[ARQUIVO] DIÁRIO DE UMA VIAGEM A FORTALEZA

Originalmente publicado em 10 de janeiro de 2010. Escrito entre 30 de janeiro e 1º de fevereiro de 2008.

30/01/2008

Talvez também sob influência de meu pessimismo contumaz, das minhas mais recentes leituras (num prazo de dois anos) e do desprezo que sinto por interlocutores de pensamento vil é que apresento este fragmento. É necessário deixar claro que o “interlocutor vil” em questão é um magnata cearense de nome Pelé, sem embargo, não conservo a mínima vergonha de meus antecedentes familiares (ele vem a ser meu tio-primo), resquício algum de racismo regional (vulgo xenofobia) ou aversão por cidadãos financeiramente afortunados. O que não tolero é a incapacidade dos ricos em complementar sua educação socratizando-se um pouco que seja – para ser mais atual-televisivo: vestindo as sandálias da humildade. Tampouco apresento, então, a essa altura, qualquer desprezo pela nomenclatura do maior atleta da História deste universo! É só um codinome, e ter chegado a ele tem lá seu método… Seu erro, meu algoz, foi ter aberto a boca demais! Isso e apenas isso…

Eu, tão lento para apreender opiniões concisas acerca de terceiros, descrevê-lo-ia como um sujeito de mediano para bom no entender político, no que dependesse de nosso primeiro encontro. Mas, de segunda, afirmo: és um parvo, um paspalho! Das coisas da vida, da essência invisível, do mundinho paralelo, do faz-de-conta de que I. falou tu nada entendes! Como aquele povaréu de Tianguá, só há uma coisa que mova sua vida: o dinheiro. É inútil encobrir teus anseios com esta capa, homúnculo! Para essas futilidades se é sempre competente, se desejável. De resto você não passa de um velhaco com alma de menino – não, nada de “puro”… Apenas parece distante do olhar filosófico e próximo demais do seu útero-sol, padece de um complexo de Édipo mal-resolvido. Por tabela, é um amoral inconsciente. E não são estas bestas (ou burros de carga) da igreja os mais perigosos? A filha, N., não pode julgá-lo porque não o conhece. Olha para cima ao divisá-lo – aliás, como toda e qualquer Electra. Eu não sofro desse problema, incontornável na terra (não-física) do cabresto, onde ser de elite não significa muito, no meu mundo de (não-)valores.

Sua infantil presunção de que, assim se julga e não esconde nem por um minuto à mesa, se trata de um homem culto quase me comove. Porque homens cultos não podem afirmar a juventude como único período de erro. Sua concepção assoberbada da vida, neste ponto, só já não me assustava pelas prévias revelações de seu caráter fascista.

No momento troco poucas frases com meu tio – menos pretensioso e de raciocínio mais ligeiro que o de Pelé, o pseudo-mecenas da família Ferreira. Mas tais balbuciações já se afiguram como material suficiente, meu caro “Maluco Beleza das Metamorfoses Ambulantes”, para tecer o único elogio à pessoa aqui em evidência: seu correr na praia – ou caminhada, já que é um frágil, mesmo – é meu escrever. Sim, que falta me faz descascá-lo, debulhá-lo nestas folhas como insípido feijão que vem a ser! Enquanto isso (já não sei mais se falo dele ou para você – de você ou para ele; com você ou 2ª pessoa, com tu ou a terceira), nosso nobre magnata precisa de seu retiro existencial bi-semanal. Pode me enganar, vou fingir que no pacote não está inclusa aquela masturbadela na água quentinha do nascer do sol – coisas bem-aceitas para um cara casado que enfrenta a crise da meia-idade.

Mas o papo, comigo, raras vezes esteve ou foi tão prosaico. Parece (ou mais do que parece) que peguei uma raiva excessiva do sujeito. É que realmente usar Darwin para a raça humana é chumbo grosso… E um indivíduo, ou menos, ente, que se auto-define como conhecer e interessado em buscar mais conhecimento, tolerante, bom ouvinte, reflexivo, sempre aberto a novas quebras de paradigmas (e que não sabe por certo o que representa um sintagma, p.ex.), não pode ter 10% do utilitarismo neo-yuppie (ops, embaralhei dois nomes) apresentado na pior festa que freqüentei desde que boêmio sou (o churrasco do enterro e da fossa). Se foi uma ocasião ruim é por dois (e entrelaçados) motivos: não bebi o suficiente e você (de novo minha mistura pronominal, já não dou um dedo mínimo) estava presente. (Mesmo Dostoievsky mistura pessoas na conjugação.)

