[ARQUIVO] DO PARADOXO DO PARTO

Originalmente publicado em 17 de dezembro de 2007. Alterado e ampliado nas datas 15 de junho de 2008 e 17 de dezembro de 2009.

I. DO PARADOXO DO PARTO

Nasceu. A criatura sem dono e cuja descendência é ainda um mistério. Promovedora da iconoclastia, cultuada ou combatido pelos homens póstumos atingirá seu objetivo final invariavelmente. Ser desgraçado, que parece não-socializado, ignora ou aparenta nada além de desdenhar toda a coação vigente. Parece ter vindo do alto da montanha. Mas sua serenidade, seu ascetismo inoculado por uma estranha empáfia, fenecem se comparados, em caráter temporário, à brutalidade de ações pontuais. Ações outras que evocam uma furiosa correnteza, que desvirtua qualquer posição emérita entre estes que, ele sim – e somente –, denomina fracos. Ele, o denominador (e destruidor), o rebento anti-civilização. A figura marginal que pouco ameaçava, agora no papel de protagonista. Todas as certezas ocidentais, se é que ainda mereceriam tal designação, de repente soltas no vácuo, se assimilam ao próprio nada em que trafegam. Cada vez mais. Os contornos dos valores erigidos em milênios ficam difusos. Confundem-se contornos de dois ou mais objetos antigamente rijos; bem como contornos conjuntamente alinhados ou contrapostos e o fundo inócuo, onde se deveriam assentar todas as justificativas…

Quem é essa criatura, potencialmente a inutilizadora futura de quem dela trata, uma vez que a linguagem corre sério risco? A encarnação niilista e quase amorfa – ainda é feita do que o conclamado saber instrumental chamaria de carne – da História do mundo, ela própria fragmentada em multimundos pede, ou exige, o tombamento de todas as ideologias. Artigos de luxo e vindouras exposições e simulacros. A forma perfeita de entender, pela abstração laboratorial, a vitória irrevogável da própria ausência de qualquer entendimento. Alguém ainda respirará abaixo dos escombros após tempo suficiente? Talvez os bárbaros sucedâneos. Mas que visão impossível é a sociedade dos bizarros, clones (mal-feitos, o que significa que a intenção original fôra cumprida) do primeiro, justamente no que constitui uma não-sociedade, o esmagamento da interação discursiva mais simplória. Um ser, na hora apropriada, rui cem por cento dos pressupostos e exibe, glorioso, a coroação do pastiche? Por quê? Que fragilidade “inauditamente projetada” houve nas estradas, cidades, portões e desertos? Tecnicamente, a presença do ser, carnudo, jamais pôde ser exposta doutro modo que não uma descrição desonesta para com a própria falta de relevância?

Ora, nasceu também o relato. Uma peça elaborada, galgada no mundo já embebido, em sua essência, pela soma das lápides. Que quer dizer então? O indizível. A alegoria da caverna de Platão tampouco melhora as coisas…

II. DOS MAIS DIVERSOS RAIOS DE LUZ QUE OFUSCAM: ECCE CIÊNCIA PRAGMÁTICA!

O fim encetou pelo primeiro cerco. Balbucios arautos da verdade. A verdade do jogo, ou seja, uma cópia eternamente imperfeita da sede, grega ou cinematográfica. Estática ou com rotações digitais. Há a intriga, cotidiana, há o combate paulatino, existe a rebelião única e também já foi visto o projeto monumental da conversão da luz exterior em nova sombra das paredes. Destas todas, o homem se dá sobretudo pior com a luz irritante, porque onipresente mas sequer intensa, dos interesses diários, entre os quais, inclusive em vida, a mínima metafísica ou teleologia é deixada de lado e os prejuízos são imprevisíveis mesmo para o mais amoral (e não falo do ser). Claro, porque – ativada a linguagem – a noção de prejuízo é forte em demasia perante os corações – ou os olhos.

III. DA SUPERAÇÃO, VIA CORPO

Cingir a realidade não é o caminho. As ganas de conhecer fora-de-si são vontade de ser pedra. Institucionalizo essa condição para a correspondente volição. As pantomimas na tal luz encontram subsídio. Desejo a experiência máxima? A verdade é real; encontra-se no corpo. A verdade não é. O verdadeiro sempre corre, conquanto não foge de alcance ao bom usufruidor. O impulso de deus sombreou. Na estalactite da caverna a dor, sem ter como alegar que para além da cruz esbarra-se com o antídoto. Deterioram-se as panacéias débeis. Questão de tempo que o entardecer ensine à carne depauperada a dialética da não-contradição: torna-te aquilo que tu és.

IV. DO INAUDITO

Somente sei que o que jorra agora é o sangue, e a gargalhada parece o correr de um rio. Não há mais pingue-pongue. É a vida embebida na imortalidade dolorosa da carne. Benévola, livre, a criatura se refestela. Já não é a verdade que se isola, que não ecoa para outro senão para si. O homem se reconciliou com seus pais: a volição e a matéria.

[ARQUIVO] O MESSIAS & O HOMEM RURAL: Uma novela pós-apocalíptica.

Originalmente publicado em 3 de dezembro de 2009. 

Não foi preciso uma legião de bombas atômicas. O Estado nos abandonou. Polícia? Se não pagam impostos, são menos que lixo! O modelo de organização do Ocidente, uma vez adotado na China, o velho reacionarismo europeu… Tudo isso prejudicou ainda mais a situação americana. Não existem informações sobre a África. O número de pessoas impossível, a desertificação… A inflação… Ninguém mais tinha carteira assinada ou dinheiro para bens industriais. É uma escravidão sem senhor… Conseguem comida aqueles que dispõem de cavalos… Em uma antiga capital de país de terceiro mundo faz muito calor – e ainda tentam dar sentido e dignidade à existência.

Se há algo que não decaiu é o volume de arquivos. Toda a literatura está lá, embora envolta em pó e de utilidade duvidosa. O onanismo é o último remédio. Alguns foram viver entre os bichos. Há insistentes que se organizam em células de autossuficiência. Uma delas, localizada da forma mais ordinária, chama a atenção das chaminés, nuvens ácidas e do intenso sol. Não há nada que seja ilegal, embora a ausência de leis tenha findado a distinção. Alguém de alma jovem ainda caça novos valores. O que é um valor? No mundo sem mídia sequer se propaga o ideal do amor… Que animal político tem um intento, sórdido que seja? Esta é uma história que nenhum almanaque poderia conter… Seu registro estará apenas na brasa do fogo de um neo-Prometeu qualquer, que remeta à condição uma vez humana. De uma vez por todas chegou o ano (206X? A contagem tornou-se imprecisa.) da responsabilidade. Esta coisa estorvada que sempre pairou um pouco acima do solo sem sentir o seco, sem oprimir ninguém. Uma ventura sem rebanho! É demandado fazer-se deus.

Mostrar-se-á a degradação em pormenores e também o momento culminante da guerra dos indivíduos… Quando o exército de desabrigados, caravana ou bandeirantes da desolação, surge para implodir o que já estava semi-soterrado: a propriedade privada. Em busca de valores, cada um se apegava a seus apartamentos – ou ao que deles sobrou… As intempéries são piores à noite, mas não tem um indizível sabor achar-se o último, desobrigado de tudo e por isso mesmo soberano? Tempo é de incerteza e amor à vida. Este momento não tem comparação: somente é igual a ele mesmo…


Esboço de capítulos

O primeiro sábio sem nome

O artista supremo

A vida como ela é!

