinto do intestino delgado, com a certeza de encontrar a saída sob a forma de excremento.”

Já foi dito que a probabilidade de um macaco digitar o Hamlet é infinitesimal. Mas a probabilidade não é só baixa; é zero. E menor que zero, já que, se houvesse uma oportunidade do macaco conseguir, significaria que Hamlet seria só uma probabilidade em bilhões, o que é estúpido. É o sonho dos cretinos da estatística que, exaurindo as probabilidades, você possa terminar escrevendo o Hamlet. Mas isso é impensável: o Hamlet não é da ordem da probabilidade. Ele é tanto radicalmente improvável quanto supremamente necessário. Probabilidade minúscula, necessidade máxima. O mundo é o que é e isso é tudo. A probabilidade de que ele pudesse ser diferente ou que o Hamlet eventualmente nunca tivesse existido é a única chance que resta a uns sujeitos de segunda classe de reinventá-lo em seus computadores. Ou, pensando bem, a única chance em aberto para os macacos. (Nada tenho contra os macacos; isso é uma metáfora.)”

Contrariamente à superstição, que consiste, sob o véu dos direitos humanos, no estender responsabilidades ao infinito, ansiamos por coisas que nos aconteçam pelas quais não sejamos os responsáveis, e nem nos deleguem essa responsabilidade.”

Outra Catástrofe jaz a nossa espera, a da superprodução cultural. Somos impelidos a acreditar que no mercado cultural a demanda vai exceder a oferta ainda por um bom tempo (então todos os estoques vão zerar). Mas podemos mensurar desde já um apreciável excesso de oferta sobre demanda na economia cultural do cidadão médio. Mesmo hoje, a criatividade desenfreada excede nossa capacidade de absorção. O indivíduo mal tem tempo para consumir os próprios produtos culturais, quanto mais o dos outros. O público faz o seu melhor: corre para as exibições, festivais, mas se aproxima o limite. Eles vivem repetindo que o público quer ainda mais e que as pessoas nunca terão cultura demais. Mas é uma ilusão de perspectiva colossal. E de duas uma: ou a cultura é meramente um rito ou idioma, e neste caso nunca foi produzida aquém ou além do necessário, ou passou a se comportar como o mercado, com suas edições limitadas, concorrência desleal e especulação, e só se pode esperar os mesmos efeitos que na ruína de 1929 na esfera da produção material: o fim das assunções <naturais> da economia, que depois das imagens de hot capital (bolhas inflacionárias) e circulação exponencial, tornou-se especulativo. Assim como tivemos a Quinta-Feira Negra [que ironia…] de Wall Street, teremos também um Black Sabbath da cultura.”

cabarE.U. (Exclusão do Um or Eunuch Ultimatum): “The age of exegesis and pleasure is disappearing, each person producing his performance in a climate of general indifference.” Ícone: um blogueiro que não consegue digerir e ruminar o próprio conteúdo tendente ao infinito que gera em seu blog. De qualquer jeito, seus dedos “defecam” “novas” mais rápido do que seus olhos e miolos conseguem processar a informação.

Eu não ligo pro seu

você não liga pro meu

Seus anúncios ostensivos são em vão

Eu me recuso a mostrar sinal de vida

ou animação

Morra famélico, produtor!

Vou passar a devorar meu próprio rabo

até ficar mais chato…

O que há lá além de bens imateriais que reestimule a demanda?”

haverá uma destruição em massa desses bens a fim de resgatar o signo-valor / valor simbólico, bem como sacas de café foram destruídas em locomotivas para resgatar outrora o valor de troca.”

batismo por imersão fetal.”

Esse é o destino de todo sacramento: se simplifica com o tempo.”

consenso: talvez seja ele o vírus epidêmico e devastador de nossos tempos modernos, contra os quais produzimos menos e menos anticorpos.”

Comunicação é para a linguagem o que a reprodução é para a sexualidade.” Um mal necessário. “By contrast, the poetic ecstasy of language corresponds to the libertine phase of a sexuality without reproduction (poetic language is exhausted in and by itself and no more reproduces itself than does thought which, for that reason, is never assured of continuity).”

Esse poder que temos de nos identificarmos com o outro nos sonhos, de substituir nós mesmos por esse outro, de fazê-lo falar mais sutilmente do que fazemos nós mesmos. De saber nos sonhos o que não sabemos sobre ele na realidade. Como se estivéssemos vivendo instintivamente na cabeça do outro. Como se a inteligência dos sonhos fosse a de um diretor de teatro exógeno, impessoal (muito embora completamente imerso ele mesmo no sonho), cuja identidade não é mais relevante para ele mesmo do que a de qualquer outra pessoa.”

Mesmo se o santo sudário fosse genuíno, a Igreja, tendo mais precisão hoje de uma garantia de capacidade crítica que da fé dos seus crentes, teria tido ainda assim de reconhecê-lo como falso.”

limpamos nossa consciência como brancos; nos tornamos mais brancos que brancos.”

A pessoa cujo stereo quebra um dia e nunca mais em sua vida volta a ouvir música.

A pessoa que perde seu avião por puro azar e volta pra casa para jamais sair de novo.

E por que nâo?”

Em algumas situações, basta uma palavra a mais para acarretar um suicídio, mas basta só um miligrama a mais de barbitúrico para acarretar a ida além do próprio suicídio.”

Madrugada no hotel nos limites da cidade. O fio do sono é cortado pela insônia da matilha. Você gostaria de se levantar e estrangular aquele cachorro que acaba de latir lá longe, mas qual é o sentido disso? O contágio começa de novo aqui e acolá, esporadicamente, e de repente explode num uivado generalizado. Depois, traiçoeiramente, começa a diminuir no espectro (fade out) e você já imagina poder tirar seu ronco novamente, quando alguma criatura quadrúpede patética solta outro ganido solitário em direção à lua, acordando seus clones sonambúlicos, que latem um atrás do outro… A noite chega ao fim e o galo começa a cacarejar. Só aí é que vence o silêncio, sucedido pelos sons baixinhos e anestesiantes dos primeiros hóspedes que acordam.”

A condição ideal do trabalho é a indolência. A vacuidade espacial da viagem é o equivalente da vacuidade temporal da desídia. Você pode se mover em todas as direções e o ritual do espaço é confortavelmente o equivalente do ritual do confinamento numa sala fechada.

(…) você pode dissolver no nirvana da viagem e perseguir tarefas burocráticas como caçaria sua própria sombra. O que ainda é melhor do que perder sua sombra por trabalhar.”

ninguém quer engravidar a filosofia, mas pouco importa: a criança nasce mesmo assim, por telepatia. Essa desafortunada criança já nasceu recebendo a Extrema Unção heideggeriana dos satélites além-túmulo e saiu flutuando, iluminada pelos reflexos dos picos transalpinos, rumo ao sétimo céu da filosofia.”

ESTRANHAMENTE AUTOBIOGRÁFICO: “Comportamento territorial furioso. Não cace em minhas terras e eu não caçarei nas tuas. Furiosamente temperamental. Rimbaud. Lentidão, falta de cultura, o desejo fremente de cortar relações. De se livrar inclusive da família, dos objetos, da memória, de tudo – de sofrer uma purificação total. Ab-reação[*] violenta à origem, desgosto pela continuidade. Camponês nômade. Ainda é a Temporada no Inferno.”

[*] “[Psicanálise] Reaparição consciente de sentimentos até aí recalcados.” MURO DAS LAMENTAÇÕES. DESVIO DA ROTA. PREDESTINADO. MISSÃO. O SOFREDOR INCOMUNICÁVEL. X-TUDOTUDO. REMORSO ESGOTO. PEDRO. TIANGUÁ. PEDRA. MOLE. RAIVA. PAI. MORTE. FINALMENTE ESTOU VIVO MAS QUERIA ESTAR MORTO (caleidoscópio de sensações 2009-2013) TO BE CONTINUED?! VONTADE DE REPISAR ESSES ACONTECIMENTO ESPREMIDOS NO TEMPO ATÉ DESFIGURAR A FACE DE CADA UM QUE ME DESPEITOU NESTE PERÍODO INTENSOINSANO DE MINHA VIDA LASTIMÁVEL. ONDE ESSAS MEMÓRIAS SE TRANCAFIARAM ESSE TEMPO TODO? A DOR DE PERCEBER QUE NUNCA ESTIVE UM DÉCIMO DE SEGUNDO EQUIVOCADO.

A má fé para com a história é total: Heidegger, Hitler, os campos, o Terror. Isso tudo é insultado e repudiado, mas totalmente lavado e glorificado, não obstante, num conta-gotas midiático. Pelos ditames da moralidade, nada disso deveria ter existido, não mais do que o ato homicida de Caim ou o extermínio dos selvagens. Mas teríamos de ter inventado tudo isso da mesma forma – senão, do que é que falaríamos?”

Toda nossa semiótica é meramente caridade fora de lugar com seres tão-somente inumanos, essências canibalísticas, com sua hipocrisia semântica (a constante aparência de ter significado).”

Chega de piedade pelos signos. (…) Signos são tão arcaicos quanto as pedras, mas mais sutilmente indiferentes”

No escrever, o momento mais encantador é o da condensação, elipse, rarefação. Construir núcleos cada vez mais densos em torno dos quais a luz se desorienta, e o pensar também”

Fruir o signo em vez de usá-lo é a perversão dos seres humanos. Porque a única fruição é de Deus e o único uso é o uso do signo (Santo Agostinho).”

É muito fácil se adaptar à vida australiana ou americana porque elas são o grau zero do estilo de vida. Mas o grau zero é também o da exterminação de todos os outros, e a tentação do fácil é a tentação da morte.”

Um cego vai virar dono de uma cadeia de canais de TV na Espanha (depois de se livrar do Presidente do Instituto para os Deficientes Visuais ao empurrá-lo poço do elevador abaixo).

A luta entre os incapacitados e os cegos pelo direito de vender bilhetes de loteria é apenas o prelúdio de uma luta pelo poder. Um dia, ele vai estar todo nas mãos dos incapazes. Comandar os outros, ou ser comandado por eles, pressupõe um tipo de mutilação. Então, como nos computadores e eletrônicos, aqueles incapazes de nascença – aqueles com vantagens hereditárias – serão cada vez mais capazes (com o perdão do trocadilho).

As hierarquias do futuro serão hierarquias da falta. Os intelectuais, que estiveram até hoje bem-situados na corrida, perderão os privilégios, já que seu handicap é apenas simbólico e não se compara a um bom handicap físico, seja anatômico seja cerebral, que é mais visível, mais efetivo, mais eficiente. Não estamos mais na idade da metáfora.

(…) Políticos e intelectuais serão sucedidos por mutantes de verdade, esses sem um gene ou cromossomo ou com extras (quando o vírus da AIDS tiver se tornado parte da herança genética da humanidade), ou mesmo por mutantes artificiais que não terão reprodução sexual – (…) sucessores aos eunucos que infestavam os haréns da antiguidade e os coros da Renascença, e aos hemofílicos impotentes que comandavam impérios, etc.

Isso não é pejorativo. É apenas a expressão da lei que diz que só o indivíduo a quem falta algo é capaz de preencher o vácuo de poder.”

Toda sociedade deve se escolher um inimigo, mas ela não deve tentar exterminá-lo. Esse foi o erro fatal do fascismo e do Terror revolucionário. Mas é o mesmo erro cometido pelo terror democrático, que agora elimina o Outro com ainda mais segurança que o holocausto. Se não hipostasiamos mais nenhuma raça diretamente, damos a cada indivíduo o direito de escolher o que é melhor para si, inclusive na reprodução e perpetuação do análogo – e o indivíduo ainda é racista. Aliás, é o único racista.”

Quanto mais a imagem evolui rumo à alta-definição, mais a identidade segue rumo à baixa-definição. Quanto mais a sexualidade segue rumo à baixa-definição, mais evoluímos rumo à alta-definição de todas as técnicas corporais.

Alta-definição é a definição-média de pornográfica. Todas as formas de alta-definição são indexadas ao genital (e aos genitais) no pornô. Sempre há algo obsceno na alta-definição, pois, mesmo no campo cultural – aliás, particularmente nesse campo.”

Não há prova mais clara de que o poder do Ocidente está ancorado na aflição do resto do mundo inteiro, e de que o espetáculo dessa aflição é sua glória suprema, do que a inauguração, no telhado do Arco da Defesa, na França, com um bufete oferecido pela Fundação dos Direitos do Homem, de uma exibição das melhores fotos da miséria.”

in the void the most distant objects are in radical proximity.”

essa ideologia rousseauísta da boa natureza apenas oculta pobremente a consciência obscura de uma predestinação para o mal”

Yellowstone, talvez a primeira e maior reserva natural do mundo, nos EUA, demonstra como incêndios naturais podem ser benéficos a várias espécies de plantas e animais.

Os aztecas acreditavam que apenas pelo derramamento de sangue humano a energia solar podia ser regenerada. Podemos mesmo acreditar que eles erraram tanto assim em suas crenças?”

Ficar sem signo é tão grave quanto perder a própria sombra.”

O fim da História, o fim do real, o fim dos dinossauros, o fim do ozônio, a desaparição da mulher – um fim ao remorso, o objeto perdido está atrás de nós! Há uma última vez pra tudo – a última vez já foi!”

Drogas: a única commodity ilegal sobrevalorada em escala global. O que não deixa alternativa ao Terceiro Mundo senão explorá-las assiduamente.”

Um dia veremos o reemergir do circuito paralelo do álcool.”

AIDS é a África, drogas a América do Sul, terrorismo o Islã, dívida o Terceiro Mundo. Quebras econômicas e vírus eletrônicos são, mais ou menos, os únicos sucessos do Ocidente.”

O pós-moderno é o primeiro conduíte verdadeiramente universal e conceitual, como jeans ou Coca-Cola. Tem as mesmas virtudes em Vancouver ou Zanzibar; Chicago ou Budapeste. É uma fornicação verbal global.”

Há duas espécies animais de intelectuais: aqueles que preferem carne fresca e aqueles que preferem carniça. Aqueles que preferem destroçar conceitos vivos e aqueles que preferem os restos. Eles não possuem nada em comum, exceto que são ambos mamíferos.”

Não há sentido nenhum em questionar a realidade quando mais de dez estão presentes. Toda audiência de mais de 10 se torna automaticamente defensiva e reage violentamente a qualquer desafio ao real e verdades manifestas. Nenhuma asserção radical pode ser feita para mais de 10 pessoas.”

São Paulo – indiferença e loucura

Como o céu: luminoso e fumacento – o tráfego: sonhodoramente violento

Uma passagem estridente sob a varredura das avenidas

Uma passagem estridente através da indistinta mistura das raças”

BRAZIL

Talvez a predileção brasileira pelo desfile de carnes, particularmente a das nádegas, seja mais da ordem do comestível do que do sexual. Esse era o pedaço do corpo humano mais delicioso para uma sociedade canibal que acabou permanecendo delicioso aos olhos. E esse olho talvez seja mais canibal do que luxurioso.”

As estátuas com olhos de ágata e cabelo humano imputrescível nas igrejas barrocas de Minas Gerais.”

Ao sul do Rio Grande, assim que se cruza a fronteira dos Estados Unidos, a maldição começa. A América do Sul inteira continua a viver o momento da imolação dos impérios que colapsaram à chegada dos espanhóis e portugueses e que continuarão colapsando para sempre.”

a cena de um desespero absoluto da conquista, que passou a correr nas veias de uma população inteira (…), incluindo a raça branca, que parece aceitar que não há esperança para esse continente e ele está condenado ao escândalo da exterminação. Lar das reservas planetárias da clorofila e cocaína, do oxigênio e da corrupção total dos recursos e das mentes.”

“Ninguém tem qualquer esperança real de sair desse cenário. Talvez nunca tenha havido desejo algum de libertação, de se arrancar desse primitivismo, exceto dentro de um estrato político-intelectual reduzido e epifenomênico. E mesmo seu comportamento é problemático. Tudo é planejado em termos de normas modernas (planos, programas, organização), mas, no momento da ação, há uma perda de motivação quanto aos resultados. Como se tivessem provado o que deveria ser feito, mas em seguida não tivessem mais vontade de insistir. As coisas vão bem mal, é claro, mas não pense que isso os torna infelizes, já que esse contratempo apenas lhes confirma a impossibilidade de escapar do atoleiro.

É o mesmo com as relações interpessoais: generosidade à flor da pele, uma afeição tocante e, ao mesmo tempo, apatia, despreocupação – talvez tão artificial quanto as demonstrações calorosas? Mas não: a questão é que nada deve ser dado como certo, para que o jogo continue. A relação com o tempo é a mesmíssima que a com o dinheiro e as demais: encontros, reuniões, o volume das trocas é deliberadamente todo deixado no ar. Todos são felizes com esse estado de permanente instabilidade monetária e temporal. É um jogo, é um destino. Todos os planos econômicos são condenados ao fracasso aqui com tanta segurança que o que vem a acontecer não é nem mesmo uma falha; é um espetáculo, e, como tal, compete com o futebol, o samba, os cultos, o jogo do bicho. Esse é o Brasil real, como Muniz Sodré fala, não o Brasil simulado, aquele que querem que ande no mesmo ritmo das tecno-democracias ocidentais. Como é realmente, o país está condenado, sem dúvida, e com auto-contentamento, a perpetuar o sacrifício, a imolação, a canibalização ritual de toda a sua riqueza. E por que não?”

o curto-circuito entre um mundo ritualístico e primitivo da lentidão, em que o ciclo se completa espontaneamente, e um mundo moderno da velocidade e aceleração. O resultado é incoerente: eles avançam, tomam a dianteira com determinação, e logo em seguida recaem, fatalmente, no mesmo ciclo de lentidão e são mais uma vez contaminados pelo vírus letárgico da indolência. Se eles não se mostram comprometidos com a consequência de seus atos, não é por falta de determinação ou energia, mas porque parte dessa energia permanece presa ao primeiro ciclo, ao qual ainda estão apegados. Daí a severidade com que os brasileiros lidam com as falhas em seus projetos ou programas. Nada é destinado a ir direto ao seu alvo, não se espera de ninguém que leve a operação até sua conclusão. O final tem de ser deixado ao acaso, ao diabo, à fatalidade. Reivindicar controlar essa parte do fogo, essa partilha maldita, assumir responsabilidade por tudo isso, seria altamente absurdo e sacrílego. É o ciclo que comanda, e o ciclo é como a curvatura da terra. E a indolência, o improviso é apenas a aceitação tácita no coração das pessoas desse elemento enigmático que frustra todo projeto e ordena que as chances de dar certo sejam meramente figurativas.”

Crises são para as camadas mais altas do capitalismo, que rapinam todos os lucros derivados em escala mundial. Catástrofes são para a classe média, que vê suas razões para viver desaparecerem. Os outros (80%) estão tão abaixo do nível da crise que nem mesmo a experimentam. Eles sobrevivem a tudo, se puderem, é claro, instintivamente. Desprovidos até de uma existência econômica, é mais fácil para eles achar um equilíbrio catastrófico simbólico.”

A crise econômica brasileira é tão ininteligível quanto a especulação wallstreetiana, exceto em sua obscura tentativa de demonstrar a absurdidade do sistema econômico. É um tipo de jogo coletivo, uma aposta alta na hipótese de que uma sociedade pode sobreviver – e por muito espaço de tempo, sem se desesperar de si – na desordem econômica mais absoluta, pelo menos enquanto não dispõe de estruturas racionais ou rígidas. Isso tudo é correlato ao caso dos italianos e o poder político: eles apostam na hipótese de que uma sociedade pode prosperar, insolentemente, sob a ausência de um Estado e de um governo, desde que se conserve sardônica e teatral o suficiente. Itália e Brasil são prefigurações do futuro. Pois todas as sociedades estão condenadas a um dia viver além do político e do econômico.”

NERVO INICIÁTICO: COM(G)R(ESSO) NACIONAL

In Brasilia, the abstraction of the city offers at least one certainty: at least those who are mad enough to cross its urban expressways – endangering their lives in the process – are human beings. The human race is nowhere so incongruous as in these extra-terrestrial surroundings, with the exception of these tiny touching creatures who go on foot. Otherwise, human beings take refuge around Brasilia in the numerous cults of the satellite towns, in an atmosphere of initiatory kitsch the more flamboyant and syncretic for being so opposed to the sidereal geometry of the mother-city.” “Em Brasília, a abstração da cidade oferece pelo menos uma certeza: ao menos os que forem loucos o suficiente para atravessar suas vias expressas – arriscando suas vidas no processo – são seres humanos. A raça humana não é em lugar nenhum tão incongruente quanto nesses domínios extra-terrestres, com a exceção dessas criaturazinhas tão tocantes que passeiam a pé. Mas, em última hipótese, os seres humanos da capital, para se sentirem mais humanos, se refugiam de quando em quando num dos numerosos cultos das cidades-satélites, numa atmosfera de kitsch iniciático mais exibicionista e sincrética justamente por ser tão contrastante com a geometria sideral da cidade-mãe.”

Os ricos de Copacabana são mantidos confinados pelos seus próprios escravos. Escravos que, pacificamente, silenciosamente, devoram o espaço-tempo de seus mestres. Mestres que vedam o acesso, mesmo em sonho, aos seus apartamentos luxuosos, mestres que detêm as chaves para as próprias almas dos escravos; exatamente como os escravos detêm as chaves dos elevadores pessoais de seus mestres.”

A mais requintada catástrofe, maior ainda que o naufrágio do Titanic, ocorreu na noite de 31 de dezembro de 1899, a primeira noite do século. O transatlântico saído de Manaos [grafia de Baudrillard], transbordando em riquezas ligadas à indústria da borracha, velejou rio Amazonas acima, cheio de aristocratas e famosos do mundo inteiro, para a mais luxuosa das festas internacionais. Esses membros da alta sociedade beberam e dançaram a noite toda ao ritmo das bandas, enquanto o transatlântico afundava vagarosamente e se perdia no labirinto da floresta. Eles conseguiram se dirigir para uma das margens secas de um dos inúmeros tentáculos do rio, mas não foram achados até ser tarde demais, quando todos já tinham morrido de fome, sede e calor. Dessa forma foi que uma parte da élite do mundo acabou oferecida como sacrifício humano para a entrada do novo século. Manus deusManaus – consonância maléfica.

Não só eles desapareceram, mas até mesmo essa história desapareceu dos arquivos. Eu nunca fui capaz de re-apurá-la na fonte eu mesmo. Será que eu alucinei com o tédio ou o calor? Não, eu tenho certeza que a li como um item genuíno de informação. Por que ela não está na memória de todo mundo, como a tragédia do Titanic?”

CATASTROPHY

Acho bom ter feito as pazes com esse livro, uma vez que a expulsão de objetos hostis é extremamente perigosa. É como um extravio num estado de pecado mortal. Ao invés de seguir seu caminho e entrar em órbita, o objeto força sua passagem de volta nas nebulosas profundezas do corpo. Exatamente o título inicial: <A vida, movendo-se por si mesma, do que está morto> [Memórias Refrigeradas]. E a morte do livro deve, de fato, ser vista como a vingança do mundo físico (e dos outros) contra o simbólico que o(s) nega – um ato sacrifical que é parte do livro em si mesmo. É por isso que você tem que se livrar dele e repassá-lo para outras pessoas, porque, como com qualquer bem simbólico, o mal e a transparência do mal não são coisas de que você deva desfrutar sozinho. É a regra do sacrifício.”

Toda mulher é única. Ela nunca é, portanto, ideal, porque a mulher ideal é um duplo.

Duas mulheres sempre se fundem numa só, combinadas numa eterna duplicidade.

Duas mulheres reais, se se combinam não só na imaginação, podem constituir uma mulher ideal.”

Mas, lá no fundo, duas mulheres não são o bastante. O homem moderno (Der Philosoph, Le Philosophe, Three Women in Love, 1989; Drowning by Numbers, Afogando em Números, 1989) está condenado à fantasia das três mulheres. Com 3 mulheres (ou mais), não há ciúmes nem predileção; uma progressão ritual [encadeamento] é criada, uma transferência de qualidades de uma a outra, uma nada sabendo da outra. Nenhuma quebra: a fagulha de uma nos olhos das outras, os ciúmes de uma no gozo das outras, a transparência de cada uma nas nuances das demais.”

Masculino e feminino estão a anos-luz de distância. Ninguém nem mesmo sabe se persiste uma relação entre os dois. É como bolas de bilhar que se chocam em velocidades diferentes, uma tocando a outra antes que a outra a toque: a não-polaridade dos sexos significa que eles não mais compartilham o mesmo espaço. Cada sexo não mais é, exatamente, o outro do outro sexo. Destarte, não há mais, exatamente, diferenças de sexo.”

RELAÇÃO ASSIMÉTRICA NO MUNDO DO AMOR: “O homem nunca significou a morte para a mulher” “Para haver diferença, as coisas têm de ser comparáveis. Apaixonar-se pelas próprias diferenças – o modelo do sexismo.”

Assim como as defesas do corpo precisam ser neutralizadas antes de um transplante cardíaco, a imunidade da mente precisa ser desligada antes de ela ser inicializada no mundo da inteligência artificial (computadores).

Os intelectuais estão condenados ao desaparecimento quando a inteligência artificial estourar no mercado, igual quando os heróis do cinema mudo desapareceram com a ascensão do cinema falado. Somos todos Buster Keatons.”

Caminhar entre tantos rostos de cujos nomes sua memória se esqueceu é como estar cego. A obliteração de nomes e rostos na memória é como o escurecimento da luz do dia para os olhos.” “Uma luta-livre entre cegos. O árbitro é cego também. Bem como os expectadores. E todo o evento acontece no escuro (essa última condição é supérflua).”

Comunicar? Comunicar? Só meios comunicam.”

Eu sou uma sobremesa para os lobos

#deathmetalyrics

AM I A MAN OR A MEDIUM?

I am mice

Yes we are

Media

I’m in half

Butchered

Pitilessly

Means to an end

Don’t you make no amends

Ships sink

Full of friends

Frenzy’s freak

Machiavelli does not justify my existence

Tense existence

Past tense

Present perfect

Future inexistent

Destined to doom

I’m centered in the edges and thresholds of the world

Where there is this eye that beholds

The eye of the hurricane

Storming sorrow towards my vanquished soul

Há um quê de orgulhoso no ato de evitar se repetir. Você está se iludindo se pensa que os outros prestaram atenção cuidadosa no que você disse, o que é muitas vezes o caso. Na outra mão, há qualquer coisa de uma modéstia exagerada nisso de repetir a mesma história dez vezes: porque isso é agir como se os outros não estivessem ouvindo, o que também não é sempre verdade.”

mais além da alienação, dissolvendo-se na pura outridade.”

O próprio Deus não acredita em Si, de acordo com a tradição. Fazê-lo seria uma fraqueza. Também seria uma fraqueza acreditar que temos uma alma ou um desejo. Deixemos essa fraqueza aos outros, como Deus deixa as crenças para os mortais.”

M., C., J. (C.A.A.O. – COSCUVILHEIRAS AMIGAS, ANGELICAIS E OTIMISTAS)

Histéricos [nós os ansiosos, instáveis por natureza] são esquivos, porque, quando generosos de espírito e demonstrando admiração, obtêm uma forma de reter o controle sobre seus favores. Ou eles são generosos com seus favores, mas mantêm uma distância mental. Esse equilíbrio é uma forma de sedução. Por outro lado, aqueles que se doam completamente são insuportáveis. São o tipo das mulheres harmoniosas, insignificantes e em paz consigo mesmas que qualquer um gostaria de trancar nalgum lugar e fazer sofrer.

ANÁLISE PSICOLÓGICA DO TRIO (AS CARACTERÍSTICAS SE INTENSIFICAM EXPONENCIALMENTE, COMO NUMA FÓRMULA, COM BASE NO AUMENTO DO NÚMERO DE MEMBROS DA PANELINHA):

Devotas, quase casadas, bonitas, na moda, honradas, sociáveis, boas oradoras, boas até demais, com defeito no disfarce de manipuladoras. Risadeiras. Sem senso do tempo apropriado para intervir. Têm consciência (ou chegam perto de achar) que suas vidas são espécies de modelos para o resíduo da gentalha. Inspirações medianas (“qualquer um gostaria de estar no meu lugar”), mas falta-lhes: consciência da própria repelência, o sentido do asco da homogeneidade, o sentimento de grandeza do mundo, do quão pouco seu papel representa, mesmo no sentido quantitativo da coisa, que é sempre onde podem levar vantagem. De certa forma são, sim, invejáveis, pois poucos conseguem possuir fé no futuro. Quem disse que animais não podem ter consciência do estado da felicidade?! Qualquer Outro também invasivo (espelho de suas personalidades, portanto idêntico na forma, porém discordante no conteúdo) torna-se O Inimigo. Senti na pele. Tanto as vantagens de estar alinhado com seu “perímetro do consenso” quanto o tormento de estar “do lado de lá” desses muros. Tirar a prova da panela: todo grupo de fêmeas coscuvilheiras tem a sua vedete masculina, normalmente um afeminado considerado “fiel”, que faz a ponte para salvar as aparências, tornar o hermetismo sectário do grupo algo mais “diplomático” e “palatável” (M., C. e J. possuem E.).

Uma pessoa SS: sempre solícita.

Eventos cativos não reproduzem em cativeiro.” (ler: notícias plantadas)

Which will win out in the long term, enforced idleness or frenzied activism?”

Nossa alta sociedade cultivada só se empanturra de Beckett, Cioran, Artaud [Baudrillard seria o quarto destes cavaleiros do Apocalipse?] e todas essas formas consagradas de cinismo e niilismo para se evadir melhor de qualquer análise das formas atuais de desespero. Eles denunciam com a maior energia político-moral toda presente instância do niilismo, da niilidade dos valores, enquanto <culturalmente> saboreiam as formas heróicas porém anacrônicas de niilismo e o inumano. Eles enaltecem a divisão maldita, todavia mantêm a água benta ao alcance.” Entende-se o que Nietzsche queria dizer com: eu não sou nenhum santo.

Anorexia: ab-reação a nossa euforia (bem-estar)” expiar culpas em dietas

Hipocondria: auto-ingestão de má consciência, digestão de nossos próprios corpos mortos.” Minha expiação: sentar e trabalhar quando nem preciso.

Resumo da minha história: patafísico aos 20 – situacionista aos 30 – utopista aos 40 – transversal aos 50 – viral e metaléptico aos 60.”

O paradoxo de Groucho: não quero pertencer a nenhum clube que me aceite como membro.”

Já matou uma baleia hoje?

Mesmo que não se escutem senão a si mesmas, duas pessoas como o meu pai podem discutir. Já eu comigo ou eu com ele, é totalmente diferente.

If nuclear technology is disappearing over the horizon, this is because new forms of war have taken its place.” Reversibilidade da guerra total: como fomos ingênuos ao esgotar as possibilidades, então!

Casanova conta como ele começou a ter hemorragias nasais por volta dos 4 anos e que foi aí que ele começou a se sentir vivo, sentir que era um ser humano.”

A mulher da sua vida – a expressão é absurda. De fato, é a mulher ou a vida. Não há espaço para as duas juntas. A competição é por demais acirrada.”

Agência Alérgica Apoteótica”

Philippe Alfonsi – Au nom de la science

Vattimo & Rovatti – Il pensiero debole

O ANTI-ÉDIPO -CAPITALISMO E ESQUIZOFRENIA I- (Deleuze & Guattari)

Não se pode dizer que a psicanálise seja muito inovadora: ela continua a pôr as suas questões e a desenvolver as suas interpretações a partir do triângulo edipiano, no momento em que sente, no entanto, que os chamados fenômenos de psicose ultrapassam esse quadro de referência.”

Até sofrer, como diz Marx, é fruir de si mesmo.” “há uma taxa constante de gozo cósmico”

O “estou nascendo agora e este é o meu ato zero” de todo esquizofrênico: “Foi o que Klossowski admiravelmente demonstrou no seu comentário de Nietzsche: a presença da Stimmung [atmosfera, humor] como emoção material, constitutiva do mais alto pensamento e da mais aguda percepção.” “No centro está a máquina do desejo, a máquina celibatária do eterno retorno. O sujeito-nietzscheniano, sujeito residual da máquina, obtém um prêmio eufórico (Voluptas) por tudo o que faz girar e que o leitor supunha ser somente a obra em fragmentos de Nietzsche”

Nunca ninguém fez tanta história como o esquizo, nem da maneira como ele a faz. Ele consome de uma vez só a história universal.” “porque tudo se decide e torna a desaparecer num só dia”

Clérambault é o Feuerbach da psiquiatria, no sentido em que Marx diz: < Quando Feuer. é materialista, não considera a história, e quando considera a história, não é materialista.” C., O criador do termo erotomania.

A teoria da esquizofrenia está marcada por 3 conceitos que constituem a sua fórmula trinitária: a dissociação (Kraepelin), o autismo (Bleuler), o espaço-tempo ou o estar no mundo (Binswanger).”

O romance ou conto SONHO, sempre em 3ª pessoa e em forma da negação: Ele não vai nascer; ele não vai escutar Beethoven. Ele não vai estrangular mulher e filhos. Ele não vai pensar nesses problemas tão complexos. Ele não vai morrer, etc.

Esquizofrênicos “parecem filósofos”, dizia Freud!

Falta alguma coisa” na sua vida? Mas não! Não pode faltar se você já não tiver tido… E por que não ter só uma vez?

Enquanto nos contentarmos em pôr o dinheiro, o ouro, o capital e o triângulo capitalista em paralelo com a libido, o ânus, o phallus e o triângulo familiar, dedicamo-nos a um passatempo bastante agradável mas os mecanismos do dinheiro continuam a ser indiferentes às projeções anais daqueles que o movimentam.”

Existe apenas o desejo e o social, e nada mais. Mesmo as forças mais repressivas e mortíferas da reprodução social são produzidas pelo desejo, na organização que dele deriva em determinadas condições que havemos de analisar.”

Nunca Reich mostrou ser um tão grande pensador como quando se recusa a invocar o desconhecimento ou a ilusão das massas ao explicar o fascismo, e exige uma explicação pelo desejo, em termos de desejo: não, as massas não foram enganadas, elas desejaram o fascismo num certo momento, em determinadas circunstâncias, e é isto que é necessário explicar, essa perversão do desejo gregário [Psicologia de Massas do Fascismo].”

O artista acumula o seu tesouro para uma explosão próxima, e é por isso que se impacienta com o tempo que falta para que as destruições se venham a dar.”

(Vimos que outrora havia seres que se esforçavam por atingir a histeria; do mesmo modo, diremos que hoje há muitos que se esforçam por atingir a loucura. Mas se a primeira tentativa é, numa certa medida, psicologicamente possível, a outra não o é de modo nenhum e só pode conduzir à mentira).” Karl Jaspers – Strindberg e Van Gogh [sobre a histeria e a esquizofrenia]

Funciona como uma máquina de cortar presunto: os cortes fazem extrações do fluxo associativo. E assim temos o ânus e o fluxo de merda que ele corta; a boca e o fluxo de leite, e também o fluxo de ar e o fluxo sonoro; o pênis e o fluxo de urina, e também o fluxo de esperma. Cada fluxo associativo deve ser considerado idealmente como um fluxo infinito de uma imensa perna de porco. A hylê designa, com efeito, a continuidade pura que uma matéria possui idealmente. Quando Jaulin descreve as bolinhas e os pós de cheirar iniciáticos mostra que eles são produzidos todos os anos como um conjunto de extrações duma « sequência infinita que tem teoricamente apenas uma origem »”

Será ou não preciso asfixiar com o que se come, devorar o ar, cagar pela boca?”

um estado que qualificaríamos de civil. Não há nada na vida de ninguém que desencadeie mais furor para ser alcançado.”

Em termos kleinianos diríamos que a posição depressiva apenas serve para encobrir uma posição esquizóide mais profunda.”

