CRÍTICA DA FILOSOFIA DO DIREITO DE HEGEL + INTRODUÇÃO À CRÍTICA DA FILOSOFIA DO DIREITO DE HEGEL – Marx (trad. Rubens Enderle e Leonardo de Deus; ed. Marcelo Backes, Boitempo), 1843, 1844; 2005 (2010), 2ed.

NOTA À EDIÇÃO

Na Crítica, Marx afirma a ‘verdadeira democracia’, no sentido do pensamento de Rousseau (e de Feuerbach). Já na ‘Introdução’ ele faz uma transição do liberalismo burguês ao tema da ‘emancipação humana’ (isto é, do comunismo), enquanto a democracia passa a ser identificada com a ‘emancipação política’; é quando Marx introduz o conceito de ‘democracia acabada’ (vollendete Demokratie), definição que iria muito além da mera transformação da forma política na república burguesa.”

O primeiro caderno manuscrito – que provavelmente continha a crítica dos parágrafos 257 a 260 da obra de Hegel – desapareceu, e os que restaram contêm uma análise detalhada e crítica dos parágrafos 261 a 313, nos quais é aprofundada a questão do Estado.”

APRESENTAÇÃO

Para os jovens-hegelianos, [esquerda burguesa] tratava-se de demonstrar que o ‘real’ não devia ser identificado imediatamente com a realidade empírica, positiva, como afirmavam os velhos-hegelianos, [direita] mas sim com a realidade que, pelo ‘trabalho do negativo’, deve ser suprassumida em um nível superior do conceito.”

Essa posição, no entanto, sofreu uma séria inflexão a partir de 1841, quando os jovens discípulos de Hegel, desiludidos com as possibilidades de uma reforma constitucional de caráter liberal no reinado de Frederico Guilherme IV, e identificando a monarquia constitucional com um mero compromisso de feudalidade e modernidade, acabaram por abandonar a filosofia hegeliana do Estado em nome da defesa da democracia.”

Marx, embora à época bastante próximo do pensamento jovem-hegeliano, já explicitava suas diferenças em relação a esses autores.”

Essa primeira formulação da idéia de ‘crítica filosófica’ seria retomada e desenvolvida, em 1842, nas páginas da Gazeta Renana, em um pequeno artigo voltado contra a Escola Histórica do Direito e seu precursor, Gustav Hugo. Ao denunciar a impostura da filiação de Hugo à filosofia de Kant, Marx compara o ‘ceticismo vulgar’ da Escola Histórica com o ‘ceticismo do século XVIII’, isto é, com o caráter crítico da filosofia iluminista (id est, a filosofia kantiana).”

Sem a intervenção da crítica filosófica, o ‘já repudiado’ não dá lugar à ‘nova vida’, o ‘espírito novo’ fica preso às ‘velhas formas’ e assiste-se à ‘putrefação do mundo de seu tempo, que se compraz em si mesma’. A crítica não opõe ao mundo uma racionalidade exterior a ele, mas é, ela mesma, tão somente a atualização dessa racionalidade, o tornar-se consciente, para si, do trabalho do negativo que impulsiona o processo histórico para a realização de sua racionalidade intrínseca.”

A crítica vulgar (Bruno Bauer, Max Stirner) assume diante da realidade empírica uma atitude arrogante, altiva, pretensiosa; ela expõe as contradições do existente apenas para desprezá-las como algo pertencente à massa, isto é, ao mundo humano, o mundo da prática sensível, sobre o qual paira a imaculada esfera puramente teorética do Espírito.”

Tratava-se, para Marx, de estender o alcance da crítica para além dos limites do pensamento feuerbachiano, restrito ao campo teórico da religião e da ciência.”

o pressuposto da supremacia ontológica do Estado em relação à sociedade civil, pressuposto este que acompanhou todo o pensamento político ocidental até alcançar, na filosofia hegeliana, sua forma acabada.”

Além disso, foram perdidas a folha de rosto e a capa do manuscrito, o que alimentou incertezas e especulações sobre o verdadeiro título que Marx teria consagrado a essa obra. Em sua primeira publicação, em 1927, na edição da MEGA¹, dirigida por Riazanov, ele aparece com o título ‘Da crítica da filosofia do direito de Hegel: crítica do direito público hegeliano (§§ 261-313)’. Já na edição da MEGA², de 1982, que serviu como original para a presente tradução, adotou-se ‘Para a crítica da filosofia do direito de Hegel’, título mais provável do manuscrito segundo os editores, considerando-se a designação da obra à qual Marx dedicará, logo em seguida, uma Introdução. No Brasil, assim como em outros países, as referências à Crítica adotaram títulos diversos, como ‘Contribuição à crítica da filosofia do direito de Hegel’, ‘Crítica de 1843’, ‘Crítica de Kreuznach’, ‘Manuscrito de Kreuznach’ etc.”

O que Marx denuncia como o ‘mistério’ da especulação hegeliana é a ontologização da Idéia, com a conseqüente desontologização da realidade empírica. Em Hegel, família e sociedade civil são produzidas pela idéia de Estado, engendradas por ela.”

A inversão determinativa entre sujeito e predicado é, portanto, a inversão ontológica entre a determinação real e a determinação ideal, o conteúdo concreto e a idéia abstrata ou, poder-se-ia dizer, o ser e o pensar.”

O pensamento é transformado em sujeito do mesmo modo que Deus o é na teologia: pela atribuição de ser à idéia abstrata e de abstração ao ser concreto.”

A matemática aplicada é, também, subsunção etc. Hegel não se pergunta se esta é a maneira racional, adequada, de subsunção. Ele se agarra apenas a uma única categoria e se satisfaz em encontrar para ela uma existência correspondente.”

A alienação política tem lugar no momento em que o povo, ao se submeter à sua própria obra, perde seu estatuto fundante e as posições são invertidas.”

no poder governamental, como a burocracia, a participação no Estado transformada em privilégio, como uma corporação contra a sociedade civil (§§ 287-297)”

Em Hegel, como em Montesquieu, a constituição é entendida não como um código particular de leis positivas mas como produto do espírito de um povo, conjunto de determinações fundamentais da vontade racional.”

A constituição, como particular, deve ser apenas ‘parte’ do todo, isto é, momento da vontade geral. Como universal, ela deve ser essa própria vontade geral, o próprio todo. Na especulação hegeliana, no entanto, esses dois sentidos da constituição são confundidos: embora afirme tratar da constituição como um universal, Hegel a desenvolve, em verdade, como um particular.”

o conflito do povo com o Estado político reproduz-se, no interior desse Estado, como o conflito do ‘povo en miniature’ do poder legislativo com o poder governamental. § A crítica de Marx à alienação política guarda um vínculo profundo com o pensamento de Rousseau.”

É preciso, porém, distinguir, na argumentação marxiana, os 2 níveis em que o termo democracia é empregado: como ‘gênero’ (a ‘verdadeira democracia’) e como ‘espécie’ (a ‘república política’). A ‘verdadeira democracia’ é um princípio político, não um Estado existente. (…) Com o termo ‘república política’, Marx se refere à democracia no interior do ‘Estado abstrato’, à democracia existente, ainda não plenamente realizada.”

A defesa hegeliana da constituição estamental assenta, por sua vez, na concepção do povo como uma ‘massa’ que ‘não sabe o que quer’, uma ‘multidão e uma turba’ dotada de ‘uma opinião e um querer inorgânicos’, opostos ao Estado.” Infelizmente o tempo está dando a razão a Hegel!

Solange Mercier-Josa, Entre Hegel et Marx (Paris, L’Harmattan, 1999)

A Crítica da filosofia do direito de Hegel é a obra de um democrata radical.”

Rubens Enderle

Sete Lagoas, abril de 2005

CRÍTICA DA FILOSOFIA DO DIREITO DE HEGEL

(§§ 261-313)

§ 261. Em face das esferas do direito privado e do bem privado, da família e da

sociedade civil, o Estado é, de um lado, uma necessidade externa e sua potência

superior, a cuja natureza as leis daquelas esferas, bem como seus interesses,

encontram-se subordinados e da qual são dependentes; porém, de outro lado,

é o Estado seu fim imanente e tem sua força na unidade de seu fim último geral

e no interesse particular dos indivíduos, na medida em que tais indivíduos

têm deveres perante ele assim como, ao mesmo tempo, têm direitos.”

negrito: Marx

(não-)itálico + sublinhado: Hegel

Por ‘necessidade externa’ pode-se somente entender que ‘leis’ e ‘interesses’ da família e da sociedade civil devem ceder, em caso de colisão, às ‘leis’ e ‘interesses’ do Estado; que aquelas são subordinadas a este; que sua existência é dependente da existência do Estado”

Mas Hegel não fala, aqui, de colisões empíricas; ele fala da relação das ‘esferas do direito privado e do bem privado, da família e da sociedade civil’ com o Estado”

Precisamente porque ‘subordinação’ e ‘dependência’ são relações externas, que restringem e se contrapõem à essência autônoma, é a relação da ‘família’ e da ‘sociedade civil’ com o Estado aquela da ‘necessidade externa’, de uma necessidade que vai contra a essência interna da coisa.”

“‘Subordinação’ e ‘dependência’ são as expressões para uma identidade ‘externa’, forçada e aparente, para cuja expressão lógica Hegel utiliza, corretamente, a ‘necessidade externa’.”

Hegel estabelece, [na segunda metade do parágrafo,] uma antinomia sem solução.” Se refere a NECESSIDADE EXTERNA x FIM IMANENTE. O silogismo tem como fim que direitos seriam iguais a deveres.

O Estado é o Novo Testamento: amar a propriedade alheia como a tua mesma.

§ 262. A Idéia real, o Espírito, que se divide ele mesmo nas 2 esferas ideais de seu conceito, a família e a sociedade civil, como em sua finitude, para ser, a partir da idealidade delas, Espírito real e infinito para si [empiricamente infinito, infinito na prática], divide, por conseguinte, nessas esferas, a matéria dessa sua realidade, os indivíduos como a multidão, de maneira que, no singular, essa divisão aparece mediada pelas circunstâncias, pelo arbítrio e pela escolha própria de sua determinação.

Se traduzirmos essa frase em prosa, teremos: [HAHAHA]

O que serve de mediação para a relação entre o Estado, a família e a sociedade civil são as ‘circunstâncias, o arbítrio e a escolha própria da determinação’. [hahahaha] A razão do Estado nada tem a ver, portanto, com a divisão da matéria do Estado em família e sociedade civil. O Estado provém delas de um modo inconsciente e arbitrário. Família e sociedade civil aparecem como o escuro fundo natural donde se acende a luz do Estado. Sob a matéria do Estado estão as funções do Estado, bem entendido, família e sociedade civil, na medida em que elas formam partes do Estado, em que participam do Estado como tal.”

A assim denominada ‘Idéia real’ (o Espírito como infinito, real) é, portanto, apresentada como se ela agisse segundo um princípio determinado, mediante um desígnio determinado.” “ela o faz de um modo que é precisamente como é na realidade. Aqui aparece claramente o misticismo lógico, panteísta.”

Esse fato, essa relação real é expressa, pela especulação, como manifestação, fenômeno. Essas circunstâncias, esse arbítrio, essa escolha da determinação, essa mediação real são tão-somente a manifestação de uma mediação que a Idéia real executa nela mesma e que se passa por detrás das cortinas.” O mundo aparente é só o resultado esquematizado de uma fórmula atemporal já aplicada no eterno (em si) das coisas. Trazendo o debate para a concretude do assunto, o direito privado é só o que o direito público predeterminou!

A empiria ordinária não tem como lei o seu próprio espírito, mas um espírito estranho e, ao contrário, a Idéia real tem como sua existência não uma realidade desenvolvida a partir dela mesma, mas a empiria ordinária, comum.”

[Daí que] ‘circunstâncias, arbítrio’, etc. convertem-se em momentos objetivos da Idéia, irreais e com um outro significado.”

Trata-se de uma dupla história, uma esotérica e outra exotérica. O conteúdo permanece na parte exotérica [ordinária]. O interesse da parte esotérica é sempre o de novamente achar, no Estado, a história do Conceito lógico. Mas é na parte exotérica que o desenvolvimento verdadeiro prossegue.”

Racionalmente, as sentenças de Hegel significam apenas que:

A família e a sociedade civil são partes do Estado. Nelas, a matéria do Estado é dividida ‘pelas circunstâncias, pelo arbítrio e pela escolha própria da determinação’. Os cidadãos do Estado (Staatsbürger) são membros da família e membros da sociedade civil.”

família e sociedade civil se fazem, a si mesmas, Estado. Elas são a força motriz. Segundo Hegel, ao contrário, elas são produzidas pela Idéia real.”

A realidade empírica é, portanto, tomada tal como é; ela é, também, enunciada como racional; porém, ela não é racional devido à sua própria razão, mas sim porque o fato empírico, em sua existência empírica, possui um outro significado diferente dele mesmo.” “O real torna-se fenômeno; porém, a Idéia não tem outro conteúdo a não ser esse fenômeno. Também não possui a Idéia outra finalidade a não ser a finalidade lógica: ‘ser espírito real para si infinito’. [ser uma auto-justificação circular de si mesmo, dar conta imediatamente de algo que é mais amplo, i.e., a Lei positivando aqui e agora de maneira determinada – arbitrária! – a sucessão inesgotável das gerações] Nesse parágrafo, encontra-se resumido todo o mistério da filosofia do direito e da filosofia hegeliana em geral.”

§ 266: puxadinho de Hegel para salvaguardar a “liberdade” (colocando nela tanto peso quanto na necessidade, em seu sistema).

a relação universal entre necessidade e liberdade.” “É exatamente a mesma passagem que se realiza, na lógica, da esfera da Essência à esfera do Conceito.” Essência: o que há de mais particularista, ocluso. Conceito: o que há de mais universal, público. Um conceito particular é o conceito que divulga uma essência. Está feita a mediação, como no outro par aparentemente irreconciliável.

Trata-se apenas de encontrar, para determinações singulares concretas, as determinações abstratas correspondentes.”

§ 267. A necessidade na idealidade é o desenvolvimento da Idéia dentro de si mesma; ela é, como substancialidade subjetiva, a disposição política e, como objetiva, diferentemente daquela, é o organismo do Estado, o Estado propriamente político e sua constituição.”

O desenvolvimento lógico da família e da sociedade civil ao Estado é, portanto, pura aparência, pois não se desenvolve como a disposição familiar, a disposição social; a instituição da família e as instituições sociais como tais relacionam-se com a disposição política e com a constituição política e com elas coincidem.

A passagem em que o Espírito é ‘não apenas como essa necessidade e como um reino da aparência’, mas como ‘sua idealidade’, [o espírito é ao mesmo tempo essência e aparência] como a alma desse reino que é para si real e que possui uma existência particular, não é de modo algum uma passagem, uma vez que a alma da família existe para si como amor etc. A pura idealidade de uma esfera real só poderia, contudo, existir como ciência.” Marx pega bem pesado: o florilégio do discurso de Hegel chega a querer ser estética, poesia, pintura de amor, quando não pode exceder a simples epistemologia.

A constituição política é o organismo do Estado, ou o organismo do Estado é a constituição política. Que os diferentes lados de um organismo se encontrem em uma coesão necessária e oriunda da natureza do organismo, é pura tautologia. Que, uma vez que a constituição política é determinada como organismo, os diferentes lados da constituição, os diferentes poderes, relacionem-se como determinações orgânicas e se encontrem em uma relação racional recíproca, é, igualmente, tautologia.”

Além dessa inversão de sujeito e predicado, produz-se aqui a aparência de que o discurso trata de outra idéia que não a do organismo.”

Quando eu digo: ‘Esse organismo (organismo do Estado, a constituição política) é o desenvolvimento da Idéia em suas distinções etc.’, não sei ainda absolutamente nada sobre a idéia específica da constituição política; a mesma sentença pode ser dita, com a mesma verdade, tanto do organismo animal quanto do organismo político.” “uma explicação que não dá a differentia specifica não é uma explicação.” “há apenas a aparência de um conhecimento real, pois esses sujeitos reais permanecem incompreendidos”

“‘Esses lados distintos são, assim, os diferentes poderes, suas funções e sua atividade.’ Por meio da pequena palavra ‘assim’, cria-se a aparência de uma conseqüência, de uma derivação, de um desenvolvimento.”

Que os ‘diferentes lados do organismo do Estado’ sejam os ‘diferentes poderes’, com suas ‘funções e atividade’, é um fato empírico; que eles sejam membros de um ‘organismo’ é o ‘predicado’ filosófico.”

Chamemos a atenção, aqui, para uma peculiaridade estilística de Hegel, que se repete freqüentemente e é um produto do misticismo. O parágrafo, em seu conjunto, diz o seguinte:

C1 (COLUNA 1) “A disposição toma seu conteúdo particularmente determinado dos diferentes lados do organismo do Estado. Esse organismo é o desenvolvimento da Idéia em suas distinções e em sua realidade objetiva. Esses lados distintos são, assim, os diferentes poderes, suas funções e atividades, por meio dos quais o universal continuamente, e aliás na medida em que esses poderes são determinados pela natureza do Conceito, se mantém, se engendra de modo necessário e, na medida em que é igualmente pressuposto de sua produção, conserva a si mesmo; – esse organismo é a constituição política.”

Ex: o universal … 1) se mantém; 2) se engendra necessariamente; 3) se conserva. Uma sintaxe realmente problemática!

+ os (diferentes) poderes são determinados pela natureza do Conceito logo, a natureza do Conceito determina a manutenção, conservação e engendramento do universal.

+ o universal é um pressuposto de sua própria produção

+ A disposição toma seu conteúdo … dos diferentes lados da constituição política. A disposição política toma seu conteúdo da constituição política. A constituição política é o desenvolvimento da Idéia. (tautologias)

C2 (COLUNA 2 [Rearranjo de Marx]) “(I) A disposição toma seu conteúdo particularmente determinado dos diferentes lados do organismo do Estado. Esses lados distintos são… os diferentes poderes, suas funções e suas atividades.

(II) A disposição toma seu conteúdo particularmente determinado dos diferentes lados do organismo do Estado. Esse organismo é o desenvolvimento da Idéia em suas distinções e em sua realidade objetiva… por meio dos quais o universal continuamente, e aliás na medida em que esses poderes são determinados pela natureza do Conceito, se mantém, se engendra de modo necessário e, na medida em que é igualmente pressuposto de sua produção, conserva a si mesmo; – esse organismo é a constituição política.”

Ana Coluto

Vê-se como Hegel une as determinações ulteriores em dois sujeitos, nos ‘diferentes lados do organismo’ e no ‘organismo’.”

A determinação de que o universal ‘se engendra’ continuamente e, por meio disso, se conserva, não é nada original, pois isso já está presente na determinação desses poderes como ‘lados do organismo’, como lados ‘orgânicos’.”

As frases: esse organismo é ‘o desenvolvimento da Idéia em suas distinções e na realidade objetiva destas’, ou em distinções por meio das quais ‘o universal’ (o universal é, aqui, o mesmo que a Idéia) ‘continuamente, e aliás na medida em que esses poderes são determinados pela natureza do Conceito, se mantém, se engendra de modo necessário e, na medida em que é igualmente pressuposto de sua produção, conserva a si mesmo’ são frases idênticas.” A constituição política é a Idéia engendrando-se a si própria, teria sido mais honesto de H. dizer.

A frase: ‘os diferentes lados do Estado são os diferentes poderes’ é uma verdade empírica e não pode se passar por uma descoberta filosófica.”

o espírito que, por haver [o mesmo papel do ‘assim’ anterior] passado pela forma da cultura, sabe-se e quer a si mesmo.”

Na medida em que, primeiro, eu trato o Estado sob o esquema da realidade ‘abstrata’, tenho que tratá-lo, em seguida, sob o esquema da ‘realidade concreta’, da ‘necessidade’, da distinção realizada.”

Traduzindo-se esse parágrafo para nossa língua, temos:” HAHAHA!

O verdadeiro ponto de partida, o espírito que se sabe e se quer, sem o qual o ‘fim do Estado’ e os ‘poderes do Estado’ seriam ficções inconsistentes, vazias de essência, ou até mesmo existências impossíveis, aparece apenas como último predicado da substancialidade, já anteriormente determinada como fim universal e como os diferentes poderes do Estado.”

O ‘fim do Estado’ e os ‘poderes do Estado’ são mistificados, visto que são apresentados como ‘modos de existência’ da ‘Substância’ e aparecem como algo separado de sua existência real, do ‘espírito que se sabe e se quer’, do ‘espírito cultivado’.”

A essência das determinações do Estado não consiste em que possam ser consideradas como determinações do Estado, mas sim como determinações lógico-metafísicas em sua forma mais abstrata. O verdadeiro interesse não é a filosofia do direito, mas a lógica.”

A lógica não serve à demonstração do Estado, mas o Estado serve à demonstração da lógica.”

A Substância deve ‘dividir-se nas distinções conceituais, que são, do mesmo modo, graças àquela substancialidade, determinações estáveis e reais’. Essa frase, a essencial, pertence à lógica e já se encontra pronta e acabada antes da filosofia do direito.”

Adendo: O Estado interno como tal é o poder civil, sendo a direção para o exterior o poder militar, que é, contudo, no Estado, um lado nele mesmo determinado.”

Em lugar do conceito da constituição, obtemos a constituição do Conceito.”

a subjetividade como a última decisão do querer, o poder soberano – no qual os diferentes poderes estão reunidos em uma unidade individual, que é, portanto, o cume e o início do todo – a monarquia constitucional.”

Cada povo tem, assim, a constituição que lhe cabe e que lhe é própria”

Do raciocínio de Hegel segue-se apenas que o Estado, em que o ‘modo e formação da autoconsciência’ e a ‘constituição’ se contradizem, não é um verdadeiro Estado.”

Disso deveria resultar, antes, a exigência de uma constituição que contivesse em si mesma a determinação e o princípio de avançar com a consciência; de avançar com o homem real, o que só é possível quando se eleva o ‘homem’ a princípio da constituição. Hegel é, aqui, sofista.”

Este absoluto autodeterminar-se constitui o princípio distintivo do poder soberano como tal, que é o primeiro a ser desenvolvido.”

É … incorreto fazer do poder soberano o sujeito e, uma vez que o poder soberano pode ser compreendido como o poder do príncipe, produzir a ilusão de que ele é o senhor desse momento, o seu sujeito.”

§ 12 A vontade, … dando-se a forma da singularidade, é decisiva e apenas como vontade decisiva ela é vontade efetiva.”

É evidente que se as funções e atividades particulares são chamadas funções e atividades do Estado, função e poder estatais, elas não são propriedade privada, mas propriedade do Estado. Isso é uma tautologia.”

ele esquece que tanto a individualidade particular como as funções e atividades estatais são funções humanas; ele esquece que a essência da ‘personalidade particular’ não é a sua barba, o seu sangue, o seu físico abstrato, mas sim a sua qualidade social, e que as funções estatais etc. são apenas modos de existência e de atividade das qualidades sociais do homem.”

COMO IGUALAR TIRANIA E SOBERANIA: “O despotismo designa, em geral, a situação da ausência de lei em que a vontade particular como tal, seja a de um monarca seja a de um povo, vale como lei ou, antes, em lugar da lei, ao passo que a soberania, ao contrário, constitui precisamente a situação legal e constitucional, o momento da idealidade das esferas e funções particulares, pelo qual uma tal esfera não é independente e autônoma em seus fins e modos de atuação e centrada apenas em si mesma, mas é determinada, nesses fins e modos de atuação, pelo fim do todo (o que foi designado, em termos gerais, com a expressão vaga de o bem do Estado), sendo dele dependente. (…) em situação de urgência, porém, seja ela interna ou externa, impõe-se a soberania, em cujo conceito simples conflui o organismo existente em suas particularidades e à qual é confiada a salvação do Estado com o sacrifício daquilo que seria legítimo, situação na qual aquele idealismo chega à sua realidade própria.” O exato conceito de ditadura.

A soberania existe, portanto, por um lado, apenas como substância inconsciente, cega. Logo conheceremos sua outra realidade.”

Se Hegel tivesse partido dos sujeitos reais como a base do Estado, ele não precisaria deixar o Estado subjetivar-se de uma maneira mística.”

A Substância mística se torna sujeito real e o sujeito real aparece como um outro, como um momento da Substância mística. Precisamente porque Hegel parte dos predicados, das determinações universais, em vez de partir do ente real (υποχειµενον, sujeito), e como é preciso haver um suporte para essa determinação, a Idéia mística se torna esse suporte.”

Que idealismo de Estado seria este, que, em lugar de ser a real autoconsciência dos cidadãos do Estado, a alma comum do Estado, seria uma pessoa, um sujeito? Hegel não desenvolve mais a respeito nessa frase.”

O discurso, que antes falava da subjetividade, fala agora da individualidade. O Estado como soberano deve ser Uno, Um indivíduo, deve possuir individualidade.”

Ele não diz: a vontade do monarca é a decisão última, mas a decisão última da vontade é… o monarca. A primeira frase é empírica. A segunda distorce o fato empírico em um axioma metafísico.”

A nota de Hegel a esse parágrafo é tão curiosa que devemos elucidá-la mais de perto.”

O desenvolvimento imanente de uma ciência, a dedução de todo seu conteúdo a partir do simples Conceito, mostra a peculiaridade de que um único e mesmo conceito – aqui a vontade –, que, inicialmente, porque é o começo, é abstrato, se conserva, mas condensa suas determinações igualmente apenas por si mesmo e, desse modo, ganha um conteúdo concreto.”

Medonho!

Como Marx falou, trata-se apenas da ciência da Lógica, única “ciência” em que há “a dedução de todo seu conteúdo a partir do simples Conceito”. Traduziria da seguinte maneira: O desenvolvimento do conhecimento humano mostra a peculiaridade de que um conceito qualquer (p.ex. a vontade) se conserva, ainda que passe de pura abstração para conteúdo concreto (ou seja, se duplica). Passa a ser, como fica bem claro pela Introdução marxiana (mais abaixo) o filósofo tardio do Absolutismo francês, e não o descobridor contemporâneo da ascensão prussiana.

Hegel poderia concluir, do mesmo modo: pelo fato de o homem singular ser um Uno, o gênero humano é apenas Um único homem.”

Típico de um autor aristocrata no final da aristocracia européia: “Mas soberania popular, definida em oposição à soberania existente no monarca, é o sentido ordinário em que se começou a falar de soberania popular nos últimos tempos – nessa oposição a soberania popular pertence aos pensamentos confusos, [!] em cujo fundamento reside a representação desordenada do povo.”

Os ‘pensamentos confusos’ e a ‘representação desordenada’ se encontram, aqui, somente em Hegel.”

Se por soberania popular se compreende a forma da república e, mais precisamente, da democracia, então – em face da idéia desenvolvida, não se pode mais falar de tal representação.” E por quê?

Ao contrário da monarquia, a democracia pode ser explicada a partir de si mesma. Na democracia nenhum momento recebe uma significação diferente daquela que lhe cabe. Cada momento é, realmente, apenas momento do demos inteiro. (…) A monarquia é uma espécie e, definitivamente, uma má espécie. A democracia é conteúdo e forma. A monarquia deve ser apenas forma, mas ela falsifica o conteúdo.”

Hegel parte do Estado e faz do homem o Estado subjetivado; a democracia parte do homem e faz do Estado o homem objetivado.”

A democracia, em um certo sentido, está para as outras formas de Estado como o cristianismo para as outras religiões. O cristianismo é (…) o homem deificado como uma religião particular.” “A democracia relaciona-se com todas as outras formas de Estado como com seu velho testamento.”

Os franceses modernos concluíram, daí, que na verdadeira democracia o Estado político desaparece. O que está correto, considerando-se que o Estado político, como constituição, deixa de valer pelo todo.”

Nos Estados antigos o Estado político constituiu o conteúdo estatal por exclusão das outras esferas; o Estado moderno é um compromisso entre o Estado político e o não-político.”

A luta entre monarquia e república é, ela mesma, ainda, uma luta no interior do Estado abstrato. A república política é a democracia no interior da forma de Estado abstrata. A forma de Estado abstrata da democracia é, por isso, a república; porém, aqui, ela deixa de ser a constituição simplesmente política.”

A propriedade etc., em suma, todo o conteúdo do direito e do Estado é, com poucas modificações, o mesmo na América do Norte assim como na Prússia. Lá, a república é, portanto, uma simples forma de Estado, como o é aqui a monarquia. O conteúdo do Estado se encontra fora dessas constituições.”

Dentre os diversos momentos da vida do povo, foi o Estado político, a constituição, o mais difícil de ser engendrado.” “A tarefa histórica consistiu, assim, em sua reivindicação, mas as esferas particulares não têm a consciência de que seu ser privado coincide com o ser transcendente da constituição ou do Estado político e de que a existência transcendente do Estado não é outra coisa senão a afirmação de sua própria alienação. A constituição política foi reduzida à esfera religiosa, à religião da vida do povo, o céu de sua universalidade em contraposição à existência terrena de sua realidade.”

A vida política, em sentido moderno, é o escolasticismo [formalismo] da vida do povo.”

Onde o comércio e a propriedade fundiária ainda não são livres nem independentes, também não o é a constituição política. A Idade Média foi a democracia da não-liberdade.” Imperialismo não permite liberdade.

A abstração do Estado como tal pertence somente aos tempos modernos porque a abstração da vida privada pertence somente aos tempos modernos. A abstração do Estado político é um produto moderno.

Na Idade Média havia servos, propriedade feudal, corporações de ofício, corporações de sábios etc.; ou seja, na Idade Média a propriedade, o comércio, a sociedade, o homem são políticos; o conteúdo material do Estado é colocado por intermédio de sua forma; cada esfera privada tem um caráter político ou é uma esfera política; ou a política é, também, o caráter das esferas privadas. Na Idade Média, a constituição política é a constituição da propriedade privada, mas somente porque a constituição da propriedade privada é a constituição política. Na Idade Média, a vida do povo e a vida política são idênticas. O homem é o princípio real do Estado, mas o homem não-livre.”

Ou a res publica é, como na Grécia, a questão privada real, o conteúdo real do cidadão (Bürger), e o homem privado é escravo; o Estado político como político é o verdadeiro e único conteúdo de sua vida e de seu querer; ou, como no despotismo asiático, o Estado político é apenas o arbítrio privado de um indivíduo singular, e o Estado político, assim como o Estado material, é escravo.” Não deixa de ser um grande elogio aos orientais.

Já ouvimos que a subjetividade é sujeito e que o sujeito é necessariamente indivíduo empírico, Uno. Aprendemos, agora, que a determinação da naturalidade, da corporeidade, reside no conceito da singularidade imediata. Hegel não demonstrou nada senão o óbvio, a saber, que a subjetividade existe apenas como indivíduo corpóreo e, evidentemente, o nascimento natural pertence ao indivíduo corpóreo.” Se não nasceu para ser o rei, não presta para ser rei – o ruim é que não prestará também para ser deitado à guilhotina!

A soberania, a dignidade do monarca seria, portanto, de nascença. O corpo do monarca determina sua dignidade. No ponto culminante do Estado, então, o que decide em lugar da razão é a mera physis. O nascimento determinou a qualidade do monarca, assim como ele determina a qualidade do gado.” “O nascimento do homem como monarca é tão pouco passível de se converter em verdade metafísica quanto a imaculada concepção de Maria.”

Hegel diz que a conversão da soberania do Estado (de uma autodeterminação da vontade) no corpo do monarca inato (na existência) é, no fundo, a passagem do conteúdo em geral que a vontade faz a fim de realizar um fim pensado, de traduzi-lo em existência. Mas Hegel diz: no fundo. A diferença peculiar que ele indica é, portanto, tão peculiar que suprime toda analogia e põe a magia no lugar da ‘natureza da vontade em geral’.”

O meio é a vontade absoluta e a palavra do filósofo; o fim particular é novamente o fim do sujeito filosofante, construir o monarca hereditário a partir da Idéia pura. A realização do fim é a mera garantia de Hegel.”

Na assim chamada prova ontológica da existência de Deus é a mesma conversão do Conceito absoluto no ser, conversão que constituiu a profundidade da Ideia nos tempos modernos, mas que mais recentemente foi considerada como inconcebível.”

§ 282. Da soberania do monarca decorre o direito de indultar os criminosos, pois somente a ela compete a realização do poder do Espírito, de tornar o acontecido não-acontecido e anular o delito no perdão e no esquecimento.”

O direito de indultar é o direito da graça. A graça é a mais alta expressão do arbítrio acidental, significativamente concebido por Hegel como um atributo próprio do monarca.”

§ 284. Apenas esses cargos ou indivíduos deliberativos estão sujeitos à responsabilidade, na medida em que o objetivo da decisão, o conhecimento do conteúdo e das circunstâncias, os fundamentos legais e os outros fundamentos de determinação são os únicos passíveis de responsabilidade, isto é, de prova da objetividade e, por isso, ela pode recair em uma deliberação distinta da vontade do monarca como tal; mas a majestade própria do monarca, como subjetividade que decide em última instância, é elevada acima de toda responsabilidade pelos atos do governo.

Hegel descreve aqui de modo inteiramente empírico o poder ministerial, tal como ele é na maior parte das vezes determinado nos Estados constitucionais. Tudo o que a filosofia acrescenta é fazer deste ‘fato empírico’ existência, o predicado do ‘momento da particularidade no poder soberano’.”

O momento especulativo é, portanto, bastante escasso. Em contrapartida, o desenvolvimento depende, em especial, de fundamentos inteiramente empíricos e, de fato, muito abstratos e muito ruins. Assim, por exemplo, a eleição dos ministros é deixada ao ‘arbítrio ilimitado’ do monarca, ‘já que eles têm a ver com a sua pessoa imediata’, isto é, já que eles são ministros. Do mesmo modo, a ‘eleição ilimitada’ do criado de quarto do monarca pode ser desenvolvida a partir da Idéia absoluta.” HAHAHA

Em um organismo racional a cabeça não pode ser de ferro e o corpo de carne. Para que os membros se conservem, eles precisam ser de igual nascimento, de uma só carne e um só sangue. Mas o monarca hereditário não é de igual nascimento, ele é de outra matéria. A prosa da vontade racionalista dos outros membros do Estado defronta-se aqui com a magia da natureza.”

Em segundo lugar, a irresponsabilidade. Se o príncipe infringe o ‘todo da constituição’, as ‘leis’, cessa sua irresponsabilidade, porque cessa sua existência constitucional; mas precisamente essas leis, essa constituição, o fazem irresponsável. Elas contradizem, portanto, a si mesmas, e esta única cláusula suprime a lei e a constituição. A constituição do monarca constitucional é a irresponsabilidade.”

Em vez de o Estado ser produzido como a mais elevada realidade da pessoa, a mais elevada realidade social do homem, ocorre que um único homem empírico, uma pessoa empírica, é produzido como a mais alta realidade do Estado. Esta inversão do subjetivo no objetivo e do objetivo no subjetivo (que decorre do fato de Hegel querer escrever a biografia da Substância abstrata, da Idéia;¹ que, portanto, a atividade humana etc. tenha que aparecer como atividade e resultado de uma outra coisa; que Hegel queira deixar agir como uma singularidade imaginária o ser do homem para si, em lugar de deixá-lo agir na sua existência real, humana) tem necessariamente como resultado que uma existência empírica é tomada de maneira acrítica como a verdade real da Idéia”

¹ Significado de fenomenologia do Espírito.

Desta maneira, portanto, produz-se também a impressão de algo místico e profundo. É muito banal que o homem tenha que nascer e que esta existência, posta pelo nascimento físico, eleve-se ao homem social etc., até ao cidadão do Estado; o homem se torna, pelo nascimento, tudo o que ele se torna. Mas é muito profundo, é chocante que a idéia do Estado nasça imediatamente e que, no nascimento do príncipe, ela mesma se engendre como existência empírica.”

Qual é, então, a diferença última, precisa, de uma pessoa em relação a todas as outras? O corpo. A mais alta função do corpo é a atividade sexual. O ato constitucional mais elevado do rei é, portanto, sua atividade sexual, pois por meio dela ele faz um rei e dá continuidade a seu corpo. O corpo de seu filho é a reprodução de seu próprio corpo, a criação de um corpo real.”

A explicação ordinária do poder governamental. O que se pode indicar como peculiar a Hegel é, apenas, que ele coordena poder governamental, poder policial e poder judiciário, enquanto geralmente os poderes administrativo e judiciário são tratados como poderes opostos.”

Como a sociedade civil é o campo de batalha do interesse privado individual de todos contra todos, então tem lugar, aqui, o conflito desse interesse com as questões comuns particulares e o conflito destas, juntamente com aquele, contra os mais elevados pontos de vista e disposições do Estado.”

Este é o segredo do patriotismo dos cidadãos no sentido de que eles sabem o Estado como sua substância”

Isso é estranho

1) pela definição da sociedade civil como bellum omnium contra omnes;

2) porque o egoísmo privado é revelado como o ‘segredo do patriotismo dos cidadãos’ e como ‘a profundidade e a força do Estado na disposição’;

3) porque o ‘cidadão’, o homem do interesse particular em oposição ao universal, o membro da sociedade civil, é considerado como ‘indivíduo fixo’, do mesmo modo que o Estado se opõe, em ‘indivíduos fixos’, aos ‘cidadãos’.”

§ 291. As tarefas governamentais são de natureza objetiva, para si já decidida segundo a sua substância e devem completar-se e realizar-se por meio de indivíduos. [!!!] Entre os dois não há qualquer enlace imediato, natural; por isso, os indivíduos não são destinados a elas por meio da personalidade natural e do nascimento. O momento objetivo para a sua destinação àquelas tarefas é o conhecimento e a demonstração de sua aptidão”

Realmente, ninguém pediu pra ser funcionário público!

O serviço público, como se lê na nota,

exige […] o sacrifício da satisfação independente e caprichosa dos fins subjetivos e dá, precisamente por isso, o direito de encontrar satisfação na prestação conforme o dever, mas somente nela. Nisso se encontra, por esse lado, a ligação do interesse universal com o particular, que constitui o conceito e a estabilidade interna do Estado.

(…)

Porém, que a impassibilidade, a legalidade e a benevolência da conduta se tornem costume, isto depende, em parte, da direta formação ética e de pensamento, que serve de contrapeso espiritual àquilo que a aprendizagem das assim chamadas ciências dos objetos dessas esferas, a prática exigida das funções, o trabalho efetivo etc. têm em si de mecânico e algo semelhante; por outro lado, o tamanho do Estado é um momento capital, por meio do qual tanto o peso dos laços familiares e outros laços privados são enfraquecidos, quanto a vingança, o ódio e outras paixões semelhantes se tornam mais impotentes e, com isso, mais inofensivas; na ocupação com os grandes interesses existentes em um grande Estado, estes lados subjetivos desaparecem para si e produz-se o hábito dos interesses, das opiniões e das funções universais.”

§ 297. Os membros do governo e os funcionários do Estado constituem a parte principal do estamento médio (Hauptteil des Mittelstandes), no qual se encontram a inteligência cultivada e a consciência jurídica da massa do povo. Que esse estamento não assuma a posição de uma aristocracia e que a sua cultura e habilidade não se tornem um meio de arbítrio e de dominação, isto é assegurado pelas instituições da soberania, pelo alto, e pelos direitos das corporações, por baixo.”

O que Hegel diz sobre o ‘poder governamental’ não merece o nome de desenvolvimento filosófico. A maior parte dos parágrafos poderia figurar, literalmente, no código civil prussiano e, entretanto, a administração propriamente dita é o ponto mais difícil do desenvolvimento.”

A burocracia deve, portanto, proteger a universalidade imaginária do interesse particular, o espírito corporativo, a fim de proteger a particularidade imaginária do interesse universal, seu próprio espírito. O Estado deve ser corporação tanto quanto a corporação quer ser Estado.”

O espírito burocrático é um espírito profundamente jesuítico, teológico.” “a burocracia transforma o ‘espírito formal do Estado’, ou a real falta de espírito do Estado, em imperativo categórico. A burocracia se considera o fim último do Estado.” “Os fins do Estado se transmutam em fins da repartição e os fins da repartição se transformam em fins do Estado. A burocracia é um círculo do qual ninguém pode escapar. (…) A cúpula confia aos círculos inferiores o conhecimento do particular, os círculos inferiores confiam à cúpula o conhecimento do universal e, assim, eles se enganam reciprocamente.”

Cada coisa tem, por isso, um duplo significado, um real e um burocrático, do mesmo modo que o saber é duplo, um saber real e um burocrático (assim também a vontade).” “A burocracia tem a posse da essência do Estado, da essência espiritual da sociedade; esta é sua propriedade privada.” “O espírito universal da burocracia é o segredo, o mistério; guardado em seu interior por meio da hierarquia e, em relação ao exterior, como corporação fechada. Por isso o espírito público do Estado, assim como a disposição política aparecem para a burocracia como uma traição de seu mistério.”

No seu interior, porém, o espiritualismo se torna um materialismo crasso, o materialismo da obediência passiva, da fé na autoridade, do mecanismo de uma atividade formal, fixa, de princípios, idéias e tradições fixos. Quanto ao burocrata tomado individualmente, o fim do Estado se torna seu fim privado, uma corrida por postos mais altos, um carreirismo.”

O Estado existe apenas como diferentes espíritos de repartição, imóveis, cuja coesão consiste na subordinação e na obediência passiva. A ciência real aparece como desprovida de conteúdo, assim como a vida real aparece como morta, uma vez que este saber imaginário e esta vida imaginária valem pela essência.”

Enquanto, por um lado, a burocracia é este materialismo crasso, o seu espiritualismo crasso se mostra, por outro lado, no fato de ela querer fazer tudo, isto é, de ela fazer da vontade a causa prima, pois ela é mera existência ativa e recebe o seu conteúdo do exterior e, portanto, só pode demonstrar a própria existência ao formar e limitar este conteúdo. Para o burocrata, o mundo é um mero objeto de manipulação.”

Quando Hegel chama o poder governamental de lado objetivo da soberania inerente ao monarca, ele está correto no mesmo sentido de que a Igreja católica era a existência real da soberania, do conteúdo e do espírito da Santíssima Trindade.”

Os interesses particulares das corporações e das comunas têm, dentro de sua própria esfera, um dualismo que conforma o caráter de sua administração.”

A oposição entre Estado e sociedade civil está, portanto, consolidada; o Estado não reside na sociedade civil, mas fora dela; ele a toca apenas mediante seus ‘delegados’, a quem é confiada a ‘gestão do Estado’ no interior dessas esferas. Por meio destes ‘delegados’ a oposição não é suprimida, mas transformada em oposição ‘legal’, ‘fixa’. (…) A ‘polícia’, os ‘tribunais’ e a ‘administração’ não são deputados da própria sociedade civil, que neles e por meio deles administra o seu próprio interesse universal, mas sim delegados do Estado para administrar o Estado contra a sociedade civil.”

Essa possibilidade de cada cidadão se tornar servidor público é, portanto, a segunda relação afirmativa entre sociedade civil e Estado, a segunda identidade. Ela é de natureza muito superficial e dualística. Todo católico tem a possibilidade de se tornar padre (isto é, de separar-se dos leigos, do mundo). Com isso, o clero, como potência externa, opõe-se menos ao católico? Que cada um tenha a possibilidade de adquirir o direito de uma outra esfera, demonstra apenas que sua própria esfera não é a realidade desse direito.” “A identidade, por ele construída, entre sociedade civil e Estado, é a identidade de dois exércitos inimigos, em que cada soldado tem a ‘possibilidade’, por meio da ‘deserção’, de se tornar membro do exército ‘inimigo’ e, com isso, de fato, Hegel descreve com exatidão a situação empírica atual.”

Em um Estado racional, um exame se faz mais necessário para se tornar sapateiro do que para se tornar funcionário público executivo; pois o ofício de sapateiro é uma habilidade sem a qual se pode ser um bom cidadão do Estado, um homem social; mas o ‘saber político’ é uma condição sem a qual o homem vive, no Estado, fora do Estado, separado de si mesmo, privado de ar. O ‘exame’ não é senão uma fórmula maçônica, o reconhecimento legal do saber cívico como um privilégio.

O exame, o ‘vínculo’ do ‘cargo público’ e do ‘indivíduo’, este laço objetivo entre o saber da sociedade civil e o saber do Estado, é apenas o batismo burocrático do saber, o reconhecimento oficial da transubstanciação do saber profano no saber sagrado (e é evidente que, em todo exame, o examinador sabe tudo). Nunca se ouviu falar que os homens de Estado gregos ou romanos tenham prestado exames. Mas o que é um homem de Estado romano em face de um homem de governo prussiano!”

Além do momento objetivo da profissão de fé burocrática (o exame), faz-se necessário ainda, para que a fé dê frutos, o momento subjetivo da graça do príncipe.” A nomeação.

No § 294, Hegel desenvolve a remuneração dos funcionários a partir da Idéia. É aqui, na remuneração dos funcionários ou no fato de o serviço público garantir simultaneamente a segurança da existência empírica, que está posta a identidade real da sociedade civil e do Estado. O soldo dos funcionários é a mais alta identidade construída por Hegel.”

é exato que a remuneração dos funcionários constitui a estabilidade interna das grandes monarquias modernas.”

a hierarquia pune o funcionário na medida em que ele peca contra ela ou comete um pecado que para ela é supérfluo; mas ela o protege, tão logo a hierarquia peque no funcionário”

Se, portanto, perguntamos a Hegel qual é a proteção da sociedade civil contra a burocracia, ele nos responde:

1) A ‘hierarquia’ da burocracia. O próprio abuso. O controle. O fato de que o adversário se encontra ele mesmo com pés e mãos atados e, se para baixo ele é martelo, para cima ele é bigorna.”

O belo é que Hegel contrapõe a ‘direta formação ética e de pensamento’ ao ‘mecanicismo do saber e do trabalho burocráticos’!” Ou seja, não há pensamento nem ética, nem pode haver, na burocracia.

“‘Assim, o aperfeiçoamento de um estado de coisas’, conclui Hegel, ‘é, aparentemente, tranqüilo e imperceptível. Depois de um longo tempo, uma constituição passa a uma condição totalmente diferente da anterior.’ § A categoria da transição gradual é, em primeiro lugar, historicamente falsa e, em segundo lugar, não esclarece nada.”

O poder legislativo fez a revolução francesa; lá onde ele, em sua particularidade, apareceu como dominante, ele fez, em geral, as grandes revoluções universais orgânicas; ele não combateu a constituição, mas uma particular constituição antiquada, precisamente porque o poder legislativo era o representante do povo, da vontade genérica. Em contrapartida, o poder governamental fez as pequenas revoluções, as revoluções retrógradas, as reações; ele não fez a revolução por uma nova constituição, contra uma antiga, mas a fez contra a constituição, precisamente porque o poder governamental era o representante da vontade particular, do arbítrio subjetivo, da parte mágica da vontade.” Curiosamente vemos o exato reverso da medalha hoje no Brasil.

Corretamente posta, a pergunta significa apenas: tem o povo o direito de se dar uma nova constituição? O que de imediato tem de ser respondido afirmativamente, na medida em que a constituição, tão logo deixou de ser expressão real da vontade popular, tornou-se uma ilusão prática. § A colisão entre a constituição e o poder legislativo é apenas um conflito da constituição consigo mesma, uma contradição no conceito da constituição. § A constituição não é senão uma acomodação entre o Estado político e o Estado não-político; por isso, ela é, necessariamente em si mesma, um tratado entre poderes essencialmente heterogêneos. É, portanto, aqui, impossível para a lei enunciar que um desses poderes, uma parte da constituição, deva ter o direito de modificar a constituição mesma, o todo.”

Em um povo irracional, não se poderia falar, de modo algum, de uma organização racional do Estado. Aqui, na filosofia do direito, o nosso objeto é, acima de tudo, a vontade geral. § O poder legislativo não faz a lei, ele apenas a descobre e a formula.”

A primeira colisão não-resolvida era aquela entre a constituição inteira e o poder legislativo. A segunda é aquela entre o poder legislativo e o poder governamental, entre a lei e a execução.”

Mediante o dinheiro, a justiça da igualdade pode ser mais bem-realizada. De outro modo, o homem talentoso seria mais onerado do que aquele sem talento, se a prestação dependesse da capacidade concreta.” Que pena que os talentosos costumem receber menores remunerações, mantendo-se o mesmo dilema! A inflação corrói qualquer vantagem que o assalariado pudesse ter quanto a prestações em pecúnia.

Mas, no que concerne à vontade especialmente boa dos estamentos para o bem geral, já se notou acima que é próprio da opinião da plebe, do ponto de vista do negativo em geral, supor no governo uma vontade má ou menos boa; – uma suposição que, sobretudo se tivesse que ser respondida de forma igual, teria, por consequência, a recriminação de que os estamentos, uma vez que provêm da singularidade, do ponto de vista privado e dos interesses particulares, são inclinados a empregar a sua atividade em favor destes, em detrimento do interesse universal, enquanto, em contrapartida, os outros momentos do poder do Estado estão, já para si, postos no ponto de vista do Estado e consagrados ao fim universal.”

Não se deve condenar Hegel porque ele descreve a essência do Estado moderno como ela é, mas porque ele toma aquilo que é pela essência do Estado. [em todos os tempos] Que o racional é real, [que a Idéia seja o empírico] isso se revela precisamente em contradição com a realidade irracional, que, por toda parte, é o contrário do que afirma ser e afirma ser o contrário do que é. [O empírico é uma contradição não-resolvida, daí que a Idéia e o Absoluto não vêm a se realizar no Estado e na Filosofia de Hegel]

Hegel quer o luxo do elemento estamental [cidadãos e seus interesses privados] apenas por amor à lógica.”

Em seguida, ele ainda censura a consciência comum por ela não se contentar com essa satisfação lógica, por ela não querer ver a realidade resolvida na lógica mediante uma abstração arbitrária, mas querer ver a lógica transformada em verdadeira objetividade.” Isto é: censura as pessoas por dizerem ‘O Estado é mau!’, ‘os políticos só cuidam de seus próprios interesses’, etc.

O Estado moderno, no qual tanto o ‘assunto universal’ quanto o ato de ocupar-se com ele são um monopólio, e no qual, em contrapartida, os monopólios são os assuntos universais reais, realizou o estranho achado de apropriar-se do ‘assunto universal’ como uma mera forma.”

O elemento estamental é a mentira sancionada, legal, dos Estados constitucionais: que o Estado é o interesse do povo ou o povo é o interesse do Estado. (…) O poder metafísico do Estado [poder legislativo, aquele que tem mais condições de atender ao ‘universal’] era a sede mais apropriada da ilusão metafísica, universal, do Estado.”

E, finalmente, o trecho já reproduzido anteriormente, agora sim passível de compreensão, no seu contexto: “Que esse momento [o momento ‘estamental’, de participação do povo no ‘universal’, mediante o legislativo e seus representantes, momento este anterior e subordinado ao momento do monarca absoluto…] seja uma determinação da Idéia desenvolvida até a totalidade, essa necessidade interna, que não se deve confundir com necessidades e utilidades externas, decorre, como em toda parte, do ponto de vista filosófico.

Assim como os burocratas são delegados do Estado na sociedade civil, do mesmo modo os estamentos são delegados da sociedade civil no Estado. São sempre, portanto, transações entre duas vontades opostas.”

Estado e governo são sempre colocados do mesmo lado, como idênticos; do outro lado, é colocado o povo, dissolvido nas esferas particulares e nos indivíduos.” “Os estamentos situam-se como órgão mediador entre os dois.” “Não é demonstrado, porém, por onde os estamentos devem começar a unir, neles mesmos, duas disposições contraditórias.”

Em um Estado, no qual a ‘posição’ dos ‘estamentos’ impede que os indivíduos ‘venham a se apresentar como uma multidão ou uma turba, como uma opinião e um querer inorgânicos, como um simples poder de massa contra o Estado orgânico’ – o ‘Estado orgânico’ existe fora da ‘multidão’ e da ‘turba’, ou a ‘multidão’ e a ‘turba’ pertencem à organização do Estado; apenas que sua ‘opinião e querer inorgânicos’ não devem chegar a se pôr como ‘opinião e querer contra o Estado’, sob cuja orientação determinada eles se tornariam opinião e querer ‘orgânicos’. Do mesmo modo, esse ‘poder de massa’ deve permanecer apenas ‘de massa’, de modo que o entendimento esteja fora da massa e, com isso, ela não coloque a si mesma em movimento, podendo ser posta em movimento apenas pelos monopolistas do ‘Estado orgânico’ e ser explorada como poder de massa. (…) Os ‘estamentos’ protegem o Estado da turba inorgânica apenas por meio da desorganização dessa turba.”

Com isso, ou o poder soberano deixa realmente de ser o extremo do poder soberano (e o poder soberano existe apenas como um extremo, como uma unilateralidade, porque ele não é um princípio orgânico), tornando-se um poder aparente, um símbolo, ou, então, ele perde apenas a aparência do arbítrio e do simples poder dominante.”

É digno de nota que Hegel desenvolve menos o conteúdo da atividade estamental, o poder legislativo, do que a posição dos estamentos, sua estatura política.”

Se ela [a oposição ao governo], enquanto tem sua manifestação, não ficasse apenas na superfície, mas se tornasse realmente uma oposição substancial, então o Estado estaria em vias de perecer.”

Embora na concepção de tais teorias os estamentos da sociedade civil em geral e os estamentos em sentido político se encontrem distantes uns dos outros, a linguagem conservou, ainda, essa união que, aliás, existia anteriormente.”

es(go)tamento

O ponto culminante da identidade hegeliana era, como ele mesmo o confessa, a Idade Média. Lá, os estamentos da sociedade civil em geral e os estamentos em sentido político eram idênticos.”

Mas Hegel parte da separação da ‘sociedade civil’ e do ‘Estado político’ como de dois opostos fixos, duas esferas realmente diferentes. De fato, essa separação é, certamente, real no Estado moderno.” “Se a identidade dos estamentos civil e político expressasse a verdade, ela não poderia ser, portanto, mais do que uma expressão da separação das sociedades civil e política!” Que agora são separadas na linguagem, como não o eram na Idade Média!

Ora, a disposição não está, certamente, ligada a um patrimônio – mas a conexão relativamente necessária é que aquele que possui um patrimônio independente não está limitado por circunstâncias exteriores e pode, assim, proceder sem impedimentos e agir em prol do Estado.”

Apologia do morgadio (herança exclusiva do primogênito) como base de sustentação do cargo público não-remunerado, o que inclusive é contraditório com tudo o que Hegel já disse e ainda dirá sobre a classe dos servidores remunerados, o que demonstra a cisão irreparável em sua “unidade”: senhores de terras e uma classe média que estudou a burocracia, dois elementos que não podiam ser mais ‘água e óleo’.

Hegel realizou a proeza de desenvolver, a partir da Idéia absoluta, os pares por nascimento, o bem hereditário etc. etc., este ‘sustentáculo do trono e da sociedade’.”

Hegel não chamou a coisa de que aqui se trata por seu nome conhecido. É a controvérsia entre constituição representativa e constituição estamental. A constituição representativa é um enorme progresso, pois ela é a expressão aberta, não-falseada, conseqüente, da condição política moderna. Ela é a contradição declarada.”

O estamento universal, que se dedica mais de perto ao serviço do governo, tem imediatamente, em sua determinação, o universal como fim de sua atividade essencial.

A sociedade civil ou o estamento privado não tem isso como sua determinação; sua atividade essencial não tem a determinação de ter como fim o universal, ou seja, sua atividade essencial não é uma determinação do universal, não é determinação universal. O estamento privado é o estamento da sociedade civil contra o Estado. O estamento da sociedade civil não é um estamento político.” Burguês, o anti-político.

Esse ato político é uma completa transubstanciação. Nele, a sociedade civil deve separar-se de si completamente como sociedade civil, como estamento privado, e deve fazer valer uma parte de seu ser, aquela que não somente não tem nada em comum com a existência social real de seu ser, como, antes, a ele se opõe diretamente.”

Como cidadão real, ele se encontra em uma dupla organização, a burocrática – que é uma determinação externa, formal, do Estado transcendente, do poder governamental, que não tangencia o cidadão e a sua realidade independente – e a social, a organização da sociedade civil.” “Portanto, para se comportar como cidadão real do Estado, para obter significado e eficácia políticos, ele deve abandonar sua realidade social, abstrair-se dela, refugiar-se de toda essa organização em sua individualidade; pois a única existência que ele encontra para sua qualidade de cidadão do Estado é sua individualidade nua e crua, já que a existência do Estado como governo está completa sem ele e que a existência dele na sociedade civil está completa sem o Estado.”

Hegel quer demonstrar que os estamentos da sociedade civil são os estamentos políticos e, para provar isso, supõe que os estamentos da sociedade civil sejam a ‘particularização do Estado político’, isto é, que a sociedade civil seja a sociedade política. A expressão ‘o particular no Estado’ só pode significar, aqui, ‘a particularização do Estado’. Hegel, por uma má consciência, escolhe a expressão indeterminada.” “Muito prudente é, também, a determinação de que o particular ‘liga-se’ ao universal. Ligar é coisa que pode ser feita com as coisas mais heterogêneas.”

É um progresso da história que os estamentos políticos tenham se tornado estamentos sociais, de modo que, assim como os cristãos são iguais no céu e desiguais na terra, também os membros singulares do povo são iguais no céu de seu mundo político e desiguais na existência terrena da sociedade. A transformação propriamente dita dos estamentos políticos em sociais se deu na monarquia absoluta. [começo da modernidade]”

Somente a Revolução Francesa completou a transformação dos estamentos políticos em sociais, ou seja, fez das distinções estamentais da sociedade civil simples distinções sociais, distinções da vida privada, sem qualquer significado na vida política. A separação da vida política e da sociedade civil foi, assim, consumada.”

Em seu sentido medieval, o estamento permanece, ainda, apenas no interior da própria burocracia, onde a posição social e a posição política são imediatamente idênticas. A ele se opõe a sociedade civil como estamento privado.”

A única distinção geral, superficial e formal é, aqui, apenas aquela entre cidade e campo. Mas dentro da própria sociedade a distinção se forma não em círculos fixos, mas em círculos móveis, cujo princípio é o arbítrio. Dinheiro e cultura são os critérios principais.” “É uma divisão de massas que se formam fugazmente, cuja própria formação é arbitrária e que não é uma organização.”

um estamento que é, ele próprio, por sua vez, apenas uma determinação exterior do indivíduo, pois não é inerente ao seu trabalho nem se relaciona com ele como uma comunidade objetiva, existente, organizada segundo leis estáveis e mantendo com ele relações estáveis. Ao contrário, ele não mantém qualquer relação real com o agir substancial do indivíduo, com seu estamento real. O médico não forma nenhum estamento particular na sociedade civil. Um comerciante pertence a um estamento diverso daquele de outro comerciante, isto é, ele pertence a outra posição social. (…) O princípio do estamento social ou da sociedade civil é o gozo e a capacidade de fruir.”

A atual sociedade civil é o princípio realizado do individualismo; a existência individual é o fim último; atividade, trabalho, conteúdo etc., são apenas meio.”

O modo de vida, atividade etc. deste último, em lugar de fazer dele um membro, uma função da sociedade, faz dele uma exceção da sociedade, é o seu privilégio. Que essa distinção não seja apenas uma distinção individual, mas se concretize como comunidade, estamento, corporação, isso não apenas não suprime a sua natureza exclusiva, como é, antes, somente sua expressão. Em vez de ser função da sociedade, a função individual se converte em uma sociedade para si.”

A Idade Média é a história animal da humanidade, sua zoologia. A era moderna, a civilização, comete o erro inverso.”

A única oposição que ainda é possível aqui parece ser aquela entre os dois representantes das duas vontades do Estado, entre as duas emanações, entre o elemento governamental e o elemento estamental do poder legislativo; parece ser, portanto, uma oposição no interior do próprio poder legislativo.”

O poder soberano perdeu o seu inacessível, exclusivo, Uno empírico; a sociedade civil perdeu seu inacessível, vago, Todo empírico; um a sua rigidez, a outra sua fluidez.”

Assim como, do lado do poder do príncipe, o poder governamental já tem essa determinação, assim também, do lado dos estamentos, um momento deles tem de estar voltado para a determinação de existir essencialmente como o momento do termo-médio.

Já vimos, porém, que Hegel opõe, aqui, de forma arbitrária e inconseqüente, príncipe e estamentos como extremos. (…) Os estamentos … fazem, do lado da sociedade civil, mais do que o poder governamental o faz do lado do poder soberano, uma vez que é propriamente este último que se contrapõe ao povo como seu oposto.

(*) ponte de asnos: “Marx faz aqui um trocadilho, empregando a expressão ‘ponte dos asnos’ tanto em seu sentido escolástico (pons asinorum), do diagrama utilizado para descobrir as possibilidades de termos-médios de um silogismo, quanto no sentido literal. Os estamentos são os asnos sobrecarregados de funções, que têm de ser, ainda, a própria ponte – o termo-médio – que os une ao governo. (N.T.)”

O príncipe deveria, por conseguinte, fazer-se, no poder legislativo, de termo-médio entre o poder governamental e o elemento estamental; porém, o poder governamental é justamente o termo-médio entre ele e a sociedade estamental, e esta é o termo-médio entre ele e a sociedade civil!” Triangulações vesgas da Idéia.

São cabeças de Jano, que ora se mostram de frente, ora de costas, e que de frente têm um caráter diverso do de costas.” “Tal como um homem que se encontra entre dois litigantes e, então, um destes, por sua vez, coloca-se entre o intermediário e o outro litigante. É a história do homem e da mulher que brigavam e do médico que queria servir de conciliador entre eles, com o que, então, a mulher devia se colocar entre o médico e o marido e, este, entre a mulher e o médico. Tal como o leão no Sonho de uma noite de verão, que exclama: ‘Eu sou um leão e não sou um leão, eu sou Marmelo’.(*) Assim, cada extremo é, aqui, ora o leão da oposição, ora o Marmelo da mediação.” Hahaha!

(*) “Marx comete, aqui, um pequeno equívoco: no entremez representado no interior da peça, o ‘leão’ é protagonizado pelo marceneiro Pino (Schnock) e não pelo carpinteiro Marmelo (Squenz).” É tanta confusão que talvez tenha errado de propósito! O governo não é leão nem Marmelo nem carpinteiro nem marceneiro, mas sim um pino (nas horas vagas!).

Trata-se de uma sociedade belicosa em seu âmago, mas que tem muito medo das manchas roxas para se bater realmente, e os dois, que querem brigar, se ajustam de tal modo que o terceiro, que se encontra entre eles, deva receber as pancadas; mas, então, um dos dois apresenta-se novamente como o terceiro, e, diante de tamanha precaução, eles não chegam a qualquer decisão.”

Extremos reais não podem ser mediados um pelo outro, precisamente porque são extremos reais. Mas eles não precisam, também, de qualquer mediação, pois eles são seres opostos. Não têm nada em comum entre si, não demandam um ao outro, não se completam. Um não tem em seu seio a nostalgia, a necessidade, a antecipação do outro. (Mas quando Hegel trata a universalidade e a singularidade, os momentos abstratos do silogismo, como opostos reais, é esse precisamente o dualismo fundamental da sua lógica …)”

No que concerne ao primeiro ponto, polo norte e polo sul são, ambos, polo; sua essência é idêntica; do mesmo modo, os sexos feminino e masculino são um gênero, uma essência, a essência humana. Norte e sul são determinações opostas de uma essência; a diferença de uma essência em seu mais alto desenvolvimento. Eles são a essência diferenciada. Eles são o que são apenas como uma determinação diferenciada, e precisamente como essa determinação diferenciada da essência. Verdadeiros extremos reais seriam polo e não-polo, gênero humano e inumano. A diferença é, aqui, uma diferença da existência, lá uma diferença da essência, de duas essências.”

Contraposição (superação, a não-mediação) à dialética: poesia.

o espírito é apenas a abstração da matéria [conceito derivado, duas essências, porém a matéria é existente, possuindo um avesso formal]

Outro exemplo: O fascismo existiu historicamente, o socialismo não (não foi logrado). O fascismo empírico é apenas a abstração do socialismo (forma-se um conceito do que deveria ser o socialismo, com base na má-fé de juízo empírica do fascista). Dado que o socialismo é o antípoda e o remédio do fascismo (ou a tentativa de socialismo é a inimiga por definição da consumação do fascismo), é possível a “inferência”.

A posição não é igual. Por exemplo, cristianismo ou religião em geral e filosofia são extremos. Mas, em verdade, a religião não constitui uma oposição verdadeira à filosofia. Pois a filosofia compreende a religião em sua realidade ilusória. A religião, enquanto quer ser uma realidade, está, portanto, para a filosofia, dissolvida na própria filosofia.”

A crítica vulgar cai em um erro dogmático oposto. Assim ela critica, por exemplo, a constituição. Ela chama a atenção para a oposição entre os poderes etc. Ela encontra contradições por toda parte. Isso é, ainda, crítica dogmática, que luta contra seu objeto, do mesmo modo como, antigamente, o dogma da santíssima trindade era eliminado por meio da contradição entre um e três. A verdadeira crítica, em vez disso, mostra a gênese interna da santíssima trindade no cérebro humano. Descreve seu ato de nascimento. Com isso, a crítica verdadeiramente filosófica da atual constituição do Estado não indica somente contradições existentes; ela esclarece essas contradições, compreende sua gênese, sua necessidade.”

Esse momento do elemento estamental é o romantismo do Estado político, o sonho de sua substancialidade ou de seu acordo consigo mesmo. É uma existência alegórica.”

Um dos estamentos da sociedade civil contém o princípio que, por si mesmo, é capaz de ser constituído como essa relação política, isto é, o estamento da eticidade natural.

(o estamento dos proprietários fundiários).”

no que diz respeito à ‘vida familiar’ como base, parece que a eticidade ‘social’ da sociedade civil esteja situada acima dessa ‘eticidade natural’. Ademais, a ‘vida familiar’ é a ‘eticidade natural’ dos outros estamentos, ou do estamento dos cidadãos da sociedade civil, tanto quanto do estamento dos proprietários fundiários. Porém, que a ‘vida familiar’ seja, no estamento dos proprietários fundiários, não apenas o princípio da família, mas a base da sua existência social em geral, isso parece, antes, tornar esse estamento inapto para a mais elevada tarefa política, já que ele aplicará leis patriarcais a uma esfera não-patriarcal e fará valer o filho ou o pai, o senhor e o servo, lá onde se trata do Estado político, da qualidade de cidadão do Estado (Staatsbürgerthum).

No que concerne à determinação natural do elemento soberano, Hegel desenvolveu não um rei patriarcal, mas um rei moderno, constitucional.”

ele não é cidadão do Estado porque proprietário fundiário, mas proprietário fundiário porque cidadão do Estado! Eis aqui, portanto, uma inconseqüência de Hegel no interior de seu próprio modo de ver, e uma tal inconseqüência é acomodação.”

O ‘morgadio’ seria o constituir-se político do estamento dos proprietários fundiários.” O “rei” de cada família, sustentado pelo direito burocrático do Estado.

Primeira tese. O Estado não se contenta com ‘a mera possibilidade da disposição’, ele deve contar com uma ‘necessidade’.

Segunda tese. ‘A disposição não está ligada a um patrimônio’, isto é, a disposição do patrimônio é uma ‘mera possibilidade’.

Terceira tese. Mas há uma ‘conexão relativamente necessária’; a saber: ‘aquele que possui um patrimônio independente’ etc. pode ‘agir em prol do Estado’, ou seja, o patrimônio dá a ‘possibilidade’ da disposição de Estado, embora esta ‘possibilidade’ não satisfaça, de acordo com a primeira sentença.

Além disso, Hegel não demonstrou que a propriedade da terra é o único ‘patrimônio independente’.”

Além disso, entre nós, a filosofia não é exercida como o era, aproximadamente, entre os gregos, como uma arte privada, mas ela tem, antes, uma existência pública, em contato com o público, principalmente ou unicamente a serviço do Estado.”

As oposições assumiram, aqui, uma forma totalmente nova e muito material, como mal poderíamos esperá-las no céu do Estado político. § A oposição, tal qual Hegel a desenvolve, expressa em sua agudeza, é a oposição de propriedade privada e patrimônio.”

Porque ela não é transmitida ‘aos filhos de acordo com a igualdade do amor’, ela é separada, independente até mesmo da pequena sociedade, da sociedade natural, da família, de sua vontade e de suas leis; e conserva, portanto, a natureza rude da propriedade privada também em relação à passagem no interior do patrimônio familiar.” “Mas ele mesmo qualificou o ‘amor’ como a base, o princípio, o espírito da vida familiar [acima]. No estamento que tem a vida familiar como sua base, falta, portanto, a base da vida familiar, o amor como princípio real, por conseguinte eficiente e determinante.”

Em seu mais alto desenvolvimento, o princípio da propriedade privada contradiz o princípio da família. Contrariamente, portanto, ao estamento da eticidade natural, da vida familiar, é, antes, apenas na sociedade civil que a vida familiar chega a ser vida da família, vida do amor. O estamento da eticidade natural é, antes, a barbárie da propriedade privada contra a vida familiar.

Essa seria, portanto, a soberana grandeza da propriedade privada, da propriedade fundiária, sobre a qual houve, recentemente, tantos sentimentalismos e sobre a qual tantas lágrimas multicores de crocodilo foram derramadas.”

Há, em Hegel, uma certa decência, a dignidade do intelecto. Ele não quer justificar e construir o morgadio em si e para si, ele o quer apenas com referência a outro, não como autodeterminação, mas como determinidade de um outro, não como fim, mas como meio para um fim.” Pelo menos o morgadia não é um simples momento da Idéia!

Qual é, então, o poder do Estado político sobre a propriedade privada? O próprio poder da propriedade privada, sua essência trazida à existência.” “A propriedade privada não é mais um objeto determinado do arbítrio, mas sim o arbítrio é o predicado determinado da propriedade privada.” “Que filosofia do direito é essa, em que a independência da propriedade privada tem no direito privado um significado diverso daquele do direito público?”

Uma tal monstruosidade, como a de definir o morgadio como uma determinação da propriedade privada por meio do Estado político, é, em suma, inevitável, quando se interpreta uma velha visão de mundo no sentido de uma nova, quando se dá a uma coisa, como aqui a propriedade privada, um duplo significado, um no tribunal do direito abstrato e outro oposto no céu do Estado político.”

“‘A certeza que se funda na verdade’, que ‘é a disposição política’, é a certeza fundada em seu ‘próprio terreno’ (em sentido literal).”

A incorruptibilidade aparece como a mais alta virtude política, uma virtude abstrata. Além disso, a incorruptibilidade é algo tão à parte no Estado construído por Hegel, que ela tem de ser construída como um poder político particular, provando, precisamente por isso, que ela não é o espírito do Estado político, não é a regra, mas a exceção, e que é construída como uma tal exceção. Para preservá-los da corruptibilidade, corrompem-se os senhores do morgadio por meio de sua propriedade inalienável.”

Mas não é mais cômico que a mais alta dignidade do poder legislativo seja confiada a uma raça particular de homens? Não há nada mais ridículo do que Hegel contrapor a designação por ‘nascimento’ do legislador, do representante do cidadão do Estado, à sua designação por meio da ‘acidentalidade de uma escolha’.” “Em toda parte, Hegel cai de seu espiritualismo político no mais crasso materialismo. No cume do Estado político, é o nascimento, por toda parte, que faz de determinados indivíduos a encarnação das mais altas tarefas públicas.” “Nesse sistema, a natureza faz, imediatamente, reis, ela faz, imediatamente, pares etc. assim como faz olhos e narizes.”

Eu sou humano por nascimento, sem o consentimento da sociedade; mas é apenas por meio do consentimento geral que esse nascimento determinado se torna nascimento de um par ou de um rei. Somente o consentimento faz do nascimento dessa pessoa o nascimento de um rei; assim, é o consenso e não o nascimento que faz o rei. Se é o nascimento, diferentemente das outras determinações, que dá imediatamente ao homem uma posição, então é seu corpo que faz dele este funcionário social determinado.” “e é naturalmente essa concepção zoológica que tem na heráldica a sua ciência correspondente. O segredo da nobreza é a zoologia.” HAHAHA!

Há dois momentos a salientar no morgadio hereditário:

1) O permanente é o bem hereditário, a propriedade fundiária. Ele é o constante na relação, a substância. O senhor do morgadio, o proprietário, é, na verdade, apenas acidente. A propriedade fundiária se antropomorfiza nas diversas gerações. É como se a propriedade fundiária herdasse sempre o primogênito da casa, como um atributo preso a ela. (…)

2) A qualidade política do senhor do morgadio é a qualidade política do seu bem hereditário, uma qualidade política inerente a esse bem hereditário.” Geografia física!

os membros do Estado político recebem sua independência de um ser que não é o ser do Estado político, mas de um ser do direito privado abstrato, da propriedade privada abstrata.”

O fato de o Estado ser o monarca hereditário, uma personalidade abstrata, significa apenas que a personalidade do Estado é abstrata ou que é o Estado da personalidade abstrata; como, de resto, também os romanos desenvolveram o direito do monarca puramente segundo as normas do direito privado ou o direito privado como a suprema norma do direito público. Os romanos são os racionalistas, os alemães os místicos da propriedade privada soberana.”

Combateu-se Hegel muitas vezes por seu desenvolvimento da moral. Mas o que ele fez foi desenvolver a moral do Estado moderno e do direito privado moderno. Quis-se separar mais a moral do Estado, emancipá-la mais!”

a separação do Estado atual da moral é moral, … a moral é não-estatal e o Estado é imoral. É, antes, um grande mérito de Hegel, ainda que inconsciente sob um certo aspecto …, ter apontado à moral moderna o seu verdadeiro lugar.”

Comércio e indústria, em suas nuances particulares, são a propriedade privada de corporações particulares. Dignidades da côrte, jurisdição etc. são a propriedade privada de estamentos particulares. As diversas províncias são propriedades privadas de príncipes singulares etc. O serviço militar ao país etc. é a propriedade privada do soberano. O espírito é a propriedade privada do clero. Minha atividade conforme ao dever é propriedade privada de outrem, assim como meu direito é uma propriedade privada particular. A soberania, aqui a nacionalidade, é propriedade privada do imperador.”

Onde os príncipes atacaram a independência da propriedade privada, como na França, eles atentaram contra a propriedade privada das corporações, antes de atentar contra a propriedade privada dos indivíduos.”

O príncipe constitucional expressa, por isso, a idéia do Estado constitucional em sua abstração mais aguda. (…) Ele é, igualmente, uma mera imaginação, como pessoa e como príncipe, ele não tem nem poder real, nem atividade real.”

Os romanos, na verdade, foram os primeiros a desenvolver o direito da propriedade privada, o direito abstrato, o direito privado, o direito da pessoa abstrata. O direito privado romano é o direito privado em seu desenvolvimento clássico. Nos romanos, no entanto, não encontramos, em nenhuma parte, que o direito da propriedade privada tenha sido mistificado, tal como nos alemães. Ele não se tornará jamais, também, direito público.”

O verdadeiro fundamento da propriedade privada, a posse, é um fato, um fato inexplicável, não um direito. É somente por meio das determinações jurídicas, conferidas pela sociedade à posse de fato, que esta última adquire a qualidade de posse jurídica, a propriedade privada.”

No que concerne ao vínculo, nos romanos, entre constituição política e propriedade privada, aparecem:

1) O homem (como escravo), assim como nos povos antigos em geral, como objeto da propriedade privada.

Nisso, nada de especial.

2) As regiões conquistadas são tratadas como propriedade privada; nelas, é feito valer o jus utendi et abutendi [uso e abuso].

3) Em sua própria história, aparece a luta entre pobres e ricos, patrícios e plebeus etc.