Todos os males vêm para o bem… Porque os males vêm para e por si mesmos.

Ulisses nunca termina de viajar, eis apenas um episódio…

Penélope Charmosa, rainha da costura

Diretrizes para a imortalidade…


RE-ESCRAVIZAÇÃO DOS FRACOS (que são os fortes de hoje)

Nada de ágoras ou interrupção da hereditariedade. Porém é certo que “pai” será apenas associação afetiva bem posterior ao nascimento, porque origem genética e fidelidade do casal são impossíveis de se verificar como padrão. Uma espécie de fluxo incessante entre transeuntes de povoação em povoação.

Valorização da sorte e das infinitas ou múltiplas alternativas. Não existem leis, todos criam e destroem e têm qualidades diferentes – e um poderio, em variável absoluta, quiçá maior porém sempre temporário e revogável.

Interiorização da ética artística, fusão de ética e estética, cristãos mantidos sob controle, embora se cace adeptos e se expurgue os indolentes que porventura nascerem entre os poderosos. GRANDES COMPETIÇÕES E EXPEDIÇÕES!

[ARQUIVO] A SOCIOLOGIA E A SUA VIDA / BODES EXPIATÓRIOS & CÉREBROS VIRANDO GELEIA

Originalmente postado em 5 de outubro de 2009. Parágrafo novo no final.

Sob o que paira tão alto, sua casa e sua família. Contornos mais nítidos, mas coração mais apertado. O que é sensível para nós seria falável, se não fosse doloroso falar do que mais se conhece! Quanto ao insensível e incorpóreo, tanto faz que tenhamos imparcialidade, ele é obscuro e distante mesmo… Claro, até voltar a ser familiar; digo, familial. E o quanto das cabeças dos nossos pais não é absolutamente indecifrável, por mais autômato e robótico?

Escrevo para tentar parar de pensar sem cessar no mesmo corpo de problemas todos os dias, o que vem me atrapalhando a manter minha rotina de leituras. Não me importam a sociologia e seus entreveros entre autores, todos corretos e todos errados ao mesmo tempo. Chega!

Só me importam alguns pontos, tais quais: se um sujeito bem gordo completa a travessia de uma ponte de madeira sobre um rio, envergando-a para baixo, e um segundo sujeito, magrinho, apenas pele e osso, tenta passar e racha a madeira, caindo na água quando estava justamente no meio do caminho, de quem é a culpa? O cristão instaurará um inquérito de imediato. Estes ocasionaram o Estado, a polícia. Se o gordo não é ricaço, a culpa é dele, ele vai preso. Ou, se não houver provas de que alguém ali passou antes, o ônus vai todo para o magricela. Bodes expiatórios são unidades carnais. Cristo era um homem. Nesse nosso mundo não é costume a partilha de responsabilidades. Vai ver é por isso que a Terra está assim, que a camada de ozônio…

Ninguém? Deus? Não falemos de vazios, sigamos no Mundo dos Homens falando de Homens, e não de Idéias. Afinal, em tudo que importa, só Homem, o ato, a matéria, o tangível, é que entram na conta. E que se dane se o gordão fez de propósito ou o magro estava sendo coagido. O que você faz não é voluntário nem desinteressado.

Então por que eu aqui? Sinceramente, o que mais me preocupa no momento é dinheiro. Não dinheiro para a vida toda, não meu dinheiro, mas o dinheiro dos meus pais que vai pra mim. Atualmente, é assim que eu vivo, e até 2ª ordem continuarei pedindo toda semana algumas notas, retirando-as da carteira do meu pai sob as vistas do dono. Ele ser murrinha e eu ser um universitário desempregado são duas coisas que não casam bem. Mas tem de casar, de alguma forma – é a vida. O chefe da família diz que não há conversa nessa casa, os filhos mondrongos são os responsáveis. Eu digo que ele é um bicho-do-mato escroto que não tem solução, é um daqueles casos perdidos.

Não importa quem tem razão, nem qual é o lado fraco. Ele vai morrer como mau pai e sem conquistar os filhos. Vai viver cada segundo do resto de sua vida com o peso (será que o elefante sente?) de não ter conseguido estabelecer o mínimo diálogo intergeracional. Se há um consolo – certamente ele pensa nesses esquemas –, é que ele acha que algo extraordinário irá acontecer e ele ainda poderá realizar sua meta (opa, nós – estranhamente, ele não se encara como ator). A esperança morre só depois do defundo…

P.S. 2023: Hoje moro só e meu pai está em fase final do Alzheimer. Até hoje nunca admitiu seus erros e ainda acusa todos a sua volta por não ter-se tornado o Rei da Inglaterra.

[post híbrido] mercenaries 2: world in flames (360/pc/ps2/ps3) [RESENHA]

! recomendado para menores de 18 anos !

! alerta de jogo de propaganda imperialista americana !

PC, PlayStation2, PlayStation3 & Xbox 360

Mercenaries 2:

World in Flames

F I C H A   T É C N I C A

Developers Pandemic Studios (360/PC/PS3), Artificial Mind and Movement (PS2)

Publisher EA

Estilos Third-Person Shooter > Arcade involuntário! / GTA rip-off

DATAS DE LANÇAMENTO

360

31/08/08 (EUA), 05/09/08 (EUR), 11/09/08 (OCE), 20/11/08 (JP), 15/06/10 (EUA, EUR, Games on Demand)

PS3

31/08/08 (EUA, CAN), 01/09/08 (Ásia), 05/09/08 (EUR), 11/09/08 (OCE), 20/11/08 (JP), 26/11/09 (JP, EA Best Hits)

PS2

31/08/08 (EUA), 05/09/08 (EUR), 11/09/08 (OCE), 20/11/08 (JP), 26/11/09 (JP, EA:SY! 1980)

PC

04/09/08 (EUA), 05/09/08 (EUR), 11/09/08 (OCE), 20/11/08 (JP), 14/05/09 (EUR, EA Classics), 10/09 (EUA, Jewel Case)

NOTAS DA IMPRENSA + CONSUMIDORES

6.9 (PS2)

7.3 (PS3)

7.1 (PC)

7.5 (360)

NOTA PESSOAL

4

Este jogo é pra…

(X) passar longe  (  ) dar uma jogadinha de leve  (  ) dar uma boa jogada  (  ) jogar freneticamente  (  ) chamar a rua toda pra jogar  (X) um tipo específico de jogador. Qual? Psicopatas. (  ) incógnita

Chávez zicou, e o jogo “anti-com.” flopou!

DROP EXPECTATIONS, NOT BOMBS!

Imagine um jogo com mundos gigantescos cheios de power-ups incríveis que permitam ao gamer dar vazão total a seu instinto primordial (principalmente no caso dum shooter), que é a destruição pura e simples, catarse tão gratuita quanto bem-vinda… Porém, agregue alguns ingredientes antes que pense ter finalizado sua sopinha antes de nanar: glitches que podem interromper a ação, inteligência artificial digna de zumbis (e não, você não enfrenta zumbis em Mercenaries 2, pelo menos não enquanto gente morta não começar a reviver das cinzas!), armas em abundância mas terríveis de manusear, enredo pífio e uma incorrigível falta de variedade. O mundo está em chamas, só não sabemos se dentro da sua TV ou na sua cabeça, após se irritar com algumas das (várias) falhas… Contenha-se, não incendeie seu console por algo tão bobo: há muitas outras opções no mercado, mesmo para esse tipo de detonação em terceira pessoa em ambientes abertos, como a franquia onipresente Grand Theft Auto e Mercenaries “1” (Xbox, PS2). Por que recomendaríamos o próprio Mercenários? Porque a primeira versão é muito mais gratificante!