O que depõe a meu favor neste cenário de aparente sordidez é que, se não bebi e não usufruí dos dotes das convidadas como mais desejaria (além dos regalos alimentícios), ao menos posso lembrar de cada ato falho seu (do Pelé!) sem a mínima distorção. O caro colega, deixe-me ver, acredita no bem e no mal. Nunca ouvira falar de Nietzsche. E nem que o Raul é um dos brasileiros mais escutados e idolatrados fora de palco de todos os últimos 400 anos. O que pode ser mais ridículo que um homem que acredita no diploma universitário como sinônimo de credibilidade irrefutável? Nem Descartes e Kant juntos!

31/01/08

(fim do 1º mês de um ano de até agora agonia gástrica)

Sabe o que é bastante interessante também?”

O quê?

Que em virtude de meu atual patamar…”

Vá às favas, com todo o respeito que seu ar grisalho merece mas que as ligações neurais comprometem!

Eu sob a mais crônica das diarréias certamente tenho, ainda, um pensamento mais ajustado e coerente que o seu! [Neste ponto decidi-me pelo emprego definitivo da interpelação direta, num misto de falta de vontade de escrever “fascista” a cada duas linhas e de excesso de disposição de fantasiar uma repulsa à la genro-sogro – explicando melhor: gosto da alternativa impossível em que sou um desafiante jovem, apontando o dedo de maneira não-acovardada para a cara do tolo pai de uma princesinha metida a roqueira… Em termos mais breves: meus devaneios com o corpo, o sorriso, a ginga e a burrice da distante prima N. — infelizmente distante em vários sentidos – parecem tornar Pelé alguém mais custoso de engolir, até porque a filha já é comida o suficiente]

01/02/08

Torcendo para escapar do Inferno…

#offtopic MEGADETH et al. (A luz no fim do túnel)

(comentando execuções aleatórias no meu MP3 player.)

  1. Train of Consequences

A estória de um assaltante de trem cargueiro e a moral por trás de seus atos me convocam novamente a uma série de questionamentos de natureza recente: o bem, o mal, os subjugados a eles e os acima dos valores. Minha opinião não é escutada por ninguém que não eu mesmo. A teoria dos grupos de influência não precisa ser lembrada aqui porque considero as pessoas suficientemente autônomas para escolherem seus veículos de comunicação, interlocutores e ações por si próprias. Eu sou apenas mais um canal, uma fonte informativa, integrante de um todo mais complexo ou descartável.

Figuras como Deus são ambíguas, duais. E representações como o diabo ou o ladrão são consideradas “puras” no sentido da essência. Mas hoje ouço falar tão pouco no diabo! Ninguém razoável e com mais de 6 anos realmente acredita em uma forma de vida (ou de morte) parecida, pois já incorporou as lições fundamentais do processo de socialização: o mal está no homem, que ejeta os direitos humanos não por outro motivo que a necessidade de controlar seus sórdidos e irrefreáveis (doutro modo) impulsos.

Fazer o certo e fazer o errado. Ser sacana e ter peso na consciência. Receber o castigo merecido. Essas discussões estão enredadas ao passado. Na situação da sociedade dos jogos ou niilista o único valor de si é aquele percebido por si mesmo, imortalizado em alguma imagem auto-louvável. O ladrão de cargas dilapida todas as vidas dos passageiros e trabalhadores do trem ao pilhar seus pertences. Conquanto não se é um deles, seus atos variam da aprovação à indiferença, em cujo trajeto mora a inveja. Às vezes penso como a vida do roubo é fácil: um sujeito se apropriou do meu televisor e do meu micro sem executar nenhuma transação financeira. Usou da violência, da imprevisibilidade física. Mas o complicado é cogitar-se pondo em prática esse “fácil”. Por que eles podem e eu não posso? Questões de berço (não literalmente, mas de uma ótica fatalista – há os furtadores provenientes de berços de ouro maciço).

  1. Killing Yourself to Live (Black Sabbath)

O ano deve ser um dos da irreversível crise do welfare state. “This is not the way the world was meant” e “Take a look around, what do you see? Pain, suffering and misery”. Além, claro, do título da música. Um ambiente de insegurança suportável graças às benesses teatrais da liquidez do dinheiro. Só o que almejo é o mesmo lar doce lar alheio, e com menos papel-moeda. O montante suficiente, que seja.