De resto, a propriedade privada se faz valer no todo, como nos antigos povos clássicos em geral, como propriedade pública, seja como despesa da república nos tempos prósperos, seja como benfeitoria geral luxuriosa (banhos etc.) perante a massa.”

Se não como prisioneiro de guerra, como se “legitima” a existência do escravo?

Aplicando a idéia a um mundo futuro, que veja o instituto como inevitável e inerente à condição social humana, haveria de ser: 1) os arredios ao conceito de uma sociedade anti-capitalista; 2) os que falharam na “nova educação”, pelos novos mestres pedagogos; 3) aqueles que entendem a vida empírica como uma maldição (todos os religiosos da atualidade que persistirem em seus credos no futuro).

O poder imperial era, por isso, hereditário apenas de fato. [não de direito]” “quando o direito privado atingiu o pleno desenvolvimento em Roma, o direito público foi abolido, caminhou para sua dissolução, enquanto na Alemanha ocorreu o inverso.”

As dignidades do Estado nunca são hereditárias em Roma” Um senador tem de ser apto, demonstrar-se apto.

Ao contrário do morgadio germânico etc., a liberdade de testar aparece em Roma como uma emanação da propriedade privada. Nesta última oposição reside toda a diferença dos desenvolvimentos romano e germânico da propriedade privada.”

Na medida em que estes últimos são deputados pela sociedade civil, é imediatamente claro que esta faz aquilo como aquilo que ela é – portanto, não enquanto dissolvida atomisticamente nos indivíduos e reunindo-se, num breve momento, apenas para um ato isolado e temporário, sem atitude subseqüente, mas sim enquanto organizada nas suas associações, comunidades e corporações, constituídas sem demora, que recebem desse modo uma conexão política.”

Então quando organizados nas suas associações, comunidades e corporações os deputados se despojam de seu corpo físico e dos ritos burocráticos para determinar o destino das massas? É isto que a assembléia legislativa é – indivíduos, átomos, que comparecem rotineiramente a sessões e precisam cumprir vários protocolos demorados. Suas reuniões ocupam apenas breves momentos de alguns dias da semana. E muitos dos deputados, não é necessário dizer, são bastante inconseqüentes! Imagine-se, para terminar, quanto esforço e tempo não demanda organizar e constituir associações, comunidades e corporações, o que não depende sequer da presteza e agilidade de um deputado! Afinal, estamos falando de dois sistemas burocráticos diferentes – o de uma associação qualquer e outro do poder legislativo, o que só contribui para tornar ainda mais lento o processo e dissolver eventuais responsabilidades.

Câmara dos deputados e câmara dos pares (ou como quer que elas se chamem)¹ não são, aqui, diferentes existências do mesmo princípio, mas sim fazem parte de dois princípios e condições sociais essencialmente diferentes. A câmara dos deputados é, aqui, a constituição política da sociedade civil em sentido moderno; a câmara dos pares o é em sentido estamental.”

¹ Aqui, embora queira-se dizer senado, o significado é outro, no tempo de Marx e na Alemanha (e Inglaterra, como se verá mais abaixo): os senadores eram os morgados, senhores do morgadio, latifundiários, não-eleitos, mas empossados por direito no cargo graças, essencialmente, ao seu nascimento e à primogenitura dentro da aristocracia.

A sociedade civil, portanto, tem na câmara estamental a representante de sua existência medieval e, na câmara dos deputados, a representante de sua existência política (moderna).” “A existência política empírica que Hegel tem diante dos olhos (Inglaterra) guarda, portanto, um significado bem diferente daquele que ele lhe imputa.”

Nesse sentido, também a constituição francesa representa um progresso. Ela reduziu, em verdade, a câmara dos pares a uma pura nulidade, mas essa câmara, segundo o princípio da monarquia constitucional, tal como Hegel tencionava desenvolvê-lo, só pode ser, por sua natureza, uma nulidade, a ficção da harmonia entre príncipe e sociedade civil, ou do poder legislativo ou Estado político consigo mesmo como uma existência particular e, precisamente por isso, mais uma vez contraditória.”

A paridade é realmente, nessa constituição, um estamento na sociedade civil, um estamento que é puramente político e criado a partir do ponto de vista da abstração do Estado político; mas ele aparece mais como decoração política do que como estamento real, provido de direitos particulares. A câmara dos pares, sob a restauração, era uma reminiscência. A câmara dos pares da revolução de Julho(*) é uma criação efetiva da monarquia constitucional.” Inicialmente o senado (na monarquia constitucional) não era como hoje, de mandato temporário, mas com cargos vitalícios.

(*) Não é a revolução francesa: “Revolução de julho de 1830, que depôs o rei Bourbon Carlos X e alçou ao trono Luís Filipe de Orléans, conhecido como ‘o rei burguês’. Seu reinado (a Monarquia de Julho), caracterizado por alterações de caráter liberal na constituição restauracionista de 1814, duraria até a revolução de 1848.”

O mérito dos franceses é, portanto, o de ter estabelecido a câmara dos pares como produto próprio do Estado político”

Que existência elevada é essa, que necessita de uma garantia fora de si mesma? e que deve, além disso, ser a existência universal desta mesma garantia e, portanto, sua real garantia? Em suma, no desenvolvimento do poder legislativo, Hegel retrocede, por toda parte, do ponto de vista filosófico ao outro ponto de vista, que não considera a coisa em relação consigo mesma.”

O direito político, como direito das corporações etc., contradiz totalmente o direito político enquanto político, ou direito do Estado, ou qualidade do cidadão do Estado”

Que todos devam participar singularmente nas deliberações e decisões sobre os assuntos gerais do Estado, pois estes todos são membros do Estado, cujos assuntos são assuntos de todos e no qual esses têm um direito de ser com seu saber e querer –, essa concepção, que gostaria de colocar o elemento democrático, sem nenhuma forma racional, no organismo estatal, que é tal somente por meio da referida forma, apresenta-se tão óbvia porque permanece circunscrita à abstrata determinação de ser membro do Estado, e o pensamento superficial se atém a abstrações.” O pensamento superficial se atém a abstrações seria um ótimo resumo da inteira filosofia de Hegel!

Nada como duas guerras européias para fazer com que o voto universal se tornasse de repente muitíssimo racional!

Já esclarecemos que Hegel desenvolve apenas um formalismo de Estado. O verdadeiro princípio material é, para ele, a Idéia, a abstrata forma pensada do Estado como um Sujeito, a Idéia absoluta, que não guarda em si nenhum momento passivo, material.”

A questão sobre como a sociedade civil deve tomar parte no poder legislativo, que ela ingresse nele por meio de deputados, ou que ‘todos singularmente’ participem de forma direta, é ela mesma uma questão no interior da abstração do Estado político, ou no interior do Estado político abstrato; é uma questão política abstrata.”

A totalidade não é algo por meio do qual o singular perde a determinação da singularidade abstrata; a totalidade é apenas o número total da singularidade.” Que todos participassem, ainda assim isso não mudaria o fato de que o fazem apenas por interesse próprio, idiossincraticamente.

“‘Todos’ devem ‘participar singularmente nas deliberações e decisões sobre os assuntos gerais do Estado’; isto é, portanto: todos devem participar, não como todos, mas sim como ‘singular’.”

Ser parte consciente de alguma coisa é lhe tomar, com consciência, uma parte, participar nela conscientemente. Sem essa consciência, o membro do Estado seria um animal.”

Quando se diz ‘os assuntos universais do Estado’, produz-se a aparência de que os ‘assuntos universais’ e o ‘Estado’ são algo de diferente. Mas o Estado é o ‘assunto universal’, portanto realmente os ‘assuntos universais’.”

Se se trata, portanto, dos reais membros do Estado, então não se pode falar dessa participação como de um dever.”

Não se trata, aqui, de determinar se a sociedade civil deve exercer o poder legislativo por meio de deputados ou todos singularmente, mas se trata, sim, da extensão e da máxima generalização possível da eleição, tanto do sufrágio ativo como do sufrágio passivo. Esse é o ponto propriamente controverso da reforma política, tanto na França quanto na Inglaterra.”

a eleição é a relação imediata, direta, não meramente representativa, mas real, da sociedade civil com o Estado político.” Um Marx ainda muito comedido!

É somente na eleição ilimitada, tanto ativa quanto passiva, que a sociedade civil se eleva realmente à abstração de si mesma, à existência política como sua verdadeira existência universal, essencial.”

Eles não se encontram, com isso, na situação de serem mandatários comissionados ou portadores de instruções, tanto menos que a assembleia tem a determinação de ser uma reunião viva, em que se debate, se persuade mutuamente e se decide em conjunto.”

Ele reconhece, portanto, na determinação material, aquilo que ele converteu em sua determinação formal, a abstração de si mesma da sociedade civil em seu ato político; e sua existência política não é senão essa abstração.”

Que os deputados entendam ‘mais’ dos assuntos universais e não entendam ‘simplesmente’, Hegel só pode afirmá-lo mediante um sofisma.”

A separação entre Estado político e sociedade civil aparece como a separação entre os deputados e seus mandantes.”

É significativo que Hegel qualifique, aqui, a confiança como a substância da deputação, como a relação substancial entre representantes e representados. Confiança é uma relação pessoal.”

Primeiramente, a primeira câmara, a câmara da propriedade privada independente fôra construída como garantia, para o príncipe e o poder governamental, contra a disposição da segunda câmara, como a existência política da universalidade empírica; e, agora, Hegel exige novamente uma nova garantia, que deve garantir a disposição etc. da própria segunda câmara.”

O que ele realmente exige, aqui, é que o poder legislativo deva ser o real poder governativo. Ele expressa isso de tal forma que exige a burocracia duas vezes: uma como representação do príncipe, outra como representação do povo.” “Falta apenas que Hegel exija que os estamentos prestem um exame ao digníssimo governo.” HAHAHA

Vê-se que Hegel é completamente contagiado pela soberba miserável do mundo do funcionalismo prussiano, que, nobre em sua limitação de gabinete, olha de cima a ‘autoconfiança’ da ‘opinião subjetiva do povo sobre si mesmo’.”

Sobre as eleições mediante muitos indivíduos, pode ainda ser observado que, especialmente nos grandes Estados, ocorre necessariamente a indiferença em dar o próprio voto, como se ele tivesse, na multidão, um efeito insignificante, e os que têm o direito ao voto, ainda que isso lhes seja apresentado e apregoado como alguma coisa de elevado, não comparecem para votar – de forma que resulta, de tal instituição, muito mais o oposto de sua destinação, e a eleição cai em poder de poucos, de um partido e, portanto, do interesse particular, contingente, justamente aquilo que devia ser neutralizado.”

Ou seja: para que as eleições não recaiam em interesses particulares, não se as deve tornar públicas!!! Grosseiro.

§ 313. Mediante essa separação, não apenas a maturação das decisões recebe sua maior segurança, graças a uma pluralidade de instâncias, e é afastada a acidentalidade de um voto do momento, assim como a acidentalidade da decisão por maioria dos votos, como também, principalmente, o elemento estamental possui menos ocasiões de se opor diretamente ao governo, ou, no caso de o elemento mediador se encontrar igualmente do lado do segundo estamento, o peso de sua opinião será tanto mais reforçado quanto mais ele aparecer como imparcial e sua oposição aparecer como neutralizada.”

Por que não três ou quatro câmaras para aperfeiçoar o bicameralismo?

CRÍTICA DA FILOSOFIA DO DIREITO DE HEGEL – INTRODUÇÃO

Na Alemanha, a crítica da religião está, no essencial, terminada; e a crítica da religião é o pressuposto de toda a crítica.” Incipit tragoedia.

Ela é a realização fantástica da essência humana, porque a essência humana não possui uma realidade verdadeira. Por conseguinte, a luta contra a religião é, indiretamente, contra aquele mundo cujo aroma espiritual é a religião.”

A religião é o suspiro da criatura oprimida, o ânimo de um mundo sem coração, assim como o espírito de estados de coisas embrutecidos. Ela é o ópio do povo.” Como toda droga, a desintoxicação deve ser gradual. Pois o que se quer dizer é que é um supremo consolo; hoje em dia tem-se a tendência de ver nessa censura mais moralismo do que poderia haver mesmo no séc. XIX, até por seu autor ser quem é, de entender a frase meramente como reprovação unilateral, “costume milenar” que deve ser cortado de imediato (com o que não se sonha, nem entre os círculos mais revolucionários): Arranque-se essa vem-vergonhice, vício imundo e que desencadeia ilusões, todas maléficas ao organismo!

A supressão [Aufhebung] da religião como felicidade ilusória do povo é a exigência da sua felicidade real.”

é a exigência de que abandonem uma condição que necessita de ilusões. A crítica da religião é, pois, em germe, a crítica do vale de lágrimas”

A crítica arrancou as flores imaginárias dos grilhões, não para que o homem suporte grilhões desprovidos de fantasias ou consolo, mas para que se desvencilhe deles e a flor viva desabroche.”

Portanto, a tarefa da história, depois de desaparecido o além da verdade, é estabelecer a verdade do aquém.” “A crítica do céu transforma-se, assim, na crítica da terra, a crítica da religião, na crítica do direito, a crítica da teologia, na crítica da política.”

Mesmo a negação de nosso presente político é já um fato empoeirado no quarto de despejo histórico das nações modernas. Se nego as perucas empoadas, fico ainda com as perucas desempoadas. Quando nego a situação alemã de 1843, não me encontro nem mesmo, segundo a cronologia francesa, no ano de 1789, quanto menos no centro vital do período atual.”

A história alemã, é verdade, orgulha-se de um desenvolvimento que nenhuma nação no firmamento histórico realizou antes dela ou chegará um dia a imitar. Tomamos parte nas restaurações das nações modernas, sem termos tomado parte nas suas revoluções.” Duas vezes! Tentará de novo?

Tendo nossos pastores à frente, encontramo-nos na sociedade da liberdade apenas no dia do seu sepultamento.”

A escola histórica do direito alemã teria inventado a história alemã, não fosse ela uma invenção da história alemã.”

(*) “Savigny, defensor da tese de que o direito refletia a própria ‘alma’ de um povo – sua cultura, seus costumes –, sendo, portanto, refratário a qualquer reformulação do direito orientada pelos princípios racionalistas, foi professor de Marx na Universidade de Berlim entre 1836 e 1837 e o influenciou quanto ao método de estudo, já que era uma prerrogativa da Escola Histórica o estudo exegético dos textos e documentos relacionados ao seu objeto de investigação.”

Em contrapartida, entusiastas bonacheirões, chauvinistas alemães por sangue e liberais esclarecidos por reflexão buscam nossa história de liberdade além de nossa história, nas primitivas florestas teutônicas. Mas, se ela só pode ser encontrada nas florestas, em que se diferencia a história da nossa liberdade da história da liberdade do javali?”

E mesmo para os povos modernos, essa luta contra o teor limitado do status quo alemão não carece de interesse, pois o status quo alemão é a perfeição manifesta do ancien régime, e o ancien régime é o defeito oculto do Estado moderno.” “Para as nações modernas, é instrutivo assistir ao ancien régime, que nelas viveu sua tragédia, desempenhar uma comédia como fantasma alemão.” “Na medida em que o ancien régime, como ordem do mundo existente, lutou contra um mundo que estava então a emergir, ocorreu de sua parte um erro histórico-mundial, mas não um erro pessoal. Seu declínio foi, por isso, trágico.”

Os deuses da Grécia, já mortalmente feridos na tragédia Prometeu acorrentado, de Ésquilo, tiveram de morrer uma vez mais, comicamente, nos diálogos de Luciano. Por que a história assume tal curso? A fim de que a humanidade se separe alegremente do seu passado. É esse alegre destino histórico que reivindicamos para os poderes políticos da Alemanha.”

a relação da indústria, do mundo da riqueza em geral, com o mundo político é um dos problemas fundamentais da era moderna. Sob que forma começa este problema a preocupar os alemães? Sob a forma de tarifas protecionistas, do sistema de proibição, da economia política. O chauvinismo alemão passou dos homens para a matéria e, assim, nossos cavaleiros do algodão e heróis do ferro viram-se, um belo dia, metamorfoseados em patriotas.”

A situação antiga, apodrecida, contra a qual essas nações se rebelam teoricamente e que apenas suportam como se suportam grilhões, é saudada na Alemanha como a aurora de um futuro glorioso que ainda mal ousa passar de uma teoria astuta(*) a uma prática implacável.

(*) Listig, em alemão, astuto. Jogo de palavras com o nome de Friedrich List (1789-1846): economista e defensor do protecionismo, teórico da burguesia ascendente nos anos anteriores a 1848 e promotor da união alfandegária (Zolverein), da qual aproveitava-se, também, a Prússia.”

Assim como as nações do mundo antigo vivenciaram a sua pré-história na imaginação, na mitologia, nós, alemães, vivenciamos a nossa pós-história no pensamento, na filosofia. Somos contemporâneos filosóficos do presente, sem sermos seus contemporâneos históricos.” “O que, para as nações avançadas, constitui uma ruptura prática com as modernas condições políticas é, na Alemanha, onde essas mesmas condições ainda não existem, imediatamente uma ruptura crítica com a reflexão filosófica dessas condições.”

A filosofia alemã do direito e do Estado é a única história alemã situada al pari com o presente moderno, oficial.”

É com razão, pois, que o partido político prático na Alemanha exige a negação da filosofia.”

Reivindicais que se deva seguir, como ponto de partida, o germe da vida real, mas esqueceis que o germe da vida real do povo alemão brotou, até agora, apenas no seu crânio. Em uma palavra: não podeis suprimir a filosofia sem realizá-la.”

A crítica da filosofia alemã do direito e do Estado, que com Hegel alcançou sua versão mais consistente, rica e completa, consiste tanto na análise crítica do Estado moderno e da realidade com ele relacionada como na negação decidida de todo o modo da consciência política e jurídica alemã, cuja expressão mais distinta, mais universal, elevada ao status de ciência, é justamente a própria filosofia especulativa do direito. Se a filosofia especulativa do direito só foi possível na Alemanha – esse pensamento extravagante e abstrato do Estado moderno, cuja efetividade permanece como um além, mesmo que esse além signifique tão somente o além do Reno –, a imagem mental alemã do Estado moderno, que faz abstração do homem efetivo, só foi possível, ao contrário, porque e na medida em que o próprio Estado moderno faz abstração do homem efetivo ou satisfaz o homem total de uma maneira puramente imaginária. Em política, os alemães pensaram o que as outras nações fizeram. A Alemanha foi a sua consciência teórica. A abstração e a presunção de seu pensamento andaram sempre no mesmo passo da unilateralidade e da atrofia de sua realidade.”

Pergunta-se: pode a Alemanha chegar a uma práxis à la hauteur des principes, quer dizer, a uma revolução que a elevará não só ao nível oficial das nações modernas, mas à estatura humana que será o futuro imediato dessas nações?

A arma da crítica não pode, é claro, substituir a crítica da arma, o poder material tem de ser derrubado pelo poder material, mas a teoria também se torna força material quando se apodera das massas.”

Ser radical é agarrar a coisa pela raiz. Mas a raiz, para o homem, é o próprio homem.”

A crítica da religião tem seu fim com a doutrina de que o homem é o ser supremo para o homem, portanto, com o imperativo categórico de subverter todas as relações em que o homem é um ser humilhado, escravizado, abandonado, desprezível.”

O passado revolucionário da Alemanha é teórico – é a Reforma. Assim como outrora a revolução começou no cérebro de um monge, agora ela começa no cérebro do filósofo. § Sem dúvida, Lutero venceu a servidão por devoção porque pôs no seu lugar a servidão por convicção. Quebrou a fé na autoridade porque restaurou a autoridade da fé. Transformou os padres em leigos, transformando os leigos em padres. Libertou o homem da religiosidade exterior, fazendo da religiosidade o homem interior. Libertou o corpo dos grilhões, prendendo com grilhões o coração.”

Mas, assim como a emancipação não se limita aos príncipes, tampouco a secularização dos bens se restringirá à confiscação da propriedade da Igreja, que foi, sobretudo, praticada pela hipócrita Prússia. Naquele tempo, a Guerra dos Camponeses, o fato mais radical da história alemã, fracassou por culpa da teologia. Hoje, com o fracasso da própria teologia, nosso status quo, o fato menos livre da história alemã, se despedaçará contra a filosofia. Na véspera da Reforma, a Alemanha oficial era a serva mais incondicional de Roma. Na véspera de sua revolução, ela é a serva incondicional de menos do que Roma: da Prússia e da Áustria, dos aristocratas rurais [Krautjunker] e dos filisteus.”

Como poderia ela, com um salto mortale, transpor não só suas próprias barreiras como também, ao mesmo tempo, a das nações modernas, barreiras que, na realidade, ela tem de sentir e buscar atingir como uma libertação de suas próprias barreiras reais?”

Mas, se a Alemanha acompanhou o desenvolvimento das nações modernas apenas por meio da atividade abstrata do pensamento, sem tomar parte ativa nas lutas reais desse desenvolvimento, ela compartilhou, por outro lado, das dores desse desenvolvimento, sem compartilhar de seus prazeres, de suas satisfações parciais. À atividade abstrata, por um lado, corresponde o sofrimento abstrato, por outro. Por isso, a Alemanha se encontrará, um belo dia, no nível da decadência européia sem que jamais tenha atingido o nível da emancipação. Poder-se-á compará-la a um idólatra que padece das doenças do cristianismo.”

Haverá, por exemplo, algum país no mundo que participe tão ingenuamente de todas as ilusões do regime constitucional sem compartilhar das suas realidades como a chamada Alemanha constitucional?”

Assim como os deuses de todas as nações se encontravam no Panteão romano, também os pecados de todas as formas de Estado se encontrarão no Sacro Império Romano-Germânico. Que esse ecletismo atingirá um grau até então inédito é garantido, sobretudo, pela glutonaria político-estética de um rei alemão [Frederico Guilherme IV] que pretende desempenhar todos os papéis da realeza: o papel feudal e o burocrático, o absoluto e o constitucional, o autocrático e o democrático, se não na pessoa do povo, pelo menos na sua própria pessoa, e se não para o povo, ao menos para si mesmo.” Infelizmente profético com relação ao nazismo. São inúmeros – não inúmeros, ok, mas são dignos de nota – os grandes intelectuais do século XIX que cheiraram a pólvora da condição alemã imperial, previram a catástrofe, que veio a suceder apenas após suas mortes.

Em que se baseia uma revolução parcial, meramente política? No fato de que uma parte da sociedade civil se emancipa e alcança o domínio universal; que uma determinada classe, a partir da sua situação particular, realiza a emancipação universal da sociedade. Tal classe liberta a sociedade inteira, mas apenas sob o pressuposto de que toda a sociedade se encontre na situação de sua classe, portanto, por exemplo, de que ela possua ou possa facilmente adquirir dinheiro e cultura.

Nenhuma classe da sociedade civil pode desempenhar esse papel sem despertar, em si e nas massas, um momento de entusiasmo em que ela se confraternize e misture com a sociedade em geral, confunda-se com ela, seja sentida e reconhecida como sua representante universal; um momento em que suas exigências e direitos sejam, na verdade, exigências e direitos da sociedade, em que ela seja efetivamente o cérebro e o coração sociais. Só em nome dos interesses universais da sociedade é que uma classe particular pode reivindicar o domínio universal.”

Para que a revolução de um povo e a emancipação de uma classe particular da sociedade civil coincidam, para que um estamento [Stand] se afirme como um estamento de toda a sociedade, é necessário que, inversamente, todos os defeitos da sociedade sejam concentrados numa outra classe, que um determinado estamento seja o do escândalo universal, a incorporação das barreiras universais; é necessário que uma esfera social particular se afirme como o crime notório de toda a sociedade, de modo que a libertação dessa esfera apareça como uma autolibertação universal. (…) O significado negativo-universal da nobreza e do clero francês condicionou o significado positivo-universal da classe burguesa, que se situava imediatamente ao lado deles e os confrontava.

Na Alemanha, porém, faltam a todas as classes particulares não apenas a consistência, a penetração, a coragem e a intransigência que delas fariam o representante negativo da sociedade. A todos os estamentos faltam, ainda, aquela grandeza de alma que, mesmo que por um momento apenas, identifica-se com a alma popular”

A relação entre as diferentes esferas da sociedade alemã não é, portanto, dramática, mas épica.” “Até mesmo o autossentimento moral da classe média alemã assenta apenas sobre a consciência de ser o representante universal da mediocridade filistina de todas as outras classes.” Uma classe média autoconsciente: um prodígio!

cada classe, tão logo inicia a luta contra a classe que lhe é superior, enreda-se numa luta contra a classe inferior.”

Na França, basta que alguém queira ser alguma coisa para que queira ser tudo. Na Alemanha, ninguém pode ser nada se não renunciar a tudo.”

Assim, o papel de emancipador é sucessivamente assumido, num movimento dramático, pelas diferentes classes do povo francês, até alcançar, por fim, a classe que realiza a liberdade social não mais sob o pressuposto de certas condições externas ao homem e, no entanto, criadas pela sociedade humana, mas organizando todas as condições da existência humana sob o pressuposto da liberdade social. Na Alemanha, ao contrário, onde a vida prática é tão desprovida de espírito quanto a vida espiritual é desprovida de prática, nenhuma classe da sociedade civil tem a necessidade e a capacidade de realizar a emancipação universal, até que seja forçada a isso por sua situação imediata, pela necessidade material e por seus próprios grilhões.”

O proletariado começa a se formar na Alemanha como resultado do emergente movimento industrial, pois o que constitui o proletariado não é a pobreza naturalmente existente, mas a pobreza produzida artificialmente, não a massa humana mecanicamente oprimida pelo peso da sociedade, mas a massa que provém da dissolução aguda da sociedade e, acima de tudo, da dissolução da classe média, embora seja evidente que a pobreza natural e a servidão cristão-germânica também engrossaram as fileiras do proletariado.”

Quando o proletariado exige a negação da propriedade privada, ele apenas eleva a princípio da sociedade o que a sociedade elevara a princípio do proletariado, aquilo que nele já está involuntariamente incorporado como resultado negativo da sociedade.”

BELAS PALAVRAS, HOJE TRISTES: “A emancipação do alemão é a emancipação do homem. A cabeça dessa emancipação é a filosofia, o proletariado é seu coração. A filosofia não pode se efetivar sem a suprassunção [Aufhebung] do proletariado, o proletariado não pode se suprassumir sem a efetivação da filosofia. Quando estiverem realizadas todas as condições internas, o dia da ressurreição alemã será anunciado pelo canto do galo gaulês.”

NIETZSCHE’S SELF-EVALUATION AS THE DESTINY OF PHILOSOPHY AND HUMANITY (Ecce Homo, ‘Why I Am a Destiny 1’) – Werner Stegmaier, Univ. de Greifswald, 2010. (trad. Lisa Marie Anderson)

No philosopher before Nietzsche spoke in this way; none declared himself the destiny of philosophy and of humanity. We must confront even this unheard-of claim and ask why he spoke in this way.” “Martin Heidegger especially insisted upon this; he saw Ecce Homo not as the ‘apotheosis of uninhibited self-presentation and boundless self-mirroring’ nor as ‘the harbinger of erupting madness’, nor even simply as a ‘biography’, but rather in fact as ‘a <destiny>, the destiny not of an individual but of the history of the era of modern times, of the end of the West.’ (Nietzsche. Vols. III/IV, ed. David Farrell Krell, San Francisco: Harper & Row, 1987, p. 3).”

Rodolphe Gasché, ‘Autobiography as Gestalt: Nietzsche’s Ecce Homo’, in Daniel O’Hara, ed., Why Nietzsche Now? (Bloomington 1985), 271-290.

Peter Sloterdijk confirms Nietzsche’s ‘<selfishness>’ (45) or ‘<megalomania>’ (40), both of which he places in quotation marks: ‘The light values of Nietzsche’s most exposed statements about himself are so excessive that even the most benevolent and freethinking readers, even those who, in their intoxication, are agreeable to him, avert their eyes at these moments’ (40). But Sloterdijk also legitimizes this selfishness in describing ‘the event of Nietzsche as a catastrophe in the history of language’ (8) and his ‘obscene abundance of self-praise’ as the unleashing of the ‘eulogistic power of language’ or of ‘speaking well [Gutreden]’ – of speaking well not for Nietzsche’s own sake, but in order to overcome the ressentiment-laden ‘speaking-poorly-systems [Schlechtrede-Systeme]’ of metaphysics and morality (28f.). Sloterdijk writes that Nietzsche pursued ‘the revaluation of all embarrassments [Peinlichkeiten]’ with the ‘cynicism’ of a Diogenes of Sinope (46) and offered his readers a new innocence of extravagant speaking well through the ‘gift-giving virtue’ [virtude dadivosa, bela expressão] with which he has his Zarathustra speak (51). Of course, in the end Sloterdijk counts Nietzsche only as a ‘trend designer’ of the ‘individualistic wave’, as a ‘life-style-brand’: ‘Only a fool, only a poet, only an ad writer’ (54, 57). And not a philosopher? Peter Sloterdijk, Über die Verbesserung der guten Nachricht. Nietzsches fünftes ‘Evangelium’. Rede zum 100. Todestag von Friedrich Nietzsche, gehalten in Weimar am 25. August 2000 (Frankfurt 2001).

But this claim could also be ironic – in the sense of Socrates, whose assertion that he knew nothing could likewise only appear presumptuous in the face of his superior knowledge. Yet only under the protection of this presumption could Socrates question his interlocutors in such a presumptuous way as he did, thereby exposing all their knowledge as groundless. With irony he approached even the Oracle of the god of Delphi, which proclaimed destinies and had proclaimed that no one was wiser that Socrates – a proclamation that Socrates did not accept, as one generally would a divine oracle, but rather steadfastly set out to test.”

With this double presumption, which cost him his life, he became the destiny of philosophy and of humanity and attained world-historical importance with his ‘world-historical irony’, as Nietzsche calls it (EH, WA 4).”

By raising himself up, with world-historical irony, to the level of a divine standard, Nietzsche exposes the putatively divine standards as human ones.”

O CARAÇO DO ANGU: “Nietzsche’s thought cannot be measured by the standards it calls into question. Therefore one has to rely, as an experiment, on Nietzsche’s own standards. But these standards are, for their part, not readily grasped.”

PERFEITO ESPELHO DE PLATÃO: “Only this practice, as extensive and time-consuming as it is, guarantees a methodological analysis of Nietzsche’s philosophy that satisfies his methodological demand that his writings be read ‘slowly’ in their own contexts, without prematurely extracting general ‘lessons’ from them.”

Alexander Nehamas remarks that irony, which in Socrates’ case consists of saying <too little,> functions for him just as hyperbole, which is saying <too much,> functions for Nietzsche.’” Nehamas, Nietzsche: Life as Literature, (Cambridge, Mass./London 1985), 26.

Nietzsche speaks of ‘destiny’ [Schicksal] in his writings several hundred times. Here he uses the word in the title of the section but not in its first aphorism itself; there he uses the words ‘fate’ [Loos] and ‘calamity’ [Verhängniss].”

to that end I must first go down deeper than ever I descended—deeper into pain than ever I descended, down into its blackest flood. Thus my destiny wants it. Well, I am ready.”

“‘destiny’ is a concept that we make for ourselves out of an unforeseeable and inalterable occurrence, in order to identify (and sometimes also to personify) the unidentifiable.” “in consciously unleashing the unforeseeable and inalterable, one can also ‘play destiny’ and thus ‘be destiny’ for someone or something.”

According to its usual concept, a destiny is unwilled, ‘imposed’. To will one’s destiny is thus to make yet another paradox of the already paradoxical concept of destiny.” “That is why Nietzsche has Zarathustra call destiny an ‘experience’, something that can be experienced but not comprehended [begriffen].”

To be sovereign is to be able to make something that one wills out of anything that happens. And those who will their destinies can also themselves function as destinies: they arrive ‘like destiny, without cause, reason, consideration, or pretext; they appear as lightning appears, too terrible, too sudden, too convincing, too “different” even to be hated’.”

In the aphorism Ecce Homo, Why I Am a Destiny 1, which comprises little more than a page (in the KSA edition [Kaufmann in English]), Nietzsche orients all the major themes of Western philosophy (destiny, religion, truth and politics) toward one vanishing point: himself and his revaluation of all values.”

if one does not want to succumb to destiny, one must be hard and inexorable like destiny – by accepting that which is beyond his control as his own will”

I find it necessary to wash my hands after I have come into contact with religious people”

Abluções cotidianas.

I contradict as has never been contradicted before and am nevertheless the opposite of a No-saying spirit.”

only beginning with me are there hopes again.”

For when truth enters into a fight with the lies of millennia, we shall have upheavals, a convulsion of earthquakes, a moving of mountains and valleys, the like of which has never been dreamed of. The concept of politics will have merged entirely with a war of spirits; all power structures of the old society will have been exploded into the air”

Still so far…

Aforismo nº 1 dividido em 22 seções.


[1]

the word ‘lot’ [Los] emphasizes that which is random and uncontainable.”

straw


But prophets (at least those of the Hebrew Bible) do not foretell destinies so much as they primarily ‘see’ – despite the resistance of common foolishness – and then proclaim what has already happened (in the case of the biblical prophets, primarily the turning away of the chosen people from God) and what the consequences must be.”

Fritz Bamberger, eds., Die Lehren des Judentums nach den Quellen, 3 vols (Munich/Darmstadt 1999)

It was and is his lot to be both an unheard and an unheard-of prophet, and he reveals this lot in the preliminary sections of Ecce Homo through a genealogy of his thought, from the random circumstances that came together to form his inevitable and necessary destiny, his destiny to be, with his ‘uncovering’, a ‘destiny of humanity’.”

[2]

apparent certainty”

whether he will become a destiny in the future depends on whether others recognize him as a destiny”

It is dependent upon their future ‘memory’ of his ‘name’, upon whether individuals remember his name so that it lives on; the memory of others is his destiny.”

A name, for its part, is a generally used sign for an individual; it is given by others before the individual himself can speak or say ‘I’.” E depois vêm os epítetos: O Filósofo do Martelo, A Dinamite Humana, Cila, O Grande, o Cínico, o Breve, etc….

Even the name, then, is a destiny that one makes his own.” Even our dead parents (dead inside us, dead to us).

Keith Ansell-Pearson & Howard Caygill, ‘On the Fate of the New Nietzsche,’ Ansell-Pearson and Caygill, eds., The Fate of the New Nietzsche (Aldershot 1993) 1-11:1. These are always supposed to be different Nietzsches, and yet also the true, only justified Nietzsches – or, in Zarathustra’s language, the ‘last’ Nietzsches. Nietzsche’s philosophy (and all ‘identities’, even that of the human being) is ‘mistaken’ at the very moment one wants to ‘determine’ it. Nietzsche opened EH with the adjuration: ‘Hear me! For I am such and such a person. Above all, do not mistake me for someone else’ (EH, Preface 1); perhaps he also designed EH as a kind of test for his readers, that they should mistake him and thus compromise themselves – using the notorious ‘self-parody’ that mocks all attempts to ascribe to him a true ‘self’. Daniel W. Conway, ‘Nietzsche’s Doppelgänger: Affirmation and Resentment in Ecce Homo’, The Fate of the New Nietzsche 55-78. Conway’s pugnacious essay targets the idolatry that he believes Alexander Nehamas and Richard Rorty [ora, ora!] have committed with Nietzsche and especially with Ecce Homo, which he thoroughly excoriates.”


Que moral você tem para…?

Mas que moral?, é a primeira questão.


Derrida quotes EH, Why I Am A Destiny 1 in its entirety – in the context of the extent to which the ‘great politics’ with which the aphorism ends is implicated in the politics of the National Socialists who, fairly or not, invoked Nietzsche (31f.).” Cada um com seu presente.

Habermas calls Nietzsche the ‘turning point’ that has turned the ‘discourse of modernity’, with the ‘goal of exploding modernity’s husk of reason’.” O problema é que Habermas enxerga isto com maus olhos! Como pode dialogar um homem que perdeu sua sombra?

Aquele que sempre tinha uma adversão – Aberman


Nietzsche critiqued the metaphysical concept of reason … but also developed a new, quite differentiated concept of reason, which has yet to be explored in its contexts by Nietzsche researchers. For a critique of Lukács’s Nietzsche-critique, see Henning Ottmann, ‘Anti-Lukács. Eine Kritik der Nietzsche-Kritik von Georg Lukács,’ Nietzsche-Studien 13 (1984), 570-586, and Ottmann, Philosophie und Politik bei Nietzsche (Berlin/New York 1999), 429-433.

one only remembers that which one wants to remember or is compelled to remember. And Nietzsche aims at such a compulsion: with the aphorism in question he wants to ensure that his name will be remembered, will have to be remembered, that we cannot forget what was written in this name.” Se todos os séculos fossem pessoas, aliás, garotinhas com mesada do papai (moe concept), o XX seria um misto de spoiled brat com zero cents no bolso: séc. mais pobre, a despeito de si mesmo – era seu destino: teve pais ruins que viveram tempos melhores, eis tudo. O fato de eu ter nascido e sido feliz naquele século já é uma redenção, ou podemos dizer que ele durou apenas 87 anos.

[3]

o something tremendous

Habermas judges Nietzsche to be just as dangerous as Nietzsche judged himself to be.” Ele não sabia brincar!

When Kant conceived his ‘Critique’ of reason he was still very much certain that reason, though it had overstepped its bounds in the course of millennia and thus been merely ‘groping about’ among unprovable metaphysical belief systems, could be brought to the ‘secure course of a science’ through a secure measuring of its bounds.” Era então como poder um jardineco. Agora é preciso levar a mão de fora – e também a de dentro…

Here reason was still the authority for a critique of itself, and as such also above experience and thus capable of a priori knowledge independent of temporal or personal circumstances.” Um verdadeiro jogo de sires!

the critique of reason had arrived at a crisis and now demanded a reorientation from the ground up, especially in Europe, which had believed so firmly in one, timeless reason. But as Nietzsche noted in his Lenzer Heide note, this reorientation would lead initially to a massive disorientation, to the liberation of forces that can, in their desperation, only destroy and thus also want to destroy; and this ‘crisis’ would erupt in a ‘paroxysm’, a ‘blind raging’ ‘of nihilism and delight in destruction’.” Esperar algo mais brando seria esperar a revolução comunista sem a ditadura do proletariado – esperar a encenação de uma nova farsa européia.

The ‘dangerous consequences’ became a prophecy: the world wars, totalitarianisms, genocides and terrorisms that characterized the twentieth century could be understood (at least in part) as the outcomes of the intellectual crisis that had befallen the fundamental convictions of European thought, in particular the conviction in the beneficial effects of a reason that was common to all.”

[4] Nietzsche becomes a pop star

The dynamite metaphor, in opposition to the concept of a man, has held an extremely strong fascination for Nietzsche’s interpreters – especially for Sarah Kofman, whose whole interpretation of Ecce Homo comes under the title ‘Explosion’. [tão jurássico diante de Baudrillard!] She understands the Nietzsche revealed here precisely as a sudden explosion of long-accumulated forces, and she says herself Nietzsche’s text explodes tenacious, forceful interpretations. This is how she justifies his outlandishness (‘Bien compris, tout cela n’a vraiment rien de fou …’). Explosion I: De l’‘Ecce Homo’ de Nietzsche (Paris 1992), 21.” Seulement feu.

Even the idea of the ‘equality of souls before God’ was, as Nietzsche says in The Antichrist 62, an ‘explosive of a concept which eventually became revolution, modern idea, and the principle of decline of the whole order of society – [was] Christian dynamite’.”

[5]

A bullsola de Nie.: certamente apontando para um norte hiperbóreo inusitado, sozinho no labirinto com o Minotauro! Tem que ter colhões – e fundadores de religiões são eunucos.

A revaluation of all values like the one Nietzsche proclaims had to trigger a strong impetus for new religions – an impetus that we are also experiencing today.” E que época modorrenta essa das turning tables que nada viram! Metafísica da capotada. Trezentos e sessenta inúteis graus de inércia.


MELTDOWN

I found religion! (double sense)

I founded and I found.

But if I founded… triple sense!

Will find and will found and will found… a fond creed.


Philosophers operate in dangerous proximity to founders of religion, only philosophers are less successful.” Síndrome de Licurgo.


Pythagoras and Plato […] had souls and talents that fitted them so obviously for the role of religious founders that one can scarcely marvel enough that they should have failed. Yet all they managed to found were sects.”

Fico feliz em saber!


“‘None of the great Greek philosophers was a leader of the people: attempted most consistently by Empedocles (after Pythagoras), but also not with pure philosophy, but instead with a mythicized version of it. Others reject the people from the outset (Heraclitus). Others have a wholly refined circle of educated people as their public (Anaxagoras). Socrates displays the strongest democratic-demagogic tendency: the result is the establishment of sects, in other words, counterevidence. How could lesser philosophers ever be successful where philosophers of this sort were not? It is not possible to base a popular culture on philosophy. Thus, with regard to culture, philosophy never can have primary, but always only secondary, significance. How is it significant?”

Em fragmentos apenas recentemente publicados (provavelmente também da época de Gaia Ciência). Se considerarmos que os memes são uma religião, temos o Zizekismo – ji-jequismo, de ‘jeca’.

Nietzsche also has Zarathustra make an attempt with disciples – and fail.” No final, os animais são os únicos que permanecem fiéis (duplo sentido).

Infiel!


[6]

Only here does he use the formula ‘affairs of the rabble’ [Pöbel-Affairen]. No decent person wants to be the rabble – Nietzsche least of all.” Não cultivar a mesma religião que o lumpeNproletariado! Na gramática, quem fala mais alto, o português ou o alemão?

But the scholar too is a ‘rabble man’, who because of his ‘faith in his superiority … treats the religious man as an inferior and lower type that he has outgrown, leaving it behind, beneath him’ (Beyond Good and Evil)¹”

¹ Jamais um livro (EH) foi um bricolage tão perfeito da obra de alguém. Não uma suma que só acrescenta, mas que realmente resume, comprime. Engenharia suprema, e de espantar Kubitschek (obra de poucos dias, duas mãos). É certo que a dívida externa de Nie. (sua falta de saúde) mais que decuplicou como resultado…

In philosophy too there is the rabble, people who follow the prevailing truths and valuations in order to find approval and acclamation.” Rabble everywhere.

[7]

Quem nunca teve um amigo crente que atire a primeira pedra! clean attire

[8]

To be evil is to do evil things to others, to do something that they believe harms them; to be malicious, on the other hand, is to remind others of what evil could be within them that they do not admit: a malicious person brings others to enlightenment about themselves.” Interessante. True nature post-pure malice: Gon x Killua.

“‘I think’ can easily indicate ‘I believe’ in German; in this case Nietzsche’s sentence would mean: ‘I believe I am too malicious to believe in myself’.”

it assures the self to oneself and renders the self unsure at the same time.”

On the other hand, ‘I think’ was precisely the signal for the modern Enlightenment, the call with which Descartes initiated it, so that no belief could go untested.” I think therefore I am too malicious. I am too malicious therefore I think.

Never to speak to the masses is never to speak with masses, but only doubts.


For an enlightener, there is no certainty beyond this belief. Nietzsche’s phrasing is malicious in that it ironically allows for both readings, and only both of them together allow us to see what Nietzsche ‘wants’: to believe in his powers of enlightenment without ever being able to be sure of them.” Therefore he wants what he wants or he does not want (because he also has his fanatics).

Nietzsche pays homage in Ecce Homo to Voltaire’s noble manner of enlightenment, to his ‘war without powder and smoke, without warlike poses, without pathos and strained limbs. […] One error after another is coolly placed on ice; the ideal is not refuted—it freezes to death.—Here, for example, <the genius> freezes to death; at the next corner, <the saint>; under a huge icicle, <the hero>; in the end, <faith>, so-called <conviction>; <pity> also cools down considerably—and almost everywhere <the thing in itself> freezes to death’ (EH, HH 1). See also HH II, WS 237.” E é óbvio que o herói-santo-autopiedoso congelado é Rousseau. Impossível pensar num Voltaire rosa na sala sem evocar o elefante da moral (V.xR.)…

[9]

In the published text, ‘fanatic’ and ‘prophet’ have been contracted to ‘founder of a religion’, and ‘holy man’ replaces ‘god’: thus Nietzsche raises the ‘fanatic’ to the level of a ‘founder of a religion’ and pulls ‘god’ back to the level of a ‘holy man’.”

Heinrich Köselitz pronounced Nietzsche ‘holy’ at his graveside; Alfred Kubin called Nietzsche ‘truly – our Christ’. Elisabeth Förster-Nietzsche tried unsuccessfully to have a mausoleum in the shape of an Egyptian pyramid erected for her brother on the Chasté peninsula near Sils-Maria; she was successful in establishing the Nietzsche archive she founded in Weimar as a cultic site and a place of pilgrimage. [mais uma instância repulsiva da irmã divinizadora do irmão, Lisbeth Artemisia – ver “NOTA SOBRE DISCUSSÕES (SAUDÁVEIS) EM TRADUÇÃO!” em https://seclusao.org/2023/12/21/depois-de-desligar-o-videogame-o-supercompendio-de-final-fantasy-viii/#]”

George’s disciple Ernst Bertram (Nietzsche. Versuch einer Mythologie, Berlin 1918) wanted to immortalize Nietzsche as a tragic hero. And countless half-moral, half-religious ‘movements’ have invoked Nietzsche, including vegetarianism,¹ feminism¹ and Zionism.¹ Indeed, this kind of thing has happened to no other philosopher to date.”

¹ Mas se não é o tríplice cúmulo do absurdo – venerar um “deus” misógino, onívoro depreciativo de quem não comia carne e mais que tudo deprecador do Estado!

[10]

A buffoon is malicious without being taken seriously. His malice does not offend, but is enjoyed.” Mestre Trágico do Existir, early icon do blog.

the holy man constrains one to an either-or. [Kierk.] But one is free before the buffoon; one can believe him one time and then laugh at him another time. This is the freedom that is important to Nietzsche, given the seriousness of the ‘destiny’ of the ‘task’ that he has taken on as his destiny.”

[11]

The tension of this text – the loftiest in Nietzsche’s oeuvre – is now heightened to the extreme, evincing the agitation, passion and anger of a great prophet and thereby calling into question all objectivity. Nietzsche is now writing, speaking, breathlessly: with ellipses (‘…’), as if there were not enough time to utter the words; with insertions (parentheses), as if interrupting himself; with breaks marked by dashes (‘—’), as if there were no space for logical conjunctions.”

According to Schlaffer, a literary scholar, Nietzsche’s style is responsible for the unfettering of German prose and, consequently, of German history: ‘Such an energy of language and style intensified the meaning of German literature at the beginning of the modernist period, but also intensified the confusion of German intelligence and the catastrophe of German politics’ (12f.). What must the condition of an intelligence and a politics have been, that they were so confused by a literary style?” Hahahaha!

[12]

In John’s Gospel (14:6) Christ said of himself: ‘I am the way and the truth and the life’. Nietzsche does not say ‘I am the truth’ but rather ‘the truth speaks out of me’

The other side of the truth is either the unintentional error or the intentional lie. The unintentional or intentional ‘mendaciousness’ of a holy man – or of a man who is believed to be holy, even if he is a philosopher – lies in the exclusion of the alternative that is always possible.”

[13]

This revaluation cannot itself be a truth in the traditional sense, but rather only a ‘formula’.”

Indeed Nietzsche insinuates autobiographical material more than he narrates it, and the little that he does narrate (which Samuel compiles on the basis of a control text that Montinari has rendered obsolete) he also pointedly stylizes and puts into riddles: ‘I am, to express it in the form of a riddle, already dead as my father, while as my mother I am still living and becoming old.’ EH, Why I Am So Wise 1.” “If EH is an autobiography, then it is, as Sarah Kofman notes in her interpretation, one that radically subverts the ‘<genre> autobiographique’, including the self (‘autos’), life (‘bios’) and writing (‘graphein’), as well as their alleged simple unity.”

[14]

A genius is simply someone who, in his own hardship, rather randomly finds new and far reaching possibilities for others (see HH I 231).”

Thus genius is more a matter of destiny than of merit. The genius does not even hold in his hands impact of the forces that are stored up in him; it is rather circumstances and the age that set off this impact”

[15]

Nietzsche’s use of the term ‘decency’, like that of ‘destiny’, ‘rabble’, and ‘fear’, is shot through with an astonishing revaluation, which I cannot trace here. Again the revaluation is directed toward himself, toward that which he calls ‘intellectual integrity’ and does not find to a similar degree in anyone else.”

[16]

He has nothing more than this opposition, his personal opposition to the moral opposition of truth and lie that has reigned in European thought for millennia. Millennia are Nietzsche’s philosophical measure of time: he has in mind primarily the two millennia that have passed since the founding of philosophy and Christianity, but also the fact that Europe must ‘cast its goals millennia hence’, that it stands under the ‘compulsion to great politics’ (BGE 208). This is the measure of time that measures up to his revaluation.”

[17]

One does not bother to contradict them anymore, but rather stumbles into opposition to them by living differently, experiencing differently, thinking differently. Nietzsche approaches metaphysical oppositions from the place that their millennia-old cult has most staunchly excluded: experience.” Experiências não-replicáveis em laboratório. For Philistines demise!

[18]

Where someone stands in relation to himself, how someone deceives himself, whether he persists in dealing with himself unequivocally, — whether he can bear himself or finds it necessary to have an <ideal> … The idealist smells bad to me…”

Espólio


Nostrils are the olfactory organs of horses: Nietzsche is likely alluding to Plato’s famous myth of the soul as a chariot (Phaedrus, 246 a-b), in which reason directs the horses but is also dragged along by them.”

[19]

Não diga não

refluxo é um crime gástrico

hediondo die-o’-niza

[20]

glad tidings”

[21]

amen como ainda uma vez

[22] EPÍLOGO-PRÓLOGO

The event of the ‘revaluation of all values’ will surpass everything that has been; the painful struggle in philosophy, science, morality and religion will transcend those realms and shock even the common orientation from the ground up. In this crisis Christian morality, as dogmatized by the Greeks, will manifest its deep rootedness in the thought of Europeans and will thus determine the politics whose most extreme means is war. But wars over values will no longer be mere struggles for power, [o que é ‘poder’?] which can be ended by dynasties or nations as easily as they were incited, but rather ‘war[s] of spirits’ with and over truths, morals, religions – in short, ideologies, which creep and spread for a long time and then suddenly make an explosive impact. They are, as the twentieth century sufficiently demonstrated, the most

dangerous dynamite, further and literally employed by terrorism in the twenty-first century, as well.” O terrorismo é passivo-reativo. Pode durar mil anos. Mas aqui repito o que disse na análise do livro de Dugin: ele acertou só que do avesso: o liberalismo (cristianismo, a essa altura) morreu, e a guerra travada é entre fascismo e socialismo – o fascismo no entanto é natimorto, é a anti-vida. Essa é a lenta história que estamos prestigiando, ainda no prólogo do prólogo… Que este fosse o ponto cego de Nietzsche – enxergar o socialismo como movimento do lumpenproletariado – era inevitável…

“‘And if you cannot be saints of knowledge, at least be its warriors’ (Z I, On War and Warriors).” Idealismo, porém são. Nem parece idealismo.

As his notes in the margin of EH show, Nietzsche does not take sides with peoples or nations, estates or classes, even less with races. Instead he wants to ‘found a party of life, strong enough for great politics’ (Nachlass December 1888 – early January 1889, 25[1], KSA 13, 637f.” “It is ‘madness’, for Nietzsche, that wars among dynasties or nations would ‘put elites of strength and youth and power before the cannons’ (ibid., 25[15], KSA 13, 645”


I honestly think it possible to bring order to the whole absurd situation of Europe by means of a kind of world-historical laughter, without even a drop of blood having to flow. In other words: the Journal des Débats is enough …”

(Nietzsche to Jean Bourdeau, presumably January 1, 1889, KSB 8, No. 1232, p. 570)


According to Balke, Nietzsche is only drawing the consequences from that which Michel Foucault would call ‘biopolitics’, and which had been immanent in European politics for ages, as Peter Sloterdijk then pointed out.” Foucault está sendo superestimado nesse panorama.


Now wars are no longer waged in the name of a sovereign who must be defended; they are waged on behalf of the existence of everyone.”

Michel Foucault, The History of Sexuality, Vol. 1

ok! posso rever meu juízo sobre F….


But this is not a manifesto for the killing of the disabled and certainly not for the murder of European Jews. The National Socialists, with their nationalism, socialism and anti-Semitism, would have been an abomination to Nietzsche” What socialism? In the name? Stupidity of a high level. O nome ‘socialismo’ foi o que permitiu a Hitler vencer as eleições em 1932. E só essa função exerceu no regime nazista.


I know nothing that would be more opposed to the noble meaning of my task than this execrable incitement to the egoism of a nation [Volk] or a race that now lays claim to the name ‘great politics’; I have no words to express my contempt for the intellectual standard that now, in the form of the German Reich Chancellor and with the Prussian officer-attitudes of the Hohenzollern house, believes itself called to be the ruler of the history of humanity […]. There is more dynamite between heaven and earth than is dreamt of by these bloodstained idiots…”

(Nachlass 1888/89, 25[6]2, KSA 13, 640f.).


OVERMAN IS GREAT MAN: “Nietzsche used the phrase ‘great politics’ early on, at first (and ironically) for the new German Empire. In his later work ‘great’ means not that which towers over other things, but rather that which is not negated by its opposition, does not perish by it, but rather can make it fruitful for himself and grow from it. In this way the ‘great reason of the body’ makes the ‘little reason’, pure reason, its ‘instrument and toy’ (Z I, On the Despisers of the Body); a ‘great health’ can ‘give itself up’ to grave sickness and thus become more robust (GS 382); ‘the great life’ itself lives off of war (TI, Morality as Anti-Nature 3); ‘great tolerance’ can, with ‘magnanimous self-mastery’, [deixar os fracos viverem, embora confinados e tornados inofensivos – o ideal para um mundo em que bolsominions insistam em nascer] tolerate intolerance and grow from it (AC 38); and ‘great style’ can unite the highest pathos with sobriety and cheer (EH, Why I Write Such Good Books 4). In this sense, ‘great politics’ is a politics that includes that which is usually opposed to it: spirit, in the form of morality, religion, science, philosophy, or ‘a war of spirits’. In his alarming ‘promemoria’ to ‘great politics’, written at the turn from 1888 to 1889, Nietzsche is still concerned with a politics of war ‘not between nation and nation’ and ‘not between classes’, but rather ‘straight through all absurd accidents of nation, class, race, profession, upbringing, education: a war as between rise and fall, between the will to life and vengefulness against life, between integrity and treacherous mendacity…’Insisto em que a classe proletária madura é a classe que representa a vida. E outra coisa: a Europa não ressurgirá das cinzas. N. foi o primeiro pós-europeu, como Platão o último pré-europeu significativo.

Nietzsche’s title Ecce Homo, which appears 3 times in his work might also recall the traditional ceremony of the ‘Ecce’ in Schulpforta, the memorial ceremony for deceased professors and alumni on the day before the final Sunday of the liturgical year, which clearly had a deep impact on its participants. Pupils and teachers sang ‘Ecce quomodo moritur justus’. According to numerous reports, the ceremony made such an impression on the students that they automatically connected the ‘Ecce’ to their own deaths. Even the National Socialists preserved the ‘Ecce’ ceremony when they turned Schulpforte into a ‘National Political Institute of Education’ in 1935. See Reiner Bohley, Die Christlichkeit einer Schule: Schulpforte zur Schulzeit Nietzsches, ed. Kai Agthe (Jena/Quedlinburg 2007), 135-8. Nietzsche experienced 5 general and 7 special ‘Ecce’ ceremonies, which he mentions primarily in his letters: see, for example, Nietzsche to Franziska Nietzsche, August 20, 1860, KSB 1, No. 169, p. 120. Thus, with his Ecce Homo, he could have been (again, ironically?) singing his own death song. In ‘Joke, Cunning, and Revenge’, the ‘Prelude in German Rhymes’ to The Gay Science, he included a poem, modelled after Goethe, called ‘Ecce homo’:

Yes! I know from where I came!

Ever hungry like a flame,

I consume myself and glow.

Light grows all that I conceive,

Ashes everything I leave:

Flame I am assuredly’

(No. 62)

But he also knows that ‘some wretched loafer of a moralist’ can ‘paint himself on the wall’ as the image of the human ‘and comment, <Ecce homo!> (TI, Morality as Anti-Nature 6). And he ultimately titled the genealogy of his ‘destiny’ Ecce Homo – which earns him the charge of ‘duplicity’ and ‘resentment’ from Conway (‘Nietzsche’s Doppelgänger’, 63-6).”

* * *

Paul supported the Christian truth of love, so that he could spread it around the world, through the Greek truth of the universal; Paul’s successors retained the Greek truth in the name of the Christian truth, so that both truths, despite their very different origins, found stability in each other for millennia. If the absolute value of this Greek-Christian truth has now become unbelievable, then the ‘tasks’ of giving to humanity new values and the ‘hopes’ that rest upon them fall, according to Nietzsche, back to individuals with the power to do so, a power that must match or even exceed that of Socrates and Jesus of Nazareth. Nietzsche tried to give form to such power in his Zarathustra, the figure of an individual person with a proven ‘courage to stand alone’ and to be ‘lonely’ even and especially in his thought. Moreover, Nietzsche placed his philosophy under the ‘concept of Dionysus’, the god who unites in himself all oppositions in which humans arrange their world and thus brings them into motion ever anew, against the desire to solidify them as much as possible so as to achieve a lasting stability.

Thus can one take even this unheard-of aphorism philosophically seriously and at its word.”

LOLITA (recuperação de citações e observações) – Nabokov

Originalmente publicado em 19 de fevereiro de 2013, porém com bastantes modificações e acréscimos à data da republicação.

se o nosso dementado diarista¹ tivesse, no fatal verão de 1947, consultado um psicoterapeuta competente, não haveria tragédia nenhuma mas, nesse caso, também não haveria este livro.”

¹ Publicista, cronista, autor de memórias. Tradução não muito legal…

Como caso clínico, Lolita tornar-se-á, sem dúvida, um clássico nos círculos psiquiátricos.”

5 feet 1 inch”: 1,55m. 36,5kg. 12 anos. Ao longo da estória, Dolores cresce alguns centímetros e engorda alguns kilos, por óbvio: 2cm quando H.H. vai buscá-la no acampamento de verão (sua mãe morreu), 5cm como referido à p. 163 após um bom tour d’hôtels

H.H. conhece sua segunda esposa aos 37.

aquele frenesi de posse mútua só poderia ser apaziguado se, verdadeiramente, absorvêssemos e assimilássemos todas as partículas da carne e da alma um do outro” Da carne nem tantas, talvez dos ossos. “Lolita começou com Anabela.” Personagem de Poe.

(“Viúvo”) Aos 13…

O espiritual e o físico tinham-se fundido em nós com uma perfeição por certo incompreensível aos jovens práticos, grosseiros e de mentalidade estandardizada nos nossos dias. [anos 1930]” “As suas pernas, as suas pernas encantadoramente vivas, não estavam muito unidas, e, quando a minha mão encontrou o que procurava, gravou-se-lhe nas feições infantis uma expressão sonhadora e misteriosa, em que havia prazer e dor. (…) com uma generosidade disposta a oferecer-lhe tudo, eu lhe dava a segurar na mão inexperiente o cetro da minha paixão.”

os meus sentidos ameaçaram, subitamente, romper todas as barreiras.”

Enquanto estudei em Londres e Paris, as damas pagas bastavam-me.”

Instalou-se em mim uma exaustão peculiar – sinto-me oprimido, doutor! – e transferi o meu interesse para a literatura inglesa, onde tantos poetas frustrados vão acabar como professores” Mais autobiográfico impossível.

nós, os ninfoleptos”

Leptus: Ácaros Erythraeidae, seres aracnídeos e quase-microscópicos. No fim das contas, sou sim uma espécie de aracnofóbico, ou para-aracnoalérgico.

WIKIPÉDIA

A palavra acari deriva do grego akares, ‘pequeno’. A maioria dos adultos mede entre 0,25 e 0,75mm de comprimento, embora existam espécies ainda menores. Os carrapatos são os que alcançam maior tamanho, chegando a até 3 cm, após ingerirem sangue, como por exemplo, o carrapato-estrela, vetor da bactéria causadora da febre maculosa. O grupo apresenta aproximadamente 55 mil espécies descritas, compondo aproximadamente 5.500 gêneros e 1.200 subgêneros, representados em 540 famílias. Entretanto, estimativas do real número de espécies de ácaros vão de 500 mil a 1 milhão, pois novas espécies são encontradas rotineiramente, até mesmo em substratos que já foram bem estudados. (Krantz & Walter, A Manual of Acarology, 2009 -3ed-.)”

A grande capacidade de adaptação, relacionada com a plasticidade evolutiva e o pequeno tamanho relativo, possibilitou a conquista de diversos ambientes aquáticos e terrestres, de forma que os ácaros ocupam uma variedade maior de habitats do que qualquer outro grupo de artrópodes. São componentes significantes do zooplâcton e associados a algas, bem como da fauna arbórea. Também ocorrem em grande número nas camadas de húmus que cobrem florestas, gramas e solos agrícolas. Além disso, por causa do tamanho, são facilmente levados pelo vento, compondo o ‘plâncton aéreo’. Os ácaros do pó domiciliar, por exemplo, são visíveis apenas ao microscópio e medem entre 200 e 500 micrômetros.” Quando disse que meus inimigos eram anões, não imaginava estar empregando um eufemismo.

O grupo Parasitiae possui um forâmen mediano na quelícera móvel, o espermatotrema, uma estrutura que preenche e dá a forma do espermatóforo nesse grupo. Os outros três grupos de Mesostigmata (Dermanyssiae, Heterozerconina e Celaenopsoideae) possuem modificações na quelícera e na posição da abertura genital dos machos para a transferência de esperma. Carrapatos e outros Mesostigmatas mais basais depositam o espermatóforo diretamente no interior na abertura genital primária das fêmeas usando a quelícera ou contato ventre-a-ventre, enquanto Dermanyssiae machos transferem o esperma para uma abertura genital secundária nas fêmeas, o poro de indução de esperma, usualmente próximo a base das pernas nas fêmeas.”

Vivem 2 a 3 meses, durante os quais acasalam 1 a 2 vezes, dando origem a uma postura de 20 a 50 ovos. O período mais propício para o acasalamento é entre a primavera e o outono. Os ácaros são frequentemente responsáveis por quadros de alergia respiratória como rinite alérgica e asma.” O que significa que no verão devíamos estar livres deles. Dentre as espécies encontradas na poeira caseira acham-se fêmeas capazes de reprodução autônoma (não apenas assexuada, mas sem receber esperma do macho de nenhuma forma indireta, nenhuma “polinização”).

Foram descritos até hoje três tipos de feromônios sexuais em Acari: 1) Arrestantes: produzidos por fêmeas imaturas para estimular a resguarda pré-copulatória de machos adultos. 2) Atrativos: produzidos por fêmeas maduras para machos maduros. 3) Feromônios de contato: secretados por fêmeas adultas para estimular o comportamento copulatório competitivo entre machos.”

Em nossas casas, os ácaros alimentam-se de partículas resultantes da descamação de pele humana e de animais. Por dia, o homem perde cerca de 1g destes pedaços de pele. Os ácaros abundam nos colchões, mantas de lã, almofadas de penas, tapetes, alcatifas, sofás e bonecos de pelúcia, desenvolvendo-se em condições ótimas de umidade superior à média de 70% a 80% e de temperatura superior a 20 °C.” Quando a secura é uma bênção.

Em altitudes superiores a 1200 metros, os ácaros deixam de ter boas condições de vida. Por este motivo, a estadia em regiões montanhosas pode conduzir ao alívio de certas alergias.”

Apesar das alergias e parasitismos, muitas espécies são benéficas para o homem por predarem outros invertebrados, considerados pestes para a agricultura e plantações ornamentais, além de predarem plantas daninhas. São importantes, também, para a reciclagem de nutrientes no ecossistema, quebrando-os em tamanhos menores para que possam ser utilizados por outros decompositores. (Ruppert & Barnes, Zoologia dos Invertebrados, 2005)”

SUBTÍTULO ALERGOLOGIA

Os excrementos dos ácaros e os ácaros mortos dispersam-se em poeira fina, sendo inalados e podendo provocar alergias. A maioria dos casos de alergia a ácaros são mediadas pelo IgE, mas existem descrições de pacientes com imunorreatividade e hipersensibilidade a ácaros mediada por mecanismos celulares.”

Para que se dê a sensibilização aos ácaros é necessária uma taxa de antigênio Der p1 superior ou igual a 2 micra por grama de pó domiciliar, o que seria equivalente a 100 ácaros por grama de poeira fina. Calcula-se que a prevalência da sensibilização aos ácaros na população geral seja de cerca de 10 a 20%. São os responsáveis pela maioria dos casos de rinite e asma alérgica perene, tendo também um papel importante na dermatite atópica. Já foram descritos casos raros de anafilaxia após ingestão de alimentos contaminados por grandes quantidades de D. farinae (farinha, pizzas, peixe e legumes, entre outros).”

SUBTÍTULO PREVENÇÃO

exposição ao ar e ao sol dos colchões, edredons e almofadas;” “lavagem frequente a 60 °C dos colchões, edredons e almofadas;” [tem como colocar água quente na máquina?] “aspiração regular e frequente dos colchões e tapetes com aspiradores munidos de filtros HEPA;” “acaricidas” [muito mais fácil que os 2 últimos] “manutenção de uma atmosfera seca no interior das habitações (umidade relativa a 50% a 60% e temperatura entre 18 e 20 °C);” “Não está demonstrada a eficácia dos ionizadores e purificadores de ar”

Porém, regressando a Lolita, Nabokov jamais quis evocar ácaros, a não ser que fizesse parte de seu jogo de linguagem: “nós os ninfoleptos” se referia a ninfa+Lepidoptera, asa com escamas, borboletas… Amantes de ninfas pequenas, em síntese. Há o trocadilho, ainda, com o sufixo que não existe de forma independente, -lepsia, como em narcolepsia ou epilepsia, conotando uma condição passiva diante de um mal (sofre-se de um sono incontrolável e involuntário, de convulsões). Portanto, Humbert Humbert também é um “escravo das ninfas”, doente de… não, seu mal não é a ninfomania, mas a ninfolepsia!

Do aracnídeo ao inseto: quanta diferença!

WIKIPÉDIA

Sometimes, the term Rhopalocera is used for the clade of all butterfly species, derived from the Ancient Greek ῥόπαλον (rhopalon) and κέρας (keras) meaning ‘club’ and ‘horn’, respectively, coming from the shape of the antennae of butterflies.

The origins of the common names ‘butterfly’ and ‘moth’ are varied and often obscure. The English word butterfly is from Old English buttorfleoge, with many variations in spelling. Other than that, the origin is unknown, although it could be derived from the pale yellow color of many species’ wings suggesting the color of butter. (Harpe, Douglas; Dan McCormack, Online Etymology Dictionary / Arnett, Ross H., American insects: a handbook of the insects of America north of Mexico) The species of Heterocera are commonly called moths. The origins of the English word moth are clearer, deriving from Old English moððe (cf. Northumbrian dialect mohðe) from Common Germanic (compare Old Norse motti, Dutch mot and German Motte all meaning ‘moth’). Perhaps its origins are related to Old English maða meaning ‘maggot’ or from the root of ‘midge’,¹ which until the 16th century was used mostly to indicate the larva, usually in reference to devouring clothes.”

¹ H.H. chama Lolita de larva em algumas ocasiões.

The etymological origins of the word ‘caterpillar’, the larval form of butterflies and moths, are from the early 16th century, from Middle English catirpel, catirpeller, probably an alteration of Old North French catepelose (from Latin cattus, ‘cat’ + pilosus, ‘hairy’).”

* * *

Since the Middle Ages, nymphs have been sometimes popularly associated or even confused with fairies.” “The Greek word nýmphē has the primary meaning of ‘young woman; bride, young wife’ but is not usually associated with deities in particular. Yet the etymology of the noun nýmphē remains uncertain.”

Um homem normal a quem se mostre uma fotografia de um grupo de colegiais ou escoteiras e se peça que indique a mais bonita não escolherá necessariamente a ninfeta que porventura se encontre entre elas. É preciso ser um artista e um louco, um ser infinitamente melancólico” Veja-se a influência de Nabokov sobre os dicionários: “NINFETA [pequena ninfa, ‘ninfa-borboleta’] Menina adolescente que, podendo ou não ter a intenção de parecer sensual, é considerada pelos olhos de quem a vê como muito sensual; lolita.”

Ninfetina, a mistura de ninfeta com cafeína.

Bem mais segura que a ninfetamina do extreme gothic metal!

deve haver um hiato de vários anos – eu diria que nunca menos de 10 – entre donzela e homem, para que este possa ser apanhado pelo encantamento de uma ninfeta.” “um certo contraste que a mente apreende com um suspiro sufocado de perverso deleite.”

Uma civilização que permite a um homem de 25 anos cortejar uma rapariga de 16, mas não uma de 12.” “monstruosa duplicidade” “As mulheres humanas [adult woman no original] com as quais me era consentido lidar não passavam de agentes paliativos.”

O mais vago dos meus sonhos profanadores [com polução, molhados, no original] era mil vezes mais deslumbrante do que todo o adultério que o mais viril escritor de gênio ou o mais talentoso impotente poderiam imaginar.” Nabokov gosta de brincar: H.H. é um simplório; ele mesmo, um escritor de gênio.

Entre os 20 e os 30 e poucos anos não compreendi as minhas angústias com tanta clareza. Se o meu corpo sabia o que desejava, o meu espírito repelia todos os seus apelos.” “Os tabus estrangulavam-me.”

O fato de, para mim, os únicos objetos de frêmito amoroso serem irmãs de Anabela parecia-me, por vezes, um prenúncio de insanidade.”

em Inglaterra, depois da aprovação da Lei das Crianças e Jovens de 1933, a expressão ‘rapariga-menina’ [provavelmente woman-child] é definida como uma menina de mais de 8 e menos de 14 anos (depois disso, dos 14 aos 17, a definição legal é ‘jovem’ [youthful w., youthful lady, talvez maiden, mas a tradução mais assertiva teria de ter sido donzela]).”

Rahab era uma prostituta aos 10 anos de idade. Tudo isso é muito interessante e ouso supor que já me estais vendo com a boca a espumar, num ataque.”

Aqui está Virgílio, que podia cantar a ninfeta em tom singelo, mas que talvez preferisse o peritônio [abdome] de um rapaz.” <Que homofóbico! Cancelem Nabokov!>, gritarão alguns contemporâneos.

Dante apaixonou-se loucamente por Beatriz quando ela tinha 9 anos”

O casamento e a coabitação antes da puberdade ainda se praticam em certas províncias da Índia oriental. Velhos lepchas de 80 anos copulam com rapariguinhas de 8 e ninguém se importa.”

« criança-demônio, enfant charmante et fourbe » « Humbert era perfeitamente capaz de ter relações íntimas com Eva, mas era Lilith que desejava.”

A fase inicial do desabrochar do seio começa cedo (10 anos e 2/3 [8 meses]), na seqüência de alterações somáticas que acompanham a puberdade.” “[em seguida,] o aparecimento dos primeiros pêlos púbicos pigmentados (11 anos e 1/5 [2 meses e 12 dias, que exatidão clínica! Não bastava dizer algo como 2 meses e meio?].”

Ah, deixai-me sozinho no meu parque pubescente, no meu jardim musgoso! Deixai-as brincar eternamente em meu redor, sem nunca crescerem!” “Possuí-a e ela nunca o soube.” O maior dilema mental de H.H.: ele não consegue parar o tempo, não é Peter Pan nem Tinker Bell.

A MADAME HAZE ERA UMA MILF BASTANTE CONSERVADA (O FILME DE 1997 NÃO LHE FEZ JUSTIÇA): “Gostei das suas pestanas compridas e do vestido justo, de bom corte, que cingia de cinzento-pérola o seu corpo jovem que ainda conservava – e isso foi o eco nínfico, o arrepio do gozo, o sobressalto da minha virilidade – um não-sei-quê de infantil, de mistura com o frétillement profissional do seu pequeno e ágil traseiro.” “Perguntei-lhe o preço e ela respondeu prontamente, com uma precisão melodiosa e argentina (um pássaro, um vero pássaro!): Cent. Tentei regatear, mas ela viu o desesperado e solitário desejo que se espelhava nos meus olhos baixos (…) e, com um bater de cílios, replicou-me: Tant pis, e fez menção de se afastar. Talvez 3 anos antes, apenas, eu a pudesse ter visto regressar à casa, da escola!” “Jamais esquecerei o modo como os seus infantis lábios parisienses pareceram explodir ao emitir o bas, pronunciando com um apetite que praticamente transformou o ‘a’ num breve e impetuoso ‘o’, como na palavra inglesa bot.” Só um lingüista consumado teria podido escrever essa novela… Bot na época de Nabokov, talvez, só existisse em inglês como “picada de inseto”, e não como ferramenta robótica, hoje tão predominante.

eu sou um varão¹ excepcionalmente interessante!” “A virilidade excepcional reflete, muitas vezes, nas feições visíveis do indivíduo, um não-sei-quê de sorumbático e congestionado, que se relaciona com o que ele tem de ocultar. Era esse o meu caso. Bem sabia – ai de mim! – que podia obter, com um estalar de dedos, qualquer mulher adulta que quisesse. Efetivamente, até adquirira o hábito de não me tornar demasiado atencioso com as mulheres, por temer que me chovessem como fruta madura no regaço frio.”² “Eu, pelo meu lado, era ingênuo como só um pervertido pode ser.”

¹ Essa tradução lusa é péssima!

² Regaço, interior (subjetivo), colo, também pernas e virilhas por extensão: Humbert é impotente quando se fala em mulheres de sua meia-idade, ou bem pior, aquelas que já superaram a puberdade – ou pior: aquelas que já estão na segunda metade da adolescência!

espinhos nas canelas rapadas”

Nansen, passaporte que se concede a apátridas, que tem o nome de um norueguês Prêmio Nobel da Paz.” “a América, o país das crianças rosadas e das grandes árvores”¹ “começou a abanar a cabeça de cão-d’água² com toda a força”

¹ Hoje: dos obesos rosados e da poluição.

² Raça de cão portuguesa.

triplicava o queixo para chegar ao decote da blusa”

a idéia de calçar as minhas botas de montanhista e aplicar-lhe um pontapé no traseiro foi impossível de pôr em prática”

o baixo mais entroncado Maximovich¹ parecia feito de ferro gusa.”²

¹ Botanista russo do séc. XIX, então é impossível que Vladimir Nabokov não o conhecesse.

² “Geralmente nos processos industriais, o ferro gusa é considerado como uma liga de ferro e carbono, contendo de 2,11% a 5% de carbono e outros elementos ditos residuais, como silício, manganês, fósforo e enxofre.” Tão duro como o aço. Os 3 maiores produtores de ferro gusa na atualidade são China, Japão e Rússia. O Brasil, sexto no ranking da produção, é o maior exportador.

Não há ninfas nas regiões polares.”

O suborno de uma enfermeira deu-me acesso a algumas fichas e descobri, quase a rebentar de riso, que me classificavam de potencialmente homossexual¹ e totalmente impotente.”

¹ Faceta nada incomum em anos mccarthistas.

passei uma noite fantástica no comboio, imaginando em todos os pormenores possíveis a enigmática ninfeta, a quem ensinaria francês e acariciaria humbertinianamente.”

a verde-e-rosada Ramsdale”¹

¹ Cidade do Novo México. Procurar informações sobre ela tem se tornado difícil graças à fama do jogador de futebol de mesmo nome!

doçura de praias em tecnicolor”¹ “uma daquelas casas que sabemos de ciência certa terem um tubo de borracha enfiado na torneira da casa de banho, em vez de chuveiro.”