E se escolhemos o exemplo da menos edipianizante das psicanálises, foi para mostrar claramente o « forcing » que ela teve de executar para medir a produção desejante pelo Édipo. O que acontece com toda a facilidade aos psicanalistas vulgares, que nem sequer têm consciência do « movimento ». Isto não é sugestão, é terrorismo. Mélanie Klein escreve: « Quando Dick veio cá pela primeira vez, não manifestou qualquer emoção quando a ama mo confiou. Quando lhe mostrei os brinquedos que tinha preparado para ele, olhou-os sem interesse. Peguei num grande comboio que pus ao lado de um comboio mais pequeno e designei-os com o nome de ‘comboio papá’ e ‘comboio Dick’. Então, pegou no comboio a que eu tinha chamado ‘Dick’, empurrou-o até à janela e disse ‘estação’. Expliquei-lhe que a ‘estação é a mamã; o Dick entra na mamã’. Largou o comboio e foi meter-se entre a porta interior e a porta exterior da sala, fechou-se e disse ‘escuro’, e imediatamente saiu a correr. Repetiu muitas vezes esta correria. Expliquei-lhe que ‘está escuro dentro da mamã; o Dick está no escuro da mamã’… Quando a sua análise progrediu… Dick descobriu também que a banheira simbolizava o corpo da mãe e mostrou um medo extraordinário em se molhar com a água ». Se não dizes que é o Édipo apanhas uma bofetada. O psicanalista já nem pergunta: « O que é que são as tuas máquinas desejantes? », mas berra: « Quando eu perguntar, responde papá-mamã! » Até Mélanie Klein…”

Enquadrando a vida da criança no Édipo, fazendo das relações familiares a mediação universal da infância, estamos condenados a desconhecer a produção do inconsciente e os mecanismos colectivos que incidem directamente no inconsciente, em especial todo o jogo do recalcamento originário das máquinas desejantes e do corpo sem órgãos. Porque o inconsciente é órfão, e produz-se a si próprio no seio da identidade da natureza e do homem.”

a noção de « forclusão » (forclusion), parece indicar uma lacuna propriamente estrutural, que vai encontrar um lugar para o esquizofrênico no eixo edipiano, na órbita edipiana, invocando, por exemplo, um conjunto de três gerações, em que a mãe não pôde admitir que desejava o seu pai, o que vai levar o filho a não poder admitir que deseja a mãe.”

Porque o inconsciente não é nem estrutural nem pessoal; não imagina, tal como não simboliza nem figura; maquina, é maquínico. Não é nem imaginário nem simbólico mas é o Real em si mesmo, o « real impossível » e a sua produção.

Laplanche e Pontalis notam que Freud « descobre » o complexo de Édipo em 1897 na sua auto-análise; mas que apenas o formula teoricamente em 1923, em Le Moi et le Ça; e que, entre estas duas datas, o Édipo tem uma existência marginal, « isolado, por exemplo, num capítulo à parte sobre a escolha de objecto na puberdade (Trois essais) ou sobre os sonhos típicos (L’Interprétation du rêve) ».” “O inconsciente produtivo é substituído por um inconsciente que só se sabe exprimir pelo mito, pela tragédia, pelo sonho. Mas quem é que garante que o sonho, a tragédia, o mito sejam adequados às formações do inconsciente, mesmo se tivermos em conta o trabalho de transformação? (…) Como se Freud tivesse recuado face a este mundo de produção selvagem e de desejo explosivo, e quisesse introduzir nele, fosse como fosse, um pouco de ordem, da ordem clássica do velho teatro grego. O que é que quer dizer: Freud descobriu o Édipo na sua auto-análise? Na sua auto-análise ou na sua cultura clássica goethiana?

Com a psicanálise passa-se o mesmo que com a revolução russa: nunca conseguimos saber quando é que as coisas se começaram a deteriorar. Somos sempre obrigados a recuar um pouco mais. Com os Americanos? Com a Primeira Internacional? Com o comitê secreto? Com as primeiras rupturas que assinalam tanto a renúncia de Freud como as traições dos que se afastam dele? Com o próprio Freud, desde a « descoberta » do Édipo? Porque o Édipo é a viragem idealista. No entanto, não podemos dizer que a psicanálise tenha esquecido a produção desejante.”

E o que é que se passou na história da psicanálise? Freud defendia o seu ateísmo como um herói. Mas, enquanto o iam ouvindo respeitosamente, enquanto iam deixando o velho falar, nas suas costas ia-se preparando a reconciliação das igrejas com a psicanálise, momento em que a Igreja viria a ter os seus próprios psicanalistas e que se poderia escrever na história do movimento: como também nós somos ainda piedosos! Lembremos a grande declaração de Marx: aquele que nega Deus faz apenas uma « coisa secundária », porque nega Deus para afirmar a existência do homem, para pôr o homem no lugar de Deus (tendo em conta, evidentemente, a transformação). Mas aquele que sabe que o lugar do homem é noutro sítio, ou seja, na coextensividade do homem e da natureza, esse nem sequer deixa subsistir a possibilidade de uma interrogação sobre « um ser estranho, um ser situado acima da natureza e do homem »: já não precisa da mediação que o mito é, já não precisa de passar pela mediação que a negação da existência de Deus é, porque atingiu as regiões da autoprodução do inconsciente, em que o inconsciente é tão ateu como órfão, imediatamente órfão, imediatamente ateu.”

Ser enrabado pelo socius, desejar ser enrabado pelo socius, não deriva nem do pai nem da mãe, embora o pai e a mãe desempenhem um papel secundário como agentes subalternos de transmissão ou de execução.”

Sugestão de filme-documentário: Paralelo 17 (mais informações nas recomendações à p. )

Causa-nos uma certa admiração dizer-se que uma análise terminada é, por isso mesmo, uma análise falhada, mesmo que essa afirmação seja acompanhada por um fino sorriso de analista.” “o paciente poderia perfeitamente dizer o contrário do que diz, sem que a situação analítica se modificasse…” “vês, o coronel, o instrutor, o professor, o patrão, tudo isto queria dizer isso, o Édipo e a castração, « uma nova versão de toda a história »…”

somos todos esquizos! somos todos perversos! Somos todos Libidos demasiado viscosas ou demasiado líquidas…”

o homem é simplesmente aquele em que a parte masculina domina estatisticamente, e a mulher, aquela em que a parte feminina domina estatisticamente. (…) as diferenças vêm a dar no mesmo sem deixarem de ser diferenças.”

Kant – Metafísica dos costumes

a fórmula do Édipo é 3 + 1, o Um do phallus transcendente sem o qual os termos considerados não formariam um triângulo.”

esta projeção de todos os cortes-fluxos num mesmo lugar mítico, de todos os signos não-significantes num significante maior.”

SÍNTESE DO INTRINCADO DELEUZE NESTAS PARAGENS (SINTESEJO): “Não negamos que haja uma sexualidade edipiana, uma heterossexualidade, uma homossexualidade edipianas, uma castração edipiana – e objetos completos, imagens globais, eus específicos. O que negamos é que sejam produções do inconsciente.”

MORTE À ELEIÇÃO DA FAMOSA VARIÁVEL OU CRISTO-BODE: “uma revolução, agora materialista, tem que passar pela crítica do Édipo, denunciando o uso ilegítimo das sínteses do inconsciente que a psicanálise edipiana faz, de modo a encontrar um inconsciente transcendental definido pela imanência dos seus critérios, e uma prática correspondente como esquizo-análise.” “Seria desconhecer totalmente esta ordem de pensamento fazer como se o esquizofrénico substituísse as disjunções por vagas sínteses de identificação dos contrários, como o último dos filósofos hegelianos.”

O Édipo já não deve saber se está morto ou vivo, se é homem ou mulher, pai ou filho. Incesto, serás fantasma e hermafrodita.” Serge Leclaire

S. L. – La mort dans la vie de l’obsédé

E toda a gente sabe a que é que a psicanálise chama resolver o Édipo: ter que o interiorizar para o aceitarmos melhor quando o encontrarmos no exterior, na autoridade social, e para o podermos disseminar, passando-o aos nossos filhos.” “Arranjaram-se pais para o inconsciente!” “De acordo com uma sugestão de Freud, a sociedade americana, a sociedade industrial com anonimato de gestão e desaparecimento do poder pessoal, etc., é-nos apresentada como um ressurgimento da « sociedade sem pais ».” “O Édipo é como aquelas coisas que se tornam perigosíssimas por já ninguém acreditar nelas”

A esquizo-análise não se propõe resolver o Édipo, não pretende resolvê-lo melhor que a psicanálise edipiana. Propõe-se desedipianizar o inconsciente para poder chegar aos verdadeiros problemas. Propõe-se atingir essas regiões do inconsciente órfão « para lá de todas as leis », em que o problema deixa de poder ser posto.”

Está agora a aparecer uma segunda geração de discípulos de Lacan cada vez menos sensíveis ao falso problema do Édipo. Mas se os primeiros foram tentados a reforçar o jugo de Édipo, não terá isso acontecido porque Lacan parecia conservar uma espécie de projecção das cadeias significantes num significante despótico, e suspender tudo num termo ausente, que até a si próprio faltava e que reintroduzia a falta nas séries do desejo, às quais impunha uma utilização exclusiva? Seria possível denunciar o Édipo como mito e dizer ao mesmo tempo que o complexo de castração não é um mito, mas, pelo contrário, algo de real?

O esquizo não tem princípios: só é uma coisa se for outra. (…) Só é uma rapariga se for um velho que finge ser uma rapariga.”

quanto ao sentimento da vida, o neurótico e o perverso estão para o esquizofrênico como o negociante sórdido está para o grande aventureiro.” Reich

o que é que reduz o esquizofrênico à sua figura autista, hospitalizada, separada da realidade? Será o processo ou, antes pelo contrário, a interrupção do processo, a sua exasperação e prolongamento no vazio?”

« Quando procuro o meu contrário mais profundo encontro sempre a minha mãe e a minha irmã; o terem-me ligado a uma tal canalha alemã foi uma blasfêmia para a divindade, …a objecção mais profunda à minha teoria do eterno retorno. » Nietzsche

A psicanálise pode ser capaz de dissecar algumas das formas da loucura mas continuará a ser completamente estranha ao trabalho soberano da desrazão.” Foucault

a estranha idéia de que, se o psicótico escapa ao Édipo, é apenas porque ele está inserido num Édipo ao quadrado, num campo de extensão que abrange os avós. O problema da cura torna-se uma operação de cálculo diferencial

Há sempre um tio da América, um irmão falhado, uma tia que fugiu com um militar, um primo desempregado, falido ou arruinado, um avô anarquista, uma avó louca ou caquética internada num hospital. A família não produz os seus próprios cortes: as famílias são cortadas por cortes que não são familiares” “E portanto, a esquizo-análise não esconde ser uma psicanálise política e social, uma análise militante”

Considerem-se três grandes livros sobre a infância: L’Enfant de Jules Vallès, Bas les coeurs de Darien e Mort à crédit de Céline.”

O que Nietzsche queria era que finalmente se passasse a tratar de coisas sérias. Fez doze ou treze versões da morte de Deus, para se deixar de falar disso, para tornar o acontecimento cómico. E explica que esse acontecimento até nem tem importância nenhuma, que só poderia ter interesse para o último dos papas: que Deus ou o pai tenham ou não morrido é exactamente a mesma coisa, visto que a repressão e o recalcamento são os mesmos, quer sejam feitos em nome do Deus ou do pai vivo, em nome do homem ou do pai morto interiorizado.” “o que ele quer dizer é que o que leva tanto tempo a chegar à consciência é a notícia de que a morte de Deus não tem importância nenhuma para o inconsciente.” “os profetas são os que acreditam menos.”

Ou se está a preparar uma máquina bem lubrificada, ou, pelo contrário, uma máquina infernal.”

Na verdade a descrença típica do conhecimento científico é o último refúgio da crença e, como diz Nietzsche, só há uma psicologia: a do padre.”

O inconsciente, porque é homem-natureza, é rousseauniano. E quanta malícia e astúcia não há em Rousseau!”

substituir a benevolente pseudo-neutralidade do analista edipiano, que só ouve e quer ouvir dizer papá-mamã, por uma atividade maldosa, abertamente maldosa – isso do Édipo só me dá vontade de cagar, se continuas acaba-se já a análise, ou então, um choque eléctrico para ver se deixas de papaguear papá-mamã – claro, claro que « Hamlet está em todos vós, e também Werther », e o Édipo também, e tudo o mais que quiserem, mas « vocês fazem nascer braços e pernas uterinos, lábios uterinos, um bigode uterino; revivendo os mortos reminiscentes o vosso eu torna-se uma espécie de teorema mineral que passa o tempo todo a demonstrar a inutilidade da vida (…).”

O imortal pai de Mort à crédit grita: o que tu queres é que eu morra, não é? No entanto, nós não queríamos nada disso.”

Freud não suportava que Jung lhe dissesse, a brincar, que o Édipo não devia ter uma existência real, visto que até um selvagem prefere uma mulher jovem e bonita à mãe ou à avó.”

Apesar de tudo, Reich foi capaz de levar à psicanálise, e em nome do desejo, um cântico à vida. O que denunciava na resignação final do freudismo era um certo medo da vida, um ressurgimento do ideal ascético, um novo culto da má consciência. Mais valia partir à procura do Orgone, do elemento vital e cósmico do desejo, do que continuar, em tais condições, a ser psicanalista. Ninguém lhe perdoou, enquanto que Freud obteve o grande perdão.”

Stravinsky declara antes de morrer: « Estou certo que a minha infelicidade teve origem no afastamento do meu pai e no pouco afeto que a minha mãe me deu. Então, decidi que eles haviam de ver … ».”

Não, os psicanalistas não inventam nada, embora por outro lado tenham inventado muito.”

Esta criança,

não está aí,

é apenas um ângulo,

o ângulo que há-de vir,

e não há ângulos…” Artaud

Não há dois grupos, não há qualquer diferença de natureza entre neuroses e psicoses. É sempre a produção desejante que é a causa, a causa última tanto das subversões psicóticas que partem ou submergem o Édipo como das ressonâncias neuróticas que o constituem.”

Bruno Bettelheim – A Fortaleza Vazia

Estes homens do desejo (que talvez ainda nem existam) são como Zaratustra: atravessaram sofrimentos inacreditáveis, vertigens e doenças. Têm os seus espectros e têm que reinventar todos os gestos.”

Loucura e doença mental já não pertencem à mesma unidade antropológica.” Foucault

Ao longo de toda a psiquiatria, apenas Jaspers e depois Laing perceberam o significado do processo e da sua realização completa (e é essa a razão por que conseguiram evitar o habitual familiarismo da psicanálise da psiquiatria). « Se a espécie humana sobreviver, suponho que os homens do futuro considerarão a nossa esclarecida época como um verdadeiro século do obscurantismo. E serão sem dúvida capazes de apreciar a ironia desta situação com mais alegria do que nós. Rirão de nós, saberão que aquilo a que chamamos esquizofrenia era uma das formas por meio das quais – e muitas vezes por intermédio de pessoas absolutamente vulgares – se começou a fazer luz através das fendas dos nossos acanhados espíritos […]. A loucura não é necessariamente uma derrocada (breakdown); pode ser também a abertura de uma passagem (breakthrough) […] O indivíduo que faz a experiência transcendente da perda do ego, pode ou não perder o equilíbrio de diversas maneiras; pode então ser considerado louco. Mas ser louco não é necessariamente ser doente, mesmo no nosso mundo em que os dois termos se tornaram complementares […]. Partindo do ponto de vista da nossa pseudo-saúde mental, tudo se torna equívoco, porque esta saúde não é uma verdadeira saúde. A loucura dos outros não é uma verdadeira loucura. A loucura dos nossos doentes é um produto da destruição que nós lhes impomos e que eles se impõem a si próprios. E não se pense que podemos encontrar a verdadeira loucura, nem que somos verdadeiramente sãos de espírito. A loucura que encontramos é um grosseiro disfarce, uma aparência enganadora, uma caricatura grotesca do que poderia ser a cura natural desta estranha integração. A verdadeira saúde mental implica, seja de que modo for, a dissolução do ego normal… »Ronald Laing – La Politique de l’Experience

Porque a literatura é exactamente como a esquizofrenia: um processo e não um fim, uma produção e não uma expressão.” “A edipianização é ainda, neste caso, um dos factores mais importantes na redução da literatura a um objecto de consumo conforme à ordem estabelecida, e incapaz de fazer mal a quem quer que seja. Não nos referimos à edipianização pessoal do autor e dos seus leitores, mas à forma edipiana a que se tenta submeter a própria obra para a transformar nesta actividade menor de expressão que segrega a ideologia conforme os códigos sociais dominantes. É por isso que se pensa que a obra de arte se inscreve entre os dois pólos do Édipo, problema e solução, neurose e sublimação, desejo e verdade – um regressivo, que a obriga a remexer e a redistribuir os conflitos que não foram resolvidos na infância, o outro prospectivo, com o qual inventa as vias de uma nova solução do futuro do homem.” “O Édipo, antes de ser um efeito psicanalítico é um efeito literário. Haverá sempre um Breton contra Artaud, um Goethe contra Lenz [eletrofísico revolucionário], um Schiller contra Hölderlin, que super-egonizem a literatura e digam: cuidado, não vás longe demais! nada de « faltas de tacto »! Werther sim, Lenz não! A forma edipiana da literatura é a sua forma mercantil. Não que pensemos que a psicanálise afinal é menos torpe do que essa literatura: é que a obra do neurótico [o não-sublimado/inadaptado ao Capital] é uma obra solitária, irresponsável, ilegível e não-vendável que tem que pagar para ser, não apenas lida, mas traduzida. Comete pelo menos um erro econômico, uma falta de tacto, e não divulga os seus valores.” “A neurose é precisamente isto, este deslocamento do limite, o reservar para si próprio uma pequena zona colonial. Mas há outros que querem terras virgens, realmente mais exóticas, famílias mais artificiais, sociedades mais secretas, que eles desenham e instituem ao longo do muro, nos lugares da perversão. Outros ainda, enjoados da utensilidade do Édipo, e também da pacotilha e esteticismo perversos, atingem o muro e pulam em cima dele [Humberty-Dumpty, o Ovo de Lolice], às vezes com extrema violência. É então que se imobilizam e se calam, refugiando-se no corpo sem órgãos, ainda uma territorialidade, mas desértica, na qual toda a produção desejante pára ou cristaliza, finge parar: é a psicose [superneurótico, diferença só de grau]. Corpos catatônicos que caíram no rio como chumbo, imensos hipopótamos imóveis que não voltarão à superfície.” “As nossas sociedades modernas procederam, pelo contrário, a uma vasta privatização dos órgãos, que corresponde à descodificação dos fluxos que se tornaram abstractos. O primeiro órgão a ser privatizado, colocado fora do campo social, foi o ânus (…) Daqui a relativa verdade das observações psicanalíticas sobre o carácter anal da economia monetária.”

Sempre que interpretarmos as relações de parentesco na comunidade primitiva em função de uma estrutura que se desenvolvesse no espírito, caímos na ideologia dos grandes segmentos que faz depender a aliança das filiações maiores, mas que é desmentida pela prática.” Alianças (ligação externa, política) e filiações (relações efetivamente consangüíneas) como estruturas in(ter)dependentes. “Um sistema de parentesco só aparece como fechado quando separado das referências económicas e políticas que o mantêm aberto, e que fazem da aliança algo de totalmente diferente dum arranjo entre classes matrimoniais e linhas filiativas.”

« Eu, eu, eu, sou uma natureza poderosa, uma natureza irritada e agressiva! » Canto do caçador nômade. “proibição do incesto, visto que o caçador não pode consumir as suas próprias presas”

A idéia que as sociedades primitivas – dominadas por arquétipos e pela sua repetição – não têm história, é particularmente fraca e inadequada. E esta idéia não foi uma invenção dos etnólogos mas dos ideólogos presos a uma consciência trágica judaico-cristã, à qual pretendiam atribuir a « invenção » da história.”

é para poder funcionar que uma máquina social não deve funcionar bem.” Regra de ouro da civilização “o capitalismo aprendeu isso e deixou de duvidar de si, e até os socialistas deixavam de acreditar na possibilidade da sua morte natural por usura. As contradições nunca mataram ninguém – e quanto mais isto se desequilibrar, quanto mais se esquizofrenizar, melhor há-de funcionar, à americana.” Talvez eu seja muito certinho. Preciso ser mais [mala]d[apt]ad[o].

Se o capitalismo é a verdade universal, é-o no sentido em que é o negativo de todas as formações sociais: ele é a coisa, o inominável, a descodificação generalizada dos fluxos que permite compreender a contrario o segredo de todas estas formações – antes codificar os fluxos, ou até sobrecodificá-los, do que deixar que algo escape à codificação. Não são as sociedades primitivas que estão fora da história, é o capitalismo que está no fim da história, é ele que resulta duma longa história de contingências e de acidentes e que faz chegar este fim.” “Podemos portanto ler toda a história sob o signo das classes se observarmos as regras indicadas por Marx, e na medida em que as classes são o < negativo > das castas e dos grupos. Porque o regime de descodificação não significa, de modo algum, ausência de organização, mas a mais lúgubre organização”

P. 163 ed. impressa: “Sou o filho, e também o irmão da minha mãe, e o esposo da minha irmã, e o meu próprio pai. Tudo repousa sobre a placenta que se tornou terra, o inengendrado, corpo pleno de anti-produção ao qual se agarram os órgãos-objectos parciais dum Nommo [deuses-espíritos gêmeos do povo tribal Dogon] sacrificado. É que a placenta, enquanto substância comum à mãe e à criança, parte comum dos seus corpos, faz [com] que estes corpos não sejam uma causa e um efeito, mas ambos produtos derivados dessa mesma substância em relação à qual o filho é gémeo da sua mãe: é essa a axis do mito dogão referido por Griaule.”

o incesto com a irmã não é um substituto do incesto com a mãe, mas sim o modelo intensivo do incesto como manifestação da linhagem germinal.” “não é o Hamlet que é uma extensão do Édipo [Édipo fantasmático!], um Édipo de 2º grau: há, pelo contrário, um Hamlet negativo ou invertido antes do Édipo. O sujeito não censura o tio [uterino, o < que tem a permissão > nas tradicionais sociedades míticas] por ter feito o que desejava fazer; censura-lhe é não ter feito o que ele, o filho, não podia fazer. E porque [sic] é que o tio não casou com a mãe, sua irmã somática? (…) [porque todas as peças são intercambiáveis, e há gerações acima ou abaixo ou, antes, co-laterais] Fecha-se o doublebind primitivo: o tio também já não pode casar com a sua irmã, a mãe; nem o sujeito casar com a sua própria irmã” “A discernibilidade transforma a irmã e a mãe em esposas interditas.” “O discurso mítico tem por tema a passagem da indiferença ao incesto a sua proibição” Jaulin “Deve-se portanto concluir à letra que o incesto não existe nem pode existir. (…) Só se pode fazer o incesto depois de uma série de substituições que nos afastam cada vez mais dele, isto é, com uma pessoa que apenas vale pela mãe ou pela irmã à força de o não ser” “casamento preferencial: é o primeiro incesto permitido” “O texto de Griaule é sem dúvida aquele que, de toda a etnologia, é mais profundamente inspirado pela psicanálise. E no entanto implica conclusões que rebentam com o Édipo”

nostalgia dum mundo onde tais relações seriam possíveis ou indiferentes” “o incesto é como o movimento: é impossível: não no sentido em que o real o seria mas, pelo contrário, no sentido em que o simbólico o é.” “nunca podemos fruir simultaneamente da pessoa e do nome” “o incesto é um renascimento infinito” Jung

tudo começa precisamente na cabeça de Laios, o velho homossexual de grupo, o perverso que arma uma cilada ao desejo. Porque o desejo é também isto – uma armadilha.”

P. 88 (PDF): “O Édipo é uma espécie de eutanásia do etnocídio [morte tranqüila de uma cultura]. (…) Porque o Édipo não é só um processo ideológico, mas é também o resultado da destruição do meio-ambiente, do habitat, etc.”

Se é verdade que o pensamento se avalia pelo grau de edipianização, temos de reconhecer que, de facto, os Brancos pensam demais.”

Interpretar é o modo moderno de crer, de sermos piedosos.”

O próprio Marcuse, pouco suspeito de complacência, reconhece que o ponto de partida do culturalismo era bom: introduzir o desejo na produção, estabelecer a ligação entre a < estrutura dos instintos e a estrutura económica, indicando ao mesmo tempo as possibilidades de superar uma cultura patricentrista e exploradora >. O que foi, então, que levou o culturalismo por maus caminhos? (E também aqui não há contradição entre o facto de começar bem e o de andar, desde o princípio, por maus caminhos…) Talvez seja esse o postulado comum ao absolutismo e ao relativismo edipianos: ou seja, a conservação obstinada duma perspectiva familiarista que destroça tudo.” “as infinitas discussões: será o papá? será a mamã?” “O conflito dos culturalistas com os psicanalistas ortodoxos reduz-se, freqüentemente, às avaliações dos papéis da mãe e do pai, do pré-edipiano e do edipiano, não se saindo nem da família nem do Édipo, oscilando sempre entre os dois famosos pólos, o pólo materno pré-edipiano do imaginário e o pólo paterno edipiano do estrutural, pólos que têm o mesmo lixo”

e até uma tentativa tão profunda de sacudir o jugo do Édipo como a de Lacan foi interpretada como um meio inesperado de o tornar ainda mais pesado, e de o fechar sobre o bebé e o esquizo.” Talvez O ANTI-ÉDIPO seja encarado no futuro (já passado?) como uma tentativa de ressurreição e consolidação ultimada do mito!

Falaremos de limite absoluto sempre que os esquizo-fluxos passem através do muro, misturem os códigos e desterritorializem o socius: o corpo sem órgãos é o socius desterritorializado, deserto onde correm os fluxos descodificados do desejo, fim do mundo, apocalipse. Em segundo lugar, o limite relativo é a formação social capitalista, porque maquina e faz correr os fluxos efetivamente descodificados, mas substituindo os códigos por uma axiomática contabilística ainda mais opressiva. Embora o capitalismo, através do movimento pelo qual contraria a sua própria tendência, se aproxime sempre mais do muro e o vá afastando cada vez mais. A esquizofrenia é o limite absoluto (…) Em terceiro lugar, não há nenhuma formação social que não pressinta ou preveja a forma real com que o limite lhe pode aparecer, e que ela esconjura com todas as suas forças. Assim se compreende a obstinação com que as formações anteriores ao capitalismo reagem ao comerciante e ao técnico, impedindo a autonomização dos fluxos de dinheiro e dos fluxos de produção, que destruiria os seus códigos. É este o limite real. E estas sociedades (…) vêem nele, com melancolia, o sinal da sua morte próxima. (…) Mas, em quarto lugar, este limite inibido no interior já estava projectado num começo primordial, numa matriz mítica como limite imaginário. (…) fluxos não-codificados, que deslizam como a lava (…) Uma vaga de merda irreprimível como no mito do Furbe [?] (…) o aquém do incesto como no mito do Yurugu (…) Daqui, e em quinto lugar, deriva a importância da tarefa de deslocamento do limite (…) tal como se esconjuram as forças temidas dum rio cavando-lhe um leito artificial ou desviando dele mil ribeiros pouco profundos. O Édipo é este limite deslocado. (…) é universal (…) persegue todas as sociedades (…) o que todas as sociedades temem dum modo absoluto como o seu mais profundo negativo, isto é, os fluxos descodificados do desejo.” [apenas os itálicos são de Deleuze]

A esquizo-análise renuncia a qualquer interpretação porque renuncia deliberadamente a descobrir um material inconsciente: o inconsciente não quer dizer nada (…), na sua imanência.”

O HELENO: “Enquanto se puser assim o problema, impondo uma escolha entre a libido e o numen [< molécula gigante do corpo sem órgãos >], o mal-entendido entre etnólogos e psicanalistas só se agravará – como também não pára de se agravar entre helenistas [especialistas em Grécia; quiçá, nesse senso, antípodas dos edipianos, ou seja, adversários dos intérpretes do Mito num sentido moderno] e psicanalistas, a propósito do Édipo.”

Porque as máquinas desejantes são precisamente isto: a microfísica do inconsciente, os elementos do micro-inconsciente.” Por isso, diria Baudrillard, o desejo não existe!

A aliança-dívida responde ao que Nietzsche descrevia como o trabalho pré-histórico da humanidade: servir-se da mnemotécnica mais cruel, na própria carne, para impor uma memória de palavras que tem por base o recalcamento da velha memória bio-cósmica.”

Parece que Lévi-Strauss fechou a questão que Mauss tinha pelo menos aberto: a dívida será primeira em relação à troca, ou será apenas um modo de troca, um meio ao serviço da troca?, com uma resposta categórica: – a dívida é apenas uma super-estrutura” “O desejo ignora a troca, só conhece o roubo e o dom

E o que é que se faz do próprio inconsciente, senão reduzi-lo explicitamente a uma forma vazia, donde até o desejo foi expulso ou está ausente? [crítica a Lévi-Strauss] Esta forma pode definir um pré-consciente, mas não o inconsciente.”

As formações selvagens são orais, vocais, mas não por lhes faltar um sistema gráfico: uma dança sobre a terra, um desenho no tabique, uma marca no corpo, são um sistema gráfico, um geo-grafismo, uma geo-grafia. E estas formações são orais precisamente porque têm um sistema gráfico independente da voz, que não se orienta por ela, que não se subordina a ela”

P. 99: “O grande livro da etnologia é menos o L’Essai Sur Le Don de Mauss do que a Genealogia da moral de Nietzsche. Porque a Genealogia, na segunda dissertação, é a tentativa mais bem-sucedida que houve no sentido de interpretar a economia primitiva em termos de dívida, eliminando qualquer consideração de troca. (…) O material que Nietzsche tinha era reduzido, o antigo direito germânico, um pouco de direito hindu. Mas não hesita, como Mauss, entre a troca e a dívida (como Bataille também não hesitará, levado pela sua inspiração nietzschiana). (…) Toda a estupidez e arbitrariedade das leis, toda a dor das iniciações, todo o aparelho perverso da representação e da educação, os ferros rubros e os processos atrozes têm precisamente este sentido: adestrar o homem (…) Não porque previamente se suspeite que cada um será um futuro mau devedor, muito pelo contrário. (…) Que é que importa que Nietzsche tenha ou não dito isto [literalmente]? (…) como explicar que a dor do criminoso possa servir de < equivalente > ao prejuízo que causou? É preciso invocar um olho que tire prazer disto [eye of the beholder] (…) O crime, ruptura de conexão fono-gráfica, é restabelecido pelo espectáculo do castigo. Eles chegam como um destino [ou como a revista semanal, tão idiotamente necessária]” O tipo artista, o pai da má consciência. “Mas quem são estes eles que chegam como a fatalidade?” A besta loira. “São eles os fundadores do Estado.”

o déspota e os seus burocratas, o Cristo e o seu S. Paulo.” “Moisés foge da máquina egípcia e vai para o deserto [último território], onde instala a sua nova máquina, a arca Santa e o templo portátil

Longe de ver no Estado o princípio duma territorialização que inscreve as pessoas segundo a sua residência, devemos ver no princípio de residência o efeito dum movimento de desterritorialização que divide a terra como um objeto e submete os homens à nova inscrição imperial

Quando Étienne Balázs [sinólogo, especialista na China] pergunta: por que é que o capitalismo não nasceu na China no século XIII, onde existiam todas as condições científicas e técnicas para que tal acontecesse?; a resposta está no facto de o Estado fechar as minas desde que tivesse uma reserva de metal que julgasse suficiente, e em ele ter o monopólio ou o controle do comércio.”

As castas são inseparáveis da sobrecodificação, e implicam < classes > dominantes que não se manifestem ainda como classes, mas que se confundam com um aparelho de Estado. (…) Ter assinalado a importância deste momento que começa com os fundadores dos Estados, < estes artistas de olhar de bronze que forjam uma engrenagem assassina e impiedosa >, que opõem a qualquer perspectiva de libertação uma impossibilidade de ferro, foi a força de Nietzsche.

o incesto do déspota é duplo. Começa por casar com a irmã. (…) a mesma regra que proscreve o incesto deve prescrevê-lo a alguns.” “Deserto, terra de noivados.” “Claro que o incesto com a mãe tem um sentido muito diferente: trata-se agora da mãe da tribo, tal como existe na tribo, tal como o herói a encontra quando penetra na tribo ou a volta a encontrar no seu regresso, depois do seu primeiro casamento. (…) a união com a princesa-irmã, a união com a mãe-rainha. (…) é portanto, pela esterilidade que ele garante a fecundidade geral.” irmãDeus e Mãegentalha o déspota é Moisabraão. algo novo e a vulgarização ancestral.

Ó Calígula, ó Heliogábalo, ó louca memória dos imperadores desaparecidos. Como o incesto não foi nunca o desejo mas apenas o seu representante deslocado, a repressão só lucra quando ele aparece no lugar da própria representação e se encarrega assim da função recalcante”

as palavras em si mesmas não são signos, mas transformam [em si]gno as coisas ou os corpos que designam” “a palavra designadora torna-se visível” “um modo de saltar que não se apanha num querer-dizer” “a voz deixa de cantar para ditar, editar; a grafia deixa de dançar e de animar os corpos para se escrever nas tábuas, nas pedras, nos livros” “A subordinação do grafismo à voz induz uma voz fictícia das alturas que já não se exprime, inversamente, a não ser pelos signos de escrita que emite (revelação)” “É talvez aqui que começa a pergunta < o que é que isto quer dizer? >” “o transcendente de onde sai uma linearidade” “a transparência da oração animista é substituída pela opacidade do rígido versículo árabe” “A escrita é o primeiro fluxo desterritorializado e bebível” “O desejo já nem se atreve a desejar, tornou-se desejo de desejo, desejo do desejo do déspota. A boca já não fala, bebe a letra. O olho já não vê, lê.” Leviaterra

P. 108: “Suíça ou americana, a linguística move-se sempre na sombra do despotismo oriental. E não é só Saussure que insiste em que o carácter arbitrário da linguagem fundamenta a sua soberania”

Para os Sumérios [um certo signo] é água; os Sumérios lêem este signo a, que em sumério significa água. Chega um Akkadiano que pergunta ao seu senhor sumério: o que é este signo? O Sumério responde-lhe: é a. O Akkadiano toma este signo por a, e assim deixa de haver qualquer relação entre o signo e a água que, em akkadiano, se diz … Suponho que foi a presença dos Akkadianos que determinou a fonetização da escrita…”

A escrita alfabética não é feita para os analfabetos mas pelos analfabetos”

irmã e mãe são os significados da voz. (…) é o próprio déspota que é o significante” “O que tornava o incesto impossível – porque ora tínhamos os nomes (mãe, irmã) sem termos as pessoas ou os corpos, ora tínhamos os corpos sem termos os nomes que desapareciam mal infringíssemos os interditos que passavam sobre eles – deixou de existir.” “Desde que o incesto seja possível, pouco importa que seja simulado ou não, visto que, de qualquer modo, o incesto dissimula outra coisa.”

Não se pode separar o incesto real da intensa multiplicação dos órgãos e da sua inscrição no novo corpo pleno (Sade percebeu perfeitamente este papel real do incesto).” “um olho com o olhar demasiado fixo, uma boca com um sorriso demasiado insólito, cada órgão é um protesto possível. César, parcialmente surdo, ao mesmo tempo que se queixa que de um ouvido já não ouve, vê Cassius, < magro e esfaimado >, a olhar fixamente para ele, e repara no sorriso de Cassius < que parece sorrir do seu próprio sorriso >.” [Peça de Shakespeare – Júlio César. Cássio, aquele que se suicidou no dia de seu aniversário.]

Qualquer história do fluxo gráfico vai da vaga de esperma ao berço do tirano, até à vaga de merda no seu túmulo-esgoto”

Artaud – Heliogabalo

Porque, insistimos, a lei, antes de ser uma fingida garantia contra o despotismo, é a invenção do próprio déspota: é a forma jurídica que torna a dívida infinita.” “o legislador e o monstro, Gaio e Cómodo, Papiniano e Caracala, Ulpiano e He[ge]liogabalo” Um longo caminho até Montesquieu! “O < para que é que isto serve? > esfuma-se cada vez mais e desaparece na bruma do pessimismo, do niilismo.” “o ressentimento, essa contra-vingança.” “O Édipo – o déspota do pé aleijado”

Os historiadores da religião e os psicanalistas estão bastante familiarizados com o problema da masculinização da tríade imperial que é provocada pela relação pai-filho que nela é introduzida.”

Ainda ressoa o aviso melancólico do Egípcio aos Gregos: < Vocês, gregos, nunca deixarão de ser crianças! >.”

P. 114: o Estado como “semi-eterno”: percorre, invade e evade todos os modos de produção elencados pelos marxistas, e até existe como brotinho no primitivismo. Não se trata do Capital. Impasse. Sumo-impasse: o modo de produção asiático.

O que o Estado despótico corta, sobrecorta ou sobrecodifica, é o que está antes, a máquina territorial, que ele reduz a tijolos, a peças trabalhadas submetidas desde então à idéia cerebral.” “mas nunca houve senão um só Estado.”

