[ARQUIVO] O PONTUAL

Originalmente publicado em 3 de março de 2010.

Mais uma vez esta reflexão – e reflexão não significa mastigação? – “cinematográfica”: a maioria de nossa vida, de nossos ofícios, é de enfado. Segundos, pílulas de atos incontestes. No grande homem da História ou simplesmente na vida daquele que não era nada, mas sabia ter seus mini-dias perfeitos, de zelo e beleza. Acabei de assistir à majestosa final da Copa do Mundo de 70, exibida na íntegra, em cores e renarrada. Talvez sem tanta realeza para moleques anos 2000, que não aprenderam ainda o gosto clássico. Partida, em geral, morosa, cheia, no entanto, de picos e flashes, de explosões de velocidade e de manobras divinas, tão breves quanto áureas. Linhas de passes dos sonhos… Esse não é um artigo sobre futebol, mas encontrei ao acaso a ilustração perfeita. E o jogador ideal para discorrer sobre minha “pontualidade”: o badalado Pelé. Não estava no seu jogo perfeito, na exibição maior deste mundial – só que suas figurações de luxo foram o bastante para eternizar a(s três) estrela(s). Talvez despontar demais, se outros também davam conta do recado, fosse falta de elegância! Normalmente o aniversariante não é o piadista da festa, o mais desenvolto (até porque não é quem bebe mais, tem obrigações protocolares), nem a pessoa que está mais bem-vestida, mantendo a discrição salutar. Simplicidade calha bem sob os holofotes, durante a tensão da decisão. Pois bem: cada um de nós é um Pelé renascido, inventivo a seu modo. Grande parte desse jogo de 90min ou 90 anos é uma passagem com falhas, impaciências, soros, feiúras, falta de harmonia, insegurança, enfim, aborrecimento, senão ansiedade (“vai, não vai”).

Eu sou pingos. Pingos de textos. Acontecem muitos mal-entendidos e angústias nesses intervalos entre um artigo e outro; sinto-me mortal! A tacada milimétrica vem na hora certa – e desaparece no mesmo instante, pulverizada pelo seu próprio sucesso: foi quase que uma neblina, uma picada de inseto, que não sentimos, não somos nós, éramos outros, focados, jogadores ancestrais e cascudos, não “pensamos”, só executamos aquilo para que viemos a esse mundo. Nosso ofício. Até a casta dos “favorecidos” sabe dessa crueldade da distribuição das apoteoses na natureza. Animais sublimes não perderiam tempo se lamentando! O consolo é o vizinho talentoso… O castelo dele também cai. O castelo de qualquer Napoleão ainda é só de areia. Podemos invocar nossos self olímpicos como uma tequila é entornada: um rasgo mal-sentido; o impacto deve ficar para os expectadores na sala, para o relato do avô – talvez Zeus agisse inconscientemente, castigasse sem temer, sem a pena, tão humana…

A confiança é tanta, em resumo, que o artista se dá ao luxo de desligar seu motor, a parte de seu organismo responsável pela eficácia máxima, hibernar mesmo, a fim de que a máquina não seja depreciada com o banal. É-se nobre o suficiente para aceitar uma magra coleção de vitórias, tal é a representatividade, a integridade, delas. Cobremos menos – e com isso mais! – de nós mesmos…

[ARQUIVO] IMPÉRIO DA EMPÁFIA

Originalmente publicado em 23 de junho de 2009.

Flamenguista é um bicho abusado

quando leva tamancada

fica desnorteado

Admite que o árbitro está certo

se do gol um rubro-negro está perto

Esconde com vergonha o retrospecto

dos vices e fracassos acumulados

Se cria uma fantasia

um time que em finais “exala magia”

Politicagem, aos foliões não interessa

Enquanto houver 3 pontos e Obina

a tristeza não tem pressa

[ARQUIVO] O PEN-XA DO FLA: Nelson Rodrigues virado no Jiraiya

Originalmente publicado em 7 de dezembro de 2009

Jasão, versão portuguesa do nome Jason, é o herói grego que mata o tio para se sagrar o rei da Tessália e rejeita a feiticeira Medéia, por ele apaixonada, depois que esta foi a principal colaboradora da conspiração que lhe devolveu o trono. Jasão é também o primeiro marinheiro de que se tem registro na História. Audacioso e precursor, apesar de ter sido morto posteriormente devido aos ciúmes da própria Medéia (o que é que as mulheres ressentidas não são capazes de fazer?), pode-se dizer que Jasão ficou imortalizado para a humanidade, tanto é que suas façanhas ecoam ainda no terceiro milênio da era cristã (que esperamos seja o último)…

O nome de Jasão atravessou várias léguas submarinas até chegar à terra do futebol, onde batiza um clube que estabeleceu hegemonia nos torneios nacionais nos últimos anos: o São Paulo Futebol Clube. Não é um vexame ver esse elenco de argonautas em terceiro na classificação final, até porque ele repetiu a dobradinha da zaga de prata no prêmio da ESPN/Placar.

Terceira posição que aliás é o tema central de uma música dos são-paulinos¹ do Ultraje a Rigor:

Não botaram fé porque não ia dar pé

Não ia dar pé porque não botaram fé

De qualquer forma eu pego um bronze

porque eu gosto da cor

Por isso eu sempre sou

Terceiro!

¹ [P.S. 2023: Naturalmente fascistas.]

Claro que não foi o cenário ideal dos vitoriosos, nem foi tão decepcionante a ponto de um torcedor fazer piada com essa música, afinal os caras terminaram fuzilando o rebaixado Sport Recife e soterrando as esperanças do rival Palmeiras de conquistar o título (caso os dois primeiros na tabela também falhassem na última rodada). Mas colei esses versos porque eles vêm muito bem a calhar para o Seu Dunga, que ano passado levou a seleção da CBF a um “honroso” bronze olímpico!

Tirada de sarro fora de hora? Talvez… Fica o alerta, porém: quando a competição é importante e realmente ambicionada pela Amarelinha, que já ganhou quase tudo que dá para ganhar, não se tolera ser um profissional (?) conformado ou, mais precisamente, um cavalo paraguaio.