¹ A TV em cores era uma novidade.

o banal mais-que-tudo da classe média com peneiras artísticas: a Arlesiana de Van Gogh.”

ainda a bater com o indicador no cigarro.”

palavras que podem refletir a freqüência de um clube do livro ou de bridge, ou qualquer outro chato convencionalismo.”

E ela chamava aquele quarto de criada semiestúdio!”

um louco com um gosto indecente pelo fruit vert.”

minha letra mais pequenina e mais satânica”

Os sorvetes com frutas e nozes causam acne. Mas as ninfetas não têm acne, embora se empanturrem de alimentos ricos.” “Um sorvete duplo de baunilha com creme quente de chocolate”

possuo todas as características suscetíveis de despertar uma rapariguinha: queixo bem talhado, mãos musculosas, voz profunda e sonora, ombros largos.”

seus lábios são vermelhos como um chupa-chupa¹ vermelho lambido”

¹ Horrendo! Não podemos ler essa novela num português que não é o nosso! Todo o contexto nos faz pensar que trata-se dum picolé, e que o filme de 97 apenas “modifica” o objeto de matiz erótico, mas não, era de início um pirulito. Importante observar, ainda: pirulito em inglês é LOLLIpop.

[Portugal] Guloseima feita de rebuçado ou chocolate enfiado em palito por onde se pega para ser sugada ou lambida. (Equivalente no português do Brasil: pirulito.) = CHUPA

chupa-chupa’, in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2023, https://dicionario.priberam.org/chupa-chupa.”

Mutável, mal-humorada, alegre, desajeitada, graciosa com a graciosidade picante da sua subadolescência inexperiente” “As pombinhas dos seus seios parecem já bem-formadas. Precoce armadilha!” “Sou como uma dessas pálidas e inchadas aranhas que se costumam ver nos velhos jardins.” “A minha teia está estendida por toda a casa, enquanto eu escuto na minha cadeira, na qual estou sentado como um manhoso feiticeiro.” “lavar os dentes (o único ato de higiene que Lo pratica com verdadeiro interesse)” “e, meu Deus, quanto eu não daria para beijar naquele momento aqueles pés simiescos, de ossos delicados e dedos compridos!”

Para um pedófilo, qualquer lista de chamada é um poema.

o tumor oculto de uma paixão inconfessável.” “e dir-se-ia que nada poderia impedir o meu musculoso polegar de alcançar o quente recesso das suas virilhas.”

A sua reserva européia e o seu sentido do decoro talvez se sintam escandalizados com a ousadia de uma mulher americana!” “deve ter havido ocasiões em que tentei analisar, desmedidamente, a idéia de casar com uma viúva madura e sem nenhum parente vivo neste vasto mundo cinzento, apenas para levar a minha avante com a filha (Lo, Lola, Lolita).”¹ “Confesso isso sob tortura. Tortura imaginária, quiçá, mas por isso mesmo mais horrível.”

¹ Como já demonstrei em CHASING LOLITA (https://seclusao.org/2021/07/16/chasing-lolita-how-popular-culture-corrupted-nabokovs-little-girl-all-over-again-graham-vickers-2008/), 2 anos e meio atrás, Nabokov escreveu um conto em que o pedófilo executa o plano, falha e se suicida; e também chegou a escrever outro esboço em que o protagonista apenas idealiza a façanha numa conversa, sem nunca ter a coragem de executá-la.

De súbito, cavalheiros do júri, senti um sorriso dostoievskiano nascer como um sol distante e terrível.”

Segurar-te levemente sobre um meigo joelho e depositar na tua face macia um beijo paternal…” “Ou mentes, Dolores Haze, ou foi um íncubo. Não, eu não iria tão longe.”

a autobiografia da minha mulher era tão desprovida de interesse quanto o seria a sua autópsia.”

tentando ver as coisas como nos lembraremos depois de as ter visto”

Hoje em dia, se se quer ser assassino, tem de se ser cientista.” “a maioria dos delinqüentes sexuais que anelam por qualquer relação física, mas não forçosamente coital, com uma rapariguinha, são inofensivos, inadaptados passivos e tímidos desconhecidos que só pedem à comunidade que lhes consinta o seu chamado comportamento aberranteNabokov é o melhor em termos de tipificar um… tipo! Então H.H. muda da terceira para a primeira pessoa: “Somos suficientemente bem-integrados para sabermos controlar os nossos impulsos na presença de adultos, mas dispostos a dar anos e anos de vida pela possibilidade de tocar numa ninfeta.”

eu achava-lhe as compridas pernas bronzeadas quase tão atraentes como as de uma égua alazã.”

Não imaginam como é difícil esconder coisas, principalmente quando a nossa mulher passa a vida às voltas com os móveis.”

os grandes artistas insones, que tinham de morrer durante algumas horas a fim de viverem durante séculos.”

Adoro enganar médicos”

minha penugenta”

Permitam que dessa vez seja piegas! Estou tão cansado de ser cínico!”

Já escrevi mais de cem páginas e ainda não disse nada.”

durante um segundo, pareceu-me que o seu rosto era menos bonito do que a imagem mental que adorara durante mais de um mês.” “até as plúmbeas sombras debaixo dos olhos tinham sardas” “o tempo passa à frente das nossas fantasias!”

O élan de suas meias¹ brancas estava visado para baixo, no nível que tão bem recordava”

¹ Me recuso a dizer, como um português, “peúgas”!

o gosto a hortelã-pimenta da sua saliva” “soltava o vestido, que se metera na racha do pêssego”

um homem muito velho, desses que são hóspedes permanentes de velhos hotéis.”

refrescava as hemorróidas na relva úmida”

Entre os sicilianos, as relações sexuais entre pai e filha são consideradas naturais, e a rapariga que participa nessas relações não é olhada com desaprovação pela sociedade a que pertence.” Nada entre os <sicilianos> (provado que ainda existam esses sicilianos) é normal…

LEGISLAÇÃO IANQUE (CONSULTADA EM 2013)… DESNECESSÁRIO DIZER QUE LÁ HÁ UMA BARAFUNDA DE ESTADO A ESTADO! CHAMAR ÀQUILO DE FEDERAÇÃO É FORÇAR MUITO A BARRA!

Uma menor do sexo feminino, que permite a uma pessoa de mais de 21 anos conhecê-la carnalmente, implica a sua vítima em estupro estatutário ou sodomia de 2º grau, conforme a técnica adotada, e a pena máxima são 10 anos.” Referida sodomia – legislação ianque. Emenda de jurisprudência do STF (caso de extradição de um americano infrator, não-deferida por prescrição) – “Correspondência admitida entre o crime de sodomia de 2º grau, previsto na legisl. Do Estado do Oregon (USA) e o delito de atentado violento ao pudor, definido no Código Penal Brasileiro (art. 214, combinado com o art. 224, ‘a’).”

THIS IS WEST COAST: “visões publicitárias de celestiais taças de sorvete, metade de um bolo de chocolate debaixo de uma redoma de vidro e diversas moscas, horrivelmente experientes, a zumbir por cima do pegajoso açucareiro”

Admiramos a maior estalagmite do mundo numa gruta onde 3 estados do Sudoeste têm uma reunião de família.” “Um carrapato na minha virilha. Danças rituais índias, estritamente comerciais.”

Um rapaz pálido, magro e de 1,80m, com um pomo-de-adão muito ativo, a devorar Lo e sua cintura nua castanho-alaranjada com os olhos”

rastros de um dinossauro num canyon deserto, deixados há 30 milhões de anos, quando eu era criança.” “Missão Dolores: bom título para um livro.”

ver as crianças saírem da escola – sempre um bonito espetáculo.”

eu era um amigo tão solícito, um pai tão apaixonado, um pediatra tão excelente que satisfazia todas as necessidades do corpo da minha pequenina moreno-arruivada!” “não há no mundo prazer que se compare ao de acariciar uma ninfeta. É um prazer hors concours

À p. 159 desta edição, a abominação inominável, presente no doloroso filme indicado por Jean Baudrillard Chinatown: o fetiche da netinha ninfeta, em que imagina sentir os mesmos prazeres pré-púberes em quem sabe 20 anos (supondo que Dolores engravidasse aos 20 dele mesmo) com sua neta, ele, H.H., já um idoso seboso. A única diferença para Chinatown é que aqui não se trataria de incesto genético, apenas “cultural”.

há poucos físicos que me despertem mais aversão que a pelve pesada e descaída, as barrigas das pernas grossas e a cútis deplorável da média das universitárias” “o caixão onde as minhas ninfetas são sepultadas vivas [a universidade]”

a localização de uma estrela é importante, mas o lugar mais prático para arrumar um frigorífico, na cozinha, pode ser ainda mais importante para a dona de casa principiante.” “Que interesse pode Dorothy Hummerson ter pela Grécia e pelo Oriente, com os seus haréns e os seus escravos?”

(2013) Cinco coisas ou pessoas sem as quais não consigo viver: minhas crises de ansiedade, gente que não quer ir a Londres, goleadas de “n” times sobre o Flamengo, revistas que assino mas não leio nem a metade e vampiros (pessoas que, ainda que com muitos espelhos em casa, jamais conseguem neles se enxergar)!

observações meteorológicas de alguns cordiais vizinhos.”

temperatura correta: nunca grosseiro, mas sempre distante.”

vivia, grátis, coisas que o mais batido voyeur daria uma pequena fortuna para observar.” “Vestia sempre de preto, raramente tomava banho” “E não há ninguém mais conservador que uma criança, sobretudo do que uma rapariguinha, mesmo que ela seja a mais ruiva e corada, a ninfeta mais mitopoética da bruma do pomar de Outono.” “claro que o meu ciúme cravava sempre as garras pontiagudas nos finos tecidos da falsidade ninfítica”¹ “o meu penteado preferido – franja à frente, canudos [tranças duplas, marias-chiquinhas] aos lados e os caracóis naturais atrás” “uma madeixa quase hitleriana caída para a testa pálida.”

¹ Primeiros sinais da possessividade do abusivo em duplo sentido.

O leitor sabe a importância que atribuo a ter um enxame de pajenzinhas, ninfetas de prêmio de consolação, à volta da minha Lolita.”¹

¹ O ciumento não costuma pensar no ciúme do seu próprio par romântico – pelo contrário, faz-lhe pouco caso, o menos que puder: hipocrisia máxima.

e eu sabia, também, que tinha um tremendo sinal cor de chocolate nas costas feminis”

Fale-me de Ball-Zack, por favor.”

bóu zéki

Ainda hesita entre os estágios anal e genital de desenvolvimento.”

todos nós gostaríamos de saber se alguém da família a instruiu quanto ao processo da reprodução dos mamíferos. É impressão geral que ela, apesar dos 15 anos, permanece morbidamente desinteressada de assuntos sexuais” “devia encarregar o médico da família de lhe revelar os fatos da vida” Quanto os Estados Unidos da América, quanto o Ocidente, não regrediram nos últimos 70 anos!

Deveria casar com a Pratt e estrangulá-la?”

a maneira como ela andava de bicicleta, o movimento dos seus quadris, causavam-me supremo prazer”

assistir aos ensaios, como alguns pais ridículos faziam” “Detesto teatro, que considero uma prática primitiva e pútrida”

“‘sinto-me muito mal comigo mesma’, como costumavam falar essas meretrizezinhas.”

C’est entendu? – só falava francês quando se portava como uma boa rapariguinha.”

existencialismo, coisa ainda muito apaixonante na época”

Deves, também, vigiar a tua dieta. O diâmetro da tua coxa não deverá exceder 43,7cm.”

beijei as solas amareladas dos seus pés de dedos compridos, imolei-me…” Segunda ode ao macaco.

Idiota, triplamente idiota! Podia tê-la filmado!”

Já alguma vez disse que o seu braço nu tinha a cicatriz em 8 da vacina?”

Ali estava ela, a brincar com um maldito cão, e não comigo.” “Quem poderá avaliar a mágoa que se causa a um cão ao abandonar uma brincadeira com ele?”

Sabia que as ninfetas histéricas tinham propensão para as temperaturas altas, às vezes excedendo, até, a máxima fatal.”

Os pensamentos vagabundos e fragrantes deste gênero têm sido sempre um bálsamo para mim, em momentos de tensão fora do vulgar”

é espantosa a velocidade com que se movem e o pouco que fazem estas enfermeiras de grandes nádegas!”

Não utilizava caneta de tinta permanente, fato que, como qualquer psicanalista lhes dirá, caracteriza um indivíduo como ondinista reprimido. [adepto do golden shower!]”

O MOLESTADOR E SUA SOMBRA: “Que calafrio de triunfo e ódio sacudiu o meu frágil arcabouço quando, entre os nomes simples e inocentes de um registro de hotel, o seu diabólico espírito charadístico ejaculava na minha cara” “Dolorés Disparue”

As estudantes jovens gostam de muitas pregas – que c’était loin, tout cela!“Todos nós conhecemos pessoas com o desagradável hábito de arrancar as cutículas das unhas nas festas do escritório.”

Cairei onde as ervas daninhas apodrecem

E o resto é dissolução e poalha¹ estelar”

¹ “Poeira leve na atmosfera”

Psicanalisando este poema, verifico que se trata, efetivamente, da obra-prima de um maníaco.”

Seria um velhaco se dissesse, e o leitor um tolo se acreditasse, que o abalo de perder Lolita me curou da pederosis. [pedofilia]”

Rita, 26 ou 28 ou 30 anos, a nova cônjuge da estória: “Comparadas com ela, Valechka era uma Schlegel e Charlotte [Haze] uma Hegel.” Grandes estetas-filósofos, mas incomensuravelmente feios, realmente! “[Rita] me salvou do manicômio”

O tamanho de certos parasitas é 1/6 do tamanho do hospedeiro.” Talvez mais uma referência velada ao que me levou a inserir extensas passagens do WIKIPÉDIA sobre ácaros no início do post, “nós, os ninfoleptos”.

Meias para meninas, 39 centavos.”

quanto menos vemos determinada pessoa, mais nos compraz verificar, sempre que dela temos notícias, como respeita obedientemente a idéia que fazemos a seu respeito.” “Preferíamos não ter conhecido o nosso vizinho, vendedor reformado de cachorros-quentes, (sic) se vimos a saber que acaba de publicar o melhor livro de poesia do século.”

5cm mais alta.¹ Óculos de aros cor-de-rosa.”² A visão de alguém subitamente mais feia, porque grávida. “embora as suas feições houvessem, de fato, estiolado, compreendi com clareza, tão irremediavelmente tarde, quanto ela se parecia – se pareceria sempre – com a Vênus ruiva de Botticelli – o mesmo suave nariz, a mesma beleza indistinta.” E em seguida as mentiras deslavadas, antes de finalmente expelir algo verídico…

¹ Chegando ao 1,62m final.

² Mais famosa ficou a representação cinematográfica (pôster de propaganda) para o filme de 1962 (curiosamente ausente do próprio longa!) com as lentes dos óculos escuros em formato de coração, chupando o lollipop.

– Que coisas, exatamente?

– Ora, coisas!… Oh, eu… francamente eu…”

Não desistia, recusava-se a entrar em pormenores, com aquele bebê dentro dela.

Tinha lógica”

Só que tinha mesmo a idade duma bastarda – a iminente santa! –, não 6 anos a mais…¹

¹ [2023] Aqui, imagino, eu faço uma alusão ao fato de no epílogo Lolita ter ainda 14 anos e não 20, a idade de minha primeira namorada (eu fui seu lolito, tinha 16). Mas posso estar errado – a memória é uma merda!

MORAL DA ESTÓRIA: O malandro que chega DE CARONA faz o estrago (os malandros: tanto H.H. como Quilty, ou seriam ambos a mesma pessoa?) e se dá bem – depois um idiota qualquer (uma pessoa adequada a Lolita, de sua faixa etária, mais inocente, mais virgem) aparece para bancar o prejuízo!

ali estava ela, irremediavelmente gasta aos 17”¹

¹ [2023] Tem razão! Como 3 anos, aproximadamente, haviam se passado na novela, desde a morte de Charlotte Haze, Lolita devia ter 15 anos quando se desgarrou de Clare Quilty (doppelgänger de um H.H. dobrado e louco?). E depois mais 2 anos até esse reencontro melancólico entre “pai” e “filha” na véspera de ela dar a luz… Na minha matemática acima tinha desprezado o quanto durou a novela. Catorze anos teria sido uma idade muito precoce – mas o que não foi precoce para Dolores? Em verdade ela pode ter casado (no México isso seria possível) aos 15, levando a gravidez os 16 adentro, por isso minha conta envolvia “15”. Era esse número que eu comparava, na nota anterior, ao da minha primeira namorada: “tinha 14 [mas 14 estava errado, na verdade, 15] e não 20”; mas na hipótese de eu ter levado isso em conta, o que me faria dizer “não tinha 6 anos a mais…”? Minha referência podia ser mesmo 15. Quando terminei meu primeiro namoro, E. tinha 21. E logo depois engravidou de um homem mais velho, sebento, como Quilty, fisicamente, como Humbert Humbert, psicologicamente… E esmoreceu, murchou como flor… 15 para 21: 21 é uma idade consensual em todos os países do mundo, imagino. Já 15… só bastardas podem casar, ou ter filhos fora do casamento, daí o qualificativo. Uma nota comprida e desnecessária, mas queria mesmo voltar a entender minha própria anotação de 2013, mais de uma década depois!

o suave eco da folha morta da ninfeta” “sim, porque ela está morta mas é imortal se estão a ler isto [daí o ‘suave eco’]”

que me consigam provar que no curso infinito da vida não tem a mínima importância o fato de uma criança norte-americana Dolores Haze ter sido privada da sua infância por um maníaco.” Ou para impressionar o júri ou por legítimo remorso, Humbert admite todo seu crime hediondo no final de seu “romance de prisão”.

[2023] Eu pulei basicamente 1/3 da narrativa – pouco citei aspas do arco dos hotéis, ou da aparição e desaparição trágica de Clare Quilty… Mas um complemento e enriquecimento desse post, cobrindo essas fissuras, será publicado mais tarde (2024? Ainda não sei), porque no momento leio LOLITA ANNOTATED, a versão original, em inglês, com muitas notas bibliográficas e explicações daquele que talvez tenha se notabilizado por ser seu maior crítico – e me fez ter interesse por obras de Nabokov depois de muitos anos… ainda não li Ada or Ardor, por exemplo…

e depois puxaria para trás o prepúcio da pistola” Ah sim, havia olvidado – H.H. só foi caçar Quilty depois do reencontro! Seu último ato como homem livre!

de repente, ironicamente, horrìvelmente, a luxúria impunha-se de novo”

As idéias de meados deste séc. XX no tocante às relações criança-pais têm sido consideravelmente corrompidas pelo palavreado escolástico e pelos símbolos estandardizados do negócio psicanalítico.”

Preferi sempre a higiene mental da não-interferência”

a horrível conclusão a que quero chegar é que tornara-se gradualmente evidente à minha convencional Lolita, durante a nossa singular e bestial coabitação, que até a mais miserável das vidas familiares era melhor do que a paródia de incesto que era o melhor que eu podia oferecer à desamparada criança.”

ele é, evidentemente, muito melhor dentista do que você. § Não sei se algum dos meus leitores terá, jamais, ensejo de dizer uma coisa dessas. Causa uma deliciosa sensação de sonho.”

Suponho que, na sua forma impressa, [irônico!] este livro [dentro do livro] será lido nos primeiros anos de 2000 d.C.” Voilà

visto ter desrespeitado todas as leis da humanidade, também podia desrespeitar as leis do trânsito.”

bonitas moscas de um verde-brilhante” Ler https://seclusao.org/2023/11/10/arquivo-existencialismo-aos-7-as-abelhas-os-homens-e-a-espinha-metafisica/, de minha autoria.

eu sou símile ao nada!”

como poderias, com razão, criticar um ato involuntário?”

consenti que eu enlace teu corpo que eu não mais esperava encontrar.”

Desgraçados esteios de um desgraçado!”

Tu o geraste, de modo que, nem se ele cometer contra ti os mais ímpios dentre os piores males, pai, te é lícito retribuir-lhe os males.”

Cronos contempla, contempla tudo eternamente, derrubando uns e, no outro dia, alçando-os de volta ao topo”

O quê? Atirará um raio? Temo isto, pois nunca o lança em vão” “um ignífero raio do deus o fez sumir”

No local onde posteriormente seria fundada a cidade de Tebas, Cadmo semeou os dentes do dragão que matara. Surgiram então os espartos, ‘homens semeados’

prole da Terra e do Tártaro”

Ó, Cão Cérbero, se tu guardas para que vivos não entrem e mortos não saiam, não se frustra a 1ª missão, se para parar o vivo tens de despedaçá-lo e feri-lo? Aquele que quer atravessar assim morre, em rebeldia.”

 

TITUS ANDRONICUS (com notas explicativas) – Shakespeare

SCENE I. Rome. Before the Capitol.

The Tomb of the ANDRONICI appearing; the Tribunes and Senators aloft. Enter, below, from one side, SATURNINUS¹ and his Followers; and, from the other side, BASSIANUS² and his Followers; with drum and colours”

¹ Qualquer que seja a fonte, só houve dois Saturninos historicamente importantes na história romana: um usurpador que foi morto pelas próprias tropas antes de se consumar imperador e outro usurpador de circunstâncias semelhantes, porém biografia provavelmente inventada. Shakespeare, portanto, está bastante justificado em sua escolha para o “imperador romano” da peça!

² Senador romano do século IV. Morto sob a acusação de conspirador. Ver https://pt.wikipedia.org/wiki/Batalha_de_C%C3%ADbalas.

SATURNINUS

Noble patricians, patrons of my right,

Defend the justice of my cause with arms,

And, countrymen, my loving followers,

Plead my successive title with your swords:

I am his first-born son, that was the last

That wore the imperial diadem of Rome;

Then let my father’s honours live in me,

Nor wrong mine age with this indignity.

BASSIANUS

Romans, friends, followers, favorers of my right,

If ever Bassianus, Caesar’s son,¹

Were gracious in the eyes of royal Rome,

Keep then this passage to the Capitol

And suffer not dishonour to approach

The imperial seat, to virtue consecrate,

To justice, continence and nobility;

But let desert in pure election shine,

And, Romans, fight for freedom in your choice.

[¹ O título de César (imperator), não o nome próprio.]

Enter MARCUS ANDRONICUS,¹ aloft, with the crown

[¹ Apesar do patronímico existir, todos os personagens da peça são fabulosos. Existiu apenas um Lucius, mas ele era poeta e dramaturgo, uma ‘jovem projeção ou auto-referência de Shakespeare’, se assim se quiser.]

MARCUS ANDRONICUS

Princes, that strive by factions and by friends

Ambitiously for rule and empery,

Know that the people of Rome, for whom we stand

A special party, have, by common voice,

In election for the Roman empery,

Chosen Andronicus, surnamed Pius

For many good and great deserts to Rome:

A nobler man, a braver warrior,

Lives not this day within the city walls:

He by the senate is accit’d home

From weary wars against the barbarous Goths;

That, with his sons, a terror to our foes,

Hath yoked a nation strong, train’d up in arms.

Ten years are spent since first he undertook

This cause of Rome and chastised with arms

Our enemies’ pride: five times he hath return’d

Bleeding to Rome, bearing his valiant sons

In coffins from the field;

And now at last, laden with horror’s spoils,

Returns the good Andronicus to Rome,

Renowned Titus, flourishing in arms.

Let us entreat, by honour of his name,

Whom worthily you would have now succeed.

And in the Capitol and senate’s right,

Whom you pretend to honour and adore,

That you withdraw you and abate your strength;

Dismiss your followers and, as suitors should,

Plead your deserts in peace and humbleness.

SATURNINUS

How fair the tribune speaks to calm my thoughts!

BASSIANUS

Marcus Andronicus, so I do ally

In thy uprightness and integrity,

And so I love and honour thee and thine,

Thy noble brother Titus and his sons,

And her to whom my thoughts are humbled all,

Gracious Lavinia, Rome’s rich ornament,

That I will here dismiss my loving friends,

And to my fortunes and the people’s favor

Commit my cause in balance to be weigh’d.

Exeunt the followers of BASSIANUS”

SATURNINUS

[monologando]

Rome, be as just and gracious unto me

As I am confident and kind to thee.

Open the gates, and let me in.”

Drums and trumpets sounded. Enter MARTIUS and MUTIUS; After them, two men bearing a coffin covered with black; then LUCIUS and QUINTUS. After them, TITUS ANDRONICUS; and then TAMORA, with ALARBUS, DEMETRIUS, CHIRON, AARON, and other Goths, prisoners; Soldiers and people following. The Bearers set down the coffin, and TITUS speaks”

TITUS ANDRONICUS

Romans, of five-and-twenty valiant sons,

Half of the number that King Priam had,¹

Behold the poor remains, alive and dead!

These that survive let Rome reward with love;

These that I bring unto their latest home,

With burial amongst their ancestors:

Here Goths have given me leave to sheathe my sword.

Titus, unkind and careless of thine own,

Why suffer’st thou thy sons, unburied yet,

To hover on the dreadful shore of Styx?

Make way to lay them by their brethren.

[tomb]

O sacred receptacle of my joys,

Sweet cell of virtue and nobility,

How many sons of mine hast thou in store,

That thou wilt never render to me more!

LUCIUS

Give us the proudest prisoner of the Goths,

That we may hew his limbs, and on a pile

Ad manes fratrum sacrifice his flesh,

Before this earthy prison of their bones;

That so the shadows be not unappeased,

Nor we disturb’d with prodigies on earth.

TITUS ANDRONICUS

I give him you, the noblest that survives,

The eldest son of this distressed queen.

TAMORA

Stay, Roman brethren! Gracious conqueror,

Victorious Titus, rue the tears I shed,

A mother’s tears in passion for her son:

And if thy sons were ever dear to thee,

O, think my son to be as dear to me!

Sufficeth not that we are brought to Rome,

To beautify thy triumphs and return,

Captive to thee and to thy Roman yoke,

But must my sons be slaughter’d in the streets,

For valiant doings in their country’s cause?

O, if to fight for king and commonweal

Were piety in thine, it is in these.

Andronicus, stain not thy tomb with blood:

Wilt thou draw near the nature of the gods?

Draw near them then in being merciful:

Sweet mercy is nobility’s true badge:

Thrice noble Titus, spare my first-born son.

TITUS ANDRONICUS

Patient yourself, madam, and pardon me.

These are their brethren, whom you Goths beheld

Alive and dead, and for their brethren slain

Religiously they ask a sacrifice:

To this your son is mark’d, and die he must,

To appease their groaning shadows that are gone.

[Mercy’s for the weak and meeke.]

LUCIUS

Away with him! and make a fire straight;

And with our swords, upon a pile of wood,

Let’s hew his limbs till they be clean consumed.”

¹ Seria um ancestral de Roma, no sentido em que o rei Príamo é pai de figuras mitológicas como Heitor, Páris e Cassandra, que participaram da Guerra de Tróia. Mais abaixo veremos sobre Hécuba, sua outrossim mitológica esposa.

TAMORA

O cruel, irreligious piety!

CHIRON

Was ever Scythia half so barbarous?

DEMETRIUS

Oppose not Scythia to ambitious Rome.

Alarbus goes to rest; and we survive

To tremble under Titus’ threatening looks.

Then, madam, stand resolved, but hope withal

The self-same gods that arm’d the Queen of Troy

With opportunity of sharp revenge

Upon the Thracian tyrant in his tent,

May favor Tamora, the Queen of Goths–¹

When Goths were Goths and Tamora was queen–

To quit the bloody wrongs upon her foes.”

¹ Os góticos ou godos são em si mesmos de mau agouro para o Império Romano, participando ativamente de sua dissolução histórica.

LUCIUS

See, lord and father, how we have perform’d

Our Roman rites: Alarbus’ limbs are lopp’d,

And entrails feed the sacrificing fire,

Whose smoke, like incense, doth perfume the sky.

Remaineth nought, but to inter our brethren,

And with loud ‘larums welcome them to Rome.

TITUS ANDRONICUS

Let it be so; and let Andronicus

Make this his latest farewell to their souls.

Trumpets sounded, and the coffin laid in the tomb”

Here lurks no treason, here no envy swells,

Here grow no damned grudges; here are no storms,

No noise, but silence and eternal sleep:

In peace and honour rest you here, my sons!

Enter LAVINIA¹

LAVINIA

In peace and honour live Lord Titus long;

My noble lord and father, live in fame!

Lo, at this tomb my tributary tears

I render, for my brethren’s obsequies;

And at thy feet I kneel, with tears of joy,

Shed on the earth, for thy return to Rome:

O, bless me here with thy victorious hand,

Whose fortunes Rome’s best citizens applaud!”

TITUS ANDRONICUS

Kind Rome, that hast thus lovingly reserved

The cordial of mine age to glad my heart!

Lavinia, live; outlive thy father’s days,

And fame’s eternal date, for virtue’s praise!”

¹ Lavínia é inspirada numa figura mitológica romana. Segue a wikia: “Lavínia estava prometida como esposa a Turno, rei dos rútulos. Mas, com a chegada de Enéias ao Lácio, Latino deu sua mão ao herói troiano, pois o oráculo de seu pai Fauno dizia que ela devia casar com um estrangeiro. O rompimento da promessa conjugal desencadeou a guerra entre troianos-latinos e os rútulos de Turno. A guerra terminou com a derrota de Turno.”

MARCUS ANDRONICUS

Long live Lord Titus, my beloved brother,

Gracious triumpher in the eyes of Rome!

TITUS ANDRONICUS

Thanks, gentle tribune, noble brother Marcus.”

Shakespeare tinha uma peculiar predileção por retratar os campeões do povo em vez dos imperadores (pelo menos o fazia em mais ocasiões) quando se tratava de Roma. Note-se o quanto os trechos grifados em vermelho acima entrarão em contradição com o sucedido na peça!

Titus Andronicus, the people of Rome,

Whose friend in justice thou hast ever been,

Send thee by me, their tribune and their trust,

This palliament of white and spotless hue;

And name thee in election for the empire,

With these our late-deceased emperor’s sons:

Be candidatus then, and put it on,

And help to set a head on headless Rome.”

A better head her glorious body fits

Than his that shakes for age and feebleness:

What should I don this robe, and trouble you?

Be chosen with proclamations to-day,

To-morrow yield up rule, resign my life,

And set abroad new business for you all?

Rome, I have been thy soldier 40 years,

And led my country’s strength successfully,

And buried one-and-twenty valiant sons,¹

Knighted in field, slain manfully in arms,

In right and service of their noble country

Give me a staff of honour for mine age,

But not a sceptre to control the world:

Upright he held it, lords, that held it last.”

¹ O que significa que só lhe restaram 4: Mutius, Lucius, Lavinia e Quintus. Ao fim da peça, um só!

SATURNINUS

[a Marcus]

Proud and ambitious tribune, canst thou tell?”

SATURNINUS

Romans, do me right:

Patricians, draw your swords: and sheathe them not

Till Saturninus be Rome’s emperor.

Andronicus, would thou wert shipp’d to hell,

Rather than rob me of the people’s hearts!”

TITUS ANDRONICUS

Content thee, prince; I will restore to thee

The people’s hearts, and wean them from themselves.¹

[¹ O carisma é intransferível, pelo menos quando aquele que em tese o recebe com o beneplácito do carismático original o odeia, pois a população percebe essas nuances e não perdoa a ingratidão do “mau afilhado”, ainda que leve anos para se rebelar.]

BASSIANUS

[Se eu devesse adivinhar, é o pusilânime da peça]¹

Andronicus, I do not flatter thee,

But honour thee, and will do till I die:

My faction if thou strengthen with thy friends,

I will most thankful be; and thanks to men

Of noble minds is honourable meed.”

¹ Errei e errei feio – vide além!

TITUS ANDRONICUS

Tribunes, I thank you: and this suit I make,

That you create your emperor’s eldest son,

Lord Saturnine; whose virtues will, I hope,

Reflect on Rome as Titan’s rays on earth,¹

And ripen justice in this commonweal:

Then, if you will elect by my advice,

Crown him and say ‘Long live our emperor!’

¹ Talvez um prenúncio de sua queda, como a dos Titãs na Titanomaquia.

MARCUS ANDRONICUS

With voices and applause of every sort,

Patricians and plebeians, we create

Lord Saturninus Rome’s great emperor,

And say ‘Long live our Emperor Saturnine!’

A long flourish till they come down”

And, for an onset, Titus, to advance

Thy name and honourable family,

Lavinia will I make my empress,

Rome’s royal mistress, mistress of my heart,

And in the sacred Pantheon her espouse:

Tell me, Andronicus, doth this motion please thee?”

And here in sight of Rome to Saturnine,

King and commander of our commonweal,

The wide world’s emperor, do I consecrate

My sword, my chariot and my prisoners;

Presents well worthy Rome’s imperial lord:

Receive them then, the tribute that I owe,

Mine honour’s ensigns humbled at thy feet.”

SATURNINUS

The least of these unspeakable deserts,

Romans, forget your fealty to me.”

TITUS ANDRONICUS

[To TAMORA]

Now, madam, are you prisoner to

an emperor;

To him that, for your honour and your state,

Will use you nobly and your followers.

SATURNINUS

A goodly lady, trust me; of the hue

That I would choose, were I to choose anew.

Clear up, fair queen, that cloudy countenance:

Though chance of war hath wrought this change of cheer,

Thou comest not to be made a scorn in Rome:

Princely shall be thy usage every way.

Rest on my word, and let not discontent

Daunt all your hopes: madam, he comforts you

Can make you greater than the Queen of Goths.

Lavinia, you are not displeased with this?¹

LAVINIA

Not I, my lord; sith [since] true nobility

Warrants these words in princely courtesy.

SATURNINUS

Thanks, sweet Lavinia. Romans, let us go;

Ransomless here we set our prisoners free:

Proclaim our honours, lords, with trump and drum.

Flourish. SATURNINUS courts TAMORA in dumb show

BASSIANUS

Lord Titus, by your leave, this maid is mine.

Seizing LAVINIA

TITUS ANDRONICUS

How, sir! are you in earnest then, my lord?

BASSIANUS

Ay, noble Titus; and resolved withal

To do myself this reason and this right.

MARCUS ANDRONICUS

Suum cuique’ is our Roman justice:

This prince in justice seizeth but his own.

LUCIUS

And that he will, and shall, if Lucius live.

TITUS ANDRONICUS

Traitors, avaunt! Where is the emperor’s guard?

Treason, my lord! Lavinia is surprised!

SATURNINUS

Surprised! by whom?

BASSIANUS

By him that justly may

Bear his betroth’d from all the world away.

Exeunt BASSIANUS and MARCUS with LAVINIA”

¹ Possível insinuação de poligamia?

TITUS ANDRONICUS

Follow, my lord, and I’ll soon bring her back.

MUTIUS

My lord, you pass not here.

TITUS ANDRONICUS

What, villain boy!

Barr’st me my way in Rome?

Stabbing MUTIUS”

LUCIUS

My lord, you are unjust, and, more than so,

In wrongful quarrel you have slain your son.

TITUS ANDRONICUS

Nor thou, nor he, are any sons of mine;

My sons would never so dishonour me:

Traitor, restore Lavinia to the emperor.

LUCIUS

Dead, if you will; but not to be his wife,

That is another’s lawful promised love.

Exit”

I’ll trust, by leisure, him that mocks me once;

Thee never, nor thy traitorous haughty sons,

Confederates all thus to dishonour me.

Was there none else in Rome to make a stale,

But Saturnine? Full well, Andronicus,

Agree these deeds with that proud brag of thine,

That said’st I begg’d the empire at thy hands.

TITUS ANDRONICUS

O monstrous! what reproachful words are these?”

A valiant son-in-law thou shalt enjoy;

One fit to bandy with thy lawless sons,

To ruffle in the commonwealth of Rome.”

TITUS ANDRONICUS

These words are razors to my wounded heart.

SATURNINUS

And therefore, lovely Tamora, queen of Goths,

That like the stately Phoebe ‘mongst her nymphs¹

Dost overshine the gallant’st dames of Rome,

If thou be pleased with this my sudden choice,

Behold, I choose thee, Tamora, for my bride,

And will create thee empress of Rome,

Speak, Queen of Goths, dost thou applaud my choice?

And here I swear by all the Roman gods,

Sith priest and holy water are so near

And tapers burn so bright and every thing

In readiness for Hymenaeus² stand,

I will not re-salute the streets of Rome,

Or climb my palace, till from forth this place

I lead espoused my bride along with me.

TAMORA

And here, in sight of heaven, to Rome I swear,

If Saturnine advance the Queen of Goths,

She will a handmaid be to his desires,

A loving nurse, a mother to his youth.”

¹ O mesmo que Artemis, deusa da lua.

² Deus grego do casamento (“a hymenaios is a genre of Greek lyric poetry that was sung during the procession of the bride to the groom’s house in which the god is addressed, in contrast to the Epithalamium, which is sung at the nuptial threshold. He is one of the winged love gods, the Erotes.”); daí, himeneu em português.

MARCUS ANDRONICUS

O Titus, see, O, see what thou hast done!

In a bad quarrel slain a virtuous son.

TITUS ANDRONICUS

No, foolish tribune, no; no son of mine,

Nor thou, nor these, confederates in the deed

That hath dishonour’d all our family;

Unworthy brother, and unworthy sons!

TITUS ANDRONICUS

And shall!’ what villain was it that spake

that word?

QUINTUS

He that would vouch it in any place but here.

TITUS ANDRONICUS

What, would you bury him in my despite?

MARCUS ANDRONICUS

No, noble Titus, but entreat of thee

To pardon Mutius and to bury him.

TITUS ANDRONICUS

Marcus, even thou hast struck upon my crest,

And, with these boys, mine honour thou hast wounded:

My foes I do repute you every one;

So, trouble me no more, but get you gone.

MARTIUS

He is not with himself; let us withdraw.”

MARCUS and the Sons of TITUS kneel

MARCUS ANDRONICUS

Brother, for in that name doth nature plead,–

QUINTUS

Father, and in that name doth nature speak,–

TITUS ANDRONICUS

Speak thou no more, if all the rest will speed.

MARCUS ANDRONICUS

Renowned Titus, more than half my soul,–

LUCIUS

Dear father, soul and substance of us all,–

MARCUS ANDRONICUS

Suffer thy brother Marcus to inter

His noble nephew here in virtue’s nest,

That died in honour and Lavinia’s cause.

Thou art a Roman; be not barbarous:

The Greeks upon advice did bury Ajax

That slew himself; and wise Laertes’ son¹

Did graciously plead for his funerals:

Let not young Mutius, then, that was thy joy

Be barr’d his entrance here.”

¹ Aquiles

The dismall’st day is this that e’er I saw,

To be dishonour’d by my sons in Rome!

Well, bury him, and bury me the next.

MUTIUS is put into the tomb”

SATURNINUS

So, Bassianus, you have play’d your prize:

God give you joy, sir, of your gallant bride!

BASSIANUS

And you of yours, my lord! I say no more,

Nor wish no less; and so, I take my leave.”

BASSIANUS

Rape, call you it, my lord, to seize my own,

My truth-betrothed love and now my wife?

But let the laws of Rome determine all;

Meanwhile I am possess’d of that is mine.

SATURNINUS

Tis good, sir: you are very short with us;

But, if we live, we’ll be as sharp with you.

BASSIANUS

My lord, what I have done, as best I may,

Answer I must and shall do with my life.

Only thus much I give your grace to know:

By all the duties that I owe to Rome,

This noble gentleman, Lord Titus here,

Is in opinion and in honour wrong’d;

That in the rescue of Lavinia

With his own hand did slay his youngest son,

In zeal to you and highly moved to wrath

To be controll’d in that he frankly gave:

Receive him, then, to favor, Saturnine,

That hath express’d himself in all his deeds

A father and a friend to thee and Rome.”

TAMORA

My worthy lord, if ever Tamora

Were gracious in those princely eyes of thine,

Then hear me speak in indifferently for all;

And at my suit, sweet, pardon what is past.

SATURNINUS

What, madam! be dishonour’d openly,

And basely put it up without revenge?

TAMORA

(…)

Lose not so noble a friend on vain suppose,

Nor with sour looks afflict his gentle heart.

Aside to SATURNINUS

be won at last;

Dissemble all your griefs and discontents:

You are but newly planted in your throne;

Lest, then, the people, and patricians too,

Upon a just survey, take Titus’ part,

And so supplant you for ingratitude,

Which Rome reputes to be a heinous sin,

Yield at entreats; and then let me alone:

I’ll find a day to massacre them all

And raze their faction and their family,

The cruel father and his traitorous sons,

To whom I sued for my dear son’s life,

And make them know what ‘tis to let a queen

Kneel in the streets and beg for grace in vain.

Aloud

Come, come, sweet emperor; come, Andronicus;

Take up this good old man, and cheer the heart

That dies in tempest of thy angry frown.

SATURNINUS

Rise, Titus, rise; my empress hath prevail’d.”

This day all quarrels die, Andronicus;

And let it be mine honour, good my lord,

That I have reconciled your friends and you.

For you, Prince Bassianus, I have pass’d

My word and promise to the emperor,

That you will be more mild and tractable.

And fear not lords, and you, Lavinia;

By my advice, all humbled on your knees,

You shall ask pardon of his majesty.”

ACT 2

SCENE I. Rome. Before the Palace.

AARON

Now climbeth Tamora Olympus’ top,

Safe out of fortune’s shot; and sits aloft,

Secure of thunder’s crack or lightning flash;

Advanced above pale envy’s threatening reach.

As when the golden sun salutes the morn,

And, having gilt the ocean with his beams,

Gallops the zodiac in his glistering coach,

And overlooks the highest-peering hills;

So Tamora:

(…)

Then, Aaron, arm thy heart, and fit thy thoughts,

To mount aloft with thy imperial mistress,

And mount her pitch, whom thou in triumph long

Hast prisoner held, fetter’d in amorous chains

And faster bound to Aaron’s charming eyes

Than is Prometheus tied to Caucasus.

Away with slavish weeds and servile thoughts!

I will be bright, and shine in pearl and gold,¹

To wait upon this new-made empress.

To wait, said I? to wanton with this queen,

This goddess, this Semiramis,² this nymph,

This siren, that will charm Rome’s Saturnine,

And see his shipwreck and his commonweal’s.

Holloa! what storm is this?”

¹ Trocadilho súbito e hoje controverso de Shakespeare: o mouro, negro, mesclando-se com a goda (branca).

² A lendária fundadora da Babilônia. Há registros de uma rainha assíria de mesmo nome que pode ter iniciado o culto da deusa, quase mil anos antes de Cristo. Sua história é muito parecida com a de Artemísia, rainha muito discutido no post recente https://seclusao.org/2023/12/21/depois-de-desligar-o-videogame-o-supercompendio-de-final-fantasy-viii/.

CHIRON

(…)

Tis not the difference of a year or two

Makes me less gracious or thee more fortunate:

I am as able and as fit as thou

To serve, and to deserve my mistress’ grace;

And that my sword upon thee shall approve,

And plead my passions for Lavinia’s love.

AARON

[Aside]

Clubs, clubs! these lovers will not keep

the peace.”

AARON

[Coming forward]

Why, how now, lords!

So near the emperor’s palace dare you draw,

And maintain such a quarrel openly?

Full well I wot the ground of all this grudge:

I would not for a million of gold

The cause were known to them it most concerns;

Nor would your noble mother for much more

Be so dishonour’d in the court of Rome.

For shame, put up.”

AARON

Away, I say!

Now, by the gods that warlike Goths adore,

This petty brabble will undo us all.

Why, lords, and think you not how dangerous

It is to jet upon a prince’s right?

What, is Lavinia then become so loose,

Or Bassianus so degenerate,

That for her love such quarrels may be broach’d

Without controlment, justice, or revenge?

Young lords, beware! and should the empress know

This discord’s ground, the music would not please.”

AARON

Why, are ye mad? or know ye not, in Rome

How furious and impatient they be,

And cannot brook competitors in love?

I tell you, lords, you do but plot your deaths

By this device.”

DEMETRIUS

Why makest thou it so strange?

She is a woman, therefore may be woo’d;

She is a woman, therefore may be won;

She is Lavinia, therefore must be loved.

What, man! more water glideth by the mill

Than wots the miller of; and easy it is

Of a cut loaf to steal a shive, we know:

Though Bassianus be the emperor’s brother.

Better than he have worn Vulcan’s badge.”¹

¹ O mesmo que dizer: Ele pode ser o irmão do imperador, mas isso não o faz temível como um deus-guerreiro.

AARON

For shame, be friends, and join for that you jar:

Tis policy and stratagem must do

That you affect; and so must you resolve,

That what you cannot as you would achieve,

You must perforce accomplish as you may.

Take this of me: Lucrece¹ was not more chaste

Than this Lavinia, Bassianus’ love.

A speedier course than lingering languishment

Must we pursue, and I have found the path.

My lords, a solemn hunting is in hand;

There will the lovely Roman ladies troop:

The forest walks are wide and spacious;

And many unfrequented plots there are

Fitted by kind for rape and villany:

Single you thither then this dainty doe,

And strike her home by force, if not by words:

This way, or not at all, stand you in hope.

Come, come, our empress, with her sacred wit

To villany and vengeance consecrate,

Will we acquaint with all that we intend;

And she shall file our engines with advice,

That will not suffer you to square yourselves,

But to your wishes’ height advance you both.

The emperor’s court is like the house of Fame,

The palace full of tongues, of eyes, and ears:

The woods are ruthless, dreadful, deaf, and dull;

There speak, and strike, brave boys, and take

your turns;

There serve your lusts, shadow’d from heaven’s eye,

And revel in Lavinia’s treasury.”

¹ Grande foreshadowing da peça: “Lucrece, was a noblewoman in ancient Rome, whose rape by Sextus Tarquinius (Tarquin) and subsequent suicide precipitated a rebellion that overthrew the Roman monarchy and led to the transition of Roman government from a kingdom to a republic.

ACT 2

SCENE II. A forest near Rome. Horns and cry of hounds heard.

DEMETRIUS

Chiron, we hunt not, we, with horse nor hound,

But hope to pluck a dainty doe to ground.”

ACT 3

SCENE III. A lonely part of the forest.

TAMORA

My lovely Aaron, wherefore look’st thou sad,

When every thing doth make a gleeful boast?

The birds chant melody on every bush,

The snake lies rolled in the cheerful sun,

The green leaves quiver with the cooling wind

And make a chequer’d shadow on the ground:

Under their sweet shade, Aaron, let us sit,

And, whilst the babbling echo mocks the hounds,

Replying shrilly to the well-tuned horns,

As if a double hunt were heard at once,

Let us sit down and mark their yelping noise;

And, after conflict such as was supposed

The wandering prince and Dido once enjoy’d,

When with a happy storm they were surprised

And curtain’d with a counsel-keeping cave,¹

We may, each wreathed in the other’s arms,

Our pastimes done, possess a golden slumber;

Whiles hounds and horns and sweet melodious birds

Be unto us as is a nurse’s song

Of lullaby to bring her babe asleep.²

[¹ Quando Enéias e Dido fizeram amor às ocultas, algo que estava destinado pelos deuses (ou pelas deusas): “Aphrodite and Hera come together to create a storm, forcing Dido and Aeneas into a cave together. There, they declare their feelings for each other and consummate their love.”

² Quase um quadro digno de princesas da Disney!]

AARON

Madam, though Venus govern your desires,

Saturn is dominator over mine:

What signifies my deadly-standing eye,

My silence and my cloudy melancholy,

My fleece of woolly hair that now uncurls

Even as an adder when she doth unroll

To do some fatal execution?

No, madam, these are no venereal signs:

Vengeance is in my heart, death in my hand,

Blood and revenge are hammering in my head.¹

Hark Tamora, the empress of my soul,

Which never hopes more heaven than rests in thee,

This is the day of doom for Bassianus:

His Philomel² must lose her tongue to-day,

Thy sons make pillage of her chastity

And wash their hands in Bassianus’ blood.

Seest thou this letter? take it up, I pray thee,

And give the king this fatal plotted scroll.

Now question me no more; we are espied;

Here comes a parcel of our hopeful booty,

Which dreads not yet their lives’ destruction.”

¹ A cruel Tamora é uma vilã care-free; Aaron, igualmente – senão mais – mau, no entanto, está concentrado demais em seus próximos planos criminosos para pensar no prazer erótico no momento.

² Semi-deusa, irmã de Procne, a ser citada na peça como Progne. Filomela é estuprada por Tereu(s), marido de Procne, que se vinga deste (junto com sua irmã) da mesma maneira que se vingará Titus de Tamora (que também contará com o auxílio de Lavínia) no fim da peça. No mito, após o estupro Filomela é resgatada pelo Olimpo sendo transformada num rouxinol (podendo assim continuar vivendo, com a honra restaurada). Filomela ou Philo-mela significaria amante da melodia (devido à beleza do canto da ave). Novamente Shakespeare se inspira mais na versão ovidiana, o que é natural, devido ao contexto romano da peça. Sófocles tem uma tragédia chamada Tereus, perdida. O estupro de Filomela por Tereu também se deu num bosque. Então, deixando-a viva e para não ser descoberto em seu ato vil, o estuprador fará o que logo farão os dois irmãos godos… Mesmo assim, Shakespeare ainda foi além em gore e crueldade! Outro ponto em comum entre personagens: tanto Procne quanto Titus não hesitam em matar seus próprios filhos quando necessário em seus projetos de vingança! A Medéia de Eurípides também narra uma saga semelhante…

Enter BASSIANUS and LAVINIA

BASSIANUS

Who have we here? Rome’s royal empress,

Unfurnish’d of her well-beseeming troop?

Or is it Dian, habited like her,

Who hath abandoned her holy groves

To see the general hunting in this forest?¹

TAMORA

Saucy controller of our private steps!

Had I the power that some say Dian had,

Thy temples should be planted presently

With horns, as was Actaeon’s; and the hounds

Should drive upon thy new-transformed limbs,

Unmannerly intruder as thou art!

LAVINIA

Under your patience, gentle empress,

Tis thought you have a goodly gift in horning;

And to be doubted that your Moor and you

Are singled forth to try experiments:

Jove shield your husband from his hounds to-day!

Tis pity they should take him for a stag

BASSIANUS

Believe me, queen, your swarth Cimmerian

Doth make your honour of his body’s hue,³

Spotted, detested, and abominable.

Why are you sequester’d from all your train,

Dismounted from your snow-white goodly steed.

And wander’d hither to an obscure plot,

Accompanied but with a barbarous Moor,

If foul desire had not conducted you?

LAVINIA

And, being intercepted in your sport,

Great reason that my noble lord be rated

For sauciness. I pray you, let us hence,

And let her joy her raven-colour’d love;

This valley fits the purpose passing well.4

BASSIANUS

The king my brother shall have note of this.

LAVINIA

Ay, for these slips have made him noted long:

Good king, to be so mightily abused!

TAMORA

Why have I patience to endure all this?

Enter DEMETRIUS and CHIRON

DEMETRIUS

How now, dear sovereign, and our gracious mother!

Why doth your highness look so pale and wan?

TAMORA

Have I not reason, think you, to look pale?

These two have ‘ticed me hither to this place:

A barren detested vale, you see it is;

The trees, though summer, yet forlorn and lean,

O’ercome with moss and baleful mistletoe:

Here never shines the sun; here nothing breeds,

Unless the nightly owl or fatal raven:

And when they show’d me this abhorred pit,

They told me, here, at dead time of the night,

A thousand fiends, a thousand hissing snakes,

Ten thousand swelling toads, as many urchins,

Would make such fearful and confused cries

As any mortal body hearing it

Should straight fall mad, or else die suddenly.

No sooner had they told this hellish tale,

But straight they told me they would bind me here

Unto the body of a dismal yew,

And leave me to this miserable death:

And then they call’d me foul adulteress,

Lascivious Goth, and all the bitterest terms

That ever ear did hear to such effect:

And, had you not by wondrous fortune come,

This vengeance on me had they executed.

Revenge it, as you love your mother’s life,

Or be ye not henceforth call’d my children.

DEMETRIUS

This is a witness that I am thy son.

Stabs BASSIANUS

CHIRON

And this for me, struck home to show my strength.

Also stabs BASSIANUS, who dies

LAVINIA

Ay, come, Semiramis, nay, barbarous Tamora,

For no name fits thy nature but thy own!

TAMORA

Give me thy poniard; you shall know, my boys

Your mother’s hand shall right your mother’s wrong.

DEMETRIUS

Stay, madam; here is more belongs to her;

First thrash the corn, then after burn the straw:

This minion stood upon her chastity,

Upon her nuptial vow, her loyalty,

And with that painted hope braves your mightiness:

And shall she carry this unto her grave?

CHIRON

An if she do, I would I were an eunuch.

Drag hence her husband to some secret hole,

And make his dead trunk pillow to our lust.

TAMORA

But when ye have the honey ye desire,

Let not this wasp outlive, us both to sting.

CHIRON

I warrant you, madam, we will make that sure.

Come, mistress, now perforce we will enjoy

That nice-preserved honesty of yours.

LAVINIA

O Tamora! thou bear’st a woman’s face,–

TAMORA

I will not hear her speak; away with her!”

¹ A deusa Diana não gostava da cidade – vivia nas florestas, caçando.

² Lavínia sabe que Arão e Tamora são amantes (que o imperador tem “galhos” ou “chifres” na testa).

³ Bárbaros. Novamente se alude à cor escura de Arão de modo depreciativo, associando a cor preta a coisas ruins, vis, sujas.

4 Foreshadowing do buraco escuro em que logo serão depositados dois dos Andronicus – e o próprio Bassiano, já cadavérico.

LAVINIA

When did the tiger’s young ones teach the dam?

O, do not learn her wrath; she taught it thee;

The milk thou suck’dst from her did turn to marble;

Even at thy teat thou hadst thy tyranny.

Yet every mother breeds not sons alike:

To CHIRON

Do thou entreat her show a woman pity.

CHIRON

What, wouldst thou have me prove myself a bastard?

LAVINIA

Tis true; the raven doth not hatch a lark:

Yet have I heard,–O, could I find it now!–

The lion moved with pity did endure

To have his princely paws pared all away:

Some say that ravens foster forlorn children,

The whilst their own birds famish in their nests:

O, be to me, though thy hard heart say no,

Nothing so kind, but something pitiful!”

LAVINIA

O, let me teach thee! for my father’s sake,

That gave thee life, when well he might have

slain thee,

Be not obdurate, open thy deaf ears.

TAMORA

Hadst thou in person ne’er offended me,

Even for his sake am I pitiless.

Remember, boys, I pour’d forth tears in vain,

To save your brother from the sacrifice;

But fierce Andronicus would not relent;

Therefore, away with her, and use her as you will,

The worse to her, the better loved of me.

LAVINIA

O Tamora, be call’d a gentle queen,

And with thine own hands kill me in this place!

For ‘tis not life that I have begg’d so long;

Poor I was slain when Bassianus died.

TAMORA

What begg’st thou, then? fond woman, let me go.

LAVINIA

Tis present death I beg; and one thing more

That womanhood denies my tongue to tell:¹

O, keep me from their worse than killing lust,

And tumble me into some loathsome pit,

Where never man’s eye may behold my body:²

Do this, and be a charitable murderer.

TAMORA

So should I rob my sweet sons of their fee:

No, let them satisfy their lust on thee.”

¹ Como sempre nessas obras trágicas, os personagens acidentalmente narram seu terrível futuro: “Imploro aquilo que minha língua, como mulher, não pode pronunciar.” Não pode porque seria indecente. Em breve, porém, não poderá, literalmente, mesmo que quisesse e a moral o permitisse.

² Isso também faz parte da previsão: em vez de ser abandonada no escuro, Lavínia será flagrada em seu estado mais lamentável, pelo tio Marcus.

LAVINIA

No grace? no womanhood? Ah, beastly creature!

The blot and enemy to our general name!

Confusion fall–

CHIRON

Nay, then I’ll stop your mouth. Bring thou her husband:

This is the hole where Aaron bid us hide him.

DEMETRIUS throws the body of BASSIANUS into the pit; then exeunt DEMETRIUS and CHIRON, dragging off LAVINIA.

TAMORA

Farewell, my sons: see that you make her sure.

Ne’er let my heart know merry cheer indeed,

Till all the Andronici be made away.

Now will I hence to seek my lovely Moor,¹

And let my spleenful sons this trull deflow’r.

Exit”

¹ Choca a ingenuidade dos irmãos em ato futuro da peça quando “descobrem” o produto de dois amantes, como se não fosse conseqüência natural, ao se indignarem com Aaron (ATO 4).

AARON

Come on, my lords, the better foot before:

Straight will I bring you to the loathsome pit

Where I espied the panther fast asleep.

QUINTUS

My sight is very dull, whate’er it bodes.

MARTIUS

And mine, I promise you; were’t not for shame,

Well could I leave our sport to sleep awhile.

Falls into the pit

QUINTUS

What, art thou fall’n? What subtle hole is this,

Whose mouth is cover’d with rude-growing briers,

Upon whose leaves are drops of new-shed blood

As fresh as morning dew distill’d on flowers?

A very fatal place it seems to me.

Speak, brother, hast thou hurt thee with the fall?

MARTIUS

O brother, with the dismall’st object hurt

That ever eye with sight made heart lament!

AARON

[Aside] Now will I fetch the king to find them here,

That he thereby may give a likely guess

How these were they that made away his brother.

Exit”

QUINTUS

Aaron is gone; and my compassionate heart

Will not permit mine eyes once to behold

The thing whereat it trembles by surmise;

O, tell me how it is; for ne’er till now

Was I a child to fear I know not what.

MARTIUS

Lord Bassianus lies embrewed here,

All on a heap, like to a slaughter’d lamb,

In this detested, dark, blood-drinking pit.

QUINTUS

If it be dark, how dost thou know ‘tis he?

MARTIUS

Upon his bloody finger he doth wear

A precious ring, that lightens all the hole,

Which, like a taper in some monument,

Doth shine upon the dead man’s earthy cheeks,

And shows the ragged entrails of the pit:

So pale did shine the moon on Pyramus

When he by night lay bathed in maiden blood.”¹

¹ Píramo e Tisbe: mais um casal trágico de Metamorfoses de Ovídio. Essa história provavelmente inspiraria Romeu & Julieta: dois amantes de duas famílias rivais que cometem cada qual suicídio devido a um mal-entendido (o primeiro achar que o segundo está morto, então se matar de verdade; o segundo acordar e ver o cadáver do primeiro, se matando finalmente). A luz da lua iluminando Píramo, coisa que não existe em Ovídio, pode ser uma referência ao apodo dado por Arão a Tamora: Artemis, deusa da lua, responsável por armar tamanho horror.

QUINTUS

Reach me thy hand, that I may help thee out;

Or, wanting strength to do thee so much good,

I may be pluck’d into the swallowing womb

Of this deep pit, poor Bassianus’ grave.

I have no strength to pluck thee to the brink.

MARTIUS

Nor I no strength to climb without thy help.

QUINTUS

Thy hand once more; I will not loose again,

Till thou art here aloft, or I below:

Thou canst not come to me: I come to thee.

Falls in

Enter SATURNINUS with AARON

SATURNINUS

Along with me: I’ll see what hole is here,

And what he is that now is leap’d into it.

Say who art thou that lately didst descend

Into this gaping hollow of the earth?

MARTIUS

The unhappy son of old Andronicus:

Brought hither in a most unlucky hour,

To find thy brother Bassianus dead.

SATURNINUS

My brother dead! I know thou dost but jest:

He and his lady both are at the lodge

Upon the north side of this pleasant chase;

Tis not an hour since I left him there.

MARTIUS

We know not where you left him all alive;

But, out, alas! here have we found him dead.

Re-enter TAMORA, with Attendants; TITUS ANDRONICUS, and Lucius

TAMORA

Where is my lord the king?

SATURNINUS

Here, Tamora, though grieved with killing grief.

TAMORA

Where is thy brother Bassianus?

SATURNINUS

Now to the bottom dost thou search my wound:

Poor Bassianus here lies murdered.

TAMORA

Then all too late I bring this fatal writ,

The complot of this timeless tragedy;

And wonder greatly that man’s face can fold

In pleasing smiles such murderous tyranny.

She giveth SATURNINUS a letter

SATURNINUS

[Reads] ‘An if we miss to meet him handsomely–

Sweet huntsman, Bassianus ‘tis we mean–

Do thou so much as dig the grave for him:

Thou know’st our meaning. Look for thy reward

Among the nettles at the elder-tree

Which overshades the mouth of that same pit

Where we decreed to bury Bassianus.

Do this, and purchase us thy lasting friends.’

O Tamora! was ever heard the like?

This is the pit, and this the elder-tree.

Look, sirs, if you can find the huntsman out

That should have murdered Bassianus here.

AARON

My gracious lord, here is the bag of gold.

SATURNINUS

[To TITUS] Two of thy whelps, fell curs of

bloody kind,

Have here bereft my brother of his life.

Sirs, drag them from the pit unto the prison:

There let them bide until we have devised

Some never-heard-of torturing pain for them.

TAMORA

What, are they in this pit? O wondrous thing!

How easily murder is discovered!

TITUS ANDRONICUS

High emperor, upon my feeble knee

I beg this boon, with tears not lightly shed,

That this fell fault of my accursed sons,

Accursed if the fault be proved in them,–

SATURNINUS

If it be proved! you see it is apparent.

Who found this letter? Tamora, was it you?

TAMORA

Andronicus himself did take it up.

TITUS ANDRONICUS

I did, my lord: yet let me be their bail;

For, by my father’s reverend tomb, I vow

They shall be ready at your highness’ will

To answer their suspicion with their lives.

SATURNINUS

Thou shalt not bail them: see thou follow me.

Some bring the murder’d body, some the murderers:

Let them not speak a word; the guilt is plain;

For, by my soul, were there worse end than death,

That end upon them should be executed.

TAMORA

Andronicus, I will entreat the king;

Fear not thy sons; they shall do well enough.

TITUS ANDRONICUS

Come, Lucius, come; stay not to talk with them.

Exeunt”

ACT 2

SCENE IV. Another part of the forest. [na íntegra]

Enter DEMETRIUS and CHIRON with LAVINIA, ravished; her hands cut off, and her tongue cut out.

DEMETRIUS

So, now go tell, an if thy tongue can speak,

Who ‘twas that cut thy tongue and ravish’d thee.

CHIRON

Write down thy mind, bewray thy meaning so,

An if thy stumps will let thee play the scribe.

DEMETRIUS

See, how with signs and tokens she can scrowl.¹

CHIRON

Go home, call for sweet water, wash thy hands.

DEMETRIUS

She hath no tongue to call, nor hands to wash;

And so let’s leave her to her silent walks.

CHIRON

An ‘twere my case, I should go hang myself.

DEMETRIUS

If thou hadst hands to help thee knit the cord.

Exeunt DEMETRIUS and CHIRON

Enter MARCUS”

¹ Outro foreshadowing!

Curioso para saber como representam tantos membros amputados no teatro!

MARCUS

Who is this? my niece, that flies away so fast!

Cousin, a word; where is your husband?

If I do dream, would all my wealth would wake me!

If I do wake, some planet strike me down,

That I may slumber in eternal sleep!

Speak, gentle niece, what stern ungentle hands

Have lopp’d and hew’d and made thy body bare

Of her two branches, those sweet ornaments,

Whose circling shadows kings have sought to sleep in,

And might not gain so great a happiness

As have thy love? Why dost not speak to me?

Alas, a crimson river of warm blood,

Like to a bubbling fountain stirr’d with wind,

Doth rise and fall between thy rosed lips,

Coming and going with thy honey breath.

But, sure, some Tereus hath deflowered thee,

And, lest thou shouldst detect him, cut thy tongue.

Ah, now thou turn’st away thy face for shame!

And, notwithstanding all this loss of blood,

As from a conduit with 3 issuing spouts,

Yet do thy cheeks look red as Titan’s face

Blushing to be encountered with a cloud.

Shall I speak for thee? shall I say ‘tis so?

O, that I knew thy heart; and knew the beast,

That I might rail at him, to ease my mind!

Sorrow concealed, like an oven stopp’d,

Doth burn the heart to cinders where it is.

Fair Philomela, she but lost her tongue,

And in a tedious sampler sew’d her mind:

But, lovely niece, that mean is cut from thee;

A craftier Tereus, cousin, hast thou met,

And he hath cut those pretty fingers off,

That could have better sew’d than Philomel.

O, had the monster seen those lily hands

Tremble, like aspen-leaves, upon a lute,

And make the silken strings delight to kiss them,

He would not then have touch’d them for his life!

Or, had he heard the heavenly harmony

Which that sweet tongue hath made,

He would have dropp’d his knife, and fell asleep

As Cerberus at the Thracian poet’s feet.¹

Come, let us go, and make thy father blind;

For such a sight will blind a father’s eye:

One hour’s storm will drown the fragrant meads;

What will whole months of tears thy father’s eyes?

Do not draw back, for we will mourn with thee

O, could our mourning ease thy misery!

Exeunt”

¹ Referência a Orfeu, que conseguia fazer dormir até o cão tricéfalo que guardava o Hades.

ACT 3

SCENE I. Rome. A street.

O earth, I will befriend thee more with rain,

That shall distil from these two ancient urns,

Than youthful April shall with all his showers:

In summer’s drought I’ll drop upon thee still;

In winter with warm tears I’ll melt the snow

And keep eternal spring-time on thy face,

So thou refuse to drink my dear sons’ blood.”

LUCIUS

O noble father, you lament in vain:

The tribunes hear you not; no man is by;

And you recount your sorrows to a stone.”

Why, tis no matter, man; if they did hear,

They would not mark me, or if they did mark,

They would not pity me, yet plead I must;

Therefore I tell my sorrows to the stones;

Who, though they cannot answer my distress,

Yet in some sort they are better than the tribunes,

For that they will not intercept my tale:

When I do weep, they humbly at my feet

Receive my tears and seem to weep with me;

And, were they but attired in grave weeds,

Rome could afford no tribune like to these.

A stone is soft as wax,–tribunes more hard than stones;

A stone is silent, and offendeth not,

And tribunes with their tongues doom men to death.”

Why, foolish Lucius, dost thou not perceive

That Rome is but a wilderness of tigers?

Tigers must prey, and Rome affords no prey

But me and mine: how happy art thou, then,

From these devourers to be banished!

But who comes with our brother Marcus here?

Enter MARCUS and LAVINIA

MARCUS ANDRONICUS

Titus, prepare thy aged eyes to weep;

Or, if not so, thy noble heart to break:

I bring consuming sorrow to thine age.

TITUS ANDRONICUS

Will it consume me? let me see it, then.

MARCUS ANDRONICUS

This was thy daughter.

TITUS ANDRONICUS

Why, Marcus, so she is.

LUCIUS

Ay me, this object kills me!

TITUS ANDRONICUS

Faint-hearted boy, arise, and look upon her.

Speak, Lavinia, what accursed hand

Hath made thee handless in thy father’s sight?

What fool hath added water to the sea,

Or brought a faggot to bright-burning Troy?

My grief was at the height before thou camest,

And now like Nilus, it disdaineth bounds.

Give me a sword, I’ll chop off my hands too;

For they have fought for Rome, and all in vain;

And they have nursed this woe, in feeding life;

In bootless prayer have they been held up,

And they have served me to effectless use:

Now all the service I require of them

Is that the one will help to cut the other.

Tis well, Lavinia, that thou hast no hands;

For hands, to do Rome service, are but vain.

LUCIUS

Speak, gentle sister, who hath martyr’d thee?

MARCUS ANDRONICUS

O, that delightful engine of her thoughts

That blabb’d them with such pleasing eloquence,

Is torn from forth that pretty hollow cage,

Where, like a sweet melodious bird, it sung

Sweet varied notes, enchanting every ear!

LUCIUS

O, say thou for her, who hath done this deed?

MARCUS ANDRONICUS

O, thus I found her, straying in the park,

Seeking to hide herself, as doth the deer

That hath received some unrecuring wound.”

This way to death my wretched sons are gone;

Here stands my other son, a banished man,

And here my brother, weeping at my woes.

But that which gives my soul the greatest spurn,

Is dear Lavinia, dearer than my soul.

Had I but seen thy picture in this plight,

It would have madded me: what shall I do

Now I behold thy lively body so?

Thou hast no hands, to wipe away thy tears:

Nor tongue, to tell me who hath martyr’d thee:

Thy husband he is dead: and for his death

Thy brothers are condemn’d, and dead by this.

Look, Marcus! ah, son Lucius, look on her!

When I did name her brothers, then fresh tears

Stood on her cheeks, as doth the honey-dew

Upon a gather’d lily almost wither’d.

MARCUS ANDRONICUS

Perchance she weeps because they kill’d her husband;

Perchance because she knows them innocent.”

Gentle Lavinia, let me kiss thy lips.

Or make some sign how I may do thee ease:

Shall thy good uncle, and thy brother Lucius,

And thou, and I, sit round about some fountain,

Looking all downwards to behold our cheeks

How they are stain’d, as meadows, yet not dry,

With miry slime left on them by a flood?”

Or shall we cut away our hands, like thine?

Or shall we bite our tongues, and in dumb shows

Pass the remainder of our hateful days?

What shall we do? let us, that have our tongues,

Plot some deuce of further misery,

To make us wonder’d at in time to come.”

TITUS ANDRONICUS

Mark, Marcus, mark! I understand her signs:

Had she a tongue to speak, now would she say

That to her brother which I said to thee:

His napkin, with his true tears all bewet,

Can do no service on her sorrowful cheeks.

O, what a sympathy of woe is this,

As far from help as Limbo is from bliss!”

AARON

Titus Andronicus, my lord the emperor

Sends thee this word,–that, if thou love thy sons,

Let Marcus, Lucius, or thyself, old Titus,

Or any one of you, chop off your hand,

And send it to the king: he for the same

Will send thee hither both thy sons alive;

And that shall be the ransom for their fault.

TITUS ANDRONICUS

O gracious emperor! O gentle Aaron!

Did ever raven sing so like a lark,¹

That gives sweet tidings of the sun’s uprise?

With all my heart, I’ll send the emperor My hand:

Good Aaron, wilt thou help to chop it off?

LUCIUS

Stay, father! for that noble hand of thine,

That hath thrown down so many enemies,

Shall not be sent: my hand will serve the turn:

My youth can better spare my blood than you;

And therefore mine shall save my brothers’ lives.

MARCUS ANDRONICUS

Which of your hands hath not defended Rome,

And rear’d aloft the bloody battle-axe,

Writing destruction on the enemy’s castle?

O, none of both but are of high desert:

My hand hath been but idle; let it serve

To ransom my two nephews from their death;

Then have I kept it to a worthy end.

AARON

Nay, come, agree whose hand shall go along,

For fear they die before their pardon come.

MARCUS ANDRONICUS

My hand shall go.

LUCIUS

By heaven, it shall not go!

TITUS ANDRONICUS

Sirs, strive no more: such wither’d herbs as these

Are meet for plucking up, and therefore mine.

LUCIUS

Sweet father, if I shall be thought thy son,

Let me redeem my brothers both from death.

MARCUS ANDRONICUS

And, for our father’s sake and mother’s care,

Now let me show a brother’s love to thee.

TITUS ANDRONICUS

Agree between you; I will spare my hand.

LUCIUS

Then I’ll go fetch an axe.

MARCUS ANDRONICUS

But I will use the axe.

Exeunt LUCIUS and MARCUS

TITUS ANDRONICUS

Come hither, Aaron; I’ll deceive them both:

Lend me thy hand, and I will give thee mine.

AARON

[Aside] If that be call’d deceit, I will be honest,

And never, whilst I live, deceive men so:

But I’ll deceive you in another sort,

And that you’ll say, ere half an hour pass.

Cuts off TITUS’s hand

Re-enter LUCIUS and MARCUS

TITUS ANDRONICUS

Now stay your strife: what shall be is dispatch’d.

Good Aaron, give his majesty my hand:

Tell him it was a hand that warded him

From thousand dangers; bid him bury it

More hath it merited; that let it have.

As for my sons, say I account of them

As jewels purchased at an easy price;

And yet dear too, because I bought mine own.”

¹ Aqui, sem saber, Titus inverte uma das últimas metáforas de Lavínia – e está bastante enganado ao fazê-lo!

AARON

(…)

Let fools do good, and fair men call for grace.

Aaron will have his soul black like his face.

Exit”

MARCUS ANDRONICUS

O brother, speak with possibilities,

And do not break into these deep extremes.

TITUS ANDRONICUS

Is not my sorrow deep, having no bottom?

Then be my passions bottomless with them.

MARCUS ANDRONICUS

But yet let reason govern thy lament.”

When heaven doth weep, doth not the earth o’erflow?

If the winds rage, doth not the sea wax mad,

Threatening the welkin with his big-swollen face?

And wilt thou have a reason for this coil?

I am the sea; hark, how her sighs do blow!

She is the weeping welkin, I the earth:

Then must my sea be moved with her sighs;

Then must my earth with her continual tears

Become a deluge, overflow’d and drown’d;

For why my bowels cannot hide her woes,

But like a drunkard must I vomit them.”

Enter a Messenger, with two heads and a hand

Messenger

Worthy Andronicus, ill art thou repaid

For that good hand thou sent’st the emperor.

Here are the heads of thy two noble sons;

And here’s thy hand, in scorn to thee sent back;

Thy griefs their sports, thy resolution mock’d;

That woe is me to think upon thy woes

More than remembrance of my father’s death.

Exit

MARCUS ANDRONICUS

Now let hot Aetna cool in Sicily,

And be my heart an ever-burning hell!

These miseries are more than may be borne.

To weep with them that weep doth ease some deal;

But sorrow flouted at is double death.”

That ever death should let life bear his name,

Where life hath no more interest but to breathe!

LAVINIA kisses TITUS

MARCUS ANDRONICUS

Alas, poor heart, that kiss is comfortless

As frozen water to a starved snake.

TITUS ANDRONICUS

When will this fearful slumber have an end?

MARCUS ANDRONICUS

Now, farewell, flattery: die, Andronicus;

Thou dost not slumber: see, thy two sons’ heads,

Thy warlike hand, thy mangled daughter here:

Thy other banish’d son, with this dear sight

Struck pale and bloodless; and thy brother, I,

Even like a stony image, cold and numb.

Ah, now no more will I control thy griefs:

Rend off thy silver hair, thy other hand

Gnawing with thy teeth; and be this dismal sight

The closing up of our most wretched eyes;

Now is a time to storm; why art thou still?

TITUS ANDRONICUS

Ha, ha, ha!

MARCUS ANDRONICUS

Why dost thou laugh? it fits not with this hour.

TITUS ANDRONICUS

Why, I have not another tear to shed:

Besides, this sorrow is an enemy,

And would usurp upon my watery eyes

And make them blind with tributary tears:

Then which way shall I find Revenge’s cave?¹

For these two heads do seem to speak to me,

And threat me I shall never come to bliss

Till all these mischiefs be return’d again

Even in their throats that have committed them.

Come, let me see what task I have to do.

You heavy people, circle me about,

That I may turn me to each one of you,

And swear unto my soul to right your wrongs.

The vow is made. Come, brother, take a head;

And in this hand the other I will bear.

Lavinia, thou shalt be employ’d: these arms!

Bear thou my hand, sweet wench, between thy teeth.

As for thee, boy, go get thee from my sight;

Thou art an exile, and thou must not stay:

Hie to the Goths, and raise an army there:

And, if you love me, as I think you do,

Let’s kiss and part, for we have much to do.

Exeunt TITUS, MARCUS, and LAVINIA

LUCIUS

Farewell Andronicus, my noble father,

The wofull’st man that ever lived in Rome:

Farewell, proud Rome; till Lucius come again,

He leaves his pledges dearer than his life:

Farewell, Lavinia, my noble sister;

O, would thou wert as thou tofore hast been!