Agora já não se contenta em sobrecodificar territorialidades conservadas e ladrilhadas, mas tem que constituir, inventar códigos para os fluxos desterritorializados do dinheiro, da mercadoria e da propriedade privada.” “Em suma, o Estado não deixa de ser artificial, mas torna-se concreto”

P. 116: “os fundadores do Estado chegam como chega um relâmpago: a máquina despótica é sincrônica enquanto que o tempo da máquina capitalista é diacrônico, os capitalistas surgem sucessivamente numa série que fundamenta uma espécie de criatividade da história”

o cinismo é a imanência física do campo social, e a piedade é a conservação dum Urstaat espiritualizado; o cinismo é o capital como meio de extorquir sobre-trabalho, mas a piedade é este mesmo capital como capital-Deus de onde parecem emanar todas as forças de trabalho” “Já não é a crueldade da vida, nem o terror duma vida contra outra, mas um despotismo post-mortem, a transformação do déspota em ânus e vampiro”

parece que esta tendência para a baixa da taxa de lucro não tem fim”

O desespero tragicômico do Barão Saint-Simon: “Se é verdade que o capitalismo é, na sua essência ou modo de produção, industrial, ele só funciona enquanto capitalismo mercantil. Se é verdade que é, na sua essência, capital filiativo industrial, ele só funciona se se aliar ao capital comercial e financeiro.”

Uma das contribuições de Keynes foi a reintrodução do desejo no problema da moeda”

Não há nenhuma medida comum ao valor das empresas e ao da força de trabalho dos assalariados. É por isso que a baixa tendencial não tem limite.”

O único limite da tendência é interno e ela [a mais-valia] está sempre a superá-lo, mas deslocando-o, i.e., reconstituindo-o, reencontrando-o como limite interno que tem de voltar a superar por meio de um deslocamento: a continuidade do processo capitalista engendra-se neste corte de corte sempre deslocado, ou seja, na unidade da esquize e do fluxo. (…) Se o capitalismo é o limite exterior de todas as sociedades, é porque não tem limite exterior mas apenas um limite interior que é o capital em si, limite que ele não consegue encontrar mas que reproduz (…) Jean-Joseph Goux analisa com rigor o fenómeno matemático da curva sem tangente, e o sentido que ela pode tomar quer em economia quer em lingüística: < Se o movimento não tende para nenhum limite, se o quociente dos diferenciais não é calculável, o presente deixa de ter qualquer sentido… (…) É uma noção complexa, a de uma continuidade na mais absoluta fractura [Supermundosuperossosupertipóia… já vejo estrelinhas amarelo-douradas no teto branco do hospício-e-tal…fractura fractal fratria fatia fratricida! triz faísca] >

enquanto definirmos os regimes pré-capitalistas pela mais-valia de código e o capitalismo por uma descodificação generalizada que a converteria em mais-valia de fluxo, apresentamos as coisas de um modo simplista, como se a questão se arrumasse de uma vez para sempre nos alvores de um capitalismo que teria perdido todo o seu valor de código.” “fluxos de código” “Mas a descodificação generalizada dos fluxos no capitalismo libertou, desterritorializou, descodificou os fluxos de código, exatamente como o fez com os outros (…) Neste sentido, não foram as máquinas que fizeram o capitalismo mas é o capitalismo que, pelo contrário, faz as máquinas e introduz constantemente novos cortes pelos quais revoluciona os seus modos técnicos de produção.”

dá-se uma certa liberdade aos sábios, permite-se-lhes que organizem a sua própria axiomática; mas chega o momento das coisas sérias: a física indeterminista, por exemplo, com os seus fluxos corpusculares, tem que se reconciliar com o < determinismo >.” “A verdadeira axiomática é a da própria máquina social

Uma inovação só é adoptada a partir da taxa de lucro que o seu investimento dá por diminuição dos custos de produção; se isto não acontece, o capitalismo mantém os utensílios existentes”

os fluxos de código < libertos > na ciência e na técnica pelo regime capitalista engendram uma mais-valia maquínica que se junta à mais-valia humana, corrigindo a sua baixa relativa, constituindo ambas o conjunto da mais-valia de fluxo que caracteriza o sistema.”

P. 123: “O aparelho de antiprodução já não é uma instância transcendente que se opõe à produção, o limite ou o travão; insinua-se, pelo contrário, por toda a máquina produtora, liga-se estreitamente com ela para orientar a sua produtividade e realizar a mais-valia” “Não só a falta no seio do excesso, mas também a canalhice no conhecimento e na ciência”

< carreira > à americana, tal como a imaginamos: Gregory Bateson começa por fugir do mundo civilizado tornando-se etnólogo, seguindo os códigos primitivos e os fluxos selvagens; vira-se depois para fluxos cada vez mais descodificados, os da esquizofrenia, donde tira uma interessante teoria psiquiátrica; depois, à procura de um além, de um outro muro para atravessar, vira-se para os golfinhos, para a linguagem dos golfinhos, fluxos ainda mais estranhos e desterritorializados. Mas o que é que há, afinal, nos fluxos dos golfinhos, senão as pesquisas fundamentais do exército americano que levam à preparação da guerra e à absorção da mais-valia?”

A definição da mais-valia deve ser transformada em função da mais-valia maquínica do capital constante, que se distingue da mais-valia humana do capital variável e do carácter não-mensurável deste conjunto de mais-valia de fluxo [≠ código]. Ela não pode ser definida pela diferença entre o valor da força de trabalho e o valor criado pela força de trabalho, mas pela incomensurabilidade entre dois fluxos imanentes um ao outro, pela disparidade entre os 2 aspectos da moeda que os exprimem, e pela ausência de limite exterior à sua relação, sendo uma medida da verdadeira capacidade económica [bem abaixo da “máquina de Carnot de dólares” dos projetistas e otimistas liberais] e o outro do poder de compra determinado como < rendimento > [o ideal do Capital].”

Bernard Schmitt: “fluxo criador instantâneo que os bancos criam espontaneamente como numa dívida para com eles próprios, criação ex nihilo que, em vez de transmitir uma moeda prévia como meio de pagamento, cria, numa extremidade do corpo pleno, uma moeda negativa (dívida inserta no passivo dos bancos), e projecta na outra extremidade uma moeda positiva (crédito da economia produtiva nos bancos), < fluxo de poder variável > que não é incluído nos lucros e não é destinado a compras, disponibilidade pura, não-posse e não-riqueza.”

A axiomática capitalista é muito flexível, consegue sempre alargar os seus limites para acrescentar mais um axioma a um sistema já saturado.” “Até se há-de encontrar um axioma para a linguagem dos golfinhos.”

Quando os amiguinhos Deleuze e Baudrillard se tocam: “como é que se pode chegar a desejar não só o poder, mas também a própria impotência? Como é que um campo social deste tipo pôde ser investido pelo desejo?” “É ao nível dos (SIC) fluxos, e dos fluxos monetários, e não ao nível da (SIC) ideologia, que se faz a integração do desejo.”

Sempre o mesmo trololó danado: “Talvez que – e do ponto de vista de uma teoria e de uma prática dos fluxos altamente esquizofrénica – os fluxos ainda não estejam suficientemente desterritorializados, descodificados. (…) < acelerar o processo >, como dizia Nietzsche: na verdade, nós ainda não vimos nada.”

P. 126: “A escrita nunca foi o forte do capitalismo. O capitalismo é profundamente analfabeto. A morte da escrita é como a morte de Deus ou a do pai – algo que já aconteceu há muito tempo, embora o acontecimento demore muito a chegar até nós, e sobreviva em nós a recordação de signos desaparecidos com os quais continuamos a escrever.” “E quando se anuncia que a < galáxia Gutenberg > vai estoirar, o que é que se pretende dizer?” “Parece-nos ser este o sentido das análises de Mac Luhan (sic): ter mostrado o que era uma linguagem dos fluxos descodificados, em oposição a um significante que estrangula e sobrecodifica os fluxos.”

Pensamos que de todos estes pontos de vista e apesar de certas aparências a lingüística de Hjelmslev se opõe profundamente aos trabalhos saussurianos e post-saussurianos. Porque abandona qualquer tipo de referência privilegiada; porque descreve um campo puro de imanência algébrica que não é dominado por nenhuma instância transcendente, ainda que retirada (…) porque substitui a relação de subordinação significante/significado pela relação de pressuposição recíproca expressão/conteúdo (…) nesta relação atingem-se figuras que já não são efeitos do significante, mas esquizes, pontos-signos ou cortes de fluxo que furam o muro do significante, continuando para lá dele (…) porque o modelo da moeda (…) perdeu toda a identidade e só tem agora uma identidade flutuante” Where’s your metal, King Number? Trilhão de grãos de areia no saldo negativo do FMI. “Longe de ser uma sobredeterminação do estruturalismo e do seu amor pelo significante, a lingüística de Hjelmslev indica a sua destruição e constitui uma teoria descodificada das línguas de que se pode dizer – <H>ome[ro]nagem ambígua – que é a única adaptada simultaneamente à natureza dos fluxos capitalistas e esquizofrénicos: até agora é a única teoria moderna (e não arcaica) da linguagem.

O recente livro de J.F. Lyotard[?] é extremamente importante porque é a primeira crítica generalizada do significante.”

[?] Discours, figure

(E, nomeadamente as pesquisas formais da escrita manual ou impressa, têm um sentido diferente se os caracteres das letras e as qualidades das palavras estiverem ao serviço dum significante cujos efeitos se exprimem segundo regras exegéticas ou se, pelo contrário, atravessarem esse muro para fazer correr os fluxos, instaurar cortes que ultrapassam ou anulam as condições de identidade do signo, que fazem correr e irromper livros dentro do < livro >, entrando em configurações múltiplas de que já os exercícios tipográficos de Mallarmé são um testemunho – passar sempre por baixo do significante, limar o muro: o que mostra ainda que a morte da escrita é infinita, enquanto aparecer e vier de dentro.)”

Casal apaixonado: “O elemento figural puro, a < figura-matriz >, é de facto, para Lyotard, o desejo que nos leva até às portas da esquizofrenia como processo.”

É que, apesar de ligar o desejo a um sim fundamental, Lyotard reintroduz a falta e a ausência no desejo, mantém-no sob a lei da castração (correndo assim o risco de restabelecer com ela o significante)”

A nossa sociedade produz esquizos como produz shampô Dop ou automóveis Renault, com a única diferença de que eles não são vendáveis.”

ele [o capitalismo, em relação às sociedades] é o seu limite ou cortes relativos, porque substitui os códigos por uma axiomática extremamente rigorosa que mantém a energia dos fluxos num estado ligado sobre o corpo do capital como socius desterritorializado, mas que é ainda mais implacável do que qualquer outro socius. A esquizofrenia, pelo contrário, é o limite absoluto que faz passar os fluxos livremente sobre o corpo sem órgãos dessocializado. (…) Assim, a esquizofrenia não é a identidade do capitalismo mas, pelo contrário, a sua diferença, o seu desvio e a sua morte. Os fluxos monetários são realidades perfeitamente esquizofrénicas, mas que só existem e funcionam na axiomática imanente que conjura e repele essa realidade. A linguagem dum banqueiro, dum general, dum industrial, dum quadro ou dum ministro é uma linguagem perfeitamente esquizofrénica, mas que (…) funciona a serviço da ordem

É com o capitalismo que o inconfessável começa: não há nenhuma operação financeira ou económica que, se fosse traduzida em termos de código, não revelasse seu carácter inconfessável, isto é, a sua perversão intrínseca ou o seu cinismo essencial (a época da má consciência é também a do puro cinismo).”

Todas estas características da relação de código – indirecta, qualitativa e limitada – chegam para mostrar que um código nunca é económico, nem o pode ser: exprime, pelo contrário, o movimento objetivo aparente por meio do qual as forças económicas ou as conexões produtivas são atribuídas a uma instância extra-económica que serve de suporte e de agente de inscrição, como se dela emanassem.”

Observar-se-á que estes traços gerais que caracterizam um código se encontram, precisamente, naquilo a que hoje em dia se chama código genético; não porque dependa de um efeito de significante mas porque, pelo contrário, a cadeia que ele constitui só é significante secundariamente, na medida em que põe em jogo ligações entre fluxos qualificados, interacções exclusivamente indirectas, compostos qualitativos essencialmente limitados, órgãos de percepção e factores extra-químicos que seleccionam e se apropriam das conexões celulares.

P. 131: “Com o capitalismo o corpo pleno torna-se efetivamente nu”

Mais ou menos o que o próprio Baudrillard irá dizer sobre o fim do princípio de realidade e a estratégia do desafio? “a ausência efetiva de limite ou de fim para a relação diferencial em que o abstrato se transforma em algo de concreto.” O capitalismo poderá continuar se expandido.

E o poder do capitalismo está precisamente no fato de a sua axiomática nunca se saturar, ser sempre capaz de acrescentar mais um axioma aos axiomas precedentes.” “havemos de te apanhar nos limites alargados do sistema, ainda que seja preciso fazer um axioma especial para ti.” “Aproxima-se a hora do Édipo.”

[O Estado Moderno, em contraposição ao Estado despótico anterior,] de unidade transcendente que era, torna-se imanente ao campo de forças sociais, passa a estar ao seu serviço, serve de regulador aos fluxos descodificados e axiomatizados.” “O Urstaat se definia pela sobrecodificação; e nos seus derivados, da cidade antiga ao Estado monárquico, apareciam já fluxos descodificados ou prestes a sê-lo, que tornam sem dúvida o Estado cada vez mais imanente” Leviatã meu próprio cachorro e por isso meu senhor!

Não houve nunca um capitalismo liberal: a ação contra os monopólios remete, em primeiro lugar, para um momento em que o capital comercial e financeiro ainda se alia ao antigo sistema de produção, e em que o capitalismo industrial nascente só se pode assegurar da produção e do mercado obtendo a abolição desses privilégios.”

Plekhanov observa que a descoberta da luta de classes e do seu papel histórico se deve à escola francesa do século XIX, sob a influência de Saint-Simon” “As classes são o negativo das castas e dos grupos, são ordens, castas e grupos descodificados.” “Reler toda a história através da luta de classes é lê-la em função da burguesia como classe descodificante e descodificada. (…) com ela acontece, de fato, algo de novo: o desaparecimento do gozo como fim, a nova concepção de conjunção segundo a qual o único fim é a riqueza abstracta e a sua realização noutras formas que não as de consumo.” “já não há senhores, já só há escravos que governam outros escravos, já não é preciso carregar o animal porque ele se carrega a si próprio. Não que o homem seja escravo da máquina técnica; mas o burguês – escravo da máquina social – dá o exemplo, absorve mais-valia cujos fins não têm nada a ver com o gozo: mais escravo que o último dos escravos”

Se o movimento do capitalismo, no jogo das suas relações diferenciais, se esquiva a qualquer limite fixo determinável, se supera e desloca os seus limites interiores e faz cortes de cortes, o movimento socialista parece ser levado a fixar ou a determinar um limite que distingue o proletariado da burguesia, grande corte que vai animar uma luta não só económica e financeira, mas também política.” “O problema é pois o seguinte: como definir a verdadeira alternativa sem supor todos os problemas resolvidos?”

Parece-nos que a análise de Sartre na Critique de la Raison Dialectique, onde se diz que não há espontaneidade de classe mas apenas de < grupo >, é profundamente justa” “O verdadeiro inconsciente está, pelo contrário, no desejo de grupo, que põe em jogo a ordem molecular das máquinas desejantes. E é precisamente aqui que está o problema, entre os desejos inconscientes de grupo e os interesses pré-conscientes de classe.” “E voltamos a encontrar Reich, com as suas inocentes exigências duma distinção prévia entre o desejo e o interesse” (Reich, O que é a consciência de classe?)

P. 137: “um Chinês no horizonte, um lança-mísseis cubano, um Árabe que desvia aviões, o rapto dum cônsul, um Pantera-negra, um Maio-68, ou ainda, hippies drogados, panascas [homossexuais do sexo masculino] em fúria, etc.”

o Urstaat, a formação despótica asiática que constitui o único corte para toda a história. (…) Democracia, fascismo, socialismo – qual é que não vive assombrado pelo Urstaat como modelo inigualável? O chefe da polícia do ditador local Duvallier chamava-se Desyr.”

Parágrafo-síntese do cansativo terceiro capítulo: “Distinguimos três grandes máquinas sociais que correspondiam aos selvagens, aos bárbaros e aos civilizados. A primeira é a máquina territorial subjacente, que codifica os fluxos sobre o corpo pleno da terra. A segunda é a máquina imperial transcendente que sobrecodifica os fluxos sobre o corpo pleno do déspota e do seu aparelho, o Urstaat: realiza o primeiro grande movimento de desterritorialização mas só o faz na medida em que acrescenta a sua eminente unidade às comunidades territoriais que conserva, reunindo-as, sobrecodificando-as, apropriando-se do sobre-trabalho. A terceira é a máquina moderna imanente, que descodifica os fluxos sobre o corpo pleno do capital-dinheiro: realizou a imanência, tornou o abstrato concreto, naturalizou o artificial, substituindo os códigos territoriais e a sobrecodificação despótica por uma axiomática dos fluxos descodificados e por uma regulação destes fluxos; faz o segundo grande movimento de desterritorialização, mas agora porque não deixa subsistir nada dos códigos e sobrecódigos.” Desterritoriaização, axiomática e reterritorialização, são os 3 elementos de superfície da representação do desejo no socius moderno.” “Segue-se uma privatização da família, o que implica que ela deixe de dar a sua forma social à reprodução económica: ela é como que desinvestida, colocada no exterior: como Aristóteles diria, ela já não é a forma da matéria ou do material humano que está subordinado à forma social autónoma de reprodução económica

I want Gaya and Jesus is nothing for me.

O representante do grupo local com Laios, a territorialidade com Jocasta, o déspota com o próprio Édipo: < pintura matizada de tudo aquilo em que se acreditou >. Não surpreende que Freud tenha ido procurar em Sófocles a imagem central do Édipo-déspota, o mito transformado em tragédia, para a irradiar em duas direcções opostas, a direção ritual primitiva de Totem e Tabu, e a direcção privada do homem moderno que sonha (o Édipo pode ser um mito, uma tragédia, um sonho – exprime sempre o deslocamento do limite).” O limite do bebê é o berço. O mesmo limite do Fernando Beira-Mar, se ele não tivesse telefone celular. Eu poderia ser tão velho que, me expandindo, já não me contentaria com todo o universo conquistado só para mim…

a redução da sexualidade ao < segredinho nojento >

É preciso dizer o mesmo de Freud: a sua grandeza foi a de ter determinado a essência ou a natureza do desejo, não em relação aos objectos, fins ou origens (territórios), mas como essência subjectiva abstracta, libido ou sexualidade” “Tudo se passa como se Freud se desculpasse por ter descoberto a sexualidade, dizendo-nos: garanto-lhes que isto não sairá da família!”

Erich Fromm mostrou que Freud evolui cada vez mais no sentido do estabelecimento da culpabilidade da criança e da abolição da autoridade parental” “Depois do louco da terra e do louco do déspota, o louco da família” “os pais cuja única doença é a sua própria infância”

P. 143: Lévi-Strauss – O Cru e o Cozido: “O motivo inicial do mito de referência consiste num incesto com a mãe de que o herói é culpado. Todavia, essa culpabilidade parece existir sobretudo no espírito do pai, que deseja a morte do filho e procura por todos os meios provocá-la… No fim de contas, é o pai o único que aparece como culpado: culpado de se ter querido vingar. E é ele que será morto. Este curioso desprendimento em relação ao incesto aparece noutros mitos”

O único ponto de vista categórico e absoluto é o do ciclo, porque atinge a produção como sujeito da reprodução, ou seja, atinge o processo de auto-produção do inconsciente

O fenómeno da comunicação com o qual Freud apenas contactou marginalmente nas suas notas sobre o ocultismo, constitui de facto a norma, e relega para segundo plano os problemas de transmissão hereditária que agitavam a polémica Freud-Jung.”

O delírio é a matriz em geral de qualquer investimento social inconsciente.” “2 pólos do delírio: (…) < sim, sou dos vossos, da raça superior > (…) [VERSUS] < não sou dos vossos, sou desde sempre de uma raça inferior, sou um animal, um negro. >” “o caso Céline, o grande delirante que ao evoluir comunica cada vez mais com a paranóia do pai. O caso Kerouac, o mais sóbrio dos artistas, aquele que fez uma < fuga > revolucionária”

o paranóico [tipo Thomas Edson] faz macro-física. (…) o esquizo segue a micro-física (…), que já não obedece às leis estatísticas (…) linhas de fuga infinitesimais em lugar das perspectivas de grandes conjuntos. E seria sem dúvida um erro opor estas 2 dimensões como o colectivo e o individual. (…) em ambos os casos o investimento é colectivo (…) até mesmo uma partícula isolada está associada a uma onda (…) todos os fantasmas são fantasmas de grupo e (…) afirmação de realidade. (…) Um é um investimento de grupo sujeitado tanto na forma de soberania como nas formações coloniais do conjunto gregário, que reprime e recalca o desejo das pessoas; o outro é um investimento de grupo-sujeito nas multiplicidades transversais em que o desejo é um fenómeno molecular”

corpo pleno (socius), grosso modo mundo das aparências x corpo sem órgãos (esquizonóiaparafrenia), o mais próximo do que se poderia chamar de uma essência do mundo “O corpo sem órgãos é como o ovo cósmico [ver mito Yurugu no GLOSSÁRIO], como a molécula gigante,” “escala sub-microscópica”

Dever-se-á então pensar que os investimentos sociais são projecções segundas, como se um grande esquizofrénico de duas faces, pai da horda primitiva, estivesse na base do socius em geral? Já vimos que não. O socius não é uma projecção do corpo sem órgãos, é o corpo sem órgãos que é o limite do socius, a sua tangente de desterritorialização, o último resíduo”

O socius: a terra, o corpo do déspota, o capital-dinheiro”, o “vestido da noiva”

Antes o nada era bonito, agora o feio é intrépido.

perversão 3.0

perseverarão

sim passarão

Cida, a feminicida

Uma máquina funciona segundo as ligações prévias da sua estrutura e a ordem da posição das suas peças, mas não consegue pôr-se a funcionar a si própria, como também não se consegue formar nem produzir. É precisamente isto que explica a polémica vulgar entre o vitalismo e o mecanicismo”

Samuel Butler – Erewhon (cap. 24&25): “Os animais inferiores guardam os membros neles próprios, no seu próprio corpo, ao passo que a maior parte dos membros do homem são livres e estão um aqui, outro acolá, espalhados pelos diferentes lugares do mundo” “Butler descobre acidentalmente o fenómeno da mais-valia de código

Não é o desejo que está no sujeito, mas a máquina que está no desejo” “a verdadeira diferença [não está entre mecanicismo e vitalismo,] está entre as máquinas molares, sejam elas sociais, técnicas ou orgânicas, e as máquinas desejantes que são de ordem molecular.” “o próprio todo é produzido ao lado das partes, como uma parte à parte, que o rebate nas outras partes”

a termodinâmica é residual, não-genealógica

A física clássica só trata dos fenómenos de massa. A microfísica pelo contrário conduz, evidentemente, à biologia. Com efeito, a partir dos fenómenos individuais do átomo podem tomar-se duas direções. A sua acumulação estatística conduz às leis da física clássica. (…) vírus (…) o unicelular (…) chegaremos a um organismo que, por maior que seja, é (…) microscópico” Ruyer – Néo-finalisme

estatística: acaso e seleção.

P. 150: “são as mesmas: umas vezes como máquinas orgânicas, técnicas ou sociais apreendidas no seu fenômeno de massa a que se subordinam, outras vezes apreendidas como máquinas desejantes nas suas singularidades sub-microscópicas que a si subordinam os fenômenos de massa.” “Por condições determinadas entendemos aquelas formas estatísticas nas quais entram como outras tantas formas estáveis – unificando, estruturando e procedendo por grandes conjuntos pesados

Só ao nível (sic) sub-microscópico das máquinas desejantes é que existe funcionalismo” “Todos os funcionalismos molares são falsos, visto que as máquinas orgânicas e sociais não se formam da maneira como funcionam, e as máquinas técnicas não são montadas da maneira como são usadas (…) mas separam produção do produto. [por isso] têm um sentido. (…) As máquinas desejantes não significam nada” função = nonsense

Entre o substrato de uma enzima alostérica (*) e os ligandos que ativam ou inibem a sua atividade não existe nenhuma relação quimicamente necessária de estrutura ou de reatividade… Uma proteína alostérica deve ser como um produto especializado de engineering molecular capaz de permitir que uma interação se estabeleça entre corpos desprovidos de afinidade química e também de submeter qualquer reação à ação de compostos quimicamente estranhos e indiferentes a essa mesma reação. O princípio operatório das interações alostéricas (indiretas) autoriza portanto uma inteira liberdade na escolha dos modos de dependências pelos quais, escapando a toda e qualquer imposição de ordem química, poderão tanto obedecer apenas a imposições fisiológicas em virtude do que serão selecionadas de acordo com o acréscimo de coerência e eficácia que conferem à célula ou ao organismo. É, em definitivo, a gratuidade própria destes sistemas que, abrindo à evolução molecular um campo praticamente infinito de possibilidades e experiências, lhe permitiu construir a imensa rede de interconexões cibernéticas… O acaso é captado, conservado, reproduzido pela maquinaria da invariância e assim convertido em ordem, regra, necessidade.” Jacques Monod – O acaso e a necessidade (co-ganhador do Nobel de Medicina de 65)

(*) Enzimas cuja conformação das estruturas terciárias e quaternárias pode ser alterada na presença de determinadas moléculas.

cadeias de Markoff” “Existe toda uma biologia da esquizofrenia e a própria biologia molecular é esquizofrênica (tal como a microfísica). Mas a teoria da esquizofrenia [também] é biocultural, [macro]molecular, estatística”

Foi segundo esta via molecular que Szondi descobriu um inconsciente génico que se opunha tanto ao inconsciente individual de Freud como ao inconsciente coletivo de Jung.” “A obra de Szondi foi a primeira a estabelecer uma relação fundamental entre a psicanálise e a genética.” “Os genes hereditários de pulsões têm, pois, o papel de simples estímulos que entram em combinações variáveis segundo vectores que esquadriam todo um campo social-histórico – análise do destino. De facto, o inconsciente verdadeiramente molecular não pode ater-se aos genes como unidades de reprodução, porque estas são ainda expressivas e conduzem às formações molares. A biologia molecular ensina-nos que é apenas o A.D.N., e não as proteínas, que se reproduz. As proteínas são simultaneamente produzidas e unidades de produção, e são elas que constituem o inconsciente como ciclo ou a auto-produção do inconsciente, últimos elementos moleculares na organização das máquinas desejantes e das sínteses do desejo.”

Chamamos libido à energia própria das máquinas desejantesTeoria da libido do eunuco

Não há sublimação. Só sublimes ações.

SUBIR NA MESA E AÇÕES

VAGALUMES E VIBRAÇÕES

LARANJA LIMA

SUTIL VIBRAÇÃO

É efetivamente difícil apresentar esta energia sexual como diretamente cósmica e intra-atômica e, ao mesmo tempo, como diretamente social e histórica. E é inútil insistir em que o amor tem muito que ver com as proteínas e com a sociedade…” O IMPASSE O ENTRAVE A ESTASE

a tentativa final de Reich, a constituição de uma < biogênese >, que com certa razão é qualificada de esquizo-paranóica: Reich defendia a existência de uma energia cósmica intra-atômica, o Orgone, que daria origem a um fluxo elétrico onde haveria partículas sub-microscópicas, os biões. (…) Era assim que Reich pensara superar a alternativa entre mecanicismo e vitalismo” “A procriação é uma função da sexualidade e não o contrário” Ler A função do orgasmo.

ageni(t)alidade do meu ser

ageni(+)alidade do sexo negativo

dialética da reprodução assexuada

Reich refere-se obviamente aos textos schopenhauerianos e weismanianos de Freud, p. ex., Para introduzir o narcisismo

Mas na realidade a sexualidade está em todo o lado: no modo como um burocrata acaricia os seus dossiers, um juiz faz justiça, um homem de negócios faz circular o dinheiro, a burguesia enraba o proletariado, etc. (…) Hitler entesava os fascistas. As bandeiras, as nações, os exércitos e os bancos fazem tesão a muita gente.” “Mas é sempre com mundos que fazemos amor.”

a relação do homem e da mulher é a relação imediata, natural e necessária do homem com o homem” Marx

P. 154: “O nanismo do desejo é o correlato do seu gigantismo.” “Marx, habitualmente tão reticente em falar de sexo, consegue, com algumas frases, fazer estoirar aquilo a que Freud e a psicanálise ficarão eternamente presos: a representação antropomórfica do sexo!” Forçando a barra sobre uma mera frase reticente e vaga de Marx.

a idéia de um único sexo conduz necessariamente à ereção de um phallus em objeto das alturas, que distribui a falta por duas faces não sobreponíveis e que faz [com] que os dois sexos comuniquem por uma ausência comum, a castração.”

Será que o pinto pelado tem um homem intumescente, cabeludo, roxo e cabeçudo, bem no meio?

e há uma transexualidade microscópica presente por todo o lado, que faz [com] que a mulher tenha em si tantos homens como o homem, e o homem mulheres, capazes de entrar, uns com os outros, umas com as outras, em relações de produção de desejo que subvertem a ordem estatística dos sexos.”

o herói, tal como nunca duvida da sua força, também nunca olha para trás. Hamlet tomava-se sem dúvida por um herói, e o caminho que qualquer Hamlet-nato deve seguir é o caminho que Shakespeare traçou. Mas o que interessa é saber se somos Hamlet-natos. Vocês já nasceram Hamlet? (…) voltar ao mito, por quê?…” Não à ciência, não aos monoteísmos (no fundo apenas Um) e não à orgia mítica também, sr. sem-sal?

De momento, o meu processo, neste caso todas as linhas que estou a escrever, consiste unicamente em limpar energicamente o útero, em fazer-lhe uma espécie de raspagem.”

O COPIÃO DOS OITOCENTOS: “O que me leva à ideia, não de um novo edifício, de novas superestruturas que significam cultura, logo mentira, mas de um perpétuo nascimento, de uma regeneração da vida… Não existe possibilidade de vida dentro do mito. Só o mito pode viver no mito…”

enquanto o processo não terminar, é o ventre do mundo que será o terceiro olho.”

E para se poder conceber é preciso, primeiro, desejar…” Pressupondo que Deleuze (e Guattari) não foi estuprado pela Idéia.

Michael Fraenkel recorre a todos os lugares-comuns, a Schopenhauer e ao Nietzsche da Origem da Tragédia. Supõe que Miller ignora tudo isto e nem sequer repara que o próprio N. rompeu com a Origem da Tragédia, e deixou de acreditar na representação trágica…”

Tal como Ricardo cria a economia política ou social ao descobrir que o trabalho quantitativo está na origem de qualquer valor representável, Freud cria a economia desejante ao descobrir que a libido quantitativa está na origem de qualquer representação dos objetos e dos fins do desejo. Freud descobre a natureza subjetiva ou a essência abstrata do desejo, como Ricardo a natureza subjetiva ou a essência abstrata do trabalho”

a representação mítica não exprime o elemento da terra, mas as condições em que este elemento é submergido pelo elemento despótico; e a representação trágica não exprime o elemento despótico propriamente dito, mas as condições em que, por exemplo na Grécia do século V, esse elemento é submergido pela nova ordem da cidade.”

A interpretação psicanalítica não consiste em criar códigos rivais, em juntar mais um código aos códigos conhecidos, mas em decodificar de um modo absoluto, em isolar algo de incodificável em virtude do seu polimorfismo e da sua plurivocidade.” “a especificidade do mito objetivamente compreendido se liquefaz quando exposta ao sol subjetivo da libido” “o mundo da representação desmorona”

A identidade do desejo e do trabalho é, não um mito, mas a utopia ativa por excelência”

A psicanálise e o complexo de Édipo reúnem todas as crenças, tudo aquilo em que a humanidade desde sempre acreditou, mas para o [a?] levar ao estado de uma denegação que conserva a crença sem nela acreditar” Em outras palavras, a imanentização do mito; a banalização do coração e mente humanos – o deboche final.

se o próprio Édipo existia < sem complexo >, o complexo de Édipo existe sem Édipo, como o narcisismo sem Narciso.” “o sonho, o fantasma, de que o mito e a tragédia serão considerados desenvolvimentos ou projeções.” “o teatro do homem privado que já não é nem produção desejante nem representação objetiva. O inconsciente como palco. Um teatro que desfigura a produção ainda mais”

P. 160: “o teatro faz aparecer a estrutura finita da representação subjetiva infinita.”

E a estrutura não nos oferece, seguramente, nenhum meio de escapar ao familiarismo, pelo contrário, aperta-o mais”

essa ideologia da falta que é a representação antropomórfica do sexo!”

P. 162: “A estrutura só se forma e aparece em função de um termo simbólico definido como falta. O grande Outro como sexo não-humano dá lugar, na representação, a um significante do grande Outro como termo que falta sempre, sexo demasiado humano, phallus da castração molar.” “< Se o homem fala, é porque num determinado ponto do sistema da linguagem há uma garantia da irredutibilidade da falta: o significante fálico… > [Lacan] Como tudo isto é esquisito…”

Não nos referimos a piedosas destruições como as que a psicanálise faz por meio da benevolente neutralidade do analista. Porque essas são destruições à moda de Hegel, maneiras de conservar.” “E a latência, essa simples fábula, o que é senão o silêncio imposto às máquinas desejantes para o Édipo se poder desenvolver e fortificar em nós, acumular o seu esperma venenoso até ser capaz de se propagar e de se transmitir aos nossos futuros filhos?”

a dessexualização e a sublimação, o que é que são senão a divina aceitação, a resignação infinita da má consciência, que na mulher é o < transformar o seu desejo do pênis em desejo do homem e do filho >, e no homem o assumir uma atitude passiva e o < submeter-se a um substituto do pai >?”

aprendemos a canção da castração, a-falta-de-ser-que-é-a-vida”

EDIPIADAS TRANSVERSAIS

Desejo de perpetuação homogênea. Desejo com “d” de despoticozinho na barriga. Desejo de um tirano para amar toda a terra uterina Gaia-babá. Afrodite A.D.e(sejo)pendente. Dê pain. Pain of the Father. DepenDing is a Thing. Now free as the random feather… Going farther in the autumn… Nunca órfã verdadeira. O verdadeiro órfão não tem a menor compaixão. Órfão não-biológico. Desespero diagonal. A maior frustração é a não-auto-reprodução, corpo estranho, alienígena. Não são suas vísceras, mulher! Como devia se sentir a mãe de Stalin. A Mãe Rússia de carne?

Mas talvez seja meu pau. Ele é transmorfo. Eu tenho meu pai dentro de mim mesmo, por que estaria carente de uma representação? Sou tudo que buscas. Sou o ouro que te toca. Até meu filho é auto-engendrado. Imperador antes do trono.

O pai do Édipo apenas se suicida. Nada grave. Jocasta está condenada a se conspurcar com o netinho.

Triângulo das bermudas tua postura. Mudas para um mundo novo, menos plantado e disseminado.

A serpente se insinua mas só faz a macieira rodear… Adão sinceramente é que se desloca parado. Existência vertiginosa e desfrute sereno. Seu destino é gritar, o meu é pensar. O sexo do grito, o gênero do cérebro.

não há material inconsciente, de modo que a esquizo-análise não tem nada para interpretar.”

Mesmo aqueles que melhor sabem < partir >, para quem partir é algo tão natural como nascer e morrer, aqueles que mergulham à procura do sexo não humano, Lawrence, Miller, erguem ao longe, num sítio qualquer, uma territorialidade que forma ainda uma representação antropomórfica e fálica, o Oriente, o México ou o Peru.” “Somos todos cãezinhos, precisamos de circuitos e de ser passeados.” “Mesmo as máquinas esquizofrênicas de Raymond Roussel se convertem em máquinas perversas de um teatro que representa a África.” “Os nossos amores são complexos de desterritorialização e reterritorialização. Amamos sempre um certo mulato, uma certa mulata. Nunca se consegue apreender a desterritorialização em si mesma, porque o que podemos apreender são apenas os seus índices em relação às representações territoriais.” “Mas por que voltar ao sonho e fazer dele a via real do desejo e do inconsciente, quando o que ele é é a manifestação de um super-ego, de um eu super-potente e super-arcaizado (o Urszene do Urstaat)?”