O Paraguai que, se é que esteve encarnado em um clube brasileiro em 2009, certamente foi lembrado pelo Atlético. Precisamos de mais pesquisas para saber o que se passa na cabeça da calorosa torcida do Galo – talvez eles apenas estejam com febre, há pelo menos uns 30 anos, ou tenham se entusiasmado com as facilidades do microondas para aprontar comidinha… Mas sobre os pipoqueiros eu volto a falar mais tarde!

Jason, Freddy… O campeonato está cheio de bizarrices saídas de um halloween que ainda não terminou… E as cartas marcadas que tentaram roubar um pouco da luz dessas criaturas cinematográficas? Washington, ex-Fluminense, fez 5 gols nos últimos 2 jogos, bem mais que seu colega de profissão Fred Flueger. Quem é melhor? Pergunta que ofende quem está sem paciência (eu o tempo todo). Talvez para os entendidos e que não agüentam mais floreios, é mais sensato questionar: afinal, o Washington joga bola ou não joga? Assim, seco e de primeira (como uma boa assistência ou toquinho à la Romário direto para as redes), sem comparações exageradas…

(Ligeiro tempo para pensar numa resposta. Mas tem que ser mais ligeiro que o Magno Alves no auge!)

Independentemente da sua resposta, o sujeito grandão e desengonçado que desagrada uns e outros mas que guarda lá os seus já tem uma nova meta a perseguir nos seus anos finais… Foi contrato pelo São Paulo para 2010. E o SPFC caiu no grupo do Once Caldas, seu carrasco de 2004, na Libertadores da América de 2010: Once Caldas, once goles?


EXTRA! EXTRA! KLÉBER TIRA PALMEIRAS DA LIBERTADORES!

E a Mancha Verde já está correndo atrás dele para agredi-lo. Belluzzo é um dos marginais que grita palavras de ordem com um pau na mão.


Por falar no time que estava verde demais para atingir qualquer objetivo nesse campeonato, estou começando a comprovar minha antiga “teoria da camisa trocada”: se os mesmos jogadores atuarem com uma camisa mais “campeã”, renderão mais, terão tranqüilidade e não peidarão na farofa – já imaginou o Obina com a camisa do São Paulo? Não é à toa que disseram que o casaco da S.E. Palmeiras ficava muito frouxo no Muricy…

Se o Muricy Ramalho terminou o campeonato pianinho depois de vomitar [verd]ad[es] cegas sobre a imprensa e se o Vanderlei não foi menos fracassado e suas entrevistas acabaram ainda mais vazias de conteúdo (futebolístico não-publicitário)¹ do que de costume, será que pode baixar a baixada do santo do professor arrogante no Mário Sérgio (de modo mais simples: baixar o santo… da humildade… só cuidado para não se embananar e acabar rebaixando o Santos)?

¹ [P.S. 2023: É fantástico, quimérico e mitológico que essa criatura tenha continuado a habitar o folclore tupiniquim NESTE ANO em que escrevo esta nota! Sempre tem espaço para um boi-tatá, para um Joel Santana, gordo ou magro, casual ou de terno, no nosso futebol…]

No Santos (falando no diabo entre parênteses): nova idade média (e não falo de um levantamento etário do elenco)? O sujeito do terninho mais perdeu do que ganhou na Vila ou foi impressão minha? O time da Baixada (rs) se sustém na Série A com base em um ********¹ que aparece a cada 3 décadas?² De volta ao marasmo não-competitivo?

¹ [P.S. 2023: Usei um vocábulo que em 14 anos se tornou racista, mesmo quando não aplicado a um indivíduo não-branco.]

² [P.S. 2023: Duas, se contarmos com o Neymídia.]

* * *

Imprensa: ímpia.

Os comentaristas da ESPN me lembram o homem machista: assim como este diz “Mas nem todo homem…”, as Oddities do canal enchem o peito para falar “Mas nem toda a mídia… o que é ‘a mídia’? Informação é nosso esp… e blá-blá-blá”.

Já, já complemento o juízo tão breve (ímpia).

* * *

Tu és… time de armação

Mala, horror e extorsão

Rouba, Mengo!

Só uma brincadeira de um cara que já ouviu muita farra de flamenguista de ontem pra hoje, mas que reconhece, sim, o título conquistado dentro de campo – seja hexa, penta ou o que for que este caneco represente… A CBF não sabe da própria seleção, vai saber contar título de clube?!

Para ilustrar o que 17 anos não fazem com um time, e o quanto o São Paulo está “acostumado” aos títulos e o Clube de Regatas não está, vale a cena na sala de estar da casa de são-paulinos onde vi o jogo final, que contava com um intruso: o torcedor rubro-negro não sabia o que fazer diante da tela; do outro lado da membrana o Maracanã em polvorosa. Depois de nos mandar, a todos, “chupar” (sem o complemento apropriado),¹ se prostrou no sofá, ameaçou beijar o escudo, continuou olhando o entorno de olhos marejados… Ficha em queda livre… Tentamos resgatar nosso amigo “perdido no tempo e no espaço”, com a piadinha do bem-sucedido a longo prazo: “Bacana, né? Você vai ver que esse negócio de ser campeão do Brasil na era dos pontos corridos nem é tão difícil quando chegar no terceiro”.² Bem-vindos ao clube, rubro-negros! (e o Inter, tri-vice, sempre bate à porta, e ninguém deixa entrar… o corinthiano se mantém com um trabuco e uma liminar…³ o santista com um pôster do Robinho… o cruzeirense com um do Alex…)

¹ [P.S. 2023: Um canavial de rola.]

² [P.S. 2023: Malditas palavras proféticas!]

³ [P.S. 2023: Palavras suicidas e cruéis, vindas dum futuro convertido ao corinthianismo!]