Versão PS2

O ESTADO ZERO DA CINEMATOGRAFIA DE “GUERRA” (CIVIL)

Escolhe-se entre três mercenários – cada um deles com uma biografia muito similar. A narrativa diz respeito a uma vingança de proporções absurdas contra um homem que o(s) contratou e não pagou (ora, tudo isso faz parte de ser um mercenário, por isso eles cobram um preço tão alto!). A quem se pergunta, o jogo não é um licenciamento da trilogia – ou sei lá quantas continuações mais – com Schwarzza e Stallone, mas na minha franca opinião usar o roteiro do filme não melhoraria nem pioraria este game… Não há dúvidas de que o enredo é fraco como o do longa, mesmo não sendo o do longa, que aliás só é Mercenários no Brasil, o que exigiu essa minha nota explicativa. Outro elemento de má qualidade no produto é o trabalho de dublagem dos personagens poligonais. A vantagem é que o jogador não terá de se preocupar com a storyline ou mesmo suportá-la: as cutscenes entre as missões são tão inconseqüentes que podem ser tranqüilamente puladas.

MODO TREINO, OK

As primeiras missões são especialmente para que se acostume com a mecânica de jogo de tiro em terceira pessoa. Esse não é daqueles títulos em que você pensa antes de atirar (Rainbow Six) ou nem atira se puder evitar (Metal Gear Solid), ou bola (não a tecla O) uma estratégia antes da fase começar (podendo levar consigo apenas 2 ou 3 armas): num intervalo de 30 minutos, o protagonista escolhido experimentará uma miríade de armas, granadas e C4, dirigirá carros, barcos e jipes enquanto defende o que será, eventualmente, daqui em diante, sua base militar. Depois disso, ainda haverá um razoável lote de missões divertidas, enquanto o modus operandi continuar fresco.

MODO PRA VALER, UH! SÓ DETONAÇÃO… E DA PIOR.

É depois da primeira hora de jogo que se vai começar a notar que algo ficou pelo caminho. Para um jogo que faz todas as suas apostas no arsenal à disposição, executar soldados inimigos não é tão satisfatório. As armas soam fracas, é difícil acertar alvos em movimento, e o dano causado é inconsistente. É simplesmente mais fácil tomar um tanque ou se chocar contra um helicóptero do que tentar destruir um dos dois. Armas mais pesadas, como as granadas com propulsão de foguete, apesar de poderem esmigalhar praticamente tudo que estiver no raio da explosão, não contam, obviamente, com muita munição, o que tornaria o game fácil em demasia. É entediante, ainda, a peculiaridade de ter de ir à loja, reservar a arma, sair, telefonar para confirmar a compra e a chegada da arma à loja e aguardar (enquanto leva e dá muitos tiros pelas ruas) até ser, finalmente, capaz de sacá-la. Por que não apenas entrar na loja, comprar a maldita gun no balcão e sair atirando sem delongas, que nem nas vendinhas dos Estados Unidos?

Versão PS3 – o fogo parece um raio laser de um Star Fox rodando no GameCube!

A versão virtual da Venezuela contida nesta mídia é imensa, porém isso traz pontos negativos na esteira. Os desenvolvedores não incluíram muita coisa para se fazer nas estruturas com bastante potencial espalhadas pela capital Caracas (que no game não chamam de Caracas por motivos óbvios), então o gamer será tentado, quase que exclusivamente, a estabelecer seus próprios critérios de desafios, não-raro explodir edificações, transformar carros em carcaças ou aterrorizar civis pilotando um tanque no meio das principais vias. (Ah, o sonho americano: detonar países autoproclamados socialistas… Nojento!) Pode ser um hobby especialmente afeito aos destruidores e revoltados de carteirinha, porém é uma péssima notícia para quem espera aquela clássica relação com um jogo em que ele possa ser “zerado”. É-se penalizado por machucar ou matar cidadãos normais, que não têm nada a ver com suas brigas de facções – o que mostra que os mercenários são muito mais éticos que a Casa Branca –, mas além disso uma simples bala perdida durante uma de suas rodadas de diversão aloprada no meio urbano pode enfurecer uma facção inteira. As facções são a principal fonte de novos trabalhos e podem ser essenciais para progredir, mas quando uma em específico está indignada com o jogador, pararão de oferecer serviços sujos e começarão a abordá-lo de forma “pouco amistosa” a cada esquina (elemento copiadíssimo de GTA2 em diante).

A extensão incomum das fases oferece outro problema: a não ser que conte com a opção do transporte instantâneo, vai demorar uma eternidade para passar de uma zona da cidade à vizinha, quanto mais de uma ponta à outra do mapa! É fácil se perder nos afluentes das ruas; o GPS incorre em erros que fazem um Waze desregulado parecer a melhor bússola do mundo; soldados aliados abrirão fogo de súbito enquanto você tenta se localizar; (!!) se estiver de helicóptero, ele é freqüentemente derrubado dos céus por mísseis que tem acurácia quase perfeita e mal se anunciam no radar. Para tornar as coisas ainda piores, quando se é morto depois de ter atingido um checkpoint em um ponto diferente da fase, é, ainda assim, necessário voltar ao marco zero (à base) para ser re-incumbido da missão e só em seguida voltar (é como se o check/save point não servisse pra nada!).

PS3

Três personagens não-selecionáveis surgem para suprir o jogador de veículos/serviços sem os quais ele não poderia cumprir todas as missões: uma mecânica, um piloto de helicóptero e um piloto de jatinho. O piloto de helicóptero talvez seja o mais útil dentre eles. Servirá para jogar suprimentos (que podem ser inclusive soldados) e transportá-lo, desde que o jogador disponha de dinheiro para gasolina e munição. O piloto do avião, um russo bêbado rei-dos-estereótipos, joga bombas à menor solicitação. Porém, esses bombardeios aéreos são muito menos eficazes do que transparecem: é muito raro que o veículo esteja próximo o bastante para causar estrago significativo, além do que é terrível se concentrar em um alvo por mais do que alguns segundos, porque o adversário agredirá com muito mais perspicácia e precisão e estar-se-á correndo o risco de explodir com o russo e sua vodca, todos juntos, de um segundo para o outro! Se pelo menos ele enfiasse toda aquela vodca no c…omplemento de combustível do veículo!

Apesar das missões terem algum tipo de enfoque (proteger tal objeto ou agredir tal porção das forças inimigas), o método mais fácil para cumpri-las é explodir tudo que houver à frente e que esteja atrapalhando. Táticas específicas seriam perda de tempo, porque não funcionam. A mecânica é consideravelmente inútil, uma vez que tudo o que ela pode oferecer é um carrinho novo, o que não satisfaz as ambições do mercenário apelão, e custa um preço anormal: sucata encontrada em caixas espalhadas pela cidade inteira, que não valem o suor dos polegares do jogador.