THE LEGEND OF BANJO-ZOE COUNTRY 64: LOST IN INFANCY nIGHTS

Eu, JackSawyerKate, Ricardo Chaves, caverna do Mario 64 com Aloísio Zelda Nilton Dalton mãe estapafúrdio tobogã dos Simpsons cemitério, elefantíase EU QUERO ESSA REVISTA, E TAMBÉM ESTE CD-ROM! Kazooie-Deschannel. Festa de aniversário Country que não veio ninguém. Forró? Balões e balões, encheção de saco. Mereço um videogame que não tenho, mas sou meu próprio padrasto. Autocastração n. 700. Filho o que você quer espero que seja o que eu não queira mas vou te dar

O avião do coito parental, o automóvel do pai, a máquina de coser da avó, a bicicleta do irmão mais novo (…) no sonho da família, a máquina é sempre infernal.”

TERRA À VISTA!

Coacervado invista no aborígene… Jesuíta não consegue ficar parado. Se coça no sofá eclesiástico. O sangue de cristo corre neste rio irrepetível das minhas veias. O salvador pode ser qualquer um. Monomorfo.

Consideramos À procura do tempo perdido como um grande trabalho da esquizo-análise” “o narrador-aranha nunca pára de desfazer as teias e os planos” “É um movimento de humor, de humor negro.” “procura do tempo perdido < in progress >, que funciona como máquina desejante capaz de recolher e tratar todos os índices.” “Uma viagem destas não implica necessariamente grandes movimentos em extensão, pode dar-se quando se está imóvel, num quarto ou sobre um corpo sem órgãos, viagem intensiva

A maior parte das tentativas modernas – hospital de dia, de noite, clube de doentes, hospitalização do domicílio, instituição e até anti-psiquiatria – correm um risco que Jean Oury analisou profundamente: como evitar que a instituição reconstitua uma estrutura asilar, ou que constitua sociedades artificiais perversas e reformistas, ou pseudo-famílias residuais, maternalistas ou paternalistas?” “potencialidades terapêuticas do meio familiar…” “E até a anti-psiquiatria, tão sensível à abertura de uma passagem esquizofrênica e à viagem intensa, se limita a propor a imagem de um grupo-sujeito que se re-perverte logo a seguir, com antigos esquizos a servirem de guia aos mais recentes”

P. 169: “gritaremos: mais perversão! mais artifício!, até que a terra se torne tão artificial que o movimento de desterritorialização crie necessariamente por si mesmo uma nova terra.”

A SUPERMÁQUINA

curta cura longo logro

retratação do retrato do teatro

terceiro ato

antro de prostituição

trator de ré

tração nas 2 rodas humanas

calotas polares

aro 90

trate bem quem vem

do bueiro

O esquizo-analista é um mecânico, e a esquizo-análise é unicamente

funcional.”

“esta luta pelo phallus, esta vontade de poder mal compreendida”

a análise não tem nada que se ocupar com o que quer que seja que se pareça com um conceito ou uma pessoa”

Em suma: os objectos parciais são as funções moleculares do inconsciente.”

uma multiplicidade de ânus para o fluxo de merda

Permutação de 2, 3, n órgãos; polígonos abstractos deformáveis que se divertem com o triângulo edipiano figurativo que não param de desfazer.”

Mas quem poderá dizer quais as máquinas desejantes de cada um, que análise será suficientemente minuciosa para isso? A máquina desejante de Mozart?”

Estiquem o vosso cu até à boca,… ah, o meu cu queima-me como fogo, o que é que isto poderá querer dizer? Talvez uma crosta a querer sair? Sim, sim, crosta, conheço-te, vejo-te e sinto-te. O que será, será possível?” O próprio Mozart, numa carta! Le Dieu Mozart et le monde des oiseaux (org. Marcel Moré, 1971) “máquina escatológica”

É ao organismo que tanto o corpo sem órgãos como os órgãos-objectos se opõem conjuntamente.”

O corpo sem órgãos é a substância imanente, no sentido mais spinozista da palavra” o todo fenomenal que é ligado pelos fragmentos pseudo-transcendentais, ou antes pseudo-fragmentos autenticamente transcendentes. Como a neo-síntese corretora de corpo-e-alma.

re-flat a cobertura com piscina da realidade superficial 2D do morro

reflete o flat onde tocamos flauta e flatulamos

contra flatos não há recalcamentos

Como o compreenderam os autores da literatura de terror, não é a morte que serve de modelo à catatonia, é a esquizofrenia catatônica que serve de modelo à morte. Intensidade-zero.”

é absurdo falar de um desejo de morte, que se oporia qualitativamente aos desejos de vida. A morte não é desejada”

risco de jornalismo

riscada no vidro da vida

viciado em erros tipográficos

print print print

Qualquer intensidade vive na sua própria vida a experiência da morte, e envolve-a.” morrer como interrupção da morte crônica

Ir sempre do modelo à experiência, voltar da experiência ao modelo, é precisamente isso, esquizofrenizar a morte [infernizar], que é o exercício das máquinas desejantes (e o seu segredo, que a literatura de terror tão bem soube compreender).”

MUITO ALÉM DE SPENGLER: “O eterno retorno como experiência, e circuito desterritorializado de todos os ciclos do desejo.”

Ápice da meditação molecular. Meu dia é uma molécula, D*** é o pastor. Quer apostar? Apóstata! Minha sina e sarna são os tagarelas que não param de me fazer coçar. Irritação da pele nervosa, intracraniana. Honte d’inspiração avermelhada. Paradoxalmente estou quente e me sinto sempre resfriado.

O ZERO IDEADO POR DURKHEIM (& al.): “a sexualidade como desejo deixa de animar uma crítica social da civilização, e é pelo contrário a civilização que é santificada como a única instância capaz de se opor ao desejo de morte – e como? estabelecendo como princípio a morte contra a morte, fazendo dessa morte uma força de desejo, pondo-a ao serviço de uma pseudo-vida, por meio de toda uma cultura do sentimento de culpabilidade… Não vale a pena repetir outra vez esta história, em que a psicanálise acaba por culminar numa teoria da cultura que retoma a velha função do ideal ascético, Nirvana, cadinho de cultura, julgar a vida, depreciar a vida, medi-la pela morte e só guardar da vida o que a morte da morte nos quiser deixar, sublime resignação.”

Você não tem Calibri pra escrever assim!

A psicanálise torna-se a formação de uma nova espécie de padres, animadores da má consciência: é a nossa doença que nos há-de curar!”

As dualidades tópico e dinâmica têm por fim afastar o ponto de vista da multiplicidade funcional, o único económico.”

COTIDIANAMENTE EU ME REINVENTO

maquinalmente me torno um ser humano

maquiavelicamente me torno um bom homem

dantescamente encolho de tamanho

divinamente me humanizo

pantagruelicamente controlo a gula

homericamente me sento no sofá

sadisticamente decoro os direitos humanos

pela milésima vez evoco o ovo de Colombo

beijo minha esposa o meu amor platônico

meu dia foi tão normal que foi kafkiano

já não sei mais, sabendo, o que são opostos

Mas é preciso, em nome de uma horrível Anankê, a Anankê dos fracos e dos deprimidos, a Anankê neurótica e contagiosa, que o desejo se volte contra si próprio, produza a sua sombra e o seu macaco, e encontre a estranha força artificial de vegetar no vazio, no seio da sua própria falta. À espera de melhores dias?”

Repare: você não pode andar, vacila, já não pode se servir das pernas… e a única causa disso é o desejo de ser amado, um desejo sentimental e choramingas que tira toda a firmeza aos seus joelhos” D.H. Lawrence – La verge d’Aaron

Sai-lhe sempre caro confessar-se, esconder-se, lamuriar-se, lamentar-se. Cantar é grátis. (…) Não há ninguém entre nós que não seja culpado pelo menos de um crime: o crime enorme de não viver plenamente a vida” Henry Miller – Sexus

o político grã[-fino]-pe(s)ado

O seu lugar é o zero na roleta. A banca ganha sempre. A morte também. A lei dos grandes números está do seu lado…” Céline

É muito graal pra caçamba do Santo.

P. 177: “Não se deseja a morte, mas o que se deseja já está morto: imagens.”

Não há escavações ou arqueologia no inconsciente, não há estátuas: apenas pedras para chupar, à Beckett, e outros elementos maquínicos de conjuntos desterritorializados.”

A realidade real de Deleuze não passa da imagem de um sonho.

DILEMA EXISTENCIAL-MATEMÁTICO

Se não houvesse Inconsciente, seria preciso Criá-Lo.

Se houvesse 0 seria preciso extirpá-lo.

Vamos dividir por ele, para mostrar a unidade do Real.

quem é o esquizo senão aquele que já não pode suportar < tudo isto >, o dinheiro, a bolsa, as forças da morte, como dizia Vaslav Nijinsky – valores, morais, pátrias, religiões e certezas privadas? Do esquizo ao revolucionário vai só toda a diferença que há entre o que foge e aquele que sabe fazer fugir aquilo de que foge, rompendo um tubo imundo, fazendo passar um dilúvio, libertando um fluxo, re-cortando uma esquize. O esquizo não é revolucionário, mas o processo esquizofrénico (de que o esquizo é só a interrupção, ou a continuação no vazio) é o potencial da revolução.”

A coragem, todavia, está em aceitar fugir e rejeitar uma vida calma e hipócrita em falsos refúgios.” Em outros termos, o anti-vanigracismo (se estiverem lendo em julho de 2017, terão de aguardar a conceituação futura do termo talvez juntamente com a seleção dos melhores trechos de O CONDE DE MONTECRISTO). “Eles desconhecem totalmente a ruína que os espera, ignorantes de si próprios, no monótono sussurro dos seus passos cada vez mais rápidos que os levam impessoalmente num grande movimento imóvel.” Assim como Deleuze disse de Baudrillard, digo eu de alguém que estudou Filosofia: sua mediocridade apologética é a vergonha da classe.

Blanchot – L’Amitié (onde tudo vai parar?)

o conceito de ideologia é um conceito execrável que oculta os verdadeiros problemas que são sempre de natureza organizacional.”

SITUAÇÃO OU OPOSIÇÃO, ESQUERDA E DIREITA: “As sínteses manifestas são apenas os gradímetros pré-conscientes de um grau de desenvolvimento, os interesses e os fins aparentes são apenas os expoentes pré-conscientes de um corpo pleno social.”

há um amor desinteressado pela máquina social, pela forma de poder e pelo grau de desenvolvimento por si mesmos, mesmo naquele que tem um interesse neles – e que assim os ama apenas por interesse” “Como a máquina é bela!”

Nada mais burro e autofágico do que um negro reaça. É como um Testemunha de Jeová, o mais chato dos religiosos, que prega a tolerância religiosa – este que será o maior prejudicado da própria pregação e da própria louca implementação do seu sistema. Os coxinhas tarados: “Vemos os mais desfavorecidos, os mais excluídos, investirem com paixão o sistema que os oprime, e onde encontram sempre um interesse, visto que é aí que o procuram e avaliam. O interesse vem sempre a seguir. A anti-produção espalha-se pelo sistema: amar-se-á a anti-produção por si mesma e o modo como o desejo se reprime a si próprio no grande conjunto capitalista. Reprimir o desejo, não só o dos outros, mas também o nosso, ser o chui [dinastia chinesa; acepção: lento; a pedra no sapato] dos outros e de nós mesmos – é isto que dá tesão, e isto não é ideologia: é economia.” Do brâmane ao chui.

Com certeza que não é para ele nem para os filhos que o capitalista trabalha, mas para a imortalidade do sistema.” “pura alegria de se sentir uma peça da máquina” “enrabado pelo socius” “uma espécie de arte pela arte na libido”

ESCARGOT

A dor pela dor

Aquele prazer de reter o xixi

Amor de pária

A febre da febre ter febre

A mania de mania

O porco na lama

O banqueiro e o sindicalista sentem isso por igual. E por que não imaginar que seja um estranho crossover disso aí mesmo?

De pau duro com o meu papel na peça

Uma Montblanc de tinta branca

O esgoto a céu aberto na sua bunda

escatolorgia

P. 183: “Assim se pode, pois, conceber que um grupo possa ser revolucionário do ponto de vista do interesse de classe e dos seus investimentos pré-conscientes, mas não o ser, e conservar-se mesmo fascista e policial, do ponto de vista dos seus investimentos libidinais.”

Até aqui, apenas a repercussão da teoria dos escravos da base ao topo da civilização ocidental contemporânea.

no sistema que se sente e se quer cada vez mais imortal”

o antídoto: o grupo-sujeito

o antidouto; o anti-doutor.

o que complica tudo é que um mesmo homem pode participar dos 2 tipos de grupos segundo relações diferentes (Saint-Just [o “Anjo da Morte”, companheiro mais leal de Robespierre], Lenine).” Santa justiça, Bátima!

Terá havido alguma vez investimentos inconscientes revolucionários? Como situar o grupo surrealista, com a sua fantástica sujeição, o seu narcisismo e o seu super-ego?” “Artaud, [o surrealista traidor e traído,] o esquizo.”

THE VIRGIN’S ORGY

Somos filhos-irmãos de Édipo. E aí o matamos? Mas… que neto é esse que come a avó? Uma missa para Laio. Um boquete para Jó-casta… Não, ela não pode mais engravidar… Menos grave.

THE TIRESOME PENDULUM: “Conflito de gerações – ouvem-se os velhos censurarem de modo malevolente os jovens por ligarem mais aos seus desejos (carros, crédito, empréstimos, relações raparigas/rapazes) do que aos interesses (o trabalho, a poupança, um bom casamento).” “e é certo que as perversões, e até a emancipação sexual, não servem para nada enquanto a sexualidade continuar a ser um « segredinho nojento ».” “formas de libertação mais sombrias que a prisão mais repressiva”

nenhuma < frente homossexual > é possível enquanto a homossexualidade for pensada numa relação de disjunção exclusiva com a heterossexualidade, que as refere ambas a um tronco edipiano e castrador comum, unicamente encarregado de garantir a sua diferenciação em duas séries não comunicantes”

Uma mulher é uma estranha e suave vibração do ar, que avança, inconsciente e ignorada, à procura de uma vibração que lhe responda. Ou então é uma vibração penosa, discordante e desagradável ao ouvido, que avança ferindo todos os que se encontram ao seu alcance. E o homem também.” D.H. Lawrence – Nous avons besoin les uns des autres / Pornographie et obscenité “Não trocemos do panteísmo dos fluxos presente em textos como este”

Há uma tese particularmente cara a Freud: a libido só investe o campo social se se dessexualizar e sublimar. Mas se esta tese é tão cara a Freud é porque, antes de mais, ele quer conservar a sexualidade no quadro acanhado de Narciso e de Édipo, do eu e da família. E, por conseqüência, qualquer investimento libidinal sexual de dimensão social parece-lhe testemunhar de um estado patogênico, < fixação > ao narcisismo, ou < regressão > ao Édipo e aos estágios pré-edipianos, que servirão ainda para explicar a homossexualidade como pulsão reforçada e a paranóia como meio de defesa”

zonas de intestinidade

Em suma, os nossos investimentos libidinais do campo social, reacionários ou revolucionários, estão tão escondidos, tão inconscientes, tão recobertos pelos investimentos pré-conscientes que só aparecem nas nossas escolhas sexuais amorosas.” I decidedly don’t love the niggers; I love to problematize; I love the youth. And being taller. Don’t I appreciate football?! And, fundamentally, I hate Brasília. Brenda wants revolution!

Dever-se-ia aconselhar aos que procuram um assunto para uma tese sobre psicanálise, não vastas considerações sobre epistemologia analítica, mas assuntos modestos e rigorosos como: a teoria das criadas ou da criadagem no pensamento de Freud.” Kkkkkkkkk

perfunctory era

the deep season

O PROBLEMA DA CENSURA

teor ema ia geral da bosta toda

Primeiro, Freud descobre « o seu próprio » Édipo num contexto social complexo, que engloba o meio-irmão mais velho do ramo abastado da família e a criada ladra enquanto mulher pobre.” Romeu & Julieta como paradigma.

Um gostinho do que será (foi) lido em 5 Psicanálises.

E voltamos mais uma vez a cair na falsa alternativa a que Freud foi levado pelo Édipo, e depois confirmada na sua polémica com Adler e Jung: ou, diz ele, se abandona a posição sexual da libido, trocando-a por uma vontade de poder individual e social, ou por um inconsciente coletivo pré-histórico – ou se tem que reconhecer o Édipo”

Mas qual era a outra direção de que Freud se apercebeu por um breve instante a propósito do romance familiar, antes de a armadilha edipiana se tornar a fechar? É a que Philippe Girard aponta, pelo menos hipoteticamente: não há família onde não existam vacúolos onde não passem cortes extra-familiares” “o pai que está farto de dar de comer a toda essa gente” déjà-vu?

Consideremos por um momento as motivações que levam uma pessoa a ir ao psicanalista: trata-se de uma situação de dependência económica que o desejo já não consegue suportar, ou que levanta imensas dificuldades ao investimento de desejo.” Como um ex-professor fudido da Fundação arranjará uma namoradinha, se escrever, sua paixão, não lhe dá dinheiro? Porque ele está no Brasil, e não na Suíça ou no Canadá… Porque ele tem raiva de ser um saco de fezes, um quase-escravo, um dominado político em seu próprio âmbito. Porque sua vontade de poder está sendo ferida e pisada. É isso que ele quer matar. (2012) Ele descobriu uma via, mas ela é pela metade. (atualização capital) Dindimdindimdindim, ouve o telefone e a campainha a tocar (e o telefone realmente toca enquanto escrevo reescrevo – ofício de escravo – isto); deve ser um homem de negócios, de terno e engravatado no calor, a chamar.

O psicanalista, que na cura diz tantas coisas acerca da necessidade do dinheiro, mantém-se soberbamente indiferente à questão: quem é que paga? Por exemplo, a análise revela os conflitos inconscientes que uma mulher tem com o marido, mas é o marido que paga a análise da mulher.” He will submit, in order to continue reigning… Me dê, estado-Pai, uma pensão de 3 mil reais e estará tudo resolvido! Her-ança. “A psicanálise tornou-se uma droga embrutecedora, em que a mais estranha dependência pessoal faz que os clientes esqueçam, durante o tempo das sessões no divã, as dependências económicas que os levaram lá” Talvez eu devesse me dar alta, hoje, terça-feira, dia de mais uma sessão, e achar que estou curado, porque estou doente, e me orgulhar disso, esquizofrenizando por aí… Deleuze é o auge do Romanticismo revivido!

pãe=mai

Narciso=1

ponto da bermuda

singularidade

Não-Ser

uma máquina edipiana-narcísica, à saída da qual o eu encontra sua própria morte”

a psicose é a mais difícil de curar e tem de levar em conta o social

os números imaginários e complexos da medicina

a ordem simbólica de Lacan foi desviada, utilizada para apoiar um Édipo de estrutura aplicável à psicose”

Muito além da anti-psiquiatria.

formas adaptativas da psicoterapia familiar”

Laing – Soi et les autres (o anti-psiquiatra que chegou mais longe, mas que mesmo assim continuou amarrado ao Édipo)

Georg Groddeck, o precursor de (ao dizer “a liberdade é uma ilusão”) e anti-Freud (este conhecimento da alma não é nada do que se pode chamar de “formal”) simultâneo! (ver maiores detalhes em http://xtudotudo1.zip.net/, postagem de 26 de dezembro de 2005)

Se deixarmos as paixões do inconsciente sem freio, jogando livremente no mundo, tenderão à anarquia e à entropia. Autodestruição, perdição? Perdição do que já está perdido e inacessível, a mítica coisa-em-si?! Que falta fará essa falta…

Crente tem medo de DST, logo, vira um DSV: Deficiente Sexual Voluntário.

P. 192: “percebe-se claramente que há pouca diferença entre um reformista, um fascista e até, às vezes, certos revolucionários que só se distinguem dos precedentes de um modo pré-consciente, mas cujos investimentos inconscientes são do mesmo tipo, mesmo quando não se dirigem a um mesmo corpo.” “E não é só ao corpo do déspota que o paranóico aspira de amor, mas também ao corpo do capital-dinheiro, ou a um novo corpo revolucionário, a partir do momento em que ele aparece como uma forma de poder ou de gregaridade.”

Mesmo o fascismo mais declarado fala ainda a linguagem dos fins, do direito, da ordem e da razão. Mesmo o capitalismo mais demente fala em nome da racionalidade econômica. E tem que ser mesmo assim, porque é na irracionalidade do corpo pleno que a ordem das razões está inextrincavelmente fixada, num código, numa axiomática que a determinam.”

No dia em que o ser humano souber comportar-se à maneira de fenómenos desprovidos de intenção – porque, ao nível humano, qualquer intenção obedece sempre à sua conservação, à sua duração – nesse dia uma nova criatura pronunciará a integridade da existência…” “Uma conspiração que conjugue a arte e a ciência supõe uma ruptura de todas as nossas instituições e uma modificação total dos meios de produção… Se alguma conspiração, segundo o voto de Nietzsche, conjugasse a ciência e a arte para fins menos suspeitos, a sociedade industrial teria que ajustar-se de antemão por meio duma espécie de encenação que delas dá” “a arte e a ciência apareceriam então como as formações soberanas que Nietzsche dizia serem o objecto da sua contra-sociologia”

O corpo de Cristo é maquinado por todos os lados e de todas as maneiras, esticado em todas as direções, desempenhando o papel de corpo pleno sem órgãos, a que todas as máquinas de desejo se agarram, lugar de exercícios sado-masoquistas onde explode a alegria do artista. (…) o menino Jesus olha para um lado enquanto a Virgem ouve doutro, Jesus vale por todas as crianças desejantes, a Virgem por todas as mulheres desejantes, e há uma alegre atividade de profanação em toda esta privatização generalizada.”

quanto mais difícil e intelectual parece aos intelectuais, mais acessível é aos débeis, aos analfabetos, aos esquizos que abraçam tudo o que corre e tudo o que re-corta, entranhas de misericórdia sem sentido e sem fim (a experiência Artaud, a experiência Burroughs).”

o indeterminismo só foi tolerado até um certo ponto, para depois ser ordenado com vista à sua reconciliação com o determinismo.” Hi sem Berg, sou eu assim sem vocêêê…

mais-valia como primeiro aspecto da imanência” “jogo dos limites interiores como segundo aspecto do campo de imanência capitalista” “anti-produção como terceiro aspecto da imanência, exprimindo a dupla natureza do capitalismo”

Não corre o risco de enlouquecer de uma ponta a outra, porque já é louca desde o princípio, e é essa a origem da sua racionalidade. O humor negro de Marx, a origem do Capital, está na sua fascinação por esta máquina

A existência do Terceiro Mundo ratifica a concepção hindu?

Há, a todo o momento, grupos sujeitados que derivam de grupos-sujeitos revolucionários. Mais um axioma. Não é mais complicado que a pintura abstracta.”

Marx-pai, Lenin-pai, Brejnev-pai. Há cada vez menos pessoas que acreditam nisso, mas isto não tem qualquer importância, já que o capitalismo é como a religião cristã: vive precisamente da falta de crença, não precisa dela para nada – pintura matizada de tudo aquilo em que já se acreditou.

o capitalismo poderá ser comp[a]rado por uma terrível e mixurica mo[e]da descas[a]cada.

E é esta dúvida que mina o capitalismo: donde virá a revolução? que forma tomará nas massas exploradas? É como a morte: onde, quando? Um fluxo descodificado, desterritorializado, que vai longe demais, que corta fino demais e que escapa à axiomática do capitalismo. E o quê, no horizonte? um Castro, um árabe, um Black-Panther, um chinês? um Maio de 68, um Mao do interior plantado como um anacoreta na chaminé de uma fábrica?” “Castro tornou-se impossível, mesmo em relação a si próprio”

nós não sabemos o que é pior: se fazer uma má leitura, se não fazer leitura nenhuma.”

acreditamos que a sociedade capitalista é capaz de suportar muitas manifestações de interesse, mas é incapaz de suportar uma única manifestação de desejo”

Não é no quadro da esquizo-análise que se deve elaborar um programa político.” “Somos ainda demasiado competentes, e gostaríamos de falar em nome de uma incompetência absoluta.”

[utensílio x máquina] “com os gadgets e com os fantasmas, a psicanálise está à vontade, podendo aí desenvolver todas as suas obsessões edipianas castradoras.” “Todo o sistema de projeções deriva das máquinas e não o inverso.” “há um Édipo na rede; rapazes telefonam a raparigas, rapazes telefonam a rapazes. Reconhece-se aqui facilmente a forma das sociedades perversas artificiais, ou sociedade de Desconhecidos”

Comentando este fenômeno da Rede [? – Minitel?], Jean Nadal escreve: < É, penso, a máquina desejante mais conseguida e completa que conheço. Ela contém tudo: nela o desejo funciona livremente, sobre o fator erótico da voz como objeto parcial, no acaso e na multiplicidade, e liga-se a um fluxo que se irradia pelo conjunto dum campo social de comunicação, através da expansão ilimitada dum delírio ou duma deriva. >” franceses tarados

artimanha binóculos cu diorama édipo falta Gaia hora ilha jamais kakto lagoa moita nuance opaco palco questão ranço situação taumaturgo Urano vakawonderfulxamadayou zona

Na verdade não dissemos nem 1/4, nem 1/100, do que seria preciso dizer contra a psicanálise” engraçado, porque para mim pareceu 100x

Um inceptionist autorreferente na cabeça-pé da emMÃOsa.

paquete quero pq sim

O Édipo é a entropia da máquina desejante.” “eterno gemido-mamã eterna discussão-papá”

os dois grandes edipianos, Proust e Kafka, são edipianos para rir” “o cômico do sobre-humano, o riso esquizo por detrás da careta”

Trost acusa Freud de ter negligenciado o conteúdo manifesto do sonho em benefício duma uniformidade do Édipo, de não ter conseguido ver o sonho como máquina de comunicação com o mundo exterior” A prova de que o sonho não é um mecanismo estéril é que eu sonho muito e perco muito tempo sonhando, e é a única parte produtiva dos piores dias… “recordações-écran” “de fato, o surrealismo foi uma vasta empresa de edipianização dos movimentos precedentes.”

ligado pela ausência de ligação” o dadaísmo ainda é lógico demais

virei meu fã

A atual tendência tecnológica, que substitui o primado termodinâmico por um certo primado da informação, acompanha-se de direito duma redução do tamanho das máquinas.”

Assinalar a inutilidade maquínica radical dos automóveis nas cidades, o seu caráter arcaico apesar dos gadgets da sua apresentação, e a modernidade possível da bicicleta, tanto nas nossas cidades como na guerra do Vietnam, não é sonhar com um retorno à natureza.” “Não que seja preciso opor ao atual regime, que submete a tecnologia a uma economia e a uma política de opressão, um regime em que a tecnologia estaria liberta e seria libertadora.” “Sempre que a tecnologia pretende agir por si própria, ela toma uma cor fascista, como na tecno-estrutura”

a máquina enjoou do homem

o único ponto em comum entre nós é que estamos sobre a tartaruga e giramos, passamos a bola

Chaplin contra o dadaísta Buster Keaton

O futurismo italiano enuncia bem as condições e as formas de organização duma máquina desejante fascista, com todos os equívocos duma < esquerda > nacionalista e guerreira. Os futuristas russos tentam insinuar os seus elementos anarquistas numa máquina de partido que os esmaga. A política não é o forte dos dadaístas. O humanismo opera um desinvestimento das máquinas desejantes, que não deixam por isso de funcionar nele.”

A OBRA DE ARTE NA ERA DE SUA REPRODUTIBILIDADE TÉCNICA – UMA RELEITURA DOS ESBOÇOS DE 27 DE DEZEMBRO DE 2012 (http://xtudotudo6.zip.net/arch2012-12-01_2012-12-31.html) ou: Ensaio confuso sobre a técnica que se perde em especulações políticas

Grunewald

Ed. L&PM, 2013.

Trad. direta e seleção: Gabriel Valladão Silva, mestre em Filosofia, a prova de que doutor não é só quem faz doutorado.

Org., seleção, prefácio e revisão: Márcio Seligmann-Silva

Revisão final: Marianne Scholze

DIC – incunábulo: impressão pré-gutenbergiana

Quando eu nasci meus pais tiveram a idéia de que eu pudesse me tornar um escritor. Então seria bom que ninguém notasse imediatamente que eu era um judeu.”

Fuld – Walter Benjamin zwischen den Stühlen

No semestre de invenro de 1912-1913, Benjamin estudou na Universidade de Berlim, onde freqüentou aulas de Georg Simmel, Ernst Cassirer, Kurt Breysig (um dos poucos professores de quem Benjamin gostou) e Brenno Erdmann, entre outros.”

Apenas a confessada nostalgia de uma infância feliz e de uma juventude digna é a condição da criação. Sem isso, sem o lamento de uma grandeza perdida, não será possível nenhuma renovação de sua vida.” Benjamin, Documentos de cultura, documentos de barbárie

Em outubro do mesmo ano, o amigo de Benjamin Fritz Heinle suicidou-se junto com a amiga Rika Seligson, em parte devido ao início da gerra. Benjamin ficou muito abalado com esse fato e dedicou alguns sonetos ao amigo.”

W.B. – Dois poemas de Friedrich Hölderlin, “Dichtermut” e “Blödigkeit”

Em 1916, ele escreveu não apenas o que seria um primeiro esboço de seu livro sobre o drama barroco alemão (os artigos <Trauerspiel und Tragödie> [Drama barroco e tragédia], <Die Bedeutung der Sprache in Trauerspiel und Tragödie> [O significado da linguagem no drama barroco e na tragédia], como também compôs seu longo ensaio <Über die Sprache überhaupt und über dis Sprache des Menschen> [Sobre a linguagem em geral e sobre a linguagem humana].”

W.B. – Die Aufgabe des Übersetzers [A tarefa do tradutor]

Em 1922, ele concluiu um longo ensaio sobre As afinidades eletivas, de Goethe.”

<teor coisal> (Sachgehalt) e <teor de verdade> (Wahrheitsgehalt) (…) sem-expressão (Ausdruckslos), variante da teoria do sublime”

O Ursprung des Deutschen Trauerspiels (Origem do drama barroco alemão]: “Benjamin estava ciente de que seu ensaio – composto por cerca de meio milhar de citações [!] e baseado em uma ousada teoria neoplatônica das formas literárias – ia contra as regras da academia. Esse ensaio de Benjamin deve ser considerado como um dos textos mais radicais da primeira metade do século XX.”

Lacis abriu para Benjamin o mundo da nova literatura marxista, representada então por obras como História e consciência de classe, de Lukács, que Benjamin leu já em 1925. (…) Mas a verdade é que Benjamin se volta para o marxismo – e não tanto para o comunismo [não parece] – por influxo não apenas de Lacis, mas também de Bloch e de uma circunstância histórica e social que definiu essa guinada na vida de muitos intelectuais de então. O próprio Benjamin encontrava-se desde 1923 em uma situação de penúria econômica cada vez mais acentuada. Sua esposa, Dora, o sustentou entre 1922 e 1923 [e recebeu um belo prêmio por isso, como veremos mais tarde…]. Ele não podia mais contar com o apoio de seus pais. Seu pai, que viria a morrer em 1926, estava em bancorrota com a crise econômica na Alemanha do pós-guerra. A situação econômica de Benjamin não mudaria muito até o final de sua vida. (…) Ele encontrou nos autores marxistas um novo modo de revitalizar a crítica, o que já havia iniciado com sua leitura de F. Schlegel e de Novalis. O romantismo de esquerda foi reconhecido por ele prontamente como uma nova morada para seu pensamento e sua ação política.”

Ele escreveu um artigo sobre Goethe para a Enciclopédia russa que depois foi recusado. (…) Benjamin foi dos poucos filósofos – talvez o único antes de Derrida – que soube transportar a dinamite das vanguardas para a prática da filosofia. Entre dezembro de 1926 e janeiro de 1927, ele empreendeu uma visita a Asja Lacis em Moscou – um fiasco do ponto de vista emocional e político. Seus Diários de Moscou podem ser lidos como um dos documentos mais pessoais que ele produziu. Nessa época, para se sustentar, conseguiu ser aceito como colaborador no Frankfurter Zeitung (importante publicação de caráter cultura da época, que tinha em seu centro a figura de Siegfried Kracauer) e na revista Literarische Welt. Vale lembrar que entre 1926 e 1929 Benj. publicou textos como o sobre Proust (<Para uma imagem de Proust>) e <História cultural do brinquedo>.

O compromisso de Benjamin com o surrealismo pode ser lido em seu ensaio particularmente profundo sobre o tema de 1927 (<O surrealismo>). Nesse ano, ele também conseguiu fazer algum dinheiro jogando roleta [!] (…) Em Paris, deu início ao seu maior e mais ambicioso projeto, que o acompanharia até 1940: as Passagens. (…) nunca foi concluído.”

a falta de perspectivas concretas de trabalho fez com que cedesse aos convites de Scholem para ir à Palestina. (…) Essa verba deveria financiar seus estudos de hebraico, preparatórios para a emigração – que na verdade nunca se concretizou.

Na carta que Benjamin enviou a Scholem em janeiro de 1930, mais uma vez postergando sua ida à Palestina, escrevendo sugestivamente em francês a um amigo com quem de resto só se correspondia em alemão, ele afirma que seu desejo é o de <ser considerado como o primeiro crítico da literatura alemã>. Para tanto, ele teria que refundar a crítica como gênero. (…) Mas apenas cerca de 30 a 40 anos após a sua morte é que ele foi reconhecido como esse crítico número um.”

Entre novembro de 1929 e janeiro do ano seguinte, Benjamin viveu com Aja Lacis em Berlim, cidade onde ele morava com sua esposa Dora, residindo ainda na casa de seus pais, a mansão na Delbrückstrasse, n. 23, em Grünewald, que fôra construída por sua família em 1912. Em 1930 ocorreu o divórcio do casal, que custou a Benjamin uma condenação penal a pagar uma altíssima indenização à sua ex-esposa. (…) <Não é fácil encontrar-se na soleira dos 40 sem posses e colocação, casa e patrimônio.>

Benjamin, nos anos 1930-31, fez uso várias vezes de haxixe. Essa prática deu-se no contexto de experimentos semelhantes feitos pelos surrealistas [Não pode ter sido recreativo?]. Ele, algumas vezes na companhia de Bloch, fazia anotações e era acompanhado por dois médicos durante essas experiências e caminhadas pelo <paraíso artificial>, lembrando a expressão de Baudelaire de 1860.”

B. encontrou um pouco de paz após mudar-se para um pequeno apartamento em Wilmersdorf, Berlim: a última vez que ainda pôde se ver rodeado pelos seus cerca de 2 mil livros. Em 1931, publicou seu belo texto <Desempacotando minha biblioteca>, uma profunda reflexão sobre livros e o colecionismo. (…) Em agosto, em meio a uma profunda depressão, escreveu um texto intitulado <Diário de 7 de agosto de 1931 até o dia da morte>. Esse diário foi apenas até 16 de agosto. Mas sua primeira frase é desencorajadora: <Este diário não promete ser muito grande>. Como antídoto à depressão (…), ele se ocupou em fazer uma coletânea de cartas de autores alemães, tentando assim mostrar uma espécie de outra tradição do pensamento alemão que não a que estava a ponto de desaguar em um tipo mortífero de nacionalismo. Essa coletânea de cartas, denominada de Deutsche Menschen [Pessoas alemãs], foi publicada em 1936 na Suíça sob o pseudônimo de Detlef Holz. Entre 1931 e 1932 essas cartas selecionadas – de autores como Goethe, Kant, Büchner, Hölderlin, F. Schlegel, , Baader – foram publicadas no Frankfurter Zeitung.”

B. – Pequena história da fotografia

_. – Crônica berlinense

_. – Infância em Berlim por volta de 1900

_. – Doutrina das semelhanças

_. – Sobre a faculdade mimética

Em julho, no Hôtel du Petit Parc, em Nice, B. planejou seu suicídio, tendo inclusive feito um testamento e escrito várias cartas de despedida.”

Existem lugares nos quais eu posso ganhar um mínimo, e outros nos quais eu posso viver de um mínimo, mas nem um único no qual as duas condições se encontram”

Ele escreveu também uma teoria do romance (claramente inspirada por Lukács): <À lareira> e <Experiência e pobreza>”

Horkheimer e Friedrich Pollack, como comenta Scholem, decerto incentivados por Adorno, concederam um auxílio regular a B. da parte do Instituto. A partir da primavera de 1934, ele passou a receber 500 francos (cerca de 300 euros hoje) por mês. Foi sua grande salvação na situação desesperadora em que se encontrava. [!]