* * *

Sou tricolor de coração

Sou do clube tantas vezes campeão

Esse hino me comove há anos (coisa de irmandade tricolor?), mas reprimia isso, especialmente ano passado, conforme alguns argonautas americanos lembrarão…¹

P.S. 2023: Eu comecei essa crônica citando o argonauta da mitologia grega Jasão, mas a referência aqui é a outra crônica, O VICE-CAMPEONATO MAIS ARDIDO DE TODOS OS TEMPOS, publicada no primeiro volume do meu livro Cila ou Caribde, que você pode ler gratuitamente no Seclusão: https://seclusao.art.blog/2021/07/11/o-vice-campeonato-mais-ardido-de-todos-os-tempos/. O assunto, ali, era o tropeço homérico do Fluminense Foot-ball Club diante da LDU… Este 2023 está realmente revirando as coisas, quando não confirma tendências: o Internacional de Porto Alegre segue sendo o time grande há mais tempo sem levantar um caneco nacional, mais anos até que o pobre Botafogo… que está desfalecendo neste momento em que redijo… de forma ainda mais vergonhosa e contundente que o Palmeiras 2009 e que o São Paulo 2020/2021… “Diniz, de 45 anos, chega ao São Paulo um mês depois de ter sido demitido do Fluminense, que ele deixou na zona de rebaixamento.” – trecho de uma antiga reportagem da ESPN Brasil, de 2019… As voltas que o mundo dá… Autodemonstrando que não é plano. Lembre-se: ainda na flat earth dos negacionistas, a única certeza em termos de futebol brasileiro é a seguinte: o plano é não ter planos, quem tem plano acaba afundando… Longa nota de rodapé, certo, rapaziada? Só faltou falar que isso de “reprimir” no futebol é uma coisa muito comum… quando se trata dos meus próprios sentimentos, ao menos… Em 2008 eu odiava mortalmente o Fluminense… Em 2009 fui-lhe simpático… Por décadas confundi amor pelo Corinthians com ódio e desprezo]

* * *

Como prometido, de volta à imprensa: alguns figurões já amanheceram dando uma bronca nos “chorões” que não souberam reconhecer os méritos flamenguistas na temporada. “O título do Flamengo é autêntico.” Tudo bem que seja – mas se é legítimo, não é porque babacas microfonados como o Calçade resolveram ratificar. Afinal, a mídia DEVE ratificar o título do campeão, seja ele quem for, caso contrário as ruas serão tomadas por vândalos como os de Curitiba.¹ Exemplo máximo é o de 2005: hoje os jornalistas mais corajosos até admitem a farsa corintianesca, mas na época era um imperativo ético colocar aquele “primeiro lugar” acima de qualquer suspeita!² Não acredite nos jornalistas. Acredite no bom senso. E lembre-se: se quiser vida fácil, saiba que esta é uma “carreira” que não necessita de diploma…³

¹ [P.S. 2023: Sempre os de Curitiba, já notaram?]

² [P.S. 2023: Ao meu eu do passado e a quem ainda não aceitou, só posso dizer: PÕE NO DVD!]

³ [P.S. 2023: Para quem não sabe, já fui jornalista esportivo. Abandonei o curso 2 anos e 3 experiências em veículos de imprensa depois de “ingressar nessa vida”. Pouquíssimo tempo depois, quando eu cursava o 2º ou o 3º semestre de sociologia, foi divulgado que o diploma de comunicação social tinha deixado de ser obrigatório para profissionais da área. Houve muitos protestos de alunos e certa resistência dos próprios jornais, que permanece até hoje, tornando a não-obrigação, na prática, nula.]

O pau quebrou lá no sul, e aqueles 10 minutos de “mídia passando o que a mídia quer coibir” (atos de violência brutal – nunca entendi essa lógica!) foram melhores que os 90 minutos de qualquer partida da 38ª rodada!

Agora imagina só uma humilhação parecida no Centenário do Corinthians! Se num ano comum eles já fizeram três vezes pior no Morumbi (massacre do River, eliminação na Libertadores) que os gorduchos sulinos do Couto Pereira ontem, quem dirá o que pode acontecer se o freio de mão puxado pelo Mano (das quebrada”) não for desativado a tempo para o ano que vem? Cuidado!¹

¹ [P.S. 2023: Estou batizado, Rafael do passado! E estamos de novo com o Mano Menezes, trafegando perto da zona – sem aflição e desespero! É o que tem pra hoje.]

* * *

Para fechar: Pernambuco: por um dia (ou por um ano), pior que o Maranhão? Os pernambucanos estão na mesma ressaca do Imperador, que não foi buscar sua Bola de Ouro no programa da ESPN, adivinha por quê…¹

¹ [P.S. 2023: Não lembro o motivo de alguns desses trocadilhos por trás dos nomes dos estados, mas nós já tivemos muitos Juninhos Pernambucanos e jogadores com “apodo” Maranhão, então suponho que se referia a algo nessa linha. Já Adriano o Imperador… que sabemos que não estava na cidade de Imperatriz-MA… esse comemorou bastante o título do pen-xa do Fla – muita cachaça na cabeça!]

[ARQUIVO] IMBRÓGLIOS DE DOMINGO À TARDE

Publicado originalmente em 19 de outubro de 2009.

Faz três anos: “O fim do monopólio nas transmissões de futebol: ano que vem a Globo dará tchau à exclusividade” e papos assim rondando… Uma das melhores notícias que o fã de futebol poderia receber. Promessa é dívida: até agora, nada. Se o pay-per-view irrita, ver a fórmula do campeonato brasileiro voltar a ser mata-mata só para poder ver os jogos decisivos e aumentar os pontos ligados na emissora irritaria mais ainda. E, olhe bem, já fiz muitos amigos em mesa de bar… Tá certo que não gosto de ver jogo com chiado, chororô e cabeças se intrometendo na frente, mas é bom nos acostumarmos com o “clima de Copa”…

Data da edição da Veja de 7 de junho de 2006 a matéria “Torcedor em Festa”. Diziam que, se o futebol nacional continuasse sob os auspícios dos Marinho, ainda assim outras operadoras de TV a cabo como a Mais TV, pobrezinhas e coitadinhas, poderiam contar com os canais elitizados da Globosat, passando os melhores programas para mais alguns milhões de telespectadores ao redor do país, sem que eles tivessem que pagar mais de 100 reais para contar com a benesse dos jogos de São Paulo, Vasco, Cruzeiro, Grêmio, etc., mais do que 2 vezes por semana (conforme na TV aberta – ó, a quem estou enganando, os marajás transmitem apenas Flamengo e Fluminense, a comédia e a tragédia do futebol tupiniquim!)… Isso era lasanha podre para gato, já que indigesto mesmo são os 400 reais para ter tudo ao alcance dos botões, sofá, pipoca, 24h de partidas decentes… O pior é que, estragada ou não, a comida não vem; e continuamos vendo o restaurante funcionar ao lado, alguns cuspindo em seus pratos.