Na prática, Mercenários, em sua segunda versão gamística, funciona como um Grand Theft Auto cadeirante: promete muito, realiza pouco. Para quem não gosta de sair pela cidade causando pandemônios aleatórios, quase nada sobra no fundo da panela. Quanto às diferentes facções com que se pode entrosar ou rivalizar, é uma só, tipicamente, que oferecerá todos os contratos importantes para se avançar na narrativa. Houvesse maior preocupação com variedade, o jogador teria de intercambiar favores entre os times envolvidos em rixas, tornando-se um verdadeiro camaleão maquiavélico, o que não é o caso. Maioria dos objetivos é tomar um prédio para servir de novo entreposto mercenário. [bocejos]

Quando se foge muito dessa premissa, é para pior: escoltas ou duelos de corrida sem muito sentido (Need for Speed Underground agora, família?). Há ainda tarefas secundárias optativas, como os high value targets, ou cabeças premiadas, naquele esquema “vivo ou morto”. Nos casos mais simples, basta capturar a vítima e fotografá-la para ser financeiramente remunerado. Não obstante, e de novo, não vale a pena correr atrás de esmolas quando fazer barbaridades e promover o caos de modo pouco inteligente rendem muito mais doletas! Mesmo que se tentasse bancar o bom samaritano e eliminar os cartazes com o rosto dos mais cobiçados estampados nas paredes do seu escritório (dentre eles não vi a cara do Shanks!), soldados do próprio time do jogador podem acabar matando aqueles que ele desejaria ter vivos sob seu poder, no meio do bangue-bangue!

O CONSOLO É QUE SÓ PIORA: ASSIM VOCÊ PÁRA LOGO DE JOGAR!

Os problemas mais graves, que DEVERIAM EXPLICAR uma avaliação numérica baixa para Mercenaries 2 (mas as notas da crítica e dos fãs foram e são boas, e o game vendeu bem, o que é o mais incrível!), começam pela IA deprimente. Correr para trás de um edifício fora do alcance dos disparos dos mercenários rivais salvará a pele do seu personagem (graças à regeneração automática da life bar), visto que eles não o perseguirão até pontos distantes do mapa. E na hora de destruir um veículo ou equipamento, o mais fácil é se aproximar ou mesmo entrar no local e esperar que os próprios imbecis que querem enterrá-lo façam o serviço sujo no lugar de impedirem que o gamer o faça. Brilhante!!!

PS3

Segure-se, porque a lista de deficiências apenas começou: helicópteros sumirão do espaço aéreo, como num malfadado tilt; ou os suprimentos que eles deviam deixar num bom lugar vão parar em telhados, inacessíveis sob qualquer circunstância; faróis flutuarão no meio do nada (uma ode a Super Mario 64?); pessoas que você deveria resgatar talvez se afoguem sozinhas ou apenas uma parte do corpo delas entre no helicóptero (defeitos poligonais de primeira geração dos consoles caseiros, como venho dizendo!); aliados se rebelarão contra o jogador sem motivação aparente (talvez por mal-entendidos anteriores em suas biografias? – coisa que o enredo infelizmente não se esforça para esclarecer); atirar é tão complicado que correr até os oponentes e socá-los pode ser mais interessante; soldados mortos renascem nas torres de comando e retomam postos que você já havia roubado para si (o que é isso, fizeram um trato escuso com Mefistófeles?); balas atravessam paredes; pedestres entram na frente do seu carro buscando o suicídio simples e rápido; o game pode travar durante uma tela de loading; o personagem pode sofrer morte súbita com energia restante para combater; e sequer será estranho caso os dados salvos sumam sem aviso prévio!…

Pararei por aqui, mas é um relato categórico de erros inaceitáveis para qualquer deep 3D game do século XXI, ou qualquer jogo divertido desde a era Pong. Quando falamos em 3D profundo, falo dos open-world de proporções épicas que começamos a ver desde o PlayStation3 e o Xbox 360 (com Red Dead Redemption como o template-referência na temática faroeste), mas nem por isso fazemos vista grossa à versão PS2, que apresenta limitações equiparáveis, só que sentidas como se fossem maiores, dadas as limitações naturais de hardware.

PS2

FLIP THE COIN, VEJA AS GOTAS DO COPO VAZIO!

Há um modo cooperativo online para 2 jogadores que ajuda a elevar um pouco a nota final. É possível reviver o colega para evitar o interrompimento da ação. Normalmente, ter o dobro do poder de fogo tornará as missões muito mais fáceis, contudo um parceiro imprudente vai direcionar as milícias e gangues rivais também para cima de você (o que, agora, pelo menos é engraçado)! Continua a haver uma série de bugs, talvez maior, devido à interface via internet, propícia a uma menor fluidez. Considerando-se o montante de erros do single player, não é uma possibilidade desprezível ter seu dia arruinado, mesmo sendo o modo mais divertido do DVD!

ASPECTOS TÉCNICOS: PREGOS FINAIS DO CAIXÃO & RESSALVA (DUVIDOSA) PARA CONSUMIDORES MICROSOFT

Os gráficos estão longe da solidez. As versões do X360 e do PS3 são praticamente idênticas, com exceção de problemas de aliasing mais comuns nas máquinas da Sony, desde a primeira geração do PlayStation: texturas mais embaçadas do que o normal (Lembrem-se, meus caros, que o próprio Nintendo 64 já vinha com um recurso chamado anti-aliasing? Pois é, mas o grau de limpeza das texturas continuou progredindo marginalmente século XXI adentro…). Como se pode ver pelas imagens, os carros possuem rodas patéticas, dificilmente aprovadas por Pitágoras. Inimigos parecem ter sempre o mesmo rosto e apresentam uma animação de morte das mais estúpidas e rocambolescas! Por último, a paleta de cores é apagada, cinzenta demais (parecida com a de Gears of War), defeito quase inescapável para jogos do gênero na segunda metade da década 2000. Mesmo os tributos (obviamente involuntários) a sucessos da indústria dos anos 90 (Mario, GTA bidimensional, Need for Speed) não são o bastante para capturar a atenção dos gamers em 2023. Alguém que tenha experimentado a versão de Xbox 360 poderia me dizer por que ela é tão boa (aparentemente melhor que a dos “vizinhos”) – se é que já jogou as demais para comparar pessoalmente?

CURIOSIDADE: DESSA NOS LIVRAMOS!

A Pandemic Studios (mas que nome!) faliu pouco depois de Mercenaries 2, e a Electronic Arts, rainha dos jogos overrated, chegou a iniciar a produção de uma continuação pelo selo EA Los Angeles. Felizmente perceberam a tempo que a franquia era uma bosta e cancelaram o projeto!

CEREJA DO BOLO: UM JOGO NÃO EXISTE NO VÁCUO

(TUDO É POLÍTICA, ATÉ EXPLOSÕES INSOSSAS SEM-SENTIDO – aliás, quer mais política que isso?)

“Eu acho que o governo americano sabe como preparar campanhas de terror psicológico a fim de realizar futuras ações, ainda mais ligadas a reservas de petróleo.”