(…) Para sobreviver, passou alguns meses com sua ex-esposa, Dora, em San Remo, onde ela abrira uma pensão (…) Em Paris, ele se reaproximara de sua irmã Dora, também vivendo naquela cidade, e se hospedou freqüentemente com ela. Em 1935, ele escreveu ensaios de grande envergadura e repercussão: <Paris, a capital do século XIX>, a 1ª versão de seu ensaio sobre as passagens, seu artigo sobre a obra de arte (…) <Eduard Fuchs, o colecionador e o historiador>

1936:

O narrador. Considerações sobre a obra de Nikolai Leskov.

Esse ensaio dedica-se a uma reflexão sobre o fim da experiência, que por sua vez estaria na origem da crise da grande narrativa, diagnosticada como estando <em vias de extinção>.”

Em 1937 e no ano seguinte, B. continuou trabalhando no seu ensaio sobre Baudelaire, uma espécie de célula-mater do trabalho sobre as passagens. (…) Em 1938, concluiu o texto <A Paris do II Império em Baudelaire>, que após sofrer muitas críticas da parte de Adorno foi profundamente reelaborado no texto <Sobre alguns temas em Baudelaire>, de 1939. Em 1938, Benjamin encontrou-se regularmente com Bataille e Pierre Klossowski. (…) Durante esse período parisiense de exílio, B. também encontrou em algumas ocasiões Hannah Arendt, que deve ser lembrada como uma das primeiras a reconhecer o valor da sua obra. [Coincidentemente, a próxima na seqüência de leituras.]

O pacto de não agressão entre Hitler e Stalin de 23 de agosto de 1939 teve um efeito devastador sobre B. Esse descontentamento com a política se condensou no seu último texto, <Sobre o conceito da História>, de 1940, que pode ser considerado um dos documentos intelectuais mais impactantes sobre a vida dilacerada do século XX.

(…) Com o início da guerra em 1º de setembro, no dia 15 do mesmo mês ele foi enviado a um campo de trabalho em Nevers [sic – provavelmente, Nevres], na qualidade de alemão. Sua amiga Adrienne Monnier conseguiu libertá-lo em meados de novembro. A irmã tentou convencê-lo, sem sucesso, a emigrar para Londres. Graças à intervenção de Adorno, em meados de julho de 1940, B. finalmente conseguiu um visto para os EUA. Mas ele não obteve um visto para sair da França. O final da história é conhecido e se tornou uma espécie de marca que paira sobre B. e sua obra. (…) A verdade é que o suicídio, cometido em Portbou, após B. ter sido impedido de sair da França, é mesmo paradigmático. Foi realizado por um intelectual que de certa forma era um dos últimos grandes pensadores de uma tradição que foi condenada a seu fim com o nazismo.

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Durer_diabo

B. nunca perde de vista a concepção grega das artes como tékhné, ou seja, como vemos no mito prometeico, uma tentativa, sempre ambígua, de <restituir ao ser humano uma totalidade>.” // Heidegger

August Sander (o maior fotógrafo retratista alemão, que publicou em 1929 seu Anlitz der Zeit [Rosto da época]).”

o enigmático, sinistro (Unheimlich), não cotidiano do cotidiano, criar uma aura para o habitual, trazer à consciência o invisível (meafísico, oculto) daquilo que parecia desaparecido.”

O elemento eminentemente ótico do modo de pensar e escrever de Kracauer, que também nesse ponto o unia a Benjamin, fica evidente nos textos de descrição e reflexão sobre a cidade, nos quais vemos como é possível filosofar a partir do gesto do andarilho ou do flâneur.”

É um gosto sublime sempre preferir as coisas elevadas à segunda potência. Por exemplo, cópias de imitações, julgamentos de resenhas, adendos a acréscimos, comentários a notas” Schlegel

a tentação não é pequena de substituir a data de 1900 pela de 2000”

Paradoxalmente, nas últimas duas décadas é a fotografia analógica que tem servido como um dos modelos do testemunho histórico” “<testemunho histórico> (geschichtliche Zeugenschaft). Temos de lembrar que zeugen, de onde deriva testemunhar em alemão, remete a gerar, procriar, reproduzir, ser pai.” “geramos sem a fecundação ao produzirmos robôs ou clones.”

diferentemente da maioria dos críticos da sociedade, Benjamin procura manter nesse ensaio uma visão positiva dos avanços da técnica. (Essa teoria da segunda técnica, ainda que sem a utilização desses termos, foi desenvolvida de modo cabal pelos últimos textos de Vilém Flusser, sobretudo em seu livro de 1985, O universo das imagens técnicas.)”

a relação entre a arte grega e os valores eternos – idéia essa que foi pela primeira vez formulada de modo acabado por Schiller em seu ensaio <Sobre a poesia inocente e a sentimental>, de 1795.

O fenômeno negativo, no avesso do qual se inscreve a arte da era dos choques, seria a aura. É interessante recordar que no século XVIII, em autores como Moses Mendelssohn, G.E. Lessing e Kant, o fenômeno negativo que era tomado como o oposto do que se considerava a arte então era o <asqueroso> (Ekel). Afirmava-se então também que o que provoca o asco nunca pode ser imitado e que o asqueroso, quando surge na arte, seria uma aparição direta da natureza.”

A arte aurática, que se ligava à falsa aparência” Relação direta com as páginas de Heidegger sobre Platão-Nie. que li ontem (9/4/17). “Mundo-verdade”

a flor azul (…) fusão com a natureza, fim da tristeza do estar no mundo.” Novalis – Heinrich von Ofterdingen, 1801.

Os cortes exigidos por Horkheimer e outros membros do Instituto tinham como justificativa o medo quanto à continuidade do financiamento da instituição, que havia se transplantado em parte para os EUA durante a II Guerra, e seus membros temiam trazer para si uma imagem radical de esquerdistas. O texto foi publicado em francês porque Horkheimer acreditou que as discussões levadas a cabo por Benjamin estariam mais inseridas no debate estético realizado então na França, onde Benjamin morava desde 1933”

Adorno cobra de Benjamin uma dialetização de uma série de conceitos, uma vez que ele discorda do olhar vanguardista e otimista de Benjamin diante do cinema e da segunda técnica. Apesar de Adorno criticar a influência de Brecht neste ensaio de Benjamin, o próprio dramaturgo não era um entusiasta deste trabalho.”

aprendemos a ver na arte um <buraco negro> que intensifica o tempo, concentrando-o em um agora diante de nossos olhos.”

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Durer_melancolia

<Nem a matéria, nem o espaço, nem o tempo são há 20 anos aquilo que foram até então.> Paul Valéry: Pièces sur l’art (<La conquête de l’ubiquité>)”

Os gregos conheciam apenas dois métodos para a reprodução técnica de obras de arte: a fundição e a cunhagem. Bronzes, terra-cotas e moedas eram as únicas obras de arte que podiam ser criadas massivamente por eles. Todas as outras eram únicas e tecnicamente não reprodutíveis.” O Roberto Carlos

Com a xilogravura, as artes gráficas tornaram-se pela primeira vez tecnicamente reproduzíves; elas já o eram tempos antes de também a escrita sê-lo por meio da imprensa. São conhecidas as monstruosas modificações que a impressão – a reprodução técnica da escrita – provocou na literatura.”

Com a litografia, a técnica reprodutiva atinge um patamar fundamentalmente novo.”

as artes gráficas começaram a acompanhar o ritmo da impressão. Nisso, porém, já foram superadas, poucas décadas após a invenção da impressão sobre pedras, pela fotografia. Com a fotografia, a mão foi pela primeira vez aliviada das mais importantes obrigações artísticas no processo de reprodução figurativa, as quais recairiam a partir daí exclusivamente sobre o olho. Como o olho apreende mais rápido do que a mão desenha, o processo de reprodução figurativa foi acelerado de modo tão intenso que agora ele podia acompanhar o ritmo da fala. Se a litografia encerrava virtualmente o jornal ilustrado, também o cinema falado encontrava-se latente na fotografia. A reprodução técnica do som iniciou-se no final do século passado.”

No estúdio, o operador de câmera fixa as imagens, filmando-as na mesma velocidade em que o ator fala.”

Uma imagem medieval da Madonna ainda não era <autêntica> à época de sua criação; ela se o tornou no decorrer dos séculos seguintes, e talvez especialmente no século passado.”

A catedral deixa seu lugar para ser recebida no estúdio de um apreciador da arte; a música coral, que era executada em um salão ou ao ar livre, deixa-se apreciar em um cômodo.”

A mais miserável encenação provincial do <Fausto> tem em todo caso a vantagem, diante de um filme seu, de estar em concorrência ideal com a encenação original em Weimar.”

A significação social do filme, mesmo em seu aspecto mais positivo – e justamente nele –, revela-se impensável sem esse seu lado destrutivo, catártico: a liquidação do valor de tradição na herança cultural. Esse fenômeno é especialmente acessível nos grandes filmes históricos, de Cleópatra e Ben Hur [duas versões clássicas] a Fridericus e Napoleão.”

Abel Gance exclamou entusiasticamente em 1927: <Shakespeare, Rembrandt, Beethoven serão filmados… Todas as lendas, todas as mitologias e todos os mitos, todos os fundadores de religiões, e mesmo todas as religiões… aguardam sua ressurreição em celulóide, e os heróis precipitam-se aos portais> Abel Gance: Le temps de l’image est venu, in: L’art cinématographique II. Paris: 1927, pp. 94-96.”

Alois Riegl – Indústria artística do Império romano tardio, 1901.

Nada garante que um retratista contemporâneo, ao pintar um famoso cirurgião à mesa do café da manhã, rodeado pelos seus, atinge sua função social de modo mais certeiro que um pintor do século XVI que apresenta seus médicos representativamente ao público, como por exemplo Rembrandt em <Anatomia>.”

A remoção do objeto de seu invólucro, a destruição da aura, é a assinatura de uma percepção cujo <sentido para o idêntico no mundo> (Johannes V. Jensen) aumentou de tal modo que ela, por meio da reprodução, o extrai até mesmo do que é único. Revela-se, assim, no âmbito intuitivo, aquilo que na teoria se torna perceptível na crescente significação da estatística. O alinhamento da realidade com as massas e das massas com ela é um evento de alcance ilimitado, tanto para o pensamento quanto para a intuição.”

O essencialmente distante é o inaproximável. O inaproximável é de fato uma qualidade central da figura de culto. Ela permanece segundo sua própria natureza <distante, por mais perto que esteja>. A proximidade que se lhe pode alcançar em relação a uma matéria não interrompe a distância que ela conserva em sua aparição.”

o conceito de autenticidade não para jamais de tender a ultrapassar aquele da autêntica atribuição (Isso revela-se de modo especialmente claro no colecionador.): com a secularização da arte a autenticidade toma o lugar do valor de culto.”

O culto profuso à beleza, que se desenvolve na Renascença para manter-se em vigência por três séculos, revela nitidamente esses fundamentos após o término desse período, com o primeiro abalo mais intenso que sofreu: com o surgimento do primeiro meio de reprodução efetivamente revolucionário (simultâneo ao advento do socialismo), a fotografia, a arte sentiu aproximar-se a crise, reagiu com a doutrina do l’art pour l’art, que é uma teologia da arte. Desta surgiu por sua vez uma teologia negativa na forma da idéia de uma arte <pura> (Na poesia, Mallarmé foi o primeiro a alcançar essa posição.)”

<A bela arte (…) surgiu na própria igreja (…) embora (…) a arte já tivesse saído (com isso) do princípio eclesiástico.> (Hegel, Werke IX. Berlim: 1837, p. 414)”

Sabe-se, desde a investigação de Hubert Grimme, que a Madonna Sistina fôra pintada originalmente para fins expositivos. Grimme teve como ponto de partida para suas pesquisas a questão: o que faz ali o batente de madeira em primeiro plano na imagem, onde se apoiam os dois anjos? Como pôde, seguia perguntando Grimme, um Rafael chegar à idéia de equipar o céu com um par de cortinas? Dessa investigação resultou que a Madonna Sistina foi encomendada por ocasião do velório público do papa Sisto. O velório dos papas ocorria em uma capela lateral específica da basílica de São Pedro. O quadro de Rafael foi posicionado no velório solene, repousando sobre o caixão, numa espécie de nicho ao fundo dessa capela. Nas exéquias de Sisto, o quadro de Rafael encontrou uma aplicação extraordinária de seu valor de exposição. Algum tempo depois, ele foi para o altar-mor do mosteiro dos monges negros (beneditinos – N.T.) em Piacenza. A razão para esse exílio encontra-se no rito romano. O rito romano proíbe levar imagens expostas em cerimônias sepulcrais ao culto no altar-mor. A obra de Rafael foi em certa medida desvalorizada por meio desse regulamento. Para ainda assim obter um preço que lhe correspondesse, a cúria decidiu tolerar em silêncio a presença do quadro no altar. Para evitar a atenção, enviou-se o quadro à irmandade dessa província remota.”

O valor de culto enquanto tal tende justamente a manter a obra de arte oculta: certas estátuas de deuses são acessíveis somente ao sacerdote na cella” “A exponibilidade da pintura sobre madeira é maior do que aquela do mosaico ou do afresco que a antecederam.” “a sinfonia surgiu num momento em que sua exponibilidade prometia tornar-se maior do que a da missa.”

Brecht – Der Dreigroschenprozess (O processo dos três vinténs)

Em certo sentido, podemos considerar o ato máximo da primeira técnica como sendo o sacrifício humano; o da segunda encontra-se no horizonte dos aviões de controle remoto, que dispensam tripulação. A primeira técnica orienta-se pelo <de uma vez por todas> (nela trata-se do sacrilégio irreparável ou do sacrifício eternamente exemplar); a segunda, pelo <uma vez é nenhuma vez> (ela trata do experimento e das variações incansáveis dos procedimentos de teste). A origem da segunda técnica deve ser buscada onde o ser humano, com uma astúcia inconsciente, chegou pela primeira vez a tomar uma distância em relação à natureza.” “A primeira realmente pretende dominar a natureza; a segunda prefere muito antes um jogo conjunto entre natureza e humanidade. Isso vale sobretudo para o cinema.” “…quando a condição tiver se adaptado às novas forças produtivas desencadeadas pela 2ª técnica.” ILUSÃO

é a pessoa individual emancipada por meio da liquidação da primeira técnica que faz suas exigências. Mal a segunda técnica garantiu suas primeiras conquistas revolucionárias, as questões vitais do indivíduo – amor e morte – já exigem novas soluções. A obra de Fourier é o primeiro documento histórico dessa reivindicação.

atget cabaret au tambour

última trincheira: o semblante humano.” “O valor de culto da imagem encontra seu último refúgio no culto à rememoração dos entes queridos distantes ou falecidos.” “Onde o homem se retira da fotografia, o valor de exposição sobrepuja pela primeira vez o valor de culto. Ter dado a esse acontecimento o seu lugar é a significação incomparável de Atget, que registrou as ruas parisienses sob um aspecto despovoado por volta de 1900. Com muita razão disse-se dele que as fotografava como a uma cena de crime.” “provas indiciárias”

a legendagem – que claramente tem um caráter completamente distinto do título de um quadro – torna-se obrigatória pela primeira vez.”

Os gregos foram levados pelo estado de sua técnica a produzir valores de eternidade na arte. É a essa situação que eles devem seu lugar excepcional na história da arte” “Não há dúvida de que o nosso se encontre no pólo oposto ao dos gregos.” “o filme tornou crucial uma qualidade da obra de arte que teria sido a última a ser reconhecida pelos gregos, ou que, pelo menos, seria para eles a menos essencial de todas. É essa a sua capacidade de ser melhorado. O filme pronto é tudo menos uma criação de um lance” “Para realizar o seu filme Opinion publique, que tem 3 mil metros de comprimento, Chaplin filmou 125 mil metros. O filme é, portanto, a obra de arte mais passível de melhoria. E essa sua capacidade de ser melhorado está ìntimamente ligada a sua recusa radical do valor de eternidade.” “contraprova: o ápice de todas as artes encontrava-se na arte menos passível de melhoria – a saber, a escultura, cujas criações se fazem literalmente a partir de uma peça. A decadência da escultura na era da obra de arte montável é inevitável.”

A disputa travada no decorrer do século XIX entre a pintura e a fotografia acerca do valor artístico de seus produtos parece-nos hoje absurda e confusa.” “Embora já se tivesse gasto muita perspicácia em vão na resolução da questão de se a fotografia é uma arte – sem ter se colocado a pergunta anterior: se, por meio da intervenção da fotografia, o caráter geral da arte não foi modificado –, os teóricos do cinema logo assumiram o mesmo questionamento precipitado.” Resposta tardia: não é que o videogame não seja uma arte, é que não há mais “arte”.

Filme “Sonho de uma noite de verão” de Reinhardt

O filme (…) dá (ou poderia dar) explicações úteis sobre as ações humanas em detalhe (…) Toda motivação do caráter cessa, a vida interior das pessoas jamais dá a causa principal e é raramente o resultado principal da ação” Brecht, I, c., p. 268. “Assim, a significação do teste de proficiência cresce constantemente. No teste de proficiência trata-se de recortes da performance do indivíduo.”

O ator de cinema distingue-se do ator teatral pelo fato de sua performance artística, em sua forma original, a partir da qual se realiza a reprodução, não ocorrer diante de um público aleatório, mas diante de um comitê de especialistas, os quais, na qualidade de diretor de produção, diretor, operador de câmera, engenheiro acústico, iluminador, etc., podem tomar a todo tempo a atitude de interferir em sua performance artística.” “a interferência de um comitê especializado em uma performance artística é também característica de performances esportivas e, num sentido mais amplo, dos procedimentos de teste em geral.” “O esportista conhece, em certo sentido, apenas o teste natural.” Não o do atletismo pós-moderno ou participante de jogos individuais (exceto tênis?). Trabalho como performance: o cume do idiótico. “Nurmi, corredor finlandês que quebrou diversos recordes mundiais nos anos 1920.”

Atuar sob a luz do holofote atendendo ao mesmo tempo às condições impostas pelo microfone é uma performance de teste de primeira linha. Realizá-la significa conservar a sua humanidade diante da aparelhagem. O interesse nessa performance é enorme. Pois, tanto nos escritórios quanto nas fábricas, é diante de um aparato que a grande maioria da população urbana deve, ao longo da jornada de trabalho, renunciar à sua humanidade.” Eu, DiCaprio – Mas como é para o próprio proletário DiC.?

Pirandello – Cadernos de Serafino Gubbio Operador

Observadores especialistas reconheceram já há bastante tempo que na atuação para o cinema <quase sempre os maiores efeitos são atingidos ao ‘atuar-se’ o mínimo possível (…)>.”

a tentativa de deixar o ator atuar sem maquiagem, como o fez, entre outros, Dreyer, em seu Jeanne D’Arc. Ele passou meses escolhendo os 40 atores que comporiam o tribunal inquisitório. A busca por esses atores era como procurar um objeto de cena raro. Dreyer despendeu grandes esforços evitando a semelhança de idade, de estatura, de fisionomia entre esses atores.” “Um relógio em funcionamento será sempre um estorvo no palco. Ali, o seu papel de medir o tempo não tem lugar. Mesmo em uma peça naturalista, o tempo astronômico também colidiria com o cênico.”

a arte remove <a aparência e o engano deste mundo ruim e passageiro> do <verdadeiro conteúdo das aparições> (Hegel)”

A bela aparência como efetividade aurática, por outro lado, preenche ainda completamente a obra goethiana. Mignon, Ottilie e Helena têm parte nessa efetividade.”

O modo de agir do diretor que, para gravar o susto da pessoa representada, causa experimentalmente um susto real em seu ator é completamente justo cinematograficamente.” “Estrelas de cinema não são quase nunca atores excepcionais quando se trata do palco. Pelo contrário, são na maioria das vezes atores de segundo ou terceiro escalão, para os quais o cinema abriu uma grande carreira. E, por sua vez, são raramente os melhores atores de cinema que tentam passar do filme ao palco” “O típico ator de cinema representa apenas a si próprio. Ele opõe-se ao tipo do mímico.”

aparência e jogo (Schein und Spiel)” “autoalienação (Selbstentfremdung)“alienação (Befremdung)” “do mesmo tipo que a alienação do ser humano diante de sua aparição no espelho, na qual os românticos tinham gosto em demorar-se.”

nova seleção, uma seleção diante da aparelhagem, da qual o campeão, a estrela e o ditador emergem como vencedores.” Marilyn Federer the Hitler

Se há tantas versões e nunca nos decidimos pela melhor, isso quer simplesmente dizer: texto mal-redigido.

Na solidariedade da luta de classes proletária apaga-se a oposição morta, não dialética, entre indivíduo e massa; ela não se mantém para companheiros.” “A luta de classes afrouxa a massa compacta dos proletários; a mesma luta de classes, porém, comprime a da pequena burguesia. A massa impenetrável e compacta, que Le Bon e outros tornaram o objeto de sua <psicologia de massas>, é a pequeno-burguesia. A pequeno-burguesia não é uma classe; ela é de fato apenas massa, e uma massa tanto mais compacta quanto maior a pressão que sofre entre as duas classes hostis da burguesia e do proletariado.” #Pérolas

as manifestações da massa compacta trazem consigo sempre um traço de pânico – estejam expressando o entusiasmo com a guerra, o antissemitismo ou o impulso de autopreservação.”

Wertoff – Três canções para Lenin

Ivens – Borinage

O INGÊNUO: “a diferença entre o autor e o público está a ponto de perder o seu caráter fundamental.” “A competência literária não depende mais da formação especializada, mas da politécnica, tornando-se propriedade comum.” Na verdade, não depende nem daquilo, nem disso.

O talento artístico, porém, é algo bastante raro; disso segue (…) que a todo tempo e em toda parte a porção preponderante da produção artística tenha sido medíocre. Hoje, porém, a porcentagem de lixo no conjunto da produção artística está maior do que nunca” Aldous Huxley

diferentemente do mago (que ainda se encontra oculto no clínico geral), o cirurgião se abstém, no momento decisivo, de confrontar o seu paciente face a face; ao contrário, ele penetra-o de modo operativo. – Mago e cirurgião relacionam-se como pintor e operador de câmera.” “As audácias do operador de câmera são de fato comparáveis às do operador cirúrgico.” Forçação. “um caso da otorrinolaringologia; refiro-me ao assim chamado método perspectivo endonasal; ou remeto também às proezas artísticas acrobáticas, as quais, guiadas pela imagem invertida do espelho laringeal, devem realizar a cirurgia de laringe; também poderia falar da cirurgia de ouvido, que lembra o trabalho preciso de relojoeiros. Que rica gradação da mais sutil acrobacia muscular não é exigida do homem que quer consertar ou salvar o corpo humano! Pense-se na operação de catarata, na qual pode-se dizer que há uma disputa do aço com tecidos praticamente líquidos, ou nas significativas incursões na cavidade abdominal (Laparotomia).” Luc Durtain: La technique et l’homme, in: Vendredi, 13 de março de 1936, n. 19.

O comportamento mais reacionário – diante de um Picasso, por exemplo – torna-se altamente progressista em face de um Chaplin.” “quanto mais a significação social de uma arte é reduzida – como pode ser comprovado claramente no caso da pintura –, mais se distanciam mutuamente os comportamentos crítico e usufruidor do público. O convencional é usufruído àcriticamente; o efetivamente novo é criticado a contragosto. Mas não no cinema [ainda?].” “A pintura sempre foi apropriada à contemplação exclusiva de um ou de poucos. A contemplação simultânea de pinturas por um grande público, surgida no século XIX, é um sintoma precoce da crise da pintura” “Leonardo compara a pintura e a música com as seguintes palavras: <A pintura é superior à música pois não precisa morrer no momento em que é chamada à vida, como é o caso da música infeliz (…) A música, a qual se volatiliza assim que surge, é inferior à pintura que, com o uso do verniz, se torna eterna.> (Leonardo da Vinci: Frammenti letterarii e filosofici apud Fernand Baldensperger: Le raffermissement des techniques dans la littérature occidentale de 1840, In: Revue de Littérature Comparée, XV/I. Paris: 1935, p. 79, nota I).” “Igualmente, o mesmo público que reage de maneira progressista diante de uma comédia burlesca deve tornar-se reacionário diante do surrealismo.” O livro jamais “entrará em crise”?

Um ato falho em uma fala passava há 50 anos mais ou menos despercebido.”

Nossos botequins e avenidas, nossos escritórios e quartos mobiliados, nossas estações de trem e fábricas pareciam fechar-se em torno de nós de maneira desesperadora. Então veio o filme e mandou esse calabouço pelos ares com a dinamite do décimo de segundo” [?] “tampouco a câmera lenta traz à percepção padrões de movimento conhecidos, mas descobre, nesses movimentos conhecidos, outros completamente desconhecidos, <que não dão de modo algum a impressão de serem a desaceleração de movimentos mais rápidos, mas de estarem deslizando, singularmente flutuantes, de modo sobrenatural> (Rudolf Arnheim).” “Somente por meio da câmera chegamos a conhecer o inconsciente óptico, assim como conhecemos o inconsciente pulsional por meio da psicanálise.” “Muitas das deformações e estereótipos, das metamorfoses e catástrofes que afetam o mundo da óptica nos filmes encontram-se de fato em psicoses, alucinações e sonhos.” “O filme abriu uma brecha naquela antiga verdade heraclítica, segundo a qual os acordados têm o seu mundo em comum, e os dormentes têm cada um um mundo para si. E o fez muito menos apresentando o mundo do sonho do que criando figuras do sonho coletivo, como o mundialmente famoso Mickey Mouse.” “um desenvolvimento forçado de fantasias sádicas ou de alucinações masoquistas pode impedir o seu amadurecimento” Aristóteles – O Retorno “A risada coletiva proporciona a erupção precoce e salutar de tal psicose de massas.” Comédia e terror encontram-se, como revelam as reações de crianças, em proximidade estreita.” “O que se revela nos mais novos filmes da Disney já está, de fato, dado em alguns dos mais antigos: a tendência a aceitar confortavelmente a bestialidade e a violência como aparições que acompanham a existência.” “os Hooligans dançantes que encontramos em imagens de pogroms medievais, e o conto <A chusma>, dos irmãos Grimm, constitui a sua lívida e incerta retaguarda.” [?]

antes do surgimento do filme havia pequenos livros de fotos cujas imagens, passando rapidamente diante dos olhos do observador por meio de um movimento do polegar, exibiam uma luta de boxe, ou uma partida de tênis; havia os autômatos nos bazares ou passagens, em que um giro de manivela mantinha em movimento uma sequência de imagens.” “O vazio pode ser agradável em uma galeria de arte, mas não pode mais sê-lo no Kaiserpanorama, e de modo algum no cinema. Mas no Kaiserpanorama – como na maioria das galerias de arte – cada um ainda tem a sua própria imagem.” “Esse público era posto diante de um biombo, onde eram instalados estereoscópios, um para cada espectador. Diante desses estereoscópios apareciam automaticamente imagens singulares, que duravam pouco tempo para então dar lugar a uma outra. Edison precisou ainda trabalhar com meios semelhantes para executar o primeiro rolo de filme – antes de a tela de cinema e a técnica da projeção serem conhecidas – diante de um pequeno público que mirava dentro do aparato onde a seqüência de imagens se desenrolava.” “As extravagâncias e cruezas da arte que desse modo ocorrem nos assim chamados períodos de decadência originam-se, em verdade, de seu centro de força histórico mais rico. O dadaísmo teve ainda recentemente sua alegria em tais barbarismos. Seu impulso torna-se recognoscível apenas agora: o dadaísmo tentava obter com os meios da pintura (ou literatura) os mesmos efeitos que o público busca hoje no filme.” “Os dadaístas davam muito menos peso à valorização mercantil de suas obras do que a sua inutilidade enquanto objetos de imersão contemplativa. A degradação generalizada de seu material era um dos principais meios pelos quais buscavam atingir essa inutilidade. Seus poemas são <saladas verbais>; eles contêm expressões obscenas e todo lixo lingüístico imaginável.” Quão vanguardista, sr. Benjamin! “aniquilação indiscriminada da aura”

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É impossível dar-se tempo para se concentrar e tomar uma posição diante de um quadro de Arp ou um poema de August Stramm da mesma maneira que diante de um quadro de Derain ou de um poema de Rilke. À imersão – que se tornou, com a decadência da burguesia, um exercício de comportamento associal – opõe-se a distração como uma espécie de jogo com o comportamento social.” “incitar a irritação pública. § Com os dadaístas, em vez de uma aparência atraente ou de uma construção tonal convincente, a obra de arte tornou-se um projétil. (…) O filme libertou de sua embalagem o efeito de choque físico que o dadaísmo ainda mantinha envolto no choque moral.

Derain

Também Riegl corrigiu esse termo nas edições seguintes de sua obra, substituindo <tático> (taktisch) por <tátil> (taktil).”

Eu já não posso mais pensar o que quero. As imagens movimentadas suplantam meus pensamentos” Georges Duhamel, Scènes de la vie future. Paris: Mercure de France, 2ª ed., 1930, p. 52. “Duhamel chama o filme de <um passatempo para hilotas, uma dispersão para criaturas ignorantes, abjetas, exauridas pelo trabalho, que são despidas de suas preocupações (…), um espetáculo que não exige nenhuma concentração, que não pressupõe nenhuma faculdade intelectual (…), que não acende nenhuma luz no coração e que não desperta nenhum outro tipo de esperança a não ser aquela ridícula de um dia tornar-se uma ‘estrela’ em Los Angeles.>”

Assim como para o dadaísmo, o filme oferece também para o cubismo e para o futurismo importantes conclusões. Ambos surgem como tentativas deficitárias da arte de dar conta da penetração da realidade com a aparelhagem.” “o pressentimento da construção dessa aparelhagem – que se baseia na óptica – tem um papel predominante no cubismo: no futurismo predomina o pressentimento dos efeitos, que entram em vigência com o rápido desenrolar da película.”

Construções vêm acompanhando a humanidade desde sua pré-história. Muitas formas de arte surgiram e desapareceram. A tragédia surge entre os gregos para apagar-se com eles e renascer depois de séculos. A epopéia, cuja origem está na juventude dos povos, apaga-se na Europa com o fim da Renascença. A pintura sobre madeira é uma criação da Idade Média, e nada lhe garante uma duração ininterrupta. A necessidade humana de moradia, porém, é constante.”

A recepção tátil ocorre mais por meio do hábito que pela atenção.” “a capacidade de resolver certas tarefas na dispersão indica que essa solução se tornou hábito.”

O fascismo caminha diretamente em direção a uma estetização da vida política. Com D’Annunzio a decadência penetrou a política; com Marinetti, o futurismo; e com Hitler, a tradição de Schwabing. § Todos os esforços para estetizar a política culminam em um ponto. Esse ponto é a guerra. A guerra, e somente a guerra, possibilita dar uma finalidade a grandes movimentos de massa sob auspício das relações de posse tradicionais.”

No lugar de usinas de força a guerra coloca em ação a força humana, na forma de exércitos. No lugar do trânsito aéreo, ela instaura o trânsito de balas, e na guerra química ela tem um novo meio para extirpar a aura. § Fiat ars – <pereat mundus>, diz o fascismo”

A humanidade, que em Homero fôra um dia objeto de contemplação para os deuses olímpicos, tornou-se objeto de sua própria contemplação. Sua autoalienação atingiu tal grau que se lhe torna possível vivenciar a sua própria aniquilação como um deleite estético de primeira ordem.” Conceito-engodo: o “querer-morrer”, o deixar malograr a parte podre, não pode ser entendido pela dialética.

Veredito: tradução bem aquém da primeira lida.

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ANEXO A – Esboços de Benjamin

Nada é mais corrente ao teste em sua figura moderna do que medir o ser humano com uma aparelhagem.” Rocky IV – Ironia Comunista – Drogo, a Máquina

O gesto de Chaplin não é efetivamente cênico. Ele não teria sido capaz de se sustentar no palco. [!!!] (…) ele monta o ser humano no filme a partir de sua gesticulação (…) ele decompõe a movimentação expressiva humana em uma seqüência das mais mínimas enervações. Cada um de seus movimentos constitui-se de uma seqüência de partículas picadas de movimento.” “Sobre o que repousa então a comicidade desse comportamento?”

Dentre todas as artes, o teatro é a menos acessível à reprodução mecânica, quer dizer, à estandardização: por isso as massas afastam-se dele. Da perspectiva histórica, o mais importante da obra de Brecht talvez seja a sua produção dramática, a qual permite ao teatro assumir sua forma mais sóbria e modesta, e mesmo mais reduzida, para nela hibernar.” O mesmo erro de Leonardo: apólogo barato do próprio tempo.

Nietzsche reivindicou uma medida de valor moral própria para cada indivíduo. Esse ponto de vista encontra-se fora de curso; ele é infrutífero sob as relações sociais dadas.” “onde antes a exemplaridade era exigida moralmente, o presente exige a reprodutibilidade.”

Qual a situação de nossas construções atuais? Elas tornaram-se, como é possível reconhecer nas grandes cidades, suportes de reclames.” “Não há, diante do cartaz, como havia perante o ídolo, nem amigos da arte, nem ignorantes.”

Duchamp não pode ser identificado com nenhum tipo de escola. Ele era próximo do surrealismo, é amigo de Picasso, embora sempre tenha permanecido em isolamento.” “La Mariée mise à nu par ses Célibataires (…): assim que um objeto é visto por nós como uma obra de arte, ele não pode mais absolutamente figurar enquanto tal. (…) o ser humano contemporâneo pode experimentar o efeito específico da obra de arte muito mais em objetos desengajados (quer dizer, retirados de seu contexto funcional) do que em obras de arte renomadas.”

fenômenos da decadência (Entartungserscheinungen).”

A história da arte é uma história de profecias.” “É a tarefa mais importante da história da arte decifrar, nas grandes obras do passado, as profecias em vigência na época de sua concepção.”

Kinematograh mit optischem Ausgleich der Bildwanderung (Cinematógrafo com compensação ótica do movimento imagético) de August Musger, um aparelho que servia simultaneamente como câmera e como projetor e que foi o primeiro a possibilitar a gravação e reprodução de cenas em câmera lenta.”

Aquilo que surgiu no filme mudo como <música de acompanhamento> era – do ponto de vista histórico – a música que aguardava – <fazia fila> – diante dos portões do filme. (…) tanto um hit quanto uma sonata de Beethoven podem, enquanto tais, ser montados na ação do filme.” Mas a melhor música de acompanhamento, ironicamente, é justo a música clássica, a “única música” anterior ao filme!

Sade e Fourier têm em vista a efetivação imediata da vida humana feliz. Em oposição a isso, vê-se esse lado da utopia retroceder na Rússia. (Não é por acaso que as expedições ao Ártico e à estratosfera pertencem aos primeiros grandes feitos da União Soviética pacificada.)”

É sabido que Schiller deu um lugar privilegiado ao jogo em sua estética, enquanto a estética de Goethe é determinada por um interesse passional pela aparência.”

a invenção da arte da impressão levou à liberdade de imprensa. Hoje as invenções técnicas são meios de uma dominação monstruosa das massas; ao rádio pertence o monopólio radiofônico, ao filme a censura cinematográfica.” Carl Schmitt – palestra “Sobre a era das neutralizações e despolitizações”, em 1929.

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* * *

ANEXO B – Carta de Adorno

O senhor sabe que o objeto <liquidação da arte> encontra-se há muitos anos subjacente a meus ensaios estéticos, e que a ênfase com a qual defendo o primado da tecnologia, acima de tudo na música, deve ser compreendida estritamente nesse sentido e no de sua segunda técnica.”

Adorno devia ser mais chato que o Prof. Edson pessoalmente.

Cf. Adorno, <Der Dialektische Komponist> (<O compositor dialético>), publicado em Viena, em 1924, e posteriormente incluído no volume de Adorno, Impromptus. Frankfurt a. M.: Suhrkamp, 1968.”