Mas hein?! Que papo é esse de campeonato brasileiro em mata-mata? Quando já nos achávamos europeizados, o complexo de vira-lata nos assalta novamente. Se a CBF sucumbir à tentação tribal e transformar o certame de turno e returno em Copa do Brasil II: A Missão,(*) pararei de acompanhar futebol. Perderei o tesão. Ou voltarei a fetichizar a liga italiana, sensata em suas marmeladas rodada a rodada… Já ouvi falar de muitos velhos morrendo do coração nos estádios, mas esse negócio de “emoção” é para quadrúpede fazer a sesta… A Globo podia passar jogos internacionais, se o problema é a incompetência dos brasileiros nos torneios eliminatórios sul-americanos… Aí vem o velho papo da bandeira e do hino, que ninguém, afinal, sabe… Como se doletas e merrecas não falassem a mesma língua… Só que, nessa Babel, a plim-plinzada carioca não manjou que campeão nacional é o maior somador de pontos, não o time das “cagadas”….

(*) Flamenguista, por exemplo, se acha o valentão das decisões, sem saber que em campeonato sem final qualquer batida em bêbado já é um clássico imortal; os poderosos estão se cansando da hegemonia são-paulina; os pequeninos quererão um pedaço da pizza – com 8, vai dar: é impossível chegar ao topo da tabela, mas quem sabe aos 33% mais bem-colocados! Ou quase metade, 8/20, 4/10, ! Isso mesmo, insólitos 40%, percentual digno de um Náutico –; e a Globo é a “paladina do povão”…

O Brasil tem sempre que ser diferente de tudo e de todos – por que não inventam uma bola com pontas? Ou uma bola-melancia? Ousaram até um pijama para árbitros… Tá na hora de reabrir a fábrica de craques, pois o melhor do brasileirão já foi um argentino e agora é um sujeito que nasceu num país que nem existe mais… Sem dindim, sem “aquele meia”… A TV Bobo faz questão de ficar com toda a verdinhada, os clubes que se danem, não dá nada! Só tem igreja na televisão, e eu achando que o futebol era a saída dos pagãos. 

[PREVIEW DO PRÓXIMO POST] Como uma discussão sobre o autismo e o conceito de Doppelgänger em Jean Baudrillard me levou a entrar em detalhes sobre o melhor vilão de Dragon Ball e a carreira do Messi… Parece uma dupla loucura, mas não é!

Trecho de BAUDRILLARD, Jean. The Illusion of The End (1994), seguido de especulações e desdobramentos meus acerca da figura do autista que devora o seu duplo e absorve seu irmão gêmeo, seja na vida real ou na ficção, com ou sem êxito:

 

[Not anymore] the delirium of the schizophrenic [personalidade cindida] but of the isophrenic, [idêntico tão-só a si mesmo] without shadow, other, transcendence or image (…) the autist who has devoured his double and absorbed his twin brother¹ (being a twin is, conversely, a form of autism à deux). (…) deprived of hereditary otherness, affected with hereditary sterility, they have no other destiny than desperately to seek out an otherness by eliminating all the Others one by one (whereas <vertical> madness [o tipo antigo da loucura, a família da esquizofrenia, formas arquetípicas do <desejo> de Gilles Deleuze & Guattari] suffered, by contrast, from a dizzying excess of otherness). The problem of Frankenstein, for example, is that he has no Other and craves otherness. This is the problem of racism.”

¹ The Black-Zamasu Syndrome! a Ou a Era Messi?b

O ANTES & DEPOIS DO “PERSONAGEM DUPLICADO” ZAMASU

a Black & Zamasu: dois lados de uma mesma moeda: Dois personagens de mangá/anime que são, no enredo, a mesma pessoa, porém provindos de universos alternativos (o que seria muito demorado explicar em suas minúcias), “um deles” mortal, um tanto impulsivo e dotado de um corpo “ágil e perfeito” (em que residiria essa agilidade e perfeição será deslindado a seguir – este mortal de que falo é chamado de “Goku Black” pelos demais personagens da trama), “outro deles” imortal, possuidor de extensos conhecimentos sobre o universo e não obstante dotado de um corpo um tanto menos versátil que o de sua contraparte espelhada (este é Zamasu, a identidade ‘original’ do ‘falso duo’). “Ambos” formam um par astuto e eficiente, pode-se dizer que “se completam” de forma platônica.

A solução final encontrada pelo(s) personagem(ns) desdobrado(s) Black-Zamasu na sua tentativa de cumprir o ambicioso propósito que persegue(m) com afinco na estória – o singelo plano da extinção da humanidade não só na Terra como em todo o universo (Ningen Zero Keikaku,(*) ‘Plano Zero Humanos’), e com humanos, nesta narrativa, não entender apenas criaturas antropomórficas, os terráqueos, mas todos os seres que a filosofia existencialista classificaria como conscientes de que um dia irão morrer dada “sua natureza meramente finita, recalcitrante e imperfeita, de pecadores natos, enfim”, como diria o vilão ou a dupla de vilões em questão –, envolve a precipitada decisão de “fundir-se consigo mesmo, acarretando a transformação de duas entidades em uma.