Ismael García, congressista venezuelano do partido PODEMOS à época. Interessantíssimo observar que o Podemos, de esquerda, já havia rompido com Hugo Chávez, então presidente venezuelano, em 2007, antes de Mercenaries 2, e hoje (2023) Ismael é do Primero Justicia, de centro-direita (trajetória parecida com a de ex-petistas não-bolsonaristas, embora este assunto por si só merecesse um artigo dedicado). Portanto, sua declaração não reflete sequer qualquer interesse em concordar com o governo venezuelano da época, mas demonstra que todo político responsável do Executivo de um Estado pode se sentir ameaçado quando um jogo produzido pelo maior mercado de games e incidentalmente maior superpotência militar do planeta “passa uma péssima imagem” do próprio país contemplado no jogo que criou – para dizer o mínimo – com fins de puro entretenimento (essa nós não engolimos!). E, assim, legitimamente protesta em nome do povo venezuelano. Exercício mental para programadores brasileiros ousados: criem um jogo em que o objetivo seja matar Biden ou Trump e vejamos o que não lhes acontece (a vocês, não aos velhinhos bilionários)!

Agradecimentos a Aaron Thomas do gamespot, à notícia em gamedeveloper.com/pc/venezuela-upset-at-message-sent-by-i-mercenaries-2-i- e a imgflip.com pelo meme acima.

Por Rafael de Araújo Aguiar

versão 2 – 2012: criação original. 2023: resenha ampliada e articulada politicamente.

® 2002-2023 0ldbutg8ld / RAFAZARDLY!

Este post está sendo excepcionalmente publicado em simultâneo nos dois blogs do autor devido à intercessão de assuntos (games & política), rafazardly.com e seclusao.art.blog. (versões de fundo negro ou branco, conforme preferência do leitor)

NO FINAL É TUDO IGUAL

Conto inspirado por um jogo e por uma música.

Desapontar os outros é sempre algo horrível. Geralmente o concurso de pessoas bem-intencionadas em uma ação coletiva e planejada culmina em tragédias indizíveis. Ou pelo menos ocasionalmente, não me tirem de pessimista inveterado! No caso de Baroque, até mesmo quando estamos falando de individualidades separadas da própria divindade… o concurso de suas ações pode ser estéril. A raiz, o erro original, pode estar além de suas forças. Pode-se imaginar algo mais paralisante do que isso? Encontrar o limite das faltas de limite? Deus supostamente enlouqueceu, e por isso está acorrentado no fundo da torre. Você, dissociado, assassino do próprio irmão gêmeo, parcela-clone de deus, também não está muito bem do juízo. Na ânsia de restaurar a sanidade e de refundir as essências, simultâneos suicídio e ressurreição… Não, não falemos de fusão nuclear… Essa já aconteceu, e de modo piorado: o “mundo”, o mundo gregário da técnica, como era conhecido nos manuais, já se foi, só sobrou a Torre do Nervo. Mas há redenção?, é a pergunta premente, para os que estão presentes neste vácuo futuro. A verdade dói. E após a fusão planejada, com a ajuda insuspeita de Eliza e Alice… A Verdade do mundo é re-revelada. Ou re-velada, se é que me entende. Pois posta a nu a verdade já não tem qualquer valor. O mundo pós-apocalíptico é, afinal, tanto quanto o mundo pré-apocalíptico, obra de um mesmo Deus. Não há capacidade, ou melhor dizendo, não há necessidade de retroagir ou recuperar algo perdido. Isso seria negar a divindade, blasfêmia suprema (deus duvidar de si mesmo). Paradoxo existencial. Contrassenso. Se o universo tivesse um coração, esse coração jamais pararia, é um axioma cósmico perdido na noite dos tempos, sem autor, sem desgaste. O que aconteceu, aconteceu. O mundo presente, o resquício de mundo, é a obra de Deus. O Arcanjo, conspirador, desejava, em sua sanha e insânia, “purificar” a essência da própria corrupção. O plano era desde o início a própria consunção suprema da distorção que queria combater e refrear, uma Sefirah criada pela ruindade do mundo, um derivado, um produto, incapaz de criação de novos valores. E se… mesmo antes, mesmo agora, em nossa realidade, antediluviana em certo sentido, o mundo é distorção, e é feito para ser assim? E não há nada intrinsecamente mal nisso: as pessoas, suas vivências, são distorções, é seu modo de ser. Desesperadas, atrás de um ideal de pureza que é na verdade iníquo, por não entenderem que as pessoas devem viver com o peso de serem incompletas, elas querem a completude na ‘purificação’. E começam a inventar quimeras, ilusões, pedras barrocas e preciosas, com que adornam suas almas falidas, Sefirahs… O botão de reset apenas recoloca 12 no último andar da torre (o terraço). Esta é a condição humana, escolhida pelo homem, que afinal foi criado por e também cria deus, a cada instante renovado. Livre-se da culpa ou não livre-se da culpa. A culpa continua a existir, em algum lugar, de alguma consciência, e faz parte do universo, como o coração faz parte do universo. E é preciso aceitar. E quem aceita? Quem se recusa a aceitar?, perguntava-se #12… Horrível é sempre os outros desapontarem.

 

MORAL DA ESTÓRIA: O 6 e o 9 implicam o 0, independentemente da gênese, que é o rabicho da cobra. Sisifolândia.

[REPRISE] ANCESTRALIDADE EM CLASSE

Originalmente publicado em 17 de setembro de 2009.

Quando chegamos ao cume do tédio advêm algumas vontades esquisitas. À parte aquela de fuga do momento (estar em uma sala abafada, quase imóvel, a bunda doendo machucada pelo caráter tosco da carteira, exposição mecânica, dialética vã e vazia), quando o corpo se resigna e decerto se conforta com um tempo eterno (sempre foi assim!), começo a preparar tarefas, realizáveis sem sair do meu lugar. Exemplos: contar o número de pessoas alojadas, pensar detidamente sobre meu sábado, o que todas elas farão imediatamente ao ganharem a liberdade, do que meu corpo precisa, como ele se conforma agora, o deslocamento de cada sujeira da minha unha… Quando lerei os textos exigidos? O que o Douglas pensaria dessas elucubrações? É uma modalidade de estetização, um bricolage absurdo, abundante, num tal meio escasso – como seu maquinário faz nos sub-enredos (nas tramas em cascata) dos sonhos! Para quem o Thiago estava ligando? Será apenas para espantar o sono? Estou concretizando a meta minimalista de converter em narrativa cada momento (insight Pedro V.): essa vida de aluno, haverá algo tão agradável-no-melancólico para mim? Pareço um matusalém das salas de aula, sou um barbudo grisalho cheio de artimanhas. Quantas horas! Cada coçada de nariz, essa sensação de não estar em nenhum tempo, dissociado de pretéritos e destinos… Vício no ócio, não há outra explicação. E em expelir sangue (negro).¹ Salas semi-desertas e de “fim de curso”: panorama parecido com meu parto do Andarilho T…²

¹ (P.S. 2023:) Trata-se da cor da tinta da caneta.

² (P.S. 2023:) Conto iniciado em 2004. Retrabalhado e publicado em 2012 e novamente em 2016. Talvez venha a figurar na série CILA OU CARIBDE.