A onda de violência obriga o indivíduo a desconfiar de todos e se ver seguro – se possível – apenas dentro de seus próprios portões, ou jaula, a dita propriedade privada, capaz de resguardar até certo ponto todos os outros, tudo que já perdeu sua liquidez e não é mais pertencente a nada nem ninguém. Nem ao capital estrangeiro.

  1. Gears of War

Se a cultura não fosse a simples negação da natureza e respeitasse mais os princípios de sua Mãe o ser humano, além de cagar novas vidas e impor-lhes o ônus do trabalho, não fabricaria um arsenal nuclear, terminando, com tal atitude, por mais desestabilizar que “ajudar” (não precisa ser ajudada) sua biosfera. Uma mente tão corrupta olha a Terra com bons olhos só enquanto não coleciona as prometidas colônias espaciais que permitirão nossa continuidade. Vã continuidade. Viagem modorrenta. Muito curioso esse desenvolvimento, no sentido cíclico mesmo. Nada de linhas retas ascendentes. As marchas da guerra [ou equipamentos, armas] não pensam na preservação da espécie. Não há a menor garantia de que uma hora a rachadura não abra de vez. É um empreendimento de incomensurável risco, bem ao gosto do modo de produção ocidental e… está caduco dizer ocidental. No passado foram os muçulmanos, depois os soviéticos, japoneses… Agora qualquer olhos-puxados. O mundo. A família acabou. O Eu a engoliu juntamente com tudo. Os co(o)rporativistas ainda carregam aqueles livros debaixo do braço, mas, tal qual qualquer imbecil adaptado ou jogado de lado, só aguardam uma brecha para aparecer. Cada um com sua colossal melancia, preocupados que estão todos em se mostrar. Saldo final: não há um singular juiz. Os tecnicistas criaram um monstro que pode reduzir toda a filosofia ao nada instantaneamente… É… venceram!

* * *

Esses boletins sonoros estão me agradando e podem “intervir” na programação futura (Filosofia – Chauí).¹ Terei cerca de cem possibilidades extras…

¹ Este foi um presente de um primo distante do meu pai pelo qual sou muito grato, especialmente dado meu momento desarticulado em terras estranhas e possuído pelas terríveis marcas da saudade (do quê é que não sei, mas tenho certeza que é a parte de maior desamparo no anthropological blues). Neste preciso momento o amigo atencioso está em seus últimos minutos de praia e já vai retornar a seu meio. Eu não. Acrescento que, para saldar honrosamente meu débito, devo reler esses fragmentos ao chegar em casa e cumprir com o combinado: enviar-lhe por e-mail as ementas solicitadas da área de sociologia da UnB. a Mesmo que seu presente – e o meu futuro – não lhe – me – tenha custado nada, considero a necessidade dessa troca para a continuidade sem turbulências do cotidiano; afinal, humanos, culturalmente, vivem se devendo favores.

a Aposto que me esqueci disso!

Uma de minhas maiores vontades momentâneas é tomar uma cerveja gelada, não obstante meu sistema digestório-excretor precisar de um tempo até se restabelecer. Consolar-me-ei em pensar – e só pensar – no dia em que serei auto-sustentável e terei um novo lar – ainda que eu esteja pensando no aluguel: enquanto se pagar em dia, é todo seu. A independência… Uma cerveja gelada é um pedaço disso, por isso a quero tanto. Porém, conforme venho tentando me ensinar ultimamente, em lembretes mentais esporádicos, vive-se um dia de cada vez e, exilado, é-se plenamente impotente, o inverso de plenipotente. Um exílio implica em um outro exílio ao fim do primeiro, pois a terra natal terá mudado, eu mesmo terei, e será necessária uma readaptação ao local e aos afazeres de origem. E em verdade desconheço se poderei fazê-los todos, esses afazeres. Depende muito das circunstâncias. Ainda assim, ainda se puder, teimosamente deles prorrogarei minha licença, em prol de um só: as leituras atrasadas, que só parecem se agigantar enquanto os prazos encolhem e se tornam onerosos. Pelo menos já me livrei da autofobia e, no horizonte, nem o amor eu vejo. Agora bastam as músicas e as renovações, transferências, trancamentos e reda(reden)ções…

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