But now nor Lucius nor Lavinia lives

But in oblivion and hateful griefs.

If Lucius live, he will requite your wrongs;

And make proud Saturnine and his empress

Beg at the gates, like Tarquin and his queen.²

Now will I to the Goths, and raise a power,

To be revenged on Rome and Saturnine.

Exit”

¹ A caverna da vingança, como veremos, será a própria casa de Titus Andronicus.

² Figura despótica que bem inspira Saturninus, e que ao mesmo tempo compartilha o primeiro nome com quem fala: Lucius Tarquinius Superbus (died 495 BC) was the legendary 7th and final king of Rome,a reigning 25 years until the popular uprising that led to the establishment of the Roman Republic. [segundo o historiador Lívio] He is commonly known as Tarquin the Proud, from his cognomen Superbus (Latin for proud, arrogant, lofty).” Adicionalmente, o que não se sabe se é História ou mito, este Tarquínio teria matado seu próprio irmão, o rei anterior (estamos falando da monarquia pré-república Romana, que por sua vez é pré-Império Romano, ou seja, período bem remoto e historiograficamente difícil de avaliar), e sua esposa, a fim de sentar no trono, o que excede em maldade tudo que se via ao tempo e acelerou sua ruína e a ruína do sistema monárquico na cidade (realmente houve reis em Roma antes das instituições da República, daí os traços de autenticidade da fábula).

a A quem aprecia superstições, o número 7 aqui está eivado de maldições!

ACT 3

SCENE II. A room in Titus’ house. A banquet set out.

TITUS ANDRONICUS

So, so; now sit: and look you eat no more

Than will preserve just so much strength in us

As will revenge these bitter woes of ours.

Marcus, unknit that sorrow-wreathen knot:

Thy niece and I, poor creatures, want our hands,

And cannot passionate our tenfold grief

With folded arms. This poor right hand of mine

Is left to tyrannize upon my breast;

Who, when my heart, all mad with misery,

Beats in this hollow prison of my flesh,

Then thus I thump it down.”

MARCUS ANDRONICUS

Fie, brother, fie! teach her not thus to lay

Such violent hands upon her tender life.

TITUS ANDRONICUS

How now! has sorrow made thee dote already?

Why, Marcus, no man should be mad but I.

What violent hands can she lay on her life?

Ah, wherefore dost thou urge the name of hands;

To bid Aeneas tell the tale twice o’er,¹

How Troy was burnt and he made miserable?

O, handle not the theme, to talk of hands,

Lest we remember still that we have none.

Fie, fie, how franticly I square my talk,

As if we should forget we had no hands,

If Marcus did not name the word of hands!”

¹ Durante a Eneida Enéias tem de recontar várias vezes suas desventuras desde a queda de Tróia até suas viagens meridionais. Recontar o passado sofrido equivale a revivê-lo, em toda sua dor.

Here is no drink! Hark, Marcus, what she says;

I can interpret all her martyr’d signs;

She says she drinks no other drink but tears,

Brew’d with her sorrow, mesh’d upon her cheeks:

Speechless complainer, I will learn thy thought;

In thy dumb action will I be as perfect

As begging hermits in their holy prayers:

Thou shalt not sigh, nor hold thy stumps to heaven,

Nor wink, nor nod, nor kneel, nor make a sign,

But I of these will wrest an alphabet

And by still practise learn to know thy meaning.”¹

¹ Uma linguagem bem sibilina, mais avançada que libras, posto que libras exigem mãos!

MARCUS strikes the dish with a knife

What dost thou strike at, Marcus, with thy knife?

MARCUS ANDRONICUS

At that that I have kill’d, my lord; a fly.

TITUS ANDRONICUS

Out on thee, murderer! thou kill’st my heart;

Mine eyes are cloy’d with view of tyranny:

A deed of death done on the innocent

Becomes not Titus’ brother: get thee gone:

I see thou art not for my company.”

Poor harmless fly,

That, with his pretty buzzing melody,

Came here to make us merry! and thou hast

kill’d him.”

MARCUS ANDRONICUS

Pardon me, sir; it was a black ill-favor’d fly,

Like to the empress’ Moor; therefore I kill’d him.

TITUS ANDRONICUS

O, O, O,

Then pardon me for reprehending thee,

For thou hast done a charitable deed.

Give me thy knife, I will insult on him;

Flattering myself, as if it were the Moor

Come hither purposely to poison me.–

There’s for thyself, and that’s for Tamora.

Ah, sirrah!

Yet, I think, we are not brought so low,

But that between us we can kill a fly

That comes in likeness of a coal-black Moor.”

He takes false shadows for true substances.”

TITUS ANDRONICUS

Come, take away. Lavinia, go with me:

I’ll to thy closet; and go read with thee

Sad stories chanced in the times of old.

Come, boy, and go with me: thy sight is young,

And thou shalt read when mine begin to dazzle.

Exeunt”

ACT 4

SCENE I. Rome. Titus’ garden.

Young LUCIUS [neto de Titus]

Help, grandsire, help! my aunt Lavinia

Follows me every where, I know not why:

Good uncle Marcus, see how swift she comes.

Alas, sweet aunt, I know not what you mean.”

TITUS ANDRONICUS

She loves thee, boy, too well to do thee harm.

Young LUCIUS

Ay, when my father was in Rome she did.

MARCUS ANDRONICUS

What means my niece Lavinia by these signs?”

Ah, boy, Cornelia¹ never with more care

Read to her sons than she hath read to thee

Sweet poetry and Tully’s Orator.”²

¹ Grande mulher romana, considerada uma intelectual, e mãe de vários políticos do tempo republicano (matrona da dinastia Graco). Em outros termos, a preceptora ideal, grande elogio a Lavínia, a tia que educou o sobrinho Lucius o Jovem da peça. “Rome worshipped her virtues, and when she died at an advanced age, the city voted for a statue in her honor.”

² Orações de Túlio Marco Cícero.

For I have heard my grandsire say full oft,

Extremity of griefs would make men mad;¹

And I have read that Hecuba of Troy

Ran mad through sorrow:² that made me to fear;

Although, my lord, I know my noble aunt

Loves me as dear as e’er my mother did,

And would not, but in fury, fright my youth:

Which made me down to throw my books, and fly–³

Causeless, perhaps. …”

¹ Clever wordplay com “extremidades”… os extremos da tristeza, os extremos dos braços, decepados…

² Hécuba, que perdeu muitos parentes na derrota de Tróia, teria ficado louca de tanto sofrimento. Assim o sobrinho justifica o medo de que sua tia Lavínia tivesse também perdido a razão. Shakespeare cita Hécuba mais uma vez em Hamlet: “And all for nothing – For Hecuba! What’s Hecuba to him, or he to Hecuba / That he should weep for her?” Quando o tema é vingança, uma mulher que perdeu tudo e que depois conseguiu se vingar de alguns dos assassinos de seus entes queridos é uma das melhores figuras a ser citadas…

³ To fly… correr, fugir. Na cena anterior, a do triste banquete, matam uma mosca (fly). Throw my books, derrubar os livros, como quem não consegue segurá-los por falta de mãos. Creio que Shakespeare tenha utilizado essas referências conscientemente para brincar novamente com a duplicidade do discurso do sobrinho que vê sua dinastia em pedaços.

LAVINIA turns over with her stumps the books which LUCIUS has let fall”

Some book there is that she desires to see.

Which is it, girl, of these? Open them, boy.

But thou art deeper read, and better skill’d

Come, and take choice of all my library,

And so beguile thy sorrow, till the heavens

Reveal the damn’d contriver of this deed.”

MARCUS ANDRONICUS

I think she means that there was more than one

Confederate in the fact: ay, more there was;

Or else to heaven she heaves them for revenge.”

Young LUCIUS

Grandsire, ‘tis Ovid’s Metamorphoses

My mother gave it me.

MARCUS ANDRONICUS

For love of her that’s gone,

Perhaps she cull’d it from among the rest.”

¹ Um dos livros mais importantes como pano de fundo da peça, com vários de seus episódios trágicos citados ao longo dos atos.

This is the tragic tale of Philomel,

And treats of Tereus’ treason and his rape:

And rape, I fear, was root of thine annoy.”

TITUS ANDRONICUS

Lavinia, wert thou thus surprised, sweet girl,

Ravish’d and wrong’d, as Philomela was,

Forced in the ruthless, vast, and gloomy woods? See, see!

Ay, such a place there is, where we did hunt

O, had we never, never hunted there!–

Pattern’d by that the poet here describes,

By nature made for murders and for rapes.

MARCUS ANDRONICUS

O, why should nature build so foul a den,

Unless the gods delight in tragedies?”

Apollo, Pallas, Jove, or Mercury,

Inspire me, that I may this treason find!

My lord, look here: look here, Lavinia:¹

This sandy plot is plain; guide, if thou canst

This after me, when I have writ my name

Without the help of any hand at all.”

¹ Se, na Antiguidade, alguém soubesse que os próprios deuses aprovam seu desejo de vingança, este alguém se sentiria absolutamente justificado. Titus adia sua vingança até ter certeza, por todos os métodos das adivinhações, que conta com o favor dos deuses – para consumar a única coisa que o manteve vivo por tanto tempo.

He writes his name with his staff, and guides it with feet and mouth”

Write thou good niece; and here display, at last,

What God will have discover’d for revenge;

Heaven guide thy pen to print thy sorrows plain,

That we may know the traitors and the truth!

She takes the staff in her mouth, and guides it with her stumps, and writes

TITUS ANDRONICUS

O, do ye read, my lord, what she hath writ?

Stuprum. Chiron. Demetrius.’

MARCUS ANDRONICUS

What, what! the lustful sons of Tamora

Performers of this heinous, bloody deed?

TITUS ANDRONICUS

Magni Dominator poli,¹

Tam lentus audis scelera? tam lentus vides?

¹ Titus, obviamente arrependido de ter apontado Saturnino como o novo imperador, evoca no vernáculo: Ó, Senhor dessa cidade, vês e ouves tu tão horrendos crimes praticados pelos teus?

MARCUS ANDRONICUS

O, calm thee, gentle lord; although I know

There is enough written upon this earth

To stir a mutiny in the mildest thoughts

And arm the minds of infants to exclaims.

My lord, kneel down with me; Lavinia, kneel;

And kneel, sweet boy, the Roman Hector’s hope;¹

And swear with me, as, with the woful fere

And father of that chaste dishonour’d dame,

Lord Junius Brutus² sware for Lucrece’ rape,

That we will prosecute by good advice

Mortal revenge upon these traitorous Goths,

And see their blood, or die with this reproach.”

¹ Numa nação guerreira, de toda criança espera-se que seja um dia um grande herói como o foi o antepassado dos romanos Heitor.

² Referência ao fabuloso Lucius Junius Brutus, um dos vingadores da honra da estuprada Lucrécia (evento já comentado em nota anterior).

You are a young huntsman, Marcus; let it alone;

And, come, I will go get a leaf of brass,

And with a gad of steel will write these words,

And lay it by: the angry northern wind

Will blow these sands, like Sibyl’s leaves, abroad,

And where’s your lesson, then? Boy, what say you?

Young LUCIUS

I say, my lord, that if I were a man,

Their mother’s bed-chamber should not be safe

For these bad bondmen to the yoke of Rome.”

TITUS ANDRONICUS

Come, go with me into mine armoury;

Lucius, I’ll fit thee; and withal, my boy,

Shalt carry from me to the empress’ sons

Presents that I intend to send them both:

Come, come; thou’lt do thy message, wilt thou not?

Young LUCIUS

Ay, with my dagger in their bosoms, grandsire.

TITUS ANDRONICUS

No, boy, not so; I’ll teach thee another course.¹

Lavinia, come. Marcus, look to my house:

Lucius and I’ll go brave it at the court:

Ay, marry, will we, sir; and we’ll be waited on.

Exeunt TITUS, LAVINIA, and Young LUCIUS”

¹ Até nessa sanguinária peça Titus tem um freio para sua ambição de vingança, como “bom velhinho” (digito essas palavras em 24/12): seu neto não precisará se envolver diretamente, sua mensagem será apenas isso: uma mensagem, para trazer a cobra ao covil inóspito dos Andronici. As crianças não precisam participar da orgia de sangue (mais do que já participaram nas guerras de Roma, na frente de batalha, os adolescentes, ou simplesmente perdendo seus pais, os mais jovens).

MARCUS…

Revenge, ye heavens, for old Andronicus!

Exit”

Here comes! Revenge is the true protagonist of this oeuvre:

ACT 4

SCENE II. The same. A room in the palace.

CHIRON

Demetrius, here’s the son of Lucius;

He hath some message to deliver us.

AARON

Ay, some mad message from his mad grandfather.

Young LUCIUS

My lords, with all the humbleness I may,

I greet your honours from Andronicus.

[Aside] And pray the Roman gods confound you both!

DEMETRIUS

Gramercy, lovely Lucius: what’s the news?

Young LUCIUS

[Aside] That you are both decipher’d, that’s the news,

For villains mark’d with rape.–May it please you,

My grandsire, well advised, hath sent by me

The goodliest weapons of his armoury

To gratify your honourable youth,

The hope of Rome; for so he bade me say;

And so I do, and with his gifts present

Your lordships, that, whenever you have need,

You may be armed and appointed well:

And so I leave you both:

[Aside] like bloody villains.

Exeunt Young LUCIUS, and Attendant”

Integer vitae, scelerisque purus,

Non eget Mauri jaculis, nec arcu. »

O, ‘tis a verse in Horace; I know it well:

I read it in the grammar long ago.”

AARON

Now, what a thing it is to be an ass!

Here’s no sound jest! the old man hath found their guilt;

And sends them weapons wrapped about with lines,

That wound, beyond their feeling, to the quick.

But were our witty empress well afoot,

She would applaud Andronicus’ conceit:

But let her rest in her unrest awhile.

And now, young lords, was’t not a happy star

Led us to Rome, strangers, and more than so,

Captives, to be advanced to this height?

It did me good, before the palace gate

To brave the tribune in his brother’s hearing.”

DEMETRIUS

I would we had a thousand Roman dames

At such a bay, by turn to serve our lust.

CHIRON

A charitable wish and full of love.

AARON

Here lacks but your mother for to say amen.¹

CHIRON

And that would she for 20,000 more.

DEMETRIUS

Come, let us go; and pray to all the gods

For our beloved mother in her pains.

AARON

[Aside] Pray to the devils; the gods have given us over.

Trumpets sound within

DEMETRIUS

Why do the emperor’s trumpets flourish thus?

CHIRON

Belike, for joy the emperor hath a son.²

DEMETRIUS

Soft! who comes here?

Enter a Nurse, with a blackamoor Child in her arms

Nurse

Good morr ow, lords:³

O, tell me, did you see Aaron the Moor?

AARON

Well, more or less, or ne’er a whit at all,

Here Aaron is; and what with Aaron now?

Nurse

O gentle Aaron, we are all undone!4

Now help, or woe betide thee evermore!”

¹ Os parvos filhos de Tamora não entenderam o duplo sentido de Aaron – até que ele fosse mais explícito no chiste!

² Não o imperador, mas a imperatriz apenas!

³ Shakespeare não perde uma oportunidade: Good Morning, Good morrow, se torna Good morr [quase good moor]… O espaço confirma que é um chiste intencional.

4 A fala da enfermeira ecoa o própria “pensamento alto” de Aaron de segundos atrás, ou seja: agora há dois grandes problemas para ele e Tamora.

Nurse

Our empress’ shame, and stately Rome’s disgrace!

She is deliver’d, lords; she is deliver’d.”

AARON

Well, God give her good rest! What hath he sent her?

Nurse

A devil.”

Nurse

A joyless, dismal, black, and sorrowful issue:

Here is the babe, as loathsome as a toad¹

Amongst the fairest breeders of our clime:

The empress sends it thee, thy stamp, thy seal,

And bids thee christen it with thy dagger’s point.

AARON

Zounds, ye whore! is black so base a hue?

Sweet blowse, you are a beauteous blossom, sure.

DEMETRIUS

Villain, what hast thou done?

AARON

That which thou canst not undo.

CHIRON

Thou hast undone our mother.

AARON

Villain, I have done thy mother.²

DEMETRIUS

And therein, hellish dog, thou hast undone.

Woe to her chance, and damn’d her loathed choice!³

Accurse[e]d the offspring of so foul a fiend!

CHIRON

It shall not live.

AARON

It shall not die.4

Nurse

Aaron, it must; the mother wills it so.

AARON

What, must it, nurse? then let no man but I

Do execution on my flesh and blood.5

DEMETRIUS

I’ll broach the tadpole on my rapier’s point:

Nurse, give it me; my sword shall soon dispatch it.

AARON

Sooner this sword shall plough thy bowels up.

Takes the Child from the Nurse, and draws

Stay, murderous villains! will you kill your brother?

Now, by the burning tapers of the sky, [pelo sol: vide glossário ao fim]

That shone so brightly when this boy was got,

He dies upon my scimitar’s sharp point

That touches this my first-born son and heir!

I tell you, younglings, not Enceladus,6

With all his threatening band of Typhon’s brood,

Nor great Alcides, nor the god of war,7

Shall seize this prey out of his father’s hands.

What, what, ye sanguine, shallow-hearted boys!

Ye white-limed walls! ye alehouse painted signs!8

Coal-black is better than another hue,

In that it scorns to bear another hue;

For all the water in the ocean

Can never turn the swan’s black legs to white,

Although she lave them hourly in the flood.

Tell the empress from me, I am of age

To keep mine own, excuse it how she can.9

DEMETRIUS

Wilt thou betray thy noble mistress thus?

AARON

My mistress is my mistress; this myself,

The vigour and the picture of my youth:10

This before all the world do I prefer;

This maugre all the world will I keep safe,

Or some of you shall smoke for it in Rome.

DEMETRIUS

By this our mother is forever shamed.

CHIRON

Rome will despise her for this foul escape.

Nurse

The emperor, in his rage, will doom her death.”

¹ Certamente alguém cujo fenótipo “traidor” da traição ao imperador não o qualifica como príncipe, portanto é um sapo.

² E aqui, com 9 meses de retardo, os ineptos filhos de Tamora entenderam que Aaron se convertera em seu padrasto! Os godos são devagar com piadas…

³ “Graças às péssimas escolhas de mamãe, sua sorte de sobreviver e reinar acabaram…”

4 Esse tipo de contraditório transforma esses momentos da peça em comédia – lembra até Chavo del Ocho, se ainda é mais econômico que as tantrums de Seu madruga, Chaves e Quico, p.ex.! Certamente continuaria a comédia pastelão, não fosse pela preocupada intervenção da nurse!

5 O astuto Arão já começa a ganhar tempo… Tanto quanto Demetrius e Chiron são uns parvos e umas lesmas, o mouro pensa rápido!

6 Titã grego e espécie de semi-deus egípcio (a influência da mitologia grega permeia essa identidade), filho de filho do lendário rei Aegyptus (descendente de Belus e Nilus, dois deuses locais, e um dos responsáveis pelo nome Egito). A razão da analogia aqui é que Enceladus termina assassinado.

7 Alcides não é ninguém menos que Hércules em outra denominação. Godo f war poderia ser Zeus, o rei dos deuses, o Ares, especificamente o deus-guerreiro do Olimpo. Repare que o Word auto-corrigiu (auto-errou!) minha digitação de god of war para godo’f war, o que não deixa de nos vir a calhar nesse mar de trocadilhos shakespeariano! Ou seja: ninguém – humano ou deus – assassinará meu filho, quis dizer Aaron.

8 Uma instância de “racismo reverso”, diriam os bolsonaristas! Aaron sabe mesmo como ofender in the brink of an eye (num piscar de olhos); sua língua é tão ferina quanto seus planos são malignos.

9 Ao contrário, primeiro, de seus filhos tão infantis; e ao contrário de seu filho mútuo, ainda um bebê: não importa, ele será seu guardião. Com efeito, essa é a única cena que redime Aaron e talvez não nos permita qualificá-lo como o vilão mais atroz das peças de Shakespeare!

10 “Questões amorosas são questões amorosas – mas aqui se trata de mim, e eu não sou cavalheiro o suficiente para me subordinar a uma imperatriz.”

Fonte: seattleshakespeare.org

AARON

Why, there’s the privilege your beauty bears:

Fie, treacherous hue, that will betray with blushing

The close enacts and counsels of the heart!

Here’s a young lad framed of another leer:

Look, how the black slave smiles upon the father,

As who should say ‘Old lad, I am thine own.’

And from that womb where you imprison’d were

He is enfranchised and come to light:

Nay, he is your brother by the surer side

Although my seal be stamped in his face.”

¹ Alusão a uma mãe ser sempre reconhecível devido a ser a grávida afinal de contas; mas também a Tamora ser a própria rainha de Roma.

Nurse

Aaron, what shall I say unto the empress?

DEMETRIUS

Advise thee, Aaron, what is to be done,

And we will all subscribe to thy advice:

Save thou the child, so we may all be safe.”

Aqui todos os 3 que contrapunham Arão já estão vendidos: foram psicologicamente convencidos, e acabarão morrendo.

DEMETRIUS

How many women saw this child of his?”

Nurse

Cornelia the midwife and myself;

And no one else but the deliver’d empress.

AARON

The empress, the midwife, and yourself:

Two may keep counsel when the third’s away:

Go to the empress, tell her this I said.

He kills the nurse

Weke, weke! so cries a pig prepared to the spit.”

And now be it known to you my full intent.

Not far, one Muli lives, my countryman;

His wife but yesternight was brought to bed;

His child is like to her, fair as you are:

Go pack with him, and give the mother gold,

And tell them both the circumstance of all;

And how by this their child shall be advanced,

And be received for the emperor’s heir,

And substituted in the place of mine,

To calm this tempest whirling in the court;

And let the emperor dandle him for his own.

Hark ye, lords; ye see I have given her physic,

Pointing to the nurse

And you must needs bestow her funeral;

The fields are near, and you are gallant grooms:

This done, see that you take no longer days,

But send the midwife presently to me.

The midwife and the nurse well made away,

Then let the ladies tattle what they please.

CHIRON

Aaron, I see thou wilt not trust the air

With secrets.

DEMETRIUS

For this care of Tamora,

Herself and hers are highly bound to thee.

Exeunt DEMETRIUS and CHIRON bearing off the Nurse’s body”

O tropo das crianças trocadas no berço é um dos mais antigos da humanidade, e Sh. como bom dramaturgo, que aumenta as coisas pequenas e reles, não hesita em usá-lo.

Come on, you thick lipp’d slave, I’ll bear you hence;

For it is you that puts us to our shifts:

I’ll make you feed on berries and on roots,

And feed on curds and whey, and suck the goat,

And cabin in a cave, and bring you up

To be a warrior, and command a camp.

Exit”

Ah, como o próprio Arão não deixa o sarcasmo de lado e a auto-imolação ao conversar com e qualificar seu próprio filho! A caverna, sempre a caverna, é a origem de muitas conseqüências interessantes em Titus Andronicus

ACT 4

SCENE III. The same. A public place.

Ah, Rome! Well, well; I made thee miserable

What time I threw the people’s suffrages

On him that thus doth tyrannize o’er me.

Go, get you gone; and pray be careful all,

And leave you not a man-of-war unsearch’d:

This wicked emperor may have shipp’d her hence;

And, kinsmen, then we may go pipe for justice.”

MARCUS ANDRONICUS

Kinsmen, his sorrows are past remedy.

Join with the Goths; and with revengeful war

Take wreak on Rome for this ingratitude,

And vengeance on the traitor Saturnine.

TITUS ANDRONICUS

Publius, how now! how now, my masters!

What, have you met with her?

PUBLIUS

No, my good lord; but Pluto sends you word,

If you will have Revenge from hell, you shall:

Marry, for Justice, she is so employ’d,

He thinks, with Jove in heaven, or somewhere else,

So that perforce you must needs stay a time.”

I’ll dive into the burning lake below,

And pull her out of Acheron by the heels.

Marcus, we are but shrubs, no cedars we

No big-boned men framed of the Cyclops’ size;

But metal, Marcus, steel to the very back,

Yet wrung with wrongs more than our backs can bear:

And, sith there’s no justice in earth nor hell,

We will solicit heaven and move the gods

To send down Justice for to wreak our wrongs.”

To Saturn, Caius, not to Saturnine

You were as good to shoot against the wind.

To it, boy! Marcus, loose when I bid.

Of my word, I have written to effect;

There’s not a god left unsolicited.”

¹ Trocadilho com Saturno ou Cronos, o deus do tempo: o tempo de Saturnino está expirando…

MARCUS ANDRONICUS

Kinsmen, shoot all your shafts into the court:

We will afflict the emperor in his pride.”

TITUS ANDRONICUS

Ha, ha!

Publius, Publius, what hast thou done?

See, see, thou hast shot off one of Taurus’ horns.”

And who should find them but the empress’ villain?

She laugh’d, and told the Moor he should not choose

But give them to his master for a present.”

Clown

Alas, sir, I know not Jupiter; I never drank with him

in all my life.”

TITUS ANDRONICUS

Then here is a supplication for you. And when you

come to him, at the first approach you must kneel,

then kiss his foot, then deliver up your pigeons, and

then look for your reward. I’ll be at hand, sir; see

you do it bravely.

Clown

I warrant you, sir, let me alone.”

ACT 4

SCENE IV. The same. Before the palace.

Sweet scrolls to fly about the streets of Rome!

What’s this but libelling against the senate,

And blazoning our injustice every where?

A goodly humour, is it not, my lords?

As who would say, in Rome no justice were.

But if I live, his feigned ecstasies

Shall be no shelter to these outrages:

But he and his shall know that justice lives

In Saturninus’ health, whom, if she sleep,

He’ll so awake as she in fury shall

Cut off the proud’st conspirator that lives.”

TAMORA

My gracious lord, my lovely Saturnine,

Lord of my life, commander of my thoughts,

Calm thee, and bear the faults of Titus’ age,

The effects of sorrow for his valiant sons,

Whose loss hath pierced him deep and scarr’d his heart;

And rather comfort his distressed plight

Than prosecute the meanest or the best

For these contempts.”

Why, thus it shall become

High-witted Tamora to gloze with all:

But, Titus, I have touched thee to the quick,

Thy life-blood out: if Aaron now be wise,

Then is all safe, the anchor’s in the port.”

Clown

Tis he. God and Saint Stephen¹ give you good den:

I have brought you a letter and a couple of pigeons here.

SATURNINUS reads the letter

SATURNINUS

Go, take him away, and hang him presently.

Clown

How much money must I have?

TAMORA

Come, sirrah, you must be hanged.

Clown

Hanged! by’r lady, then I have brought up a neck to

a fair end.

Exit, guarded”

¹ Santo Stefano ou Estêvão é o primeiro santo canonizado pela igreja católica. Teria nascido em 5 a.C. e morrido em 34 d.C., um ano após a crucificação de Cristo, sendo um de seus primeiros pregadores (foi morto por apedrejamento sentenciado pelos judeus romanos). Sua data de celebração é 26 de dezembro, mesma da publicação desse post e da escrita desse parágrafo. Por que pela primeira vez Shakespeare cita um elemento posterior ao paganismo greco-romano? Talvez para indicar a proximidade de uma transição de poder…

May this be borne?–as if his traitorous sons,

That died by law for murder of our brother,

Have by my means been butcher’d wrongfully!

Go, drag the villain hither by the hair;

Nor age nor honour shall shape privilege:

For this proud mock I’ll be thy slaughterman;

Sly frantic wretch, that holp’st to make me great,

In hope thyself should govern Rome and me.”

AEMILIUS

Arm, arm, my lord;–Rome never had more cause.

The Goths have gather’d head; and with a power

high-resolved men, bent to the spoil,

They hither march amain, under conduct

Of Lucius, son to old Andronicus;

Who threats, in course of this revenge, to do

As much as ever Coriolanus did.

SATURNINUS

Is warlike Lucius general of the Goths?

These tidings nip me, and I hang the head

As flowers with frost or grass beat down with storms:

Ay, now begin our sorrows to approach:

Tis he the common people love so much;

Myself hath often over-heard them say,

When I have walked like a private man,

That Lucius’ banishment was wrongfully,

And they have wish’d that Lucius were their emperor.”

TAMORA

King, be thy thoughts imperious, like thy name.

Is the sun dimm’d, that gnats do fly in it?

The eagle suffers little birds to sing,

And is not careful what they mean thereby,

Knowing that with the shadow of his wings

He can at pleasure stint their melody:

Even so mayst thou the giddy men of Rome.”

I will enchant the old Andronicus

With words more sweet, and yet more dangerous,

Than baits to fish, or honey-stalks to sheep,

When as the one is wounded with the bait,

The other rotted with delicious feed.”

I can smooth and fill his aged ear with golden promises; that, were his heart almost impregnable, his old ears deaf, yet should both ear and heart obey my tongue.”

To Aemilius

Go thou before, be our ambassador:

Say that the emperor requests a parley

Of warlike Lucius, and appoint the meeting

Even at his father’s house, the old Andronicus.

SATURNINUS

Aemilius, do this message honourably:

And if he stand on hostage for his safety,

Bid him demand what pledge will please him best.”

TAMORA

Now will I to that old Andronicus;

And temper him with all the art I have,

To pluck proud Lucius from the warlike Goths.”

ACT 5

SCENE I. Plains near Rome.

First Goth

Brave slip, sprung from the great Andronicus,

Whose name was once our terror, now our comfort;

Whose high exploits and honourable deeds

Ingrateful Rome requites with foul contempt,

Be bold in us: we’ll follow where thou lead’st,

Like stinging bees in hottest summer’s day

Led by their master to the flowered fields,

And be avenged on cursed Tamora.

All the Goths

And as he saith, so say we all with him.”

Second Goth

Renowned Lucius, from our troops I stray’d

To gaze upon a ruinous monastery;

And, as I earnestly did fix mine eye

Upon the wasted building, suddenly

I heard a child cry underneath a wall.

I made unto the noise; when soon I heard

The crying babe controll’d with this discourse:

Peace, tawny slave, half me and half thy dam!

Did not thy hue bewray whose brat thou art,

Had nature lent thee but thy mother’s look,

Villain, thou mightst have been an emperor:

But where the bull and cow are both milk-white,

They never do beget a coal-black calf.

Peace, villain, peace!’–even thus he rates

the babe,–

For I must bear thee to a trusty Goth;

Who, when he knows thou art the empress’ babe,

Will hold thee dearly for thy mother’s sake.’

With this, my weapon drawn, I rush’d upon him,

Surprised him suddenly, and brought him hither,

To use as you think needful of the man.

LUCIUS

O worthy Goth, this is the incarnate devil

That robb’d Andronicus of his good hand;

This is the pearl that pleased your empress’ eye,

And here’s the base fruit of his burning lust.

Say, wall-eyed slave, whither wouldst thou convey

This growing image of thy fiend-like face?

Why dost not speak? what, deaf? not a word?

A halter, soldiers! hang him on this tree.

And by his side his fruit of bastardy.”

AARON

An if it please thee! why, assure thee, Lucius,

Twill vex thy soul to hear what I shall speak;

For I must talk of murders, rapes and massacres,

Acts of black night, abominable deeds,

Complots of mischief, treason, villanies

Ruthful to hear, yet piteously perform’d:

And this shall all be buried by my death,

Unless thou swear to me my child shall live.”

LUCIUS

Who should I swear by? thou believest no god:

That granted, how canst thou believe an oath?

AARON

What if I do not? as, indeed, I do not;

Yet, for I know thou art religious

And hast a thing within thee called conscience,

With 20 popish tricks and ceremonies,

Which I have seen thee careful to observe,

Therefore I urge thy oath; for that I know

An idiot holds his bauble for a god

And keeps the oath which by that god he swears,

To that I’ll urge him: therefore thou shalt vow

By that same god, what god soe’er it be,

That thou adorest and hast in reverence,

To save my boy, to nourish and bring him up;

Or else I will discover nought to thee.”

AARON

First know thou, I begot him on the empress.

LUCIUS

O most insatiate and luxurious woman!

AARON

Tut, Lucius, this was but a deed of charity

To that which thou shalt hear of me anon.

Twas her two sons that murder’d Bassianus;

They cut thy sister’s tongue and ravish’d her

And cut her hands and trimm’d her as thou saw’st.

LUCIUS

O detestable villain! call’st thou that trimming?

AARON

Why, she was wash’d and cut and trimm’d, and ‘twas

Trim sport for them that had the doing of it.”

AARON

I train’d thy brethren to that guileful hole

Where the dead corpse of Bassianus lay:

I wrote the letter that thy father found

And hid the gold within the letter mention’d,

Confederate with the queen and her two sons:

And what not done, that thou hast cause to rue,

Wherein I had no stroke of mischief in it?

I play’d the cheater for thy father’s hand,

And, when I had it, drew myself apart

And almost broke my heart with extreme laughter:

I pry’d me through the crevice of a wall

When, for his hand, he had his two sons’ heads;

Beheld his tears, and laugh’d so heartily,

That both mine eyes were rainy like to his:

And when I told the empress of this sport,

She swooned almost at my pleasing tale,

And for my tidings gave me 20 kisses.

First Goth

What, canst thou say all this, and never blush?

AARON

Ay, like a black dog, as the saying is.

LUCIUS

Art thou not sorry for these heinous deeds?

AARON

Ay, that I had not done a thousand more.

Even now I curse the day–and yet, I think,

Few come within the compass of my curse,–

Wherein I did not some notorious ill,

As kill a man, or else devise his death,

Ravish a maid, or plot the way to do it,

Accuse some innocent and forswear myself,

Set deadly enmity between two friends,

Make poor men’s cattle break their necks;

Set fire on barns and hay-stacks in the night,

And bid the owners quench them with their tears.

Oft have I digg’d up dead men from their graves,

And set them upright at their dear friends’ doors,

Even when their sorrows almost were forgot;

And on their skins, as on the bark of trees,

Have with my knife carved in Roman letters,

Let not your sorrow die, though I am dead.’

Tut, I have done a thousand dreadful things

As willingly as one would kill a fly,

And nothing grieves me heartily indeed

But that I cannot do ten thousand more.

LUCIUS

Bring down the devil; for he must not die

So sweet a death as hanging presently.

AARON

If there be devils, would I were a devil,

To live and burn in everlasting fire,

So I might have your company in hell,

But to torment you with my bitter tongue!

LUCIUS

Sirs, stop his mouth, and let him speak no more.

Enter a Goth

Third Goth

My lord, there is a messenger from Rome

Desires to be admitted to your presence.

LUCIUS

Let him come near.

Enter AEMILIUS

Welcome, Aemilius what’s the news from Rome?”

LUCIUS

Aemilius, let the emperor give his pledges

Unto my father and my uncle Marcus,

And we will come. March away.

Exeunt”

ACT 5

SCENE II. Rome. Before TITUS’ house.

TAMORA

Thus, in this strange and sad habiliment,

I will encounter with Andronicus,

And say I am Revenge, sent from below

To join with him and right his heinous wrongs.

Knock at his study, where, they say, he keeps,

To ruminate strange plots of dire revenge;

Tell him Revenge is come to join with him,

And work confusion on his enemies.

They knock

Enter TITUS, above”

TAMORA

If thou didst know me, thou wouldest talk with me.

TITUS ANDRONICUS

I am not mad; I know thee well enough:

Witness this wretched stump, witness these crimson lines;

Witness these trenches made by grief and care,

Witness the tiring day and heavy night;

Witness all sorrow, that I know thee well

For our proud empress, mighty Tamora:

Is not thy coming for my other hand?

TAMORA

Know, thou sad man, I am not Tamora;

She is thy enemy, and I thy friend:

I am Revenge: sent from the infernal kingdom,

To ease the gnawing vulture of thy mind,

By working wreakful vengeance on thy foes.

Come down, and welcome me to this world’s light;

Confer with me of murder and of death:

There’s not a hollow cave or lurking-place,

No vast obscurity or misty vale,

Where bloody murder or detested rape

Can couch for fear, but I will find them out;

And in their ears tell them my dreadful name,

Revenge, which makes the foul offender quake.

TITUS ANDRONICUS

Art thou Revenge? and art thou sent to me,

To be a torment to mine enemies?

TAMORA

I am; therefore come down, and welcome me.

TITUS ANDRONICUS

Do me some service, ere I come to thee.

Lo, by thy side where Rape and Murder stands; [os dois irmãos estupradores de Lavínia]

Now give me some surance that thou art Revenge,

Stab them, or tear them on thy chariot-wheels;

And then I’ll come and be thy waggoner,

And whirl along with thee about the globe.”

TAMORA

These are my ministers, and come with me.

TITUS ANDRONICUS

Are these thy ministers? what are they call’d?

TAMORA

Rapine and Murder; therefore called so,

Cause they take vengeance of such kind of men.

TITUS ANDRONICUS

Good Lord, how like the empress’ sons they are!

And you, the empress! but we worldly men

Have miserable, mad, mistaking eyes.

O sweet Revenge, now do I come to thee;

And, if one arm’s embracement will content thee,

I will embrace thee in it by and by.

Exit above”

Whate’er I forge to feed his brain-sick fits,

Do you uphold and maintain in your speeches,

For now he firmly takes me for Revenge;

And, being credulous in this mad thought,

I’ll make him send for Lucius his son;

And, whilst I at a banquet hold him sure,

I’ll find some cunning practise out of hand,

To scatter and disperse the giddy Goths,

Or, at the least, make them his enemies.”

TITUS ANDRONICUS

Long have I been forlorn, and all for thee:

Welcome, dread Fury, to my woful house:

Rapine and Murder, you are welcome too.

How like the empress and her sons you are!

Well are you fitted, had you but a Moor:

Could not all hell afford you such a devil?

For well I wot the empress never wags

But in her company there is a Moor;

And, would you represent our queen aright,

It were convenient you had such a devil:

But welcome, as you are. What shall we do?”

TAMORA

Show me a thousand that have done thee wrong,

And I will be revenged on them all.

TITUS ANDRONICUS

Look round about the wicked streets of Rome;

And when thou find’st¹ a man that’s like thyself.

Good Murder, stab him; he’s a murderer.

Go thou with him; and when it is thy hap

To find another that is like to thee,

Good Rapine, stab him; he’s a ravisher.

Go thou with them; and in the emperor’s court

There is a queen, attended by a Moor;

Well mayst thou know her by thy own proportion,

for up and down she doth resemble thee:

I pray thee, do on them some violent death;

They have been violent to me and mine.

TAMORA

Well hast thou lesson’d us; this shall we do.

But would it please thee, good Andronicus,

To send for Lucius, thy thrice-valiant son,

Who leads towards Rome a band of warlike Goths,

And bid him come and banquet at thy house;

When he is here, even at thy solemn feast,

I will bring in the empress and her sons,

The emperor himself and all thy foes;

And at thy mercy shalt they stoop and kneel,

And on them shalt thou ease thy angry heart.

What says Andronicus to this device?”

¹ Muito estranho que a grafia (os apóstrofos no lugar do ‘e’) variem durante a peça. Será exato?

TITUS ANDRONICUS

Nay, nay, let Rape and Murder stay with me;

Or else I’ll call my brother back again,

And cleave to no revenge but Lucius.

TAMORA

[Aside to her sons] What say you, boys? will you

bide with him,

Whiles I go tell my lord the emperor

How I have govern’d our determined jest?

Yield to his humour, smooth and speak him fair,

And tarry with him till I turn again.”

DEMETRIUS

Madam, depart at pleasure; leave us here.

TAMORA

Farewell, Andronicus: Revenge now goes

To lay a complot to betray thy foes.”

TITUS ANDRONICUS

Fie, Publius, fie! thou art too much deceived;

The one is Murder, Rape is the other’s name;

And therefore bind them, gentle Publius.

Caius and Valentine, lay hands on them.

Oft have you heard me wish for such an hour,

And now I find it; therefore bind them sure,

And stop their mouths, if they begin to cry.

Exit

PUBLIUS, &c. lay hold on CHIRON and DEMETRIUS”

Re-enter TITUS, with LAVINIA; he bearing a knife, and she a basin [como, na cabeça?!]

TITUS ANDRONICUS

Here stands the spring whom you have stain’d with mud,

This goodly summer with your winter mix’d.

You kill’d her husband, and for that vile fault

Two of her brothers were condemn’d to death,

My hand cut off and made a merry jest;

Both her sweet hands, her tongue, and that more dear

Than hands or tongue, her spotless chastity,

Inhuman traitors, you constrain’d and forced.

What would you say, if I should let you speak?

Hark, wretches! how I mean to martyr you.

This one hand yet is left to cut your throats,

Whilst that Lavinia ‘tween her stumps doth hold

The basin that receives your guilty blood.

You know your mother means to feast with me,

And calls herself Revenge, and thinks me mad:

Hark, villains! I will grind your bones to dust

And with your blood and it I’ll make a paste,

And of the paste a coffin I will rear

And make two pasties of your shameful heads,

And bid that strumpet, your unhallow’d dam,

Like to the earth swallow her own increase.

This is the feast that I have bid her to,

And this the banquet she shall surfeit on;

For worse than Philomel you used my daughter,

And worse than Progne I will be revenged:

And now prepare your throats. Lavinia, come,

He cuts their throats

Receive the blood: and when that they are dead,

Let me go grind their bones to powder small

And with this hateful liquor temper it;

And in that paste let their vile heads be baked.

Come, come, be every one officious

To make this banquet; which I wish may prove

More stern and bloody than the Centaurs’ feast.”¹

¹ O Centauro (ou Minotauro, o que é uma figura diferente, mas que às vezes se confunde – um seria um homem-cavalo o outro um homem-touro, o primeiro sendo animal na metade inferior, o segundo no hemisfério superior, isto é, sua cabeça é que seria de touro, enquanto não passaria de um bípede ereto) da mitologia grega que comia virgens entregas como tributo pela ilha de Creta.

ACT 5

SCENE III. Court of TITUS’ house. A banquet set out. [DESFECHO]

LUCIUS

Good uncle, take you in this barbarous Moor,

This ravenous tiger, this accursed devil;

Let him receive no sustenance, fetter him

Till he be brought unto the empress’ face,

For testimony of her foul proceedings:

And see the ambush of our friends be strong;

I fear the emperor means no good to us.”

The trumpets show the emperor is at hand.

Enter SATURNINUS and TAMORA, with AEMILIUS, Tribunes, Senators, and others”

MARCUS ANDRONICUS

Rome’s emperor, and nephew, break the parle;

These quarrels must be quietly debated.

The feast is ready, which the careful Titus

Hath ordain’d to an honourable end,

For peace, for love, for league, and good to Rome:

Please you, therefore, draw nigh, and take your places.”

Enter TITUS dressed like a Cook, LAVINIA veiled, Young LUCIUS, and others. TITUS places the dishes on the table”

TITUS ANDRONICUS

My lord the emperor, resolve me this:

Was it well done of rash Virginius

To slay his daughter with his own right hand,

Because she was enforced, stain’d, and deflower’d?¹

SATURNINUS

It was, Andronicus.

TITUS ANDRONICUS

Your reason, mighty lord?

SATURNINUS

Because the girl should not survive her shame,

And by her presence still renew his sorrows.

TITUS ANDRONICUS

A reason mighty, strong, and effectual;

A pattern, precedent, and lively warrant,

For me, most wretched, to perform the like.

Die, die, Lavinia, and thy shame with thee;

Kills LAVINIA

And, with thy shame, thy father’s sorrow die!”

Que personagem, Shakespeare! Que personagem!

¹ A origem de uma lei romana que inocentou o pai de Virgínia quando este a matou para preservar-lhe a virgindade. Muitos sustentam que Lucrécia e Virgínia não passam de figuras mitológicas.

SATURNINUS

What hast thou done, unnatural and unkind?

TITUS ANDRONICUS

Kill’d her, for whom my tears have made me blind.

I am as woful as Virginius was,

And have a thousand times more cause than he

To do this outrage: and it now is done.

SATURNINUS

What, was she ravish’d? tell who did the deed.

TITUS ANDRONICUS

Will’t please you eat? will’t please your

highness feed?

TAMORA

Why hast thou slain thine only daughter thus?

TITUS ANDRONICUS

Not I; ‘twas Chiron and Demetrius:

They ravish’d her, and cut away her tongue;

And they, ‘twas they, that did her all this wrong.

SATURNINUS

Go fetch them hither to us presently.

TITUS ANDRONICUS

Why, there they are both, baked in that pie;

Whereof their mother daintily hath fed,

Eating the flesh that she herself hath bred.

Tis true, ‘tis true; witness my knife’s sharp point.

Kills TAMORA

SATURNINUS

Die, frantic wretch, for this accursed deed!

Kills TITUS

LUCIUS

Can the son’s eye behold his father bleed?

There’s meed for meed, death for a deadly deed!

Kills SATURNINUS. A great tumult. LUCIUS, MARCUS, and others go up into the balcony”

MARCUS ANDRONICUS

O, let me teach you how to knit again

This scatter’d corn into one mutual sheaf,

These broken limbs again into one body;

Lest Rome herself be bane unto herself,

And she whom mighty kingdoms court’sy to,

Like a forlorn and desperate castaway,

Do shameful execution on herself.

But if my frosty signs and chaps of age,

Grave witnesses of true experience,

Cannot induce you to attend my words,

To LUCIUS

Speak, Rome’s dear friend, as erst our ancestor,

When with his solemn tongue he did discourse

To love-sick Dido’s sad attending ear

The story of that baleful burning night

When subtle Greeks surprised King Priam’s Troy,

Tell us what Sinon hath bewitch’d our ears,¹

Or who hath brought the fatal engine in

That gives our Troy, our Rome, the civil wound.

But floods of tears will drown my oratory,

And break my utterance, even in the time

When it should move you to attend me most,

Lending your kind commiseration.

Here is a captain, let him tell the tale;

Your hearts will throb and weep to hear him speak.”

¹ Quem convence os troianos a abrirem o portão para receber a prenda do cavalo de madeira (Eneida).

Alas, you know I am no vaunter, I;

My scars can witness, dumb although they are,

That my report is just and full of truth.

But, soft! methinks I do digress too much,

Citing my worthless praise: O, pardon me;

For when no friends are by, men praise themselves.”

MARCUS ANDRONICUS

Now judge what cause had Titus to revenge

These wrongs, unspeakable, past patience,

Or more than any living man could bear.

Now you have heard the truth, what say you, Romans?

Have we done aught amiss,–show us wherein,

And, from the place where you behold us now,

The poor remainder of Andronici

Will, hand in hand, all headlong cast us down.

And on the ragged stones beat forth our brains,

And make a mutual closure of our house.

Speak, Romans, speak; and if you say we shall,

Lo, hand in hand, Lucius and I will fall.

AEMILIUS

Come, come, thou reverend man of Rome,

And bring our emperor gently in thy hand,

Lucius our emperor; for well I know

The common voice do cry it shall be so.

All

Lucius, all hail, Rome’s royal emperor!

MARCUS ANDRONICUS

Go, go into old Titus’ sorrowful house,

To Attendants

And hither hale that misbelieving Moor,

To be adjudged some direful slaughtering death,

As punishment for his most wicked life.”

O, take this warm kiss on thy pale cold lips,

Kissing TITUS

These sorrowful drops upon thy blood-stain’d face,

The last true duties of thy noble son!”

LUCIUS

Come hither, boy; come, come, and learn of us

To melt in showers: thy grandsire loved thee well:

Many a time he danced thee on his knee,

Sung thee asleep, his loving breast thy pillow:

Many a matter hath he told to thee,

Meet and agreeing with thine infancy;

In that respect, then, like a loving child,

Shed yet some small drops from thy tender spring,

Because kind nature doth require it so:

Friends should associate friends in grief and woe:

Bid him farewell; commit him to the grave;

Do him that kindness, and take leave of him.

Young LUCIUS

O grandsire, grandsire! even with all my heart

Would I were dead, so you did live again!

O Lord, I cannot speak to him for weeping;

My tears will choke me, if I ope my mouth.¹

Re-enter Attendants with AARON

AEMILIUS

You sad Andronici, have done with woes:

Give sentence on this execrable wretch,

That hath been breeder of these dire events.

LUCIUS

Set him breast-deep in earth, and famish him;

There let him stand, and rave, and cry for food;

If any one relieves or pities him,

For the offence he dies. This is our doom:

Some stay to see him fasten’d in the earth.”

¹ Sem dúvida não importa como intercalemos a leitura desta peça, ficamos exaustos ao final, tantas as lágrimas vertidas!

Ten thousand worse than ever yet I did

Would I perform, if I might have my will;

If one good deed in all my life I did,

I do repent it from my very soul.”

Que falastrão o Seu Arão! E gosta dos números 20 e 10 mil!

As for that heinous tiger, Tamora,

No funeral rite, nor man in mourning weeds,

No mournful bell shall ring her burial;

But throw her forth to beasts and birds of prey:

Her life was beast-like, and devoid of pity;

And, being so, shall have like want of pity.

See justice done on Aaron, that damn’d Moor,

By whom our heavy haps had their beginning:

Then, afterwards, to order well the State,

That like events may ne’er it ruinate.

Exeunt”

GLOSSÁRIO:

adder: víbora

blowse: mulher envergonhada, de face rubra

dainty doe: corça delicada

desert (em Shakespeare): “often deserts

Something that is deserved or merited, especially a punishment: They got their just deserts when the scheme was finally uncovered.” Punição ou mérito.

lark: cotovia

leer: olhar malicioso

maugre: obsoleto para guilty pleasure (prazer culposo, coisa má que defendo com todas as forças, embora talvez um pouco envergonhado, etc.)

peal: ribombar

shive: nesse contexto, rolha

spleenful: irritável(is)

stag: veado

stumps: toco, coto, cotoco

tadpole: girino

taper(s): nas três citações da peça, vela(s)

trull: prostituta, do alemão Trulle

MUCH ADO ABOUT NOTHING

SCENE I. Before LEONATO’S house.

there appears much joy in him (…) joy could not show itself modest enough without a badge of bitterness.”

LEONATO

How much better is it to weep at joy than to joy at weeping!”

BEATRICE

I pray you, how many hath he killed and eaten in these wars? But how many hath he killed? for indeed I promised to eat all of his killing.”

You had musty victual, and he hath holp to eat it”

Você tinha carne podre, e ele ajudou a comê-la”

LEONATO

You must not, sir, mistake my niece. There is a

kind of merry war betwixt Signior Benedick and her:

they never meet but there’s a skirmish of wit

between them.”

BEATRICE

Who is his companion now? He hath every month a new sworn brother.”

he wears his faith but as the fashion of his hat”

Messenger

I see, lady, the gentleman is not in your books.

BEATRICE

No; an he were, I would burn my study.”

LEONATO

You will never run mad, niece.

BEATRICE

No, not till a hot January.”

DON PEDRO

Good Signior Leonato, you are come to meet your

trouble: the fashion of the world is to avoid

cost, and you encounter it.

LEONATO

Never came trouble to my house in the likeness of

your grace: for trouble being gone, comfort should

remain; but when you depart from me, sorrow abides

and happiness takes his leave.

DON PEDRO

You embrace your charge too willingly. I think this

is your daughter.

LEONATO

Her mother hath many times told me so.”

BEATRICE

Is it possible disdain should die while she hath

such meet food to feed it as Signior Benedick?

Courtesy itself must convert to disdain, if you come

in her presence.”

But it is certain I am loved of all ladies, only you excepted: and I would I could find in my heart that I had not a hard heart; for, truly, I love none.”

I had rather hear my dog bark at a crow than a man swear he loves me.”

BENEDICK

God keep your ladyship still in that mind! so some

gentleman or other shall ‘scape a predestinate

scratched face.

BEATRICE

Scratching could not make it worse, an ‘twere such

a face as yours were.

BENEDICK

Well, you are a rare parrot-teacher.

BEATRICE

A bird of my tongue is better than a beast of yours.”

Exeunt all except BENEDICK and CLAUDIO

CLAUDIO

Benedick, didst thou note the daughter of Signior Leonato?

BENEDICK

I noted her not; but I looked on her.

CLAUDIO

Is she not a modest young lady?

BENEDICK

Do you question me, as an honest man should do, for

my simple true judgment; or would you have me speak

after my custom, as being a professed tyrant to their sex?

CLAUDIO

No; I pray thee speak in sober judgment.

BENEDICK

Why, i’ faith, methinks she’s too low for a high

praise, too brown for a fair praise and too little

for a great praise: only this commendation I can

afford her, that were she other than she is, she

were unhandsome; and being no other but as she is, I

do not like her.

CLAUDIO

Thou thinkest I am in sport: I pray thee tell me

truly how thou likest her.

BENEDICK

Would you buy her, that you inquire after her?

CLAUDIO

Can the world buy such a jewel?”

Come, in what key shall a man take you, to go in the song?”

In mine eye she is the sweetest lady that ever I looked on.”

BENEDICK

I can see yet without spectacles and I see no such

matter: there’s her cousin, an she were not

possessed with a fury, exceeds her as much in beauty

as the first of May doth the last of December. But I

hope you have no intent to turn husband, have you?

CLAUDIO

I would scarce trust myself, though I had sworn the

contrary, if Hero would be my wife.”

DON PEDRO

I charge thee on thy allegiance.

BENEDICK

You hear, Count Claudio: I can be secret as a dumb

man; I would have you think so; but, on my

allegiance, mark you this, on my allegiance. He is

in love. With who? now that is your grace’s part.

Mark how short his answer is;–With Hero, Leonato’s

short daughter.

CLAUDIO

If this were so, so were it uttered.”

CLAUDIO

If my passion change not shortly, God forbid it

should be otherwise.

DON PEDRO

Amen, if you love her; for the lady is very well worthy.”

Bateu os olhos e não encontrou obstáculos.

Bateu nela os olhos e sentiu dor, pois ela era muito pontuda.

Comenos o come-nos.

BENEDICK

That I neither feel how she should be loved nor

know how she should be worthy, is the opinion that

fire cannot melt out of me: I will die in it at the stake.”

BENEDICK

That a woman conceived me, I thank her; that she

brought me up, I likewise give her most humble

thanks: but that I will have a recheat winded in my

forehead, or hang my bugle in an invisible baldrick,

all women shall pardon me. Because I will not do

them the wrong to mistrust any, I will do myself the

right to trust none; and the fine is, for the which

I may go the finer, I will live a bachelor.

DON PEDRO

I shall see thee, ere I die, look pale with love.

BENEDICK

With anger, with sickness, or with hunger, my lord,

not with love: prove that ever I lose more blood

with love than I will get again with drinking, pick

out mine eyes with a ballad-maker’s pen and hang me

up at the door of a brothel-house for the sign of

blind Cupid.

DON PEDRO

Well, if ever thou dost fall from this faith, thou

wilt prove a notable argument.

BENEDICK

If I do, hang me in a bottle like a cat and shoot

at me; and he that hits me, let him be clapped on

the shoulder, and called Adam.

DON PEDRO

Well, as time shall try: ‘In time the savage bull

doth bear the yoke.’

BENEDICK

The savage bull may; but if ever the sensible

Benedick bear it, pluck off the bull’s horns and set

them in my forehead: and let me be vilely painted,

and in such great letters as they write ‘Here is

good horse to hire,’ let them signify under my sign

Here you may see Benedick the married man.’

CLAUDIO

If this should ever happen, thou wouldst be horn-mad.

DON PEDRO

Nay, if Cupid have not spent all his quiver in

Venice, thou wilt quake for this shortly.”

BENEDICK

Nay, mock not, mock not. The body of your

discourse is sometime guarded with fragments, and

the guards are but slightly basted on neither: ere

you flout old ends any further, examine your

conscience: and so I leave you.

Exit

CLAUDIO

Hath Leonato any son, my lord?

DON PEDRO

No child but Hero; she’s his only heir.

Dost thou affect her, Claudio?”

I liked her ere I went to wars.”

DON PEDRO

Thou wilt be like a lover presently

And tire the hearer with a book of words.

If thou dost love fair Hero, cherish it,

And I will break with her and with her father,

And thou shalt have her. Was’t not to this end

That thou began’st to twist so fine a story?”

DON PEDRO

What need the bridge much broader than the flood?

The fairest grant is the necessity.

Look, what will serve is fit: ‘tis once, thou lovest,

And I will fit thee with the remedy.

I know we shall have revelling to-night:

I will assume thy part in some disguise

And tell fair Hero I am Claudio,

And in her bosom I’ll unclasp my heart

And take her hearing prisoner with the force

And strong encounter of my amorous tale:

Then after to her father will I break;

And the conclusion is, she shall be thine.

In practise let us put it presently.

Exeunt

SCENE II. A room in LEONATO’s house.

ANTONIO

The prince and Count

Claudio, walking in a thick-pleached alley in mine

orchard, were thus much overheard by a man of mine:

the prince discovered to Claudio that he loved my

niece your daughter and meant to acknowledge it

this night in a dance: and if he found her

accordant, he meant to take the present time by the

top and instantly break with you of it.”

LEONATO

No, no; we will hold it as a dream till it appear

itself: but I will acquaint my daughter withal,

that she may be the better prepared for an answer,

if peradventure this be true. Go you and tell her of it.”

SCENE III. The same.

DON JOHN

I cannot hide

what I am: I must be sad when I have cause and smile

at no man’s jests, eat when I have stomach and wait

for no man’s leisure, sleep when I am drowsy and

tend on no man’s business, laugh when I am merry and

claw no man in his humour.”

“…If I had my

mouth, I would bite; if I had my liberty, I would do

my liking: in the meantime let me be that I am and

seek not to alter me.”

ACT 2

SCENE I. A hall in LEONATO’S house.

BEATRICE

How tartly that gentleman looks! I never can see

him but I am heart-burned an hour after.

HERO

He is of a very melancholy disposition.

BEATRICE

He were an excellent man that were made just in the

midway between him and Benedick: the one is too

like an image and says nothing, and the other too

like my lady’s eldest son, evermore tattling.

LEONATO

Then half Signior Benedick’s tongue in Count John’s

mouth, and half Count John’s melancholy in Signior

Benedick’s face,–

BEATRICE

With a good leg and a good foot, uncle, and money

enough in his purse, such a man would win any woman

in the world, if a’ could get her good-will.

LEONATO

By my troth, niece, thou wilt never get thee a

husband, if thou be so shrewd of thy tongue.

ANTONIO

In faith, she’s too curst.

BEATRICE

Too curst is more than curst: I shall lessen God’s

sending that way; for it is said, ‘God sends a curst

cow short horns;’ but to a cow too curst he sends none.”

“…Lord, I could not endure a husband with a beard on his face: I had rather lie in the woollen.”

He that hath a beard is more than a youth, and he that hath no beard is less than a man: and he that is more than a youth is not for me, and he that is less than a man, I am not for him: therefore, I will even take 6-pence in earnest of the bear-ward, [constelação vizinha da Ursa Maior] and lead his apes into hell.”

LEONATO

Well, then, go you into hell?

BEATRICE

No, but to the gate; and there will the devil meet

me, like an old cuckold, with horns on his head, and

say ‘Get you to heaven, Beatrice, get you to

heaven; here’s no place for you maids:’ so deliver

I up my apes, and away to Saint Peter for the

heavens; he shows me where the bachelors sit, and

there live we as merry as the day is long.

ANTONIO

[To HERO] Well, niece, I trust you will be ruled

by your father.”

BEATRICE

Not till God make men of some other metal than

earth. Would it not grieve a woman to be

overmastered with a pierce of valiant dust? to make

an account of her life to a clod of wayward marl?

No, uncle, I’ll none: Adam’s sons are my brethren;

and, truly, I hold it a sin to match in my kindred.”

For, hear me, Hero: wooing, wedding, and repenting, is as a Scotch jig, a measure, and a cinque pace: the first suit is hot and hasty, like a Scotch jig, and full as fantastical; the wedding, mannerly-modest, as a measure, full of state and ancientry; and then comes repentance and, with his bad legs, falls into the cinque pace faster and faster, till he sink into his grave.”

I have a good eye, uncle; I can see a church by daylight.”

All put on their masks

Enter DON PEDRO, CLAUDIO, BENEDICK, BALTHASAR, DON JOHN, BORACHIO, MARGARET, URSULA and others, masked”

BEATRICE

That I was disdainful, and that I had my good wit

out of the ‘Hundred Merry Tales:’–well this was

Signior Benedick that said so.

BENEDICK

What’s he?

BEATRICE

I am sure you know him well enough.

BENEDICK

Not I, believe me.

BEATRICE

Did he never make you laugh?

BENEDICK

I pray you, what is he?

BEATRICE

Why, he is the prince’s jester: a very dull fool;

only his gift is in devising impossible slanders:

none but libertines delight in him; and the

commendation is not in his wit, but in his villany;

for he both pleases men and angers them, and then

they laugh at him and beat him. I am sure he is in

the fleet: I would he had boarded me.

BENEDICK

When I know the gentleman, I’ll tell him what you say.”

DON JOHN

Sure my brother is amorous on Hero and hath

withdrawn her father to break with him about it.

The ladies follow her and but one visor remains.

BORACHIO

And that is Claudio: I know him by his bearing.

DON JOHN

Are not you Signior Benedick?

CLAUDIO

You know me well; I am he.”

CLAUDIO [solilóquio]

Thus answer I in the name of Benedick,

But hear these ill news with the ears of Claudio.

Tis certain so; the prince wooes for himself.

Friendship is constant in all other things

Save in the office and affairs of love:

Therefore, all hearts in love use their own tongues;

Let every eye negotiate for itself

And trust no agent; for beauty is a witch

Against whose charms faith melteth into blood.

This is an accident of hourly proof,

Which I mistrusted not. Farewell, therefore, Hero!”

DON PEDRO

I will but teach them to sing, and restore them to

the owner.

BENEDICK

If their singing answer your saying, by my faith,

you say honestly.”

She told me, not thinking I had been myself, that I was the prince’s jester, that I was duller than a great thaw; huddling jest upon jest with such impossible conveyance upon me that I stood like a man at a mark, with a whole army shooting at me. She speaks poniards, and every word stabs: if her breath were as terrible as her terminations, there were no living near her; she would infect to the north star. I would not marry her, though she were endowed with all that Adam had left him before he transgressed: she would have made Hercules have turned spit, yea, and have cleft his club to make the fire too.”

for certainly, while she is here, a man may live as quiet in hell as in a sanctuary; and people sin upon purpose, because they would go thither; so, indeed, all disquiet, horror and perturbation follows her.”

BENEDICK

Will your grace command me any service to the

world’s end? I will go on the slightest errand now

to the Antipodes that you can devise to send me on;

I will fetch you a tooth-picker now from the

furthest inch of Asia, bring you the length of

Prester John’s foot, fetch you a hair off the great

Cham’s beard, do you any embassage to the Pigmies,

rather than hold 3 words’ conference with this

harpy. You have no employment for me?”

DON PEDRO

None, but to desire your good company.

BENEDICK

O God, sir, here’s a dish I love not: I cannot

endure my Lady Tongue.

Exit

BEATRICE

The count is neither sad, nor sick, nor merry, nor

well; but civil count, civil as an orange, and

something of that jealous complexion.

DON PEDRO

I’ faith, lady, I think your blazon to be true;

though, I’ll be sworn, if he be so, his conceit is

false. Here, Claudio, I have wooed in thy name, and

fair Hero is won: I have broke with her father,

and his good will obtained: name the day of

marriage, and God give thee joy!

LEONATO

Count, take of me my daughter, and with her my

fortunes: his grace hath made the match, and an

grace say Amen to it.

BEATRICE

Speak, count, ‘tis your cue.

CLAUDIO

Silence is the perfectest herald of joy: I were

but little happy, if I could say how much. Lady, as

you are mine, I am yours: I give away myself for

you and dote upon the exchange.

BEATRICE

Speak, cousin; or, if you cannot, stop his mouth

with a kiss, and let not him speak neither.

DON PEDRO

In faith, lady, you have a merry heart.”

Thus goes every one to the world but I, and I am sunburnt; I may sit in a corner and cry heigh-ho for a husband!”

DON PEDRO

By my troth, a pleasant-spirited lady.

LEONATO

There’s little of the melancholy element in her, my

lord: she is never sad but when she sleeps, and

not ever sad then; for I have heard my daughter say,

she hath often dreamed of unhappiness and waked

herself with laughing.”

DON PEDRO

She were an excellent wife for Benedict.

LEONATO

O Lord, my lord, if they were but a week married,

they would talk themselves mad.”

DON PEDRO

(…) I will in the interim undertake one of Hercules’ labours; which is, to bring Signior Benedick and the Lady Beatrice into a mountain of affection the one with the other. I would fain have it a match, and I doubt not but to fashion it, if you 3 will but minister such assistance as I shall give you direction.

LEONATO

My lord, I am for you, though it cost me ten

nights’ watchings.

CLAUDIO

And I, my lord.

DON PEDRO

And you too, gentle Hero?

HERO

I will do any modest office, my lord, to help my

cousin to a good husband.”

“…If we can do this, Cupid is no longer an archer: his glory shall be ours, for we are the only love-gods. Go in with me, and I will tell you my drift.

Exeunt”

ACT 2

SCENE II. The same.

Enter DON JOHN and BORACHIO

DON JOHN

It is so; the Count Claudio shall marry the

daughter of Leonato.

BORACHIO

Yea, my lord; but I can cross it.

DON JOHN

Any bar, any cross, any impediment will be

medicinable to me: I am sick in displeasure to him,

and whatsoever comes athwart his affection ranges

evenly with mine. How canst thou cross this marriage?

BORACHIO

Not honestly, my lord; but so covertly that no

dishonesty shall appear in me.

DON JOHN

Show me briefly how.

BORACHIO

I think I told your lordship a year since, how much

I am in the favour of Margaret, the waiting

gentlewoman to Hero.”

I can, at any unseasonable instant of the night, appoint her to look out at her lady’s chamber window.”

The poison of that lies in you to temper. Go you to the prince your brother; spare not to tell him that he hath wronged his honour in marrying the renowned Claudio–whose estimation do you mightily hold up–to a contaminated stale, such a one as Hero.”

–for in the meantime I will so fashion the matter that Hero shall be absent,–and there shall appear such seeming truth of Hero’s disloyalty that jealousy shall be called assurance and all the preparation overthrown.”

[JOHN] …Be cunning in the working this, and thy fee is a thousand ducats.”

ACT 2

SCENE III. LEONATO’S orchard.

[Grande monólogo de BENEDICK]

I do much wonder that one man, seeing how much

another man is a fool when he dedicates his

behaviors to love, will, after he hath laughed at

such shallow follies in others, become the argument

of his own scorn by falling in love: and such a man

is Claudio. I have known when there was no music

with him but the drum and the fife; and now had he

rather hear the tabour and the pipe: I have known

when he would have walked 10 miles a-foot to see a

good armour; and now will he lie 10 nights awake,

carving the fashion of a new doublet. He was wont to

speak plain and to the purpose, like an honest man

and a soldier; and now is he turned orthography; his

words are a very fantastical banquet, just so many

strange dishes. May I be so converted and see with

these eyes? I cannot tell; I think not: I will not

be sworn, but love may transform me to an oyster; but

I’ll take my oath on it, till he have made an oyster

of me, he shall never make me such a fool. One woman

is fair, yet I am well; another is wise, yet I am

well; another virtuous, yet I am well; but till all

graces be in one woman, one woman shall not come in

my grace. Rich she shall be, that’s certain; wise,

or I’ll none; virtuous, or I’ll never cheapen her;

fair, or I’ll never look on her; mild, or come not

near me; noble, or not I for an angel; of good

discourse, an excellent musician, and her hair shall

be of what colour it please God. Ha! the prince and

Monsieur Love! I will hide me in the arbour.”

DON PEDRO

Come, Balthasar, we’ll hear that song again.

BALTHASAR

O, good my lord, tax not so bad a voice

To slander music any more than once.

DON PEDRO

It is the witness still of excellency

To put a strange face on his own perfection.

I pray thee, sing, and let me woo no more.”

Air

BENEDICK [Oculto na moita.]

Now, divine air! now is his soul ravished! Is it

not strange that sheeps’ guts should hale souls out

of men’s bodies? Well, a horn for my money, when

all’s done.”

Sigh no more, ladies, sigh no more,

Men were deceivers ever,

One foot in sea and one on shore,

To one thing constant never:

Then sigh not so, but let them go,

And be you blithe and bonny,

Converting all your sounds of woe

Into Hey nonny, nonny.

Sing no more ditties, sing no more,

Of dumps so dull and heavy;

The fraud of men was ever so,

Since summer first was leafy:

Then sigh not so, & c.”

DON PEDRO

By my troth, a good song.

BALTHASAR

And an ill singer, my lord.

DON PEDRO

Ha, no, no, faith; thou singest well enough for a shift.”

BENEDICK [à parte]

An he had been a dog that should have howled thus,

they would have hanged him: and I pray God his bad

voice bode no mischief. I had as lief have heard the

night-raven, come what plague could have come after

it.”

DON PEDRO

Do so: farewell.

Exit BALTHASAR

Come hither, Leonato. What was it you told me of

to-day, that your niece Beatrice was in love with

Signior Benedick?

CLAUDIO

O, ay: stalk on. stalk on; the fowl sits. I did

never think that lady would have loved any man.”

BENEDICK

Is’t possible? Sits the wind in that corner?”

DON PEDRO

May be she doth but counterfeit.

CLAUDIO

Faith, like enough.

LEONATO

O God, counterfeit! There was never counterfeit of

passion came so near the life of passion as she

discovers it.”

DON PEDRO

Hath she made her affection known to Benedick?

LEONATO

No; and swears she never will: that’s her torment.”

DON PEDRO

It were good that Benedick knew of it by some

other, if she will not discover it.

CLAUDIO

To what end? He would make but a sport of it and

torment the poor lady worse.”

LEONATO

O, my lord, wisdom and blood combating in so tender

a body, we have 10 proofs to 1 that blood hath

the victory. I am sorry for her, as I have just

cause, being her uncle and her guardian.”

CLAUDIO

Hero thinks surely she will die; for she says she

will die, if he love her not, and she will die, ere

she make her love known, and she will die, if he woo

her, rather than she will bate one breath of her

accustomed crossness.

DON PEDRO

She doth well: if she should make tender of her

love, ‘tis very possible he’ll scorn it; for the

man, as you know all, hath a contemptible spirit.

CLAUDIO

He is a very proper man.”

DON PEDRO

And so will he do; for the man doth fear God,

howsoever it seems not in him by some large jests

he will make. Well I am sorry for your niece. Shall

we go seek Benedick, and tell him of her love?

CLAUDIO

Never tell him, my lord: let her wear it out with

good counsel.”

They have the truth of this from Hero. They seem to pity the lady: it seems her affections have their full bent. Love me! why, it must be requited. I hear how I am censured: they say I will bear myself proudly, if I perceive the love come from her; they say too that she will rather die than give any sign of affection. I did never think to marry: I must not seem proud: happy are they that hear their detractions and can put them to mending. They say the lady is fair; ‘tis a truth, I can bear them witness; and virtuous; ‘tis so, I cannot reprove it; and wise, but for loving me; by my troth, it is no addition to her wit, nor no great argument of her folly, for I will be horribly in love with her. I may chance have some odd quirks and remnants of wit broken on me, because I have railed so long against marriage: but doth not the appetite alter? a man loves the meat in his youth that he cannot endure in his age. Shall quips and sentences and these paper bullets of the brain awe a man from the career of his humour? No, the world must be peopled. When I said I would die a bachelor, I did not think I should live till I were married. Here comes Beatrice. By this day! she’s a fair lady: I do spy some marks of love in her.

Enter BEATRICE

BEATRICE

Against my will I am sent to bid you come in to dinner.

BENEDICK

Fair Beatrice, I thank you for your pains.

BEATRICE

I took no more pains for those thanks than you take

pains to thank me: if it had been painful, I would

not have come.

BENEDICK

You take pleasure then in the message?

BEATRICE

Yea, just so much as you may take upon a knife’s

point and choke a daw withal. You have no stomach,

signior: fare you well.

Exit

BENEDICK

Ha! ‘Against my will I am sent to bid you come in

to dinner;’ there’s a double meaning in that ‘I took

no more pains for those thanks than you took pains

to thank me.’ that’s as much as to say, Any pains

that I take for you is as easy as thanks. If I do

not take pity of her, I am a villain; if I do not

love her, I am a Jew. I will go get her picture.

Exit”

ACT 3

SCENE I. LEONATO’S garden.

HERO

Good Margaret, run thee to the parlor;

There shalt thou find my cousin Beatrice

Proposing with the prince and Claudio:

Whisper her ear and tell her, I and Ursula

Walk in the orchard and our whole discourse

Is all of her; say that thou overheard’st us;

And bid her steal into the pleached bower,

Where honeysuckles, ripen’d by the sun,

Forbid the sun to enter, like favourites,

Made proud by princes, that advance their pride

Against that power that bred it: there will she hide her,

To listen our purpose. This is thy office;

Bear thee well in it and leave us alone.”

HERO

Now, Ursula, when Beatrice doth come,

As we do trace this alley up and down,

Our talk must only be of Benedick.

When I do name him, let it be thy part

To praise him more than ever man did merit:

My talk to thee must be how Benedick

Is sick in love with Beatrice. Of this matter

Is little Cupid’s crafty arrow made,

That only wounds by hearsay.

Enter BEATRICE, behind

Now begin;

For look where Beatrice, like a lapwing, runs

Close by the ground, to hear our conference.

URSULA

The pleasant’st angling is to see the fish

Cut with her golden oars the silver stream,

And greedily devour the treacherous bait:

So angle we for Beatrice; who even now

Is couched in the woodbine coverture.

Fear you not my part of the dialogue.

HERO

Then go we near her, that her ear lose nothing

Of the false sweet bait that we lay for it.

Approaching the bower

No, truly, Ursula, she is too disdainful;

I know her spirits are as coy and wild

As haggerds of the rock.

URSULA

But are you sure

That Benedick loves Beatrice so entirely?

HERO

So says the prince and my new-trothed lord.

URSULA

And did they bid you tell her of it, madam?

HERO

They did entreat me to acquaint her of it;

But I persuaded them, if they loved Benedick,

To wish him wrestle with affection,

And never to let Beatrice know of it.

URSULA

Why did you so? Doth not the gentleman

Deserve as full as fortunate a bed

As ever Beatrice shall couch upon?

HERO

O god of love! I know he doth deserve

As much as may be yielded to a man:

But Nature never framed a woman’s heart

Of prouder stuff than that of Beatrice;

Disdain and scorn ride sparkling in her eyes,

Misprising what they look on, and her wit

Values itself so highly that to her

All matter else seems weak: she cannot love,

Nor take no shape nor project of affection,

She is so self-endeared.

URSULA

Sure, I think so;

And therefore certainly it were not good

She knew his love, lest she make sport at it.

HERO

Why, you speak truth. I never yet saw man,

How wise, how noble, young, how rarely featured,

But she would spell him backward: if fair-faced,

She would swear the gentleman should be her sister;

If black, why, Nature, drawing of an antique,

Made a foul blot; if tall, a lance ill-headed;

If low, an agate very vilely cut;

If speaking, why, a vane blown with all winds;

If silent, why, a block moved with none.

So turns she every man the wrong side out

And never gives to truth and virtue that

Which simpleness and merit purchaseth.

URSULA

Sure, sure, such carping is not commendable.

HERO

No, not to be so odd and from all fashions

As Beatrice is, cannot be commendable:

But who dare tell her so? If I should speak,

She would mock me into air; O, she would laugh me

Out of myself, press me to death with wit.

Therefore let Benedick, like cover’d fire,

Consume away in sighs, waste inwardly:

It were a better death than die with mocks,

Which is as bad as die with tickling.

URSULA

Yet tell her of it: hear what she will say.

HERO

No; rather I will go to Benedick

And counsel him to fight against his passion.