(*) Acho divertida a inadvertida – cacofonia intencional – coincidência acústica que a transposição da obra para o português acaba gerando: ningen, sendo o japonês para ‘humano’, corresponde exatamente à idéia que Black-Zamasu tem/têm do homem: um zé(ro)-ninguém.

Este Narciso que conseguiu mergulhar no espelho d’água e não se afogar, este Fausto do universo ficcional de Dragon Ball, após vender a alma para chegar aonde quer, percebe tarde demais que o “diabo” (neste caso ele mesmo) o ludibriou na barganha, ao constatar que, uma vez fundido com sua cara-metade, sua principal vantagem tática na trama até aquele momento é, como num simples passe de mágica, desfeita: seu senso de cooperação com um Outro (ainda que esse outro fosse apenas ele desdobrado), sua sincronia e trabalho em equipe ideais na paciente execução de um projeto maquiavélico, acabam dando lugar a uma criatura “semi-imortal e auto-suficiente”. Ora, só que não existe a semi-imortalidade (algo intrinsecamente inútil, inferior à imortalidade) nem uma auto-suficiência genuína.

A sutil tragédia desta estória, nem sempre capturada pelo leitor/espectador, está em que a fim de chegar tão longe em seus planos diabólicos Zamasu teve de roubar o corpo do artista-marcial “perfeito”, Goku, o protagonista, que encarna o próprio sentido do humano arquetípico, cheio de defeitos, carências e tolas expectativas, dotado de uma fé cega e ingênua no futuro a despeito da certeza da morte e até de uma certa dose de despeito pelo conceito de divindade (justamente o que nos torna cônscios de nossa capacidade inerente de nos corrigirmos e nos superarmos diversas vezes ao longo de nossa curta vida), conjunto de características tão abominado pelo mesmo Zamasu. A parte “humana” de Zamasu, Goku Black, ao ser incorporada ao próprio Zamasu original, constituindo a partir daí um corpo , desestabiliza seu Ser Eterno. Seu novo invólucro, em vez de onipotente, se revela uma falsificação, um embuste. Zamasu, o Uno, não dispõe mais da vida eterna.

E este nem é o pior de seus problemas após a fusão: logo se evidencia que, contra os humanos – raça que aprende com os erros e enquanto não perece ousa tentar outra vez, mesmo sem ter idéia do desfecho, de se seus esforços serão inúteis ou não, entregando, de qualquer maneira, tudo de si –, a própria habilidade de Zamasu, da parte do Goku Black em Zamasu, que ele tomou emprestada do corpo mortal de Goku quando uma de suas metades se transformara em Black no passado, a habilidade do contínuo e incessante auto-aperfeiçoamento pessoal, não passa de uma cópia barata da versão dos humanos autênticos dessa mesma habilidade. Zamasu, principalmente agora que contaminou sua antiga parte “humana” (parte que, reitera-se, era um mal necessário para que ele sobressaísse no combate) com traços divinos (e não o contrário: em Zamasu, é o humano que decai graças a sua metade deus, e não o inverso!), não possui a vontade e a determinação necessárias que lhe possibilitariam, em última instância, ultrapassar seus próprios limites.

Ao escolher se fundir consigo próprio, Zamasu apenas antecipou o fim do combate: se tornou um adversário facilmente vencível, incapaz de acompanhar o ritmo das proezas dos rivais e de compreender o ethos do inimigo. (Em sua cabeça, devia se perguntar: Por que eles lutam comigo, em intensa solidariedade uns com os outros o tempo todo, mesmo quando se acham em nítida desvantagem na correlação de forças? E por que eles não desistem nunca de realizar o impossível? O que faz criaturas tão frágeis e insignificantes se comportarem de maneira tão absurda e ao mesmo tempo exibirem uma invejável serenidade no olhar? Que impulso é esse que os move, que nem mesmo um deus como eu entende?!) O resultado final icônico do embate é que Black-Zamasu termina cortado em dois por um dos humanos que o antagonizam. Seu corpo imortal tinha o dom da auto-regeneração, mas sozinho não poderia vencer os humanos super-poderosos da trama fantástica. Quando se fundiu consigo mesmo, seu novo corpo semi-imortal foi aos poucos se deformando e perdendo aquela capacidade restauradora, embora ele calculasse que o ganho de poder resultante da fusão decidiria a guerra a seu favor.

Aquilo que fôra cortado pela espada de um humilde ser humano (a espada, apenas uma espada como qualquer outra, nada mais é do que o símbolo da inquebrantável perseverança dos mortais) não era bem a carne de Zamasu, a dizer verdade, mas seu espírito, sua própria essência, e este profundo ferimento metafísico se mostrou uma chaga incurável.

A evolução tremendamente satisfatória (em sua ascensão e queda) do multifacetado e secretamente atormentado Zamasu – esse Prometeu negativo, esse deus presunçoso e anti-socrático, que “não sabia que nada sabia” –, e seu estratagema cínico de forjar uma hipócrita aliança com seu duplo ou Doppelgänger, um duplo que ao mesmo tempo que imitava os seres humanos teria de ser seu principal instrumento para finalmente extingui-los, tornam este personagem, de longe, no melhor antagonista jamais apresentado por esta série shounen de lutinhas acéfalas, em que normalmente imperam a superficialidade mais boçal e os velhos clichês maniqueístas.

OBS: Deve haver uma mística ligação entre Jean Baudrillard e Dragon Ball, pois não é a primeira vez que eu associo a ambos – e ser mais distintos um do outro é impossível! – em posts do Seclusão (aqui vai a pista de uma possível explicação racional: novamente o assunto abordado se refere à ‘síndrome de deus’ de que padece o animal homem em todas as culturas conhecidas)!

Vide o contexto completo da primeira “analogia” entre aspas de Baudrillard e personagens de Dragon Ball em https://seclusao.art.blog/2021/12/20/ss-em-3-atos/.

b Lional “La Pulga” Messi: O conhecido jogador de futebol foi tachado por muitos “entendidos” de “autista” nos seus anos iniciais de carreira porque ‘se comunicava’ e ‘atuava’ de forma supostamente bizarra e muito diferente da habitual, tanto nos gramados quanto na vida privada. Diferente até de outros gênios do passado, principalmente do ícone-mor argentino, o extremamente sociável e integrado com o seu povo, extrovertido e burlesco Diego Maradona, que por muitos anos foi uma sombra na trajetória de Messi.