[REPRISE] NÃO ERA PRA CASAR

Originalmente postado em 29 de agosto de 2009

“Perder-se”: outra grande temática de reflexão, além d’“o retorno”! Excitação, adrenalina… Aventura: Valparaíso, Ingá, rodoviárias e ônibus. Longa noite: paradeiro inaudito. A vida como RPG. Ditadura do relógio em segundo plano. Caminho de leituras e afazeres até uma monografia: não outra que não um labirinto! Minhocão, subsolo, reentrâncias, números e siglas… Sagas em miniatura. Agora vejo essa tendência em tudo: na ebriedade, na Música, no futebol… Todo Link tem seu confortável domicílio perto de uma Sagrada Deku Tree, mas qual seria a graça se não explorasse? A vida sempre foi um JOGO! Com desespero e feridas reais, fica mais difícil de empunhar a espada sem pensar três vezes no que irá acontecer a seguir. Sair com febre: Guará e seus conjuntos, a casa do B. e a volta para casa – alguma dúvida do que é que eu queria? Com certeza não era dançar funk, beber cerveja ou transar com a irmã da R.! O fio de Ariadne não seria, aliás, o mouse? Redes de amigos, comunhões e desventuras – o risco de se danar, olhar para trás e não poder voltar… Autoconservação COINCIDE com automutilação.

Cadê seus instintos? Mulher, a víbora (no bom sentido): quase me faz pisar na Igreja. Por que me apaixonei por você e não por outra? Porque o pré-requisito fundamental mais importante até agora não escrevi: PERDER-SE COMIGO NO LAR DO MINOTAURO! Você foi minha Salomé, “não era pra casar”!

Estou na minha idade épica… Depois serei um daqueles velhos muito consultados? Frio na barriga, o maior dos imperativos por enquanto! Brasília de repente está em silêncio, silêncio que cheira a INTERROGAÇÃO. O que eu quero para o meu Messias? Por que tempestade dissipa?

Para suprimir o pornô… O pornô é terrível por causa da ânsia que provoca. Daí se vê que é bem uma coisa do estômago. Não tem coisa mais sem-graça que a mulher rendida, despida, em quem (na qual, objetal!) somente se enfia! Sempre achei o semi-nu, o decote, a fuga e a intriga mais espetaculares. Aquele momento intermediário no qual somos mais felizes. Omissão feminina. Desbravamento masculino – 1ª VEZ: E. se recusa a ir embora na noite escura, mas não se convida explicitamente a ficar, espera meus movimentos, logo vai me dar, sem me dar nada!…

RPG, leia-se: transportar as neuras convulsivas cerebrais para o plano da ação. Não é que os sistemas caprichem nos cenários e na física e esqueçam da psique das personagens. É que o ocidental travado tem o cérebro inchado e é enfermo do pé! Renasça, ó beleza automática! Hiei, meu alter ego lutador! Depois que se cumpriu uma missão colossal, uma tarefa muito laboriosa, o que resta? Ora, nada nunca foi de ninguém. O amor a um ser humano, uma jóia, uma pedra preciosa, a estima popular, tudo é passageiro. Mas é suficiente o seguinte: gana de algo mais, uma curiosidade que persiste… Gastar até o último cêntimo da sua centelha…

[PREVIEW DO PRÓXIMO POST] Como uma discussão sobre o autismo e o conceito de Doppelgänger em Jean Baudrillard me levou a entrar em detalhes sobre o melhor vilão de Dragon Ball e a carreira do Messi… Parece uma dupla loucura, mas não é!

Trecho de BAUDRILLARD, Jean. The Illusion of The End (1994), seguido de especulações e desdobramentos meus acerca da figura do autista que devora o seu duplo e absorve seu irmão gêmeo, seja na vida real ou na ficção, com ou sem êxito:

 

[Not anymore] the delirium of the schizophrenic [personalidade cindida] but of the isophrenic, [idêntico tão-só a si mesmo] without shadow, other, transcendence or image (…) the autist who has devoured his double and absorbed his twin brother¹ (being a twin is, conversely, a form of autism à deux). (…) deprived of hereditary otherness, affected with hereditary sterility, they have no other destiny than desperately to seek out an otherness by eliminating all the Others one by one (whereas <vertical> madness [o tipo antigo da loucura, a família da esquizofrenia, formas arquetípicas do <desejo> de Gilles Deleuze & Guattari] suffered, by contrast, from a dizzying excess of otherness). The problem of Frankenstein, for example, is that he has no Other and craves otherness. This is the problem of racism.”

¹ The Black-Zamasu Syndrome! a Ou a Era Messi?b

O ANTES & DEPOIS DO “PERSONAGEM DUPLICADO” ZAMASU

a Black & Zamasu: dois lados de uma mesma moeda: Dois personagens de mangá/anime que são, no enredo, a mesma pessoa, porém provindos de universos alternativos (o que seria muito demorado explicar em suas minúcias), “um deles” mortal, um tanto impulsivo e dotado de um corpo “ágil e perfeito” (em que residiria essa agilidade e perfeição será deslindado a seguir – este mortal de que falo é chamado de “Goku Black” pelos demais personagens da trama), “outro deles” imortal, possuidor de extensos conhecimentos sobre o universo e não obstante dotado de um corpo um tanto menos versátil que o de sua contraparte espelhada (este é Zamasu, a identidade ‘original’ do ‘falso duo’). “Ambos” formam um par astuto e eficiente, pode-se dizer que “se completam” de forma platônica.

A solução final encontrada pelo(s) personagem(ns) desdobrado(s) Black-Zamasu na sua tentativa de cumprir o ambicioso propósito que persegue(m) com afinco na estória – o singelo plano da extinção da humanidade não só na Terra como em todo o universo (Ningen Zero Keikaku,(*) ‘Plano Zero Humanos’), e com humanos, nesta narrativa, não entender apenas criaturas antropomórficas, os terráqueos, mas todos os seres que a filosofia existencialista classificaria como conscientes de que um dia irão morrer dada “sua natureza meramente finita, recalcitrante e imperfeita, de pecadores natos, enfim”, como diria o vilão ou a dupla de vilões em questão –, envolve a precipitada decisão de “fundir-se consigo mesmo, acarretando a transformação de duas entidades em uma.

(*) Acho divertida a inadvertida – cacofonia intencional – coincidência acústica que a transposição da obra para o português acaba gerando: ningen, sendo o japonês para ‘humano’, corresponde exatamente à idéia que Black-Zamasu tem/têm do homem: um zé(ro)-ninguém.

Este Narciso que conseguiu mergulhar no espelho d’água e não se afogar, este Fausto do universo ficcional de Dragon Ball, após vender a alma para chegar aonde quer, percebe tarde demais que o “diabo” (neste caso ele mesmo) o ludibriou na barganha, ao constatar que, uma vez fundido com sua cara-metade, sua principal vantagem tática na trama até aquele momento é, como num simples passe de mágica, desfeita: seu senso de cooperação com um Outro (ainda que esse outro fosse apenas ele desdobrado), sua sincronia e trabalho em equipe ideais na paciente execução de um projeto maquiavélico, acabam dando lugar a uma criatura “semi-imortal e auto-suficiente”. Ora, só que não existe a semi-imortalidade (algo intrinsecamente inútil, inferior à imortalidade) nem uma auto-suficiência genuína.