And, truly, I’ll devise some honest slanders

To stain my cousin with: one doth not know

How much an ill word may empoison liking.

URSULA

O, do not do your cousin such a wrong.

She cannot be so much without true judgment–

Having so swift and excellent a wit

As she is prized to have–as to refuse

So rare a gentleman as Signior Benedick.

HERO

He is the only man of Italy.

Always excepted my dear Claudio.

URSULA

I pray you, be not angry with me, madam,

Speaking my fancy: Signior Benedick,

For shape, for bearing, argument and valour,

Goes foremost in report through Italy.

HERO

Indeed, he hath an excellent good name.

URSULA

His excellence did earn it, ere he had it.

When are you married, madam?

HERO

Why, every day, to-morrow. Come, go in:

I’ll show thee some attires, and have thy counsel

Which is the best to furnish me to-morrow.

URSULA

She’s limed, I warrant you: we have caught her, madam.

HERO

If it proves so, then loving goes by haps:

Some Cupid kills with arrows, some with traps.

Exeunt HERO and URSULA

BEATRICE

[Coming forward]

What fire is in mine ears? Can this be true?

Stand I condemn’d for pride and scorn so much?

Contempt, farewell! and maiden pride, adieu!

No glory lives behind the back of such.

And, Benedick, love on; I will requite thee,

Taming my wild heart to thy loving hand:

If thou dost love, my kindness shall incite thee

To bind our loves up in a holy band;

For others say thou dost deserve, and I

Believe it better than reportingly.

Exit”

Até para a pena frenética de Shakespeare isso foi muito mais rápido do que eu pensava!

ACT 3

SCENE II. A room in LEONATO’S house

he hath a heart as sound as a bell and his tongue is the clapper, for what his heart thinks his tongue speaks.”

BENEDICK

Gallants, I am not as I have been.

LEONATO

So say I methinks you are sadder.

CLAUDIO

I hope he be in love.

DON PEDRO

Hang him, truant! there’s no true drop of blood in

him, to be truly touched with love: if he be sad,

he wants money.

BENEDICK

I have the toothache.

DON PEDRO

Draw it.

BENEDICK

Hang it!

CLAUDIO

You must hang it first, and draw it afterwards.

DON PEDRO

What! sigh for the toothache?

LEONATO

Where is but a humour or a worm.

BENEDICK

Well, every one can master a grief but he that has

it.”

LEONATO

Indeed, he looks younger than he did, by the loss of a beard.

DON PEDRO

Nay, a’ rubs himself with civet [fragrâncias, perfume africano ou oriental]: can you smell him

out by that?

CLAUDIO

That’s as much as to say, the sweet youth’s in love.”

BENEDICK

Yet is this no charm for the toothache. Old

signior, walk aside with me: I have studied 8

or 9 wise words to speak to you, which these

hobby-horses must not hear.

Exeunt BENEDICK and LEONATO”

the two bears will not bite one another when they meet.”

CLAUDIO

Who, Hero?

DON PEDRO

Even she; Leonato’s Hero, your Hero, every man’s Hero:

CLAUDIO

Disloyal?”

DON PEDRO

O day untowardly turned!

CLAUDIO

O mischief strangely thwarting!

DON JOHN [Don Juan]

O plague right well prevented! so will you say when

you have seen the sequel.

Exeunt”

ACT 3

SCENE III. A street.

DOGBERRY

Come hither, neighbour Seacole. God hath blessed

you with a good name: to be a well-favoured man is

the gift of fortune; but to write and read comes by nature.”

DOGBERRY

True, and they are to meddle with none but the

prince’s subjects. You shall also make no noise in

the streets; for, for the watch to babble and to

talk is most [in?]tolerable and not to be endured.

Watchman

We will rather sleep than talk: we know what

belongs to a watch.

DOGBERRY

Why, you speak like an ancient and most quiet

watchman; for I cannot see how sleeping should

offend: only, have a care that your bills be not

stolen. Well, you are to call at all the

ale-houses, and bid those that are drunk get them to bed.”

Watchman

If we know him to be a thief, shall we not lay

hands on him?

DOGBERRY

Truly, by your office, you may; but I think they

that touch pitch will be defiled: the most peaceable

way for you, if you do take a thief, is to let him

show himself what he is and steal out of your company.

VERGES

You have been always called a merciful man, partner.

DOGBERRY

Truly, I would not hang a dog by my will, much more

a man who hath any honesty in him.

VERGES

If you hear a child cry in the night, you must call

to the nurse and bid her still it.

Watchman

How if the nurse be asleep and will not hear us?

DOGBERRY

Why, then, depart in peace, and let the child wake

her with crying; for the ewe that will not hear her

lamb when it baes will never answer a calf when he bleats.

DOGBERRY

One word more, honest neighbours. I pray you watch

about Signior Leonato’s door; for the wedding being

there to-morrow, there is a great coil to-night.

Adieu: be vigilant, I beseech you.

Exeunt DOGBERRY and VERGES

Enter BORACHIO and CONRADE”

BORACHIO

Stand thee close, then, under this pent-house, for

it drizzles rain; and I will, like a true drunkard,

utter all to thee.

Watchman

[Aside] Some treason, masters: yet stand close.

BORACHIO

Therefore know I have earned of Don John 1,000 ducats.

CONRADE

Is it possible that any villany should be so dear?

BORACHIO

Thou shouldst rather ask if it were possible any

villany should be so rich; for when rich villains

have need of poor ones, poor ones may make what

price they will.”

CONRADE

Yes, it is apparel.

BORACHIO

I mean, the fashion.

CONRADE

Yes, the fashion is the fashion.

BORACHIO

Tush! I may as well say the fool’s the fool. But

seest thou not what a deformed thief this fashion

is?”

BORACHIO

Seest thou not, I say, what a deformed thief this

fashion is? how giddily a’ turns about all the hot

bloods between 14 and five-and-thirty?

sometimes fashioning them like Pharaoh’s soldiers

in the reeky painting, sometime like god Bel’s

priests in the old church-window, sometime like the

shaven Hercules in the smirched worm-eaten tapestry,

where his codpiece seems as massy as his club?”

CONRADE

And thought they Margaret was Hero?

BORACHIO

Two of them did, the prince and Claudio; but the

devil my master knew she was Margaret; and partly

by his oaths, which first possessed them, partly by

the dark night, which did deceive them, but chiefly

by my villany, which did confirm any slander that

Don John had made, away went Claudio enraged; swore

he would meet her, as he was appointed, next morning

at the temple, and there, before the whole

congregation, shame her with what he saw o’er night

and send her home again without a husband.”

First Watchman

We charge you, in the prince’s name, stand!

Second Watchman

Call up the right master constable. We have here

recovered the most dangerous piece of lechery that

ever was known in the commonwealth.

First Watchman

And one Deformed is one of them: I know him; a’

wears a lock.

CONRADE

Masters, masters,–

Second Watchman

You’ll be made bring Deformed forth, I warrant you.

CONRADE

Masters,–

First Watchman

Never speak: we charge you let us obey you to go with us.

BORACHIO

We are like to prove a goodly commodity, being taken

up of these men’s bills.

CONRADE

A commodity in question, I warrant you. Come, we’ll obey you.

Exeunt”

ACT 3

SCENE IV. HERO’s apartment.

MARGARET

By my troth, ‘s not so good; and I warrant your

cousin will say so.

HERO

My cousin’s a fool, and thou art another: I’ll wear

none but this.”

MARGARET

Of what, lady? of speaking honourably? Is not

marriage honourable in a beggar? Is not your lord

honourable without marriage? I think you would have

me say, ‘saving your reverence, a husband:’ and bad

thinking do not wrest true speaking, I’ll offend

nobody: is there any harm in ‘the heavier for a

husband’? None, I think, and it be the right husband

and the right wife; otherwise ‘tis light, and not

heavy: ask my Lady Beatrice else; here she comes.

Enter BEATRICE”

HERO

Why how now? do you speak in the sick tune?

BEATRICE

I am out of all other tune, methinks.”

BEATRICE

Ye light o’ love, with your heels! then, if your

husband have stables enough, you’ll see he shall

lack no barns.

MARGARET

O illegitimate construction! I scorn that with my heels.”

“…By my troth, I am exceeding ill: heigh-ho!

MARGARET

For a hawk, a horse, or a husband?

BEATRICE

For the letter that begins them all, H.

MARGARET

Well, and you be not turned Turk, there’s no more

sailing by the star.

BEATRICE

What means the fool, trow?

MARGARET

Nothing I; but God send every one their heart’s desire!”

BEATRICE

I am stuffed, cousin; I cannot smell.

MARGARET

A maid, and stuffed! There’s goodly catching of cold.

BEATRICE

O, God help me! God help me! how long have you

professed apprehension?”

ACT 3

SCENE V. Another room in LEONATO’S house.

DOGBERRY

A good old man, sir; he will be talking: as they

say, when the age is in, the wit is out: God help

us! it is a world to see. Well said, i’ faith,

neighbour Verges: well, God’s a good man; an 2 men

ride of a horse, one must ride behind. An honest

soul, i’ faith, sir; by my troth he is, as ever

broke bread; but God is to be worshipped; all men

are not alike; alas, good neighbour!

LEONATO

Indeed, neighbour, he comes too short of you.

DOGBERRY

Gifts that God gives.

LEONATO

I must leave you.

DOGBERRY

One word, sir: our watch, sir, have indeed

comprehended 2 auspicious persons, and we would

have them this morning examined before your worship.

LEONATO

Take their examination yourself and bring it me: I

am now in great haste, as it may appear unto you.

DOGBERRY

It shall be suffigance.”

LEONATO

I’ll wait upon them: I am ready.

Exeunt LEONATO and Messenger

DOGBERRY

Go, good partner, go, get you to Francis Seacole;

bid him bring his pen and inkhorn to the gaol: we

are now to examination these men.”

ACT 4

SCENE I. A church. [na íntegra]

LEONATO

Come, Friar Francis, be brief; only to the plain

form of marriage, and you shall recount their

particular duties afterwards.

FRIAR FRANCIS

You come hither, my lord, to marry this lady.

CLAUDIO

No.

LEONATO

To be married to her: friar, you come to marry her.

FRIAR FRANCIS

Lady, you come hither to be married to this count.

HERO

I do.

FRIAR FRANCIS

If either of you know any inward impediment why you

should not be conjoined, charge you, on your souls,

to utter it.

CLAUDIO

Know you any, Hero?

HERO

None, my lord.

FRIAR FRANCIS

Know you any, count?

LEONATO

I dare make his answer, none.

CLAUDIO

O, what men dare do! what men may do! what men daily

do, not knowing what they do!

BENEDICK

How now! interjections? Why, then, some be of

laughing, as, ah, ha, he!

CLAUDIO

Stand thee by, friar. Father, by your leave:

Will you with free and unconstrained soul

Give me this maid, your daughter?

LEONATO

As freely, son, as God did give her me.

CLAUDIO

And what have I to give you back, whose worth

May counterpoise this rich and precious gift?

DON PEDRO

Nothing, unless you render her again.

CLAUDIO

Sweet prince, you learn me noble thankfulness.

There, Leonato, take her back again:

Give not this rotten orange to your friend;

She’s but the sign and semblance of her honour.

Behold how like a maid she blushes here!

O, what authority and show of truth

Can cunning sin cover itself withal!

Comes not that blood as modest evidence

To witness simple virtue? Would you not swear,

All you that see her, that she were a maid,

By these exterior shows? But she is none:

She knows the heat of a luxurious bed;

Her blush is guiltiness, not modesty.

LEONATO

What do you mean, my lord?

CLAUDIO

Not to be married,

Not to knit my soul to an approved wanton.

LEONATO

Dear my lord, if you, in your own proof,

Have vanquish’d the resistance of her youth,

And made defeat of her virginity,–

CLAUDIO

I know what you would say: if I have known her,

You will say she did embrace me as a husband,

And so extenuate the ‘forehand sin:

No, Leonato,

I never tempted her with word too large;

But, as a brother to his sister, show’d

Bashful sincerity and comely love.

HERO

And seem’d I ever otherwise to you?

CLAUDIO

Out on thee! Seeming! I will write against it:

You seem to me as Dian in her orb,

As chaste as is the bud ere it be blown;

But you are more intemperate in your blood

Than Venus, or those pamper’d animals

That rage in savage sensuality.

HERO

Is my lord well, that he doth speak so wide?

LEONATO

Sweet prince, why speak not you?

DON PEDRO

What should I speak?

I stand dishonour’d, that have gone about

To link my dear friend to a common stale.

LEONATO

Are these things spoken, or do I but dream?

DON JOHN

Sir, they are spoken, and these things are true.

BENEDICK

This looks not like a nuptial.

HERO

True! O God!

CLAUDIO

Leonato, stand I here?

Is this the prince? is this the prince’s brother?

Is this face Hero’s? are our eyes our own?

LEONATO

All this is so: but what of this, my lord?

CLAUDIO

Let me but move one question to your daughter;

And, by that fatherly and kindly power

That you have in her, bid her answer truly.

LEONATO

I charge thee do so, as thou art my child.

HERO

O, God defend me! how am I beset!

What kind of catechising call you this?

CLAUDIO

To make you answer truly to your name.

HERO

Is it not Hero? Who can blot that name

With any just reproach?

CLAUDIO

Marry, that can Hero;

Hero itself can blot out Hero’s virtue.

What man was he talk’d with you yesternight

Out at your window betwixt 12 and 1?

Now, if you are a maid, answer to this.

HERO

I talk’d with no man at that hour, my lord.

DON PEDRO

Why, then are you no maiden. Leonato,

I am sorry you must hear: upon mine honour,

Myself, my brother and this grieved count

Did see her, hear her, at that hour last night

Talk with a ruffian at her chamber-window

Who hath indeed, most like a liberal villain,

Confess’d the vile encounters they have had

A thousand times in secret.

DON JOHN

Fie, fie! they are not to be named, my lord,

Not to be spoke of;

There is not chastity enough in language

Without offence to utter them. Thus, pretty lady,

I am sorry for thy much misgovernment.

CLAUDIO

O Hero, what a Hero hadst thou been,

If half thy outward graces had been placed

About thy thoughts and counsels of thy heart!

But fare thee well, most foul, most fair! farewell,

Thou pure impiety and impious purity!

For thee I’ll lock up all the gates of love,

And on my eyelids shall conjecture hang,

To turn all beauty into thoughts of harm,

And never shall it more be gracious.

LEONATO

Hath no man’s dagger here a point for me?

HERO swoons

BEATRICE

Why, how now, cousin! wherefore sink you down?

DON JOHN

Come, let us go. These things, come thus to light,

Smother her spirits up.

Exeunt DON PEDRO, DON JOHN, and CLAUDIO

BENEDICK

How doth the lady?

BEATRICE

Dead, I think. Help, uncle!

Hero! why, Hero! Uncle! Signior Benedick! Friar!

LEONATO

O Fate! take not away thy heavy hand.

Death is the fairest cover for her shame

That may be wish’d for.

BEATRICE

How now, cousin Hero!

FRIAR FRANCIS

Have comfort, lady.

LEONATO

Dost thou look up?

FRIAR FRANCIS

Yea, wherefore should she not?

LEONATO

Wherefore! Why, doth not every earthly thing

Cry shame upon her? Could she here deny

The story that is printed in her blood?

Do not live, Hero; do not ope thine eyes:

For, did I think thou wouldst not quickly die,

Thought I thy spirits were stronger than thy shames,

Myself would, on the rearward of reproaches,

Strike at thy life. Grieved I, I had but one?

Chid I for that at frugal nature’s frame?

O, one too much by thee! Why had I one?

Why ever wast thou lovely in my eyes?

Why had I not with charitable hand

Took up a beggar’s issue at my gates,

Who smirch’d thus and mired with infamy,

I might have said ‘No part of it is mine;

This shame derives itself from unknown loins’?

But mine and mine I loved and mine I praised

And mine that I was proud on, mine so much

That I myself was to myself not mine,

Valuing of her,–why, she, O, she is fallen

Into a pit of ink, that the wide sea

Hath drops too few to wash her clean again

And salt too little which may season give

To her foul-tainted flesh!

BENEDICK

Sir, sir, be patient.

For my part, I am so attired in wonder,

I know not what to say.

BEATRICE

O, on my soul, my cousin is belied!

BENEDICK

Lady, were you her bedfellow last night?

BEATRICE

No, truly not; although, until last night,

I have this 12-month been her bedfellow.

LEONATO

Confirm’d, confirm’d! O, that is stronger made

Which was before barr’d up with ribs of iron!

Would the 2 princes lie, and Claudio lie,

Who loved her so, that, speaking of her foulness,

Wash’d it with tears? Hence from her! let her die.

FRIAR FRANCIS

Hear me a little;

For I have only been silent so long

And given way unto this course of fortune…

By noting of the lady I have mark’d

A thousand blushing apparitions

To start into her face, a thousand innocent shames

In angel whiteness beat away those blushes;

And in her eye there hath appear’d a fire,

To burn the errors that these princes hold

Against her maiden truth. Call me a fool;

Trust not my reading nor my observations,

Which with experimental seal doth warrant

The tenor of my book; trust not my age,

My reverence, calling, nor divinity,

If this sweet lady lie not guiltless here

Under some biting error.

LEONATO

Friar, it cannot be.

Thou seest that all the grace that she hath left

Is that she will not add to her damnation

A sin of perjury; she not denies it:

Why seek’st thou then to cover with excuse

That which appears in proper nakedness?

FRIAR FRANCIS

Lady, what man is he you are accused of?

HERO

They know that do accuse me; I know none:

If I know more of any man alive

Than that which maiden modesty doth warrant,

Let all my sins lack mercy! O my father,

Prove you that any man with me conversed

At hours unmeet, or that I yesternight

Maintain’d the change of words with any creature,

Refuse me, hate me, torture me to death!

FRIAR FRANCIS

There is some strange misprision in the princes.

BENEDICK

Two of them have the very bent of honour;

And if their wisdoms be misled in this,

The practise of it lives in John the bastard,

Whose spirits toil in frame of villanies.

LEONATO

I know not. If they speak but truth of her,

These hands shall tear her; if they wrong her honour,

The proudest of them shall well hear of it.

Time hath not yet so dried this blood of mine,

Nor age so eat up my invention,

Nor fortune made such havoc of my means,

Nor my bad life reft me so much of friends,

But they shall find, awaked in such a kind,

Both strength of limb and policy of mind,

Ability in means and choice of friends,

To quit me of them throughly.

FRIAR FRANCIS

Pause awhile,

And let my counsel sway you in this case.

Your daughter here the princes left for dead:

Let her awhile be secretly kept in,

And publish it that she is dead indeed;

Maintain a mourning ostentation

And on your family’s old monument

Hang mournful epitaphs and do all rites

That appertain unto a burial.

LEONATO

What shall become of this? what will this do?

FRIAR FRANCIS

Marry, this well carried shall on her behalf

Change slander to remorse; that is some good:

But not for that dream I on this strange course,

But on this travail look for greater birth.

She dying, as it must so be maintain’d,

Upon the instant that she was accused,

Shall be lamented, pitied and excused

Of every hearer: for it so falls out

That what we have we prize not to the worth

Whiles we enjoy it, but being lack’d and lost,

Why, then we rack the value, then we find

The virtue that possession would not show us

Whiles it was ours. So will it fare with Claudio:

When he shall hear she died upon his words,

The idea of her life shall sweetly creep

Into his study of imagination,

And every lovely organ of her life

Shall come apparell’d in more precious habit,

More moving-delicate and full of life,

Into the eye and prospect of his soul,

Than when she lived indeed; then shall he mourn,

If ever love had interest in his liver,

And wish he had not so accused her,

No, though he thought his accusation true.

Let this be so, and doubt not but success

Will fashion the event in better shape

Than I can lay it down in likelihood.

But if all aim but this be levell’d false,

The supposition of the lady’s death

Will quench the wonder of her infamy:

And if it sort not well, you may conceal her,

As best befits her wounded reputation,

In some reclusive and religious life,

Out of all eyes, tongues, minds and injuries.

BENEDICK

Signior Leonato, let the friar advise you:

And though you know my inwardness and love

Is very much unto the prince and Claudio,

Yet, by mine honour, I will deal in this

As secretly and justly as your soul

Should with your body.

LEONATO

Being that I flow in grief,

The smallest twine may lead me.

FRIAR FRANCIS

Tis well consented: presently away;

For to strange sores strangely they strain the cure.

Come, lady, die to live: this wedding-day

Perhaps is but prolong’d: have patience and endure.

Exeunt all but BENEDICK and BEATRICE

BENEDICK

Lady Beatrice, have you wept all this while?

BEATRICE

Yea, and I will weep a while longer.

BENEDICK

I will not desire that.

BEATRICE

You have no reason; I do it freely.

BENEDICK

Surely I do believe your fair cousin is wronged.

BEATRICE

Ah, how much might the man deserve of me that would right her!

BENEDICK

Is there any way to show such friendship?

BEATRICE

A very even way, but no such friend.

BENEDICK

May a man do it?

BEATRICE

It is a man’s office, but not yours.

BENEDICK

I do love nothing in the world so well as you: is

not that strange?

BEATRICE

As strange as the thing I know not. It were as

possible for me to say I loved nothing so well as

you: but believe me not; and yet I lie not; I

confess nothing, nor I deny nothing. I am sorry for my cousin.

BENEDICK

By my sword, Beatrice, thou lovest me.

BEATRICE

Do not swear, and eat it.

BENEDICK

I will swear by it that you love me; and I will make

him eat it that says I love not you.

BEATRICE

Will you not eat your word?

BENEDICK

With no sauce that can be devised to it. I protest

I love thee.

BEATRICE

Why, then, God forgive me!

BENEDICK

What offence, sweet Beatrice?

BEATRICE

You have stayed me in a happy hour: I was about to

protest I loved you.

BENEDICK

And do it with all thy heart.

BEATRICE

I love you with so much of my heart that none is

left to protest.

BENEDICK

Come, bid me do any thing for thee.

BEATRICE

Kill Claudio.

BENEDICK

Ha! not for the wide world.

BEATRICE

You kill me to deny it. Farewell.

BENEDICK

Tarry, sweet Beatrice.

BEATRICE

I am gone, though I am here: there is no love in

you: nay, I pray you, let me go.

BENEDICK

Beatrice,–

BEATRICE

In faith, I will go.

BENEDICK

We’ll be friends first.

BEATRICE

You dare easier be friends with me than fight with mine enemy.

BENEDICK

Is Claudio thine enemy?

BEATRICE

Is he not approved in the height a villain, that

hath slandered, scorned, dishonoured my kinswoman? O

that I were a man! What, bear her in hand until they

come to take hands; and then, with public

accusation, uncovered slander, unmitigated rancour,

–O God, that I were a man! I would eat his heart

in the market-place.

BENEDICK

Hear me, Beatrice,–

BEATRICE

Talk with a man out at a window! A proper saying!

BENEDICK

Nay, but, Beatrice,–

BEATRICE

Sweet Hero! She is wronged, she is slandered, she is undone.

BENEDICK

Beat–

BEATRICE

Princes and counties! Surely, a princely testimony,

a goodly count, Count Comfect; a sweet gallant,

surely! O that I were a man for his sake! or that I

had any friend would be a man for my sake! But

manhood is melted into courtesies, valour into

compliment, and men are only turned into tongue, and

trim ones too: he is now as valiant as Hercules

that only tells a lie and swears it. I cannot be a

man with wishing, therefore I will die a woman with grieving.

BENEDICK

Tarry, good Beatrice. By this hand, I love thee.

BEATRICE

Use it for my love some other way than swearing by it.

BENEDICK

Think you in your soul the Count Claudio hath wronged Hero?

BEATRICE

Yea, as sure as I have a thought or a soul.

BENEDICK

Enough, I am engaged; I will challenge him. I will

kiss your hand, and so I leave you. By this hand,

Claudio shall render me a dear account. As you

hear of me, so think of me. Go, comfort your

cousin: I must say she is dead: and so, farewell.

Exeunt”

ACT 4

SCENE II. A prison.

DOGBERRY

Write down, that they hope they serve God: and

write God first; for God defend but God should go

before such villains! Masters, it is proved already

that you are little better than false knaves; and it

will go near to be thought so shortly. How answer

you for yourselves?

CONRADE

Marry, sir, we say we are none.

DOGBERRY

A marvellous witty fellow, I assure you: but I

will go about with him. Come you hither, sirrah; a

word in your ear: sir, I say to you, it is thought

you are false knaves.

BORACHIO

Sir, I say to you we are none.”

First Watchman

This man said, sir, that Don John, the prince’s

brother, was a villain.

DOGBERRY

Write down Prince John a villain. Why, this is flat

perjury, to call a prince’s brother villain.

BORACHIO

Master constable,–

DOGBERRY

Pray thee, fellow, peace: I do not like thy look,

I promise thee.

Sexton [o tocador do sino numa côrte de justiça ou assembléia]

What heard you him say else?

Second Watchman

Marry, that he had received a thousand ducats of

Don John for accusing the Lady Hero wrongfully.”

Sexton

What else, fellow?

First Watchman

And that Count Claudio did mean, upon his words, to

disgrace Hero before the whole assembly. and not marry her.

DOGBERRY

O villain! thou wilt be condemned into everlasting

redemption for this.

Sexton

What else?

Watchman

This is all.

Sexton

And this is more, masters, than you can deny.

Prince John is this morning secretly stolen away;

Hero was in this manner accused, in this very manner

refused, and upon the grief of this suddenly died.

Master constable, let these men be bound, and

brought to Leonato’s: I will go before and show

him their examination.

Exit”

ACT 5

SCENE I. Before LEONATO’S house.

Bring me a father that so loved his child,

Whose joy of her is overwhelm’d like mine,

And bid him speak of patience;

Measure his woe the length and breadth of mine

And let it answer every strain for strain,

As thus for thus and such a grief for such,

In every lineament, branch, shape, and form:

If such a one will smile and stroke his beard,

Bid sorrow wag, cry ‘hem!’ when he should groan,

Patch grief with proverbs, make misfortune drunk

With candle-wasters; bring him yet to me,

And I of him will gather patience.

But there is no such man: for, brother, men

Can counsel and speak comfort to that grief

Which they themselves not feel; but, tasting it,

Their counsel turns to passion, which before

Would give preceptial medicine to rage,

Fetter strong madness in a silken thread,

Charm ache with air and agony with words:

No, no; ‘tis all men’s office to speak patience

To those that wring under the load of sorrow,

But no man’s virtue nor sufficiency

To be so moral when he shall endure

The like himself. Therefore give me no counsel:

My griefs cry louder than advertisement.”

I pray thee, peace. I will be flesh and blood;

For there was never yet philosopher

That could endure the toothache patiently,

However they have writ the style of gods

And made a push at chance and sufferance.”

My soul doth tell me Hero is belied;

And that shall Claudio know; so shall the prince

And all of them that thus dishonour her.”

DON PEDRO

Nay, do not quarrel with us, good old man.

ANTONIO

If he could right himself with quarreling,

Some of us would lie low.”

Nay, never lay thy hand upon thy sword;

I fear thee not.”

Tush, tush, man; never fleer and jest at me:

I speak not like a dotard nor a fool,

As under privilege of age to brag

What I have done being young, or what would do

Were I not old. Know, Claudio, to thy head,

Thou hast so wrong’d mine innocent child and me

That I am forced to lay my reverence by

And, with grey hairs and bruise of many days,

Do challenge thee to trial of a man.

I say thou hast belied mine innocent child;

Thy slander hath gone through and through her heart,

And she lies buried with her ancestors;

O, in a tomb where never scandal slept,

Save this of hers, framed by thy villany!”

My lord, my lord,

I’ll prove it on his body, if he dare,

Despite his nice fence and his active practise,

His May of youth and bloom of lustihood.”

Canst thou so daff me? Thou hast kill’d my child:

If thou kill’st me, boy, thou shalt kill a man.”

ANTONIO

He shall kill 2 of us, and men indeed:

But that’s no matter; let him kill one first;

Win me and wear me; let him answer me.

Come, follow me, boy; come, sir boy, come, follow me:

Sir boy, I’ll whip you from your foining [pontuda] fence;

Nay, as I am a gentleman, I will.”

Content yourself. God knows I loved my niece;

And she is dead, slander’d to death by villains,

That dare as well answer a man indeed

As I dare take a serpent by the tongue:

Boys, apes, braggarts, Jacks, milksops!”

Hold you content. What, man! I know them, yea,

And what they weigh, even to the utmost scruple,–

Scrambling, out-facing, fashion-monging boys,

That lie and cog and flout, deprave and slander,

Go anticly, show outward hideousness,

And speak off half a dozen dangerous words,

How they might hurt their enemies, if they durst;

And this is all.”

DON PEDRO

Gentlemen both, we will not wake your patience.

My heart is sorry for your daughter’s death:

But, on my honour, she was charged with nothing

But what was true and very full of proof.

LEONATO

My lord, my lord,–

DON PEDRO

I will not hear you.”

DON PEDRO

Leonato and his brother. What thinkest thou? Had

we fought, I doubt we should have been too young for them.

BENEDICK

In a false quarrel there is no true valour. I came

to seek you both.”

DON PEDRO

As I am an honest man, he looks pale. Art thou

sick, or angry?

CLAUDIO

What, courage, man! What though care killed a cat,

thou hast mettle enough in thee to kill care.

BENEDICK

Sir, I shall meet your wit in the career, and you

charge it against me. I pray you choose another subject.”

BENEDICK

Shall I speak a word in your ear?

CLAUDIO

God bless me from a challenge!

BENEDICK

[Aside to CLAUDIO] You are a villain; I jest not:

I will make it good how you dare, with what you

dare, and when you dare. Do me right, or I will

protest your cowardice. You have killed a sweet

lady, and her death shall fall heavy on you. Let me

hear from you.

CLAUDIO

Well, I will meet you, so I may have good cheer.

DON PEDRO

What, a feast, a feast?

CLAUDIO

I’ faith, I thank him; he hath bid me to a calf’s

head and a capon; the which if I do not carve most

curiously, say my knife’s naught. Shall I not find

a woodcock too?”

DON PEDRO

But when shall we set the savage bull’s horns on

the sensible Benedick’s head?

CLAUDIO

Yea, and text underneath, ‘Here dwells Benedick the

married man’?”

I must discontinue your company: your brother the bastard is fled from Messina: you have among you killed a sweet and innocent lady. For my Lord Lackbeard there, he and I shall meet: and, till then, peace be with him.

Exit”

CLAUDIO

He is then a giant to an ape; but then is an ape a

doctor to such a man.”

DON PEDRO

Did he not say, my brother was fled?

Enter DOGBERRY, VERGES, and the Watch, with CONRADE and BORACHIO”

DOGBERRY

Marry, sir, they have committed false report;

moreover, they have spoken untruths; secondarily,

they are slanders; sixth and lastly, they have

belied a lady; thirdly, they have verified unjust

things; and, to conclude, they are lying knaves.

DON PEDRO

First, I ask thee what they have done; thirdly, I

ask thee what’s their offence; sixth and lastly, why

they are committed; and, to conclude, what you lay

to their charge.”

I have deceived even your very eyes: what your wisdoms could not discover, these shallow fools have brought to light: who in the night overheard me confessing to this man how Don John your brother incensed me to slander the Lady Hero, how you were brought into the orchard and saw me court Margaret in Hero’s garments, how you disgraced her, when you should marry her: my villany they have upon record; which I had rather seal with my death than repeat over to my shame. The lady is dead upon mine and my master’s false accusation; and, briefly, I desire nothing but the reward of a villain.”

DON PEDRO

Runs not this speech like iron through your blood?

CLAUDIO

I have drunk poison whiles he utter’d it.

DON PEDRO

But did my brother set thee on to this?

BORACHIO

Yea, and paid me richly for the practise of it.”

CLAUDIO

Sweet Hero! now thy image doth appear

In the rare semblance that I loved it first.

DOGBERRY

Come, bring away the plaintiffs: by this time our

sexton hath reformed Signior Leonato of the matter:

and, masters, do not forget to specify, when time

and place shall serve, that I am an ass.

VERGES

Here, here comes master Signior Leonato, and the

Sexton too.

Re-enter LEONATO and ANTONIO, with the Sexton”

LEONATO

Art thou the slave that with thy breath hast kill’d

Mine innocent child?

BORACHIO

Yea, even I alone.”

Yet I must speak. Choose your revenge yourself;

Impose me to what penance your invention

Can lay upon my sin: yet sinn’d I not

But in mistaking.”

LEONATO

I cannot bid you bid my daughter live;

That were impossible: but, I pray you both,

Possess the people in Messina here

How innocent she died; and if your love

Can labour ought in sad invention,

Hang her an epitaph upon her tomb

And sing it to her bones, sing it to-night:

To-morrow morning come you to my house,

And since you could not be my son-in-law,

Be yet my nephew: my brother hath a daughter,

Almost the copy of my child that’s dead,

And she alone is heir to both of us:

Give her the right you should have given her cousin,

And so dies my revenge.”

DOGBERRY

Moreover, sir, which indeed is not under white and

black, this plaintiff here, the offender, did call

me ass: I beseech you, let it be remembered in his

punishment. And also, the watch heard them talk of

one Deformed: they say he wears a key in his ear and

a lock hanging by it, and borrows money in God’s

name, the which he hath used so long and never paid

that now men grow hard-hearted and will lend nothing

for God’s sake: pray you, examine him upon that point.”

LEONATO

[To the Watch] Bring you these fellows on. We’ll

talk with Margaret,

How her acquaintance grew with this lewd fellow.

Exeunt, severally”

ACT 5

SCENE II. LEONATO’S garden.

BENEDICK

Pray thee, sweet Mistress Margaret, deserve well at

my hands by helping me to the speech of Beatrice.

MARGARET

Will you then write me a sonnet in praise of my beauty?

BENEDICK

In so high a style, Margaret, that no man living

shall come over it; for, in most comely truth, thou

deservest it.

MARGARET

To have no man come over me! why, shall I always

keep below stairs?

BENEDICK

Thy wit is as quick as the greyhound’s mouth; it catches.

MARGARET

And yours as blunt as the fencer’s foils, which hit,

but hurt not.

BENEDICK

A most manly wit, Margaret; it will not hurt a

woman: and so, I pray thee, call Beatrice: I give

thee the bucklers.

MARGARET

Give us the swords; we have bucklers of our own.

BENEDICK

If you use them, Margaret, you must put in the

pikes with a vice; and they are dangerous weapons for maids.”

Sings

The god of love,

That sits above,

And knows me, and knows me,

How pitiful I deserve,–

I mean in singing; but in loving, Leander the good

swimmer, Troilus the first employer of panders, and

a whole bookful of these quondam carpet-mangers,

whose names yet run smoothly in the even road of a

blank verse, why, they were never so truly turned

over and over as my poor self in love. Marry, I

cannot show it in rhyme; I have tried: I can find

out no rhyme to ‘lady’ but ‘baby,’ an innocent

rhyme; for ‘scorn,’ ‘horn,’ a hard rhyme; for,

school,’ ‘fool,’ a babbling rhyme; very ominous

endings: no, I was not born under a rhyming planet,

nor I cannot woo in festival terms.

Enter BEATRICE”

BENEDICK

O, stay but till then!

BEATRICE

Then’ is spoken; fare you well now: and yet, ere

I go, let me go with that I came; which is, with

knowing what hath passed between you and Claudio.

BENEDICK

Only foul words; and thereupon I will kiss thee.

BEATRICE

Foul words is but foul wind, and foul wind is but

foul breath, and foul breath is noisome; therefore I

will depart unkissed.

BENEDICK

Thou hast frighted the word out of his right sense,

so forcible is thy wit. But I must tell thee

plainly, Claudio undergoes my challenge; and either

I must shortly hear from him, or I will subscribe

him a coward. And, I pray thee now, tell me for

which of my bad parts didst thou first fall in love with me?

BEATRICE

For them all together; which maintained so politic

a state of evil that they will not admit any good

part to intermingle with them. But for which of my

good parts did you first suffer love for me?

BENEDICK

Suffer love! a good epithet! I do suffer love

indeed, for I love thee against my will.

BEATRICE

In spite of your heart, I think; alas, poor heart!

If you spite it for my sake, I will spite it for

yours; for I will never love that which my friend hates.

BENEDICK

Thou and I are too wise to woo peaceably.

BEATRICE

It appears not in this confession: there’s not one

wise man among 20 that will praise himself.”

If a man do not erect in this age his own tomb ere he dies, he shall live no longer in monument than the bell rings and the widow weeps.”

BEATRICE

And how long is that, think you?

BENEDICK

Question: why, an hour in clamour and a quarter in

rheum: therefore is it most expedient for the

wise, if Don Worm, his conscience, find no

impediment to the contrary, to be the trumpet of his

own virtues, as I am to myself. So much for

praising myself, who, I myself will bear witness, is

praiseworthy: and now tell me, how doth your cousin?

BEATRICE

Very ill.

BENEDICK

And how do you?

BEATRICE

Very ill too.”

URSULA

Madam, you must come to your uncle. Yonder’s old

coil at home: it is proved my Lady Hero hath been

falsely accused, the prince and Claudio mightily

abused; and Don John is the author of all, who is

fed and gone. Will you come presently?

BEATRICE

Will you go hear this news, signior?

BENEDICK

I will live in thy heart, die in thy lap, and be

buried in thy eyes; and moreover I will go with

thee to thy uncle’s.

Exeunt”

ACT 5

SCENE III. A church.

CLAUDIO

Now, unto thy bones good night!

Yearly will I do this rite.

ACT 5

SCENE IV. A room in LEONATO’S house. [final]

Enter LEONATO, ANTONIO, BENEDICK, BEATRICE, MARGARET, URSULA, FRIAR FRANCIS, and HERO.”

FRIAR FRANCIS

Did I not tell you she was innocent?

LEONATO

So are the prince and Claudio, who accused her

Upon the error that you heard debated:

But Margaret was in some fault for this,

Although against her will, as it appears

In the true course of all the question.

ANTONIO

Well, I am glad that all things sort so well.

BENEDICK

And so am I, being else by faith enforced

To call young Claudio to a reckoning for it.

LEONATO

Well, daughter, and you gentle-women all,

Withdraw into a chamber by yourselves,

And when I send for you, come hither mask’d.

Exeunt Ladies

The prince and Claudio promised by this hour

To visit me. You know your office, brother:

You must be father to your brother’s daughter

And give her to young Claudio.”

BENEDICK

Friar, I must entreat your pains, I think.

FRIAR FRANCIS

To do what, signior?

BENEDICK

To bind me, or undo me; one of them.

Signior Leonato, truth it is, good signior,

Your niece regards me with an eye of favour.

LEONATO

That eye my daughter lent her: ‘tis most true.

BENEDICK

And I do with an eye of love requite her.

LEONATO

The sight whereof I think you had from me,

From Claudio and the prince: but what’s your will?

BENEDICK

Your answer, sir, is enigmatical:

But, for my will, my will is your good will

May stand with ours, this day to be conjoin’d

In the state of honourable marriage:

In which, good friar, I shall desire your help.”

Enter DON PEDRO and CLAUDIO, and two or three others.”

LEONATO

Good morrow, prince; good morrow, Claudio:

We here attend you. Are you yet determined

To-day to marry with my brother’s daughter?

CLAUDIO

I’ll hold my mind, were she an Ethiope.”


DON PEDRO

Good morrow, Benedick. Why, what’s the matter,

That you have such a February face,

So full of frost, of storm and cloudiness?

CLAUDIO

I think he thinks upon the savage bull.

Tush, fear not, man; we’ll tip thy horns with gold

And all Europa shall rejoice at thee,

As once Europa did at lusty Jove,

When he would play the noble beast in love.

BENEDICK

Bull Jove, sir, had an amiable low;

And some such strange bull leap’d your father’s cow,

And got a calf in that same noble feat

Much like to you, for you have just his bleat.”

CLAUDIO

Re-enter ANTONIO, with the Ladies masked

Which is the lady I must seize upon?

ANTONIO

This same is she, and I do give you her.

CLAUDIO

Why, then she’s mine. Sweet, let me see your face.

LEONATO

No, that you shall not, till you take her hand

Before this friar and swear to marry her.

CLAUDIO

Give me your hand: before this holy friar,

I am your husband, if you like of me.

HERO

And when I lived, I was your other wife:

Unmasking

And when you loved, you were my other husband.

CLAUDIO

Another Hero!

HERO

Nothing certainer:

One Hero died defiled, but I do live,

And surely as I live, I am a maid.”

LEONATO

She died, my lord, but whiles her slander lived.

FRIAR FRANCIS

All this amazement can I qualify:

When after that the holy rites are ended,

I’ll tell you largely of fair Hero’s death:

Meantime let wonder seem familiar,

And to the chapel let us presently.

BENEDICK

Soft and fair, friar. Which is Beatrice?

BEATRICE

[Unmasking] I answer to that name. What is your will?

BENEDICK

Do not you love me?

BEATRICE

Why, no; no more than reason.

BENEDICK

Why, then your uncle and the prince and Claudio

Have been deceived; they swore you did.

BEATRICE

Do not you love me?

BENEDICK

Troth, no; no more than reason.

BEATRICE

Why, then my cousin Margaret and Ursula

Are much deceived; for they did swear you did.

BENEDICK

They swore that you were almost sick for me.

BEATRICE

They swore that you were well-nigh dead for me.

BENEDICK

Tis no such matter. Then you do not love me?

BEATRICE

No, truly, but in friendly recompense.

LEONATO

Come, cousin, I am sure you love the gentleman.

CLAUDIO

And I’ll be sworn upon’t that he loves her;

For here’s a paper written in his hand,

A halting sonnet of his own pure brain,

Fashion’d to Beatrice.

HERO

And here’s another

Writ in my cousin’s hand, stolen from her pocket,

Containing her affection unto Benedick.

BENEDICK

A miracle! here’s our own hands against our hearts.

Come, I will have thee; but, by this light, I take

thee for pity.

BEATRICE

I would not deny you; but, by this good day, I yield

upon great persuasion; and partly to save your life,

for I was told you were in a consumption.

BENEDICK

Peace! I will stop your mouth.

Kissing her

DON PEDRO

How dost thou, Benedick, the married man?

BENEDICK

I’ll tell thee what, prince; a college of

wit-crackers cannot flout me out of my humour. Dost

thou think I care for a satire or an epigram? No:

if a man will be beaten with brains, a’ shall wear

nothing handsome about him. In brief, since I do

purpose to marry, I will think nothing to any

purpose that the world can say against it; and

therefore never flout at me for what I have said

against it; for man is a giddy thing, and this is my

conclusion. For thy part, Claudio, I did think to

have beaten thee, but in that thou art like to be my

kinsman, live unbruised and love my cousin.

CLAUDIO

I had well hoped thou wouldst have denied Beatrice,

that I might have cudgelled thee out of thy single

life, to make thee a double-dealer; which, out of

question, thou wilt be, if my cousin do not look

exceedingly narrowly to thee.”

BENEDICK

First, of my word; therefore play, music. Prince,

thou art sad; get thee a wife, get thee a wife:

there is no staff more reverend than one tipped with horn.

Enter a Messenger

Messenger

My lord, your brother John is ta’en in flight,

And brought with armed men back to Messina.

BENEDICK

Think not on him till to-morrow:

I’ll devise thee brave punishments for him.

Strike up, pipers.

Dance

Exeunt”

GLOSSÁRIO:

bleat: balido

buckler: escudo

capon: galo capado

codpiece: braguilha

ewe: ovelha fêmewa

foining: espetar; arma afiada

gaol: jail, gaiola

racemes: “An inflorescence having stalked flowers arranged singly along an elongated unbranched axis, with the flowers at the bottom opening first.” = CACHO, aproximadamente.

sea cole: “1. perennial of coastal sands and shingles of northern Europe and Baltic and Black Seas having racemes of small white flowers and large fleshy blue-green leaves often used as potherbs

Crambe maritima, sea kale

2. Crambe, genus Crambeannual or perennial herbs with large leaves that resemble the leaves of cabbages

3. herb, herbaceous plant – a plant lacking a permanent woody stem; many are flowering garden plants or potherbs; some having medicinal properties; some are pests”

shingles: “An acute viral infection characterized by inflammation of the sensory ganglia of certain spinal or cranial nerves and the eruption of vesicles along the affected nerve path. It usually strikes only one side of the body and is often accompanied by severe neuralgia. Also called herpes zoster.”

tartly: amargo

trow: “A trow was a type of cargo boat found in the past on the rivers Severn and Wye in Great Britain and used to transport goods.” encyclopedia.thefreedictionary.com

PEDAGOGIA DO OPRIMIDO – Paulo Freire. Ou como diríamos após o vendaval fascista: A ESCOLA DO BOM PARTIDO! Ou: POR QUE FILÓSOFOS NÃO SÃO APRECIADOS EM SUA TERRA NATAL. Ou ainda: ANTROPOLOGIA DA PEDAGOGIA.

Ed. Paz e Terra, 1970 (23ª reimpressão).

LEGENDA

Conteúdo do autor original “”: sempre entre aspas

Colchetes []: quando faço observações dentro das aspas

Cor vermelha, grifos: mais importante

Cor verde: raciocínios perniciosos (normalmente, citação de autores ou realizadores da opressão)

Cor azul: meus comentários quando fora de colchetes

PREFÁCIO (Ou: resumo de Ser e Tempo) – Ernani Maria Fiori

Uma cultura tecida com a trama da dominação, por mais generosos que sejam os propósitos de seus educadores, é barreira cerrada às possibilidades educacionais dos que se situam nas subculturas dos proletários e marginais.”

A pedagogia do oprimido é, pois, liberadora de ambos, do oprimido e do opressor.”

o processo em que a vida como biologia passa a ser vida como biografia. (Ortega)”

a pedagogia faz-se antropologia.” “contínua recriação de um mundo que, ao mesmo tempo, obstaculiza e provoca o esforço de superação liberadora da consciência humana. A antropologia acaba por exigir e comandar uma política.”

círculo de cultura” “Como unir consciências autênticas quando cada consciência implica uma cisão com o mundo do outro? Pois cultura é crítica. Toda cultura, todo círculo de cultura, é uma crítica de culturas e outros círculos culturais.(*)”

(Sobre a alfabetização): “não há professor, há um coordenador, que tem por função dar as informações solicitadas pelos respectivos participantes e propiciar condições favoráveis à dinâmica do grupo, reduzindo ao mínimo sua intervenção direta no curso do diálogo.”

objetivação das palavras geradoras”

Pensar o mundo é julgá-lo; e a experiência dos círculos de cultura mostra que o alfabetizando, ao começar a escrever livremente, não copia palavras, mas expressa juízos.” “o alfabetizando (…) vai assumindo, gradualmente, a consciência de testemunha de uma história de que se sabe autor.”

testemunha responsável por (terminologia mais explorada no último capítulo)

a empresa educativa, que não é senão aprendizagem permanente desse esforço de totalização – jamais acabada – através do qual o homem tenta abraçar-se inteiramente na plenitude de sua forma.” “Mas, para isto, para assumir responsavelmente sua missão de homem, há de aprender a dizer a sua palavra, pois, com ela, constitui a si mesmo e a comunhão humana em que se constitui”

Tudo foi resumido por uma mulher simples do povo, num círculo de cultura, diante de uma situação representada em quadro: ‘Gosto de discutir sobre isto porque vivo assim. Enquanto vivo, porém, não vejo. Agora sim, observo como vivo’. § A consciência é essa misteriosa e contraditória capacidade que tem o homem de distanciar-se das coisas para fazê-las presentes, imediatamente presentes.”

Trajeto Schopenhauer-Heidegger: presença não é representação, mas (condição de) apresentação.” Demiurgia antropomórfica. Quem não tem um presente, em que é livre, não vive, não é homem.

e o coito de suas respostas mede-se por sua maior ou menor adaptação: naturaliza-se.” Naturaliza-se: anti-culturaliza-se (mas toda cultura é ‘natural’).

coisas desafios

limitação (dogma da liberdade relativa) não é aprisionamento ou confinamento. Mas a condição de possibilidade da existência livre e original.

consciência do além-limite” (além-animal)

transubstanciação do meio físico”

o homem não se naturaliza, humaniza (culturaliza) o mundo (a natureza).”

hominização”

adaptar: processo estacionário, dado – o revolucionário não se adapta, transgride.

hominizar: processo dinâmico, criação

a interrogação nunca é pergunta exclusivamente especulativa: [a pedagogia inútil e livresca de hoje] no processo de totalização da consciência é sempre provocação que a incita a totalizar-se. O mundo é espetáculo, [observação passiva] mas sobretudo convocação. [chamada a subir ao palco]

PENSAR OU AGIR? PENSAR & AGIR: “Se a consciência se distancia do mundo e o objetiva, é porque sua intencionalidade transcendental a faz reflexiva.”

a distância é a condição da presença.” Não há zero distância ou presença absoluta. Por outro lado, nada está infinitamente distante ou é irrecuperável. Quem não se vê de fora, se objetificando em exercício abstrato, não compreende a própria existência.

(*)(Retomada do dilema introdutório:) “Se cada consciência tivesse o seu mundo, as consciências se desencontrariam em mundos diferentes e separados – seriam mônadas incomunicáveis.”

convergência das intenções”

Infelizmente, convergimos até com fascistas.

As consciências não são comunicantes porque se comunicam; mas comunicam-se porque comunicantes. A intersubjetivação das consciências é tão originária quanto sua mundanidade ou sua subjetividade.” Trocando em miúdos para o pedagogês-sem-filosofês: Antes de existir o eu, já existia o nós.

Na intersubjetivação, as consciências também se põem como consciências de um certo mundo comum e, nesse mundo, se opõem como consciência de si e consciência do outro. Comunicamo-nos na oposição” Não há espaço para solipsismos.

A solidão – não o isolamento – só se mantém enquanto renova e revigora as condições do diálogo. [A solidão é como o distanciar-se a fim de estar verdadeiramente presente.]

O diálogo fenomeniza e historiciza a essencial intersubjetividade humana; ele é relacional; e, nele, ninguém tem iniciativa absoluta. Os dialogantes ‘admiram’ [esta palavra, ainda veremos, tem conotação afirmativa em Freire] um mesmo mundo; afastam-se dele e com ele co[-]incidem; nele põem-se e opõem-se. Vimos que, assim, a consciência se existencia e busca perfazer-se.”

Todo quartel é um quadrante errado (isolado) da existência.

Então, o mundo da consciência não é criação, [divina, destino] mas sim, elaboração humana. Esse mundo não se constitui na contemplação, [diferente de admiração, acima] mas no trabalho.”

o espetáculo, em verdade, é compromisso.” O espetáculo é o mundo admirado do qual pode-se escolher ou vir a participar. Esse é o compromisso, uma escolha consciente. “Reencontrar-se como sujeito e liberar-se é todo o sentido do compromisso histórico.”

Em diálogo circular, [dialético, não-repetitivo, mas recursivo] intersubjetivando-se mais e mais, vai assumindo, criticamente, o dinamismo de sua subjetividade criadora. Todos juntos, em círculo, [representa a igualdade entre os participantes da proposta pedagógica – todos estão a igual distância do centro comum] e em colaboração, reelaboram o mundo e, ao reconstruí-lo, apercebem-se de que, embora construído também por eles, esse mundo não é verdadeiramente para eles. Humanizado por eles, esse mundo não os humaniza. As mãos que o fazem não são as que o dominam. [falta de controle sobre o produto do próprio trabalho] Destinado a liberá-los como sujeitos, escraviza-os como objetos.”

não se davam conta de que também eram presença que presentifica um mundo que não é de ninguém, porque originariamente é de todos.”

Como todo bom método pedagógico, [o método Paulo Freire] não pretende ser método de ensino, mas sim de aprendizagemRecomendo consultar os termos na internet, mas um rápido resumo: método de ensino – educação tradicional, professor como protagonista, ênfase no conteúdo, ‘cápsulas de saber’, contextualizadas ou não com os estudantes; método de aprendizagem – mais moderno, se preocupa com o que se passa com o aluno após a transmissão do saber, enfatiza conteúdos importantes para o contexto do aluno, a denúncia de que o método de ensino, antigo, era a perpetuação de uma necessidade de decorar conteúdos sem-sentido, aprender por aprender, e ainda pior: aprender por um tempo curto, pois inútil na ‘vida real’. Podemos grosso modo dizer, ainda: a aprendizagem é um meio para um fim; o ensino enquanto método pedagógico já é um fim em si mesmo.

A cultura marca o aparecimento do homem no largo processo da evolução cósmica. A essência humana existencia-se, autodesvelando-se como história. Mas essa consciência histórica, objetivando-se reflexivamente, surpreende-se a si mesma, passa a dizer-se, torna-se consciência historiadora: o homem é levado a escrever sua história. Alfabetizar-se é aprender a ler essa palavra escrita em que a cultura se diz e, dizendo-se criticamente, deixa de ser repetição intemporal do que passou, para temporalizar-se, para conscientizar sua temporalidade constituinte, que é anúncio e promessa do que há de vir.” O educar não faz sentido se não é agente transformador dos educandos.

HORA DO DITADO (DITADURA DO DITO): “Ensinar a ler as palavras ditas e ditadas é uma forma de mistifìcar as consciências, despersonalizando-as na repetição – é a técnica da propaganda massificadora.” Ditado, prática comum dos primeiros níveis da escola fundamental: o pior exemplo do método de ensino, sem aprendizagem. Exemplo extremo: Aprendi a escrever lápis, mas talvez nem saiba o que é um lápis e para quê serve (ironicamente, usando o lápis para escrever lápis).

Aprender a dizer a sua palavra é toda a pedagogia, e também toda a antropologia.” Lápis, acima, não é a sua palavra, mas uma palavra despida de sentido, porque despida de contexto. A alfabetização verdadeira vem depois, quando se formulam enunciados, expressando visões de mundo.

A palavra pessoal, criadora, pois a palavra repetida é monólogo das consciências que perderam sua identidade, isoladas, imersas na multidão anônima e submissas a um destino que lhes é imposto e que não são capazes de superar, com a decisão de um projeto.” Palavra repetida me lembra: coral de igreja: os anjinhos que não sabem o que lêem. Mas lêem e capricham na leitura. Recebem aplausos do padre.

O enfrentamento com o mundo é ameaça e risco. O homem substitui o envoltório protetor do meio natural por um mundo que o provoca e desafia. Num comportamento ambíguo, enquanto ensaia o domínio técnico desse mundo, tenta voltar a seu seio, imergir nele, enleando-se na indistinção entre palavra e coisa.¹ A palavra, primitivamente, é mito. Interior ao mito e condição sua, o ‘logos’ humano vai conquistando primazia, com a inteligência das mãos que transformam o mundo.”²

¹ O descompasso entre as maiores maravilhas tecnológicas e ainda o mesmo primitivismo de sempre na pedagogia: a maioria dos homens pensa que palavras e coisas são atributos absolutos, já dados desde que o mundo é mundo, e que não foram criadas pelo próprio homem.

² De certa forma, a alfabetização-para-o-mundo (o método Freire) é apenas a repetição, em nível individual, da história conhecida da cultura: como viemos das trevas para nos tornarmos seres ativos, culturas, civilizações. E para que continuemos sendo ativos, é necessário repetir o processo, que nunca se fará por si mesmo. Nada do que foi conquistado no passado garante o presente do homem, que afinal não é o mesmo indivíduo que dominou o fogo e que filosofou na Grécia. Mas agora temos uma dimensão histórica que aquele mesmo homem, tão esclarecido, ainda não possuía.

A narração do mito, no entanto, objetivando o mundo mítico e entrevendo o seu conteúdo racional, acaba por devolver à consciência a autonomia da palavra, distinta das coisas que ela significa e transforma.” O mito, como ponto de origem do saber, não é mal em si mesmo; e sim uma má utilização do mito para falsear a realidade. Somos intérpretes de mitos.

a cultura letrada é um epifenômeno [instrumento] da cultura, que, atualizando sua reflexividade virtual, encontra na palavra escrita uma maneira mais firme e definida de dizer-se, isto é, de existenciar-se discursivamente na ‘práxis’ histórica. Podemos conceber a ultrapassagem da cultura letrada: o que, em todo caso, ficará, é o sentido profundo que ela manifesta: escrever e não conservar e repetir a palavra dita, mas dizê-la com a força reflexiva que sua autonomia lhe dá – a força ingênita que a faz instauradora do mundo da consciência, criadora da cultura.” Diferente de todas as toneladas de teses e papers de hoje, meras repetições analfabetas de um mundo velho. Ernani, ao dizer “Podemos conceber a ultrapassagem da cultura letrada”, além de lembrar que existe uma cultura popular (mesmo escrita), pode estar falando do cinema ou das comunicações audiovisuais em geral, hoje imperantes. Tudo isso é ainda logos (razão e palavra), no entanto.

a sua palavra humana imita a palavra divina” Ainda estamos muito aquém. Circundados por escravos que são todo-orgulho (me refiro aos acadêmicos e seu monopólio sobre o saber). E são acadêmicos cada vez piores (basta olhar para os séculos passados).

Aos que constroem juntos o mundo humano, compete assumirem a responsabilidade de dar-lhe direção.” “então conscientizar é politizar. E a cultura popular se traduz por política popular; não há cultura do Povo, sem política do Povo.”

[Paulo Freire] Não absorve o político no pedagógico, mas também não põe inimizade entre educação e política. Distingue-as, sim, mas na unidade do mesmo movimento em que o homem se historiciza e busca reencontrar-se, [outro motivo de falar-se de círculo] isto é, busca ser livre. Não tem a ingenuidade de supor que a educação, só ela, decidirá dos rumos da história, mas tem, contudo, a coragem suficiente para afirmar que a educação verdadeira conscientiza as contradições do mundo humano, sejam estruturais, superestruturais ou inter-estruturais, contradições que impelem o homem a ir adiante. As contradições conscientizadas não lhe dão mais descanso, tornam insuportável a acomodação.” O homem que aprendeu a problematizar o mundo não se é mais mero macaco, autômato desesperado e agitado, que pula de galho em galho, estruturalmente correlato, i.e., no tédio da existência, só sabe ir de um extremo ao outro, procurando um sentido absoluto que jamais encontrará (comentário dedicado a um fascista que cruzou meu caminho, que mascaro sob um inteligente apelido para evitar processinhos: Acefaloísio).

Um método pedagógico de conscientização alcança as últimas fronteiras do humano. E como o homem sempre se excede, o método também o acompanha.”

Em regime de dominação de consciências, em que os que mais trabalham menos podem dizer a sua palavra e em que multidões imensas nem sequer têm condições para trabalhar, os dominadores mantêm o monopólio da palavra, com que mistificam, massificam e dominam. Nessa situação, os dominados, para dizerem a sua palavra, têm que lutar para tomá-la. Aprender a tomá-la dos que a detêm e a recusam aos demais é um difícil mas imprescindível aprendizado – é a ‘pedagogia do oprimido’.” A missão da minha geração é ser o pesadelo número 1 da mídia tradicional. Propagar a verdade.

Santiago, 1957

PRIMEIRAS PALAVRAS (agora sim Paulo Freire em pessoa entra em cena!)

As páginas que se seguem e que propomos como uma introdução à Pedagogia do Oprimido são o resultado de nossas observações nestes 5 anos de exílio. Observações que se vêm juntando às que fizemos no Brasil.” “Parta de quem parta, a sectarização é um obstáculo à emancipação dos homens. Daí que seja doloroso observar que nem sempre o sectarismo de direita provoque o seu contrário, isto é, a radicalização do revolucionário.”

o sectário de direita que, no nosso ensaio anterior, chamamos de ‘sectário de nascença’ pretende frear o processo, ‘domesticar’ o tempo e, assim, os homens. Esta é a razão também porque o homem de esquerda, ao sectarizar-se, se equivoca totalmente na sua interpretação ‘dialética’ da realidade, da história, deixando-se cair em posições fundamentalmente fatalistas.”

Santiago, 1968 [significa que esteve exilado já antes da ditadura militar – um forte indício de que seu trabalho incomodava e muito; ou seja, de que estava no bom caminho.]

CAPÍTULO 1. JUSTIFICATIVA DA “PEDAGOGIA DO OPRIMIDO”

Reconhecemos a amplitude do tema que propomos tratar neste ensaio, com o qual pretendemos, em certo aspecto, aprofundar alguns pontos discutidos em nosso trabalho anterior Educação como Prática da Liberdade. Daí que o consideremos como mera introdução

A desumanização, que não se verifica, apenas, nos que têm sua humanidade roubada, mas também, ainda que de forma diferente, nos que a roubam, é distorção da vocação do ser mais. É distorção possível na história, mas não vocação histórica. Na verdade, se admitíssemos que a desumanização é vocação histórica dos homens, nada mais teríamos que fazer, a não ser adotar uma atitude cínica ou de total desespero.”

A violência dos opressores que os faz também desumanizados, não instaura uma outra vocação – a do ser menos. Como distorção do ser mais, o ser menos leva os oprimidos, cedo ou tarde, a lutar contra quem os fez menos.”

A ‘ordem’ social injusta é a fonte geradora, permanente, desta ‘generosidade’ que se nutre da morte, do desalento e da miséria.”

[os oprimidos-não-conscientes do verdadeiro problema dialético da opressão] querem a reforma agrária, não para libertar-se, mas para passar a ter terra e, com esta, tornar-se proprietários ou, mais precisamente, patrões de novos empregados. Raros são os camponeses que, ao serem ‘promovidos’ a capatazes, não se tornam mais duros opressores de seus antigos companheiros do que o patrão mesmo.” O Movimento dos Sem Terra está informado desta contradição.

A liberdade, que é uma conquista, e não uma doação, exige uma permanente busca. Busca permanente que só existe no ato responsável de quem a faz. Ninguém tem liberdade para ser livre: pelo contrário, luta por ela precisamente porque não a tem. Não é também a liberdade um ponto ideal, fora dos homens, ao qual inclusive eles se alienam.”

Não basta saber-se numa relação dialética com o opressor – seu contrário antagônico – descobrindo, por exemplo, que sem eles o opressor não existiria, (Hegel) para estarem de fato libertados. É preciso, enfatizemos, que se entreguem à práxis libertadora.”

Descobrir-se na posição de opressor, mesmo que sofra por este fato, não é ainda solidarizar-se com os oprimidos. Solidarizar-se com estes é algo mais que prestar assistência a 30 ou a 100, mantendo-os atados, contudo, à mesma posição de dependência. Solidarizar-se não é ter a consciência de que explora e ‘racionalizar’ sua culpa paternalistamente. A solidariedade, exigindo de quem se solidariza, que ‘assuma’ a situação de com quem se solidarizou, é uma atitude radical.”

O opressor só se solidariza com os oprimidos quando o seu gesto deixa de ser um gesto piegas e sentimental, de caráter individual, e passa a ser um ato de amor àqueles. Quando, para ele, os oprimidos deixam de ser uma designação abstrata e passam a ser os homens concretos, injustiçados e roubados. Roubados na sua palavra, por isto no seu trabalho comprado, que significa a sua pessoa vendida.”

A objetividade dicotomizada da subjetividade, a negação desta na análise da realidade ou na ação sobre ela, é objetivismo. Da mesma forma, a negação da objetividade, na análise como na ação, conduzindo ao subjetivismo que se alonga em posições solipsistas, nega a ação mesma, por negar a realidade objetiva, desde que esta passa a ser criação da consciência. Nem objetivismo, nem subjetivismo ou psicologismo, mas subjetividade e objetividade em permanente dialeticidade.

Confundir subjetividade com subjetivismo, com psicologismo, e negar-lhe a importância que tem no processo de transformação do mundo, da história (…) É admitir o impossível: um mundo sem homens, tal qual a outra ingenuidade, a do subjetivismo, que implica homens sem mundo.”

O que Marx criticou, e cientificamente destruiu, não foi a subjetividade, mas o subjetivismo, o psicologismo.” “Se os homens são os produtores desta realidade e se esta, na ‘inversão da práxis’, se volta sobre eles e os condiciona, transformar a realidade opressora é tarefa histórica, é tarefa dos homens.”

Este é um dos problemas mais graves que se põem à libertação. É que a realidade opressora, ao constituir-se como um quase mecanismo de absorção dos que nela se encontram, funciona como uma força de imersão das consciências.” Opressores que não se julgam opressores, oprimidos que se pensam – e favoravelmente! – opressores, ou ao menos não-oprimidos, ou ‘oprimidos conformados’.

Hay que hacer la opresión real todavia más opresiva añadiendo a aquella la consciencia de la opresión, haciendo la infamia todavia más infamante, al pregonarla.”

Marx e Engels, Sagrada Família

O NOVO ENSINO MÉDIO: “Por isto, inserção crítica e ação já são a mesma coisa. Por isto também é que o mero reconhecimento de uma realidade que não leve a esta inserção crítica (ação já) não conduz a nenhuma transformação da realidade objetiva, precisamente porque não é reconhecimento verdadeiro.”

A ‘racionalização’, como mecanismo de defesa, termina por identificar-se com o subjetivismo. Ao não negar o fato, mas distorcer suas verdades, a ‘racionalização’ ‘retira’ as bases objetivas do mesmo.” Diz o racionalista inautêntico: o problema da pedagogia existe e é profundo, está-aí. Mas é insolúvel. Não tem a ver com a luta de classes, precisamos propor ‘soluções pragmáticas’, etc., etc. Ao dizer que a educação anda mal e precisa melhorar, é tido superficialmente como um crítico do sistema, mas não avança no problema, estanca-o mesmo. Ou a educação sempre andará mal porque não é possível fazer nada a respeito, ou formulam-se soluções mirabolantes, eternamente fadadas ao fracasso, e não se modifica o discurso, e não cessa o ciclo de formulação de soluções mirabolantes.

« il doit, pour employer les mots de Marx, expliquer aux masses leur propre action non seulement afin d’assurer la continuité des expériences revolutionnaires du prolétariat, mais aussi d’activer consciemment le développement ultérieur de ces expériences. »

Lukács, Lenin

quê-fazer/quefazer X puro fazer

ação organizada dos oprimidos X ação alienada

Para nós, contudo, a questão não está propriamente em explicar às massas, mas em dialogar com elas sobre a sua ação. De qualquer forma, o dever que Lukács reconhece ao partido revolucionário de ‘explicar às massas a sua ação’ coincide com a exigência que fazemos da inserção crítica das massas na sua realidade através da práxis, pelo fato de nenhuma realidade se transformar a si mesma.”

Nenhuma pedagogia realmente libertadora pode ficar distante dos oprimidos, quer dizer, pode fazer deles seres desditados, objetos de um ‘tratamento’ humanitarista,¹ para tentar, através de exemplos retirados de entre os opressores, modelos para a sua ‘promoção’. Os oprimidos hão de ser o exemplo para si mesmos, na luta por sua redenção.

¹ ideologia (do) humanismo(ta) X ideologia (do) humanitarismo(ta)

práxis revolucionária X discurso liberal da meritocracia, demagogia

A pedagogia do oprimido, que busca a restauração da intersubjetividade, se apresenta como pedagogia do Homem. (…) Pelo contrário, a pedagogia que, partindo dos interesses egoístas dos opressores, egoísmo camuflado de falsa generosidade, faz dos oprimidos objetos de seu humanitarismo, mantém e encarna a própria opressão.”

Se, porém, a prática desta educação implica o poder político e se os oprimidos não o têm, como então realizar a pedagogia do oprimido antes da revolução?”

trabalhos educativos X educação sistemática

Trabalho de base, contínuo, implementando a conscientização paulatina dos oprimidos, que segundo Freire com o tempo e o sucesso da primeira etapa do trabalho de base passam a ser, já, ‘sujeitos em direção à libertação’, ex-oprimidos conscientes e emergentes, já capazes de co-conduzir o processo da luta, e não apenas submeter-se à inércia da pedagogia do opressor. X Tomar-o-poder-para-depois-revolucionar-a-educação (reforma vertical, de alto escalão, de cima para baixo)

tese-antítese-síntese em operação:

De: homens opressores vs. homens oprimidos… A: homens libertando-se.

A situação de opressão em que se ‘formam’, em que ‘realizam’ sua existência, os constitui nesta dualidade, na qual se encontram proibidos de ser. Basta, porém, que homens estejam sendo proibidos de ser mais para que a situação objetiva em que tal proibição se verifica seja, em si mesma, uma violência. Violência real, não importa que, muitas vezes, adocicada pela falsa generosidade a que nos referimos, porque fere a ontológica e histórica vocação dos homens — a do ser mais.”

Como poderiam os oprimidos dar início à violência, se eles são o resultado de uma violência? § Como poderiam ser os promotores de algo que, ao instaurar-se objetivamente, os constitui?”

Inauguram a violência os que oprimem, os que exploram, os que não se reconhecem nos outros; não os oprimidos, os explorados, os que não são reconhecidos pelos que os oprimem como outro. § Inauguram o desamor (…) porque apenas se amam.

Os que inauguram o terror não são os débeis, que a ele são submetidos, mas os violentos que, com seu poder, criam a situação concreta em que se geram os ‘demitidos da vida’, os esfarrapados do mundo.”

Quem inaugura a negação dos homens não são os que tiveram a sua humanidade negada, mas os que a negaram, negando também a sua.”

Para os opressores, porém, na hipocrisia de sua ‘generosidade’, são sempre os oprimidos, que eles jamais obviamente chamam de oprimidos, mas, conforme se situem, interna ou externamente, de ‘essa gente’ ou de ‘essa massa cega e invejosa’, ou de ‘selvagens’, ou de ‘nativos’, ou de ‘subversivos’, [os ‘favelados’] são sempre os oprimidos os que desamam. São sempre eles os ‘violentos’, os ‘bárbaros’, os ‘malvados’, os ‘ferozes’, quando reagem à violência dos opressores.” Veja a repetição dessa lógica agora em Gaza. “Consciente ou inconscientemente, o ato de rebelião dos oprimidos, que é sempre tão ou quase tão violento quanto a violência que os cria, este ato dos oprimidos, sim, pode inaugurar o amor.” “Os opressores, violentando e proibindo que os outros sejam, não podem igualmente ser; os oprimidos, lutando por ser, ao retirar-lhes o poder de oprimir e de esmagar, lhes restauram a humanidade que haviam perdido no uso da opressão.”

Os freios que os antigos oprimidos devem impor aos antigos opressores para que não voltem a oprimir não são opressão daqueles a estes. A opressão só existe quando se constitui em um ato proibitivo do ser mais dos homens. Por esta razão, estes freios, que são necessários, não significam, em si mesmos, que os oprimidos de ontem se tenham transformado nos opressores de hoje.” “Um ato que proíbe a restauração deste regime não pode ser comparado com o que o cria e o mantém; não pode ser comparado com aquele através do qual alguns homens negam às maiorias o direito de ser.”

SINAL VERMELHO: “No momento, porém, em que o novo poder se enrijece em ‘burocracia’ dominadora, se perde a dimensão humanista da luta e já não se pode falar em libertação.”

os opressores de ontem não se reconhecem em libertação. Pelo contrário, vão sentir-se como se realmente estivessem sendo oprimidos. É que, para eles, ‘formados’ na experiência de opressores, tudo o que não seja o seu direito antigo de oprimir significa opressão a eles. Vão sentir-se, agora, na nova situação, como oprimidos porque, se antes podiam comer, vestir, calçar, educar-se, passear, ouvir Beethoven, enquanto milhões não comiam, não calçavam, não vestiam, não estudavam nem tampouco passeavam, quanto mais podiam ouvir Beethoven, qualquer restrição a tudo isto, em nome do direito de todos, lhes parece uma profunda violência a seu direito de pessoa. Direito de pessoa que, na situação anterior, não respeitava nos milhões de pessoas que sofriam e morriam de fome, de dor, de tristeza, de desesperança.”

HUMANOS ‘DIREITOS’ “É que, para eles, pessoa humana são apenas eles. Os outros, estes são ‘coisas’. Para eles, há um só direito — o seu direito de viverem em paz, ante o direito de sobreviverem, que talvez nem sequer reconheçam, mas somente admitam aos oprimidos. E isto ainda porque, afinal, é preciso que os oprimidos existam, para que eles existam e sejam ‘generosos’…” Pois quem irá esfregar suas roupas sujas?

Esta violência, como um processo, passa de geração a geração de opressores, que se vão fazendo legatários dela e formando-se no seu clima geral. Este clima cria nos opressores uma consciência fortemente possessiva. Possessiva do mundo e dos homens. Fora da posse direta, concreta, material, do mundo e dos homens, os opressores não se podem entender a si mesmos. (…) A terra, os bens, a produção, a criação dos homens, os homens mesmos, o tempo em que estão os homens, tudo se reduz a objeto de seu comando.

Nesta ânsia irrefreada de posse, desenvolvem em si a convicção de que lhes é possível transformar tudo a seu poder de compra. Daí a sua concepção estritamente materialista da existência. O dinheiro é a medida de todas as coisas. E o lucro, seu objetivo principal.” Ser, para eles, é ter e ter como classe que tem.”

humanização é apenas sua. A dos outros, dos seus contrários, se apresenta como subversão. Humanizar é, naturalmente, segundo seu ponto de vista, subverter, e não ser mais.”

Esta tendência dos opressores de inanimar tudo e todos, que se encontra em sua ânsia de posse, se identifica, indiscutivelmente, com a tendência sadista.” “O sadismo aparece, assim, como uma das características da consciência opressora, na sua visão necrófila do mundo. Por isto é que o seu amor é um amor às avessas — um amor à morte e não à vida.”

Daí que vão se apropriando, cada vez mais, da ciência também, como instrumento para suas finalidades. Da tecnologia, que usam como força indiscutível de manutenção da ‘ordem’ opressora, com a qual manipulam e esmagam.”

DOS RICOS QUE VÃO PARA O CÉU: “Em face de tudo isto é que se coloca a nós mais um problema de importância inegável a ser observado no corpo destas considerações, que é o da adesão e consequente passagem que fazem representantes do polo opressor ao polo dos oprimidos. De sua adesão à luta destes por libertar-se.”

TODO FILANTROPO É BEM-INTENCIONADO, MAS NEM TODO BEM-INTENCIONADO É BEM-VINDO À LUTA: “Acontece, porém, que, ao passarem de exploradores (1) ou de espectadores indiferentes (2) ou de herdeiros da exploração (3)¹ — o que é uma conivência com ela — ao pólo dos explorados, quase sempre levam consigo, condicionados pela ‘cultura do silêncio’,(*) toda a marca de sua origem. Seus preconceitos. Suas deformações, entre estas, a desconfiança do povo. Desconfiança de que o povo seja capaz de pensar certo. De querer. De saber. § Deste modo, estão sempre correndo o risco de cair num outro tipo de generosidade, tão funesto quanto o que criticamos nos dominadores. (…) acreditam que devem ser os

fazedores da transformação.” O mito dos heróis escolhidos, de raiz aristocrata. Os reformadores não-dialéticos, liberais, da educação.

¹ Três subtipos da classe dominadora. O quarto subtipo seriam os traidores ou explorados voluntários. Paulo Freire citará Guevara na parte final da obra sobre a classe dos traidores.

(*) FREIRE, Ação cultural para a liberdade e outros escritos

crer no povo é a condição prévia, indispensável, à mudança revolucionária. Um revolucionário se reconhece mais por esta crença no povo, que o engaja, do que por mil ações sem ela.” Serei eu mesmo revolucionário? A que ponto? Considero-me de uma elite intelectual privilegiada e incompreensível, impotente para participar positivamente das mudanças históricas? “Àqueles que se comprometem autenticamente com o povo é indispensável que se revejam constantemente. Esta adesão é de tal forma radical que não permite a quem a faz comportamentos ambíguos.”