Vemos, num dégradé perfeito, como Lionel Messi foi se tornando, com a idade, cada vez mais e mais maradônico, seja porque assim quisemos passar a enxergar após começarmos a prestar mais atenção ou porque o meia-atacante foi se tornando, sem afetação, de modo orgânico e natural, grande e irreverente tal qual seu ídolo de infância, não só através de suas quebras rotineiras de recordes e a técnica cada vez mais precisa e apurada, como também pela maturidade com que aprendeu a chamar toda a responsabilidade e estrelato para si, aglutinando os companheiros pelo bem maior da equipe e confrontando com personalidade e malemolência os críticos e adversários, cada vez mais estupefatos e rendidos.

Messi soube se desdobrar, enquanto se movimentava como uma flecha durante os jogos, separou o Messi indivíduo comum do Messi lendário, o cidadão do mago protagonista de espetáculos, se situou num ângulo favorável, numa distância confortável, diante do espelho em que se punha a observar seu próprio Outro, que na verdade são duas coisas distintas, seus dois Outros – 1) o seu futuro como será contado pela História, que só pode ser decidido por ele mesmo; 2) e aquela antiga sombra ou reflexo pertencente ao passado, que mais parecia um destino inexorável a pesar como uma bigorna sobre as suas costas, ele, Diego Armando Maradona. Por muito tempo, no entanto, pensaram, e talvez Messi tenha pensado, que seus dois Outros eram um só: Messi é Maradona; mas se Messi não tem uma Copa, então Messi não é Maradona… então,a na realidade, Messi não é ninguém… Não!… Messi será Maradona!… contanto que… Entende-se onde quero chegar.

Os anos profissionais de um jogador de futebol passam muito mais depressa que nossa já efêmera vida. E, para Messi, sua trajetória como jogador, o capítulo mais importante de sua biografia, culminou com a decretação oficial de sua “santidade atlética”, a atribuição sem direito a controvérsia de seu status de craque atemporal, diante de toda a imprensa e da atual geração de torcedores do esporte mais popular do planeta, após a apoteótica exibição na final da Copa do Mundo de 2022, no momento em que erguia a Taça Fifa. Hoje, mesmo antes da aposentadoria, Messi já é apontado (e não aposentado, leia bem!) – e por não poucos, talvez pelos mesmos que antes tentavam explicar suas performances sobrenaturais apelando para diagnósticos clínicos! – como “melhor que Maradona” enquanto jogador e “tão influente e carismático quanto Dieguito” fora das quatro linhas, façanha notável, outrora até impensável, quando nos damos conta de que na Argentina Diego Maradona é venerado como um deus…

O VICE-CAMPEONATO MAIS ARDIDO DE TODOS OS TEMPOS

Originalmente publicado em 3 de julho de 2008. Auspiciosamente republicado hoje para comemorar uma derrota brasileira no Maracanã!

Na virada do dia 2 para o dia 3 de julho de 2008 o futebol se deparou com um dos resultados mais justos de que já se teve notícia ao cabo de uma competição de suma importância, neste caso a glória máxima das equipes sul-americanas, a única escola que realmente importa quando se fala na modalidade, paradoxal e curiosamente, criada pelos sensaborões ingleses.

O Fluminense sucumbiu diante da Liga Deportiva Universitaria de Quito. Esperou-se ansiosamente para que o mundo da bola voltasse a seu estado de coerência habitual (ainda que este seja permeado de caixinhas e mais caixinhas de surpresas!). Explica-se: a própria galgada do time das Laranjeiras à decisão da Libertadores da América foi a mais infamante injúria, um descaminho que nem cem Sobrenaturais de Almeida poderiam explicar. Não foi apenas sorte, uma cadeia de eventos fortuitos. As leis da termodinâmica precisaram ser estilhaçadas durante vários minutos das rodadas de quartas e semi-finais, o que obviamente favoreceu o time que levaria franca desvantagem nos seguintes confrontos: Os Badalados do Rio de Janeiro X São Paulo FC e Os Badalados do Rio de Janeiro X Boca Juniors. Dissequemos a quase-desgraça que se anunciava e que só deixou de se abater sobre o planeta (ou a América, o Planeta Bola) no último instante, roteiro muito semelhante, aliás, a um drama hollywoodiano, em que o final é inevitavelmente a felicidade geral. (Exclui-se da conta os condoídos da longa noite.)

O CAPITÓLIO DA JUSTIÇA

A mídia não merecia. A imprensa nacional – vendida a interesses escusos, que variam de sediar uma competição de envergadura, tal qual uma Copa do Mundo, algo totalmente descabido para nosso patamar civilizatório, à manipulação de horários de jogos e sabotagem moral de equipes estrangeiras – não merecia. A Globo, sobretudo, não merecia – e quebrou a cara (ou as lentes tão caras de suas câmeras pouco ou nada imparciais, se é que é possível divagar sobre níveis de imparcialidade… Não percamos tempo com a raça dos jornalistas!). O Fluminense – de história microscópica diante de outros Golias brasileiros – não merecia. Renato Gaúcho, o técnico mais prepotente do novo milênio, não merecia. Washington, um atacante com dificuldades visíveis de domínio de bola abençoado em uma série de lances pela eliminação temporária das leis da Física, merecia ainda menos. A Unimed e seu patrocínio desmedido – somas desproporcionais aplicadas em uma instituição duvidosa – tampouco merecia. O presidente do Fluminense, Horcades, envolto em corrupção, não o merecia. O FUTEBOL, Ó DEUS DO CÉU, LOUVADOS SEJAM PELÉ, OS DRIBLES BEM-FEITOS, A SEMPRE BEM-VINDA COMPETÊNCIA, A BOLA REDONDA… NÃO MERECIA VER UM TIME RECALCITRANTE SE SAGRAR CAMPEÃO CONTINENTAL! Se me perguntarem “entre a mídia e o Fluminense, fica com quem?”, respondo que ambos se merecem.