A sutil tragédia desta estória, nem sempre capturada pelo leitor/espectador, está em que a fim de chegar tão longe em seus planos diabólicos Zamasu teve de roubar o corpo do artista-marcial “perfeito”, Goku, o protagonista, que encarna o próprio sentido do humano arquetípico, cheio de defeitos, carências e tolas expectativas, dotado de uma fé cega e ingênua no futuro a despeito da certeza da morte e até de uma certa dose de despeito pelo conceito de divindade (justamente o que nos torna cônscios de nossa capacidade inerente de nos corrigirmos e nos superarmos diversas vezes ao longo de nossa curta vida), conjunto de características tão abominado pelo mesmo Zamasu. A parte “humana” de Zamasu, Goku Black, ao ser incorporada ao próprio Zamasu original, constituindo a partir daí um corpo , desestabiliza seu Ser Eterno. Seu novo invólucro, em vez de onipotente, se revela uma falsificação, um embuste. Zamasu, o Uno, não dispõe mais da vida eterna.

E este nem é o pior de seus problemas após a fusão: logo se evidencia que, contra os humanos – raça que aprende com os erros e enquanto não perece ousa tentar outra vez, mesmo sem ter idéia do desfecho, de se seus esforços serão inúteis ou não, entregando, de qualquer maneira, tudo de si –, a própria habilidade de Zamasu, da parte do Goku Black em Zamasu, que ele tomou emprestada do corpo mortal de Goku quando uma de suas metades se transformara em Black no passado, a habilidade do contínuo e incessante auto-aperfeiçoamento pessoal, não passa de uma cópia barata da versão dos humanos autênticos dessa mesma habilidade. Zamasu, principalmente agora que contaminou sua antiga parte “humana” (parte que, reitera-se, era um mal necessário para que ele sobressaísse no combate) com traços divinos (e não o contrário: em Zamasu, é o humano que decai graças a sua metade deus, e não o inverso!), não possui a vontade e a determinação necessárias que lhe possibilitariam, em última instância, ultrapassar seus próprios limites.

Ao escolher se fundir consigo próprio, Zamasu apenas antecipou o fim do combate: se tornou um adversário facilmente vencível, incapaz de acompanhar o ritmo das proezas dos rivais e de compreender o ethos do inimigo. (Em sua cabeça, devia se perguntar: Por que eles lutam comigo, em intensa solidariedade uns com os outros o tempo todo, mesmo quando se acham em nítida desvantagem na correlação de forças? E por que eles não desistem nunca de realizar o impossível? O que faz criaturas tão frágeis e insignificantes se comportarem de maneira tão absurda e ao mesmo tempo exibirem uma invejável serenidade no olhar? Que impulso é esse que os move, que nem mesmo um deus como eu entende?!) O resultado final icônico do embate é que Black-Zamasu termina cortado em dois por um dos humanos que o antagonizam. Seu corpo imortal tinha o dom da auto-regeneração, mas sozinho não poderia vencer os humanos super-poderosos da trama fantástica. Quando se fundiu consigo mesmo, seu novo corpo semi-imortal foi aos poucos se deformando e perdendo aquela capacidade restauradora, embora ele calculasse que o ganho de poder resultante da fusão decidiria a guerra a seu favor.

Aquilo que fôra cortado pela espada de um humilde ser humano (a espada, apenas uma espada como qualquer outra, nada mais é do que o símbolo da inquebrantável perseverança dos mortais) não era bem a carne de Zamasu, a dizer verdade, mas seu espírito, sua própria essência, e este profundo ferimento metafísico se mostrou uma chaga incurável.

A evolução tremendamente satisfatória (em sua ascensão e queda) do multifacetado e secretamente atormentado Zamasu – esse Prometeu negativo, esse deus presunçoso e anti-socrático, que “não sabia que nada sabia” –, e seu estratagema cínico de forjar uma hipócrita aliança com seu duplo ou Doppelgänger, um duplo que ao mesmo tempo que imitava os seres humanos teria de ser seu principal instrumento para finalmente extingui-los, tornam este personagem, de longe, no melhor antagonista jamais apresentado por esta série shounen de lutinhas acéfalas, em que normalmente imperam a superficialidade mais boçal e os velhos clichês maniqueístas.

OBS: Deve haver uma mística ligação entre Jean Baudrillard e Dragon Ball, pois não é a primeira vez que eu associo a ambos – e ser mais distintos um do outro é impossível! – em posts do Seclusão (aqui vai a pista de uma possível explicação racional: novamente o assunto abordado se refere à ‘síndrome de deus’ de que padece o animal homem em todas as culturas conhecidas)!

Vide o contexto completo da primeira “analogia” entre aspas de Baudrillard e personagens de Dragon Ball em https://seclusao.art.blog/2021/12/20/ss-em-3-atos/.

b Lional “La Pulga” Messi: O conhecido jogador de futebol foi tachado por muitos “entendidos” de “autista” nos seus anos iniciais de carreira porque ‘se comunicava’ e ‘atuava’ de forma supostamente bizarra e muito diferente da habitual, tanto nos gramados quanto na vida privada. Diferente até de outros gênios do passado, principalmente do ícone-mor argentino, o extremamente sociável e integrado com o seu povo, extrovertido e burlesco Diego Maradona, que por muitos anos foi uma sombra na trajetória de Messi.

Vemos, num dégradé perfeito, como Lionel Messi foi se tornando, com a idade, cada vez mais e mais maradônico, seja porque assim quisemos passar a enxergar após começarmos a prestar mais atenção ou porque o meia-atacante foi se tornando, sem afetação, de modo orgânico e natural, grande e irreverente tal qual seu ídolo de infância, não só através de suas quebras rotineiras de recordes e a técnica cada vez mais precisa e apurada, como também pela maturidade com que aprendeu a chamar toda a responsabilidade e estrelato para si, aglutinando os companheiros pelo bem maior da equipe e confrontando com personalidade e malemolência os críticos e adversários, cada vez mais estupefatos e rendidos.

Messi soube se desdobrar, enquanto se movimentava como uma flecha durante os jogos, separou o Messi indivíduo comum do Messi lendário, o cidadão do mago protagonista de espetáculos, se situou num ângulo favorável, numa distância confortável, diante do espelho em que se punha a observar seu próprio Outro, que na verdade são duas coisas distintas, seus dois Outros – 1) o seu futuro como será contado pela História, que só pode ser decidido por ele mesmo; 2) e aquela antiga sombra ou reflexo pertencente ao passado, que mais parecia um destino inexorável a pesar como uma bigorna sobre as suas costas, ele, Diego Armando Maradona. Por muito tempo, no entanto, pensaram, e talvez Messi tenha pensado, que seus dois Outros eram um só: Messi é Maradona; mas se Messi não tem uma Copa, então Messi não é Maradona… então,a na realidade, Messi não é ninguém… Não!… Messi será Maradona!… contanto que… Entende-se onde quero chegar.

Os anos profissionais de um jogador de futebol passam muito mais depressa que nossa já efêmera vida. E, para Messi, sua trajetória como jogador, o capítulo mais importante de sua biografia, culminou com a decretação oficial de sua “santidade atlética”, a atribuição sem direito a controvérsia de seu status de craque atemporal, diante de toda a imprensa e da atual geração de torcedores do esporte mais popular do planeta, após a apoteótica exibição na final da Copa do Mundo de 2022, no momento em que erguia a Taça Fifa. Hoje, mesmo antes da aposentadoria, Messi já é apontado (e não aposentado, leia bem!) – e por não poucos, talvez pelos mesmos que antes tentavam explicar suas performances sobrenaturais apelando para diagnósticos clínicos! – como “melhor que Maradona” enquanto jogador e “tão influente e carismático quanto Dieguito” fora das quatro linhas, façanha notável, outrora até impensável, quando nos damos conta de que na Argentina Diego Maradona é venerado como um deus…

X.