Por mais dialético que seja o seu trabalho, ele não o é em relação à própria obra de arte autônoma; ele ignora a experiência elementar (…) a suprema conseqüência na observância da lei tecnológica da arte autônoma a modifica, aproximando-a, no lugar da tabuização e da fetichização, do estado de liberdade daquilo que é conscientemente confeccionável, realizável.” “Ninguém poderia estar mais de acordo com o senhor do que eu, quando salva o filme kitsch em face do filme <de nível>; a l’art pour l’art, porém, seria igualmente carente de salvação”

O senhor fala do jogo e da aparência como os elementos da arte; mas nada me diz por que o jogo deveria ser dialético, e a aparência não. Pois dialetizar a tecnicização e a alienação, mas não o mundo da subjetividade objetivada, significa politicamente nada mais do que confiar imediatamente ao proletariado um desempenho que este, segundo a sentença de Lenin, não pode realizar senão por meio da teoria dos intelectuais como sujeitos dialéticos, que pertencem à esfera da obra de arte relegada ao inferno pelo senhor.”

a teoria da reprodução musical, planejada há anos por mim e por Kolisch (esse trabalho que Adorno planejou realizar com o violinista Rudolf Kolisch (1896-1978) nunca se concretizou. – N.R.)”

assim como a reificação do cinema não está totalmente perdida, tampouco a da grande obra de arte; e, enquanto seria uma atitude burguesa reacionária negar aquela primeira reificação a partir do ego, revogar essa segunda, no sentido do valor de uso imediato, beiraria o anarquismo. Les extremes me touchent, assim como ao senhor: mas apenas quando a dialética do mais elevado é equivalente à do mais rebaixado, e não simples deterioração. (…) sacrificar uma em favor da outra seria romântico; seja como romantismo burguês na conservação da personalidade e de todo encanto desse tipo, seja como romantismo anárquico na confiança cega no autodomínio do proletariado no processo histórico – do proletariado, o qual é ele mesmo produzido de forma burguesa. Devo acusar, de certo modo, o trabalho do segundo romantismo.”

Nada mais reacionário que um sábio comunista. O trabalho do negativo?

O riso do público no cinema não é absolutamente bom e revolucionário, mas cheio do pior sadismo burguês; o caráter de especialista dos jovens jornaleiros que discutem acerca do esporte me é altamente duvidoso; e, por fim, a teoria da dispersão, apesar de sua persuasão sob a forma do choque, não me convence.” “que o reacionário se torne um vanguardista perante o filme chapliniano – isso me parece igualmente uma completa romantização”

O senhor subestima a tecnicidade da arte autônoma e superestima a da arte dependente”

tampouco escaparemos das antigas tabuizações somente ao nos envolvermos com outras, novas. A finalidade da revolução é a abolição do medo. Por isso não precisamos ter medo dela, e nem ontologizar nosso medo.”

Trata-se de um veredito completo sobre o jazz, na medida em que particularmente seus elementos <progressistas> (aparência de montagem, trabalho coletivo, primado da reprodução perante a produção) são revelados como fachadas para um elemento que na verdade é totalmente reacionário. Creio que logrei decifrar efetivamente o jazz e determinar sua função social.”

Der liebe Gott wohnt im Detail [O bom Deus mora no detalhe]” Aby Warburg

as poucas sentenças acerca da desintegração do proletariado como <massa> por meio da revolução contam dentre o que há de mais profundo e poderoso que jamais encontrei em termos de teoria política desde que li Estado e Revolução [Lenin, 1917].” Faz aquela média covarde no final.

O PESSIMISMO DE ARTHUR SCHOPENHAUER

OS ENSAIOS DE ARTHUR SCHOPENHAUER;

ESTUDOS SOBRE O PESSIMISMO

Uma seleção criteriosa dos melhores trechos, traduzidos do Inglês para o Português por Rafael “Cila” de Araújo Aguiar, para que outras pessoas venham a ter contato com esta supina filosofia. Com comentários de próprio cunho em verde, quando sem relação direta com a obra mesma, ou na mesma cor do texto, entre colchetes ou como nota de parágrafo, quando diretamente relacionados.

Uma não-pequena parte do tormento da existência reside nisso, que o Tempo está continuamente nos pressionando, nunca nos deixando respirar, mas sempre a nos perseguir, como um capataz com um chicote. Se em algum momento o Tempo <dá um tempo>, só pode ser quando estamos entregues à miséria do tédio.”

Na juventude precoce, quando contemplamos nossa vida por vir, somos como crianças no teatro antes da cortina levantar, ali sentadas eufóricas e na expectativa pelo começo da peça. É uma bênção que não saibamos o que realmente vai acontecer. Pudéssemos antevê-lo, há ocasiões em que crianças seriam vistas como prisioneiros sem culpa, condenados, não à morte, mas à vida, e ainda plenamente ignorantes do que suas sentenças significam. E no entanto todo homem quer chegar à velhice; em outras palavras, um estado da vida do qual talvez se diga: <Está ruim hoje, e vai estar pior amanhã; e assim vai até o pior dos dias.>”

ainda que as coisas para você tenham dado razoavelmente certo, quanto mais você viver mais claramente você vai sentir que, em geral, a vida é um desapontamento, melhor ainda, uma fraude.”

Aquele que vive o bastante para ver duas ou três gerações é como um homem que senta algum tempo à tenda do feiticeiro durante a feira, e testemunha a performance duas ou três vezes em sucessão. Os truques foram feitos para ser vistos só uma vez; e quando não são mais novidade e deixam de enganar, seu efeito está findo.”

o homem culto desenvolve sua suscetibilidade à felicidade e à miséria num grau tal que, num só instante, ele é transportado a um estado de deleite que pode inclusive se mostrar fatal, e, já em outro, às profundezas do desespero e suicídio.”

honra e vergonha; para ser mais direto, o que ele pensa sobre a opinião que outras pessoas têm dele. Sob milhares de formas, amiúde bem estranhas, isso se torna o objeto de quase todos os esforços que ele produz que não tenham suas raízes no prazer ou dor físicos.”

O tédio é uma forma de sofrimento desconhecida aos brutos de qualquer espécie em seu estado natural”

So what if… to love is to suffer?

quanto mais ansiamos por algo, menos satisfação achamos quando a coisa acontece”

É justamente esse modo característico como o bruto se abandona inteiramente ao momento presente que tanto contribui para o contentamento que tiramos de nossos animais domésticos.” No presente não estou neste avião – estou dormindo; meditando na terça-feira trabalhando na segunda usando o cartão para despesas emeuroem2019

O pássaro que foi feito tal que perambula sobre metade do mundo, o homem o confina ao espaço de 30cm³” “E quando eu vejo como o homem maltrata o cachorro, seu melhor amigo; como ele aprisiona esse animal inteligente com correntes, eu sinto a maior das simpatias pela indignação ardente e bruta contra seu mestre.

Devemos ver adiante como ao tomar um ponto de vista muito distante é possível justificar os sofrimentos da humanidade. Mas essa justificação não funciona para os animais, cujos sofrimentos, enquanto que em grande medida trazidos pelo homem, são amiúde consideráveis mesmo nossa agência estando à parte.” Nenhum Hegel com cara de cavalo invertera sua condição invariável de escravos.

a vontade de viver, que subsiste em todo o mundo dos fenômenos, deve, no caso dos animais, satisfazer sua fome insaciável alimentando-se de si mesma. Isso ela faz formando uma gradação de fenômenos, cada um dos quais existe às expensas de outro. Eu mostrei, no entanto, que a capacidade para sofrer é menor em animais do que no homem. Qualquer explanação adicional que pudesse ser dada para seu destino seria de natureza hipotética, se é que não mítica em caráter; então eu devo deixar o leitor especular sobre a matéria por si mesmo.

Brahma teria criado o mundo por causa de uma queda ou erro; e para se redimir de sua tolice, ele está destinado a permanecer nele até conseguir sua própria redenção. Como um conto da origem das coisas, isso é admirável! De acordo com as doutrinas do Budismo, o mundo veio a ser graças a um inexplicável desequilíbrio na calma paradisíaca do Nirvana, esse estado abençoado obtido pela expiação, que durou tão longo tempo

Subseqüentemente, por uma série de erros morais, o mundo foi ficando gradualmente pior e pior – o que é verdadeiro também dos ângulos da Física – até assumir o aspecto deprimente que o reveste hoje. Excelente! Os Gregos viam o mundo e os deuses como o trabalho de uma inescrutável necessidade. Uma explicação tolerável: podemos nos contentar com ela até termos uma melhor. Mais uma vez, Ormuzd e Ahriman são poderes rivais, continuamente em guerra. Nada mal. Mas que um deus como Jeová tenha criado esse mundo de miséria e pesar, por puro capricho, e porque ele se comprouve em fazê-lo, e tenha aplaudido o feito em louvor da própria obra, e declarado que tudo era muito bom – esse relato não vai colar! Em sua explanação da origem do mundo, o Judaísmo é inferior a qualquer outra forma de doutrina religiosa professada por uma nação civilizada; e é positivamente devido a essa crença que ele é o único credo sem traços da fé na imortalidade da alma.”

duas coisas nos impedem de considerar o mundo uma obra perfeita de um ser simultaneamente onipotente, onisciente e infinitamente benévolo: 1) a miséria que abunda em todo lugar; 2) a óbvia imperfeição de sua criatura mais elevada, o homem, que é uma paródia do que devera ser. (…) ver o mundo como o produto de nossas próprias malfeitorias; logo, como algo que jamais deveria ter sido. De acordo com a primeira hipótese, formula-se uma acusação amarga contra o Criador, alimentando, assim, tão-só o sarcasmo; conquanto, de acordo com a segunda, auto-impomo-nos uma severa lição de humildade, voltamo-nos contra nossa própria vontade. Ambas as hipóteses nos ensinam que, como as crianças de uma libertina, já vimos ao mundo esmagados pelo peso do pecado; e é apenas por ter de suportar a cada segundo esse imenso peso que nossa existência é tão miserável, e que seu fim é a morte.”

Igualmente, a única coisa que me reconcilia com o Velho Testamento é a estória da Queda. Ao meu ver, é a única verdade metafísica neste livro, ainda que apareça sob a forma de alegoria. Não me parece haver melhor explanação de nossa existência que a de que ela é o resultado de um passo em falso, pecado cuja parcela estamos pagando. Não posso me eximir de recomendar ao leitor reflexivo um tratado popular, mas ao mesmo tempo profundo, na matéria, de Claudius[*], que manifesta a espiritualidade essencialmente pessimista do Cristianismo. Ele se intitula: Amaldiçoado é o chão para o teu bem [Cursed is the ground for thy sake].

[*] Nota do Tradutor Inglês – Matthias Claudius (1740-1815), poeta popular, e amigo de Klopstock, Herder e Leasing [Lessing?]. Ele editava as Wandsbecker Bote, em cuja quarta parte foi publicado o ensaio mencionado acima. Ele geralmente escrevia sob o pseudônimo de Asmus, e Schopenhauer costuma se referir a ele por esse nome.

Entre a ética dos Gregos e a ética dos Hindus, há um contraste evidente. No primeiro caso (com a exceção, confesse-se, de Platão), o objeto da ética é possibilitar a um homem levar uma vida feliz; no segundo, é libertá-lo e redimi-lo da vida como um todo – como é diretamente declarado logo nas primeiras palavras do Sankhya Karika [escrito que está entre as raízes do Budismo contemporâneo – seu suposto autor é o sábio Krishna].”

O contraste que o Novo Testamento apresenta quando comparado ao Antigo Testamento, de acordo com a visão eclesiástica do problema, é apenas aquele existente entre meu sistema ético e a filosofia moral da Europa. O Antigo Testamento apresenta o homem como sob o domínio da Lei, através da qual, entretanto, não há redenção. O Novo Testamento declara a Lei como algo que falhou, liberta o homem de seu jugo[*], e em prol dele prega o reino da graça, a ser ganho pela fé, amor ao próximo e o inteiro sacrifício do eu. Essa é a passagem da redenção do mal do mundo. O espírito do Novo Testamento é indubitavelmente o asceticismo, muito embora seus protestantes e racionalistas distorçam-no para exprimir seus propósitos. O asceticismo é a negação da vontade de viver; e a transição do Antigo ao Novo Testamento, do domínio da Lei ao da Fé, da justificação por obras à redenção pelo Mediador, do domínio do pecado e da morte à vida eterna em Cristo, significa, quando tomamos seu significado real, a transição das virtudes meramente morais à negação da vontade de viver. Minha filosofia (…) é realmente una com o espírito do Novo Testamento, enquanto todos os outros sistemas estão assentados no espírito do Antigo; isto é, tanto teórica quanto praticamente, seu resultado é o Judaísmo – teísmo despótico e nada mais. Nesse sentido, então, minha doutrina deveria ser chamada a única verdadeira filosofia cristã – em que pese soe esta afirmação tão paradoxal para pessoas que consideram só a superfície das coisas no lugar de penetrar na matéria de coração.”

[*] Veja Romanos VII; Gálatas II e III.

Entre os Padres Cristãos, Orígenes, com louvável coragem, assumiu essa visão[*], que é adiante justificada por algumas teorias objetivas da vida. Eu me refiro, não à minha filosofia somente, mas à sabedoria de todas as eras, como expressa no Bramanismo e no Budismo, e nos ditos dos filósofos gregos tais quais Empédocles e Pitágoras; ou ainda por Cícero, em sua observação de que os sábios de outrora soíam ensinar que nós vimos ao mundo para pagar a pena de crimes cometidos em outro estado da existência – uma doutrina que faz parte da iniciação nos mistérios[**]. E Vanini – que seus contemporâneos queimaram, achando-o mais fácil do que refutá-lo – diz o mesmo de forma bastante convincente. O homem, ele diz, está tão repleto de todos os tipos de miséria que, não fosse repugnante à religião cristã, eu deveria me aventurar a afirmar que se espíritos malignos existem de fato, eles se transfiguraram em humanos e estão agora expiando seus pecados[***].

[*] Cf. Santo Agostinho, Cidade de Deus, 50:11:23.

[**] Cf. Fragmenta de philosophia.

[***] Cf. De admirandis naturae arcanis; diálogo 50; p. 35.”

tudo é como devera ser, num mundo em que cada um de nós cumpre a pena da existência em sua maneira toda particular. Entre os males de uma colônia penal está a sociedade daqueles que a formaram; e se o leitor é digno de melhor companhia, não necessitará de palavras minhas para lembrá-lo aquilo que ele deve suportar no presente. Se ele tem uma alma superior à média, ou se é um homem de gênio, sentir-se-á ocasionalmente como algum nobre prisioneiro de Estado, condenado a trabalhar nas galés com os criminosos comuns; e ele seguirá seu exemplo e tentará se isolar ao máximo.”

Perdão é a palavra para tudo! [Pardon’s the word to all!][*] Quaisquer que sejam as asneiras cometidas pelos homens, sejam quais forem suas fraquezas e vícios, exercitemos a tolerância; recordando que quando essas faltas aparecem nos outros, são as nossas asneiras e os nossos vícios que nós enxergamos. São os defeitos da humanidade, à qual pertencemos; cujas falhas, uma e todas juntas, nós dividimos; sim, mesmo essas falhas que reverberamos tão indignados, só porque ainda não apareceram em nós mesmos. São falhas que não residem na superfície.

[*] <Cymbeline>, Ato V, Seção V.”

De fato, a convicção de que o mundo e o homem são algo que não deveriam ter existido é dum tipo que nos enche de indulgência um para com o outro. Aliás, desse ponto de vista, podíamos muito bem considerar que a forma adequada de se dirigir a alguém seria, não Monsieur, Sir, mein Herr, Senhor, mas my fellow-sufferer, Socî malorum, compagnon de misères, meu companheiro sofredor!”

acima de tudo a coisa mais necessária na vida – a tolerância, a paciência, a consideração, e o amor ao próximo, dos quais todos estão igualmente carentes, e os quais, portanto, todo homem deve ao seu conviva.”

* * *

O tempo é aquilo em que todas as coisas vão embora; é meramente a forma sob a qual a vontade de viver – a coisa-em-si e portanto imperecível – se revelou um esforço em vão”

Aquilo que foi não existe mais; existe tão pouco quanto aquilo que nunca foi. Mas de tudo o que existe você deve dizer, no instante seguinte, que aquilo já foi. Daí que algo de suma importância agora já passado é inferior a qualquer insignificância vigente, já que a última é uma realidade, e é comparável ao primeiro como algo se compara ao nada.

Um homem se acha, para seu grande espanto, de repente existindo, depois de milhares e milhares de anos de não-existência: ele vive uma pequenitude; e depois, de novo, vem um período igualmente longo em que ele deve deixar de existir. O coração se rebela contra isso, e sente que não pode ser verdade. O intelecto mais cru não pode especular neste assunto sem ter um pressentimento de que o Tempo é algo ideal em sua própria natureza. Essa idealidade do Tempo e Espaço é a chave para qualquer verdadeiro sistema de metafísica; porque subsidia uma outra ordem das coisas da qual não suspeitaríamos estando simplesmente no puro domínio da natureza. Essa é a razão de Kant ser tão grandioso.”

nas profundezas mais profundas de nosso ser estamos secretamente conscientes de nosso naco na inextinguível primavera da eternidade, de modo que sempre podemos esperar achar vida nova.

Considerações do naipe desta acima, com efeito, nos levam a aderir à crença de que a maior sabedoria consiste em fazer do saboreio do presente o supremo objetivo da vida; porque essa é a única realidade, tudo o mais sendo meramente o teatro do pensamento. Por outro lado, tal postura poderia ainda ser chamada de a maior das tolices: uma vez que aquilo que no momento seguinte já não existe mais, e desaparece sem volta, como um sonho, nunca poderia ser levado a sério.”

Somos como um homem correndo ladeira abaixo, que não pode se manter sobre as próprias pernas a não ser que continue correndo, e vai inevitavelmente cair se parar” “como um acrobata sobre a corda – em um mundo tal, a felicidade é inconcebível.” “E depois, dá na mesma se ele foi feliz ou miserável”

POR TRÁS DO TRAMPOLIM

embora estejamos sempre vivendo na expectativa de coisas melhores, ao mesmo tempo não nos arrependemos com menos freqüência, almejando apenas ter o passado de volta. Olhamos para o presente como algo a ser sofrido enquanto tiver que durar, presente que serve unicamente de rota até nosso objetivo final” “O primeiro objetivo é ganhar algo; o segundo, banir o sentimento de que esse algo foi ganho; doutra forma, tornar-se-ia um peso.”

ECLÉTICO VAZIO: “o que é o tédio, senão a sensação da vacuidade da vida?”

O anseio pelo que é estranho e incomum – uma tendência inata e inerradicável da natureza humana – mostra o quão agradecidos estamos por qualquer interrupção do curso natural das coisas, que é sempre tão tedioso.”

Quão ridículo tudo parece! É como uma gota d’água vista ao microscópio; uma simples gota fervilhante com infusoria [vida primitiva; celenterados]; ou um pontinho de queijo cheio de ácaros invisíveis a olho nu. Como rimos quando eles perambulam agitados, chocando-se uns contra os outros, num espaço tão reduzido!”

* * *

Até onde eu sei, ninguém a não ser os devotos de religiões monoteístas, isto é, judias, olha para o suicídio como um crime. Isso é ainda mais surpreendente quando nem no Antigo nem no Novo Testamento há qualquer proibição ou desaprovação positiva do ato; tanto que professores religiosos são obrigados a basear sua condenação do suicídio em dogmas filosóficos de seu próprio punho.”

Eles nos dizem que o suicídio é o maior exemplo de covardia; que só um louco poderia cometê-lo; e outras insipidezes de correlato calibre; ou então fazem aquela observação disparatada de que o suicídio é errado; quando é bem óbvio que não há nada no mundo com mais autoridade sobre sua vida que o próprio sujeito.

O suicídio, como eu afirmei, é reputado um crime; e um crime que, especialmente sob a intolerância vulgar prevalecente na Inglaterra, é seguido por um enterro ignominioso e o confisco da propriedade do falecido; por essa razão, num caso de suicídio, o júri quase certamente conclui pelo veredito da insanidade.”

Pense na impressão causada pela notícia de que um conhecido seu cometeu o crime, vamos dizer, de assassinato ou roubo, ou que foi culpado por algum ato de crueldade ou engodo; compare agora com seus sentimentos quando ouve que ele conheceu uma morte voluntária. Ao passo que no primeiro caso um vivo sentido de indignação e de extremo ressentimento irá desabrochar, e que você irá clamar em alto e bom som por punição ou vingança, no segundo caso você será abatido pelo pesar e a simpatia; e embrenhada em seus pensamentos estará a admiração pela sua coragem, ao invés da desaprovação moral que logo sucede a uma má ação.”

O principal dos remédios para uma mente aturdida é a sensação de que, entre as bênçãos que a Natureza concede ao homem, nenhuma há maior do que uma morte oportuna; e o melhor de tudo é que qualquer um pode se a proporcionar.” Plínio – História Natural, cap. 28; §1.

Nem a Deus tudo é possível; porque a ele não cabe se matar, mesmo que quisesse morrer e, mesmo em meio a todas as misérias de nossa vida mundana, esse é o maior presente que ele nos deu.” Plínio – História Natural, cap. 2; §1.

Em Massilia e na ilha de Ceos, o homem que pudesse dar razões válidas para abandonar a própria vida recebia uma taça de cicuta do magistrado; tudo isso era feito em público.” Cf. Valerius Maximus, Heráclides Pôntico e Estrabão.

O homem bom deve fugir da vida quando suas desgraças se tornarem demasiadas; o homem mau, também, quando se tornar muito próspero.” Estobeu

E encontramos que os Estóicos elogiavam o suicídio como uma ação nobre e heróica, como centenas de passagens nos mostram”

Como é bem sabido, os hindus enxergam o suicídio como um ato religioso, especialmente quando vem sob a forma da auto-imolação das viúvas; mas também quando consiste em jogar-se debaixo das rodas da charrete do deus na Jamanta, ou ser devorado por crocodilos no Ganges, ou afogar-se nos tanques sagrados nos templos, e assim por diante.”

Em O Órfão da China (L’Orphelin de la Chine)[*], uma celebrada peça chinesa, quase todos os personagens nobres se suicidam; sem o menor indício em lugar nenhum, ou qualquer impressão causada no expectador, do cometimento de um crime. Nos nossos próprios teatros é igual – Palmira, por exemplo, em Mahomet, ou Mortimer em Maria Stuart, Othello, a Condessa Terzky[**]. É o monólogo de Hamlet a meditação de um criminoso?

[*] Tradução francesa de Saint Julien, 1834.

[**] N.T.I. – Palmira: escrava na peça Maomé de Goethe; Mortimer: um pretendente amoroso de Mary, que realiza a façanha de resgatá-la em Maria Stuart de Schiller. Condessa Terzky: uma das protagonistas de A Morte de Wallenstein [fecho de uma trilogia também de Schiller].”

Hume escreveu um Ensaio sobre o Suicídio[*], mas a obra não atraiu atenções até depois da morte do autor, quando foi imediatamente suprimida, devido à abominável tirania eclesiástica e à escandalosa intolerância preponderantes na Inglaterra de outrora; pouquíssimas cópias, desde então, foram vendidas, sob total segredo e a preços elevados.

[*] Essays on Suicide and the Immortality of the Soul [Ensaios sobre o Suicídio e a Imortalidade da Alma], do velho David Hume, Basiléia, 1799, ed. James Decker.”

Ver meu tratado, denominado Dos Fundamentos da Moral.”

A poupa mais entranhada das verdades do Cristianismo, o seu mais profundo ensinamento, é que o sofrimento – a Cruz – é o verdadeiro fim e objetivo da vida. É por isso que o Cristianismo condena o suicídio, por frustrar esse fim; ao mesmo tempo, o mundo antigo, tomando um ponto de vista menos elevado, aprovava o suicídio, aliás, honrava-o mesmo[*]. Mas se tiver de ser enumerada uma razão válida contra o suicídio, ela envolve o reconhecimento do asceticismo; ou seja, ela é válida somente sob um ponto de referência ético muito mais elevado do que qualquer um jamais adotado pelos filósofos morais da Europa. Se abandonarmos estes cumes, não há qualquer sustentabilidade, moralmente falando, para a condenação do suicídio. A energia e o zelo extraordinários com os quais o clero das religiões monásticas ataca o suicídio não são ancorados seja por qualquer passagem da Bíblia seja por qualquer consideração de peso; a ponto de que parece haver alguma razão secreta para sua contenda. Não seria essa – que a desistência voluntária da vida é um péssimo cumprimento àquele que disse que todas as coisas eram maravilhosas? Se assim for, eis outro exemplo do crasso otimismo dessas religiões, – revelado ao condenarem o suicídio antes que ele mesmo pudesse condená-las.

[*] N.T.I. – Schopenhauer se refere ao parágrafo 69 do primeiro volume de O Mundo como Vontade e Representação, onde o leitor se deparará com o mesmo argumento defendido de forma mais pormenorizada. De acordo com Schopenhauer, a liberdade moral – a maior meta ética – só poderia ser adquirida pela via da negação da vontade de viver. Mas longe de se apresentar como uma negação, o suicídio é uma asserção enfática dessa vontade. Porque a negação consiste em fugir dos prazeres, e não dos sofrimentos da vida. Quando um homem destrói sua existência como um indivíduo, não está de forma alguma destruindo sua vontade de viver. Ao contrário, ele até gostaria de continuar a viver se pudesse vir a fazê-lo com auto-satisfação, se pudesse asseverar sua vontade contra o poder da circunstância; mas a circunstância é forte demais para ele.

Será geralmente aceito que, assim que os horrores da vida tiverem atingido o ponto em que ultrapassam os horrores da morte, um homem aceitará pôr fim a sua vida. Mas os terrores da morte oferecem considerável resistência; pairam como uma sentinela diante do portão que conduz para fora desse mundo. Talvez que não existisse homem vivo que não tivesse já colocado um fim a sua vida, se esse fim tivesse puramente um caráter negativo, uma parada súbita da existência. Há algo de positivo nele; é a destruição do corpo; e um homem estremece diante dessa possibilidade, porque seu corpo é a manifestação da vontade de viver.

Entretanto, a luta com esta sentinela é, via de regra, menos difícil do que poderia parecer de uma distância ainda muito longa, principalmente em decorrência do antagonismo entre os males do corpo e os males da mente. Se estamos em grande dor corporal, ou a dor perdura por um longo período, tornamo-nos indiferentes a outros problemas; tudo no que pensamos é em melhorar. Da mesma forma, grande sofrimento mental nos torna insensíveis à dor física; desprezamo-la; aliás, se esta ultrapassar a outra, até distrai nossos pensamentos, e a saudamos como uma pausa bem-vinda ao nosso sofrimento mental. É essa sensação que torna o suicídio fácil; a dor corporal que o acompanha perde toda significância aos olhos daquele torturado por um excesso de conturbação mental. Isso é especialmente evidente no caso daqueles levados ao suicídio por um mau-humor puramente mórbido e exagerado. Nenhum esforço especial para superar seus sentimentos é necessário, nem precisam essas pessoas de incentivo para se decidirem; assim que o protetor delas encarregado se ausenta por poucos minutos, dão rapidamente cabo da vida.

Quando, num sonho pavoroso e horripilante, atingimos o ápice do terror, automaticamente despertamos; isso basta para banir todas as formas hediondas que nasceram da noite. E a vida é um sonho”

O suicídio também deve ser contemplado como um experimento – uma questão que o homem coloca à Natureza, tentando forçá-la a responder.”

* * *

IMORTALIDADE: UM DIÁLOGO

N.T.I. – A palavra imortalidade – Unsterblichkeit – não consta do original; nem encontraria lugar, em sua forma usual, no vocabulário de Schopenhauer. A palavra por ele usada é Unzerstörbarkeit – indestructibility, indestrutibilidade. Mas preferi imortalidade, já que esta palavra está intimamente associada com a matéria tratada neste pequeno debate.”

[Abaixo, alguns trechos significativos da paródia de diálogo platônico entre dois doutrinários, Trasímaco e Filaletes. Note-se que em nenhum dos trechos significativos assinalados temos a citação da palavra imortal ou indestrutível ou qualquer uma de suas derivações.]

TRASÍMACO. (…) “Mas basta dessa ladainha kantiana: está antiquada e não se aplica às idéias modernas. Ultimamente tivemos incríveis linhagens de espíritos eminentes na metrópole chamada Pensamento Alemão—”

TRASÍMACO. “O imponente Schleiermacher, por exemplo, e aquele intelecto gigantesco, Hegel; e a essa hora da razão abandonamos todos esses disparates. Diria, inclusive, que estamos tão além deles que não podemos nem mais agüentar voltar a essas coisas.” (…)

FILALETES. (…) “Seu verdadeiro eu não conhece nem tempo, nem começo, nem fim, nem os limites de qualquer indivíduo dado. (…) Isso é o que eu quis dizer quando disse que depois da morte você seria tudo e nada. (…) Você vê o que acontece quando tentamos transportar o transcendental para os limites do conhecimento imanente.” (…)

FILALETES. (…) “Quando você está morto, tanto faz 3 meses no mundo da consciência, ou 10 mil anos. Num caso como noutro, trata-se afinal de contas de acreditar na resposta que lhe dão quando você desperta.” (…)

FILALETES. “Pense no que você está fazendo! Quando você insiste nesse eu, eu, eu quero existir, não é você sozinho que fala assim. Tudo o repete, absolutamente tudo com o traço mais vago de consciência. Segue daí que esse desejo seu é só a parte de você que não é individual – a parte que é comum a todas as coisas sem distinção. É o grito, não do indivíduo, mas da existência em si mesma; é o elemento intrínseco em tudo que existe, aliás, é a causa de qualquer existência. Esse desejo clama por, então é satisfeito por, nada menos que a existência em geral – não qualquer existência individual definida. Não! não é seu objetivo. Parece ser somente porque esse desejo – essa Vontade – alcança consciência só no individual, e por isso parece estar relacionada apenas com o indivíduo. (…) se ele refletir, poderá quebrar os grilhões e se libertar (…) De tudo que discutimos fica claro que a individualidade não é uma forma de perfeição, mas, ao contrário, de limitação; livrar-se dela não é uma perda, e sim um ganho. Não perca mais seu tempo com o problema. Depois da completa compreensão do quê você é, o que é realmente sua existência, a saber, a vontade universal de viver, tudo o mais se torna infantil, o sumo do ridículo!”

TRASÍMACO. “Você é que é infantil e o sumo do ridículo, como todos os filósofos! e se um homem da minha idade se deixa levar por 15 minutos por uns papos tolos como estes, a única razão é que isso me diverte, ajuda a passar o tempo. Tenho mais o que fazer, então adeus.”

* * *

Há uma propriedade inconsciente na forma como, em todas as línguas européias, a palavra pessoa [person] é comumente usada para denotar um ser humano. O real significado de persona é uma máscara, como as que os atores estavam acostumados a vestir no palco antigo; e é bem verdade que ninguém se mostra como realmente é, mas veste sua máscara e encena suas partes. De fato, o todo de nossos arranjos sociais poderia ser comparado a uma perpétua comédia; e é por isso que um homem que valha alguma coisa considera a sociedade tão insípida, enquanto um tonto se sente em casa ao estar nela.”

a razão é um excelente freio em momentos nos quais nos sentimos possuídos por paixões instintuais, um impulso de ira, algum desejo ávido, qualquer coisa que nos levasse a cometer loucuras de que depois nos arrependeríamos.”

POR QUE DESPREZAR É UMA CONTRADIÇÃO EM TERMOS

O ódio vem do coração; o desprezo da cabeça; e nenhum dos dois sentimentos está basicamente sob nosso controle. Não podemos modificar nosso coração; seu núcleo é determinado por motivos, estímulos; e nossa cabeça lida com fatos objetivos, e a eles aplicamos regras imutáveis. Dado indivíduo é a união toda única de um coração particular com uma cabeça particular.

Ódio e desprezo são diametralmente opostos e mutuamente exclusivos. Não são poucos os casos em que o ódio a alguém radica na forçosa estima por suas qualidades. Além do mais, se um homem decide odiar todas as miseráveis criaturas que encontra pela frente, não terá muita energia para mais nada; no lugar, ele poderia desprezar cada uma, uma e todas, com a maior facilidade. O autêntico e genuíno desprezo é tão-somente o inverso do autêntico e genuíno orgulho; mantém-se quase sempre quieto e não emite sinais de sua existência. Porque se um homem mostra que o despreza, ele deixa entrever o quanto se preocupa com o outro, ele quer que ao menos seja visto quão pouco você é apreciado; seu sentimento é ditado pelo ódio, que não pode conviver com o desprezo real. Ao contrário, se for genuíno, esse desprezo é simplesmente a convicção de que o objeto desprezado é um homem sem qualquer valor. Desprezo não é incompatível com indulgência e tratamento gentil, e, visando à própria paz e segurança, aqueles não deveriam ser omitidos; prevenirá irritação; lembrando que não há ninguém incapaz de prejudicar, se devidamente provocado. O problema é que se esse desprezo puro, frio e sincero se revelar uma vez que seja, será confrontado com o mais truculento ódio; já que a pessoa desprezada não está na posição de enfrentar o desprezo com suas próprias armas [um desprezo superior, que seria invisível].”

Melancolia é uma coisa bem diferente de mau-humor, e das duas, não é a mais distante de um temperamento alegre e contente. A melancolia atrai, enquanto o mau-humor repele.

A hipocondria é uma espécie de tormento que não só nos faz cruzar desarrazoadamente com as coisas do presente; não só nos enche de ansiedade infundada no relativo a desgraças futuras que partem inteiramente de nossa imaginação; mas leva, ainda, a uma não-merecida auto-censura pelo que fizemos no passado.

A hipocondria se mostra numa perpétua caça atrás de coisas que vexem e importunem, tratando em seguida de ruminar sobre elas [consolo: ter sempre falsas esperanças também seria uma merda!]. A causa disso é um descontentamento mórbido inato, freqüentemente coexistindo com um temperamento naturalmente incansável. Na forma extrema, esse descontentamento e essa incansabilidade levam ao suicídio.

Por que é que comum é uma expressão que designa desprezo? e que incomum, extraordinário, distinguido, denotam aprovação? Por que tudo que é comum é desprezível?

Comum em seu significado original denota aquilo que é peculiar a todos os homens, i.e., compartilhado igualmente por toda a espécie, e conseqüentemente uma parte inerente de sua natureza. De acordo, se um indivíduo não possui qualidades além daquelas que se atribui à humanidade em geral, ele é um homem comum. Ordinário é uma palavra ainda mais modesta, e se refere ao caráter intelectual; enquanto comum tem aplicação eminentemente moral.

Que valor pode ter uma criatura que não é uma vírgula diferente de milhões de seus semelhantes? Milhões, digo eu? uma infinitude de criaturas que, século após século, numa torrente sem-fim, a Natureza envia borbulhando de suas fontes inesgotáveis; tão generosa com elas quanto o ferreiro com as faíscas inúteis que saltam de sua bigorna.

É obviamente acertado que uma criatura que não tem qualidades a não ser as da espécie deveria se limitar a levar uma existência inteiramente confinada aos limites da espécie, e a viver uma vida condicionada por esses limites.

(…) ao passo que um animal inferior não possui nada a mais do que o caráter genérico de sua espécie, o homem é o único animal que pode reivindicar possui um caráter individual. Mas na maioria deles esse caráter individual é muito pouco, quase nada (…) eles são de um caráter trivial, cotidiano, comum, e existem aos milhares. Você pode dizer de antemão o que eles vão dizer e fazer[*]. Eles não têm carimbo ou marca especiais que os distingam; são como bens manufaturados, todos advindos de um mesmo tecido.

[*] Nota do Tradutor para o Português (eu, Rafael C.!) – O tipo Th.-Ne. Com efeito, até as fotos no Instagram são plenamente previsíveis!

(…) Qualquer coisa que é elevada ou grandiosa ou nobre deve, pois, por sua própria natureza, manter-se sozinha num mundo em que nenhuma expressão pode retratar melhor o que é baixo e desprezível como a que eu citei no início do capítulo, de uso universal: comum.”

o que coloca um sobre o outro e cria diferenças entre homem e homem é o intelecto e o conhecimento; portanto, em qualquer manifestação do eu deveríamos, tanto quanto possível, dar vazão puramente ao intelecto; afinal, como vimos, a vontade é a parte comum a todos nós. Toda exibição violenta da vontade é comum e vulgar; em outros termos, ela nos reduz ao nível da espécie, e nos torna mero tipo, exemplar, amostra; nisso, estamos mostrando apenas o caráter da espécie. Qualquer rompante de fúria não passa de algo comum – qualquer demonstração desenfreada de júbilo, ou ódio, ou medo – em suma, toda forma de emoção (…)

Ao ser complacentes com emoções desse tipo violento, os maiores gênios se rebaixam ao mesmo nível do mais vulgar filho da terra. Contrariamente, se um homem deseja ser absolutamente incomum, ou seja, grande, ele nunca deve permitir que sua consciência seja dominada pelo movimento de sua vontade, não importa o quanto seja premido a isso. Por exemplo, ele deve ser capaz de observar que outras pessoas são mal-intencionadas quanto a ele, sem sentir qualquer ódio por elas ele mesmo; não há nenhum indício mais seguro de uma mente grandiosa do que sua recusa a dar importância a expressões incômodas e insultuosas, atribuindo-as aliás, como essa mente atribui incontáveis outros erros, ao conhecimento deficitário do interlocutor, sem sentir nada em decorrência de sua observação. Esse é o sentido daquele comentário de [Baltasar] Gracián, de que nada é mais indigno dum homem que deixar que vejam que ele é umo maior desdouro de um homem é dar mostras de que é homem[*].