A única concessão a essas entidades, retirando-se, claro, o futebol, é o direito ao choro copioso. Quem diria: botafoguenses, vascaínos (estes sempre na sarjeta) e flamenguistas (acometidos de um terrível desastre no meio do torneio), além de muitas outras torcidas, se é que não todas (exasperadas com o pedantismo sem-fim do sr. Renato), são os que deitam e rolam ao mirar a desolação vizinha. O chororô já deu muito o que falar em 2008, mas ainda não tinha assumido PROPORÇÕES OCEÂNICAS como nesta madrugada! O pior é que para as vítimas ainda não foi decretado o desfecho: este poderá vir de forma sobretudo lancinante, à última rodada do Campeonato Brasileiro. A tabela dirá por mim… As promissórias da ascensão precoce do time de Magno Alves à série A no triênio 99-2000-2001, fiada pelo Diabo, vencem em dezembro.

CASUALIDADES QUE ENCERRAVAM UM “MALDOSO” PROPÓSITO FINAL

Um acidente aos 48 do segundo tempo que de repente assume, nas bocas dos fanfarrões, aspecto de “superioridade técnica e tática inquestionáveis”. Massacres, domínios plenipotentes de um time sobre o outro no transcorrer de etapas inteiras, que redundam na ausência de gols, fosse por chutes tortos, fosse por defesas não mais que estupidamente improváveis de um goleiro sem um pingo de talento. Gols nascidos absolutamente no reino do absurdo, sempre um ou dois ou três minutos em seqüência a gols legítimos, auferidos pelos oponentes, equipes verdadeiramente qualificadas (gols que o Fluminense sofria e que devolvia, em surtos de loucura e histeria indizíveis, o que em circunstâncias normais seria um suicídio tático – ataques infecundos seguidos por contra-ataques mortais). Eis aí ingredientes que, detonados pela pólvora da vontade de ser macho de um indivíduo rabugento no comando de onze panacas, fazem explodir o Maracanã: para variar, no sentido negativo. Esses latinos de “abroad” muito se comprazem em murchar nossas surreais ostentações. O Brasil nunca foi o melhor em nada. Apenas em “colocar a culpa em alguém”. Essa é uma especialidade ibérica que migrou para a “nação da cana”.

A pronunciada “sorte de campeão”, que acompanhava o Fluminense há 5 rodadas (que eu chamo de “ruptura das forças forte, fraca, eletromagnética, gravitacional e do que mais a Física um dia descobrir”), se tornou o mais trucidante azar de vice, confirmando a aura maldita do Mário Filho. Tudo conspirou, afinal, para que a soberba do Renatão grassasse a cada dia, para que o time chegasse inesperadamente aonde chegou… até tudo escapar pelos dedos num chute da marca da cal. O próprio Washington, fonte de piadinhas geográficas endereçadas aos são-paulinos (a escala antes de Tokyo onde acabaram por interromper a viagem), foi quem sepultou, ironia das ironias, o “sonho”. Alguém duvida da incapacidade de sonhos que desrespeitam a Física tornarem-se reais? Não preciso prosseguir com a humilhação. Há silêncios que ferem como adagas. Calar-me-ei até o epílogo do ano, quando duas autênticas potências do futebol se confrontarão em busca de um título do mundo: quem ganhar será um campeão válido! Por ora, o simples desenrolar da realidade já se encarregou de sobrepujar a injustiça das últimas semanas…

LADRÕES DE PARABÓLICA, OU: DOS VÁRIOS PARADOXOS QUE CIRCUNDAM O HOMEM BERLUSCONI

Originalmente publicado em 23 de maio de 2007

Mais de meio século depois a depressão econômica deixou a Itália. A Itália é mais uma das duzentas nações pós-modernas do globo terrestre, dominada pela televisão. Tanto que elegeram presidente um dono de canal, Silvio Berlusconi. Nada mais quixotesco, infame, risível. Quixotesco porque, ao verem o erro que haviam cometido, tentaram lutar contra o mau governante usando a mídia, e isso é dar de cabeça no moinho.


Mas, mudando de entrevero, que tal falar da atualização dos famosos “ladrões de bicicleta”, suposta alegoria (e quando podemos dizer que o cinema neorrealista é alegórico?) da situação de penúria na Itália da Segunda Guerra, presente na película homônima de
Vittorio de Sica? Os ladrões de bicicleta roubavam bicicletas e tinham suas bicicletas roubadas. Todos eram pobres. Rico não anda de bicicleta. Se anda, não depende dela para ir trabalhar, nem a obtém roubando dos pobres (não pelos meios clássicos – ele “manda roubar”, ele vende seus suvenires!). Uma bicicleta vai passando de mão em mão até que quebre ou seja jogada no fundo de um lago, porque quase não há dinheiro para compra; quando um pobre a compra é porque vendeu até o cobertor do filho; e logo, logo ela troca de dono, na primeira esquina obscura – das muitas obscuras – da Milão daquele tempo. É o grotesco de ser a vítima e se ver praticando o ato facínora horas depois – e sendo apanhado. Se houvesse justiça, dir-se-ia, seria uma punição injusta.

Porém, assim como não existe uma Verdade – e a queda de Mussolini isso atesta –, também não existe uma Justiça, e fica por isso mesmo. Daí a classificação do dramalhão por trás de Ladrões de Bicicleta de De Sica (por trás, jamais explícito) como “neorrealista”: é a reprodução – não menos artística, por isso – da realidade, sem cargas emotivas. Gerald Thomas diria que tudo é uma GREAT BULLSHIT, que a arte é desligada da realidade e falha em copiá-la. Mas fato é que o teor, a emoção, ou seja, a constatação dos roubos sucessivos de bicicletas como alegoria de um padrão endêmico social, não é obra do autor, é obra do espectador. Nossos olhos fazem Arte, ao diagnosticarem uma crítica social por trás de uma mera narração semi-estática (câmeras paradas pelas ruas, personagens se distanciando, saindo do foco e às vezes do próprio campo de visão), amoral e perfeita em sua singularidade.