Fazer esta adesão e considerar-se proprietário do saber revolucionário, que deve, desta maneira, ser doado ou imposto ao povo, é manter-se como era antes.” Nem Marx era proprietário do marxismo, e o sabia – e este é um aspecto intencionalmente ou não esquecido por toda a crítica ao marxismo. Se o povo não pode atuar livremente, ainda não estão dadas as condições da revolução (momento 1 de 2 em Paulo Freire). Stalin surgiu cedo demais, teve de impor para subsistir; se surgira mais tarde, não seria um Stalin, sendo genuinamente revolucionário.

Dizer-se comprometido com a libertação e não ser capaz de comungar com o povo, a quem continua considerando absolutamente ignorante, é um doloroso equívoco. § Aproximar-se dele, mas sentir, a cada passo, a cada dúvida, a cada expressão sua, uma espécie de susto, e pretender impor o seu status, é manter-se nostálgico de sua origem. § Daí que esta passagem deva ter o sentido profundo do renascer. Os que passam têm de assumir uma forma nova de estar sendo; já não podem atuar como atuavam; já não podem permanecer como estavam sendo.”

Daí que, quase sempre, enquanto não chegam a localizar o opressor concretamente, como também enquanto não cheguem a ser ‘consciência para si’, assumam atitudes fatalistas em face da situação concreta de opressão em que estão.”

O ‘SOFRIDO E FELIZ’ POVO BRASILEIRO (A MAIOR DAS MENTIRAS): “Este fatalismo, às vezes, dá a impressão, em análises superficiais, de docilidade, como caráter nacional, o que é um engano.”

FALAMOS SOBRE OS SÁDICOS ACIMA – AQUI APRESENTAMOS OS MASOQUISTAS: “Quase sempre este fatalismo está referido ao poder do destino ou da sina ou do fado — potências irremovíveis — ou a uma distorcida visão de Deus. Dentro do mundo mágico ou místico em que se encontra, a consciência oprimida, sobretudo camponesa, quase imersa na natureza, encontra no sofrimento, produto da exploração em que está, a vontade de Deus, como se Ele fosse o fazedor desta ‘desordem organizada’.”

violência horizontal com que agridem os próprios companheiros.” “Ao agredirem seus companheiros oprimidos estarão agredindo neles, indiretamente, o opressor também ‘hospedado’ neles e nos outros. Agridem, como opressores, o opressor nos oprimidos.”

O PROBLEMA DO LUMPENPROLETARIADO

uma irresistível atração pelo opressor.”

Participar destes padrões constitui uma incontida aspiração.”

Imitá-lo. Segui-lo. Isto se verifica, sobretudo, nos oprimidos de ‘classe média’, cujo anseio é serem iguais ao ‘homem ilustre’ da chamada classe ‘superior’.”

Consciência colonizada: misto de repulsa e admiração pelo próprio colonizador (Memmi, The Colonizer and the Colonized. Boston: Beacon Press, 1967).

autodesvalia”:

De tanto ouvirem de si mesmos que são incapazes, que não sabem nada, que não podem saber, que são enfermos, indolentes, que não produzem em virtude de tudo isto, terminam por se convencer de sua ‘incapacidade’.”

Não são poucos os camponeses que conhecemos em nossa experiência educativa que, após alguns momentos de discussão viva em torno de um tema que lhes é problemático, param de repente e dizem ao educador: ‘Desculpe, nós devíamos estar calados e o senhor falando. O senhor é o que sabe; nós, os que não sabemos.’

Muitas vezes insistem em que nenhuma diferença existe entre eles e o animal e, quando reconhecem alguma, é em vantagem do animal. ‘É mais livre do que nós’, dizem.

É impressionante, contudo, observar como, com as primeiras alterações numa situação opressora, se verifica uma transformação nesta autodesvalia.”

Diziam de nós que não produzíamos porque éramos borrachos, preguiçosos. Tudo mentira. Agora, que estamos sendo respeitados como homens, vamos mostrar a todos que nunca fomos borrachos, nem preguiçosos. Éramos explorados, isto sim” Camponês chileno

É preciso que comecem a ver exemplos da vulnerabilidade do opressor para que, em si, vá operando-se convicção oposta à anterior. Enquanto isto não se verifica, continuarão abatidos, medrosos, esmagados.”

Enquanto para o opressor ‘ser é ter’, para o oprimido nos seus níveis mais baixos de percepção da relação de dominação ‘ser é depender (do senhor)’.

Se esta descoberta não pode ser feita em nível puramente intelectual, mas da ação, o que nos parece fundamental é que esta não se cinja a mero ativismo, mas esteja associada a sério empenho de reflexão, para que seja práxis.”

O que pode e deve variar, em função das condições históricas, em função do nível de percepção da realidade que tenham os oprimidos, é o conteúdo do diálogo. Substituí-lo pelo antidiálogo, sloganização, verticalidade e comunicados é pretender a libertação dos oprimidos com instrumentos da ‘domesticação’.” “É fazê-los cair no engodo populista e transformá-los em massa de manobra.”

Como ensinar quem não é ou não é mais a ser mais ou querer-ser-mais?

Ao defendermos um permanente esforço de reflexão dos oprimidos sobre suas condições concretas, não estamos pretendendo um jogo divertido em nível puramente intelectual.”

A ação política junto aos oprimidos tem de ser, no fundo, ‘ação cultural’ para a liberdade, por isto mesmo, ação com eles. A sua dependência emocional, fruto da situação concreta de dominação em que se acham e que gera também a sua visão inautêntica do mundo, não pode ser aproveitada a não ser pelo opressor. Este é que se serve desta dependência para criar mais dependência.”

Indo além do slogan popular mal-repercutido, pescar para o pobre e dar o peixe é pouquíssimo. Mas ensinar a pescar é ainda pouquíssimo, embora um pouco melhor. Criar, via diálogo, independência sem doação de pseudo-independência, ajudar a tornar um ser dependente em independente na ação e na teoria é o maior desafio do revolucionário.

se não é autolibertação — ninguém se liberta sozinho —, também não é libertação de uns feita por outros.” “É necessário que a liderança revolucionária descubra esta obviedade: que seu convencimento da necessidade de lutar, que constitui uma dimensão indispensável do saber revolucionário, não lhe foi doado por ninguém, se é autêntico. Chegou a este saber, que não é algo parado ou possível de ser transformado em conteúdo a ser depositado nos outros, por um ato total, de reflexão e de ação. § Foi a sua inserção lúcida na realidade, na situação histórica, que a levou à crítica desta mesma situação e ao ímpeto de transformá-la.”

Se os líderes revolucionários de todos os tempos afirmam a necessidade do convencimento das massas oprimidas para que aceitem a luta pela libertação — o que de resto é óbvio —, reconhecem implicitamente o sentido pedagógico desta luta. Muitos, porém, talvez por preconceitos naturais e explicáveis contra a pedagogia, terminam usando, na sua ação, métodos que são empregados na ‘educação’ que serve ao opressor. Negam a ação pedagógica no processo de libertação, mas usam a propaganda para convencer…” A propaganda sempre vence, mas é uma vitória que dura pouco. Os melhores propagandistas e piores mantenedores de regime são os fascistas. Vivem de influxos e refluxos de ondas intermitentes.

Não basta que os homens não sejam escravos; [formais] se as condições sociais fomentam a existência de autômatos, o resultado não é o amor à vida, mas o amor à morte.” “Não podem comparecer à luta como quase-coisas para depois serem homens. É radical esta exigência. A ultrapassagem deste estado, em que se destroem, para o de homens, em que se reconstroem, não é a posteriori. A luta por esta reconstrução começa no autorreconhecimento de homens destruídos.”

Notas do capítulo

Talvez dês esmolas. Mas de onde as tiras, senão de tuas rapinas cruéis, do sofrimento, das lágrimas, dos suspiros? Se o pobre soubesse de onde vem o teu óbolo, ele o recusaria porque teria a impressão de morder a carne de seus irmãos e de sugar o sangue de seu próximo. Ele te diria estas palavras corajosas: não sacies a minha sede com as lágrimas de meus irmãos. Não dês ao pobre o pão endurecido com os soluços de meus companheiros de miséria. Devolve a teu semelhante aquilo que reclamaste e eu te serei muito grato. De que vale consolar um pobre, se tu fazes outros cem?”

São Gregório de Nissa (330-395), Sermão contra os usurários

A verdade da consciência independente é (por coerência) a consciência da escravidão [e de que existem senhores e escravos].” Hegel [tradução minha do inglês]

La teoría materialista de que los hombres son producto de las circunstancias y de la educación, y de que, por tanto, los hombres modificados son producto de circunstancias distintas y de una educación distinta, olvida que las circunstancias se hacen cambiar precisamente por los hombres y que el proprio educador necesita ser educado.”

Marx, ‘Tercera Tesis sobre Feuerbach’

Recentemente, num país latino-americano, segundo depoimento que nos foi dado por sociólogo amigo, um grupo de camponeses, armados, se apoderou do latifúndio. Por motivos de ordem tática, se pensou em manter o proprietário como refém. Nenhum camponês, contudo, conseguiu dar guarda a ele. Só sua presença já os assustava. Possivelmente também a ação mesma de lutar contra o patrão lhes provocasse sentimento de culpa. O patrão, na verdade, estava ‘dentro’ deles…”

Desabafa sua ‘pena’ em casa, onde grita com os filhos, bate, desespera-se. Reclama da mulher. Acha tudo mal. Não desabafa sua ‘pena’ com o patrão porque considera um ser superior. Em muitos casos, o camponês desabafa sua ‘pena’ bebendo.”

Mais um camponês. Curiosamente acabo de ler um trecho muito parecido no livro de pseudo-literatura infantil (pois é para adultos) de Lewis Carroll, Sílvia e Bruno.

CAPÍTULO 2. A CONCEPÇÃO “BANCÁRIA” DA EDUCAÇÃO COMO INSTRUMENTO DA OPRESSÃO. SEUS PRESSUPOSTOS, SUA CRÍTICA

Há uma quase enfermidade da narração. A tônica da educação é preponderantemente esta — narrar, sempre narrar.” Se os bolsominions soubessem que seu maior algoz utiliza a expressão narrativa tantas vezes… capaz que se apaixonassem!

Falar da realidade como algo parado, estático, compartimentado e bem-comportado, quando não falar ou dissertar sobre algo completamente alheio à experiência existencial dos educandos, vem sendo, realmente, a suprema inquietação desta educação. (…) A palavra, nestas dissertações, se esvazia da dimensão concreta que devia ter ou se transforma em palavra oca, em verbosidade alienada e alienante. Daí que seja mais som que significação e, assim, melhor seria não dizê-la.

Por isto mesmo é que uma das características desta educação dissertadora é a ‘sonoridade’ da palavra e não sua força transformadora. Quatro vezes quatro, dezesseis; Pará, capital Belém, que o educando fixa, memoriza, repete, sem perceber o que realmente significa quatro vezes quatro. O que verdadeiramente significa capital, na afirmação, Pará, capital Belém. Belém para o Pará e Pará para o Brasil.”

Quanto mais vá ‘enchendo’ os recipientes com seus ‘depósitos’, tanto melhor educador será. Quanto mais se deixem docilmente ‘encher’, tanto melhores educandos serão.” “Em lugar de comunicar-se, o educador faz ‘comunicados’ e depósitos que os educandos, meras incidências, recebem pacientemente, memorizam e repetem.”

GENEALOGIA DO FICHAMENTO: “Margem para serem colecionadores ou fichadores das coisas que arquivam.”

Educador e educandos se arquivam na medida em que, nesta distorcida visão da educação, não há criatividade, não há transformação, não há saber.”

absolutização ou alienação da ignorância”

O PROFESSOR QUE SORRI AO ENTREGAR A PROVA CORRIGIDA ASSINALADA COM UM ZERO (“Fiz meu trabalho!”): “O educador, que aliena a ignorância, se mantém em posições fixas, invariáveis. Será sempre o que sabe, enquanto os educandos serão sempre os que não sabem. A rigidez destas posições nega a educação e o conhecimento como processos de busca.”

Os educandos, alienados, por sua vez, à maneira do escravo na dialética hegeliana, reconhecem em sua ignorância a razão da existência do educador, mas não chegam, nem sequer ao modo do escravo naquela dialética, a descobrir-se educadores do educador.”

c. o educador é o que pensa; os educandos, os pensados” Descartes diria: os educandos nem existem (são robôs).

o educador escolhe o conteúdo programático” Hoje nem isso: o tecnocrata fascista escolhe o conteúdo programático do educador. (escrito em 2022)

autoridade funcional” I’m a number, I’m a restrained man!

Não é de estranhar, pois, que nesta visão ‘bancária’ da educação, os homens sejam vistos como seres da adaptação, do ajustamento. Quanto mais se exercitem os educandos no arquivamento dos depósitos que lhes são feitos, tanto menos desenvolverão em si a consciência crítica de que resultaria a sua inserção no mundo, como transformadores dele. Como sujeitos.” São o(a)s caixas do dinheiro(conteúdo) alheio.

adaptar-se ingenuamente ao mundo”

ingenuidade X criticidade

passividade X atuação

autuado X sujeito do processo

ensino banal e ensino medíocre

no lugar dos nexos, os anexos, apensos inertes na mente decaída inutilizada.

os oprimidos recebem o nome simpático de ‘assistidos’.”

Estudante ou um outro poetastro sem valor?

Pó-e-traste (nosso alfa e nosso ômega com um violão no colo cantando nossas dores)

Os oprimidos, como casos individuais, são patologia da sociedade sã, que precisa, por isto mesmo, ajustá-los a ela, mudando-lhes a mentalidade de homens ineptos e preguiçosos.”

integrados (o que me lembra a sociologia chapa branca do séc. XX) X críticos

educa(n)dos bancários X trânsfugas, desertores, infelizes (sempre voluntários)

Ada deu o dedo ao urubu”

Como diria Macunaíma, o autômato é o capim que se corta a si mesmo.

É que, se os homens são estes seres da busca e se sua vocação ontológica é humanizar-se, podem, cedo ou tarde, perceber a contradição em que a ‘educação bancária’ pretende mantê-los e engajar-se na luta por sua libertação. Um educador humanista, revolucionário, não há de esperar esta possibilidade. Sua ação, identificando-se, desde logo, com a dos educandos, deve orientar-se no sentido da humanização de ambos. Do pensar autêntico e não no sentido da doação, da entrega do saber.”

…profunda crença nos homens. Crença no seu poder criador.” Meu eu-filósofo rema contra isso, mas meu eu-artista abraça de toda a causa. O artista vencerá o pensador na ‘guerra intestina da arte contra a academia’ que se dá no seio do movimento revolucionário.

companheiro dos educandos” Descer do pedestal ou ampliar o pedestal para todos do recinto, eis a única questão. Uma kestão, não uma cuestão (gringuismo acéfalo).

Não sente no banquinho, e saia fazendo estardalhaço.

consciências-piscinas

sopa de letrinhas: pior que bóia fria de presídio, forçam a engolir o cardápio de palavras desconexas. – Toma tua refeição, aspirante-a-sábio!

FILHO-CONE: “Ah, como seu filho é educado – quietinho ele!”

Quem muito prescreve, um dia prescreve… Contradições auto-superadoras da língua…

controle de leitura”

necrofilia X biofilia (central no livro, décadas antes da moda sociológica da “necropolítica” como explicação do fenômeno Bolsonaro.)

El individuo necrófilo puede realizarse con un objeto — una flor o uma persona — únicamente si la posee

Fromm

A opressão, que é um controle esmagador, é necrófila. Nutre-se do amor à morte e não do amor à vida.” Necropolítica já descrita. O terror dos fascistas encontrar sua descrição num “autor morto” (justamente porque ele não está morto, mas influi no presente, isso o torna inimigo).

participação simbólica” O que eles não aturam é que um comun-ista é co-partícipe com-o-povo, não com Fulano ou Sicrano que “fez e aconteceu”, pintado de verde, amarelo, azul e branco. Todos se identificam com alguma coisa maior, algum movimento de homens; mas se este for um espelho autêntico (o que é difícil), é uma projeção ou associação válida, um modus vivendi digno.

manifestações populistas … líderes carismáticos … uso de sua potência”

Um líder ex-oprimido, não-formado na educação ‘bancária’, é uma manifestação popular, despida do ‘ista’ insultante. É ele que se vê no povo carente de atuação, vê como foi e o que eles podem vir a ser.

BORRACHA NOS ALUNOS E PROFESSORES: “…repressão feita em nome, inclusive, da liberdade e do estabelecimento da ordem e da paz social.”

Ao denunciá-la, não esperamos que as elites dominadoras renunciem à sua prática. Seria demasiado ingênuo esperá-lo.”

A sociedade revolucionária que mantenha a prática da educação ‘bancária’ ou se equivocou nesta manutenção ou se deixou ‘morder’ pela desconfiança e pela descrença nos homens.”

Disto, infelizmente, parece que nem sempre estão convencidos os que se inquietam pela causa da libertação. É que, envolvidos pelo clima gerador da concepção ‘bancária’ e sofrendo sua influência, não chegam a perceber o seu significado ou a sua força desumanizadora.” Um longo caminho pela frente.

consciência especializada”, espécie de oxímoro.

Já agora ninguém educa ninguém, como tampouco ninguém se educa a si mesmo: os homens se educam em comunhão, mediatizados pelo mundo.” Por assim dizer, eu sou um achado se achando.

em nome da ‘preservação da cultura e do conhecimento’, não há conhecimento, nem cultura, verdadeiros.”

Estes, em lugar de serem recipientes dóceis de depósitos, são agora investigadores críticos, em diálogo com o educador, investigador crítico, também.”

DA DOXA AO LOGOS

anestesia dentro dum mundo-cela X desvelamento-do-mundo

reconhecimento-que-engaja”

Relações em que consciência e mundo se dão simultaneamente. Não há uma consciência antes e um mundo depois e vice-versa.” Sejamos realistas aqui: enquanto o cristianismo não for mera curiosidade mórbida de pé de página na História da humanidade, este dia da educação libertadora não se concretizará nunca.

E quando o educador lhe disse: ‘Admitamos, absurdamente, que todos os homens do mundo morressem, mas ficasse a terra, ficassem as árvores, os pássaros, os animais, os rios, o mar, as estrelas, não seria tudo isto mundo?’ ‘Não!’, respondeu enfático, ‘faltaria quem dissesse Isto é mundo’. O camponês quis dizer, exatamente, que faltaria a consciência do mundo que, necessariamente, implica o mundo da consciência.” E no entanto para 99 de 100 camponeses estará lá deus todo-poderoso com seu mundo-coisa – e não só eles: talvez os ‘cientistas’, na mesma proporção!

visões de fundo” (Husserl, Ideas Pertaining to a Pure Phenomenology and to a Phenomenological Philosophy: General Introduction to a Pure Phenomenology, 3.ed, 1969)

O que antes já existia como objetividade, mas não era percebido em suas implicações mais profundas e, às vezes, nem sequer era percebido, se ‘destaca’ e assume o caráter de problemas, portanto, de desafio.” Infelizmente isso só diz respeito a uma nata de pensadores em todos os tempos. A pedagogia de Freire pode ser resumida como uma sistematização do que acontece com todo sábio por contingência: por que somos o que somos?

A primeira ‘assistencializa’; a segunda, criticiza.”

#offtopic “Eu sou o cartório!”, uma espécie de título de filme com impacto frasal, em que Will Smith não diz que é o homem ou a lenda, mas o único e genuíno cartório: o único de que emanam coisas AUTÊNTICAS.

diferentemente dos outros animais, que são apenas inacabados, mas não são históricos, os homens se sabem inacabados. (…) Aí se encontram as raízes da educação mesma, como manifestação exclusivamente humana”

Sua ‘duração’ — no sentido bergsoniano do termo —, como processo, está no jogo dos contrários permanência-mudança.” Às vezes é mais um exibicionismo bibliográfico, ‘bancário’, infelizmente, e menos pedagogia revolucionária… Força seu ávido leitor a ler outros autores por décadas, tempo que levará para dele discordar, tempo que poderia ter sido mais bem-empregado. É preciso tomar cuidado com a hipertrofia da consciência histórico-revolucionária, no entanto, algo que ainda não estava muito presente nos autores que Freire estudou (mas estava presente em Nietzsche, p.ex.): se se vive sempre na dinâmica e na fluidez, pura e simples, tem-se um mundo tão destroçado e uma completa falta de formação do homem, idem ibidem, como se vê na educação imobilista. O rio escorre tanto que não se o vê passar, não se sente a água, nele não se toma banho nunca… Vertigem e náusea com pinta de sabedoria, cegas como Tirésias, mas inconscientes como um não-profeta. E tudo isso num livro introdutório de Freire!

A percepção ingênua ou mágica da realidade da qual resultava a postura fatalista cede seu lugar a uma percepção que é capaz de perceber-se. E porque é capaz de perceber-se enquanto percebe a realidade que lhe parecia em si inexorável, é capaz de objetivá-la [no bom sentido de objetivar].”

CURA vs. FATALISMO: “Seria, realmente, uma violência, como de fato é, que os homens, seres históricos e necessariamente inseridos num movimento de busca, com outros homens, não fossem o sujeito de seu próprio movimento.” Contanto que se esclareça, na verdade: não se trata realmente de um lado ou outro, mas a superação dessa contradição em algo impossível de nomear a não ser por ser-aí e ser-no-mundo, responsabilidade, liberdade sem má-fé, etc.

Não importam os meios usados para esta proibição [de ser sujeito da própria busca ou vida]. Fazê-los objetos é aliená-los de suas decisões, que são transferidas a outro ou a outros.” CICLO AVÔ-PAI-FILHO/PAI-FILHO-NETO: O pai idiota que ‘escolhe a carreira do filho’, sua extensão objetal. Filho-caminhonete, filho-contracheque. “Já que meu pai, escravo, me fez escravo e eu não quero me libertar, tu também escravo serás…”

Qual é a diferença entre uma abertura e uma fechadura? O olho de quem vê. O pathos de quem vê.

Ninguém pode ser, autenticamente, proibindo que os outros sejam.”

amenização X resolução

Notas do capítulo

Ao menos admite seu arcabouço teórico, i.e., sua falta de originalidade (ninguém “cria” na roda do saber, só repercute): “A concepção do saber, da concepção ‘bancária’, é, no fundo, o que Sartre (El hombre y las cosas, Buenos Aires: Losada, 1965) chamaria de concepção ‘digestiva’ ou ‘alimentícia’ do saber. Este é como se fosse o ‘alimento’ que o educador vai introduzindo nos educandos, numa espécie de tratamento de engorda…”

Em Ação cultural para a liberdade e outros escritos (op. cit.) discutimos mais amplamente este sentido profético e esperançoso da educação (ou ação cultural) problematizadora.”

CAPÍTULO 3. A DIALOGICIDADE: ESSÊNCIA DA EDUCAÇÃO COMO PRÁTICA DA LIBERDADE

A palavra inautêntica, por outro lado, com que não se pode transformar a realidade, resulta da dicotomia que se estabelece entre seus elementos constituintes. Assim é que, esgotada a palavra de sua dimensão de ação, sacrificada, automaticamente, a reflexão também, se transforma em palavreria, verbalismo, blá-blá-blá.”

Existir, humanamente, é pronunciar o mundo, é modificá-lo. O mundo pronunciado, por sua vez, se volta problematizado aos sujeitos pronunciantes, a exigir deles novo pronunciar.”

CONTRA A REVELAÇÃO (PARADIGMA MOSAICO): “ninguém pode dizer a palavra verdadeira sozinho, ou dizê-la para os outros, num ato de prescrição, com o qual rouba a palavra aos demais.”

Esta é a razão por que não é possível o diálogo entre os que querem a pronúncia do mundo e os que não a querem” Com fascista não se conversa.

Não é também discussão guerreira, polêmica, entre sujeitos que não aspiram a comprometer-se com a pronúncia do mundo, nem a buscar a verdade, mas a impor a sua.”

A conquista implícita no diálogo é a do mundo pelos sujeitos dialógicos, não a de um pelo outro. Conquista do mundo para a libertação dos homens.”

Sendo fundamento do diálogo, o amor é, também, diálogo. Daí que seja essencialmente tarefa de sujeitos e que não possa verificar-se na relação de dominação. Nesta, o que há é patologia de amor: sadismo em quem domina; masoquismo nos dominados. Amor, não. Porque é um ato de coragem, nunca de medo, o amor é compromisso com os homens.

Como ato de valentia, não pode ser piegas; como ato de liberdade, não pode ser pretexto para a manipulação, senão gerador de outros atos de liberdade. A não ser assim, não é amor.” Amor livre como redundância em si mesma.

Se não amo o mundo, se não amo a vida, se não amo os homens, não me é possível o diálogo. Não há, por outro lado, diálogo, se não há humildade. A pronúncia do mundo, com que os homens o recriam permanentemente, não pode ser um ato arrogante.”

Como posso dialogar, se me admito como um homem diferente, virtuoso por herança, diante dos outros, meros ‘isto’, em quem não reconheço outros eu?”

DE CERTO MODO, ANTI-ZARATUSTRA: “Como posso dialogar, se parto de que a pronúncia do mundo é tarefa de homens seletos e que a presença das massas na história é sinal de sua deterioração que devo evitar?”

DE CERTO MODO, PRÓ-ZARATUSTRA: “Como posso dialogar se temo a superação e se, só em pensar nela, sofro e definho?”

Não há também diálogo se não há uma intensa fé nos homens. Fé no seu poder de fazer e de refazer. De criar e recriar. Fé na sua vocação de ser mais, que não é privilégio de alguns eleitos, mas direito dos homens. A fé nos homens é um dado a priori do diálogo.” “O homem dialógico tem fé nos homens antes de encontrar-se frente a frente com eles. Esta, contudo, não é uma ingênua fé.”

Esta possibilidade, [a da alienação] porém, em lugar de matar no homem dialógico a sua fé nos homens, aparece a ele, pelo contrário, como um desafio ao qual tem de responder.” “Este poder (…) Pode renascer. Pode constituir-se.”

QUANDO SACAR É UM VERBO TÃO BOM QUANTO DEPOSITAR, E NADA TEM QUE VER COM ARMAS: “Ao fundar-se no amor, na humildade, na fé nos homens, o diálogo se faz uma relação horizontal, em que a confiança de um polo no outro é consequência óbvia. Seria uma contradição se, amoroso, humilde e cheio de fé, o diálogo não provocasse este clima de confiança entre seus sujeitos. Por isto inexiste esta confiança na antidialogicidade da concepção ‘bancária’ da educação.”

A confiança vai fazendo os sujeitos dialógicos cada vez mais companheiros na pronúncia do mundo. Se falha esta confiança, é que falharam as condições discutidas anteriormente.” “A confiança implica o testemunho que um sujeito dá aos outros de suas reais e concretas intenções. Não pode existir, se a palavra, descaracterizada, não coincide com os atos.” Derrocada do sonho americano, não mais praticado-no-real.

Falar, por exemplo, em democracia e silenciar o povo é uma farsa. Falar em humanismo e negar os homens é uma mentira.”

Não existe, tampouco, diálogo sem esperança. A esperança está na própria essência da imperfeição dos homens, levando-os a uma eterna busca. Uma tal busca, como já vimos, não se faz no isolamento, mas na comunicação entre os homens — o que é impraticável numa situação de agressão. O desespero é uma espécie de silêncio, de recusa do mundo, de fuga.” “Não é, porém, a esperança um cruzar de braços e esperar. Movo-me na esperança enquanto luto e, se luto com esperança, espero.”

<Banha-se> permanentemente de temporalidade cujos riscos não teme. § Opõe-se ao pensar ingênuo, que vê o ‘tempo histórico como um peso, como uma estratificação das aquisições e experiências do passado’, de que resulta dever ser o presente algo normalizado e bem-comportado. § Para o pensar ingênuo, o importante é a acomodação a este hoje normalizado.”

Para o pensar crítico, diria Pierre Furter, ‘a meta não será mais eliminar os riscos da temporalidade, agarrando-se ao espaço garantido, mas temporalizar o espaço. O universo não se revela a mim (diz ainda Furter) no espaço, impondo-me uma presença maciça a que só posso me adaptar, mas como um campo, um domínio, que vai tomando forma na medida de minha ação’.” O fim da luta clássica pelo espaço estanque (século XX).

O BOM PROFESSOR NÃO É O SUBPRODUTO DA SALA DE AULA (TABULA RASA): “Daí que, para esta concepção como prática da liberdade, a sua dialogicidade comece, não quando o educador-educando se encontra com os educando-educadores em uma situação pedagógica, mas antes, quando aquele se pergunta em torno do que vai dialogar com estes.”

Para o ‘educador-bancário’, na sua antidialogicidade, a pergunta, obviamente, não é a propósito do conteúdo do diálogo, que para ele não existe, mas a respeito do programa sobre o qual dissertará a seus alunos. E a esta pergunta responderá ele mesmo, organizando seu programa.

Para o educador-educando, dialógico, problematizador, o conteúdo programático da educação não é uma doação ou uma imposição — um conjunto de informes a ser depositado nos educandos —, mas a devolução organizada, sistematizada e acrescentada ao povo daqueles elementos que este lhe entregou de forma desestruturada.”

Um dos equívocos de uma concepção ingênua do humanismo está em que, na ânsia de corporificar um modelo ideal de ‘bom homem’, se esquece da situação concreta, existencial, presente, dos homens mesmos. (Rousseau, apartado em sua floresta)” “Simplesmente, não podemos chegar aos operários, urbanos ou camponeses, estes, de modo geral, imersos num contexto colonial quase umbilicalmente ligados ao mundo da natureza de que se sentem mais partes que transformadores, para, à maneira da concepção ‘bancária’, entregar-lhes ‘conhecimento’ ou impor-lhes um modelo de bom homem, contido no programa cujo conteúdo nós mesmos organizamos.” Educação dos sem-terra para os sem-terra, do indígena para os indígenas. E para mantê-los ligados às origens, não para embranquecê-los (duplo sentido, aliás).

COMO SER UM BOM HOKAGE: “Não seriam poucos os exemplos que poderiam ser citados, de planos, de natureza política ou simplesmente docente, que falharam porque os seus realizadores partiram de uma visão pessoal da realidade. Porque não levaram em conta, num mínimo instante, os homens em situação a quem se dirigia seu programa, a não ser com puras incidências de sua ação.” O mesmo poderia ser dito do fundador da CAPES, por exemplo. Uma singularidade no espaço-tempo, sem continuidade.

ESCOLA COM SENHORIO (significado real de ‘SEM PARTIDO’): “Quem atua sobre os homens para, doutrinando-os, adaptá-los cada vez mais à realidade que deve permanecer intocada são os dominadores. Lamentavelmente, porém, neste ‘conto’ da verticalidade da programação, ‘conto’ da concepção ‘bancária’, caem muitas vezes lideranças revolucionárias, no seu empenho de obter a adesão do povo à ação revolucionária.”

Acercam-se das massas camponesas ou urbanas com projetos que podem corresponder à sua visão do mundo, mas não necessariamente à do povo. § Esquecem-se de que o seu objetivo fundamental é lutar com o povo pela recuperação da humanidade roubada e não conquistar o povo. Este verbo não deve caber na sua linguagem, mas na do dominador. Ao revolucionário cabe libertar e libertar-se com o povo, não conquistá-lo.” Chega de Césares.

As elites dominadoras, na sua atuação política, são eficientes no uso da concepção ‘bancária’ (em que a conquista é um dos instrumentos) porque, na medida em que esta desenvolve uma ação apassivadora, coincide com o estado de ‘imersão’ da consciência oprimida.”

Afinal, o empenho dos humanistas não pode ser o de opor os seus slogans aos dos opressores, tendo como intermediários os oprimidos, como se fossem ‘hospedeiros’ dos slogans de uns e de outros.”

No sentido estrito, se qualquer conservador ou reacionário tivesse miolos, perceberia que Paulo Freire não é perigoso, ainda mais sendo lido por ignorantes (pessoas da própria direita), senão na hipótese muito remota (pouco provável no presente, ou no sentido de um futuro ainda distante) de que seu discurso fosse compreendido pela esquerda como um todo, principalmente quando ele diz, exatamente referendando, que ainda que fosse verdade a hipótese do <marxismo cultural> em nada revoluciona a educação, mas apenas perpetua o que ele já denominou como pedagogia do opressor-oprimido (grifos meus): “Por isto é que não podemos, a não ser ingenuamente, esperar resultados positivos de um programa, seja educativo num sentido mais técnico ou de ação política, se, desrespeitando a particular visão do mundo que tenha ou esteja tendo o povo, [0% educado em luta de classes] se constitui numa espécie de ‘invasão cultural’, [sinônimo de marxismo cultural neste contexto] ainda que feita com a melhor das intenções. Mas ‘invasão cultural’ sempre.”

Na prática, a esquerda não revolucionou a educação ou a formação do homem – a inclusão no sistema educacional dos antes excluídos não fá-los inverter os valores (Nietzsche), só cria mais carvão ou bucha de canhão (cannon fodder) para o querer-ser-burguês ou morrer tentando. Mensagem mais clara, impossível (e, sendo impossível, significa que o público de direita não entende o que está escrito, pois nesse caso, para ele, o texto precisaria ser mais claro; e mais claro que isso seria inautêntico ou já distorceria o conteúdo que se quer transmitir – é por isso que eles só podem ler o que Olavo pensa ser Freire, e não Freire mesmo).

pregar no deserto”

PEDALÍTICOS E POLIGOGOS: “Por isto mesmo é que, muitas vezes, educadores e políticos falam e não são entendidos. Sua linguagem não sintoniza com a situação concreta dos homens a quem falam. E sua fala é um discurso a mais, alienado e alienante.” Presencie qualquer reunião de governe e sinta este parágrafo na pele.

Podemos sequer enumerar 5 educadores-políticos ou políticos-educadores dos tempos modernos? Lenin, Mao, quem mais?… Figura também próxima ao filósofo-legislador do Zaratustra. É natural, e não chocante, a aparição de Nietzsche cada vez mais numerosa conforme nos aprofundemos na questão da formação do “novo” homem – como se um dia ele se opusesse à “doutrina” marxista, e não o contrário (apesar dos equívocos que ele alimentava sobre o ‘socialismo’, já que ele não só conheceu o ‘socialismo pré-marxista’, o mesmo que desconhecer em absoluto o socialismo)!… Até para que marxistas e nietzscheanos se congratulem pelos achados uns dos outros e pela “incrível coincidência” de objetivos, ao menos um século e meio da data em que escrevo terão se passado. Quanto mais que isto chegue ao vulgo… O tal “marxismo cultural”, se pudesse ser implantado, exigiria 500 anos para gerar qualquer fruto. Ainda estamos muito longe de vislumbrar este pomar do saber e da eliminação da opressão.

Antes de perguntar-nos o que é um ‘tema gerador’, cuja resposta nos aclarará o que é o ‘universo mínimo temático’, nos parece indispensável desenvolver algumas reflexões.”

Se o ‘tema gerador’ fosse uma hipótese que devesse ser comprovada, a investigação, primeiramente, não seria em torno dele, mas de sua existência ou não.”

por viver num presente esmagador, o animal é a-histórico.”

O mundo humano, que é histórico, se faz, para o ‘ser fechado em si’, mero suporte. Seu contorno não lhe é problemático, mas estimulante. Sua vida não é um correr riscos, uma vez que não os sabe correndo.”

Não pode, tampouco, saber-se destruído em vida” (o animal)

os homens, ao contrário do animal, não somente vivem, mas existem, e sua existência é histórica.” Sujeito à má interpretação do rebotalho. No sentido aqui empregado, a frase sartreana “a existência precede a essência” não se aplica. A existência no sentido da hermenêutica exige a compreensão da história, não é algo de que bebês usufruam. O mais correto seria atualizar Sartre e dizer: “a vivência precede a existência”. Deixemos, no entanto, para não complicar demais as coisas, “essência” de fora neste momento. Existir é estar-na-história.

situações-limite”: limite intransponível no animal; apenas um limite temporário no devir humano.

percebidos destacados”: situações-limite que não conseguem ser transpostas. Nas palavras de Freire, “dimensões concretas e históricas de uma dada realidade”. A História como a conhecemos, “cristalizada”, a história acadêmica dada (fora do escopo marxista da determinação e criação da história – presente-futuro – pelo homem e do escopo da reinterpretação constante do próprio passado, que nunca é fixo ou rígido). São um desafio a ser enfrentado para aqueles que não sucumbem ao desespero (aqueles capazes da percepção crítica). Quem está em desespero recai na “aceitação dócil e passiva” dessa situação histórica.

A rigor, se o homem é ser-no-mundo, em Freire o animal é ser-no-suporte. O suporte é como uma coisa no mundo humano. O ser-no-suporte é incapaz de decisões. Já o mundo é o palco por excelência das decisões. Imaginar um homem que permanecesse se deslocando apenas numa esteira.

O próprio do animal, portanto, não é estar em relação com seu suporte — se estivesse, o suporte seria mundo —, mas adaptado a ele.”

este mundo não existiria, se este ser não existisse.”: sine qua non da hermenêutica ou fenomenologia.

Uma unidade epocal se caracteriza pelo conjunto de ideias, de concepções, esperanças, dúvidas, valores, desafios, em interação dialética com seus contrários, buscando plenitude. A representação concreta de muitas destas ideias, destes valores, destas concepções e esperanças, como também os obstáculos ao ser mais dos homens, constituem os temas da época.”

Desta forma, não há como surpreender os temas históricos isolados, soltos, desconectados, coisificados, parados, mas em relação dialética com outros, [suportes-no-mundo] seus opostos. Como também não há outro lugar para encontrá-los que não seja nas relações homens-mundo. O conjunto dos temas em interação constitui o ‘universo temático’ da época.”

O BRASIL VIVE ESSE ANTAGONISMO AGUDO NA SUA EXPRESSÃO MAIS APROFUNDADA DESDE 2002, E A ‘LUTA’ SEGUE EM CURSO: “Na medida em que se aprofunda o antagonismo entre os temas que são a expressão da realidade, há uma tendência para a mitificação da temática e da realidade mesma, o que, de modo geral, instaura um clima de ‘irracionalismo’ e de ‘sectarismo’.” No mundo, vemos a tão esperada transição de poder decorrente do declínio dos Estados Unidos (econômico-cultural), tornado claro apenas há poucos anos, após mais de duas décadas do Consenso de Washington e da interrupção temporária oficial da Guerra Fria. Rússia e China são os protagonistas da Nova Ordem Mundial. O Brasil se inserirá no lado oriental contra o imperialismo ianque.

Este clima ameaça esgotar os temas de sua significação mais profunda, pela possibilidade de retirar-lhes a conotação dinâmica que os caracteriza.” Meia dúzia de anos muito inócuos (2016-2022).

SÍNTESE DA CONDIÇÃO PÓS-MODERNA (QUE FINALMENTE APRESENTA RACHADURAS): “Neste caso, os temas se encontram encobertos pelas ‘situações-limite’, que se apresentam aos homens como se fossem determinantes históricas, esmagadoras, em face das quais não lhes cabe outra alternativa senão adaptar-se. Desta forma, os homens não chegam a transcender as ‘situações-limite’ e a descobrir ou a divisar, mais além delas e em relação com elas, o inédito viável.” O freio-de-mão estava puxado desde o pós-guerra.

ALUSÃO DIRETA A SARTRE (O MAIS POPULAR DOS FENOMENÓLOGOS DE ESTIRPE BURGUESA, OU PELO MENOS REPRESENTANTES DO LIBERALISMO INDIVIDUALISTA): “No momento em que estes [homens] as percebem [às situações-limite] não mais como uma ‘fronteira entre o ser e o nada’,¹ mas como uma ‘fronteira entre o ser e o mais ser’, se fazem cada vez mais críticos na sua ação,² ligada àquela percepção.”

¹ Expressão (em Sartre) que é esvaziada de sentido: a rigor, não quer dizer nada; apenas que vivemos em perpétuo devir. Falta aí uma concepção esperançosa da estabilidade de valores nobres, como a Idéia em Platão. Tendência ao niilismo e ao absurdo.

² O que os olavistas ou “os idiotas no meio do caminho” chamariam de “perigo vermelho”. Bem vermelho – e inevitável! Não importa o nome que dêem. O homem está fadado à liberdade é uma frase famosa de Sartre, mas talvez interpretada na verve pessimista de sua época. A verdade é que o homem está fadado a nunca querer o nada, destarte ele agora quer alguma coisa, enjoou do nada, e só pode querer mais do ser, ser mais, como no jargão freireano.

O OLAVISMO: “A tendência então, dos primeiros, [os que servem, negam e freiam –porque até o senhor nega e freia o homem, e a si mesmo, ao não compreender a dialética do senhor-escravo] é vislumbrar no inédito viável, ainda como inédito viável, uma ‘situação-limite’ ameaçadora [Cuba, Venezuela, a União Soviética que vence a Guerra Fria, etc., ‘o Brasil que não queremos’, etc.] que, por isto mesmo, precisa não concretizar-se.” Defendem a pátria e a família cristã para que os radicais não mudem a ancestralidade primitiva dada desde o sempre.

a investigação da temática significativa”

Temas de caráter universal, contidos na unidade epocal mais ampla, que abarca toda uma gama de unidades e subunidades, continentais, regionais, nacionais etc., diversificadas entre si. Como tema fundamental desta unidade mais ampla, que poderemos chamar ‘nossa época’, se encontra, a nosso ver, o da libertação, que indica o seu contrário, o tema da dominação. É este tema angustiante que vem dando à nossa época o caráter antropológico a que fizemos referência anteriormente.” A descoberta do ser-no-mundo implica na tentativa da execução da tarefa da libertação.

O PROBLEMA DO TERCEIRO MUNDO (nomenclatura já em desuso pelas forças dominantes, pois ela escancara o problema): “Em círculos menos amplos, nos deparamos com temas e ‘situações-limite’, característicos de sociedades de um mesmo continente ou de continentes distintos, que têm nestes temas e nestas ‘situações-limite’ similitudes históricas.”

“‘situação-limite’ do subdesenvolvimento, ao qual está ligado o problema da dependência, é a fundamental característica do Terceiro Mundo.” Por incrível que pareça, citei o TERCEIRO MUNDO antes de ler essa passagem. Sinal de que Freire e eu estamos sintonizados. O momento em que o princípio da soberania de todos os povos passa a ser questionado pelas nações que não lideram a geopolítica.

Em círculo mais restrito, observaremos diversificações temáticas, dentro de uma mesma sociedade, em áreas e subáreas em que se divide, todas, contudo, em relação com o todo de que participam. (…) Em uma unidade nacional mesma, encontramos a contradição da ‘contemporaneidade do não-coetâneo’.” Os dois Brasis dentro do Brasil. As regiões norte e nordeste; o centro-oeste (capital do poder, porém agrário); o sul e sudeste, motores industrais, e no entanto¹ reacionários.

¹ Ou melhor: e por isso mesmo reacionários, pois vêem a possibilidade da perda relativa de influência no jogo total.

Nas subunidades referidas, os temas de caráter nacional podem ser ou deixar de ser captados em sua verdadeira significação, ou simplesmente podem ser sentidos. Às vezes, nem sequer são sentidos.” Desde Paulo Freire até o presente a subunidade temática é a mesma, mas a postura diante dela sofre flutuações. Os oprimidos intelectualizados sentem o problema ‘mais cedo’. As elites contra-atacam. O povo passa quase inconscientemente pela época (mesmo que continuamente oprimido, mais oprimido que o oprimido intelectualizado, inclusive, naturalizando sua própria opressão). Estamos no ponto em que há discussão aberta sobre essa temática; e os contrários ao desenvolvimento da luta contra a opressão negam o problema (literalmente o campo negacionista).

a existência de uma ‘situação-limite’ de opressão em que os homens se encontram mais imersos que emersos.” Virada (emersão > imersão): O “CHEGA DE POLARIZAÇÃO” midiático como mensagem desesperada dos donos do poder tentando “puxar o freio de mão” de uma situação ou desafio já lançados no horizonte: a polarização é inevitável, o crescimento da esquerda organizada diante da opressão a desencadeia.

faltando aos homens uma compreensão crítica da totalidade em que estão, captando-a em pedaços nos quais não reconhecem a interação constituinte da mesma totalidade, não podem conhecê-la.” Discurso popular inócuo: não gosto de política; todos os políticos são corruptos; sou indiferente a quem está sazonalmente no poder, etc.

lhes seria indispensável ter antes a visão totalizada do contexto para, em seguida, separarem ou isolarem os elementos ou as parcialidades do contexto, através de cuja cisão voltariam com mais claridade à totalidade analisada.” É o sociólogo (para citar o meu exemplo) que capta a realidade presente de modo crítico. O povo é um pólo passivo no presente. Não é ‘na escola’ que a sociologia (ou as humanidades) consegue(m) ‘abrir os olhos da população’, pois a sociologia (e as disciplinas-irmãs) está(ão) inscrita(s) ela(s) mesma(s) na educação bancária que combate. O marxismo é adverso ao conteudismo didático-pedagógico do modelo atual.

…insere ou começa a inserir os homens numa forma crítica de pensarem seu mundo.” Negrito em ‘começa’!

se faz indispensável que a sua busca se realize através da abstração.” “A descodificação da situação existencial provoca esta postura normal, que implica um partir abstratamente até o concreto; que implica uma ida das partes ao todo e uma volta deste às partes, que implica um reconhecimento do sujeito no objeto (a situação existencial concreta)¹ e do objeto como situação em que está o sujeito.²”

¹ Sou um trabalhador/desempregado: faço parte de estatísticas.

² O capitalismo é criação do homem e inter-relação entre homens. Não é um sistema inerte e imutável.

cisão ou descrição da situação: “a tendência dos indivíduos é dar o passo da representação da situação (codificação) à situação concreta mesma em que e com que se encontram. § Teoricamente, é lícito esperar que os indivíduos passem a comportar-se em face de sua realidade objetiva da mesma forma, do que resulta que deixe de ser ela um beco sem saída para ser o que em verdade é: um desafio ao qual os homens têm que responder.”

percepção fatalista”, “percepção estática”, “percepção dinâmica” TEMAS GERADORES

Ainda quando um grupo de indivíduos não chegue a expressar concretamente uma temática geradora, o que pode parecer inexistência de temas sugere, pelo contrário, a existência de um tema dramático: o tema do silêncio.” A resposta da maioria é a adaptação (mercado de trabalho, família, ‘despreocupação’ com o que está ‘em tese’ fora da ‘órbita individual’, que aliás é apenas um construto da visão de mundo individual). Por isso o praticante da práxis (pensamento e ação) é chamado pejorativamente de ativista ou militante. Quando na verdade o puro pensador ou o puro agitador seriam protótipos – se é que realizáveis – indesejáveis. O ativista – o crítico da esquerda, ‘progressista’ – é aquele que age sobre o mundo em postura e com caráter transformadores.

Poderá dizer-se que o fato de serem os homens do povo, tanto quanto os investigadores, sujeitos da busca de sua temática significativa, sacrifica a objetividade da investigação. Que os achados já não serão ‘puros’ porque terão sofrido uma interferência intrusa. No caso, em última análise, daqueles que são os maiores interessados — ou devem ser — em sua própria educação.

Isto revela uma consciência ingênua da investigação temática, para a qual os temas existiriam em sua pureza objetiva e original, fora dos homens, como se fossem coisas.” Estágio atual da luta de classes, confinada aos eruditos. Isso ainda é Francis Bacon (1561-1626)!

É através dos homens que se expressa a temática significativa e, ao expressar-se, num certo momento, pode já não ser, exatamente, o que antes era, desde que haja mudado sua percepção dos dados objetivos aos quais os temas se acham referidos.” É dessa forma que o átomo de Demócrito já não é o átomo de Niels-Bohr (Nobel de Física de 1922), i.e., o homem (o físico contemporâneo) não o enxerga como a menor unidade da matéria, mas como partícula dual (matéria e luz). Nesse “simples ato” (em verdade uma revolução epistemológica) o homem acaba de transformar a natureza; embora não tenha modificado de forma alguma a realidade ipsis literis (o átomo sempre foi dual), para ele agora o átomo é dual. Longe de ser uma curiosidade de pé de página, essa descoberta ajudou a reconfigurar as forças militares e ameaçou a vida na Terra num intervalo de poucas décadas.

Assim como não é possível — o que salientamos no início deste capítulo — elaborar um programa a ser doado ao povo, também não o é elaborar roteiros de pesquisa do universo temático a partir de pontos prefixados pelos investigadores que se julgam a si mesmos os sujeitos exclusivos da investigação.” Não existe o investigador social que investiga os fatos sociais (“os fatos sociais são coisas”, disse Durkheim, ultrapassado). Existimos “nós”, os homens. “Investigadores profissionais e povo, nesta operação simpática, que é a investigação do tema gerador, são ambos sujeitos deste processo.”

O investigador da temática significativa que, em nome da objetividade científica, transforma o orgânico em inorgânico, o que está sendo no que é, o vivo no morto, teme a mudança.” A decadência do Ocidente não deve ser combatida ou refreada, mas aprofundada, diz Nietzsche. Ela é sempre a aurora de novas culturas, mais frescas e arejadas.

Pensar que não se dá fora dos homens, nem num homem só, nem no vazio, mas nos homens e entre os homens, e sempre referido à realidade.” Antropologia: retorno aos homens. Mitologia: estudo dos enredos originários. Religião enquanto saber: reanimação do transcendental perdido no Ocidente. “A investigação do pensar do povo não pode ser feita sem o povo, mas com ele, como sujeito de seu pensar. E se seu pensar é mágico ou ingênuo, será pensando o seu pensar, na ação, que ele mesmo se superará. E a superação não se faz no ato de consumir ideias, mas no de produzi-las e de transformá-las na ação e na comunicação.”

a inserção [contrário de imersão? Confesso que aqui P.F. se torna confuso…]é um estado maior que a emersão e resulta da conscientização da situação. É a própria consciência histórica.” A emersão sendo, portanto, apenas o início da compreensão crítica da história, ‘semi-consciência’ histórica…

Enquanto na prática ‘bancária’ da educação, antidialógica por essência, por isto, não-comunicativa, o educador deposita no educando o conteúdo programático da educação, que ele mesmo elabora ou elaboram para ele, na prática problematizadora, dialógica por excelência, este conteúdo, que jamais é ‘depositado’, se organiza e se constitui na visão do mundo dos educandos, em que se encontram seus temas geradores.”

A tarefa do educador dialógico é, trabalhando em equipe interdisciplinar este universo temático recolhido na investigação, [caráter coletivo totalmente ausente da escola hoje] devolvê-lo, como problema, não como dissertação, aos homens de quem recebeu.” Dissertação: algo referendado, exatamente como o Papa referenda qualquer decisão inferior de bispo.

Se, na etapa da alfabetização, a educação problematizadora e da comunicação busca e investiga a ‘palavra geradora’,¹ na pós-alfabetização, busca e investiga o tema gerador.”

¹ Referência exclusiva aos campos da lingüística e psicologia. Questão de somenos importância: métodos de alfabetização do homem ainda incapaz da codificação da linguagem escrita, levando em conta a cultura a que pertence o alfabetizado.

Que fazermos, por exemplo, se temos a responsabilidade de coordenar um plano de educação de adultos em uma área camponesa, que revele, inclusive, uma alta porcentagem de analfabetismo? O plano incluirá a alfabetização e a pós-alfabetização. Estaríamos, portanto, obrigados a realizar tanto a investigação das palavras geradoras quanto a dos temas geradores, à base de que teríamos o programa para uma e outra etapas do plano.”

MESMO CÓDIGO DE ÉTICA DA ETNOGRAFIA: “É que, neste encontro, os investigadores necessitam obter que um número significativo de pessoas aceite uma conversa informal com eles, em que lhes falarão dos objetivos de sua presença na área. Na qual dirão o porquê, o como e o para quê da investigação que pretendem realizar e que não podem fazê-lo se não se estabelece uma relação de simpatia e confiança mútuas.”

Uma série de informações sobre a vida na área, necessárias à sua compreensão, terá nestes voluntários [<tutores>, nativos] os seus recolhedores. Muito mais importante, contudo, que a coleta destes dados, é sua presença ativa na investigação.”

A maneira de conversar dos homens; a sua forma de ser. O seu comportamento no culto religioso, no trabalho. Vão registrando as expressões do povo; sua linguagem, suas palavras, sua sintaxe, que não é o mesmo que sua pronúncia defeituosa, mas a forma de construir seu pensamento.”

Esta descodificação ao vivo implica, necessariamente, que os investigadores, em sua fase, surpreendam a área em momentos distintos. É preciso que a visitem em horas de trabalho no campo; que assistam a reuniões de alguma associação popular, observando o procedimento de seus participantes, a linguagem usada, as relações entre diretoria e sócios; o papel que desempenham as mulheres, os jovens. É indispensável que a visitem em horas de lazer; que presenciem seus habitantes em atividades esportivas; que conversem com pessoas em suas casas, registrando manifestações em torno das relações marido-mulher, pais-filhos; afinal, que nenhuma atividade, nesta etapa, se perca para esta compreensão primeira da área.”

Poderíamos pensar que, nesta primeira etapa da investigação, ao se apropriarem, através de suas observações, dos núcleos centrais daquelas contradições, os investigadores já estariam capacitados para organizar o conteúdo programático da ação educativa. Realmente, se o conteúdo desta ação reflete as contradições, indiscutivelmente estará constituído da temática significativa da área.

Não tememos, inclusive, afirmar que a margem de acerto para a ação que se desenvolvesse a partir destes dados seria muito mais provável que a dos conteúdos resultantes das programações verticais.

Esta, contudo, não deve ser uma tentação pela qual os investigadores se deixem seduzir.

Na verdade, o básico, a partir da inicial percepção deste núcleo de contradições, entre as quais estará incluída a principal da sociedade como uma unidade epocal maior, é estudar em que nível de percepção delas se encontram os indivíduos da área.

No fundo, estas contradições se encontram constituindo ‘situações-limite’, envolvendo temas e apontando tarefas.

Se os indivíduos se encontram aderidos a estas ‘situações-limite’, impossibilitados de ‘separar-se’ delas, o seu tema a elas referido será necessariamente o do fatalismo e a ‘tarefa’ a ele associada é a de quase não terem tarefa.” A velha tarefa de resignação (mortos por dentro)!

Por isto é que, embora as ‘situações-limite’ sejam realidades objetivas e estejam provocando necessidades nos indivíduos, se impõe investigar, com eles, a consciência que delas tenham.” Normalmente pessoas de um vilarejo pobre de um país com áreas menos pobres sonham em ‘ir embora’ do local; para eles isso é o ‘crescer na vida’…

Uma ‘situação-limite’, como realidade concreta, pode provocar em indivíduos de áreas diferentes, e até de subáreas de uma mesma área, temas e tarefas opostos, que exigem, portanto, diversificação programática para o seu desvelamento.

Daí que a preocupação básica dos investigadores deva centrar-se no conhecimento do que Goldmann chama de ‘consciência real’ (efetiva) e ‘consciência máxima possível’.

Real consciousness is the result of the multiple obstacles and deviations that the different factors of empirical reality put into opposition and submit for realization by this potential consciousness. Daí que, ao nível da ‘consciência real’, os homens se encontrem limitados na possibilidade de perceber mais além das ‘situações-limite’,

o que chamamos de ‘inédito viável’.” O inédito viável do ocidente por inteiro é o que todo o mundo precisa desvendar junto. O inédito viável de uma pequena comunidade pode quem sabe ser elucidada pelos moradores locais com a intermediação de investigadores aptos. Acima eu havia pensado no inédito viável global, como bom filósofo da crise!

Por isto é que, para nós, o ‘inédito viável’ (que não pode ser apreendido no nível da ‘consciência real’ ou efetiva [um só indivíduo, ou um grupo de forasteiros, ou a coletividade nativa deixada ‘sem iluminação’]) se concretiza na ‘ação editanda’, cuja viabilidade antes não era percebida.” Resultado do trabalho etnográfico bem-feito.

A ‘consciência possível’ parece poder identificar-se com o que Nicolaj chama de ‘soluções praticáveis despercebidas’ (nosso ‘inédito viável’), em oposição às ‘soluções praticáveis percebidas’ e às ‘soluções efetivamente realizadas’, [plano mais baixo] que correspondem [as duas últimas nomenclaturas] à ‘consciência real’.”

Esta é a razão por que o fato dos investigadores, na primeira etapa da investigação, terem chegado à apreensão mais ou menos aproximada do conjunto de contradições, não os autoriza [ainda] a pensar na estruturação do conteúdo programático da ação educativa. § Até então, esta visão é deles ainda, e não a dos indivíduos em face de sua realidade.”

A segunda fase da investigação começa precisamente quando os investigadores, com os dados que recolheram, chegam à apreensão daquele conjunto de contradições.”

Na medida em que as codificações (pintadas ou fotografadas e, em certos casos, preferencialmente fotografadas) são o objeto que, mediatizando os sujeitos descodificadores, se dá à sua análise crítica, sua preparação deve obedecer a certos princípios que são apenas os que norteiam a confecção das puras ajudas visuais.” Se eu fosse obrigado a desenhar, sairia uma obra de arte rupestre!

Uma primeira condição a ser cumprida é que, necessariamente, devem representar situações conhecidas pelos indivíduos cuja temática se busca, o que as faz reconhecíveis por eles, possibilitando, desta forma, que nelas se reconheçam.

Não seria possível, nem no processo da investigação, nem nas primeiras fases do que a ele se segue, o da devolução da temática significativa como conteúdo programático, propor representações de realidades estranhas aos indivíduos.” Freire pede uma suspensão do juízo para que o investigador evite neste momento comparações entre sua própria realidade e a da comunidade que investiga.

NEM FALAR UM PORTUGUÊS TAXATIVO E BUROCRÁTICO DEMAIS, NEM GREGO! “Igualmente fundamental para a sua preparação é a condição de não poderem ter as codificações, [todos os produtos culturais sendo interpretados] de um lado, seu núcleo temático demasiado explícito; de outro, demasiado enigmático. No primeiro caso, correm o risco de transformar-se em codificações propagandísticas, em face das quais os indivíduos não têm outra descodificação a fazer, [Diretrizes do MEC: não! O MEC, a instância burocrática mais afastada, ‘não sabe de nada’ neste momento! Essa é a razão precípua de haver um investigador in loco fazendo o trabalho de base, i.e., construindo o conteúdo programático horizontalmente, previamente a uma suposta programática vertical/holística, digamos, de zonas rurais do país inteiro, ou de uma região inteira do país] senão a que se acha implícita nelas, de forma dirigida. [dirigir o investigado a confirmar suas próprias hipóteses, procedimento do ‘dominador’] No segundo, o risco de fazer-se um jogo de adivinhação ou ‘quebra-cabeça’.”

As codificações não são slogans, são objetos cognoscíveis” Slogans, termo publicitário, nasce da política: condensa idéias complexas em poucas palavras, sempre retóricas. Seria poluir toda a pesquisa.

as codificações, na organização de seus elementos constituintes, devem ser uma espécie de ‘leque temático’. Desta forma, na medida em que sobre elas os sujeitos descodificadores incidam sua reflexão crítica, irão ‘abrindo-se’ na direção de outros temas.” Os fascistas não gostam de leques, gostam de rolos compressores.

[Ora,] no processo da descodificação os indivíduos, exteriorizando sua temática, explicitam sua ‘consciência real’”

Na medida em que, ao fazê-lo, vão percebendo como atuavam ao viverem a situação analisada, chegam ao que chamamos antes de percepção da percepção anterior. § Ao terem a percepção de como antes percebiam, percebem diferentemente a realidade, e, ampliando o horizonte do perceber, mais facilmente vão surpreendendo, na sua ‘visão de fundo’,¹ as relações dialéticas entre uma dimensão e outra da realidade.”

¹ Visão de fundo, termo já usado anteriormente mas não citado nestes “melhores momentos” do livro, seria uma espécie de leitmotiv do indivíduo que conecta sua consciência real à capacidade de, via práxis, atingir uma consciência do inédito viável. A ação editanda de Freire nada mais é que esta práxis, no âmbito da pedagogia de campo (da pedagogia etnográfica, não conotando ‘campo’ vs. cidade, para esclarecer).

A nova percepção e o novo conhecimento, cuja formação já começa nesta etapa da investigação, se prolongam, sistematicamente, na implantação do plano educativo, transformando o ‘inédito viável’ na ‘ação editanda’, com a superação da ‘consciência real’ pela ‘consciência máxima possível’.” Consciência máxima possível não é uma expressão de Freire, mas podemos igualá-la, pelo menos num momento inicial ao inédito viável. Não gosto do sufixo –máxima possível porque não é possível (com o perdão do trocadilho!) determinar o impossível, a menos que sejamos oniscientes, ainda mais durante o desenrolar do processo.

Neste sentido, um jovem chileno, Gabriel Bode, que há mais de 2 anos trabalha com o método na etapa de pós-alfabetização, trouxe uma contribuição da mais alta importância. § Na sua experiência, observou que os camponeses somente se interessavam pela discussão quando a codificação dizia respeito, diretamente, a aspectos concretos de suas necessidades sentidas. Qualquer desvio na codificação, como qualquer tentativa do educador de orientar o diálogo, na descodificação, para outros rumos que não fossem os de suas necessidades sentidas, provocavam o seu silêncio e o seu indiferentismo.” O mais apressado dos filisteus (ou o europeu médio do séc. XVIII) diria: camponeses são animais incapazes do pensamento.

Por outro lado, observava que, embora a codificação se centrasse nas necessidades sentidas, os camponeses não conseguiam, no processo de sua análise, fixar-se, ordenadamente, na discussão, ‘perdendo-se’, não raras vezes, sem alcançar a síntese.” Quão genial não foi Dostoievsky em captar o espírito camponês russo em pleno séc. XIX!

Faltava-lhes, diremos nós, a percepção do ‘inédito viável’ mais além das ‘situações-limite’, geradoras de suas necessidades.” Mas isso é o óbvio: essa é a exceção da exceção, o nível mais alto da decodificação. O sujeito plenamente liberto da alienação.

Desta forma, [Gabriel Bode] resolveu experimentar a projeção simultânea de situações, e a maneira como desenvolveu seu experimento é que constitui a contribuição indiscutivelmente importante que trouxe.”

experimento bodiano (não confundir com bodiniano!):

1. codificação a mais simples (a 1ª realizada) da situação existencial do nativo.

2. após abrir o leque (com mais codificações), ele obtém um arcabouço que chama de codificações auxiliares. núcleo+periferia do “leque”

3. é pela ligação das codificações auxiliares que os sujeitos (os nativos) não perdem de vista a codificação nuclear ou simples, e continuam engajados no diálogo. atingem uma melhor percepção de sua situação existencial.

4. momento da síntese (espécie de aprimoramento do ‘leque’), feito pelo pesquisador com os nativos.

No fundo, o grande achado de Gabriel Bode está em que ele conseguiu propor à cognoscitividade dos indivíduos, através da dialeticidade entre a codificação ‘essencial’ e as ‘auxiliares’, o sentido da totalidade. Os indivíduos imersos na realidade, com a pura sensibilidade de suas necessidades, emergem dela e, assim, ganham a razão das necessidades.” Primeiro nível de abstração obtido com sucesso. Ainda é uma consciência real (nível mais baixo), mas mais fortalecida.

Preparadas as codificações, estudados pela equipe interdisciplinar todos os possíveis ângulos temáticos nelas contidos, iniciam os investigadores a terceira fase da investigação. Nesta, voltam à área para inaugurar os diálogos descodificadores, nos ‘círculos de investigação temática’.”

vão sendo gravadas as discussões que serão, no que se segue, analisadas pela equipe interdisciplinar.” Primeiro as fotos, agora os registros de áudio.

presença crítica de representantes do povo desde seu começo até sua fase final, a da análise da temática encontrada, que se prolonga na organização do conteúdo programático da ação educativa, como ação cultural libertadora.

A estas reuniões de descodificação nos ‘círculos de investigação temática’, além do investigador como coordenador auxiliar da descodificação, assistirão mais 2 especialistas — um psicólogo e um sociólogo — cuja tarefa é registrar as reações mais significativas ou aparentemente pouco significativas dos sujeitos descodificadores.”

os participantes do ‘círculo de investigação temática’ vão extrojetando, pela força catártica da metodologia, uma série de sentimentos, de opiniões, de si, do mundo e dos outros, que possivelmente não extrojetariam em circunstâncias diferentes.”

DISCURSO-FETICHE: “Numa das investigações realizadas em Santiago (esta infelizmente não concluída), ao discutir um grupo de indivíduos residentes num ‘cortiço’ (conventillo) uma cena em que apareciam um homem embriagado, que caminhava pela rua, e, em uma esquina, 3 jovens que conversavam, os participantes do círculo de investigação afirmavam que ‘aí apenas é produtivo e útil à nação o borracho que vem voltando para casa, depois do trabalho, em que ganha pouco, preocupado com a família, a cujas necessidades não pode atender. É o único trabalhador. É um trabalhador decente como nós, que também somos borrachos’.”

O interesse do investigador, o psiquiatra Patrício Lopes, a cujo trabalho fizemos referência no nosso ensaio anterior, era estudar aspectos do alcoolismo. Provavelmente, porém, não haveria conseguido estas respostas se se tivesse dirigido àqueles indivíduos com um roteiro de pesquisa elaborado por ele mesmo. Talvez, ao serem perguntados diretamente, negassem, até mesmo que tomavam, vez ou outra, o seu trago. Frente, porém, à codificação de uma situação existencial, reconhecível por eles e em que se reconheciam, em relação dialógica entre si e com o investigador, disseram o que realmente sentiam.

Há dois aspectos importantes nas declarações destes homens. De um lado, a relação expressa entre ganhar pouco, sentirem-se explorados, com um ‘salário que nunca alcança’, e se embriagarem. Embriagarem-se como uma espécie de fuga à realidade, como tentativa de superação da frustração do seu não-atuar. Uma solução, no fundo, autodestrutiva, necrófila. De outro, a necessidade de valorizar quem bebe. Era o ‘único útil à nação, porque trabalhava, enquanto os outros o que faziam era falar mal da vida alheia’.” Estima de alcoviteiro.

Imaginemos, agora, o insucesso de um educador do tipo que Niebuhr chama de ‘moralista’, que fosse fazer prédicas a esses homens contra o alcoolismo, [padrecos] apresentando-lhes como exemplo de virtude o que, para eles, não é manifestação de virtude.” J., a abstêmia religiosa até o fanatismo, seria massacrada nesta comunidade. E quem há de dizer quem no caso é mais cristão? Um dos cristãos? Dificilmente. É o mesmo que auto-declaração: eu posso me autodeclarar branco, pardo, amarelo – não é exatamente um indício de verdade!

Em outra experiência, de que participamos, esta, com camponeses, observamos que, durante toda a discussão de uma situação de trabalho no campo, a tônica do debate era sempre a reivindicação salarial e a necessidade de se unirem, de criarem seu sindicato para esta reivindicação, não para outra. Discutiram 3 situações neste encontro e a tônica foi sempre a mesma — reivindicação salarial e sindicato para atender a esta reivindicação. Imaginemos, agora, um educador que organizasse o seu programa ‘educativo’ [vertical, imposto a priori] para estes homens e, em lugar da discussão desta temática, lhes propusesse a leitura de textos que, certamente, chamaria de ‘sadios’, e nos quais se fala, angelicalmente, de que ‘a asa é da ave’.” Eu mesmo não entendi patavinas da referência!

E isto é o que se faz, em termos preponderantes, na ação educativa como na política, porque não se leva em conta que a dialogicidade da educação começa na investigação temática.” Textos de apoio que nada apoiam. Muletas fendidas.

A sua última etapa [quarta] se inicia quando os investigadores, terminadas as descodificações nos círculos, dão começo ao estudo sistemático e interdisciplinar de seus achados.”

Estes temas devem ser classificados num quadro geral de ciências, sem que isto signifique, contudo, que sejam vistos, na futura elaboração do programa, como fazendo parte de departamentos estanques.” Ou não chamariam um psicólogo e um sociólogo para a equipe.

O tema do desenvolvimento, por exemplo, ainda que situado no domínio da economia, não lhe é exclusivo.” Isso é o que nenhum doutor economista de Harvard está maduro para aceitar. Ele precisa ser submetido urgentemente à “educação problemática (crítica) pós-alfabetização” delineada por Paulo Freire.

os temas que foram captados dentro de uma totalidade jamais serão tratados esquematicamente. Seria uma lástima se, depois de investigados na riqueza de sua interpenetração com outros aspectos da realidade, ao serem ‘tratados’, [autocensurados] perdessem esta riqueza, esvaziando-se de sua força, na estreiteza dos especialismos.”

Feita a delimitação temática, caberá a cada especialista, dentro de seu campo, apresentar à equipe interdisciplinar o projeto de ‘redução’ de seu tema. No processo de ‘redução’ deste, o especialista busca os seus núcleos fundamentais que, constituindo-se em unidades de aprendizagem e estabelecendo uma sequência entre si, dão a visão geral do tema ‘reduzido’.”

Neste esforço de ‘redução’ da temática significativa, a equipe reconhecerá a necessidade de colocar alguns temas fundamentais que, não obstante, não foram sugeridos pelo povo, quando da investigação. (…) Se a programação educativa é dialógica, isto significa o direito que também têm os educadores-educandos de participar dela, incluindo temas não-sugeridos. A estes, por sua função, chamamos ‘temas dobradiça’.” Não precisa chamar de nada. Essas nomenclaturas excessivas e esquemáticas só atrapalham…

O conceito antropológico de cultura é um destes ‘temas dobradiça’, que prendem a concepção geral do mundo que o povo esteja tendo ao resto do programa. Esclarece, através de sua compreensão, o papel dos homens no mundo e com o mundo, como seres da transformação e não da adaptação.” A argamassa da ‘porra-toda’.

a escolha do canal visual, pictórico ou gráfico, depende não só da matéria a codificar, mas também dos indivíduos a quem se dirige. Se têm ou não experiência de leitura.”

Figuremos, entre outros, o tema do desenvolvimento. A equipe procuraria dois ou mais especialistas (economistas),¹ inclusive de escolas diferentes, e lhes falaria de seu trabalho, convidando-os a dar uma contribuição que seria a entrevista em linguagem acessível sobre tais pontos.”

¹ Um neoliberal e um não-neurodivergente, no caso. O primeiro dificilmente conseguiria traduzir suas abobrinhas em que nem ele mesmo acredita em ‘linguagem acessível’.

Se é um professor de universidade, ao declinar-se sua condição de professor universitário já se poderia discutir com o povo o que lhe parecem as universidades de seu país. Como as vê. O que delas espera. O grupo estaria sabendo que, após ouvir a entrevista, seria discutido o seu conteúdo, o qual passaria a funcionar como uma codificação auditiva. [não-autoritária sobre o contéudo programático, nem definitiva]

Do debate realizado, faria posteriormente a equipe um relatório ao especialista em torno de como o povo reagiu à sua palavra.” Prevejo os egos de vidro se estilhaçando… “Desta maneira, se estariam vinculando intelectuais, muitas vezes de boa vontade, mas, não-raro, alienados da realidade popular, a esta realidade. E se estaria também proporcionando ao povo conhecer e criticar o pensamento do intelectual.” O povo emitirá sempre comentários mais lúcidos. Será muito mais fácil a desalienação do povo do que a do economista de cátedra, cuja vida não mudará mesmo que participe voluntariamente (o que é utópico) de cem dessas experiências!

Como nas entrevistas gravadas, aqui também, antes de iniciar a leitura de artigo ou do capítulo do livro, se falaria de seu autor. Em seguida, se realizaria o debate em torno do conteúdo da leitura.”

Na linha do emprego destes recursos, parece-nos indispensável a análise do conteúdo dos editoriais da imprensa, a propósito de um mesmo acontecimento. Por que razão os jornais se manifestam de forma diferente sobre um mesmo fato?” Mentira! No Brasil, todos os jornais se pronunciam em uníssono – e estão sempre errados!

PERIGOSÍSSIMO PARA O SISTEMA GLOBO! “Que o povo então desenvolva o seu espírito crítico para que, ao ler jornais ou ao ouvir o noticiário das emissoras de rádio, [creio que Freire escreveu antes da popularização da televisão nos lares] o faça não como mero paciente, como objeto dos ‘comunicados’ que lhes prescrevem, mas como uma consciência que precisa libertar-se.” O paradigma dos ‘comunicados’ permanece intocado nos podcasts de internet, infelizmente.

O primeiro trabalho dos educadores de base será a apresentação do programa geral da campanha a iniciar-se. Programa em que o povo se encontrará, de que não se sentirá estranho, pois que dele saiu.”

Como fazer, porém, no caso em que não se possa dispor dos recursos para esta prévia investigação temática, nos termos analisados?”

TUDO COMEÇA E TERMINA EM ANTROPOLOGIA… “Sejam homens camponeses ou urbanos, em programa de alfabetização ou de pós-alfabetização, o começo de suas discussões em busca de mais conhecer, no sentido instrumental do termo, é o debate deste conceito.”

Com a experiência que hoje temos, podemos afirmar que, bem-discutido o conceito de cultura, em todas ou em grande parte de suas dimensões, nos pode proporcionar vários aspectos de um programa educativo. Mas, além da captação, que diríamos quase indireta, de uma temática, na hipótese agora referida, podem os educadores, depois de alguns dias de relações horizontais com os participantes do ‘círculo de cultura’, perguntar-lhes diretamente:

Que outros temas ou assuntos poderíamos discutir além deste?

(…)

Admitamos que um dos membros do grupo diz: ‘Gostaria de discutir sobre o nacionalismo.’Assunção muito otimista! Esse termo, além de problemático (no sentido não-freireano!), dificilmente é evocado por pessoas ainda não-críticas, imersas na ‘realidade’ cotidiana.

(cont.)

“‘Muito bem (diria o educador, após registrar a sugestão, e acrescentaria): Que significa nacionalismo? Por que pode interessar-nos a discussão sobre o nacionalismo?’

É provável que, com a problematização da sugestão ao grupo, novos temas surjam. Assim, na medida em que todos vão se manifestando, o educador vai problematizando, uma a uma, as sugestões que nascem do grupo.”

Se, por exemplo, numa área em que funcionam 30 ‘círculos de cultura’, na mesma noite, todos os ‘coordenadores’ (educadores) procedem assim, terá a equipe central [um círculo de cultura ‘coordenador-geral’?] um rico material temático a estudar, dentro dos princípios descritos na primeira hipótese de investigação da temática significativa.” Não entendi a envergadura desses círculos de cultura. Estariam todos instalados no mesmo município? Ou um por município ou área? Pergunta quase retórica, já que Freire cita “numa área em que funcionam 30…” e depois arremata com “na mesma noite”. Mas é irreal imaginar sequer que tenhamos profissionais competentes em número para tal tarefa – por grande que seja o contingente de educadores de elite brasileiros. Território imenso – quase russo! E os ‘melhores’ estão provavelmente em outros vínculos empregatícios mais atrativos (o poder do Capital!), infelizmente…

O importante (…) é que (…) os homens se sintam sujeitos de seu pensar, discutindo o seu pensar, sua própria visão do mundo, manifestada implícita ou explicitamente, nas suas sugestões e nas de seus companheiros.”

Ao contrário do Ensaio sobre a dádiva, aqui não é bom doar (enquanto educador): quem doa são os nativos, o professor é quem recebe o conteúdo programático (se seguir todos os passos acima).

Notas do capítulo (muitas referências bibliográficas)

(*) Sobre o “silêncio” como fracasso da educação crítica: “Não nos referimos, obviamente, ao silêncio das meditações profundas em que os homens, numa forma só aparente de sair do mundo, dele ‘afastando-se’ para ‘admirá-lo’ em sua globalidade, com ele, por isto, continuam. [‘a vida é bela’, mas só à distância, em muitos casos!] Daí que estas formas de recolhimento só sejam verdadeiras quando os homens nela se encontrem ‘molhados’ de realidade e não quando, significando um desprezo ao mundo, sejam maneiras de fugir dele, numa espécie de ‘esquizofrenia histórica’.” O lado anti-hindu de P.F.! Nota subscrita, porém, por Zaratustra.