[*] N.T.P. – Preferi traduzir a própria citação do original, que estava em Espanhol, também em itálico, uma vez que não corresponde literalmente à tradução de Schopenhauer imediatamente anterior.

(…) os trabalhos dos escritores trágicos franceses, que não vislumbram nada além da delineação das paixões; e ao deixarem-se cair por um momento num tipo de pathos vaporoso que os torna ridículos, e incorrerem num outro em chistes epigramáticos, tentam esconder a vulgaridade de seu discurso. (…) o verdadeiro sentimento trágico, do qual, de fato, os franceses não têm a menor noção. (…) a natureza italiana, embora em muitos respeitos tão diferente da alemã, compartilha com ela sua apreciação pelo que é profundo, sério e verdadeiro na Arte (…)

O elemento nobre, ou seja, incomum, no drama – o que nele é sublime – não é atingido a menos que o intelecto seja posto para trabalhar, em oposição à vontade; até o intelecto sobrevoar livremente todos esses movimentos apaixonados da vontade, e subjugá-los a sua contemplação. Shakespeare, em particular, mostra que esse é o método geral, sobretudo no Hamlet. E só quando o intelecto emerge ao ponto em que a vaidade de qualquer esforço é manifesta, e a vontade procede a um ato de auto-anulação, é que o drama é trágico na verdadeira acepção da palavra”

todo homem que quer atingir alguma coisa, seja na vida prática, na literatura, ou na arte, deve seguir as regras sem conhecê-las.”

Homens de grande capacidade acharão, em regra, a companhia de pessoas muito estúpidas preferível àquela do homem médio; pela mesma razão que o tirano e as massas e o avô e os netos são aliados naturais.”

Que o homem comum está centrado inteiramente no prazer e bem-estar físico não é provado só pelo seu modo de vida e as coisas que diz, mas essa verdade se mostra também no jeito como olha, na expressão de sua fisiognomonia, seus passos e gestos [(So-) Ma(-rria)niac (, flor do dia!)]. Tudo nele[a] grita: in terram prona [terra de ninguém]!

Não é a ele, é só às naturezas mais nobres e bem-dotadas – homens que realmente pensam e percebem os seus arredores, e formam espécimes excepcionais da humanidade – que as linhas seguintes se aplicam:

Os homini sublime dedit coelumque tueri Jussit et erectos ad sidera tollere vultus.” [“Deus deu ao homem uma postura ereta para investigar os céus e contemplar as estrelas” – Ovídio – Metamorfoses]

Ninguém conhece a própria capacidade para agir e sofrer que guarda dentro de si mesmo, até algo vir e despertar sua atividade (…) Quando a água é tão fria como o gelo, não se faz idéia do calor latente nela contido.”

Por que é que, a despeito de todos os espelhos do mundo, ninguém sabe como realmente é e aparenta ser?

Um homem poderia lembrar o rosto de um amigo, mas não o próprio. Aqui, pois, jaz uma dificuldade inicial na aplicação da máxima, Conhece-te a ti mesmo. [A frase é atribuída a 11 filósofos gregos diferentes.]

Isso se atribui, em parte, sem dúvida, à impossibilidade dum homem se ver refletido exceto com o rosto voltado rigorosamente para a superfície de vidro, e desde que em perfeita imobilidade; porquanto nesta postura a expressão dos olhos, que conta tanto, e dá todo o caráter à face, está quase toda perdida. (…) Um homem não pode olhar seu próprio reflexo como se a pessoa apresentada ali fosse um estranho a ele; todavia, isso seria necessário se se quisesse tomar uma visão objetiva. (…) algo advindo de sua própria natureza egotística cochicha: lembre-se que não é estranho nenhum, é você mesmo para quem você está olhando; e isso opera como um noli me tangere[*], e o previne de tomar uma visão objetiva.”

[*] N.T.P. – “Não me segures” ou “Não me detenhas”, conforme a tradução do Novo Testamento, João 20:17, Cristo a Madalena depois de ressuscitar.

Conforme a energia mental de um homem é exortada ou relaxada, a vida parecerá a ele ou curta demais, e petulante, e passageira, a ponto de nada poder suceder que merecesse sua consideração ou desgaste emocional; daí ele concluir que nada realmente importa, prazer ou riquezas, ou mesmo fama, e que qualquer que tenha sido o fracasso de um homem, ele não perdeu muito – ou, partindo para o lado oposto, a vida parecerá tão longa, tão relevante, tão integral e minuciosa, tão momentosa e cheia de dificuldades, que temos de mergulhar nela com toda nossa alma se quisermos obter um naco de seus bens, ter certeza de ser recompensado e concretizar nossos planos. Essa última é a visão imanente e mais comum da vida (…) A primeira é a visão transcendente, mais bem-expressa pela citação ovídica non est tanti [não é pra tanto] (…) Essa condição da mente é proporcionada pelo intelecto tomando a rédea da consciência, quando, liberta do serviço da vontade, esta consciência analisa o fenômeno da vida objetivamente (…)

Um homem é grande ou pequeno conforme ele se incline para a primeira ou a segunda dessas perspectivas.

Pessoas dotadas de brilhantes habilidades desvalorizam o ato de admitir seus erros e fraquezas, ou de deixar os outros os perceberem. Eles consideram esses mesmos erros algo pelo que já pagaram devidamente; e ao invés de simularem que esses defeitos são uma desgraça para eles, vêem-nos como honrosos. Isso é especialmente verdadeiro quando os erros são visíveis sempre acompanhados de suas maiores qualidades – conditiones sine quibus non [sem um, sem o outro, se um vem, o outro também!] – ou, como George Sand dizia, les défausts de ses vertus [os defeitos de suas virtudes].

Contrariamente, há pessoas de bom caráter e capacidade intelectual irreprochável que, longe de admitir suas poucas debilidades, escondem-nas com zelo, e se mostram bastante sensíveis a qualquer sugestão de sua existência; e isso porque todo seu mérito consiste em ser livres de erros e fraquezas. Se essas pessoas forem flagradas cometendo alguma falha, sua reputação decai de imediato.”

Nas pessoas de habilidade moderada, a modéstia é mera honestidade; mas nos de grande talento, hipocrisia.”

Não freqüentar o teatro é como fazer a toalete sem um espelho[*]. Mas é ainda pior tomar uma decisão sem consultar um amigo. Porque um homem pode ter o juízo mais perfeito em outros assuntos, e ainda assim se precipitar quando se trata de si mesmo”

[*] N.T.P. – Essa frase envelheceu tanto de um século e meio para cá que eu diria, para recontextualizá-la: Não ir ao cinema é como sair com os amigos e não tirar selfies.

deve ser admitido que muitos homens têm um grau de existência pelo menos 10x mais elevado que outros – em outras palavras, existem 10x mais. (…)

(no norte da Europa a ansiedade produzida pelos meses de inverno torna as pessoas mais pensativas e portanto reflexivas) (…)

Os homens comuns nunca refletem sobre sua vida como um todo interconectado, quanto mais sobre a existência em geral; até certa medida, pode-se dizer que existem sem realmente saber disso. [Dg.] (…) Observe o pobre[, e como ele é o feliz inconsciente]. § Depois, passando por esse tipo de homem, considere, em seguida, o mercador, sóbrio e sensato (…) § Depois olhe para o homem culto, que investiga, quem sabe, a história do passado. Ele terá chegado ao ponto em que um homem se torna consciente da existência como um todo, enxerga além do período de sua própria vida, além de seus próprios interesses, meditando acerca do curso inteiro da história do mundo. § Por fim, dê uma olhada no poeta e no filósofo, em quem a reflexão atingiu tal dimensão que, ao invés de estar inclinado à investigação de fenômenos particulares, ele paira absorto diante da existência ela mesma, essa grande esfinge, e faz disso seu problema. (…) Se, portanto, o grau de consciência é o grau de realidade, esse homem, dir-se-á, existe mais do que tudo, existe mais que os demais, e fará sentido e terá um significado descrevê-lo assim.

Entre os dois extremos aqui esboçados, e os seus estágios intermediários, cada leitor saberá achar o seu lugar.”

Schopenhauer rules. Over nothing, but he rules.

Um inglês, por exemplo, considera um insulto mortal dizerem que ele não é um gentleman; ou, pior ainda, que ele é um mentiroso; um francês terá o mesmo sentimento ao ser chamado de covarde, e um alemão se você chamá-lo de estúpido.

(…) sentimos que a imaginação é ativa na exata proporção em que nossos sentidos não são excitados por objetos externos. Um longo período de solidão, ou na prisão ou numa ala de hospital; quietude, crepúsculo, escuridão – são essas as coisas que produzem a atividade mental; e sob sua influência a imaginação cresce espontaneamente. Por outro lado, quando uma grande quantidade de materiais é apresentada às nossas faculdades de observação, como acontece numa viagem, ou no vaivém do mundo, ou, ainda, por oposição, à luz do dia, a imaginação é pueril, e, por mais que se a convoque, ela se recusa a tornar-se ativa, como se entendesse que não é a hora mais indicada.

(…) A fantasia é alimentada praticamente do mesmo jeito que o corpo, que é menos capaz de qualquer trabalho e prefere não fazer nada no exato momento em que recebe sua comida, que tem que digerir.[*]

[*] N.T.P.Reflexões pessoais: O tédio e a falta de brinquedos; infância-adolescência-madurez: de expectador a criador de games, RPGs, canções e obras. Televisão só serve pra isso: pra desligar nossa tevê interna. A festa é o dia do lixo do artista. Pé na jaca da sociedade. O diplomata é o tipo do eterno-passivo. Artista de caravana: será tão artista assim? Nada mais movimentado do que o gabinete do escritor… Guarda noturno e seus fantasmas… Quão mais doente, mais filósofo. Certamente o celibatário Kant nunca precisou pedir mais tempo ou espaço para alguém! Flor sobrecar-regada. Hoje não vou à academia, porque ontem filosofei a noite toda. Gandaia da gaia-ciência. Uma nota ao pé-de-página (pede mas não dou) da partitura: você não pode errar do samba desses versos a cadência.

Devido a um processo de contradição, a distância no espaço faz as coisas parecerem pequenas, e conseqüentemente livres de defeitos. É por isso que uma paisagem parece tão melhor num espelho contraído ou numa camera obscura, do que na realidade. O mesmo efeito é produzido pela distância no tempo.”

nossa memória de alegrias e tristezas é sempre imperfeita, e se torna um problema de indiferença para nós assim que elas acabam. Explica-se, assim, a vaidade da tentativa, que fazemos às vezes, de reviver os prazeres e as dores do passado. (…) a vontade, como tal, é desprovida de memória, que é função do intelecto”

uma boa imaginação deixa mais fácil aprender línguas; já que com seu auxílio a nova palavra é de uma vez incorporada ao objeto referente; ao passo que, sem imaginação, é colocada puramente em paralelo com a palavra equivalente na língua-mãe.

Mnemônicos deviam não somente ser a arte de guardar coisas indiretamente na memória através de trocadilhos explícitos ou tiradas; deviam ser aplicados a uma teoria sistemática da memória, e explicar seus diversos atributos com referência tanto a sua natureza real quanto à relação desses atributos uns com os outros.”

Não podemos atribuir nenhuma razão nem explicar o porquê de esse momento em especial, dentre tantos milhares de momentos parecidos, ser rememorado. Parece mais uma questão de acaso, tanto quanto quando alguns meros espécimes duma espécie animal agora extinta são descobertos nas camadas de uma rocha; ou quando, ao abrir um livro, nos deparamos com um inseto acidentalmente esmagado pelas folhas. Memórias desse tipo são sempre doces e prazerosas.”

Acontece ocasionalmente, sem razão em particular, que cenas há muito esquecidas se iluminam de súbito na memória. Isso pode ser atribuído em muitos casos à intervenção de odores de difícil percepção, que acompanhavam essas cenas e agora ressurgem idênticos. É muito sabido que o sentido do olfato é excepcionalmente eficaz no despertar de memórias, e em geral não se requer muito esforço para a partir de uma só lembrança trazer à baila toda uma cadeia de idéias.” Se bem se comece a ficar louco pelos tímpanos…

enquanto a intoxicação aperfeiçoa a memória do que passou, atrofia nossa capacidade de recuperar o presente.”

Os homens necessitam de algum tipo de atividade externa quando são inativos interiormente. Contrariamente, quando são interiormente ativos, não consideram ser arrastados para fora de si mesmos; na verdade os atrapalharia e impediria sua cadeia de pensamentos duma forma que amiúde é desastrosa para eles.”

Os animais inferiores nunca riem, sozinhos ou em companhia. Myson, o misantropo, foi certa vez surpreendido por uma dessas pessoas enquanto ria sozinho. Por que você ri? ele foi perguntado; não há ninguém com você! É exatamente por isso que estou rindo, respondeu Myson.”

a gesticulação tem alguma analogia com a lógica e a gramática, uma vez que tem a ver com a forma, ao invés de com o conteúdo da conversação [D*** o eloqüente], mas, na outra mão, aquela é distinguível destas por ser mais moral do que intelectual; em outras palavras, reflete os movimentos da vontade. Como acompanhamento de uma conversação, é o baixo de uma melodia; e se, como na música, ela se mantiver condizente com o progresso do soprano, intensificará o efeito.

(…) qualquer que seja o assunto, com uma recorrência da forma, o mesmo gesto é inevitavelmente repetido. Então se acontecer de eu ver – da minha janela, digamos – duas pessoas tendo uma vívida conversação, sem poder pescar uma palavra sequer, eu poderei, não obstante, compreender a natureza geral do diálogo perfeitamente bem; melhor dizendo, o tipo de coisa que está sendo dita e a forma que ela exibe. (…)

Os ingleses nutrem um desprezo peculiar pelos gestos, considerando-os vulgares e indignos. Isso me parece um preconceito tolo de sua parte, e o resultado de tamanha rigidez nas coisas.”

* * *

após um longo caminho [escolar] de aprendizagem e leituras, entramos no mundo em nossa mocidade, parte com uma ignorância desafetada das coisas, parte com noções equívocas sobre elas; é aí que nossa conduta saboreia ora uma ansiedade nervosa, ora uma confiança infundada. A razão é simples: nossa cabeça está prenhe de conceitos que nos empenhamos em aplicar ao real, procedimento que quase nunca surte o efeito desejado. Esse é o resultado quando se age na direção oposta ao desenvolvimento natural da mente, tratando de fazê-la obter primeiro as idéias gerais, depois as observações particulares. (…) Os pontos de vista equivocados na vida, que nascem de uma falsa aplicação dos conceitos, têm de ser, em seguida, corrigidos por longos anos da experiência; e não-raro esses pontos de vista acabam mesmo sendo inteiramente corrigidos. Eis a razão de tão poucos homens cultos possuírem o senso comum num grau semelhante ao de pessoas sem qualquer instrução.” Dedicado ao Imperativista Categórico Luan.

Ninguém pode olhar dentro de sua própria cabeça sem observar que foi só depois de atingir uma idade muito madura, e em alguns casos quando menos se esperava, que se chegou a um entendimento correto ou a uma visão clara de tantos problemas da vida, que, afinal, não eram assim tão difíceis ou complicados.”

um cuidado especial teria de ser tomado para prevenir as crianças de usar palavras sem claramente entender seu significado e aplicação. A tendência fatal em se satisfazer com palavras ao invés de tentando entender as coisas – a tendência a aprender as frases por decoreba, de modo que sirvam de refúgio em tempos de necessidade, é uma regra, mesmo para a infância”

preconceitos, que ao cabo se tornam idéias fixas.”

Ao invés de nos apressarmos em depositar livros, e livros tão-só, em suas mãos, deveríamos familiarizar os jovens, passo a passo, com as coisas

Desaprender o mal foi a resposta que, de acordo com Diógenes Laércio, Antístenes deu, quando perguntado qual o ramo do conhecimento mais necessário; podemos entender o que ele quis dizer.

Nenhuma criança abaixo dos 15 deveria receber instrução em assuntos que podem ser o veículo de sério erro, como a filosofia, a religião, ou qualquer outro ramo do conhecimento em que seja necessário adotar pontos de vista abrangentes; porque noções equivocadas assimiladas desde cedo podem com freqüência ser arrancadas fora, mas de todas as faculdades intelectuais o julgamento é a última a chegar à maturidade. A criança deveria dedicar sua atenção ou a matérias em que o erro não é de fato possível, como na matemática, ou àquelas em que errar não representa perigo, como nas línguas, ciências naturais, história e assim por diante.

Em compensação, a memória deveria ser bastante usada na infância, visto que é nessa fase da vida que ela se mostra mais forte e tenaz. Acontece que a escolha das coisas com que a memória deverá se comprometer nessa idade deve ser a mais cuidadosa e previdente possível; já que lições no tempo da infância jamais são esquecidas.”

O conhecimento que derivamos de nossa própria observação é usualmente distinto daquele que adquirimos através de idéias abstratas; aquele vem de forma natural, esse do que outras pessoas nos dizem e da seqüência da instrução que recebemos, seja ela boa ou má. O resultado é que na juventude há geralmente muito pouca concordância ou correspondência entre nossas idéias abstratas, que são meras frases em nossa cabeça, e o autêntico conhecimento que tenhamos obtido graças a nossa própria observação. (…)

Essa maturidade ou perfeição do conhecimento é algo relativamente independente de outro tipo de perfeição, que pode ser de um grau alto ou baixo – estou falando da perfeição a que um homem pode conduzir suas faculdades individuais; ela é mensurada não por qualquer correspondência entre os dois tipos de conhecimento, mas pelo grau de intensidade que cada tipo obtém.”

Na aquisição do conhecimento do mundo, é enquanto é-se um novato, expressamente na infância ou adolescência, que as primeiras e mais difíceis lições são-nos imputadas; mas acontece quase sempre de mesmo em anos tardios haver ainda um bom naco que aprender.

O estudo já é difícil o bastante por si mesmo; mas a dificuldade é duplicada pelos romances, que representam um estado de coisas na vida e no mundo que simplesmente não existe. A juventude é crédula, e aceita esses pontos de vista, que depois se tornam parte e parcela da mente; em vez de uma condição de ignorância meramente negativa, você tem o erro positivo – um tecido inteiro de falsas noções para começar; numa data vindoura, esse tecido virá de fato a arruinar o próprio aprendizado pela experiência, e erigirá construções defeituosas nas lições que ela puder ensinar. (…) expectativas foram alimentadas que jamais serão atingidas. Isso geralmente produz uma influência nefasta por toda uma vida. Nesse respeito, aqueles cuja juventude não lhes permitiu a leitura de romances – esses que trabalham com suas mãos e por aí vai – estão uma posição de decidida vantagem. São poucos os romances para os quais essa repreensão não pode ser dirigida – que aliás têm um efeito o contrário ao mau. Primeiro de tudo, para exemplificar, Gil Blas, e os demais trabalhos de Le Sage [Alain-René Lesage – o sábio?] (ou, melhor ainda, seus hispânicos originais); além dele, The Vicar of Wakefield [Oliver Goldsmith], e, até certo ponto, os romances de Sir Walter Scott. Dom Quixote poderia ser visto como uma exibição satírica dos erros aos quais venho me referindo.”

* * *

[Victor-Joseph Étienne de] Jouy: Sem mulheres, o começo de nossa vida seria desamparado; o meio, despido de prazer; e o final, sem consolo.

Mulheres são feitas para ser as enfermeiras e professoras de nossa tenra infância pelo fato de serem elas mesmas infantis, frívolas e inconseqüentes.”

Com as donzelas a Natureza parece ter tido em mente o que, na linguagem do drama, se chama um efeito de choque; por poucos anos ela as dota com tal riqueza de beleza e as enche do dom do charme, às custas de todo o resto de suas vidas; assim, durante esses anos elas talvez cativem a fantasia de algum homem num grau o bastante para que ele se apresse em garantir seu honorável cuidado e sustento, de um jeito ou de outro, enquanto viverem – um passo para o qual não pareceria haver garantias suficientes se só a razão governasse seus pensamentos.”

exatamente como a formiga-fêmea, depois da fecundação, perde suas asas, que se tornam então supérfluas, aliás, um perigo para o negócio do acasalamento; ao dar a luz a uma ou duas crianças, uma mulher geralmente perde sua beleza; provavelmente por razões similares.

Encontramos que jovenzinhas, em seus corações, vêem os afazeres domésticos ou o trabalho sob qualquer aspecto como de importância secundária, senão como mera pilhéria. O único assunto que clama sua atenção mais sincera é o amor, o que inclui a conquista e qualquer coisa com ela relacionada – vestidos, danças, etc.

Quanto mais uma coisa é nobre e perfeita, mais tarde e mais devagar essa coisa aparece na maturidade do sujeito. Dificilmente um homem atinge a maturidade de seus poderes de raciocínio e de suas faculdades mentais antes da idade de 28; uma mulher, dos 18. (…) Esse é o porquê de as mulheres permanecerem crianças o resto de suas vidas; nunca vendo nada a não ser o que está realmente próximo delas, apegando-se ao momento presente, tomando a aparência por realidade, e preferindo bagatelas a problemas de primeira importância. É em virtude de sua faculdade de raciocinar que o homem não vive apenas no presente, como o bruto, mas percebe em redor de si e considera o passado e o futuro; e essa é a origem da prudência, bem como daquele zelo e ansiedade que tantas pessoas exibem. (…) é assim que as coisas que estão ausentes, ou passaram, ou estão por vir, têm muito menos efeito sobre as mulheres que sobre os homens. Esta é a razão por que as mulheres estão mais inclinadas à extravagância, e às vezes levam essa inclinação a extremos que beiram a loucura [M*******]. Em seu íntimo, as mulheres acham que é papel do homem ganhar dinheiro e o seu gastá-lo. – se possível durante a vida do marido, mas, em última instância, após sua morte. O próprio fato de o marido dar-lhes parte de seus ganhos para a administração do lar reforça essa crença.”

Não é de forma alguma uma má idéia consultar mulheres sobre grandes dificuldades, como os alemães costumavam fazer em tempos antanhos; porque sua maneira de ver as coisas é consideravelmente divergente do nosso, principalmente pelo fato de elas preferirem adotar o caminho mais curto até suas metas, e, em geral, fitar a vista no que está logo à frente; enquanto que nós, via de regra, vemos muito além, ignorando o que está imediatamente diante do nariz. Nesses casos, conselhos femininos nos trazem de volta a uma perspectiva acertada, recuperando-nos a visão simples e aproximada dos problemas.

As mulheres são decididamente mais sóbrias em seus julgamentos do que nós; (…) caso nossas paixões sejam despertadas, tendemos a ver tudo de maneira exagerada, ou então imaginar o que não existe.

As debilidades de suas faculdades racionais explicam, ainda, por que as mulheres exibem mais simpatia pelos desafortunados, tratando-os com mais afabilidade e interesse; e esse é ainda o motivo de, em contrapartida, vermos as mulheres serem inferiores ao homem no tocante à justiça, sendo menos honoráveis e conscienciosas[*].

[*] A esse respeito, elas podem ser comparadas a um organismo animal que contém um fígado mas não uma vesícula biliar. Deixe-me referenciar o que relatei no meu tratado Sobre os Fundamentos da Moral, §17.

Destarte, será concluído que o defeito fundamental do caráter feminil é que ele não possui senso de justiça. (…) Elas são dependentes, não da força, mas do artifício; vem daí sua capacidade instintiva para a artimanha, e sua tendência inerradicável para contar mentiras. Assim como leões são providos de garras e presas, e elefantes e javalis estão dotados de dentes enormes, touros com chifres, e alguns moluscos com nuvens de fluido preto, assim também a Natureza equipou as mulheres, para sua defesa e proteção, com as artes da dissimulação. (…) a dissimulação é inata na mulher, e uma qualidade presente tanto na estúpida quanto na esperta. (…) Donde: uma mulher perfeitamente confiável e não dada à dissimulação é talvez uma impossibilidade, e justamente por isso ela é tão célere para enxergar a dissimulação nas outras, a ponto de ser tolice tentar a mesma tática contra ela. (…) O perjúrio numa côrte de justiça é muito mais amiúde cometido por mulheres que por homens. Deveria ser, inclusive, questionado se as mulheres poderiam fazer juramento! De tempos em tempos acham-se casos repetidos, em todo lugar, de senhoras, que não passam necessidade alguma, que subtraem itens de prateleiras no mercado quando ninguém está olhando, ausentando-se rapidamente em seguida.

A regra inata que governa a conduta das mulheres, embora secreta e jamais formulada, ou melhor, inconsciente em seu funcionamento, é essa: Estamos justificadas ao ludibriar aqueles que pensam que têm o direito de dominar a espécie ao dedicar pouca atenção ao individual, isto é, a nós. A constituição, por conseguinte o bem-estar, da espécie foram depositados em nossas mãos e atribuídos aos nossos cuidados, através do controle que adquirimos da próxima geração, que vem de nosso ventre; deixem-nos cumprir nossas obrigações escrupulosamente. Mas as mulheres não possuem o conhecimento abstrato desse princípio-mor; estão conscientes dele apenas como fato concreto; e elas não possuem outro método de dar expressão a ele do que seu modo de agir quando a oportunidade surge. Sua consciência não as incomoda tanto quanto pensamos; porque nos recessos mais escuros de seu coração elas estão cientes de que ao falharem em suas obrigações para com o indivíduo, elas estão cumprindo sua missão perante a espécie, o que é infinitamente superior.

(…) Essa característica dota sua vida e seu ser de uma certa frivolidade; a inclinação geral de seu caráter está para uma direção fundamentalmente diferente do do homem; e é isso que produz aquela discórdia na vida em casal que é tão freqüente, quase o estado normal.

O sentimento natural entre os homens é mera indiferença, mas entre as mulheres é de fato inimizade. A razão é aquele ciúme recíproco – odium figulinum – que, no caso dos homens, não excede os confins de suas ocupações particulares; com as mulheres, ele envolve todo o sexo; pois elas só têm um objetivo na vida. Até mesmo quando cruzam na rua, as mulheres se vêem como Guelfos e Gibelinos. E é um fato patente que quando duas mulheres são apresentadas uma a outra agem com mais constrangimento e dissimulação do que dois homens na mesma situação; advém daí o caráter ridículo de uma troca de comprimentos entre duas mulheres. Além do mais, enquanto um homem vai, como regra geral, preservar sempre um certo nível de consideração e humanidade ao se dirigir a outros, mesmo àqueles em posição tremendamente baixa, é intolerável ver o modo arrogante e desdenhoso como uma dama de sociedade se porta frente uma fêmea de mais baixa extração (e eu sequer estou falando de uma sua serviçal) (…) enquanto que uma centena de considerações importam para nós, no caso mulher-mulher só uma consideração é feita: com que homem se deram bem (…)

É só o homem cujo intelecto foi obscurecido por seus impulsos sexuais que poderia dar o nome de o belo sexo a essa raça nanica, de ombros estreitos, quadris largos e pernas curtas, uma vez que toda a beleza do sexo está ligada a este impulso. Em vez de chamarmo-las de bonitas, haveria mais precisão em descrever mulheres como o sexo antiestético. Nem por meio de música, poesia ou quadro algum fazem elas verdadeiramente sentido ou têm elas suscetibilidade; é mera zombaria se elas têm a pretensão de fazê-lo ou tê-la em seus esforços para agradar. Como resultado, elas são incapazes de mostrar um interesse puramente objetivo no que quer que seja. Um homem tenta adquirir maestria direta sobre as coisas, ou ao compreendê-las ou subjugando-as a sua vontade. Mas a mulher está sempre e em todo canto limitada à maestria indireta das coisas, isto é, pelo homem (…) até Rousseau declarou: As mulheres não demonstram, em regra, amor por nenhuma arte; elas não aprendem nenhuma; e não possuem gênio. [Na Carta a d’Alembert, nota 20.]

Ninguém que veja um pouco abaixo da superfície pode deixar de notar o mesmo. Basta observar como as mulheres prestam atenção a um concerto, à ópera ou a uma peça – a simplicidade infantil com que insistem em papagaiar mesmo durante as melhores passagens das maiores obras-primas. Se é verdade que os Gregos excluíam totalmente a mulher dos teatros, estavam certos ao fazê-lo; de qualquer lugar você iria poder escutar as falas do palco. Nos nossos dias seria mais proveitoso, no lugar de dizer Que a vossa mulher esteja calada na igreja[*], Que a vossa mulher esteja calada na peça! Poderia estar assim escrito em letras grandes nas cortinas!

[*] N.T.P. – Cf. o igualitário Apóstolo Paulo, em 1 Coríntios 14:34.

E não se pode esperar nada a mais das mulheres se se considerar que as mais distinguidas intelectuais dentre todo este sexo jamais chegaram a produzir qualquer obra de respeito, genuína e original; nem regalaram o mundo com qualquer trabalho de valor permanente em qualquer esfera. Isso é especialmente notável na Pintura, em que a maestria da técnica está ao alcance de suas mãos ao menos tanto quanto está das nossas – percebe-se que elas são diligentes em cultivar esse talento; e mesmo assim não há nenhum quadro ou imagem de que possam jactar-se; não é questão de técnica, mas deficiência no juízo objetivo, indispensável na Pintura. O ponto de vista subjetivo é o seu limite.

(…) Mas, além do mais, é só por elas serem umas filistéias que a sociedade moderna, onde elas tomam a liderança e escolhem o tom, vai tão mal. O dito de Napoleão – que as mulheres não possuem pedigree – deveria ser adotado como o ponto de referência para determinar o lugar da mulher na sociedade; e, sobre suas demais qualidades, Chamfort[*] bem observa: Elas são feitas para barganhar com nossas fraquezas e tolices, mas não com nossa razão. As afinidades que existem entre elas e os homens são tão profundas quanto a pele, e não penetram a mente ou os sentimentos ou o caráter. Elas formam o sexus sequior – o segundo sexo, inferior em qualquer respeito ao primeiro; suas fragilidades deviam ser tratadas com consideração; já mostrar-lhes grande reverência é extremamente ridículo, e inclusive nos rebaixa a seus próprios olhos. (…)

[*] Conselhos e Máximas

Essa é precisamente a visão que os antigos tinham da mulher, e a visão que os povos orientais conservam até hoje; e seu julgamento acerca da posição que cabe à mulher é muito mais correto que o nosso, nós e nossas noções francesas arcaicas de galanteria e nosso sistema ilógico de reverência – esse produto-mor da estupidez teutônico-cristã. Essas noções serviram apenas para tornar a mulher mais arrogante e autoritária; ao ponto de sermos lembrados ocasionalmente dos macacos sagrados de Benares, que ao estarem conscientes de sua santidade e posição inviolável acham que podem fazer exatamente o que entenderem.

(…) É apenas por existirem pessoas como as ladies da Europa que as mulheres de classes mais baixas, a grande maioria do sexo, são muito mais infelizes do que seriam no Oriente.”

Lord Byron diz: Observação sobre o estado das mulheres sob os gregos antigos – conveniente o bastante. Estado presente, um reminiscente do barbarismo da cavalaria e da era feudal – artificial e inatural. (…) [recomenda-se-lhes] que não leiam poesia nem política – nada a não ser livros devotos e culinários. Música – desenho – dança – também um pouco de jardinagem e lavragem aqui e ali.

Quando a lei equiparou os direitos de homens e mulheres, devia ter presenteado as últimas com um intelecto masculino. Mas o fato é que, na exata proporção em que as honras e privilégios concedidos pela nova lei excedem o que a natureza dotou, há uma diminuição no número de mulheres que realmente participa desses mesmos privilégios; e todas as restantes são excluídas de seus direitos naturais no mesmo montante que é dado a umas poucas escolhidas, muito além de seu merecimento.”

Enquanto em nações polígamas toda mulher é sustentada, onde a monogamia prevalece o número de mulheres casadas é limitado; e uma larga margem de mulheres fica sem qualquer suporte: nas classes altas, vegetam como solteironas inúteis, e nas baixas sucumbem ao trabalho pesado, para o qual não nasceram; ou quem sabe se tornam filles de joie [garotas de programa][*], cuja vida é tão destituída de prazer quanto o é de honra.”

[*] N.T.P. – Literalmente, o termo para prostitutas corrente em toda a Europa na época de Schopenhauer teria de ser traduzido, do Francês, como “filhas (ou servas) do prazer”, dando ensejo ao comentário irônico na seqüência.

Apenas em Londres existem 80.000 prostitutas.”

não há qualquer boa razão para um homem cuja esposa sofre de doença crônica ou esterilidade, ou que se tornou gradativamente velha demais para ele, não tomar uma segunda.”

N.T.I. – Em troca de desistirem da poligamia, os Mormons ganharam uma colônia na América.”

a condição humana é tal que prestamos atenção à opinião dos outros numa proporção totalmente descabida para com seu real valor.”

É inútil argumentar contra a poligamia; ela deve ser assumida como existente de facto em todo canto, e a única questão é como deveria ser regulada. Onde há, então, monogamistas reais? Todos nós vivemos, em algum grau, por algum tempo, e aliás maioria de nós sempre, em poligamia. Uma vez que todo homem necessita de várias mulheres, nada há de mais justo que permitir-lhe, aliás, obrigá-lo mesmo, o acesso a muitas mulheres.”

Na Índia não há mulher independente; de acordo com a lei de Manu [Cap. V, v.148], ela deve permanecer sob o controle de seu pai, seu marido, seu irmão ou seu filho.”

O primeiro amor da mãe por sua cria é, seja nos animais inferiores ou no homem, de um caráter puramente instintivo, então ele acaba quando a criança já não é mais fisicamente indefesa. Depois desse primeiro amor, um outro baseado no hábito e na razão aflorará; mas esse segundo amor amiúde não aparece, sobretudo quando a mãe não ama o pai. O amor do pai pela sua criança é de uma ordem diferente, e mais propício a continuar; porque tem seu fundamento no fato de reconhecer-se a si mesmo na criança; ou seja, seu amor por ela é metafísico de origem.

Em quase todas as nações, dos mundos antigo ou moderno, até entre os Hotentotes[*], a propriedade é herdada apenas pelos descendentes masculinos; é só na Europa que uma ruptura se deu; mas atenção: não dentro da nobreza.

[*] Leroy – Lettres philosophiques sur l’intelligence et la perfectibilité des animaux, avec quelques lettres sur l’homme, p. 298.”

Entre os homens, a vaidade com freqüência conduz a vantagens imateriais, como intelecto, aprendizado, coragem.”