A referida atualização dos
Ladrões de Bicicleta aconteceu hoje, dia 23 de maio de 2007, nos mesmos domínios da Bota. E agora não há motivos para um “filme neo-neo-realista” (vulgo noticiário, embora um noticiário seja mil vezes mais sensacionalista que qualquer filme) chocar alguém. A civilização já perdeu seu resquício de moral e seus ideais. Cada um faz o que bem lhe convém, e nisso ele é apoiado pela ditadura de informações e torrente de imagens despejadas sobre si. Opa, Berlusconi aí de novo!


Fato é que passou, vindo das agências de notícias, trafegando pelos meios de reprodução, e aportando nos lares – e ninguém se deu conta. Ninguém se deu conta de que houve a reprise da série de furtos do filme de De Sica, com a diferença de que não é mais um veículo de duas rodas sem motor o objeto do roubo, isto é! Ninguém percebeu – e, se percebesse, daria de ombros. Muitos não perceberam porque não fazem idéia de quem seja De Sica. Outros tantos porque seu cinismo diário, erguido tijolo a tijolo, isolando-o dos sobressaltos característicos do bicho-homem, não tolera reflexão. Fato é que esta manhã, da data já referida na primeira linha do parágrafo anterior, um homem foi preso em flagrante de roubo. Carregava consigo uma
antena parabólica. Seu intuito era assistir à decisão da Liga dos Campeões da Europa, o último suspiro da maior competição de clubes de futebol do planeta. Um dos times que chegou à final é o Milan, onde há jogadores de todas as nacionalidades. Essa globalização nos gramados deve explicar a seguinte cifra: a partida é televisionada todo ano para mais de 1 bilhão de pessoas. Muitos prestigiam o espetáculo sem uma preferência, pelo ideal utópico da contemplação imparcial. Já o homem em questão (o ladrão de parabólica) é milanês, torcedor convicto. O que dificultava seu intuito de acompanhar o time do coração e incentivou terminantemente seu ato desesperado foi o bloqueio estatal (estatal!) dos sinais da TV aberta de todos os moradores de sua cidadezinha. Em outras palavras, qualquer cidadão, dotado do livre acesso à informação e do pleno direito de se expressar perante a constituição, sem poder aquisitivo para instalar uma antena parabólica ou assinar canais a cabo no seu televisor, ficará na mão durante a exibição do jogo!


Na Itália mais neorrealista que já vi, o governo prepara o crime e o proletário – ops, “consumidor latente”, o que seria mais politicamente correto – o comete. Paralelamente ao personagem do filme, que teve sua bicicleta, instrumento de trabalho, usurpada não mais que de repente enquanto colava cartazes e se viu obrigado a repetir a indocilidade num bairro que parecia deserto e cujo único objeto exposto, a uma parede, era uma lustrosa bicicleta, o protagonista do neorrealismo das agências de notícia do dia 23 de maio de 2007 foi prejudicado pela mão do Estado e, quando pôs a própria mão na massa para consertar a situação e se dar bem (sem pensar nos outros, exatamente como cada um de seus pares, nós humanos), o mesmo Estado, na forma dos guardas, lá estava para exibi-lo às televisões (que ironicamente ele trouxe para si, sejam as abertas, as parabólicas ou as a cabo), num estilo grande-irmão, no pior sentido:
“O homem com uma antena na mão”, não é vergonhoso ler uma manchete dessas? Por que um homem roubaria uma antena?! Não estava roubando pão, não era miséria, era canalhice! Ele não tem motivos pra isso – ninguém tem! Quem imaginaria toda essa situação neossurreal?


No desfecho da produção de De Sica, o roubado que se torna ladrão não é preso ou espancado até a morte. Talvez se assim filmasse De Sica fosse taxado de maquiavélico, frio, insensível. Ou o oposto: moralista! Ele odiava juízos de valor, não queria seu dedo na estória. Não queria apenas um enredo com “happy end” invertido. Seu enredo era a
falta de enredo, tomadas tiradas ao acaso de uma família que se vê às voltas nem com o primeiro nem com o último de seus problemas. Pois então, mesmo que fosse até esperado, realisticamente, que depois de ser pego montado na bicicleta que encontrou quase sozinha o homem pudesse ser morto a bordoadas, pela sensação de que aquilo era panfletário demais, De Sica o tratou de evitar. Ao contrário: preferiu inserir ali um filho pequeno e algumas falas pouco boas dos homens, a primeira vez no filme que alguém despeja alguma lição de moral de modo explícito: “Vagabundo! E ainda rouba na frente do seu filho, que exemplo!”. Ao roubado que virou ladrão resta a resignação, e o orgulho para sempre ferido, não por causa de outros adultos que o apanharam em flagrante, mas pelo testemunho da criança, do próprio filho. A prova (se é que se pode dizer prova) de que isso não é “construído” para virar uma fábula, a encerrar uma moral, de que é puro produto do acaso, é que o protagonista podia ter conseguido se safar dos perseguidores. E seu filho poderia ter pegado o bonde que seu pai mandara que ele pegasse minutos antes – e que não o fez por uma margem de segundos, porque o bonde saiu da estação antes que o menino chegasse… Na verdade o roubo poderia nem acontecer. Assim como o próprio filme. A película é, no final, uma daquelas peças com que topamos mais dia, menos dia – e temos o direito de achá-la ou não alegoria de algo maior. O ser humano tem muito disso: gosta de enaltecer as pequenas coisas.


Quer saber? Talvez o Milan ganhe – e talvez nosso ator (o neorrealismo proíbe as denominações “vítima” ou “herói”) anônimo do roubo de uma antena parabólica consiga assistir à vitória: ouvi dizer que na cadeia tem uma parabólica e uma legião de torcedores.

E Berlusconi? Hoje ele não governa mais o país. Seu hobby predileto é, nestes tempos, gerenciar seu clube de futebol: Associazione Calcio Milan.