(*) A AUTÊNTICA REVOLUÇÃO É UM PROJETO AMOROSO: “Cada vez nos convencemos mais da necessidade de que os verdadeiros revolucionários reconheçam na revolução, porque um ato criador e libertador, um ato de amor. Para nós, a revolução, que não se faz sem teoria da revolução, portanto, sem ciência, não tem nesta uma inconciliação com o amor. Pelo contrário, a revolução, que é feita pelos homens, o é em nome de sua humanização. Que leva os revolucionários a aderirem aos oprimidos, senão a condição desumanizada em que se acham estes?

Não é devido à deterioração a que se submete a palavra amor no mundo capitalista que a revolução vá deixar de ser amorosa, nem os revolucionários fazer silêncio de seu caráter biófilo. Guevara, ainda que tivesse salientado o ‘risco de parecer ridículo’, não temeu afirmá-lo. Déjeme decirle (declarou dirigindo-se a Carlos Quijano) a riesgo de parecer ridículo que el verdadero revolucionario es animado por fuertes sentimientos de amor. Es imposible pensar un revolucionario autentico, sin esta cualidad. Ernesto Guevara, Obra revolucionaria. México: Ediciones Era S.A., 1967, pp. 637-38.

(*) Pierre Furter, Educação e vida. Petrópolis: Vozes, 1966.

(*) « Em uma longa conversação com Malraux, declarou Mao: Vous savez que je proclame depuis longtemps: nous devons enseigner aux masses avec précision ce que nous avons reçu d’elles avec confusion. André Malraux, Anti-memoires. Paris: Gallimard, 1967, p. 531. Nesta afirmação de Mao está toda uma teoria dialógica de constituição do conteúdo programático da educação, que não pode ser elaborado a partir das finalidades do educador, do que lhe pareça ser o melhor para seus educandos.” E veja onde está a China hoje! E onde está o Brasil!

(*) “Pour établir une liaison avec les masses, nous devons conformer à leurs désirs. [Até mesmo quando Mao mais errou – na revolução cultural – a motivação de suas ações foi a mais nobre e popular possível] Dans tout travail pour les masses, nous devons partir de leurs besoins, et non de nos propres désirs, si louables soient-ils. Il arrive souvent que les masses aient objetivement besoin de telles ou telles transformations, mais que subjetivement, elles ne soient conscients de ce besoin, qu’elles n’aient ni la volonté ni le désir de les réaliser; dans ce cas, nous devons attendre avec patience; [e quem poderá acusar Mao de « mencheviquismo » ?] c’est seulement lorsque, à la suite de notre travail, les masses seront, dans leurs majorité, conscientes de la nécessité de ces transformations, lorsqu’elles auront la volonté et le désir de les faire aboutir, qu’on pourra les réaliser; sinon, l’on risque de se couper des masses. […] Deux principes doivent nous guider: premièrement, les besoins réels des masses et non les besoins nés de notre imagination; deuxièment, le désir librement exprimé par les masses, les resolutions qu’elles ont prises elles mêmes et non celles que nous prenons à leur place. Mao Tsé-Tung, ‘Le Front uni dans le travail culturel’, in Oeuvres choisies de Mao Tse-Toung. Pequim: Ed. du Peuple, 1966.Hmm, Mao me cai muito bem em francês. Depois desse par de declarações, estou disposto a adquirir sua obra nessa tradução!

(*) “é mais contraditório que homens verdadeiramente humanistas usem a prática ‘bancária’ da educação que homens de direita se empenhem num esforço de educação problematizadora. Na verdade é uma contradição meramente teórica. Estes são sempre mais coerentes — jamais aceitam uma pedagogia da problematização.” Nosso maior desafio é que a direita é sempre prejudicial. A esquerda é ora prejudicial, ora benéfica à própria esquerda. Somos uma minoria absoluta.

(*) “O prof. Álvaro Vieira Pinto analisa, com bastante lucidez, o problema das ‘situações-limite’, cujo conceito aproveita, esvaziando-o, porém, da dimensão pessimista que se encontra originariamente em Jaspers.” Normal!

(*) Karel Kosik, Dialética do concreto, 3ed., RJ: Paz e Terra, 1985.

(*) Hans Freyer, Teoría de la época actual, México: Fondo de Cultura Econ., 1958.

(*) O CAMPONÊS É NOSSO AMIGO METAFÍSICO, A CLASSE MÉDIA É O MAIOR DOS PROBLEMAS: “Esta forma de proceder se observa, não raramente, entre homens de classe média, ainda que diferentemente de como se manifesta entre camponeses. Seu medo da liberdade os leva a assumir mecanismos de defesa e, através de [ir]racionalizações, escondem o fundamental, enfatizam o acidental e negam a realidade concreta. Em face de um problema cuja análise remete à visualização da ‘situação-limite’, cuja crítica lhes é incômoda, [a ascensão dos pobres, em resumo] sua tendência é ficar na periferia dos problemas, rechaçando toda tentativa de adentramento no núcleo mesmo da questão. Chegam, inclusive, a irritar-se quando se lhes chama a atenção para algo fundamental que explica o acidental ou o secundário, [ex: por que as cidades estão apinhadas de mendicantes] aos quais estão dando significação primordial.”

(*) Lucien Goldmann, The Human Sciences and Philosophy. Londres: The Chancer Press, 1969.

(*) André Nicolaj, Comportement économique et structures sociales. Paris: PUF, 1960.

(*) “Em cada ‘círculo de investigação’ deve haver um máximo de 20 pessoas, existindo tantos círculos quantos a soma de seus participantes atinja a da população da área ou da subárea em estudo.”

(*) EXPLICAÇÃO DA REDUÇÃO: “Na redução temática, que é a operação de ‘cisão’ dos temas enquanto totalidades, se buscam seus núcleos fundamentais, que são as suas parcialidades. Desta forma, ‘reduzir’ um tema é cindi-lo em suas partes para, voltando-se a ele como totalidade, melhor conhecê-lo.”

CAPÍTULO 4. A TEORIA DA AÇÃO ANTIDIALÓGICA

Não é possível à liderança tomar os oprimidos como meros fazedores ou executores de suas determinações; como meros ativistas a quem negue a reflexão sobre o seu próprio fazer. Os oprimidos, tendo a ilusão de que atuam, na atuação da liderança, continuam manipulados exatamente por quem, por sua própria natureza, não pode fazê-lo. § Por isto, na medida em que a liderança nega a práxis verdadeira aos oprimidos, se esvazia, consequentemente, na sua.” Por uma <semi-ditadura do proletariado> ou uma <ditadura do semi-proletariado>?

Instala, com este proceder, uma contradição entre seu modo de atuar e os objetivos que pretende, ao não entender que, sem o diálogo com os oprimidos, não é possível práxis autêntica, nem para estes nem para ela.”

Na práxis revolucionária há uma unidade, em que a liderança — sem que isto signifique diminuição de sua responsabilidade coordenadora e, em certos momentos, diretora — não pode ter nas massas oprimidas o objeto de sua posse.”

admirar (quem admira termina por problematizar e criar) X adaptar-se

clima sectário”: “Do mesmo modo, uma liderança revolucionária, que não seja dialógica com as massas, ou mantém a ‘sombra’ do dominador ‘dentro’ de si e não é revolucionária, ou está redondamente equivocada e, presa de uma sectarização indiscutivelmente mórbida, também não é revolucionária.” Sectarização: corrosão do testemunho.

Se são levadas ao processo como seres ambíguos, metade elas mesmas, metade o opressor ‘hospedado’ nelas, e se chegam ao poder vivendo esta ambiguidade que a situação de opressão lhes impõe, terão, a nosso ver, simplesmente, a impressão de que chegaram ao poder.”

Estamos convencidos de que o diálogo com as massas populares é uma exigência radical de toda revolução autêntica. Ela é revolução por isto. Dos golpes, seria uma ingenuidade esperar que estabelecessem diálogo com as massas oprimidas. Deles, o que se pode esperar é o engodo para legitimar-se ou a força que reprime.”

Se, na educação como situação gnosiológica, o ato cognoscente do sujeito educador (também educando) sobre o objeto cognoscível não morre, ou nele se esgota, porque, dialogicamente, se estende a outros sujeitos cognoscentes, de tal maneira que o objeto cognoscível se faz mediador da cognoscitividade dos dois, na teoria da ação revolucionária se dá o mesmo.”

Talvez se pense que, ao fazermos a defesa deste encontro dos homens no mundo para transformá-lo, que é o diálogo, estejamos caindo numa ingênua atitude, num idealismo subjetivista. § Não há nada, contudo, de mais concreto e real do que os homens no mundo e com o mundo. Os homens com os homens, enquanto classes que oprimem e classes oprimidas.”

Não há realidade histórica — mais outra obviedade — que não seja humana. Não há história sem homens, como não há uma história para os homens, mas uma história de homens que, feita por eles, também os faz, como disse Marx.”

Falsamente realistas seremos se acreditarmos que o ativismo, que não é ação verdadeira, é o caminho para a revolução.”

Por que não fenecem as elites dominadoras ao não pensarem com as massas? Exatamente porque estas são o seu contrário antagônico, a sua ‘razão’, na afirmação de Hegel já citada. Pensar com elas seria a superação de sua contradição. Pensar com elas significaria já não dominar.”

AUTOCONFISSÃO BURGUESA: “Por especial que pudesse ser em teoria o projeto de dar educação às classes trabalhadoras dos pobres, seria prejudicial para sua moral e sua felicidade; ensinaria a desprezar sua missão na vida, em lugar de fazer deles bons servos para a agricultura e outros empregos; em lugar de ensinar-lhes subordinação os faria rebeldes e refratários, como se pôs em evidência nos condados manufatureiros, habilitá-los-ia a ler folhetos sediciosos, livros perversos e publicações contra a cristandade; torná-los-ia insolentes para com seus superiores e, em poucos anos, se faria necessário à legislatura dirigir contra eles o braço forte do poder.” Mr. Giddy apud Niebuhr.

No fundo, o que o tal Mr. Giddy, citado por Niebuhr, queria, tanto quanto os de hoje, que não falam tão cínica e abertamente contra a educação popular, é que as massas não pensassem. Os Mr. Giddy de todas as épocas, enquanto classe opressora, ao não poderem pensar com as massas oprimidas, não podem deixar que elas pensem.”

ESTAMOS NUM HIATO ‘INTERESSANTE’ (EPISTEMOLOGICAMENTE FALANDO), AQUELE EM QUE OS OPRESSORES AINDA NÃO SABEM CAIR E OS REVOLUCIONÁRIOS NÃO SABEM SUBIR: “Não é o mesmo o que ocorre com a liderança revolucionária. Esta, ao não pensar com as massas, fenece. As massas são a sua matriz constituinte, não a incidência passiva de seu pensar.”

Enquanto o outro é um pensar de senhor, este é um pensar de companheiro. E só assim pode ser.” “Esta liderança, que emerge, ou se identifica com as massas populares, como oprimida também, ou não é revolucionária. § Assim é que, não pensar com elas para, imitando os dominadores, pensar simplesmente em torno delas, não se dando a seu pensar, é uma forma de desaparecer como liderança revolucionária.”

Enquanto, no processo opressor, as elites vivem da ‘morte em vida’ dos oprimidos e só na relação vertical entre elas e eles se autenticam, no processo revolucionário só há um caminho para a autenticidade da liderança que emerge: ‘morrer’ para reviver através dos oprimidos e com eles.

Na verdade, enquanto no primeiro é lícito dizer que alguém oprime alguém, no segundo, já não se pode afirmar que alguém liberta alguém, ou que alguém se liberta sozinho, mas os homens se libertam em comunhão.”

comunhão-com X esmagamento-dos

E o mundo não é um laboratório de anatomia nem os homens são cadáveres que devam ser estudados passivamente.” Infelizmente minha rotina é o sentir-me rato de laboratório.

O PROBLEMA DA ELITE <ANTI-SÓCRÁTICA>: “…deixar-se cair num dos mitos da ideologia opressora, o da absolutização da ignorância, que implica a existência de alguém que a decreta a alguém.”

MASTURBADORES HIERÁRQUICOS: “Quanto mais diz a palavra sem a palavra daqueles que estão proibidos de dizê-la, tanto mais exercita o poder e o gosto de mandar, de dirigir, de comandar. Já não pode viver se não tem alguém a quem dirija sua palavra de ordem.”

A liderança revolucionária (…) [n]ão tem sequer o direito de duvidar, por um momento, de que isto é mito. Não pode admitir, como liderança, que só ela sabe e que só ela pode saber — o que seria descrer das massas populares. Ainda quando seja legítimo reconhecer-se em um nível de saber revolucionário, em função de sua mesma consciência revolucionária, diferente do nível de conhecimento ingênuo das massas, não pode sobrepor-se a este, com o seu saber.”

Há os que pensam, às vezes, com boa intenção, mas equivocamente, ‘que sendo demorado o processo dialógico — o que não é verdade — se deve fazer a revolução sem comunicação, através dos comunicados’ e, depois de feita, então, se desenvolverá um amplo esforço educativo. ‘Mesmo porque’, continuam, ‘não é possível fazer educação antes da chegada ao poder. Educação libertadora’.”

Ao admitirem que não é possível uma forma de comportamento educativo-crítica antes da chegada ao poder por parte da liderança, negam o caráter pedagógico da revolução, como revolução cultural.” O problema da “revolução cultural” na China.

a chegada ao poder é apenas um momento, por mais decisivo que seja.”

Por isto é que, numa visão dinâmica e não estática da revolução, ela não tem um antes e um depois absolutos, de que a chegada ao poder seria o ponto de divisão.”

a contrarrevolução também é dos revolucionários que se tornam reacionários.”

MAO, On Contradictions’, in: Four Essays on Philosophy, 1968.

Gajo Petrovic, Marx in the Mid-Twentieth Century, 1967.

E, se não é possível o diálogo com as massas populares antes da chegada ao poder, porque falta a elas experiência do diálogo, também não lhes é possível chegar ao poder, porque lhes falta igualmente experiência dele. Precisamente porque defendemos uma dinâmica permanente no processo revolucionário, entendemos que é nesta dinâmica, na práxis das massas com a liderança revolucionária, que elas e seus líderes mais representativos aprenderão tanto o diálogo quanto o poder. Isto nos parece tão óbvio quanto dizer que um homem não aprende a nadar numa biblioteca, mas na água.

O diálogo com as massas não é concessão, nem presente, nem muito menos uma tática a ser usada, como a sloganização o é, para dominar. O diálogo, como encontro dos homens para a ‘pronúncia’ do mundo, é uma condição fundamental para a sua real humanização.”

Destas considerações gerais, partamos, agora, para uma análise mais detida a propósito das teorias da ação antidialógica e dialógica.”

O primeiro caráter que nos parece poder ser surpreendido na ação antidialógica é a necessidade da conquista.” Gradação do paternalismo à tirania.

NAPOLEÃO NÃO PODERIA TER REVOLUCIONADO A EUROPA, COMO CÉSAR NÃO O FEZ COM ROMA: “O sujeito da conquista determina suas finalidades ao objeto conquistado, que passa, por isto mesmo, a ser algo possuído pelo conquistador. Este, por sua vez, imprime sua forma ao conquistado que, introjetando-o, se faz um ser ambíguo.”

O desejo de conquista, talvez mais que o desejo, a necessidade da conquista, acompanha a ação antidialógica em todos os seus momentos.”

os opressores se esforçam por matar nos homens a sua condição de ‘ad-miradores’ do mundo.¹ Como não podem consegui-lo, em termos totais, é preciso, então, mitificar o mundo.”

¹ Ir ao encontro do mundo, até o.

MUNDO-VERDADE DO FALSO MOEDEIRO: “Daí que, na ação da conquista, não seja possível apresentar o mundo como problema, mas, pelo contrário, como algo dado, como algo estático, a que os homens se devem ajustar.”

A falsa ‘ad-miração’ não pode conduzir à verdadeira práxis”

O mito, por exemplo, de que a ordem opressora é uma ordem de liberdade.”

O mito de que esta <ordem> respeita os direitos da pessoa humana e que, portanto, é digna de todo apreço.”

o mito de que o homem que vende, pelas ruas, gritando: ‘doce de banana e goiaba’ é um empresário tal qual o dono de uma grande fábrica.”

O mito do direito de todos à educação, quando o número de brasileiros que chegam às escolas primárias do país e o dos que nelas conseguem permanecer é chocantemente irrisório.”

O mito da igualdade de classe, quando o <sabe com quem está falando?> é ainda uma pergunta dos nossos dias.”

O mito do heroísmo das classes opressoras, como mantenedoras da ordem que encarna a ‘civilização ocidental e cristã’, que elas defendem da ‘barbárie materialista’.”

O mito da propriedade privada, como fundamento do desenvolvimento da pessoa humana, desde, porém, que pessoas humanas sejam apenas os opressores.”

Os conteúdos e os métodos da conquista variam historicamente, o que não varia, enquanto houver elite dominadora, é esta ânsia necrófila de oprimir.”

Na medida em que as minorias, submetendo as maiorias a seu domínio, as oprimem, dividi-las e mantê-las divididas são condição indispensável à continuidade de seu poder.” “Conceitos, como os de união, de organização, de luta, são timbrados, sem demora, como perigosos. E realmente o são – mas para os opressores.”

Estas formas focalistas de ação, intensificando o modo focalista de existência das massas oprimidas, sobretudo rurais, dificultam sua percepção crítica da realidade e as mantêm ilhadas da problemática dos homens oprimidos de outras áreas em relação dialética com a sua.” Por uma crítica à pedagogia estrita do campo. Insulamento das culturas indígenas a somente ‘eles mesmos’, etc.

AS <ESCOLAS DE LÍDERES>: “No momento em que, depois de retirados da comunidade, a ela voltam, com um instrumental que antes não tinham, ou usam este para melhor conduzir as consciências dominadas e imersas, ou se tornam estranhos à comunidade, ameaçando, assim, sua liderança.”

A harmonia viável e constatada só pode ser a dos opressores entre si. Estes, mesmo divergentes e, até em certas ocasiões, em luta por interesses de grupos, se unificam, imediatamente, ante uma ameaça à classe.”

Sua interferência nos sindicatos, favorecendo certos ‘representantes’ da classe dominada que, no fundo, são seus representantes, e não de seus companheiros; a ‘promoção’ de indivíduos que, revelando certo poder de liderança, podiam significar ameaça e que, ‘promovidos’, se tornam ‘amaciados’; a distribuição de benesses para uns e de dureza para outros, tudo são formas de dividir para manter a ‘ordem’ que

lhes interessa.” “A perda do emprego e o seu nome numa ‘lista negra’, que significa portas que se fecham a eles para novos empregos, são o mínimo que lhes pode suceder.”

Desta maneira, para dividir, os necrófilos se nomeiam a si mesmos biófilos e aos biófilos, de necrófilos. A história, contudo, se encarrega sempre de refazer estas ‘nomeações’. § Hoje, apesar de a alienação brasileira continuar chamando o Tiradentes de inconfidente e ao movimento libertador que encarnou, de Inconfidência, o herói nacional não é o que o chamou de bandido e o mandou enforcar e esquartejar, e espalhar pedaços de seu corpo sangrando pelas vilas assustadas, como exemplo. O herói é ele. A história rasgou o ‘título’ que lhe deram e reconheceu o seu gesto.”

E os pactos somente se dão quando estas [massas oprimidas], mesmo ingênuas, emergem no processo histórico e, com sua emersão, ameaçam as elites dominantes.”

Toda política de esquerda se apoia nas massas populares e depende de sua consciência. Se vier a confundi-la, perderá as raízes, pairará no ar à espera da queda inevitável, ainda quando possa ter, como no caso brasileiro, a ilusão de fazer a revolução pelo simples giro à volta do poder” Weffort, in: Política e revolução social no Brasil, 1965.

Daí que o populismo se constitua, como estilo de ação política, exatamente quando se instala o processo de emersão das massas em que elas passam a reivindicar sua participação, mesmo que ingenuamente.”

O PERIGO PARA O STATUS QUO CHAMADO LULA: “Somente quando o líder populista supera o seu caráter ambíguo e a natureza dual de sua ação e opta decididamente pelas massas, deixando assim de ser populista, renuncia à manipulação e se entrega ao trabalho revolucionário de organização. Neste momento, em lugar de mediador entre massas e elites, é contradição destas, o que leva as elites a arregimentar-se para freá-lo tão rapidamente quanto possam.”

Venho dizer que, neste momento, o governo ainda está desarmado de leis e de elementos concretos de ação imediata para a defesa da economia do povo. É preciso, pois, que o povo se organize, não só para defender seus próprios interesses, mas também para dar ao governo o ponto de apoio indispensável à realização dos seus propósitos. … Preciso de vossa união, preciso de que vos organizeis solidariamente em sindicatos; preciso que formeis um bloco forte e coeso ao lado do governo para que este possa dispor de toda a força de que necessita para resolver os vossos próprios problemas. Preciso de vossa união para que possa lutar contra os sabotadores, para que não fique prisioneiro dos interesses dos especuladores e dos gananciosos em prejuízo dos interesses do povo. … Chegou, por isto mesmo, a hora do governo apelar para os trabalhadores e dizer-lhes: uni-vos todos nos vossos sindicatos, como forças livres e organizadas. Na hora presente nenhum governo poderá subsistir ou dispor de força suficiente para as suas realizações se não contar com o apoio das organizações operárias.” Vargas, num 1º de maio. Recado claro, efetivamente.

Se Vargas não tivesse revelado, na sua última etapa de governo, uma inclinação tão ostensiva à organização das massas populares, consequentemente ligada a uma série de medidas que tomou no sentido da defesa dos interesses nacionais, possivelmente as elites reacionárias não tivessem chegado ao extremo a que chegaram. § Isto ocorre com qualquer líder populista ao aproximar-se, ainda que discretamente, das massas populares, não mais como exclusivo mediador das oligarquias, se estas dispõem de força para freá-lo. § Enquanto a ação do líder se mantém no domínio das forças paternalistas e sua extensão assistencialista, pode haver divergências acidentais entre ele e grupos oligárquicos feridos em seus interesses, dificilmente, porém, diferenças profundas.”

FILA DO OSSO, NUNCA MAIS: “Há, contudo, em toda esta assistencialização manipuladora, um momento de positividade. § É que os grupos assistidos vão sempre querendo indefinidamente mais e os indivíduos não-assistidos, vendo o exemplo dos que o são, passam a inquietar-se por serem assistidos também.”

HURRAH, USA! “Uma condição básica ao êxito da invasão cultural é o conhecimento por parte dos invadidos de sua inferioridade intrínseca.”

É preciso que o eu oprimido rompa esta quase ‘aderência’ ao tu opressor, dele ‘afastando-se’, para objetivá-lo, somente quando se reconhece criticamente em contradição com aquele.”

Renunciar ao ato invasor significa, de certa maneira, superar a dualidade em que se encontram — dominados por um lado; dominadores, por outro.”

O ‘medo da liberdade’, então, neles se instala. Durante todo esse processo traumático, sua tendência é, naturalmente, racionalizar o medo, com uma série de evasivas.

Este ‘medo da liberdade’, em técnicos que não chegaram sequer a fazer a descoberta de sua ação invasora, é maior ainda, quando se lhes fala do sentido desumanizante desta ação.”

Uma das educadoras do Full Circle, de Nova York, instituição que realiza um trabalho educativo de real valor, nos relatou o seguinte caso: ao problematizar uma situação codificada a um dos grupos das áreas pobres de Nova York que mostrava, na esquina de uma rua — a rua mesma em que se fazia a reunião —, uma grande quantidade de lixo, disse imediatamente um dos participantes: ‘Vejo uma rua da África ou da América Latina’.

E por que não de Nova York?’, perguntou a educadora.

Porque, afirmou, somos os Estados Unidos e aqui não pode haver isto.’

Este é um dos sérios problemas que a revolução tem de enfrentar na etapa em que chega ao poder.”

a formação técnico-científica não é antagônica à formação humanista dos homens, desde que ciência e tecnologia, na sociedade revolucionária, devem estar a serviço de sua libertação permanente, de sua humanização.”

Este poder burocrático, violentamente repressivo, por sua vez, pode ser explicado através do que Althusser [Pourx Marx] chama de ‘reativação de elementos antigos’, toda vez que circunstâncias especiais o favoreçam, na nova sociedade.”

sociedade ser-para-si X sociedade metropolitana (sociedade ser-para-outro, “invadida”)

Por tudo isto, é preciso não confundir desenvolvimento com modernização. Esta, sempre realizada induzidamente, ainda que alcance certas faixas da população da ‘sociedade-satélite’, no fundo interessa à sociedade metropolitana.

A sociedade simplesmente modernizada, mas não desenvolvida, continua dependente do centro externo, mesmo que assuma, por mera delegação, algumas áreas mínimas de decisão.” “Estamos convencidos de que, para aferirmos se uma sociedade se desenvolve ou não, devemos ultrapassar os critérios que se fixam na análise de seus índices per capita de ingresso que, ‘estatisticados’, não chegam sequer a expressar a verdade, bem como os que se centram no estudo de sua renda bruta. Parece-nos que o critério básico, primordial, está em sabermos se a sociedade é ou não um ‘ser para si’. Se não é, todos estes critérios indicarão sua modernização, mas não seu desenvolvimento.”

Superada a contradição, o que antes era mera transformação ‘assistencializadora’ em benefício, sobretudo, da matriz, se torna desenvolvimento verdadeiro, em benefício do ‘ser para si’.

Por tudo isto é que as soluções puramente reformistas que estas sociedades tentam, algumas delas chegando a assustar e até mesmo a apavorar a faixas mais reacionárias de suas elites, não chegam a resolver suas contradições.

Quase sempre, senão sempre, estas soluções reformistas são induzidas pela própria metrópole, como uma resposta nova que o processo histórico lhe impõe, no sentido de manter sua hegemonia.”

façamos as reformas, antes que as sociedades dependentes façam a revolução”

Queremos referir-nos ao momento de constituição da liderança revolucionária e algumas de suas consequências básicas, de caráter histórico e sociológico, para o processo revolucionário.”

Em um dado momento de sua experiência existencial, em certas condições históricas, estes, num ato de verdadeira solidariedade (pelo menos assim se deve esperar), renunciam à classe à qual pertencem e aderem aos oprimidos.” Cfr. Guzmán, Camilo, el cura guerrillero, 1967.

EM CASO DE ÊXITO INICIAL: “Há uma empatia quase imediata entre as massas e a liderança revolucionária. O compromisso entre elas se sela quase repentinamente. Sentem-se ambas, porque coirmanadas na mesma representatividade, contradição das elites dominadoras. § Daí em diante, o diálogo entre elas se instaura e dificilmente se rompe. Continua com a chegada ao poder, em que as massas realmente se sentem e sabem que estão.”

Lukács, Histoire et conscience de classe, 1960.

A liderança de Fidel Castro e de seus companheiros, na época chamados de ‘aventureiros irresponsáveis’ por muita gente, liderança eminentemente dialógica, se identificou com as massas submetidas a uma brutal violência, a da ditadura de Batista.

Com isto não queremos afirmar que esta adesão se deu tão facilmente. Exigiu o testemunho corajoso, a valentia de amar o povo e por ele sacrificar-se. Exigiu o testemunho da esperança nunca desfeita de recomeçar após cada desastre, animados pela vitória que, forjada por eles com o povo, não seria apenas deles, mas deles e do povo, ou deles enquanto povo.

Fidel polarizou pouco a pouco a adesão das massas que, além da objetiva situação de opressão em que estavam, já haviam, de certa maneira, começado, em função da experiência histórica, a romper sua ‘aderência’ com o opressor.”

Daí que Fidel jamais se haja feito contradição delas. Uma ou outra deserção, uma ou outra traição registradas por Guevara no seu Relatos de la Guerra Revolucionaria, em que se refere às muitas adesões também, eram de ser esperadas.”

Quase nunca, porém, a liderança revolucionária percebe que está sendo contradição das massas. § Realmente, é dolorosa esta percepção e, talvez por um mecanismo de defesa, ela resista em percebê-lo. § Afinal, não é fácil à liderança, que emerge por um gesto de adesão às massas oprimidas, reconhecer-se como contradição exatamente de com quem aderiu.”

Na hipótese em que as contradiz, ao buscar esta adesão e ao surpreender nelas um certo alheamento, uma certa desconfiança, pode tomar esta desconfiança e aquele alheamento como se fossem índices de uma natural incapacidade delas. (…) E, como precisa de sua adesão à luta para que possa haver revolução, mas desconfia das massas desconfiadas, se deixa tentar pelos mesmos procedimentos que a elite dominadora usa para oprimir.”

Em seu diário sobre a luta na Bolívia, o comandante Guevara se refere várias vezes à falta de participação camponesa, afirmando textualmente: ‘La mobilización campesina es inexistente, salvo en las tareas de información que molestan algo, pero no son muy rápidos ni eficientes; los podremos anular’. E em outro momento: ‘Falta completa de incorporación campesina aunque nos van perdiendo el miedo y se logra la admiración de les campesinos. Es una tarea lenta y paciente.’” Cfr. El diário de Che en Bolívia

Por esta razão é que afirmamos antes ser tão paradoxal que a elite dominadora problematize as relações homens-mundo aos oprimidos, quanto o é que a liderança revolucionária não o faça.”

(*) Buber, Yo y tú

(*) Mikel Dufrenne, Pour l’homme, 1968.

(*) John Gerassi, A invasão da América Latina, 1965.

o eu e o tu passam a ser, na dialética destas relações constitutivas, dois tu que se fazem dois eu.”

O diálogo, que é sempre comunicação, funda a colaboração. Na teoria da ação dialógica, não há lugar para a conquista das massas aos ideais revolucionários, mas para a sua adesão.”

Adesão conquistada não é adesão porque é aderência do conquistado ao conquistador através da prescrição deste àquele.” “A adesão verdadeira é a coincidência livre de opções.”

A confiança das massas na liderança implica a confiança que esta tenha nelas. Esta confiança nas massas populares oprimidas, porém, não pode ser uma confiança ingênua. § A liderança (…) há de desconfiar, sempre desconfiar, da ambigüidade dos homens oprimidos. § Desconfiar dos homens oprimidos, não é, propriamente, desconfiar deles enquanto homens, mas desconfiar do opressor ‘hospedado’ neles. § Desta maneira, quando Guevara chama a atenção ao revolucionário para a ‘necessidade de desconfiar sempre — desconfiar do camponês que adere, do guia que indica os caminhos, desconfiar até de sua sombra’, não está rompendo a condição fundamental da teoria da ação dialógica. Está sendo, apenas, realista.”

a confiança, ainda que básica ao diálogo, não é um a priori deste, mas uma resultante do encontro em que os homens se tornam sujeitos da denúncia do mundo, para a sua transformação. § Daí que, enquanto os oprimidos sejam mais o opressor ‘dentro’ deles que eles mesmos, seu medo natural à liberdade pode levá-los à denúncia, não da realidade opressora, mas da liderança revolucionária.” Ah, gado brasileiro – que queres? Preferes não ter nem pão nem liberdade, és o último dos fachos! O amedrontado de Dostoievsky, ao menos, recusava a liberdade para devorar seu pão diário… Tu, brasileiro do século XXI, minoria recalcitrante, és o mais vil dos párias rastejantes, um famélico agrilhoado e de olhar cinza, incendiário que tem medo do próprio fogo. Inconscientemente, tens medo de sobreviver a uma guerra, a ter de posicionar-se nesse mundo frívolo – por isso aceitas (apressas-te a, em verdade) ir à Ucrânia ou Israel, pois preferes a morte a questionar-te a ti mesmo!

Algumas vezes, no seu relato, ao reconhecer a necessidade da punição ao que desertou para manter a coesão e a disciplina do grupo, reconhece também certas razões explicativas da deserção. Uma delas, diremos nós, talvez a mais importante, é a ambiguidade do ser do desertor.”

A guerrilha e o campesinato, continua, se iam fundindo numa só massa, sem que ninguém possa dizer em que momento se fez intimamente verídico o proclamado e fomos partes do campesinato.”

Veja-se como um líder como Guevara, que não subiu a Sierra com Fidel e seus companheiros à maneira de um jovem frustrado em busca de aventuras, reconhece que a sua ‘comunhão com o povo deixou de ser teoria para converter-se em parte definitiva de seu ser’ (no texto: nosso ser).”

Não há vida sem morte, como não há morte sem vida, mas há também uma ‘morte em vida’. E a ‘morte em vida’ é exatamente a vida proibida de ser vida. Acreditamos não ser necessário sequer usar dados estatísticos para mostrar quantos, no Brasil e na América Latina em geral, são ‘mortos em vida’, são ‘sombras’ de gente, homens, mulheres, meninos, desesperançados e submetidos a uma permanente ‘guerra invisível’ em que o pouco de vida que lhes resta vai sendo devorado pela tuberculose, pela esquistossomose, pela diarréia infantil, por mil enfermidades da miséria, muitas das quais a alienação chama de ‘doenças tropicais’…”

(Parênteses não inteiramente fora de contexto, já que Freire cita muitos. Não sei de onde os latino-americanos tiraram que padres conduziriam qualquer revolução por aqui – ou que suas opiniões a respeito eram de relevo! Uma coisa de época, imagino…)

UNIR PARA NÃO CONQUISTAR, O PARADIGMA MAIS DIFÍCIL DA CIÊNCIA POLÍTICA ATÉ AQUI: “a liderança se obriga ao esforço incansável da união dos oprimidos entre si, e deles com ela, para a libertação.” Tem de ser muito corajoso para ser revolucionário num mundo em que as desistências são freqüentes, múltiplas e diárias. Os senhores só desonrariam nossas botas ao lambê-las.

Se, para a elite dominadora, lhe é fácil, ou pelo menos não tão difícil, a práxis opressora, já não é o mesmo o que se verifica com a liderança revolucionária, ao tentar a práxis libertadora. Enquanto a primeira conta com os instrumentos do poder, a segunda se encontra sob a força deste poder. A primeira se organiza a si mesma livremente e, mesmo quando tenha as suas divisões acidentais e momentâneas, se unifica rapidamente em face de qualquer ameaça a seus interesses fundamentais.” Viva a hubris dos fracos no poder; sem ela, nenhum episódio revolucionário teria se verificado na História, apesar da inevitabilidade da decadência burguesa. O que se deu em Cuba, na Rússia, na China são eventos grandiosos, milenares. A conjunção da mais impecável união proletária com erros e estupidezes daqueles no comando em cada nação. A obscenidade que é ter em mãos a máquina do Estado, só para… perdê-la! Lembra-me a capacidade de gestão de um adolescente sem apoio enfrentando adultos competentes e com a cabeça no lugar… Quem diria que poderia vencer?!

A própria situação concreta de opressão, ao dualizar o eu do oprimido, ao fazê-lo ambíguo, emocionalmente instável, temeroso da liberdade, facilita a ação divisória do dominador nas mesmas proporções em que dificulta a ação unificadora indispensável à prática libertadora. § Mais ainda, a situação objetiva de dominação é, em si mesma, uma situação divisória. Começa por dividir o eu oprimido na medida em que, mantendo-o numa posição de ‘aderência’ [pejorativo; apenas risca a superfície] à realidade, que se lhe afigura como algo todo-poderoso, esmagador, o aliena a entidades estranhas, explicadoras deste poder.” Como os imbecis do 8 de janeiro perderam qualquer noção dessa grandeza insondável do poder estatal… eis algo que me assombra, e deveria assombrar a teoria do conhecimento em si! Os multi-coloridos que bailaram sobre cacos de vidro… sentindo-se em Paris. Sim, tivemos nossa efêmera revanche, quando os fascistas não tinham mais o poder e então tiveram de se agitar como ovelhas a fim da mais vã tentativa de recuperá-lo! Não poderiam saber que era vã, é claro… Financiamento algum gera resultado sem organização, paixão, sabedoria.

Parte de seu eu se encontra na realidade a que se acha ‘aderido’, parte fora, na ou nas entidades estranhas, às quais responsabiliza pela força da realidade objetiva, frente à qual nada lhe é possível fazer. Daí que seja este, igualmente, um eu dividido entre o passado e o presente iguais e o futuro sem esperança que, no fundo, não existe.”

AGORA, AQUI & SEMPRE: “Um eu que não se reconhece sendo, por isto que não pode ter, no que ainda vem, a futuridade que deve construir na união com outros.”

É necessário desideologizar.” Janela de oportunidade e ao mesmo tempo o momento mais perigoso para os oprimidos. Intervalo entre ideologias que é o céu e inferno de nossas aspirações e frustrações.

Contra burguês, vote 16”: a sloganização risível de um movimento que se quer revolucionário. Revolução e horário político como antípodas perfeitos. “É que este, distorcendo a relação autêntica entre o sujeito e a realidade objetiva, divide também o cognoscitivo do afetivo e do ativo que, no fundo, são uma totalidade não-dicotomizável.” (Não sei por que P.F. grifou apenas dos do tripé – esses itálicos cognoscitivo e ativo não são meus! –, sendo conhecimento teórico e ação os eixos da práxis, deixando de fora – do sublinhado apenas, mas isso me causa estranhamento! –, no entanto, o afeto, as emoções, a razão real, por assim dizer.)

Propor a um camponês europeu, como um problema, a sua condição de homem, lhe parecerá, possivelmente, algo estranho. Já não é o mesmo fazê-lo a camponeses latino-americanos, cujo mundo, de modo geral, se ‘acaba’ nas fronteiras do latifúndio, [cada latifúndio uma pequena Europa, aliás] cujos gestos repetem, de certa maneira, os animais e as árvores e que, ‘imersos’ no tempo, não-raro se consideram iguais àqueles.” A verdade é que todos nós depositávamos fichas demais nos europeus. Está mais perto do que imaginávamos o total ocaso da Europa!

Ação cultural, cuja prática para conseguir a unidade dos oprimidos vai depender da experiência histórica e existencial que eles estejam tendo, nesta ou naquela estrutura.” Faltou a Paulo Freire ser um pouco mais anti-cristão. É isso o que a igreja faz com o passar dos séculos: torna trabalhadores em pedras.

De manipulação e progresso para ordem e progresso (no legítimo sentido da palavra ordem)

testemunho, esforço comum

anti-dirigismo

REGIONALISMO OU PONTO FOCAL NA ECLOSÃO DA REVOLUÇÃO QUE TEM DE SER POR NECESSIDADE GLOBAL: “Sendo históricas estas dimensões do testemunho, o dialógico, que é dialético, não pode importá-las simplesmente de outros contextos sem uma prévia análise do seu. A não ser assim, absolutiza o relativo e, mitificando-o, não pode escapar a alienação.” O britânico bem podia “copiar” Marx (apenas figurativamente, pois a práxis nunca copia),¹ mas os russos tiveram de adaptar o conteúdo crítico às próprias condições; como a Iugoslávia e demais países do Leste; como Cuba; como a China, ao romper com o Stalinismo. Como a própria Coréia do Norte, se se quiser pensá-la como projeto socialista-dinástico (um culto à personalidade à Soviética, porém com suas próprias características).

¹ Marx era alemão mas estudou principalmente o capitalismo inglês, o mais avançado em seu tempo de vida.

a existência como um risco permanente, a radicalização A radicalização se tornou o único caminho quando o “normal” é a deterioração climática do planeta e a ascensão de bilionários loucos desconexos de qualquer cosmovisão, brincando com a vida de bilhões de humanos. Não é mais necessária tanta coragem assim.

atu(r)ar[,] na massa[,] [é ignorar, relevar, insistir em quebrar] todos os seus defeitos.

Um testemunho que, em certo momento e em certas condições, não frutificou, não está impossibilitado de, amanhã, vir a frutificar.”

o diálogo revolucionário vicia. torna-se doloroso voltar à manipulação uma vez que se entende o processo. por isso é um ‘ato imparável’, e a soma de atos dos indivíduos revolucionários, e das massas aderentes, têm necessariamente de se perpetuar no tempo-espaço até sua realização. não existe o aborto final ou definitivo das tentativas pela classe dos opressores, que em dado momento ‘perde o trilho’, e cai como peças de dominó.

Como insinuado acima pelo lema da bandeira nacional, há ordem e há ordem (a ordem de quartel e a ordem das ruas, a ordem da morte em vida contra a ordem biófila): “Se, para a elite dominadora, a organização é a de si mesma, para a liderança revolucionária, a organização é a dela com as massas populares.”

disciplina & disciplina

anarquismo: fora de questão

a pronúncia inicial (talvez seja a denúncia, mas não estou seguro se apreendi os conceitos freireanos nesse grau de qualidade) sempre será proibida. e daí? o mundo é feito de pronúncias em sucessão. há pronúncias tão coletivas que amedrontam os maiores conglomerados de donos dos meios de produção.

diálogo não implica licenciosidades, exceções, procrastinações: dar “direitos demais” à massa, direitos que, enquanto agregado de homens, ela não tem, pois se justapõem aos interesses de classe.

A teoria dialógica da ação nega o autoritarismo como nega a licenciosidade. E, ao fazê-lo, afirma a autoridade e a liberdade.” Uma tática do neofascismo que se tornou clichê é associar toda organização revolucionária ao libertinismo ou à balbúrdia. Os fascistas podem se alongar muito neste tema, já que entendem como ninguém destes assuntos. Aliás, houve a apropriação para a própria causa do termo “libertário”, que antes descrevia um progressista radical (há 1, 2 séculos, em outros regiões do mundo). Hoje, e aqui, e nos EUA, libertário, libertarianismo, significa uma coisa só: Fascismo da iniciativa privada. Libertinagem no sentido mais imoral da pecúnia.

liberdade&autoridade, e não liberdade vs. autoridade

GENERAIS NÃO SABEM DISSO (nunca confiam plenamente em seus subordinados – nunca confiam em si mesmos, pois já foram ‘o subordinado’): “É por isto que a verdadeira autoridade não se afirma como tal na pura transferência, mas na delegação ou na adesão simpática.”

autoridade X autoritarismo

O pacto da pornochanchada é um indício de que o autoritarismo tupiniquim já estava molenga. O “pau duro” participava do “pão e circo” do povo, que se fingia de cego, mas os militares e seu abrandamento covarde não era menos dissimulado (‘deixai passar…’)

Em todo o corpo deste capítulo se encontra firmado, ora implícita, ora explicitamente, que toda ação cultural é sempre uma forma sistematizada e deliberada de ação que incide sobre a estrutura social, ora no sentido de mantê-la como está ou mais ou menos como está, ora no de transformá-la.”

A ação cultural ou está a serviço da dominação — consciente ou inconscientemente por parte de seus agentes — ou está a serviço da libertação dos homens.”

PRIMEIRAS RACHADURAS NA TORRE DOS <QUE MANDAM>: “Daí que estes, não aceitando jamais a transformação da estrutura, que supere as contradições antagônicas, aceitem as reformas que não atinjam seu poder de decisão

Enquanto, na invasão cultural, [o colonizador, externo ou não – pois o colonizador da mesma nacionalidade é apenas um alienígena que ganha a tarimba de ‘nacional’] os atores — que nem sequer necessitam de, pessoalmente, ir ao mundo invadido, [segue atualíssimo em 2023] sua ação é mediatizada cada vez mais pelos instrumentos tecnológicos — são sempre atores que se superpõem, com sua ação, aos espectadores, seus objetos; na síntese cultural, [revolucionária, não-alienígena] os atores se integram com os homens do povo, atores, também, da ação que ambos exercem sobre o mundo.”

expectadores de nós mesmos

Desta maneira, este modo de ação cultural, como ação histórica, se apresenta como instrumento de superação da própria cultura alienada e alienante.” Só se pode destruir e criar a cultura culturalmente. “Neste sentido é que toda revolução, se autêntica, tem de ser também revolução cultural.”

Daí que não seja possível dividir, em dois, os momentos deste processo: o da investigação temática e o da ação como síntese cultural.” “Esta dicotomia implicaria que o primeiro seria todo ele um momento em que o povo estaria sendo estudado, analisado, investigado, como objeto passivo dos investigadores, o que é próprio da ação antidialógica. Deste modo, esta separação ingênua significaria que a ação, como síntese, partiria da ação como invasão.” O velho mote ‘o brasileiro precisa ser estudado’ (justo por quem… pela NASA!) se converte no muito mais salutar: ‘o brasileiro precisa ser o Sócrates de si mesmo e dos demais e se unir em um mesmo estrado (falando de palco, já que foram citados atores da revolução ou da contra-revolução, acima), em uma mesma classe, em igualdade, numa relação de-homem-para-homem’. Torna-te aquilo que tu és como um slogan (não-entendido pejorativamente) revolucionário – contra a intenção original de Nietzsche (pelo menos no que toca à forma dessa transvaloração).

Tornar implica de antemão conhecer; conhecer é fraco, implica resignar-se, se não houver um acréscimo à frase da sibila Conhece-te a ti mesmo. Para quê? Para perceber as próprias limitações, dir-se-ia num sentido epistemológico. Mas aqui se trata do saber dialético, da práxis, e este conhecer deveria ser já uma ação, ou seria sempre um autoconhecimento distorcido e individualista. Tornar-se quem se é como lema-resumo da luta de um povo é perfeito para conotar a luta revolucionária para inverter o quadro de opressor-oprimido. Quem é o homem senão aquele que pode modificar o próprio destino?

clima da criatividade”

O mito americano do alienígena (vida fora da Terra que nos visita ou invade) é um grito de socorro disfarçado: nem eles próprios se agüentam como dominadores. Claro, os alienígenas, na ficção (e onde mais, quando falamos aqui literalmente de seres extra-terrenos?), estão sempre em conluio com os poderosos, a Casa Branca, etc., confundem-se com eles. A ufologia é a última saída dos oprimidos da nação que menos aceita a revolução na superfície da Terra: uma nova religião recrudescedora dos males que intentaria de bom grado extirpar! Como esses sofredores inconscientes do dia-a-dia gostariam de ser abduzidos para não mais ter de servir de bucha de canhão ao governo americano! E isso que estamos falando do folclore do branco classe-média; o que dizer dos mais cruelmente afetados pelas políticas ianques fora de seu território, e dos negros? Eles são muito mais inteligentes, passaram por uma luta social de libertação racial antes. Não se apegam a ninharias, bobajadas hollywoodianescas. Porém, tudo isso não deixa de ser sintomático: os próprios “senhores da guerra” (Warlords) estão cansados de comandar as guerras… querem delegar essa difícil e árdua tarefa da manipulação constante a SERES EXÓTICOS, não-humanos (e daí que se identifiquem com eles: atualmente não passam de coisas, máquinas de destruição em massa, autômatos sem redenção).

Tudo, do topo (após a derrubada do opressor) à classe popular, incluindo aí a classe média, mais do que cooptável, termo chulo… conversível, termo mais sincero, pode ser integrado e sintetizado em prol da revolução… E também os camponeses, que consideramos a base. Mas a real base, a degradação humana que já não nos permite redimi-los como coisas-homens, o lumpenproletariado, este deve ser rechaçado ou controlado. Talvez seja um mal necessário e eterno. Mas ele é um fator de pura desagregação, e deve ser tratado como se trataria o opressor: impossível contorná-lo, dialogar com ele. Só resta o uso da força, neste caso preciso. A nova sociedade não é dos opressores antigos incapazes de se integrar, como não é da massa falida que jamais aderiria à revolução, que já tem o opressor dentro de seu coração, fincado até o dia de sua morte.

as suas crenças religiosas, [do povo] quase sempre sincréticas, o seu fatalismo, a sua reação rebelde.” Isto significa: passíveis de transformação (quanto ao credo religioso).

em nome do respeito [unilateral] à visão popular do mundo, respeito que realmente deve haver, terminaria a liderança revolucionária apassivada àquela visão.”

Se, em um dado momento histórico, a aspiração básica do povo não ultrapassa a reivindicação salarial, a nosso ver, a liderança pode cometer dois erros. (I) Restringir sua ação ao estímulo exclusivo desta reivindicação, (II) ou sobrepor-se a esta aspiração, propondo algo que está mais além dela. [inserção dum ‘além’ no mundo secular: um dia as contradições serão abolidas e o Estado autodissolvido – até lá, por favor agüentem, suportem a miséria]O povo quer salário e cultura já é uma boa frase: o povo quer salário, liberdade de escolha no consumo – e uma nova pedagogia, pois isto que é cultura, não a cultura alienada do opressor (ainda que no marco zero o povo não tenha ciência disso).

No primeiro caso, incorreria a liderança revolucionária no que chamamos de adaptação ou docilidade à aspiração popular. [neste caso, sujeito perpetuamente à perda instantânea do poder, provisório, pois nem venceu em definitivo os opressores como nem sequer conquistou a adesão genuína das massas – equilíbrio precário] No segundo, desrespeitando a aspiração do povo, cairia na invasão cultural [reiteração da dominação sob novos avatares].”

Ter a consciência crítica de que é preciso ser o proprietário de seu trabalho e de que ‘este constitui uma parte da pessoa humana’ e que a ‘pessoa humana não pode ser vendida nem vender-se’ é dar um passo mais além das soluções paliativas e enganosas.”

Parece-nos, contudo, que o fato de não termos tido uma experiência no campo revolucionário [no Brasil] não nos retira a possibilidade de uma reflexão sobre o tema.” Brasil XX (é daqui que Paulo Freire parte) – Alemanha XIX (foi daqui que Marx e Engels partiram).

L’AUTOMATISME PSYCHOLOGIQUE: Essai de psychologie expérimentale sur les formes inférieures de l’activité humaine, 1889. – Pierre Janet

índice (ctrl+F)

INTRODUCTION

PREMIÈRE PARTIE. AUTOMATISME TOTAL

1. LES PHÉNOMÈNES PSYCHOLOGIQUES ISOLÉS

1.1 DESCRIPTION DES PHÉNOMÈNES PROVOQUÉS PENDANT L’ÉTAT CATALEPTIQUE

1.2 INTERPRÉTATION MÉCANIQUE OU PHYSIQUE DE CES PHÉNOMÈNES

1.3 INTERPRETATIONS PSYCHOLOGIQUES. — LA CATALEPSIE ASSIMILÉE AU SOMNAMBULISME.

1.4 UNE FORME RUDIMENTAIRE DE LA CONSCIENCE. — LA SENSATION ET L’IMAGE ISOLÉES.

1.5 LA NATURE DE LA CONSCIENCE PENDANT LA CATALEPSIE

2. L’OUBLI ET LES DIVERSES EXISTENCES PSYCHOLOGIQUES SUCCESSIVES

2.1 LES DIFFÉRENTS CARACTÈRES QUI ONT ÉTÉ PROPOSÉS POUR RECONNAÎTRE LE SOMNAMBULISME

2.2 CARACTÈRES ESSENTIELS DU SOMNAMBULISME : L’OUBLI AU RÉVEIL ET LA MÉMOIRE ALTERNANTE

2.3 VARIÉTÉS ET COMPLICATIONS DE LA MÉMOIRE ALTERNANTE

2.4 ÉTUDE SUR UNE CONDITION PARTICULIÈRE DE LA MÉMOIRE ET DE L’OUBLI DES IMAGES

2.5 UNE CONDITION DE LA MÉMOIRE ET DE L’OUBLI POUR LES PHÉNOMÈNES COMPLEXES

2.6 INTERPRÉTATION DE L’OUBLI AU RÉVEIL APRÈS LE SOMNAMBULISME

2.7 LES DIVERSES EXISTENCES PSYCHOLOGIQUES SUCCESSIVES : MODIFICATIONS SPONTANÉES DE LA PERSONNALITÉ

2.8 LES DIVERSES EXISTENCES PSYCHOLOGIQUES SUCCESSIVES. — LES CHANGEMENTS DE PERSONNALITÉ DANS LES SOMNAMBULISMES ARTIFICIELS.

2.9 IMPORTANCE RELATIVE DES DIVERSES EXISTENCES SIMULTANÉES

2.10 L’ANESTHÉSIE ET LA PARALYSIE

2.11 LES PARALYSIES ET LES CONTRACTURES EXPLIQUÉES PAR LA DÉSAGRÉGATION PSYCHOLOGIQUE

2.12 CONCLUSION

3. LA SUGGESTION ET LE RÉTRÉCISSEMENT [RECOLHIMENTO] DU CHAMP DE LA CONSCIENCE

3.1 RÉSUMÉ HISTORIQUE DE LA THÉORIE DES SUGGESTIONS

3.2 DESCRIPTION DE QUELQUES PHÉNOMÈNES PSYCHOLOGIQUES PRODUITS PAR SUGGESTION

3.3 DIVERSES THÉORIES PSYCHOLOGIQUES SUR LA SUGGESTION

3.4 L’AMNÉSIE ET LA DISTRACTION

3.5 LE RÉTRÉCISSEMENT DU CHAMP DE LA CONSCIENCE

3.6 INTERPRÉTATION DES PHÉNOMÈNES DE SUGGESTION. – LE RÈGNE DES PERCEPTIONS.

3.7 CONCLUSION

DEUXIÈME PARTIE. AUTOMATISME PARTIEL

1. LES ACTES SUBCONSCIENTS

1.1 LES CATALEPSIES PARTIELLES

1.2 LA DISTRACTION ET LES ACTES SUBCONSCIENTS

1.3 LES SUGGESTIONS POSTHYPNOTIQUES. HISTORIQUE ET DESCRIPTION.

1.4 EXÉCUTION DES SUGGESTIONS PENDANT UN NOUVEL ÉTAT SOMNAMBULIQUE

1.5 EXÉCUTION SUBCONSCIENTE DES SUGGESTIONS POSTHYPNOTIQUES

1.6 CONCLUSION

2. LES ANESTHÉSIES ET LES EXISTENCES PSYCHOLOGIQUES SIMULTANÉES

2.1 LES ANESTHÉSIES SYSTÉMATISÉES – HISTORIQUE

2.2 PERSISTANCE DE LA SENSATION MALGRÉ L’ANESTHÉSIE SYSTÉMATISÉE

2.3 ÉLECTIVITÉ OU ESTHÉSIE SYSTÉMATISÉE

2.4 ANESTHÉSIE COMPLÈTE OU ANESTHÉSIE NATURELLE DES HYSTÉRIQUES

2.5 DIFFÉRENTES HYPOTHÈSES RELATIVES AUX PHÉNOMÈNES D’ANESTHÉSIE

2.6 LA DÉSAGRÉGATION PSYCHOLOGIQUE

2.7 LES EXISTENCES PSYCHOLOGIQUES SIMULTANÉES

2.8 LES EXISTENCES PSYCHOLOGIQUES SIMULTANÉES COMPARÉES AUX EXISTENCES PSYCHOLOGIQUES SUCCESSIVES

3. DIVERSES FORMES DE LA DÉSAGRÉGATION PSYCHOLOGIQUE

3.1 LA BAGUETTE DIVINATOIRE. – LE PENDULE EXPLORATEUR. – LA LECTURE DE PENSÉES.

3.2 RÉSUMÉ HISTORIQUE DU SPIRITISME

3.3 HYPOTHÈSES RELATIVES AU SPIRITISME

3.4 LE SPIRITISME ET LA DÉSAGRÉGATION PSYCHOLOGIQUE

3.5 COMPARAISON DES MÉDIUMS ET DES SOMNAMBULES

3.6 LA DUALITÉ CÉRÉBRALE COMME EXPLICATION DU SPIRITISME

3.7 DE LA FOLIE IMPULSIVE

3.8 LES IDÉES FIXES. – LES HALLUCINATIONS.

3.9 LES POSSESSIONS

4. LA FAIBLESSE ET LA FORCE MORALES

4.1 LA MISÈRE PSYCHOLOGIQUE

4.2 LES FORMES INFÉRIEURES DE L’ACTIVITÉ NORMALE

4.3 LE JUGEMENT ET LA VOLONTÉ

4.4 CONCLUSION

CONCLUSION (général)

APPENDICE

ÍNDICE DE OBRAS RECOMENDADAS, ORDENADAS PELA PRIORIDADE DA LEITURA

GLOSSAIRE (glossário francês)

INTRODUCTION

C’est l’activité humaine dans ses formes les plus simples, les plus rudimentaires, qui fera l’objet de cette étude.”

une poupée mécanique qui marche seule sera dite un automate, une pompe [bomba de ar] que l’on fait mouvoir à l’extérieur ne pourra pas en être un.” “Or, les premiers efforts de l’activité humaine ont précisément ces 2 caractères: ils sont provoqués et non pas crées par les impulsions extérieures; ils sortent du sujet lui-même, et cependant ils sont si réguliers qu’il ne peut être question à leur propos du libre arbitre réclamé par les facultés supérieures. Mais on ajoute ordinairement au mot automatique un autre sens que nous n’acceptons pas aussi volontiers. Une activité automatique est, pour quelques auteurs, non seulement une activité régulière et rigoureusement déterminée, mais encore une activité puremente mécanique et absolument sans conscience. Cette interprétations a été l’origine de confusions nombreuses, et beaucoup de philosophes se refusent à reconnaître dans l’esprit humain un automatisme, qui est cependant réel et sans lequel beaucoup de phénomènes sont inexplicables, parce qu’ils se figurent qu’admettre l’automatisme, c’est supprimer la conscience et réduire l’homme à un pur mécanisme d’élements étendus et insensibles. Nous croyons que l’on peut admettre simultanément et l’automatisme et la conscience, et par là donner satisfaction à ceux qui constatent dans l’homme une forme d’activité élémentaire tout à fait déterminée, comme celle d’un automate, et à ceux qui veulent conserver à l’homme, jusque dans ses actions les plus simples, la conscience et la sensibilité. En d’autres termes, il ne nous semble pas que, dans un être vivant, l’activité qui se manifeste au dehors par le mouvement puisse être séparée d’une certaine forme d’intelligence et de conscience qui l’accompagne au dedans, et notre but est de démontrer non seulement qu’il y a une activité humaine méritant le non d’automatique, mais encore qu’il est légitime de l’appeler un automatisme psychologique.

Les philosophes qui ont consideré l’activité comme un phénomène psychologique, mais qui ne l’ont examinée que dans ses manifestations les plus parfaites, l’ont séparée très nettement des autres phénomènes de l’esprit et l’ont considérée comme une faculté particulière distincte de l’intelligence et de la sensibilité.” Teoria do elo perdido : ver « solução » na conclusão.

L’unité et la systématisation nous semblent être le terme et non le point de départ de la pensée, et l’automatisme que nous étudions se manifeste souvent par des sentiments et des actions multiple et indépendantes les unes des autres, avant de céder la place à la volonté une et personnelle.”

Lange, Histoire du matérialisme, 1877, II.

Stuart Mill, quand il soutient contre Auguste Comte la légitimité d’une psychologie scientifique, ne répond pas que d’une manière embarrassée à cette difficulté” “Il faut admettre pour le moral ce grand principe universellement admis pour le physique depuis Claude Bernard, c’est que les lois de la maladie sont les mêmes que celles de la santé et qu’il n’y a dans celle-là que l’exagération ou la diminution de certains phénomènes qui se trouvaient déjà dans celle-ci. Si l’on connaissait bien les maladies mentales, il ne serait pas difficile d’étudier la psychologie normale.”

On ne fait de véritables expériences psychologiques que si l’on modifie artificiellement l’état de la conscience d’une personne d’une manière déterminée et calculée d’avance. Moreau de Tours, l’un des plus philosophes parmi les aliénistes, prétendit arriver à ce résultat au moyen de l’ivresse procurée par le haschich.¹ Tout en partageant ce désir d’expérimentation psychologique que Moreau est l’un des premiers à exprimer, je n’apprécie guère le procédé qu’il a employé. (…) j’aí trouvé que la perturbation physique causée par cette sustance était bien grave et bien dangereuse pour un assez maigre résultat psychologique.”

¹ Leitura fortemente indicada, apesar das críticas tecidas por Pierre Janet ao longo da obra, precursora em toda a psiquiatria.

Déjà Maine de Biran, l’un des précurseurs de la psychologie scientifique, dans ses nouvelles considérations sur le sommeil, les songes [daydreams] et le somnambulisme, insiste sur le parti que la psychologie pourrait tirer de l’étude de ces phénomènes”

Nous ne discuterons pas ici la réalité du somnambulisme ni le danger de la simulation”

Les sujets sur lesquels ces études ont été faite étaient presque tous, sauf des exceptions que nous signalerons, des femmes atteintes de maladies nerveuses plus ou moins graves, particulièrement de cette maladie très variable que l’on désigne sous le nom d’hystérie.”

Il est nécessaire de les suivre pendant longtemps et avec beaucoup d’attention, <de les étudier non pas un instant mais à toutes les phases de leur maladie> (Despine)¹ pour savoir exactement dans quelles circonstances et dans quelles conditions on expérimente. En suite, en raison même de leur mobilité, ils subissent très facilement toutes les influences extérieures et se modifient très rapidemente suivant les livres qu’on leur laisse lire ou les paroles que l’on prononce imprudemment devant eux.” “Il est également impossible de constater aucun fait naturel, si on les interroge en public, si on indique à des personnes présentes les expériences que l’on fait et les résultats que l’on attend. Il faut les étudier souvent et il faut toujours expérimenter seul”

¹ « La famille Despine, que l’on trouve également écrit sous les formes d’Espine, de Lepine, de Lespine, de l’Espine, est une ancienne famille savoyarde de notables, originaire des Bauges, dont la filiation est prouvée depuis le XVIe siècle. » wiki

Este é o Despine mais famoso, Prosper Pierre (ver seção BIBLIOGRAFIA).

PREMIÈRE PARTIE. AUTOMATISME TOTAL

1. LES PHÉNOMÈNES PSYCHOLOGIQUES ISOLÉS

Eh bien, l’expérience que rêvait Condillac et qu’il ne pouvait essayer, il nous est possible aujourd’hui de la réaliser presque complètament.” “C’est la maladie nerveuse désignée le plus souvent sous le nom de catalepsie qui nous procurera ces suppressions brusque et complètes, puis ces restaurations graduelles de la conscience dont nous voulons profiter pour nos expériences.”­

La catalepsie, dit Saint-Bourdin, un des premiers auteurs qui ait fait une étude précise de cette maladie, est une affection du cerveau, intermittente, apyrétique, caractérisé par la suspension de l’entendement et de la sensibilité et par l’aptitude des muscles à recevoir et à garder tous les degrés de la contraction qu’on leur donne.”

Il nous importera peu de savoir si tel ou tel trouble de la parole ou de l’écriture est produit par une tumeur, un foyer de ramollissement, un agent toxique. Les roues d’une montre, a dit Buzzard, peuvent aussi bien être errêtées par un cheveu que par un grain de sable, et le désordre qui surgit alors reste toujours le même, quelle que soit la cause qui l’ait produit.”

Ballet

Sans doute une personne atteinte de catalepsie n’aura pas la simplicité idéale de la statue de Condillac (…) Mais une expérience réele, quand même elle présenterait quelque obscurité, vaut 100x mieux qu’une théorie simple, mais imaginaire.”

1.1 DESCRIPTION DES PHÉNOMÈNES PROVOQUÉS PENDANT L’ÉTAT CATALEPTIQUE

Nous avons seulement recueilli la description de 2 crises naturelles, l’une observée à Paris à l’hôpital de la Pitié par mon frère Jules Janet,¹ l’autre qui a été produite par un coup de foudre sur un sujet que je connaissais, mais que je n’ai pas pu voir à ce moment. J’ai pu observer plus fréquemment des catalepsies artificielles, mais sur 3 sujets seulement.

[¹ Seu nome não está em vermelho porque sua contribuição é inexpressiva perto da do próprio Pierre, e se deu maciçamente em forma de artigos para revistas científicas.]

On pouvait quelquefois provoquer la catalepsie chez Lucie [histérica, ver mais detalhes no ANEXO ao final] en lui montrant brusquement une vive lumière de magnésium, ou bien en luis comprimant légèrement les yeux pendant le somnambulisme. La catalepsie survenait naturellement à de certains moments pendant le somnambulisme provoqué de Rose ou de Léonie.”

Jamais une personne normale ne reste plusieurs minutes sans aucun mouvement; quelques mouvements des mains, des paupières, des lèvres, quelques légers frémissements de la peau manifestent toujours l’activité de la pensée et le sentiment des choses extérieures.”

Les yeux eux-mêmes tout grands ouverts, sans aucun clignement des paupières, conservent avec fixité la même direction. En un mot, les mouvements de la vie organique, battements du pouls et respiration subsistent seuls, et tous les mouvements qui dépendent de la vie de relation et qui expriment la conscience sont supprimés. Si l’on n’intervient pas et surtout si on s’abstient de toucher le sujet, cet état persiste sans aucune modification pendant un temps plus ou moins long: on a vu des catalepsies naturelles durer des journées et des catalepsies artificielles se prolonger pendant plusieurs heures. Chez les sujets que j’ai pu étudier, cet état ne dure jamais longtemps et ne se prolonge pas plus d’un quart d’heure; il se modifie naturellement et cesse de présenter ce caractère de l’absolue inertie morale.”

a. “La continuation, la persistance de toutes les modifications que l’on peut produire dans l’état du sujet. – Si l’on touche les membres, on s’aperçoit qu’ils sont extrêmement mobiles et pour ainsi dire légers, qu’ils n’offrent aucune résistance et que l’on peut très facilement les déplacer. Si on les abandonne dans une position nouvelle, ils ne retombent pas suivant les lois de la pesanteur, ils restent absolument immobiles à la place où on les a laissés. Les bras, les jambes, la tête, le tronc du sujet peuvent êtres mis dans toutes les positions même les plus étranges; aussi a-t-on comparé tout naturellement ces sujets à des mannequins de peintre que l’on plie dans tous les sens. Le visage même chez Léonie est susceptible d’être modifié de cette façon: ouvre-t-on la bouche, lève-t-on ou baisse-t-on les sourcils, la figure, comme un masque de cire, se laisse modeler et conserve son expression nouvelle; chez l’autres, les muscles de l’abdomen eux mêmes gardent l’empreinte de la main (Paul Richer, Hystéro-épilepsie).”

au lieu de trembler, comme fait toujours et très rapidement le bras étendu d’un individu normal, les membres de ces personnes restent longtemps en l’air sans bouger; au lieu de produire una accélération et une modification du rythme respiratoire, comme cela arrive toujours chez l’homme normal, cette position fatigante du bras ne change en rien le mouvement lent de la poitrine. Ce n’est qu’au bout d’un temps assez long, une heure et plus, d’après certains auteurs, 20 ou 25 minutes, suivant les autres, que le bras commence à descendre à cause de la fatigue ou de l’usure musculaire, mais cette descente s’effectue très lentement et très réguliérement sans ces secousses et ces oscillations que l’on constate chez l’homme normal.”

« …Il luis parle, elle n’entend pas ; il la touche, elle ne paraît pas le sentir ; il lui lève un bras, le bras reste dans la position où il l’a mis; on dressa la malade debout, on pencha le col, on leva une jambe, tout garda la position donnée. »

« Chez d’autres malades, les corps est dans un tel état de rigidité que, si on les pousse, ils tombent sans changer d’attitude. » Chavo del 8.

b. « L’imitation ou la répétition.” “le sujet imite ordinairement avec sob bras gauche le mouvement que nous faisons avec le bras droit et ressemble à notre propre image dans un miroir. »

« écholalie ou parole en écho. »

c. « Généralisation ou expression des phénomènes. » « syncinésie »

d. « Association des états les uns avec les autres. » « Je mets les mains de Léonie dans l’attitude de la prière et la figure prend une expression extatique. »

« Si on fait entendre une musique gaie devant le sujet, il rit, puis se met à danser ; une musique triste le fait pleurer. »

« Si on lui met un crayon dans la main, elle fait le geste d’écrire, mais ne fait que des barres indéfiniment »

« Un cataleptique naturel, étudié par Forestier,¹ mangeait avec avidité (vorabat) tout ce qu’on lui mettait dans la bouche. »

¹ Não encontrado.

1.2 INTERPRÉTATION MÉCANIQUE OU PHYSIQUE DE CES PHÉNOMÈNES

« Ces femmes immobiles, pareilles à des statues, sans résistance d’aucune sorte et sans parole, pensent-elles encore, ont-elles encore quelque conscience qui les rapproche de nous ? Il est permis d’en douter et de se demander si la vie organique qui semble subsister seule ne suffirait pas pour expliquer tous les phénomènes constatés. C’est l’explication que l’on trouverait dans les ouvrages d’Haidenhain.¹ (…) C’est aussi à cette opinion que se rattacherait l’aliéniste anglais Maudsley. C’est enfin la doctrine que l’on trouve exprimée et défendue de la manière la plus complète dans les ouvrages du Dr. Despine. » « Comme notre but dans cet ouvrage, si nous ne sommes pas trop ambitieux, est précisément de démontrer le contraire, nous devons insister sur l’étude des opinions du Dr. Despine qui semblent arrêter notre travail dès le début. »

¹ Não encontrado!

« Prétendre qu’une personne qui parle, résoud des problèmes, manifeste spontanément des sympathies et des antipathies, agit à sa guise et résiste souvent à nos ordres, n’a pas plus de conscience qu’une poupée mécanique, c’est remonter bien en arrière de la célèbre théorie des animaux-machines de Descartes. Car la conscience d’une somnambule est bien plus évidente que la conscience d’un chien et personne ne doute aujourd’hui de la conscience d’un chien. Mais, appliquée aux états cataleptiques, cette théorie ne laisse pas d’avoir quelque force, et, comme il faut toujours mettre les théories que l’on veut discuter dans leur meilleur jour, c’est en nous plaçant à ce dernier point de vue que nous étudierons la thèse du Dr. Despine. Nous espérons montrer que, même dans ce dernier cas, ses arguments ne sont pas suffisamment démonstratifs et laissent le champ libre à d’autres suppositions. »

« La plupart des preuves sont tirées du fait de l’oubli qui caractérise les phénomènes du somnambulisme et surtout ceux de la catalepsie » « D’une pareille définition de la conscience il résulte que s’il y a des actes que le moi ne s’attribue pas à lui-même, qu’il ne reconnaît pas avoir faits, ces actes n’ont pas dû être conscients. »

« Or il n’est pas d’état après lequel cet oubli soit plus caractéristique qu’après l’état cataleptique. Des somnambules ont pu quelquefois conserver une partie des souvenirs de leurs actions; mais les cataleptiques se réveillent de leur accès convaincus qu’il ne s’est rien passé d’anormal. »

« Ce même caractère se retrouve chez les individus qui ont été soumis à des inhalations d’éther ou de chloroforme. Quelles que soient les paroles qu’ait prononcées le patient, ‘son moi, son être conscient n’avait point participé à tout ce qui s’était passé, car le malade, bientôt revenu à lui, affirmait n’avoir rien senti, ignorer complètement qu’il avait été opéré ou pansé, qu’il avait proféré les paroles et qu’il avait accompli les actes; les réactions violentes dont on lui parlait, ces divers phénomènes étaient donc purement automatiques.’ »

« Cet oubli serait inexplicable, dit Despine, quand il s’agit des somnambules. Soit, il faudra chercher les raisons de cet oubli, qui peut-être seront fort difficiles à trouver; mais, quand même on ne pourrait pas toujours l’expliquer, l’oubli d’une chose qui a été réellement consciente n’en est pas moins une chose possible et très souvent réelle. » Seria uma maravilha eu passar todo o meu expediente ‘inconsciente’, hehe!

« Si, comme le dit un auteur anglais, un lecteur du Times est tué brusquement après sa lecture, il n’aura certainement pas de mémoire, faut-il en conclure que toute sa lecture aura été sans conscience ? » HAHAHA !

« Mais admettons pour un moment, ce qui paraît inadmissible, que l’oubli soit une preuve suffisante de l’absolue inconscience, est-il bien certain qu’il n’existe aucune mémoire des phénomènes cataleptiques ? Il est vrai que, au moins pour les sujets que j’ai étudiés, il n’y a jamais de souvenir quand ils rentrent dans l’état que par convention on appelle état de veille ou état normal. Mais un certain souvenir se manifeste d’abord dans les catalepsies suivantes par l’habitude qu’acquiert rapidement le sujet de faire avec plus de perfection les actes qu’on lui fait faire plus souvent. Ensuite, et cela est plus important, il existe chez ces mêmes individus certains états psychologiques, certains somnambulismes, puisque c’est encore le nom convenu, où le sujet retrouve parfaitement le souvenir de la catalepsie. » « Il est vrai que cette mémoire ne se retrouve que dans des somnambulismes très profonds et si difficiles quelquefois à obtenir qu’on les a longtemps ignorés. Nous reprendrons plus tard l’étude de ces somnambulismes »

TÓPICO FRASAL DE TODO O LIVRO, DE CERTO MODO: « Ainsi donc le souvenir, s’il reparaissait dans l’état normal, serait une bonne preuve de la conscience; mais, puisqu’il reparaît dans un autre état, il n’est plus qu’une preuve de l’automatisme physique. Cela ne prouve-t-il pas que le souvenir n’est une preuve ni de la conscience ni de l’inconscience et qu’il faut chercher en dehors de la mémoire des indications sur l’état des cataleptiques. »

« ‘Un apoplectique frappé à mort, sans sortir du coma où il était plongé, prenait sa montre au chevet de son lit et faisait sonner l’heure avec l’air d’une profonde attention.’ Cette observation ne prouve pas grand’chose, car d’un côté cet individu, au moment où il fit cet acte, n’était pas encore mort, et avait peut-être (nul ne peut prouver le contraire) quelque reste de conscience et, d’autre part, comme il mourut peu de temps après, il ne put jamais dire s’il avait senti ou non ce qu’il faisait. Dans un chapitre très intéressant, l’auteur énumère tous les actes accomplis par une grenouille décapitée, un triton coupé en deux, par les tronçons [parte, segmento] de la mante religieuse, etc., et il montre sans cesse que ces actes ressemblent parfaitement à ceux que l’intelligence consciente commande dans d’autres cas par les mêmes appareils, mais qu’ils doivent être faits sans conscience maintenant, parce que l’organe nécessaire à la conscience a été enlevé. »

« ‘Ce pouvoir intelligent manifesté par le tronçon inférieur, ne saurait dériver d’un moi, d’un être se sentant être; autrement il y aurait 2 êtres séparés chez cet animal : un pour le tronçon supérieur, lequel peut agir avec intelligence, et l’autre pour le tronçon inférieur. Or, cela n’est pas admissible dans l’état actuel de la science.’ Nous répondrons : pourquoi donc cela est-il inadmissible ? L’unité absolue du moi est une conclusion métaphysique, vraie peut-être, mais qui doit résulter des faits et non pas s’imposer à eux. » Células têm alma ? He he he

« M. Despine insiste sur le caractère inconscient de l’habitude : ce n’est pas l’intelligence qui retient un morceau de musique et qui l’exécute consciemment; l’artiste doit avoir son morceau ‘dans les doigts, dans la bouche’. » « Je n’insisterai pas sur la description de ces actes inconscients empruntés à la vie normale : l’auteur en décrit les détails avec un véritable talent psychologique, d’autant plus curieux qu’il refuse à ces faits tout caractère psychologique. »

« Ainsi les phénomènes du souvenir, le réveil des idées sous l’influence de l’association sont incontestablement des résultats de l’habitude; ils s’accomplissent néanmoins avec conscience. » Excelente refutação involuntária da associação de palavras psicanalítica.

attention vs. conscience

(o velho estribilho)

« Il faudrait maintenant prouver que ces actes inconscients pour nous sont inconscients en eux-mêmes. »

« Buffon a attribué aux molécules organiques coordonnées dans le corps animal des espèces de sensations matérielles étrangères à la pensée et au moi. » « La discussion de toutes ces théories, peut-être aventureuses, serait inutile et nous entraînerait trop loin; mais leur énoncé suffît pour faire comprendre qu’un acte habituel ou même organique n’est pas nécessairement inconscient parce qu’il est ignoré de moi. »

TÃO ROTUNDO E AO MESMO TEMPO TÃO OBSCURO: « En réalité, nous ne connaissons jamais directement qu’une seule conscience, c’est la nôtre au moment où nous la sentons; toute autre conscience n’est connue que par une induction ou une supposition. Personne ne pourra jamais démontrer mathématiquement que la personne qui me parle n’est pas une poupée mécanique à langage articulé, et les cartésiens raisonnaient rigoureusement en disant d’un chien blessé ‘Cela crie et ne sent rien.’ » « Or, nous supposons ordinairement l’existence de la conscience d’après 2 signes, la parole et les actions intelligemment coordonnées. Le premier signe, la parole, est considéré comme le plus décisif, et cela est juste ; mais il n’est qu’un cas plus complexe et plus parfait du second, un ensemble de mouvements plus compliqués et plus intelligemment coordonnés que les autres »

« Les cataleptiques ne parlent pas, cela est vrai, et nous aurons plus tard à revenir sur ce fait important, mais ils agissent intelligemment. Si je mets sur le bras étendu d’une cataleptique un poids de 2 kilos, les muscles du bras et ceux de tout le corps se tendent pour que le bras supporte le poids sans fléchir. Si je lui mets dans les mains une aiguille, l’ensemble des mouvements se coordonne d’une autre manière que si je mets les mains en prière. »

« ‘Plusieurs actes fort compliqués, intelligents, atteignant un but parfaitement déterminé et varié suivant les circonstances, actes ressemblant exactement à ceux que le moi commande… peuvent être automatiques.’ Despine (c’est-à-dire ici inconscients). »

« L’homme, disait Maudsley, dans le même sens, ne serait pas une plus mauvaise machine intellectuelle sans la conscience qu’avec elle. » Herzen, Le cerveau et l’activité cérébrale, 1887.