* * *

A demonstração superabundante de vitalidade, que toma a forma de bater, martelar e rolar as coisas por aí, constituiu-se para mim um tormento diário durante toda a minha vida. Há pessoas, é bem verdade – aliás, um grande número de pessoas –, que riem dessas coisas, porque não são sensíveis ao barulho; mas são as mesmas pessoas que também não são sensíveis a argumentos, pensamentos, à poesia, ou à arte; numa palavra, a qualquer tipo de influência intelectual. A razão é que o tecido de seus cérebros é de uma qualidade áspera e inferior. Já para os intelectuais, o barulho é uma tortura. Nas biografias de quase todos os maiores escritores, ou onde quer que seja que suas notas pessoais fiquem registradas, eu encontro reclamações sobre o barulho; no caso de Kant, por exemplo, e Goethe, Lichtenberg, Jean Paul; e se acontece de qualquer escritor omitir a exprimir-se dessa maneira, é unicamente por falta de oportunidade.”

um grande intelecto afunda até o nível de um ordinário, assim que interrompido e assaltado, sua atenção distraída e repelida do objeto em questão; sua superioridade depende de seu poder de concentração – de trazer toda sua força para se escorar num só tema, da mesma forma que um espelho côncavo coleta num só ponto todos os raios de luz que incidem sobre si. A interrupção barulhenta é um incômodo para essa concentração. Eis por que mentes distinguidas sempre demonstraram um excessivo desgosto pela perturbação sob qualquer aspecto, como algo que surge de súbito e arranca-lhes seu pensar. (…) A gente ordinária não sucumbe a nada do tipo. A mais sensível e inteligente das nações européias não foge à regra, Não interromperás! sendo seu décimo primeiro mandamento. (…) Mas é óbvio: onde nada há para interromper, o barulho não será particularmente doloroso. (…) Tudo o que sinto é um contínuo crescimento no trabalho do pensar – como se estivesse tentando caminhar com um peso nos pés. (…) O mais indesculpável e o mais desgraçado dos barulhos é o estalar de chicotes – uma coisa verdadeiramente infernal quando é desempenhado nas estreitas e reverberantes ruas de uma cidade. Eu denuncio esse estalar como algo que faz da vida pacata impossível; aborta todo pensamento tranqüilo. Que o estalar de chicotes seja permitido em qualquer circunstância me parece demonstrar da forma mais prístina como a natureza da humanidade é tão insensível e disparatada. (…) Toda vez que esse barulho é produzido, deve irritar uma centena de pessoas que estão concentradas nalgum negócio, não interessa o quão trivial ele seja (…) Nenhum som, por mais estridente, penetra de forma tão aguda os recôncavos do cérebro como esse maldito estalar de chicotes; você sente a ferroada do açoite diretamente dentro da cabeça”

Marteladas, o latido de cães, e o choro de crianças são horríveis de ouvir; mas o único e genuíno assassino de pensamentos como tal é o estalar do chicote (…) Esse maldito estalar de chicotes não só é desnecessário, como inútil mesmo. (…) O cavalo não acelera nem um pouco por causa dele. A maior demonstração disso é que o cocheiro precisa chicoteá-lo sem parar, e mesmo assim ele segue devagar o seu trote de sempre. (…) Supondo, no entanto, que fosse absolutamente necessário estalar o chicote a fim de manter o cavalo ciente de que deve manter um ritmo, um centésimo do barulho que escutamos já seria o suficiente. É um fato bem-conhecido que, em termos de visão e audição, os animais são ultra-sensíveis aos menores sinais; eles estão alertas para coisas que escassamente percebemos. Canários e cães treinados são a prova. (…) Que tamanha infâmia seja tolerada na cidade é um pedaço de barbárie e iniqüidade, ainda mais quando uma simples notificação policial podia resolver o problema, obrigando cada chicote a ter um nó em sua extremidade. (…) Um sujeito que cavalga pelos becos e vielas duma cidade com um cavalo de aluguel ou de carga improdutivo, e que continua a fustigá-lo por várias jardas com toda a força, mereceria aqui e ali ser desmontado e levar umas 5 boas varadas com um pau.

Todos os filantropos do mundo, todos os legisladores, num encontro para advogar e decretar a total abolição da punição corporal, não poderiam jamais me persuadir do contrário! (…) O corpo de um homem e as suas necessidades são agora, em toda parte, tratados com uma terna indulgência. É a mente pensadora, pois então, a única que nunca obterá a menor medida de consideração ou proteção, isso para não falar de respeito? (…) Quantos pensamentos grandes e esplêndidos, gostaria eu de saber, foram perdidos pelo mundo graças ao estalar de chicotes?”

Torçamos agora para que as mais inteligentes e refinadas das nações tomem uma iniciativa na matéria, e que enfim os alemães copiem o exemplo[*].

[*] De acordo com uma notícia veiculada pela Sociedade para a Proteção dos Animais de Munique, o chicoteamento supérfluo e o estalar de chicotes foram, em dezembro de 1858, positivamente proibidos em Nuremberg.”

Quem não se perturba enquanto lê ou pensa, é simplesmente porque não lê nem pensa; só fuma, o que é o substitutivo contemporâneo do pensar. A tolerância geral a ruídos desnecessários – as batidas de portas, por exemplo, coisa mal-educada e chula – é evidência direta de que os hábitos mentais em voga são o torpor e a vacuidade.”

Recomendo uma epístola poética in terzo rimo do famoso pintor Bronzino, intitulada De’ Romori: a Messer Luca Martini. Ela dá uma descrição detalhada da tortura a que as pessoas se submetem diante dos vários barulhos de uma pequena cidade italiana. Escrita num estilo tragicômico, é deleitante! A epístola poderá ser encontrada em Opere burlesche del Berni, Aretino et altri, Vol. II, p. 258

* * *

Há alguns panoramas realmente bonitos no mundo, mas as figuras humanas neles são pobres, e seria melhor não contemplá-los.”

A mosca devia ser empregada como o símbolo da impertinência e audácia; enquanto todos os demais animais evitam o homem mais do que qualquer coisa, e disparam em retirada mesmo antes dele se achegar, a mosca pousa sobre o seu nariz.”

Dois chineses peregrinando pela Europa foram ao teatro pela primeira vez. Um deles não fez nada a não ser estudar todo o maquinário, e teve êxito em entender como ele funcionava. O outro tentou compreender o significado da peça a despeito de sua ignorância da língua. Aqui você tem o Astrônomo e o Filósofo.”

Enquanto criança, enquanto jovem, amiúde mesmo como um adulto, aliás, sua vida toda, ele segue acompanhado de seus amigos, parecendo-se com eles e assemelhando ser tão desimportante quanto cada um deles. Deixe-o sozinho; ele não irá morrer. O tempo virá e trará aqueles que sabem como valorizá-lo.”

O homem que sobe num balão não sente como se ascendesse; ele só observa a terra afundando debaixo de si.

Há um mistério que só esses que dele sentem a verdade irão entender.”

Bebemos intensamente da beleza das obras antes de entrarmos na vida nós mesmos; e quando, depois disso, comparecemos pessoalmente para testemunhar os trabalhos da Natureza, o verniz se foi: os artistas abusarem dele e aproveitamos dele cedo demais. É assim que o mundo com tanta freqüência parece tão duro e desprovido de charme, repulsivo, inclusive. (…) não deveríamos ter pinturas acabadas, poemas perfeitos”

mayance

A Catedral de Mayence [gravura] é tão coberta pelas casas que foram construídas ao seu redor que não há nenhum ponto do qual se possa observá-la inteira. Isso é simbólico de toda coisa grande ou bela no mundo. Deveria existir por si mesma, mas antes que decorra muito tempo é desapropriada, usada para fins estranhos. Pessoas vêm de todos os cantos desejando encontrar apoio e acolhimento; mas há obstáculos no caminho que estragam seus efeitos.”

Todo herói é um Sansão. Os homens fortes sucumbem à intriga dos fracos e inúmeros; e se no final ele perde a paciência, esmaga ambos, os outros e a si. Ou então ele é como Gulliver em Lilliput, soterrado por um número enorme de homens pequenos.”

O DILEMA DO OURIÇO

Do mesmo jeito que a necessidade do social leva todos os porcos-espinhos humanos a se aproximarem, repelem-se no instante seguinte, devido às muitas qualidades indesejáveis e espinhosas de suas naturezas. A distância moderada que finalmente descobrem ser a única condição tolerável de intercurso é o código da polidez e das boas-maneiras; e aqueles que o transgridem são asperamente censurados – na frase inglesa – to keep their distance [a manter a distância]. (…) Um homem que tenha algum calor interno prefere permanecer do lado de fora, onde ele não vai espetar outras pessoas nem ser espetado.”

A produção industrial de Tânatos: a construção de modelos de corpo e de sexualidade e sua relação com o consumo à luz da última Teoria das Pulsões – Guilherme di Angellis da Silva Alves (mestrado em Comunicação)

“O nascimento da sexualidade tem a ver com a dissociação do objeto sexual do objeto da função vital, separando a necessidade do desejo, que é um fluxo psíquico de retorno da experiência de satisfação.”

“O tabu da menstruação seria derivado do recalque orgânico, uma <defesa contra uma fase do desenvolvimento que foi superada>.” “A educação é definida por Freud como sendo fundamentalmente um processo de recalcamento dos estímulos sexuais olfativos anteriores à bipedia.”

“A excitação sexual se torna contínua e não mais cíclica. Essa mudança diz respeito à passagem do funcionamento instintivo para o pulsional, determinante para o desenvolvimento da cultura. A instituição da família, que representa o início da civilização humana, não seria possível sem esta mudança do instinto para a pulsão, definida por Freud como força constante.”

“É na perspectiva do desejo que se pode falar em angústia. Lacan nos ensina que esta é o melhor remédio para aquele, pois reintroduz a referência à falta originária da estrutura. A angústia, diz Lacan, é um afeto – e um afeto que não engana, já que possui relação estrutural com o que constitui o sujeito, isto é, a falta, a incompletude.”

T&T: “O violento pai primevo fôra sem dúvida o modelo de cada um do grupo de irmãos: e, pelo ato de devorá-lo, realizavam a identificação com ele, cada um deles adquirindo uma parte de sua força. A refeição totêmica, que é talvez o mais antigo festival da humanidade, seria assim uma repetição e uma comemoração desse ato memorável e criminoso, que foi o começo de tantas coisas: da organização social, das restrições morais e da religião.”

“Para ilustrar essa assertiva, há um mito grego que diz que Afrodite e Ares tiveram vários filhos, entre eles Eros, deus do amor. Diferente dos outros filhos do casal, Eros não crescia. Era um bebê pequeno, frágil, rosado, de asas transparentes e covinhas no rosto. Preocupada com a saúde do filho, Afrodite consultou Têmis, deusa guardiã da lei, que respondeu que seu filho era assim porque o Amor não podia crescer sem Paixão.”

“O amor se atém à passagem do que cessa de não se escrever para o que não cessa de se escrever. É nessa região de intercessão entre os regimes simbólico e imaginário que o amor se inscreve, e, sendo assim, o amor é essencialmente produção de sentido. Por isso, o amor é não só produtor de um discurso fragmentado, porque infinitizado, como também constitui um legítimo estilo literário, a correspondência amorosa: o amor exige reciprocidade, exige correspondência, o que leva Lacan a afirmar que <amar é querer ser amado>”

“Cada uma das três artes gregas de conduta – a Dietética, a Econômica e a Erótica – propõem modelos específicos de comportamento em relação ao sexo. A Dietética trata da temperança por meio do uso moderado dos atos de prazeres, chamado pelos gregos de aphrodisia – os atos de Afrodite. O exercício dessa moderação exigia um cuidado com os momentos específicos em que esses atos deveriam ser praticados, manifestando preocupação com a sobrevivência do indivíduo e com a manutenção da espécie. Já a Econômica não dizia respeito ao uso comedido e oportuno dos atos de prazer, mas à manutenção, por parte do marido, da estrutura hierárquica dentro de sua casa. O problema a ser apreendido neste campo é como assegurar o privilégio e o poder que o homem mantém em relação à esposa e aos escravos. O marido deve temer qualquer excesso e praticar o domínio de si sobre os outros para garantir essa permanência. Por fim, o cuidado solicitado pela Erótica diz respeito à virilidade do adolescente e ao seu status futuro de homem livre. Não se trata apenas do homem ser senhor do seu prazer, mas de compreender de que maneiras ele pode dar lugar à liberdade do outro no domínio que exerce sobre si mesmo. No pensamento grego clássico, a relação com os rapazes é o núcleo mais delicado e ativo de reflexão e elaboração.”

“A exigência de moderação e austeridade não se apresenta como lei a qual todos deveriam se submeter. Está mais para um princípio de conduta para aqueles que querem dar à existência uma forma mais elevada.” “O amor não era compartilhado com as mulheres, mas entre seus iguais. Já a relação sexual era sempre feita com o homem ocupando o papal ativo, que representava seu caráter dominante sobre os demais. O papel ativo é um princípio norteador dessa moral, demonstrado especialmente na pederastia, a relação de amor e de aprendizado entre o erasta e o erômano, o amante e o amado, o homem livre e o rapaz em formação. O excesso e a passividade são, para o homem grego, as duas principais formas de imoralidade.”

“A temperança é a palavra-chave. A maneira como se considerava esses atos, os questionamentos que são feitos, os regimes a serem adotados, tudo tinha como norte esse princípio. Não se trata de não ter desejos, portanto, mas de não deixar que esses desejos impeçam os homens de serem senhores de si.”

“É somente a esposa que pode dar filhos legítimos e garantir a continuidade da instituição familiar. Dessa forma, a relação entre os esposos não tinha outra função diferente da de produzir uma descendência. Toda a atividade sexual das mulheres deve se situar dentro da relação conjugal, o marido como parceiro exclusivo. Elas se encontram sempre a seu poder. Em caso de adultério, as sanções são tanto de ordem privada como pública. Já o homem tem por obrigação respeitar uma mulher casada ou que está sob a guarda paterna, mas a ofensa nestes casos é voltada ao homem que detém o controle da mulher.”

“A aphrodisia em relação aos rapazes constitui, para o pensamento grego, objeto de grande inquietação. Não há uma oposição excludente entre amar alguém de seu próprio sexo e amar alguém do sexo oposto. As linhas que demarcavam a sexualidade não eram tão radicais assim. Do ponto de vista da moral, a oposição entre o homem temperante, senhor de si, e aquele que se entregava desmedidamente aos prazeres era muito mais grave.” “o desejo que visa o próprio ato e que se realiza ao acaso poderia ser destinado tanto às mulheres quanto aos rapazes, mas o amor mais nobre e mais racional só é direcionado aos homens.” “Havia o encanto da conquista, do cortejo, da juventude, da beleza, do exercício do poder. Mas ao mesmo tempo em que os rapazes eram objetos de desejo, também eram homens livres em formação, daí a necessidade de formá-los. Além de uma relação de desejo, a pederastia tinha um papel pedagógico importante”

“havia um desprezo pelos jovens que cediam facilmente ou que se demonstravam muito interessados, os homens efeminados eram desqualificados etc.” “Com o rapaz, o cortejo se dava em espaços públicos, às vistas de todos. Além disso, o jovem era livre para escolher o amante que quisesse, o que fortalecia os jogos de conquista. À medida que os jovens amadureciam, as relações deixavam de se tornar interessantes.”

“Podia-se até atribuir aos rapazes a forma mais elevada de amor, mas a abstenção também era solicitada para que se pudesse preservar o valor espiritual da relação. Essa idade de transição, tão frágil, era uma oportunidade para provar seu valor, se formar, se medir. Quem aceitasse o papel passivo na relação podia perder seus direitos de cidadão. Após esse período de formação, ele estava apto a constituir família e exercer a sua condição de domínio sobre outros.”

FORMAÇÃO DO CARÁTER E A HORA DE PASSAR O BASTÃO: “entre um homem e um rapaz, que estão em posição de independência recíproca, e entre os quais não existe constrição institucional, mas um jogo aberto (com preferência, escolha, liberdade de movimento, desfecho incerto), o princípio de regulação das condutas deve ser buscado na própria relação, na natureza do movimento que os leva um para o outro, e da afeição que os liga reciprocamente.” “as jovens mulheres é que posteriormente passam a ter tais cuidados, proteções e cortejos”

desprezar o desprazer, dás o que prezar?

“a imagem do jovem quadro sobrecarregado de tarefas e responsabilidades é estranha ao espírito grego, como lhe são estranhas as virtudes positivas que o mundo industrial inclui nas palavras produtividade e rendimento. Na ética do grego de outrora, a guerra é um meio de aquisição muito mais defensável do que o comércio.” Amouretti

“A educação era constituída da alfabetização básica e da aritmética, do ensino da música e da educação física.”

“Um senhor poderia fazer sexo com um escravo, desde que ocupasse o papel ativo na relação. A postura dominante era realmente o fundamental, independente do tipo de relação.”

FLERTANDO COM O PERIGO: NAS CERCANIAS DA TOCA DA RAPOSA:“a abordagem de um erastes (o parceiro ativo e mais velho) era um meio pelo qual um rapaz jovem podia sentir-se querido e valorizado por si mesmo. (…) O amor de uma mulher, membro dependente da sociedade, talvez não fosse tão valoroso quanto o de um homem, em especial se fosse mais velho, rico, bonito e influente. Mesmo assim, o eromenos (o rapaz que o erastes tentava conquistar) só chegava até certo ponto. Permitir a penetração anal era, para um grego, ser tratado como uma mulher e, portanto, uma humilhação degradante. É interessante notar que os cidadãos atenienses eram privados da cidadania, se condenados por prostituição masculina. Em Atenas, tal atividade podia ser deixada com segurança à prática dos não-atenienses.” Jones [!]

“É importante salientar que a arte grega demorou até o século IV a.C para representar a figura feminina também como ideal de beleza.”

“o conceito de cidadania era restrito apenas aos homens que tivessem mães e pais atenienses. (…) Quando o marido trazia amigos para jantar em sua casa, a mulher e os filhos se retiravam. Cabia a elas todo o serviço doméstico. Não tinham direitos à educação formal e nem podiam participar da política. Seus atributos deveriam ser a castidade, a obediência, o conhecimento das tarefas domésticas e a economia dos gastos.”

“O homem podia repudiar a esposa sem qualquer motivo. Isto era direito legal; a mulher só podia fazê-lo em casos de provocação extrema por parte do marido. Alguns direitos à mulher autorizavam-na a freqüentar o teatro e o festival destinado às mulheres. Contudo, para os homens ela continuava a ser apenas gyne – portadora dos filhos.” CABRAL, Juçara

“Havia o dildo, um objeto no formato do pênis que era esculpido em madeira, que era lubrificado em azeite para ser usado pelas mulheres para se satisfazerem sexualmente. A homossexualidade feminina é bem documentada, talvez num misto de sexualidade reprimida e sentimento de solidariedade entre elas.”

Se a mulher era tão “objetal”, como uma só conseguiu desencadear a Guerra de Tróia?

O penetra, o superior das festas.

“O fim dessa moral romana é claro: a subordinação da pessoa à cidade, que necessitava de habitantes dispostos a se sacrificar por ela nas guerras.”

“Este desejo de glória, de renome eterno, é sem dúvida a vingança do indivíduo que a sociedade reprimia, em vida, de mil maneiras: magistrado, não podia prosseguir a sua obra para além de um ano, chefe militar, se não tinha a sorte de obter qualquer vitória decisiva durante o seu comando, cabia ao sucessor a colheita dos louros. É perante a morte que volta a ser ele próprio, que a vida adquire valor exemplar na medida em que respeitou a disciplina em todas as suas formas: virtus, pietas e fides.Grimal

“Na Grécia, os (…) esportes eram um exercício com um fim em si, uma arte. Em Roma, essa prática de ginástica pura foi ignorada. Os exercícios dos jovens eram uma preparação para a guerra, sem arte, sem preocupação estética.”

“As mulheres tinham uma paixão tão exagerada pelo luxo a ponto de alguns historiadores terem atribuído a isso o declínio do império, devido ao enorme gasto com importações. Elas se contentavam com isso frente ao fato de não terem direitos plenos e de ficarem basicamente restritas ao lar.”

“A forma mais comum do matrimônio era a de usus, que só tornava a união legal depois de um ano de convivência. Enquanto isso, a mulher continuava pertencendo ao pai. Essa espécie de estágio probatório era benéfica aos dois cônjuges. Outro tipo de matrimônio era o coemptio, em que se comprava a mulher pagando em dinheiro ao pai da noiva.

           O exagero prevalecia entre os homens livres. Era uma forma de se extrapolar a repressão e as exigências da vida pública, cheia de moralidades e demandas por virtude e severidade. Se na vida pública, havia uma série de restrições, no sexo tudo era permitido.

           <O conto do romano casto, corrompido pelos ‘maus vizinhos’ – os gregos – realmente é um conto. Deleitar-se em fartura de comida, de bebida e orgias não significa ‘viver à grega’, pois alugar, comprar mulheres e viver entregue aos prazeres era costume comum entre os romanos.> Cabral

           Gregos e romanos consideravam a prostituição uma peça importante na ordem social. Garantia a segurança das mulheres casadas e era vista como uma necessidade à higiene pública. Contando que os homens e as mulheres que se prostituíssem não fossem de nascimento livre, tudo era permitido, como comprar, alugar, raptar. Até as crianças que fossem escravas poderiam servir para a prostituição.”

“As orgias [de] que os romanos participavam – e que contavam com pessoas de todas as classes – ajudavam a diminuir [a] tensão da severidade que era exigida. Tudo era feito com muito exagero e[,] além do sexo, havia comida e principalmente muita bebida. Terminava com vômitos; como que para limpar a alma e se preparar novamente para as obrigações da vida pública.”

“Os novos tempos de recessão exigiam que o comportamento dos romanos também se modificasse. Antes epicuristas, os romanos passaram adotar uma moral mais austera, mais exigente. Já não se podia mais esbanjar luxo e exagero na vida social e na vida sexual. O estoicismo grego ganhava forças ao privilegiar a negação dos prazeres mundanos. Em tempos de pobreza e recessão, até a economia dos corpos se faz necessária.” Estoicismo compulsório não é estoicismo.

“Dentre as diversas religiões que sobreviviam clandestinamente em Roma, o imperador Constantino viu no cristianismo a que mais se adequava ao novo modelo econômico, que agora exigia temperança em todos os aspectos da vida.”

“A imposição das leis do Estado eram substituídas pelas ameaças do inferno e pela promessa de uma vida eterna e feliz.” Cabral

“O cristianismo não introduziu um pensamento novo. Seu grande feito foi ter dado ar sacro e metafísico a uma moral que já existia, mas sob a forma pagã. Ele nasce como um socialismo primitivo, para confortar pobres e oprimidos em sua pobreza e opressão.”

João Crisóstomo e Metódi[c]o admitiam que, se os casais limitassem as carícias e a paixão, teriam chances de salvação eterna. Era consenso de toda a igreja a permissão de um só casamento, pois diziam os padres: o segundo será considerado adultério, o terceiro, fornicação[,] e o quarto, ignóbil” Cabral

A vergonha está abaixo do pecado. E eu pensando que as vergonhas eram o próprio pecado!

“O verdadeiro prazer está no mundo metafísico.”

“Santo Agostinho havia afirmado que o sexo precisava ser feito de forma pura e sem prazer para não ser pecaminoso.”

“As classes médias começavam a substituir a aristocracia na estrutura do poder.” ???

“As mulheres da era vitoriana, período compreendido entre 1840 e 1900, eram seres apáticos e de uma moralidade exagerada. O desconhecimento do próprio corpo era sinal de pureza.”

“no espaço social, como no coração de cada moradia, um único lugar de sexualidade reconhecida, mas utilitário e fecundo: o quarto dos pais. Ao que sobra só resta encobrir-se; o decoro das atitudes esconde os corpos, a decência das palavras limpa os discursos Foucault

fecundidade do cu

“O exagero da moralidade chegava ao ponto de se proibir consultas ginecológicas a não ser em extrema necessidade.”

“Com a transformação das esposas em guardiãs da moralidade, os homens apelavam para a prostituição, que cresceu vertiginosamente no período vitoriano. Não demorou muito para uma onda de doenças venéreas invadir novamente o mundo cristão – como havia acontecido no século XV. Com medo da infecção em massa, os governos adotaram diversas medidas para coibir a prostituição. Os maridos tiveram de voltar ao lar matrimonial.”

“Com o estudo do mundo antigo, é possível perceber que não foi por falta de capacidade técnica que o desenvolvimento da indústria se deu muito aquém do possível. Ramos cita Tales de Mileto, que desviou o curso do rio Halys, Eupalinos, que escavou um túnel de um quilômetro de comprimento na montanha de Castro, e muitos outros.”

“Vale lembrar que a etimologia da palavra trabalho é tripalium, três paus, um instrumento que subjugava escravos e animais e os forçava a produzir.”

“Os monges passam a adotar em sua vida monástica uma série de procedimentos de rotina, de sistematização, de aumento da produção e de investimento científico na agricultura, na pecuária, na botânica. Desse período surge uma série de importantes invenções para a agricultura e para a economia, como a luneta, a roda dentada, os óculos, o moinho hidráulico, o moinho de vento e tantas outras.”

“É no mosteiro medieval que as categorias de tempo e de espaço se modificam radicalmente, o relógio e o sino – elementos fundamentais no período industrial – os novos reguladores. Lá, as horas canônicas são disciplinadas pela mecânica do tempo, com as atividades sempre realizadas em intervalos regulares. Ramos destaca que é dentro da etapa medieval que transcorre uma história secreta da revolução industrial.”

“Entre as invenções mais importantes no período anterior à Primeira Guerra estão a luz incandescente, o cinema, a aviação, os raios-X, a psicanálise, a física quântica. Esses inventos proporcionaram um admirável mundo novo. O homem realiza o sonho de Ícaro, se comunica a distância, guarda o som em uma caixa de cera, vê a fotografia em movimento.

           Mas talvez a mais revolucionária e impactante invenção tenha sido o automóvel. Ele é mais que um meio de transporte: origina um novo mercado e reestrutura a organização do trabalho, modifica as bases econômicas e sociais e dá origem a novos comportamentos e costumes. No início, sua produção era artesanal e escassa, até o desenvolvimento do modelo T da Ford, em 1908, marco da história automobilística. É um veículo barato, seguro, simples de dirigir e que funcionava a base de qualquer produto que produzisse combustão. (…) Ford queria adaptar a organização do trabalho ao processo reverso de se abater e desmantelar o animal.”

“Só depois que as mulheres começarem a navegar pelo oceano e empurrar o arado; quando elas gostarem de ser acossadas e cercadas por todos os tipos de homem nas vias públicas do comércio e do mundo dos negócios; quando elas amarem a traição e o torvelinho da política; quando elas amarem a devassidão do campo de luta, o fumo dos ribombos e o sangue da batalha, mais do que amam os afetos e as alegrias do lar e da família, então será tempo de falarmos sobre as tornarmos eleitoras.” George H. Williams, senador norte-americano, 1866

“O Brasil teve sua primeira eleitora em 1927 e sua primeira prefeita em 1928, na cidade de Lajes, Rio Grande do Norte.”

“Foi Hollywood, desde os dias em que sua popularidade se disseminou – nos anos 20 – até a televisão solapar sua influência nos anos 50, que da maneira mais consistente, conscienciosa e na moda, sustentou a imagem do casamento como o objetivo natural da mulher, a culminação romântica de sua vida. Muitas mensagens foram vendidas ao público, antes e desde então, mas nunca nenhuma o foi tão efetivamente como a mensagem hollywoodiana do glamour, romance e casamento. Muito depois que a <mulher moderna> se libertou das idéias e hábitos de sua avó vitoriana, Hollywood continua a condicioná-la à crença de que o lugar e o destino da mulher estavam no lar. Não porque, como no passado, inexistissem opções para ela, mas porque essa mulher estava atada lá, pelo mágico poder do amor.” Tannahill

“O folhetim no lugar do romance, o teatro de revista no lugar do teatro”

“Surge entre os veículos de comunicação, por exemplo, o pennypress, jornal de custo irrisório, que contém notícias sobre celebridades, escândalos com homens públicos, tragédias, folhetins e faits divers. Ele não tem por objetivo informar a população acerca dos temas mais relevantes, e sim de divertir, entreter.”

“A primeira exibição feita pelos irmãos Lumière em dezembro de 1895 choca os presentes, que veem não só a descoberta científica, mas a capacidade que ela tem para espantar e surpreender.” “O cinema diverte multidões a preços baixíssimos (no século XX, ao menos) e proporciona um distanciamento da realidade. (…) Ele se projeta no outro para que não lembre de si, e no dia seguinte retorne ao trabalho – seja uma fábrica ou uma repartição pública – bem disposto.”

OS IRRECONCILIÁVEIS BENJAMIN E ADORNO: “Divertir-se significa concordar; (…) significa sempre: não ter de pensar, esquecer a dor, inclusive quando ela é mostrada. Em sua base está a impotência. Com efeito, é uma fuga: não, como se pretende, fuga da terrível realidade, mas do último pensamento de resistência que a realidade ainda pode ter deixado.” T.A. apud Wolf

Squizo-jazz of a lost soul

“Como uma droga, o prazer que advém da fuga, da diversão, vicia. Em uma estrutura social em que o tempo livre se torna cada vez mais escasso, o divertimento acaba por se tornar uma necessidade fisiológica.”

Cazuza de Massa

“Importante ressaltar que tanto na publicidade voltada para o público masculino quanto na direcionada às mulheres, é o corpo feminino que é erotizado. No primeiro caso, numa incitação da libido; no segundo, uma incitação nascisística e identificatória.”

O SUZANAVIEIRISMO: “O que conta, diz Morin, não é mais a experiência acumulada, mas a adesão ao movimento.”

“Historicamente, ela [a devoção ao belo] acelera o vir-a-ser, ele mesmo acelerado, de uma civilização. Sociologicamente, ela contribui para o rejuvenescimento da sociedade. Antropologicamente, ela verifica a lei do retardamento contínuo do bolk [termo pejorativo para designar pessoa velha e ultrapassada, caretona, ou o ato de vomitar voluntariamente, se em verbo – “to bolk”], prolongando a infância e a juventude junto ao adulto. Metafisicamente, ela é um protesto ilimitado contra o mal irremediável da velhice” Morin

“É do período pós-guerra o baby-boom, a reafirmação do papel histórico de parideira, só que desta vez com adjetivos como rainha do lar, dona de casa. Foi só na década de 60 que as mulheres começaram a perceber que a conquista do voto foi apenas simbólica.”

“No lugar da eterna alegria, havia tédio, tédio infindável.”

“Os relatórios de Alfred Kinsey mostravam que 40% dos homens eram infiéis e que 70% tinham visitado prostitutas [??]. Além disso, um sexto dos homens do campo já havia tido relações zoofílicas.”

“Nos Estados Unidos de 65, havia 1 divórcio para cada 4 casamentos. Em 77, 1 divórcio para cada 2 casamentos.”

O que é uma pequena e maleável ética que se veste todo dia antes de sair à rua? Uma etiqueta.

“O final de semana é redentor. Todo feriado é santo, na medida em que salva a existência de uma morte por asfixia.”

“Foi-se o tempo da temperança. Dá-se ao consumo um valor instintivo. Ao conseguir atribuir esse valor, o consumo vira consumismo, uma necessidade do corpo que precisa ser saciada, tal a angústia que se cria quando não a alimentamos”

SAFETY COURSE

A linha de chegada é muito chata, me deixe enrolar nesta corrida circular sem ineditismos ou saídas do script.

* * *

A metodologia é o cerne da chatice. Trabalho achatado na clínica de Pasteur.

“A palavra revista vem do inglês magazine, de origem árabe, cujo significado é depósito de mercadorias. Foi no inglês que a palavra adquiriu o significado de <publicação periódica, de caráter literário, contendo leituras amenas e instrutivas, e adornada de estampas>.” NIMER, Miguel. Influências Orientais na Língua Portuguesa: os vocábulos árabes, arabizados, persas e turcos. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2005.

“Em 1937, é lançada a revista Marie-Claire. Com um preço popular e uma tiragem de 800 mil exemplares, a revista introduz às classes menos abastadas os tratamentos cosméticos e os cuidados com moda e comportamento. Esses processos são interrompidos durante a segunda guerra, mas retornam logo após, acompanhando e estruturando as mudanças sociais. A Marie-Claire é publicada em mais de 30 edições internacionais, cada uma seguindo um modelo diferente, de acordo com a cultura do país. No Brasil, é publicada desde 1991.

“Na Itália, a imprensa feminina é o segmento mais sólido da indústria cultural. Em alguns casos, a publicidade chega a significar mais de metade do conteúdo das revistas. Entre 53 e 63, o número chega ao triplo na relação publicidade/reportagens. Além disso, nota-se um oligopólio na produção desses conteúdos, já que quatro empresas controlam ¾ da produção editorial.”

“O primeiro periódico brasileiro voltado ao público feminino foi a revista Espelho Diamantino, editada no Rio de Janeiro em 1827. Editada por homens, versava sobre literatura, política, arte e moda. Ainda nessa época de imprensa artenasal (sic!), surgiram as revistas Espelho das Brasileiras, de 1831, Jornal das Senhoras, de 1852, a primeira publicação a conter artigos de cunho feminista. Em 1875, aparece o periódico O Sexo Feminino, que contava com 800 assinaturas, feito considerável para a época. A revista possuía um olhar crítico sobre a dominação masculina através do casamento, contendo vários artigos que manifestavam apoio ao divórcio e à maior participação das mulheres no mercado de trabalho.”

Capricho, de 1952, é a revista feminina mais antiga ainda em circulação. Com suas fotonovelas, chegou a vender 500 mil exemplares por mês. Em 61, surge Cláudia. Em 1973, a editora Abril lança a revista Nova, a primeira publicação feminina a abordar temas mais polêmicos, como sexo, relacionamento e vida profissional.”

“Já Men’s Health surge nos Estados Unidos em 1987, com a proposta de criar um estilo de vida para os homens, com matérias sobre fitness, nutrição, moda e sexualidade. No Brasil, a primeira publicação de Men’s Health é de maio de 2006. Apesar de existirem no mercado diversas outras revistas voltadas ao público masculino, Men’s Health é a primeira que aborda temas que se relacionam diretamente com o conteúdo das revistas femininas, marcando uma nova etapa na construção do ideal de masculino e feminino.”

“Para as mulheres, o cuidado com o corpo antecede a exigência de um bom desempenho sexual e de se afirmar por meio dele. Para os homens, o desempenho estético do corpo é que é mais recente. Ambas as publicações reforçam e dão mais ênfase aos elementos menos consolidados nesse ideal de masculinidade hegemônica e de feminilidade enfatizada, o que explica por que em Nova o sexo é o tema mais recorrente e em Men’s Health é o cuidado com o corpo.” “Enquanto em Nova o tom autoritário prevalece, em Men’s Health ele é muito mais fraternal. A revista se propondo, como define no site e em vários de seus editoriais, a ser um mentor disposto a liberar todo o potencial do leitor.” “A ansiedade preenche o espaço entre a imagem vista no espelho e na capa da revista, e ela é um excelente motivador, pois as respostas (aparentes) para as inseguranças dos leitores também estão impressas nas mesmas revistas.”

Repetitio ad infinitum!

“Não é na depressão que devemos pensar aqui, mas na afanise, no ascetismo, na anorexia de viver. É este o verdadeiro sentido de Além do princípio do prazer. A metáfora do retorno à matéria inanimada é mais forte que se pensa, pois esta petrificação do Eu visa a anestesia e a inércia na morte psíquica. É apenas uma aporia, mas é uma que permite compreender o objetivo e o sentido do narcisismo de morte” Green

“o homem enfermo retira suas catexias libidinais de volta para seu próprio ego, e as põe para fora novamente quando se recupera.” Freud – A História do Movimento Psicanalítico

Catexia: termo cult para excitação, descarga.

“o narcisismo primário estaria do lado deste aquém do recalcamento, do lado de um mundo não-ordenado, ilimitado, onde o Eu se confundiria com o cosmo de onde decorre sua qualificação ego-cósmica. Ora, como dissemos, a característica do narcisismo primário absoluto é a procura de um nível zero da excitação.” Stephen Hawking e o Bilhete de Suicídio do Universo (Alergia a Nozes)

“A inveja do objeto alcança seu ápice quando se supõe que este goza sem conflito. O pênis narcisista projetado (não importa qual sexo) é aquele que pode gozar sem inibição, sem culpa e sem vergonha.” Green

“Green faz o retrato de Narciso e é quase impossível separá-lo dos olimpianos de Morin.”

Torna-te quem tu és? Conhece-te a ti mesmo? Que nada: sê feliz! “Ontologicamente, o modelo da capa é a representação da realização de todos os desejos e do fim de todas as angústias, o que para as revistas se resume em pilares de posse e de consumo. Isso representa, na verdade, o instinto de morte, é Tânatos sendo produzido em escala industrial. Vende-se a solução para angústias e necessidades ontológicas, impossíveis, portanto, de serem solucionadas. A indústria cultural faz isso em essência, mudando apenas as máscaras que a encobrem. É esta a sua metafísica: é a salvação que está em jogo, que é prometida, mas ela não precisa mais esperar a morte para redimir seus crentes. Ela se encontra aqui na Terra, em valores individuais, precários e transitórios. Mas a redenção só existe para quem acredita que precisa ser redimido – e é por isso que o mal-estar exerce um papel tão fundamental na construção desses modelos de comportamento.”

“Surge a repulsa do próprio corpo e do próprio ser. O próximo passo seria a esperança.”

Algumas citações são repercutidas 2, 3 vezes. No total, temos 220 páginas. Custa tão barato iludir e tornar-se um mestre?