Me convidaram para o clube de xadrez. Eu não sabia o que dizer. Faz muitos anos que não jogo. Já me esqueci o movimento das peças. Eu teria que reaprender as regras. Disseram, meu orientador e um colega chamado Gregório, que tudo bem. Hesitante, eu, não sei por quê, aceitei. Meu orientador são duas pessoas que eu conheço.

Isso me põe ansioso. Quando será a primeira partida? Vou perder e ser considerado burro por eles. É claro que pensavam que eu me daria melhor. Não lido bem com jogos espaciais. Muita coisa acontece ao mesmo tempo. Não posso me concentrar de uma vez só nas minhas peças e nas do adversário. Todas. Todas juntas. Um mero lance muda todo o posicionamento relativo, todas as interrelações entre as peças alteram todas as previsões do oponente. Não sei detectar quando meu adversário está sendo imediatista, quando apenas iniciou uma grande jogada que requer mil lances preparatórios. Como contra-atacar essas estratégias tão bem pensadas e executadas? Como implementar minha própria tática e sufocar o adversário, colocando-o na defensiva? Se inicio um jogo e movo uma torre por determinado móvel, ele pouco importa: dez, quinze rodadas à frente o tabuleiro estará irreconhecível, a torre demovida de seu remoto e ancestral propósito. Ou será que ela, soldado orgânico, pensa obcecadamente no rei inimigo? E contudo seu general é um modesto incipiente!

Como querem que eu demore menos de um dia para passar meu turno, tomar minha decisão irreversível, sabendo que tenho de levar em conta todas as movimentações possíveis no universo para não fazer besteira? Bem, é verdade que no início, ao menos, não há muito que pensar. Só se pode avançar peões. Eu nunca lidei bem com avaliar a importância de cada peça no xadrez. Para mim, o valor de um macaco, de um kong, num Plataforma 2D, segue bem mais claro. De uma argola do Sonic, perdida em alturas vertiginosas e mais rápido que o som do tênis tropeçando na madeira. Devo sacrificar minha torre, enfim, para comer o bispo do outro? Sou cavalheiro, cavaleiro, ou são as damas? Bobo da côrte. Porque jogar damas não exige tamanha abstração. Matemática é instintivo. Não passaria nervoso antes de uma partida com quem quer que fosse, nem a rainha da Inglaterra. Os outros parecem enxergar o que eu não vejo.

Estou sentado no corredor do quarto andar. Me disseram para ir sem pressa, jogamos quando der. Agora cada um foi cuidar de seus assuntos. Eu moro aqui. É um prédio muito alto, mas são ainda mais garagens que andares sobre a superfície, isto é, são ainda mais numerosos os andares do subsolo. Eu moro no quarto andar. Mas o oitavo está quatro lances de escada abaixo. Significa que eu moro no -4. Não faz muito calor, mas tudo tem aspecto velho e poeirento, sem necessariamente sê-lo. A Universidade de Brasília anda sem investimentos, largada. Está certo que cederam todo o lote do antigo Colégio Militar para expandir o campus, mas não é nada muito além disso. Tudo está ativo e inativo ao mesmo tempo. Nós os veteranos, os ex-alunos, podemos usar tudo aqui, ter nossos beliches, nossos armários, nossos computadores – bem como um banheiro compartilhado por andar. É dentro do campus mas é uma república. E tem tantos andares, esses edifícios, que cabemos todos, milhares e milhares. Todos os alunos, todos os que chegam todos os semestres, e essa massa de egressos. Não tem fim.

Existe uma xérox, uma loja fotocopiadora, no quinto andar, logo abaixo. Mas parece que faliu. O dono, um velho bigodudo, só está lá dentro esperando até alguém se interessar pela faixa de “alugo” pregada na frente. Tudo está fechado na hora em que me aproximo. As cópias eram muito baratas, os materiais, o papel, a tinta andam caros. Eu gostaria muito de tirar uma xérox agora, se bem que não tenho verdadeira urgência, pensando melhor. Em qual cantina vou comer? Existe a do quarto, a do sexto. Uma menina acabou de dizer que não agüenta esse cheiro. É verdade, esse cheiro de mofo com mijo nunca sai do prédio. Diria até que o antecede. Me pergunto como as pessoas não adoecem. Devem ser os anticorpos.

A fila da cantina do quarto andar está muito comprida, não posso comprar meu x-burger. Daqui a pouco vão fechar. Vai escurecer – LÁ FORA… Espera, tenho que procurar algumas pessoas lá em cima antes que o dia termine!

Do lado de fora, T. estava sentado num dos parapeitos rentes à calçada. Logo mais conhecidos se juntaram. Uns três ou quatro membros do clube de xadrez. uma mulher só, entre eles. Dizem que não há nada como jogar xadrez de verdade, com o tabuleiro, as peças, fisicamente… Sentir sua textura, encarar o antagonista. Hoje em dia todo mundo joga pelo celular, não é a mesma coisa. O clube é veementemente contra, a menos que um dos desafiantes não esteja no campus.

Compraram novos computadores. Um bilhete branco pregado com durex fazendo as vezes de post-it na minha tela informa que esta máquina é a mais poderosa e satisfaz minhas necessidades de pesquisa. Duvido muito. Bom, esse teclado, fino, frágil, duro, parece um tapete congelado, está encapado num tecido ainda mais velho, puído e esburacado, algumas partes são auto-adesivas (velcro). Eles nunca nos dariam acessórios que não fossem improvisados assim, de graça. O mouse, se é que é possível, é ainda mais simples que o teclado. Além disso a tela é muito pequena, do tamanho do próprio bilhete, só x polegadas. Se eu pudesse trazer a minha…

. . .

Quando me aproximava de T. vi que conversava com Mariana, a gorda, e era uma conversa leve, riam, mas o assunto me chamou a atenção: “Não vai me dizer que você é budista agora? Todo mundo está virando budista.” Eu fiquei calado. Guardei silêncio enquanto dava os últimos passos – da distância que eu estava, não era certo para eles que eu conseguira pegar algum trecho da conversa. Isso porque, faz pouco tempo, sou budista.

As garotas querem ir embora, eu vou acompanhá-las até ali, descendo-subindo a rua (eu não sei, sigo ao mesmo tempo das 900 para as 700 e das 600 para as 400). Só por mais duas faixas de pedestre, e pronto. Espera… – não, não posso ir mesmo com vocês. Sim, é uma pena. Vou voltar, preciso comer. O dia passou muito rápido, não consegui resolver nada.

Não há mais atividades para o dia. Recolher-se ao subsolo. Toque de recolher. O toque de recolher é o insuportável atrito dos freios. Nossa rodoviária possui o mais rápido trem-bala.

31 de março, 29 de abril

IRREVERSÍVEL

Ainda cremos que possa haver um retorno, uma reconciliação. Mas a morte do outro encerra essa esperança. Por exemplo: não choro nem fico de luto se meu pai perde uma perna ou envelhece. Muito menos quando envelhece, pois esse é um processo gradual. Mas arrebento em lágrimas se no telefone dizem: o velho acaba de falecer. Infelizmente forte ou fraco ninguém está imune.