« En un mot, la conscience n’est qu’un accessoire, un épiphénomène dont l’absence ne dérange rien. On a, je ne sais pourquoi, attribué cette théorie à M. Ribot, qui cependant, avec d’excellents arguments, avait protesté contre elle (Maladies de la personnalité). »

« Que veut-on dire quand on parle ‘des raisonnements de la moelle et de l’intelligence du cerveau’ ? Rien autre chose sinon qu’il y a une autre conscience que la nôtre dans la moelle ou dans le cerveau, car un raisonnement sans conscience n’a absolument aucun sens. » « Le fait de la conscience nous paraît au contraire fort important dans la série des phénomènes organiques : sa présence ou son absence, comme on le verra de plus en plus, modifie considérablement les choses. »

1.3 INTERPRETATIONS PSYCHOLOGIQUES. — LA CATALEPSIE ASSIMILÉE AU SOMNAMBULISME.

« Les actes accomplis pendant la catalepsie sont sous la dépendance des phénomènes psychologiques : voilà une proposition qui semble bien simple, mais qui est susceptible d’interprétations fort différentes. »

« Je ne parlerai pas d’une interprétation facile, qui fut de mode bien longtemps. Elle consistait à rattacher tous les faits qu’on ne comprenait pas à une simulation volontaire et parfaitement consciente. C’est une idée complètement fausse de croire qu’une maladie psychologique ou même imaginaire soit toujours une maladie simulée, et d’ailleurs la catalepsie est de tous les phénomènes anormaux celui qui peut le moins être simulé. Mais, sans rattacher la catalepsie à une intelligence complète calculant ses ruses, on peut l’expliquer par une demi-intelligence comprenant les pensées de l’opérateur, se rendant compte de ses actes, sans avoir la force de s’y opposer; en un mot, on peut rapprocher la catalepsie du somnambulisme et expliquer tous ces actes par la suggession. »

« Pour mettre un membre en catalepsie, il n’est pas nécessaire d’ouvrir les yeux du sujet, ni de le soumettre à une lumière vive ou à un bruit violent, comme cela se fait à la Salpêtrière; il suffit de lever ce membre, de le laisser quelque temps en l’air, au besoin d’affirmer que le membre ne peut plus être baissé; il reste en catalepsie suggestive : l’hypnotisé dont la volonté ou le pouvoir de résistance est affaibli conserve passivement l’attitude imprimée. »

Bernheim; cf. aussi Liébault

¹ Bernheim e Liébault já foram muito citados em posts anteriores de psiquiatria, principalmente Ellenberger, por isso não estão nesta BIBLIOGRAFIA de Janet, com exceção de 2 obras de Bernheim mais adiante, citadas nominalmente no livro.

« La catalepsie et le somnambulisme ne sont que des degrés l’un de l’autre, cela est incontestable, et nous verrons entre eux bien des intermédiaires » « Tâchons donc de préciser le degré où s’arrête la conscience des cataleptiques. » « Une somnambule n’exécute pas toujours le même acte de la même manière; elle le fait tantôt vite, tantôt lentement, tantôt avec bonne humeur, tantôt en protestant, tantôt d’une façon, tantôt d’une autre. Rien n’égale au contraire la régularité des cataleptiques : point de changement de caractère, point d’impressions extérieures qui les distraie ou les modifie; leurs gestes, leurs pas sont toujours mathématiquement les mêmes ; Léonie fera toujours le même nombre de pas en face et à droite pour aller communier, et elle se heurtera contre un mur sans avancer plutôt que de tourner à gauche. Une somnambule qui sera toujours capable d’adapter ses actes aux circonstances montre donc une tout autre intelligence. »

« le sujet ne sait pas parler. Il ne s’agit pas de la parole articulée qu’il possède quand il répète les sons dans l’écholalie, il s’agit du langage comme signe de la pensée. » Car, sinon, le perroquet saurait parler !

« Rose, dans certains sommeils profonds, avait la bouche plus ou moins paralysée, mais elle me répondait par un signe de la main qui voulait dire ‘oui’, ou un autre qui voulait dire ‘non’. Quand elle a un moment de catalepsie pendant la crise hystérique ou pendant le somnambulisme, elle ne me répond plus du tout par aucun signe, quoiqu’elle n’ait rien de paralysé, qu’elle puisse parler en écho ou répéter des gestes. »

« Peu importe d’ailleurs que l’on désigne l’état que j’ai décrit sous le nom de premier somnambulisme ou état de suggestibilité complète ; la seule chose importante, c’est de bien comprendre les modifications psychologiques des sujets dans cet état, car il n’y a absolument que des différences psychologiques pour distinguer tous les états. »

« Cette conscience est capable de sensations, mais incapable d’idées; capable d’entendre, mais incapable de comprendre. Il ne faudrait pas en conclure que l’on peut parler au hasard devant les cataleptiques sans aucun danger pour les expériences futures; elles peuvent retenir les paroles même sans les comprendre et si, comme nous le verrons plus tard, ce souvenir se réveille dans un état ultérieur plus intelligent, il sera alors compris et aura sa puissance suggestive. »

« Il résulte de ce fait que, tout en paraissant extrêmement inerte et docile, le sujet est en réalité peu maniable et obéit beaucoup plus à ses propres inspirations qu’à celles de l’opérateur. Si je montre Léonie jouant la scène de la communion que j’ai décrite, on croira qu’elle obéit à un commandement donné par moi. En réalité, je n’avais point commandé ni même prévu ce qu’elle allait faire, et la 1e fois j’en ai été fort surpris. Je sais maintenant par expérience qu’en mettant les mains de ce sujet dans une certaine position, puis en le laissant quelques minutes, je vais amener la scène de la communion. » « si je voulais (…) lui faire embrasser un crucifix avant la communion, je n’y réussirais point. » « je suis donc simple spectateur plutôt qu’acteur. »

« Aujourd’hui qu’il est de mode d’expliquer tout par la suggestion, comme autrefois par la simulation, on pourrait dire que tous ces caractères psychologiques de la catalepsie ont été appris au sujet qui a été dressé dans ce sens. Il serait dangereux de pousser à l’extrême ce raisonnement, qui deviendrait vite lui aussi une sorte d’argument paresseux. Mais il est juste d’en tenir compte; car, bien souvent sans doute, dans les milieux où les sujets sont nombreux et s’imitent les uns les autres, certains états réels chez un sujet ont pu être artificiels chez le second. Mais, pour les cas dont il s’agit ici, nous remarquerons que les sujets ne se connaissaient nullement les uns les autres et qu’il ne faut pourtant pas supposer les opérateurs assez naïfs pour avoir suggéré sans le savoir tous ces caractères positifs et négatifs de la catalepsie. »

« Je faisais un jour quelques expériences avec Lucie et une personne étrangères était présente : cette dernière circonstance me déplaisait fort, car il ne faut conserver avec soi que les personnes indispensables habituées à l’attitude qu’il faut avoir pendant des expériences de ce genre. Cette personne étrangère me posait sans cesse des questions fort embarrassantes; car, selon mon habitude, je ne voulais pas répondre devant le sujet; cependant un mot malheureux m’échappa: ‘Qu’est-ce que la catalepsie ? demandait-on. ‘C’est un état où le sujet demeure immobile et laisse les membres dans la position où on les met.’ À peine avais-je dit ces mots que j’en eus du regret : ‘Désormais, pensai-je, il sera juste de dire qu’elle fait de la catalepsie suggesitive, et je voulus vérifier de suite l’effet de mon imprudence. ‘Tenez, dis-je tout haut, quand je vais frapper dans mes mains, elle va tomber en catalepsie.’ Je frappe et voilà Lucie qui reste complètement immobile, les yeux grands ouverts : je soulève ses bras, ils restent en l’air, j’incline son corps, il demeure incliné. Etait-elle en catalepsie ? Il me fut facile de vérifier qu’aucun autre signe de la catalepsie, ni l’expression de la physionomie, ni l’imitation, ni l’écholalie ne pouvait être constaté, et surtout le sujet comprenait si bien la parole qu’il me suffît pour terminer l’affaire de lui dire : ‘C’est fini, tu n’es plus en catalepsie.’ Eh bien ! qu’on essaye d’arrêter une véritable attaque de catalepsie, comme Lucie elle-même en avait eu, mais très rarement, en disant simplement au sujet que c’est fini, et on verra quelle différence il y a entre cet état de docilité suggestive, forme du petit sommeil hypnotique, et l’accès cataleptique véritable, pendant lequel la pensée est ramenée à un état tout à fait rudimentaire et qui est une des formes de la grande attaque hystéro-épileptique. »

1.4 UNE FORME RUDIMENTAIRE DE LA CONSCIENCE. — LA SENSATION ET L’IMAGE ISOLÉES.

« Certains philosophes, à l’exemple des cartésiens, se sont représenté la conscience comme quelque chose d’invariable et d’immuable sans nuances et sans degrés. Pour Descartes, la pensée existait complète avec le doute, la réflexion, le raisonnement et le langage, ou bien n’existait pas du tout et se trouvait remplacée par le mécanisme pur et simple, par l’étendue et le mouvement. Leibniz au contraire, dans cette philosophie profonde, à laquelle aujourd’hui toutes les sciences physiques et morales semblent nous ramener, avait une toute autre conception de la conscience. Il admettait un nombre infini de degrés et certaines de ces formes lui semblaient tellement inférieures à la pensée normale ‘que les esprits humains étaient comme de petits dieux au prix d’elles’. C’est cette dernière théorie qu’il nous faut maintenant rappeler dans ses traits principaux, pour comprendre la possibilité des consciences inférieures et rudimentaires. Prenons la conscience humaine dans sa forme ordinaire et achevée et enlevons-lui successivement tous les perfectionnements qu’elle a acquis, mais qui ne lui sont pas essentiels. Tout le monde reconnaît qu’il faut séparer de la conscience vulgaire l’intelligence scientifique, cette faculté, qui existe chez tous les hommes à un degré plus ou moins élevé, d’expliquer et de comprendre les choses. »

« En effet, quand nous examinons les actions des autres hommes, nous sommes trop portés à leur prêter les idées et les raisonnements que nous faisons nous-mêmes pour interpréter leur conduite. Bien souvent nous croyons qu’un homme a agi avec intention, qu’il a calculé les conséquences de ses actions, qu’il a fait de ses idées un tout systématique relié par des rapports bien compris, tandis qu’en réalité cet individu a laissé ses pensées s’évoquer mécaniquement les unes les autres sans avoir saisi entre elles aucun rapport systématique. Il ne faut pas confondre la loi ou l’interprétation des faits de conscience telle que notre intelligence la trouve, ou croit la trouver, avec la conscience elle-même. Si les phénomènes de conscience présentés par un homme nous paraissent liés entre eux par des rapports de ressemblance, de différence ou de finalité, il ne faut pas en conclure qu’il y ait eu dans l’esprit de cet homme la conscience de la ressemblance, de la différence ou de la finalité. (Voir, à ce sujet, Rabier, Cours de philosophie, I, 74 et I, 254.)¹ C’est dans cette erreur que semblent tomber les philosophes anglais quand ils disent que toute conscience est la perception d’une différence. C’est aussi une exagération de ce genre que je reprocherais quelquefois aux travaux si intéressants de M. Paulhan, qui semble prêter à la conscience élémentaire les notions de finalité dont il se sert lui-même pour les interpréter. »

¹ Figura completamente apagada do conhecimento público!

« si nous sommes en présence des actes compliqués qu’accomplit Léonie quand je lui ai joint les mains, nous penserons, nous, qu’elle fait la communion et nous réunirons tous ces actes dans cette idée systématique que nous désignons par le mot ‘communion’; mais il n’est pas du tout prouvé qu’elle ait, elle, l’idée de la communion et qu’elle réunisse ses actions sous cette idée générale; il est bien plus vraisemblable qu’elle a des images qui s’évoquent les unes les autres, et rien de plus. »

« Il est certain, disait Reidqu’il n’y a point d’homme dans l’univers qui puisse concevoir ou croire que l’odeur existe en elle-même sans un esprit ou un sujet quelconque qui ait la faculté de sentir. »

¹ Em breve publicaremos uma obra completa do britânico Reid, traduzida do inglês, no Seclusão, nossa primeira tradução na íntegra. Schopenhauer também cita este desconhecido filósofo, situando-o acima de Hume na compreensão dos sentidos ou na descrição dos fenômenos (acepção schopenhaueriana); ou seja, ele é um precursor da fenomenologia.

TRECHO CONFUSO, ATÉ PORQUE, NESTE SENTIDO, REID DIFICILMENTE PODE SER CONSIDERADO UM FILÓSOFO METAFÍSICO, ESTANDO CONECTADO À TRADIÇÃO DO EMPIRISMO OU CETICISMO BRITÂNICO (MAS NO FINAL ENSAIAMOS UMA EXPLICAÇÃO):  « Si on se place au point de vue métaphysique, comme ces auteurs, si on cherche l’origine, la cause de la sensation, peut-être pensera-t-on, comme eux, qu’il n’y a pas de sensation sans une âme pour la produire et la connaître. Mais, si on se place à un point de vue exclusivement psychologique, si on considère le moi non plus comme un être et une cause, mais comme une certaine idée qui accompagne la plupart des phénomènes psychologiques, on sera forcé de penser qu’il y a des sensations sans moi, qu’il peut y avoir des phénomènes de vision, quoique cependant personne ne dise : ‘Je vois’. » Mas isso precisamente é ser metafísico, i.e., pejorativamente: idealista no sentido mais abstruso, escolástico, etc. Janet está se referindo ao ‘eu’ consciente clássico; Reid já tem conhecimento do inconsciente; é apenas necessário observar que “metafísico” para um filósofo é uma nobre denominação (um verdadeiro filósofo), para um psicólogo é proibitiva. Ora, Reid é quem vem na esteira de Locke, Hume E KANT, podendo já se contrapor ao empiricismo britânico como escola de pensamento viciado e solipsista. Deste ponto de vista, é um renascimento da metafísica, ou seja, realmente empírico, e não inocuamente empírico, como dantes. Janet também revitaliza o empírico e entende a metafísica tanto quanto Reid, Schopenhauer e eu, mas “toma partido” pela psicologia experimental, isso se vê em toda sua obra (toma sempre o cuidado de ‘não se exceder em filosofia’, embora devesse, sinceramente, fazê-lo). Tanto é assim que ele reconhece “métodos experimentais” diversos, sendo crítico de Wundt (mais abaixo).

Buffon, Discours sur la nature des animaux, 1839.

« Maine de Biran distingue 3 degrés dans le développement de l’intelligence et il les appelle : la vie animale, la vie humaine et la vie de l’esprit. Nous n’avons pas à nous occuper ici de la troisième existence ou de la vie de l’esprit, mais nous devons signaler le caractère qui distingue la vie animale de la vie humaine. »

« des effets internes appelés sensations animales, modes généraux de plaisir ou de douleur qui constituent l’existence de l’animal, lequel, pour exister et pour sentir ainsi, à son titre propre d’animal, n’a pas besoin de savoir qu’il existe ou d’apercevoir qu’il sent, c’est-à-dire d’avoir la conscience, l’idée de sensation, d’être une personne, un moi constitué un, simple, identique, restant le même quand la sensation passe et varie »

M. de Biran, Anthropologie

E no entanto os animais estavam certos o tempo todo!

« Entre la conscience complète et le mécanisme cartésien, il y a place pour des êtres qui ont la sensation sans conscience, sans moi capable de l’apercevoir. » Ibid.

Mas não o contrário (« consciência pura »).

« L’affection est ce qui reste d’une sensation complète quand on en sépare l’individualité personnelle ou le moi et avec lui toute forme de temps et d’espace, pour me servir de l’expression des Kantiens, tout sentiment de causalité externe ou interne, ou, dans le langage de Locke, quand l’idée de sensation se trouve réduite à la simple sensation sans idée d’aucune espèce, ou enfin, dans le point de vue de Condillac, quand la statue devient sensation sans être encore rien de plus [conceituação perfeita] Cet état affectif simple n’est pas une pure hypothèse; c’est un mode positif et complet dans son genre qui a formé dans l’origine notre existence tout entière et qui constitue celle d’une multitude d’êtres vivants de l’état desquels nous nous rapprochons toutes les fois que notre pensée intellectuelle s’affaiblit et se dégrade, que la pensée sommeille, que la volonté est nulle, [não grifo em verde porque discorde – embora não exista vontade nula, podemos dizer que o conceito é a esterilização de algo até sua pura racionalidade : este é o conceito filosófico de afecção – não é algo que possa ser sentido pelo indivíduo, mas é subjacente à nossa natureza] que le moi est comme absorbé dans les impressions sensibles, que la personne morale n’existe plus. [mera abstração, mas não que afecção caia no reino da hipótese: é um dado factual do Ser] »

M.B., Essai sur les fondements de la psychologie

« Il ne faut pas être trop étonné si ces passages de Maine de Biran s’appliquent exactement à l’état cataleptique. » Se a pessoa moral não mais existisse na catalepsia, como pôde Léonie ajoelhar-se fazendo mímica de prece? Não, não era uma prece real (sentimental), era repetição meramente vazia, mas ligada ao significado espiritual de uma prece, pois da religião e da moral jamais se subestima a importância (a não ser entre os Iluministas e seus derivados).

« Une sensation pour eux n’était rien si elle n’était pas jointe à la conscience de l’être qui l’éprouve. Cette discussion m’a fait voir combien j’étais encore loin de bien faire entendre mon point de vue. La théorie de Leibniz qui caractérise si bien cet état où la monade simplement vivante est réduite à des perceptions obscures, d’où elle s’élève aux aperceptions claires et à la conscience, [a-percepção : perceção sem linguagem ; percepção : descritível] me servirait d’introduction à l’exposition de ma doctrine qu’il me sera bien difficile de faire entendre. »

Id., Journal intime, 1877

« Qu’est-ce qu’une sensation qu’on ne sent pas ? Je demande à mon tour à quoi se rapporte cet on ? L’homme sent, il sait sa sensation parce qu’il est une personne identique permanente qui se distingue de ses sensations… L’animal ne sent pas, ne sait pas sa sensation parce qu’il n’est pas une personne constituée pour savoir ou apercevoir au dedans son existence individuelle. Il sent sans se savoir sentant, comme il vit sans se savoir vivant. »

O animal é o ser cândido: para ele, o domesticável, podemos mentir, sem medo de estarmos agindo mal: tudo vai ficar bem; pois para ele fica. E isso, como um bônus, alivia nossa angústia.

« Pendant la syncope, dit un auteur qui a pu étudier sur lui-même ce phénomène, c’est le néant psychique, absolu, l’absence totale de toute conscience, puis on commence à avoir un sentiment vague, illimité, infini, un sentiment d’existence en général sans aucune délimitation de sa propre individualité, sans la moindre trace d’une distinction quelconque entre le moi et le non-moi; on est alors une partie organique de la nature ayant conscience du fait de son existence, mais n’en ayant aucune du fait de son unité organique; on a, en deux mots, une conscience impersonnelle. »

Herzen, Le cerveau et l’activité cérébrale

« des sensations stupides »

1.5 LA NATURE DE LA CONSCIENCE PENDANT LA CATALEPSIE

« C’est précisément une conscience de ce genre, purement affective, réduite aux sensations et aux images, [o purement é decerto exagerado] sans aucune de ces liaisons, de ces idées de relation qui constituent la personnalité et les jugements, que nous croyons légitime de supposer pendant la catalepsie et les états analogues. » Eu diria que isso coaduna mais com a psicopatia aguda : tudo isso, inclusive com coordenação motora e funcionamento muscular normal, possibilitando atitudes como o homicídio.

« Ni le néant de la conscience et le pur mécanisme, ni la connaissance capable de comprendre et d’obéir ne nous paraissent ici vraisemblables; il s’agit au contraire d’une forme particulière de la conscience intermédiaire entre ces deux extrêmes. »

« Attendons encore quelques instants : si je parle maintenant et si je dis tout haut : ‘Lève le bras’, la bouche s’ouvre et répète comme un écho : ‘Lève le bras’. Quelques instants après cette période d’écholalie, le sujet ne répète plus les commandements, mais il les exécute, il lève le bras en réalité. Encore un moment et il me répond avec une vivacité croissante et une conscience qui semble de plus en plus complète. » Estado intermédio (na verdade o próprio histerismo e o sonambulismo são ‘estados intermédios’ sobrepostos entre si) entre a crise histérica e a sonambulia. Também chamado de estado de “síncope hipnótica”. « syncope hypnotique ou sommeil hystérique (peu importe le nom) »

« Je constatai en effet que chaque muscle pressé, même légèrement, se contractait immédiatement et isolément, puis se relâchait très vite. Il était possible d’étudier sur elle l’action isolée de tous les muscles du corps. C’était presque l’état léthargique décrit par M. Charcot, avec cette différence que la contraction musculaire ne persistait pas sous forme de contracture. » Critica o nome ‘letargia’, charcotiano, cuja acepção é de “death trance”: nem sequer guarda qualquer relação ou analogia próxima com a morte ou o rigor mortis.

« la léthargie naturelle présente bien quelquefois des contractures générales, mais ordinairement n’amène pas cette hyperexcitabilité neuromusculaire. »

Gilles de la Tourette, L’hypnotisme et les états analogues, 1887.

« La léthargie hypnotique me paraît être plutôt un degré de conscience élémentaire, une sensation musculaire si rudimentaire qu’elle reste tout à fait isolée et ne se généralise pas assez pour diriger le mouvement de tout un bras. Un troisième exemple sera plus net encore. Un caractère singulier de Léonie, c’est que tout changement d’état quel qu’il soit est toujours signalé par un soupir brusque, une sorte de petite convulsion respiratoire. » « J’avais cru utile autrefois de désigner cet état qui participait de la léthargie et de la catalepsie par un nom particulier. Mais cette nomenclature n’a pas en réalité grand avantage; on peut établir autant de degrés que l’on voudra dans ce réveil graduel de la conscience. »

« Chez Léonie, il y a 3 degrés de catalepsie avec les yeux fermés (…) Après ce dernier degré, les yeux s’ouvrent d’eux-mêmes, et il y a 4 formes de catalepsie avec les yeux ouverts. » Há quantas catalepsias se quiser que haja, é o que Janet diz no fundo.

1.6 NATURE DE LA CONSCIENCE PENDANT DES ÉTATS ANALOGUES À LA CATALEPSIE

« Lucie tourne toujours les yeux vers ses rideaux, et je me suis souvent demandé si elle aurait la même crise dans une chambre sans rideaux. Marie rêve d’incendie pendant sa crise, si elle survient pendant la nuit, et ne songe pas à l’incendie si la crise survient pendant le jour. C’est très probablement parce que la nuit elle voit une lampe allumée à peu de distance de son lit. Mais, dira-t-on, il est très difficile de transformer les poses d’une hystérique; elle semble ne pas vous sentir et ne pas vous voir. »

« il suffit de voir Léonie immobile, les mains jointes et les yeux levés au ciel pour comprendre ce que le moyen âge appelait une extatique. Les sainte Thérèse, les sainte Hildegarde, les Marie Chantai, les Catherine Emmerich et bien d’autres avaient tout simplement des attaques de catalepsie, pendant lesquelles les idées religieuses dominantes ou communiquées quelquefois au moment même de leur attaque donnaient à tout le corps une attitude harmonieuse et expressive. L’une prend la pose de l’Immaculée Conception; l’autre prend successivement toutes les attitudes représentées dans un chemin de la croix. L’étude la plus curieuse à ce point de vue est celle de Louise Lateau dont la description faite par le Dr. Lefèvre est résumée dans l’ouvrage du Dr. Despine. »

Luc Desages. De l’extase, 1866.

1.7 INTERPRÉTATION DES PHÉNOMÈNES PARTICULIERS DE LA CATALEPSIE

« Les forces physiques de la pesanteur tendraient à le faire tomber : il faut, en effet, une contraction délicatement systématisée de tous les muscles pour le maintenir. Qu’est-ce qui peut donner à ces contractions leur unité et leur persistance ? Je ne vois point d’autre réponse que celle-ci : c’est une sensation persistante. » « Cette sensation étant seule dans l’esprit n’a rencontré aucun phénomène antagoniste et réducteur, elle n’a pas disparu avec l’excitation productrice, elle a subsisté et elle dure encore. »

« Cette sensation kinesthésique eut-elle reproduire ou, dans le cas présent, maintenir l’attitude? C’est là ce qui est plus discuté. On établit d’ordinaire une grande distinction entre les phénomènes sensitifs et les phénomènes moteurs. La grande découverte de la différence entre les nerfs sensitifs et les nerfs moteurs amena la distinction moins certaine (si j’ose avoir une opinion sur ce sujet) des centres sensitifs et des centres moteurs, et celle-ci inspira le désir de trouver dans les phénomènes psychologiques une séparation analogue entre les phénomènes de sensibilité et les fonctions ou les phénomènes du mouvement. »

« On fit alors diverses suppositions : les uns, comme Wundt et M. Charcot, admirent qu’il y avait toujours une sensation de mouvement coïncidant avec l’émission de la force nerveuse et précédant tout mouvement; les autres, comme Bastian, considérant les sensations kinesthésiques comme absolument centripètes, venant exclusivement de l’extérieur, admirent ‘l’inconscience absolue de tous les courants centrifuges’ ou en général de tous les actes moteurs. Sans préjuger toutes les difficultés que soulève cette question et que nous rencontrerons peut-être plus tard, je crois que le phénomène cataleptique de la conservation des attitudes nous offre un cas simple ‘prérogatif’ où cette question des rapports entre la sensibilité et le mouvement est plus facile à étudier que dans aucun autre. »

« Pourquoi supposer 2 phénomènes qui se confondraient ? Nous devons nous représenter ici les choses de la manière la plus simple : l’excitation E produit la sensation kinesthésique SK, laquelle suffit pour produire à son tour le mouvement M. Il n’y a pas lieu de supposer d’autres intermédiaires. Dans ce cas simple, il n’y a plus lieu de soulever les difficultés dont parlait Bastian : nous n’avons pas à chercher si le phénomêne moteur a, oui ou non, une conscience distincte de celle du phénomène sensitif, puisque les 2 phénomènes ne forment qu’une seule et même chose. » « l’image kinesthésique, ne rencontrant aucun obstacle dans cet esprit qui est complètement vide, se prolonge tant que nous ne l’avons pas remplacée par une autre en déplaçant le bras. » « il n’y a pas de mouvement sans une sensation de mouvement et point de sensation ou même d’image de mouvement sans un mouvement. » 

« Les actes produits par imitation et par répétition vont nous faire avancer un peu plus dans l’étude du même problème. Au lieu de lever le bras du sujet, je lui montre mon bras levé et il met le sien lui-même dans une position identique. Ici, les phénomènes sensitifs (voir un mouvement) et les phénomènes moteurs (lever le bras) ne se confondent pas comme précédemment, et il semble naturel de les séparer. » « l’excitation visuelle E’ produite par mon mouvement amènerait la sensation visuelle SV, celle-ci éveillerait par association l’image de la sensation kinesthésique SK, qui était tout à l’heure éveillée directement, et cette image, d’après la loi précédente, amènerait le mouvement M auquel elle correspond. » « Est-ce que la sensation visuelle SV ne pourrait pas produire directement le mouvement M sans l’intervention d’aucune image musculaire? » « Cette hypothèse est confirmée par les recherches sur les hystériques anesthésiques dont nous parlerons plus tard. À mon avis, il est impossible d’expliquer comment ces personnes peuvent souvent conserver tous leurs mouvements malgré la perte absolue des sensations et même des images kinesthésiques, si l’on n’admet pas que le mouvement peut être produit directement par des images visuelles ou auditives. »

« Il y a, au point de vue du langage, des visuels, des auditifs, des moteurs, c’est-à-dire des individus qui, pour se représenter des paroles, emploient des images visuelles, auditives, motrices d’articulations ou motrices graphiques. Ces représentations jouent un grand rôle dans la parole elle-même et il existe des individus qui parlent avec le sens auditif, c’est-à-dire chez qui l’image auditive d’un mot suffit pour en amener la prononciation. Nous pouvons étendre cette théorie célèbre à tous les mouvements et dire que certains mouvements du bras ou de la jambe peuvent accompagner immédiatement l’image visuelle de ce mouvement sans image kinesthésique intermédiaire. » Conforme com Saussure e com os estudos contemporâneos sobre libras e surdos-mudos e aquisição da linguagem. Só faltou dizer que o cego que cresceu cego tem mais apetência para a aquisição da linguagem que o surdo/meramente gestual de nascença.

« Il est probable que, dans l’enfance, nous commençons tous par être ‘des moteurs’ agissant et pensant au moyen des images du sens musculaire. Plus tard seulement des images visuelles et auditives d’abord associées aux images motrices deviendraient prédominantes et pourraient seules produire le mouvement. Ce serait une application de ‘cette coordination, de cette synthèse psychique’ dont M. Paulhan a montré la nécessité, ce serait ‘une systématisation préétablie’ des phénomènes psychiques et des phénomènes organiques qui permettrait à toute image de jouer le rôle d’une image motrice. »

« Il faut donc généraliser notre loi précédente et dire de toute sensation et de toute image ce que nous avons dit du sens kinesthésique. Une image de mouvement dans la conscience se manifeste toujours, à l’extérieur, pour un témoin étranger, par un mouvement réel, et d’autre part cette image tend à durer, à persévérer dans son être et par conséquent amène la continuation du mouvement, tant qu’elle n’a pas été remplacée par quelque image nouvelle. »

« Hamilton¹ avait déjà compris d’une manière intéressante l’association des idées quand il disait : ‘Sont suggérées les unes par les autres les pensées qui auparavant ont fait partie d’un même tout, d’un même acte de connaissance.’ M. Taine considère de même les associations comme des renaissances partielles de totalités qui tendent à se reformer complètement. »

¹ Não localizado.

« La connaissance véritable, le jugement, les idées générales ne doivent pas être mêlées à ces phénomènes automatiques de la pensée rudimentaire. » « Les émotions désignées par le langage sous le nom de peur, colère, amour, etc., sont peu nombreuses et peu précises; mais leurs variétés doivent être en réalité innombrables et correspondre chez chaque individu à un ensemble déterminé d’images et de mouvements. C’est l’une de ces émotions très précises que nous faisons naître chez les cataleptiques et qui amène leurs expressions et leurs actes associés. »

« L’automatisme ne crée pas de synthèses nouvelles, il n’est que la manifestation des synthèses qui ont déjà été organisées à un moment où l’esprit était plus puissant. » « Nous n’avons vu jusqu’ici que l’association automatique la plus simple, qui suffît pour expliquer tous les phénomènes présentés par les sujets dans les états que nous venons de décrire. »

« Une des meilleures expressions qui puissent caractériser cet état a été proposée par M. Ochorowicz. La catalepsie était, disait-il, un état de monoïdéisme. ‘Certains sujets, capables de présenter ces 2 phases opposés d’a-ïdeïe (syncope hypnotique) et de polyïdeïe (somnambulisme), ne passent pas directement, ou tout au moins peuvent ne pas passer directement, de l’une à l’autre; ils s’arrêtent plus ou moins longtemps dans la phase monoïdéïque . . . C’est un cerveau qui concentre toute son action sur une seule idée unique, dominante, qui n’est contrebalancée par aucune autre.’ »

A ANALOGIA CEREBRAL DE HERZEN: « Le cerveau peut être comparé à une salle fournie d’un nombre immense de becs de gaz, mais éclairé seulement par un nombre relativement petit et relativement constant de becs allumés qui ne sont pas toujours les mêmes, au contraire, qui changent à chaque instant. A mesure que les uns s’éteignent, d’autres se rallument. Jamais ils ne sont tous allumés, de temps en temps ils seront tous éteints. » Eu só repararia que sempre há algum bujão de gás ativo enquanto o ser está vivo, ainda que em coma, p.ex.

Vemos, num contínuo, como algumas idéias são arquétipos sempre corretos do espírito humano, embora expressos de maneiras distintas e até, na aparência, antitéticas: No princípio era o verbo (Deus) – No princípio era a ação (Goethe). Tudo isso é apenas o devir necessário do cristianismo desde os remotos escritos judaicos da era de ouro aos desdobramentos psicológicos da cultura européia. O mesmo, em menor escala, para ângulos distintos da análise do mesmo fenômeno numa mesma geração, sintetizando perfeitamente um fato: O homem é a medida de todas as coisas – Deus é a medida de todas as coisas.

2. L’OUBLI ET LES DIVERSES EXISTENCES PSYCHOLOGIQUES SUCCESSIVES

2.1 LES DIFFÉRENTS CARACTÈRES QUI ONT ÉTÉ PROPOSÉS POUR RECONNAÎTRE LE SOMNAMBULISME

« Cependant il est fort difficile de trouver un signe qui le caractérise d’une manière générale, et la plupart des caractères qui ont été ainsi désignés nous semblent insuffisants; en les passant en revue, nous verrons quelques caractères accessoires de cet état, mais il nous restera à en chercher le signe distinctif. »

« La plupart des anciens magnétiseurs considéraient l’insensibilité absolue de la peau comme étant la règle constante et le signe indubitable du somnambulisme. »

« Il n’y a pas de sommeil magnétique sans insensibilité complète du corps et des sens, de telle sorte que nous nous aiderons, pour la constatation du sommeil, de tout ce qui peut nous convaincre de cette insensibilité. »

Baragnon

« M. Dubois d’Amiens se plaint qu’on ne lui ait laissé faire pour vérifier le somnambulisme ‘qu’un simple tatouage à coups d’épingle sur la figure et sur les mains’. » « Eh bien, le procédé de M. Dubois n’aurait pas grand résultat si on l’appliquait aux somnambules que j’ai étudiées. La plupart de ces personnes, presque toutes, étaient déjà anesthésiques sur une partie plus ou moins considérable du corps avant tout sommeil hypnotique, dans leur état le plus normal. (…) au contraire, j’ai été amené, pour certaines d’entre elles et dans certains cas, à considérer le retour de la sensibilité comme une preuve du somnambulisme le plus profond. »

« l’absence complète de déglutition pendant certains états somnambuliques. » Baragnon

« Ce détail m’a frappé, car, chez une personne, chez Léonie, il est absolument constant. Elle n’a aucune déglutition pendant le somnambulisme et jamais je ne suis arrivé à lui faire avaler une goutte d’eau. » « Mais le phénomène, loin d’être caractéristique, est assez rare; la plupart des somnambules mangent et boivent sans aucune gêne dans leur sommeil. » « Rose n’était jamais aussi heureuse que lorsqu’elle déjeunait en somnambulisme. Il y a même des hystériques dysphagiques à l’état de veille, qui mangent assez facilement quand elles dorment, et c’est un détail qu’il est quelquefois utile de connaître. Mon frère a réussi à alimenter ainsi une femme hystérique qui, à cause de vomissements incoercibles, était près de mourir de faim. »

« La croyance populaire se représente, en général, les somnambules comme des personnes qui parlent en ayant les yeux fermés. Cette croyance résulte probablement de cette idée, en réalité assez fausse, que le somnambulisme est un sommeil : on répète aux somnambules qu’elles dorment, d’où elles concluent qu’elles doivent avoir les yeux fermés. » « C’est alors que M. Despine prétend que leur regard a toujours un caractère tout particulier et distinctif : les pupilles largement dilatées restent immobiles à l’action de la lumière; la conjonctive insensible ne sent pas le besoin d’être lubréfîée par les larmes, aussi le clignotement des paupières est supprimé ou fort rare. » « Il faut avouer que je n’aurais pas une pareille hardiesse ni une pareille conviction. § Sans doute, ce regard existe quelquefois, et M. Despine indique très bien dans quelle circonstance : lorsque la rétine est paralysée » « ce regard amaurotique [amaurose, a cegueira sem lesão física] a assez de ressemblance avec celui de l’individu qui est assez myope pour ne pouvoir distinguer aucun des objets environnants »

« D’après une opinion assez ancienne, que Maine de Biran lui-même a soutenue, le somnambule se conduirait toujours d’après ses rêves, d’après des hallucinations qui lui représentent les objets tels qu’il les connaît et non d’après de véritables sensations visuelles. » « J’ai envoyé plusieurs fois Lucie, en plein somnambulisme, parler à des personnes étrangères qui n’étaient pas prévenues et elle a toujours été prise pour une personne normale. »

« Sans doute, il y a, pour moi qui les connais bien, quelques traits caractéristiques et je n’aurais pas toujours besoin d’interroger leur sensibilité ou leur mémoire pour savoir dans quel état elles se trouvent : Marie est plus pâle en somnambulisme qu’à l’état de veille; Lucie, qui a plusieurs tics au visage quand elle est éveillée, a une figure calme et régulière dans le second état. Mais ce sont des signes individuels et de minime importance qui ne permettent pas de fonder une distinction scientifique. »

« En réalité, j’en suis maintenant convaincu, il n’y a pas de signe physique qui permette de reconnaitre si une femme est en somnambulisme ou si elle n’y est pas, et c’est s’avancer beaucoup que de prétendre reconnaître cet état au premier coup d’oeil. M. Despine soutenait que la psychologie n’a pas à s’occuper du somnambulisme et que la physiologie seule peut l’expliquer. Eh bien, loin de pouvoir l’expliquer, la physiologie ne peut même pas le reconnaître. »

À PROCURA DA ANALOGIA MAIS GROTESCA: « Le Dr. Carpenter parle de l’état de distraction du sujet hypnotisé. Il compare son état à la rêverie d’un poète devant un beau passage ou à la distraction d’un savant absorbé par la recherche d’un problème. [estado elogioso!] » « D’ailleurs Stanley-Hall (sic)¹ a pu dire au contraire que l’hypnose est une crampe [cãibra, depreciativo] de l’attention sur un objet. »

¹ Granville Stanley Hall (1846-1924), um dos maiores psicólogos americanos de todos os tempos.

« Léonie, quand on exige d’elle de l’attention pour des expériences délicates, demande de temps en temps un peu de récréation pour se reposer et pour s’amuser. »

« Bertrand, Braid¹ et surtout Bernheim ont cherché dans l’état de l’activité ou de la volonté la caractéristique du somnambulisme et ont constaté que le somnambule n’a pas de volonté personnelle, de spontanéité active et qu’il obéit à tous les ordres. »

¹ James Braid (1795-1860). Não confundir com o já citado Thomas Reid! A bibliografia deste polímata é complicada (muitos ensaios esparsos e reescritos), então faz-se recurso a um de seus sistematizadores póstumos, John Wilkinson. Idéia para o futuro (#offtopic): ESCREVER UM LIVRO COM MINIBIOGRAFIAS DE POLÍMATAS!

« rien n’est plus variable que l’état de la volonté dans le somnambulisme aussi bien que dans la veille. »

« Mais comment expliquer alors ces sujets qui, comme Rose, comme Lucie et bien d’autres, deviennent de plus en plus indépendants à mesure que le somnambulisme augmente de profondeur, et arrivent à un état où leur volonté est parfaitement normale, plus spontanée et plus indépendante qu’à l’état de veille ? »

2.2 CARACTÈRES ESSENTIELS DU SOMNAMBULISME : L’OUBLI AU RÉVEIL ET LA MÉMOIRE ALTERNANTE

« Or, dans toute la pathologie mentale, il n’y a pas de modification de la mémoire plus complexe et en même temps plus régulière que celle de la mémoire du somnambule. »

« On constate en effet régulièrement dans la pensée des individus qui, pour une raison ou pour une autre, ont eu des périodes de somnambulisme, 3 caractères ou 3 lois de la mémoire qui leur sont particuliers: L’oubli complet pendant l’état de veille normale de tout ce qui s’est passé pendant le somnambulisme; souvenir complet pendant un somnambulisme nouveau de tout ce qui s’est passé pendant les somnambulismes précédents; souvenir complet pendant le somnambulisme de tout ce qui s’est passé pendant la veille. La troisième loi présente peut être plus d’exceptions et d’irrégularités que les 2 autres, aussi dans cette étude, qui a surtout pour but de donner une idée générale du somnambulisme, insisterons-nous un peu moins sur elle. Mais les deux premières, malgré la diversité que présentent toujours des phénomènes aussi complexes, sont si générales et si importantes qu’elles peuvent être considérées comme le signe caractéristique de l’état somnambulique. § Le phénomène de l’oubli, au réveil, de tout ce qui s’est passé pendant le somnambulisme est si curieux et si frappant qu’il a été constaté dès les premières études de ce genre. »

« Ce caractère seul est constant et distingue essentiellement le somnambulisme. » Deleuze, Histoire critique du magnétisme animal, 1819. Muito cedo para fazer uma história crítica do magnetismo animal! – será que este antepassado de Gilles é outro precursor? « Il est inutile de multiplier ces citations que l’on pourrait emprunter à tous les écrivains aussi bien anciens que récents. »

« Si elle est endormie au milieu d’un acte ou d’une conversation, elle continue presque toujours au réveil son action ou ses paroles comme s’il n’y avait rien eu d’anormal : le somnambulisme, quelle qu’ait été sa durée, semble n’avoir pas existé et les 2 moments de la veille paraissent se rejoindre. Rose est restée 4 ½ jours en somnambulisme (nous voulions essayer de guérir ainsi une paralysie des jambes qui avait résisté à tous les autres procédés et nous avons d’ailleurs parfaitement réussi); mais, pendant ces 4 jours, elle parle à plusieurs personnes et reçoit même des visites. Au réveil elle a tout oublié, se trompe sur le jour de la semaine et croit être 4 jours en arrière. Il en est ainsi pour toutes les somnambules que j’ai pu voir, que leur état anormal soit court ou prolongé, que les événements soient insignifiants ou graves, l’oubli est toujours complet et absolu, c’est une page entièrement effacée dans leur vie. »

« Une autre somnambule, N., que j’ai endormi 2 fois, à un an d’intervalle, retrouva dans le second somnambulisme le souvenir minutieux de tout ce qu’elle avait fait dans le premier et me rappela des détails que j’avais moi-même complètement oubliés. Tous ceux qui ont endormi plusieurs fois la même personne ont remarqué ce phénomène aussi banal que singulier. Le second état possède ordinairement en plus le souvenir complet des actes et des idées de la veille normale : le sujet, pendant le somnambulisme, peut raconter ce qu’il a fait ou senti pendant la journée et connaît encore les mêmes personnes. Une seule fois j’ai assisté à un somnambulisme de Rose, differant accidentellement des autres, pendant lequel elle ne me reconnaissait plus et paraissait avoir oublié la plupart des événements arrivés depuis son séjour à l’hôpital. »

« Considérer cet état de la mémoire comme le caractère essentiel du somnambulisme, n’est-ce pas se fier à un signe facilement simulable et difficile à bien constater. Nous répondrons d’abord que jusqu’à présent on n’en possède pas de meilleur, ensuite que ce critérium est plus sûr qu’on ne le suppose. Contrairement à l’opinion générale, je considère les phénomènes psychologiques comme bien plus difficiles à simuler que les phénomènes physiques, et je crois qu’il serait plus aisé de jouer même une crise d’épilepsie que de feindre la folie pendant plusieurs jours devant un aliéniste. Pour le sujet qui nous occupe, il suffît d’un petit nombre de renseignements et d’un peu d’habitude pour simuler une contracture; il faudrait beaucoup d’intelligence, d’attention et de mémoire pour ne jamais confondre les souvenirs acquis pendant le somnambulisme et les souvenirs acquis pendant la veille et n’être jamais pris en défaut. » « il faut vérifier leurs souvenirs par leur conversation même, sans avoir l’air de les interroger directement. »

« On connaît aussi le rêveur de Despine qui, toutes les nuits, se vole à lui-même des pièces d’or et va toujours les cacher au même endroit. »

« Rose avait la mauvaise habitude d’injurier régulièrement une servante de l’hôpital à la fm de ses crises. Elle ne s’en souvenait plus après son réveil, et ne pouvait y croire quand on le lui disait. Cependant, à la crise suivante, elle reprenait ses injures au même point et insistait en criant : ‘J’ai eu bien raison de dire ceci et cela, c’était bien vrai’, et elle répétait tous les détails du délire précédent. » Sem traço de ironia, posso conceber por que pode ser tão arraigada a impressão do fanático de que um demônio ocupa o corpo do doente/possuído, afinal seria mesmo uma explicação satisfatória!

« On trouverait dans le travail de M. Myers de bons exemples, trop longs pour être rapportés ici, où un songe [daydream] est évidemment le souvenir d’un autre songe oublié pendant la veille. Ce qui me paraît plus curieux à rappeler et plus utile pour éclaircir ces problèmes de la mémoire, c’est que l’on a constaté des faits analogues pendant l’ivresse de l’opium et l’ivresse de l’alcool. Les faits sont surtout nets quand il s’agit de l’alcool; chacun sait qu’un homme ivre oublie au réveil ce qu’il a fait pendant l’ivresse. » O interessante é pensar na continuidade duma história todas as vezes que volto à ebriedade: o Rafael “brigão” da sexta à noite, split-personality em doses homeopáticas. Relembra as ofensas a sua honra como se, no lugar de 3 semanas, meia hora se houvesse passado! Pobre do So…. Se bem que dono de bar conhece a ‘raça’ com que lida na lide diária… Não é este Rafael que terá de ir ao médico, ao chaveiro ou ao posto de polícia depois, se perder algum documento ou se machucar, então ele é completamente indiferente a esses desdobramentos – eis o perigo supremo! Até fala, ao contrário do tipo ideal do bêbado, de forma mais fluente e incisiva… Porém, a despeito de toda a teatralidade, mantém-se um pacifista, ironia das ironias… Meu traço mais característico, até quando sou outro!

« J’ai eu quelquefois l’occasion de faire une petite expérience bien simple : on propose à un individu… trop gai… un bon moyen de prouver qu’il est resté dans son état normal, on lui indique un chiffre et on le prie d’en garder le souvenir pour le répéter le lendemain. En général, si l’ivresse était sérieuse, il serait absolument incapable le lendemain, malgré ses efforts, de retrouver le chiffre qu’on lui a dit. Mais je n’ai pas vérifié le retour de la mémoire dans une ivresse consécutive. » Sempre pedimos que façam um 4; mas é a primeira vez que vejo pedirem que digam um 4!

« et nous ne tarderons pas à voir qu’il y a en effet d’autres traits encore qui rapprochent l’ivresse du somnambulisme. » É um embebedamento dirigido e com guia.

« Cette mémoire nécessaire à l’exécution de la suggestion se présente sous les formes les plus variées, tantôt complètement consciente, tantôt ignorée par le sujet, tantôt elle envahit l’esprit subitement comme une impulsion dont il ignore l’origine, tantôt elle se développe lentement. »

« Si un sujet exécute une suggestion avec conscience et mémoire au moment où il l’exécute, il ne tarde pas, quelques instants après, à perdre complètement le souvenir non seulement du commandement, mais même de son exécution. »

« Il y a cependant naturellement une certaine mémoire persistante après les sommeils hypnotiques très légers, qui d’ailleurs se rapprochent beaucoup de la veille. »

« Un sujet hypnotisé pour la première fois se souvenait de tout, non seulement des actions qu’il avait faites, mais encore des sentiments de surprise qu’il avait eus en les faisant. Il semblait qu’il y eût deux moi, l’un regardant les actions involontaires de l’autre sans penser qu’il fût utile de les faire cesser. »

Edmund Gurney

« Pourquoi ne pas dire qu’il y a eu chez ces personnes des phénomènes suggestifs à l’état de veille, qu’ils n’ont point changé d’état pour avoir leurs bras ou leurs paupières paralysées, qu’ils ont simplement présenté quelques phénomènes inconscients et que le souvenir des autres s’est conservé tout naturellement ? »

« Que, dans bien des cas, surtout lorsqu’il s’agit d’un somnambulisme peu profond, il y ait lieu de rapprocher à bien des points de vue le sommeil hypnotique du sommeil normal, cela est tout à fait incontestable, mais que l’identité soit absolue et que les modifications de la mémoire ne soient pas bien plus considérables dans le cas du sommeil hypnotique, c’est ce que les faits ne permettent pas d’admettre. »

« Quand on réveille le sujet brusquement au milieu de l’accomplissement d’un acte suggéré, il en garde le souvenir comme d’un rêve. » « Lorsqu’un sujet est endormi pour la première fois, il a d’ordinaire un sommeil léger et il peut être réveillé brusquement; lorsqu’il est endormi souvent, il prend un sommeil profond dont il ne peut plus être tiré facilement. Tout au début de mes études sur Lucie, je pouvais facilement répéter l’expérience précédente; au bout de quelque temps, je ne pus y parvenir; car il fallait au moins une minute pour la réveiller, ce qui interrompait complètement l’acte somnambulique et ne laissait pas persister le souvenir. » « Le réveil difficile accompagne toujours le somnambulisme profond. »

« Même pour ceux-ci, il faut faire une remarque importante : le souvenir ainsi obtenu par le réveil brusque n’est pas de longue durée : il existe au moment même du réveil et on peut le saisir si on interroge le sujet à ce moment ; mais il disparaît peu à peu et ne laisse bientôt plus aucune trace dans la conscience. »

« En réalité, les états psychologiques sont continus et le sujet ne saute pas de l’un dans l’autre. Il y a une période posthypnotique qui se prolonge quelquefois assez longtemps après le réveil, et il est tout naturel que le souvenir du somnambulisme persiste quelque temps pendant cette période. »

« Au moyen âge, paraît-il, on considérait l’oubli après le somnambulisme comme un signe de sorcellerie : les malheureuses somnambules, par peur du bûcher, dit Bertrand, se suggéraient à elles-mêmes la conservation du souvenir et y réussissaient quelquefois. » Motivo da morte: o viajante no tempo viajou no tempo… para a Idade Média; e por isso foi queimado na fogueira.

« Aussi conservons-nous le caractère de l’oubli au réveil comme le signe le plus important de l’état somnambulique et persistons-nous à croire que, s’il fait complètement défaut, il y a eu suggestibilité à l’état de veille et non point somnambulisme. »

2.3 VARIÉTÉS ET COMPLICATIONS DE LA MÉMOIRE ALTERNANTE

« Le docteur Herbert Mayo cite un cas de quintuple mémoire : l’état normal du sujet était interrompu par 4 variétés d’états morbides dont il ne conservait pas le souvenir au réveil, mais chacun de ses états présentait une forme de mémoire qui lui était propre. »

« À l’exemple de M. Azam, nous dirons donc maintenant état 1, état 2, état 3 du même sujet pour désigner les phases par lesquelles il passe, et pour désigner le sujet dans ces états nous dirons, ainsi que M. Jules Janet l’a très bien proposé, le prénom du sujet avec un numéro d’ordre correspondant à l’état dans lequel il se trouve : ainsi, Lucie 1, c’est le sujet Lucie en état de veille; Lucie 2, c’est le même sujet dans le second état qui est ici le somnambulisme ordinaire. La suite de notre travail fera voir de plus en plus combien l’emploi de ces notations est justifié. » Rafael 25

« [Rose:] le troisième et le quatrième se superposent comme les somnambulismes successifs de Lucie et de Léonie, le dernier état présentant le souvenir de tous les autres et de la vie tout entière. Mais, en dehors du somnambulisme, la vie de cette personne présente un grand nombre d’accidents hystériques très variés, des crises convulsives, des délires hystériques qui se prolongent quelquefois pendant des journées entières et dont elle ne garde aucun souvenir, en outre des amnésies, des oublis singuliers qui ont déjà été souvent décrits. Il lui arrive d’oublier complètement, sans que l’on sache pourquoi, des parties importantes de sa vie qui avaient cependant paru normales. Ainsi, un jour, après une crise, elle perd la mémoire des 3 semaines qui ont précédé. Eh bien, le souvenir de l’un ou de l’autre de ces états oubliés revient facilement, quand elle rentre dans certaines périodes déterminées de son somnambulisme artificiel. » « le deuxième somnambulisme de Rose serait un état psychologique analogue à son délire hystérique, et son quatrième somnambulisme serait un état analogue à ces périodes de la vie qui sont subitement oubliées. C’est là une hypothèse qui ne s’appuie, jusqu’à présent, que sur un caractère, celui de la mémoire, et que nos études vont justifier de plus en plus. »

« C’est grâce à la connaissance de ces divers états psychologiques des hystériques que l’on peut guérir leurs paralysies et leurs contractures, et il faudra entrer dans des études bien plus ardues, si on cherche un jour le véritable traitement moral de la folie qui est bien plus compliquée que l’hystérie. »

2.4 ÉTUDE SUR UNE CONDITION PARTICULIÈRE DE LA MÉMOIRE ET DE L’OUBLI DES IMAGES

« D’où viennent ces changements d’états psychologiques ? Pourquoi ces oublis et ces retours bizarres de la mémoire ? Toutes les hypothèses possibles ont été proposées et les passer toutes en revue serait parcourir toute l’histoire du magnétisme animal. La plupart de ces théories ayant été déjà résumées dans les ouvrages de Maury, de Despine, de Ribot, il nous suffira de citer les plus célèbres et de montrer combien elles tiennent peu compte des véritables éléments du problème. » « Il y a peut-être quelque chose de vrai dans cette théorie de la disparition du moi; mais en conclure que toute conscience est supprimée pendant le somnambulisme, cela nous semble vraiment paradoxal et inadmissible. »

« Toute hypothèse, disent les logiciens, comprend 3 parties : une observation fortuite, une suite d’idées et de raisonnements destinée à l’expliquer et des expériences instituées pour vérifier les conséquences de cette supposition. C’est cet ordre que nous suivrons dans l’exposition de nos recherches. »

« Le souvenir des 3 mois oubliés était totalement revenu, ainsi que je pus le vérifier. Mais dès que ce somnambulisme changea et que le sujet entra dans l’état de veille ou dans un autre somnambulisme, ces souvenirs disparurent de nouveau complètement. »

« Rose était totalement anesthésique et sa conscience ne percevait aucune sensation tactile ou musculaire. Dans ce somnambulisme particulier qui amenait le retour des souvenirs, Rose recouvrait subitement la sensibilité tactile et musculaire du côté droit et devenait hémi-anesthésique. » « En effet, elle avait reçu alors une petite blessure causée par un coup de couteau au bras droit et en avait beaucoup souffert. Or, en ce moment, quand elle est éveillée, elle est si insensible qu’elle ne souffre d’aucune blessure, même quand, dans ses crises, elle se fait de véritables plaies aux membres. »

« Cette observation fortuite m’amena tout naturellement à supposer qu’il devait y avoir une relation entre l’état de la sensibilité et l’état de la mémoire. Les souvenirs acquis par une certaine sensibilité semblaient ne pouvoir être remémorés ou reproduits que si cette sensibilité subsistait dans le même état. Pour discuter la valeur de cette hypothèse et pour l’appliquer à des cas nouveaux, il me semble nécessaire de distinguer 2 cas et d’étudier à part 2 espèces de mémoires. »

« Un individu, qui aurait complètement perdu un sens [tátil, imagino] et qui ne pourrait plus à aucun degré apprécier les sensations que ce sens procurait, aurait perdu en même temps toutes les images et par conséquent tous les souvenirs relatifs à ces sensations. Mais, dira-t-on, un homme devenu subitement aveugle par un accident conserve encore, quoiqu’il ne puisse plus rien voir, le souvenir des sensations visuelles. C’est que cet individu n’a perdu que l’oeil, organe extérieur de la vision et non pas la faculté psycho-physiologique de voir. S’il avait perdu les centres nerveux de la vision, la faculté même d’apprécier les sensations visuelles, il n’aurait plus le souvenir d’avoir vu et, comme un aveugle de naissance, il ne saurait plus ce que c’est que voir. Il y a des individus de ce genre; on peut montrer que les choses se passent ainsi dans les anesthésies hystériques. »

« Rose fut, à un moment, anesthésique totale et en même temps dyschromatopsique des deux yeux, c’est-à-dire qu’elle ne sentait le contact sur aucun point du corps et qu’elle ne distinguait aucune couleur ni par l’oeil droit, ni par l’oeil gauche; elle voyait tous les objets gris et blancs. » « si je lui suggérais un chatouillement, une douleur, une température anormale, elle ne sentait absolument rien. Au même moment, on pouvait éveiller par un mot toutes les hallucinations auditives, ce qui prouve qu’elle était très suggestible. Je l’ai interrogée sur ses rêves et elle m’a assuré voir les objets en rêve de la même manière que pendant la veille, gris et blancs, et ne jamais sentir aucun contact. »

«  Inversement, quand on arrive, ce qui est quelquefois possible, à provoquer une hallucination malgré l’anesthésie du sujet, on fait réapparaître en même temps la sensibilité normale. Il faut aussi remarquer que, chez certains sujets dont l’anesthésie est peu profonde et d’origine récente, les suggestions peuvent réveiller les images sensibles, surtout par l’intermédiaire d’autres images qui ont été conservées. (Paul Richer) »

« Quand j’ai montré à Lucie qu’elle ne sentait aucune douleur ni aucun contact, elle m’a répondu : ‘Tant mieux.’ Quand je l’ai amenée à constater qu’elle ne savait jamais la position de ses bras sans les voir et qu’elle perdait ses jambes dans son lit, elle m’a répondu : ‘Mais c’est tout naturel, du moment que je ne les vois pas; tout le monde est comme cela.’ En un mot, elles ne peuvent pas faire de comparaison entre une sensation ancienne dont elles ont complètement perdu le souvenir et leur état présent, et elles ne souffrent pas plus de leur insensibilité que nous ne souffrons de ne pas entendre ‘l’harmonie des sphères célestes’. Quand une hystérique, comme Marie, se plaint d’être insensible, c’est qu’elle ne l’est pas totalement; quand l’insensibilité est complète, l’absence de souvenirs est aussi complète. »

« Après quelques tâtonnements, j’ai reconnu que l’on pouvait rendre momentanément à Rose la sensibilité d’une partie de son corps par 3 procédés : ou bien par l’application prolongée d’un fort aimant, ou par l’apphcation de plaques métalliques d’étain [estanho] ou de plomb, ou enfin et plus facilement encore au moyen d’un courant électrique de moyenne intensité (20 ou 30 éléments Trouvé). » « La suggestion se sert d’un état psychologique, elle ne le crée pas. Ici, sous l’influence d’un de ces trois agents, la sensibilité tactile réapparaissait dans le bras droit et alors on pouvait suggérer des hallucinations tactiles de ce membre, tandis que cela était impossible auparavant. »

« Inutile d’insister plus longtemps sur cette même personne, le phénomène est chez elle constant : ramenez par un procédé quelconque, électricité, plaques métalliques, somnambulisme, etc., un état particulier de sensibilité et vous ramenez en même temps tous les souvenirs élémentaires qui ont été acquis par cette même sensibilité à un moment quelconque. »

« En effet, le souvenir chez Marie persistait plus longtemps que la sensibilité. Fallait-il considérer comme fausses les expériences faites avec Rose ? Non, un fait n’est jamais faux, on l’oublie trop souvent; mais il peut dépendre de circonstances complexes et, si on ne le vérifie pas, c’est que l’on se place, sans le savoir, dans d’autres conditions. »

« Marie n’est pas sensible au courant électrique, je ne sais pourquoi; il faut nous servir des plaques de Burcq et, après quelques essais, des plaques de fer qui agissent très fortement. »

« L’activité sensorielle forme la base de la pensée; quand on l’éteint, la pensée disparait ou s’endort. »

Bastian, Le cerveau et la pensée

2.5 UNE CONDITION DE LA MÉMOIRE ET DE L’OUBLI POUR LES PHÉNOMÈNES COMPLEXES

« Après cette étude beaucoup trop rapide des conditions de rappel pour la mémoire élémentaire, passons à la mémoire complexe ou intellectuelle, c’est-à-dire la mémoire complète des idées et des actes. »

« Le langage est formé par un grand nombre d’images associées avec nos idées et nos mouvements, et ces images, ainsi que les médecins l’ont appris aux psychologues (Bastian), ne sont pas les mêmes chez tous les individus. Les uns, les plus nombreux peut-être, pensent par ces images motrices ou kinesthésiques dont nous avons déjà parlé et qui ont une tendance, lorsqu’elles sont isolées, à se traduire au dehors par le mouvement réel ou la parole réelle. Ces gens-là pensent en parlant tout haut ou tout bas, mais toujours par les images du mouvement de la parole. Les autres [nós, os superiores] pensent au moyen des images auditives ou visuelles, leur pensée est formée par une suite d’images de paroles entendues et non prononcées, ou par une suite d’images d’écritures, ou de signes vus et non entendus. Comment ces dernières personnes parlent-elles et agissent-elles ? leurs images visuelles et auditives vont-elles éveiller d’abord les images motrices plus ou moins faibles qui se traduisent par du mouvement ? Nous avons déjà discuté cette question et nous avons conclu qu’il en a été peut-être ainsi au début de la vie, mais que maintenant les choses se passent plus simplement. »

« On voit très bien, dans l’ouvrage de M. Ballet, [Langage intérieur, 1886] comment une même lésion produit des effets très différents sur l’intelligence et la mémoire, suivant qu’elle frappe des individus usant habituellementde telle ou telle catégorie d’images. La perte des images visuelles, pour un individu dont tous les souvenirs sont cristallisés autour des images motrices, n’a pas grande importance; elle supprimerait toute mémoire et toute parole chez un autre sujet qui se sert de ces images visuelles. Chez ce dernier, une nouvelle éducation plus ou moins facile peut grouper maintenant les idées et les actions autour d’une autre catégorie d’images, celles du sens musculaire par exemple ou du sens auditif, et cet homme, en apparence guéri, pourra de nouveau penser et agir. Mais il vivra entièrement de ces nouveaux souvenirs et ne pourra jamais retrouver les anciens, à moins que, par miracle, les anciennes images visuelles ne lui soient un jour rendues. Cette restitution des images perdues n’a pas lieu chez les malades aphasiques étudiés par M. Charcot, parce qu’une maladie cérébrale les a complètement détruites ; mais n’est-il pas possible que, chez d’autres sujets, ces images ne soient que momentanément supprimées et puissent être restaurées dans différentes conditions ? L’étude précédente sur la mémoire élémentaire nous a précisément montré que c’est ainsi que les choses se passent chez les hystériques et les somnambules. »

« Quiconque examinera avec attention la conduite de Lucie à l’état de veille reconnaîtra facilement qu’elle est <un type visuel> extrêmement net. Elle pense, elle parle et elle agit presque uniquement par le sens de la vue. » « Outre cette perte du sens tactile, Lucie a presque complètement perdu le sens de l’ouïe: elle n’entend parler que si la voix est forte et assez proche, elle ne perçoit pas le tic tac de ma montre, même si je l’applique contre son oreille. La vue, quoique très diminuée (acuité visuelle, un tiers, champ visuel restreinte 20°), est encore le meilleur sens qu’elle possède. Aussi s’en sert-elle continuellement; elle ne fait pas un mouvement, ne marche pas sans regarder sans cesse ses bras, ses jambes, le sol, etc. C’est ainsi d’ailleurs qu’un grand nombre d’hystériques peuvent conserver la faculté de coudre, de tricoter, d’écrire, sans avoir aucunement le sens musculaire. On s’y est souvent trompé et c’est pour cela que plusieurs auteurs déclarent l’anesthésie musculaire rare dans l’hystérie, tandis qu’elle est très fréquente. »

« Si on lui fermait les yeux entièrement, elle ne pourrait même plus parler, et elle dormirait. » « C’est pour cela qu’il ne faut jamais toucher les yeux d’une hystérique quand on fait une étude sur son état de veille. » « En un mot, Lucie 3 n’est plus une femme du type visuel, c’est une femme du type moteur. [mais próxima da infância] »

« Les malades de M. Charcot ont eu besoin pour effectuer un pareil changement d’une longue rééducation. Je répondrai : son éducation comme type moteur est déjà faite depuis longtemps, parce qu’elle est hystérique, c’est-à-dire le type de l’instabilité psychologique. Depuis 15 ans qu’elle est malade, elle a passé son temps à changer ses sens et a s’exercer à parler et à agir tantôt avec l’un tantôt avec l’autre. M. Charcot, dans sa classification des types de langage, a parlé du type indifférent qui, au même moment, se sert d’une image ou d’une autre. Je demande une petite place pour le type alternatif, qui se sert successivement d’un sens puis d’un autre.

Quelle preuve a-t-on que Lucie ait été déjà antérieurement une motrice, comme elle paraît être dans cet état qui est maintenant artificiel ? On en trouve une assez bonne dans l’état de ses souvenirs. Interrogeons-la maintenant en état de Lucie 3 : elle va nous raconter son enfance jusqu’à 9 ans que Lucie 1 a entièrement oubliée ; elle va nous parler de la grande peur qu’elle a eue un jour quand des hommes se sont cachés dans les rideaux [cortinas] et ont brusquement sauté sur elle, émotion qui formera la scène principale de toutes les crises hystériques. Elle va nous raconter ces crises mêmes et les mouvements qu’elle a faits et ses promenades dans la maison la nuit en somnambulisme naturel. Elle va surtout nous raconter cette année, qui a été si pénible pour elle, où pendant plusieurs mois on a voulu la tenir enfermée dans une chambre noire, parce qu’elle avait mal aux yeux, ne voyait pas clair et que le médecin, croyant avoir affaire à une lésion banale, la maintenait dans l’obscurité. Or, toutes ces histoires, Lucie, tout à l’heure ne pouvait pas nous les raconter et les ignorait absolument. Ne pouvons-nous pas supposer légitimement que, dans ces circonstances ignorées de Lucie 1, mais connues de Lucie 3, les souvenirs pour différentes raisons ne s’étaient pas associés aux images visuelles ? Tantôt elle se portait bien dans son enfance et pensait, peut-être comme tout le monde dans l’enfance, par les images musculaires, tantôt le sens musculaire fonctionnait seul comme pendant les crises, tantôt le sens visuel étant supprimé comme dans son attaque d’anesthésie oculaire, il fallait bien penser autrement, et les souvenirs s’étaient alors réunis autour d’autres images. »

« Les passes, je ne sais vraiment pas pourquoi, ont agi comme auraient fait des plaques métalliques (des plaques d’or pour elle [refinada!]), ou comme aurait agi l’électrisation par une machine statique, et lui ont rendu les sens perdus. » « Lucie va se retrouver la même qu’au début, va promener ses yeux de tous côtés et recommencer à penser avec ses images visuels. »

« La même démonstration serait interminable s’il fallait la répéter sur tous les sujets. On pourrait démontrer facilement, croyons-nous, que Léonie est visuelle à l’état de veille, auditive en somnambulisme ordinaire où elle a une ouïe hyperexcitée, et motrice ou tactile en état 3. » « Mais elle a au contraire une ouïe à peu près normale ; elle aime la musique, a été chanteuse dans un café concert et s’irrite quand elle entend chanter faux. Cette analyse des sens nous montre que c’est une auditive, ce qui est assez rare chez les hystériques à l’état de veille » « On parle bien avec le sens auditif, mais on ne marche pas, car les mouvements des jambes s’associent difficilement avec des images de l’ouïe ; aussi cette malheureuse devient-elle paraplégique dès quelle perd la sensibilité musculaire des membres inférieurs. Pour une hystérique il n’est pas bon d’être musicienne. Elle a appris tant bien que mal à remuer son bras gauche par des images visuelles et ne peut s’en servir qu’en le regardant; elle n’a de mouvements libres que ceux du bras droit par le sens musculaire conservé et ceux du langage par le sens auditif. »

« Il semble, je n’ose pas conclure avec certitude, que, retrouvant le sens visuel, elle entrait dans un état auquel elle n’était pas accoutumée et dans lequel elle ne savait pas user du langage. Comme elle ne savait pas, ainsi que faisait Lucie, remuer ses jambes au moyen des images visuelles, je ne pouvais pas non plus dans cet état détruire sa paraplégie. Dans un autre état somnambulique, que je n’obtins que beaucoup plus tard et avec mille difficultés, elle retrouvait le sens tactile et musculaire d’abord du côté droit, puis du côté gauche, et alors il lui suffisait d’un faible effort pour décontracturer ses jambes et se mettre à les remuer sur mon simple commandement. Elle était devenue motrice, ce qu’elle avait été probablement une grande partie de sa vie, car elle parlait alors très facilement, retrouvait tous les souvenirs en apparence perdus à l’état de veille et n’avait plus aucune paralysie. Lorsqu’on réveillait Rose, elle perdait de nouveau toutes ces sensibilités surajoutées, oubliait tout et malheureusement ne savait plus marcher. »

2.6 INTERPRÉTATION DE L’OUBLI AU RÉVEIL APRÈS LE SOMNAMBULISME

« Je suis convaincu que les appareils électriques seront prochainement le véritable instrument scientifique pour produire à volonté et régulièrement toutes les variétés du somnambulisme. »

« Une hystérique anesthésique, morphinée à la dose de 8 centigrammes par jours, vit ses douleurs disparaître et sa sensibilité normale se réveiller… L’abstinence ramena les symptômes hystériques. »

Benjamin Ball, La Morphinomanie

« Le somnambulisme est chez les hystériques un accroissement de l’esprit par une excitation quelconque et non une diminution. » Por isso os começos da psicanálise até poderiam realmente curar histéricas, ao menos, desde que o tratamento fosse bem-feito. Outra coisa é a pseudanálise posterior alegando ou tentando curar neuróticos, até psicóticos, ansiosos, depressivos, fóbicos, com tratamentos cretinos! Janet 1 x 0 fraudismo.

« Peut-être existe-t-il des somnambulismes différents. L’hypnotisation des sujets sains possédant déjà tous leurs sens et toutes les images ne peut guère, si elle est possible, que les diminuer et leur supprimer diverses sensations. » « En réalité, il n’y a ni 2, ni 3 mémoires indispensables; il peut s’en présenter un nombre quelconque et indéterminé. Rose a au moins 4 ou 5 somnambulismes différents, ayant chacun une mémoire particulière. Il y a des sujets, comme N…, qui sont tellement instables, qu’ils ne reprennent le même somnambulisme qu’en étant endormis par la même personne et de la même manière »

« Cependant, dans cette série d’états de sensibilité et de mémoire qui peuvent se produire suivant une même loi, on peut, comme font les mathématiciens dans leurs séries, distinguer des points intéressants. » « Mais surtout on s’attachera à distinguer comme capital le dernier somnambulisme. J’appelle ainsi l’état dans lequel le sujet a retrouvé l’intégrité absolue de toutes les sensibilités qui sont naturelles à l’homme bien portant, et par conséquent l’intégrité absolue de la mémoire, en un mot, l’état dans lequel le sujet n’a plus aucune anesthésie ni aucune amnésie. » « Mais il est quelquefois très difficile à obtenir, et les sujets y parviennent plus ou moins vite, quelquefois après un seul somnambulisme intermédiaire, comme Lucie ou Wittm… (dans l’étude de Jules Janet), ou bien après plusieurs intermédiaires, comme Rose, ou même ne l’atteignent pas complètement, comme Léonie, qui, dans le dernier somnambulisme que je puisse obtenir avec elle, a encore des anesthésies. »

« Tout le monde remarquera, comme j’en ai été frappé dès la première fois, que Lucie se sert du sens de la vue quand elle est éveillée et du sens du tact quand elle est endormie : cela est manifeste. Mais, chez d’autres sujets, les modifications seront beaucoup moins visibles »

« Le somnambulisme change ces images prédominantes, sans donner précisément des sensibilités nouvelles ; il relève de leur effacement certaines images particulières et en fait un centre nouveau autour duquel la pensée s’oriente d’une manière différente. Réveillés, ces sujets reprennent leur pensée habituelle, négligent par distraction ces images et par conséquent les souvenirs qui y sont liés; ils ne peuvent plus les retrouver, car ils sont incapables du petit effort qu’il faudrait faire pour modifier un peu la forme habituelle de leur pensée. »

« Un jeune homme H., qui avait un somnambulisme de ce genre, avait tout oublié au réveil, mais, peu à peu, dans le courant de la journée, il retrouvait un à un tous les souvenirs du somnambulisme : le lendemain il pouvait tout me raconter. »

« Ce qui produit l’oubli des rèves au réveil, c’est que l’orientation de l’esprit change soudainement. »

Paulhan

« J’ai essayé de préciser un peu plus cette explication générale des phénomènes de l’oubli et de l’adapter plus exactement aux faits que j’avais étudiés. Sans doute, les exemples que j’ai donnés sont insuffisants pour démontrer qu’il en est toujours ainsi, et nous n’avons pas toujours un moyen bien précis et bien sûr pour apprécier les différences dans les images qui amènent les différences dans les souvenirs. »

2.7 LES DIVERSES EXISTENCES PSYCHOLOGIQUES SUCCESSIVES : MODIFICATIONS SPONTANÉES DE LA PERSONNALITÉ

« Le jugement synthétise les faits différents, constate leur unité, et, à propos des différents phénomènes psychologiques éveillés par les impressions sensibles ou le jeu automatique de l’association, forme une idée nouvelle : celle de la personnalité. Nous n’avons pas, dans cette étude sur la partie automatique et non sur la partie active de l’esprit, à étudier ce jugement d’unité. »

« Dans le cours d’une longue vie, un homme peut être successivement plusieurs personnes si dissemblables que, si chacune des phases de cette vie pouvait s’incarner dans des individus distincts et si l’on réunissait ces divers individus, ils formeraient un groupe très hétérogène, se feraient mutuellement opposition, se mépriseraient les uns les autres et se sépareraient vite sans souci de se revoir jamais. »

Forster¹

¹ Não identificado.

« C’est moi qui ai tremblé devant ce péril imaginaire? C’est moi qui ai pu aimer cette coquette? C’est moi qui me suis dévoué à ces croyances? Mais c’est impossible et je ne me reconnais pas. »

« Heureusement, ces changements sont survenus peu à peu et ils n’ont porté en réalité que sur les phénomènes complexes et secondaires de notre esprit, nos croyances, nos ambitions, nos désirs. »

« Les hommes les plus sains d’esprit présentent presque toujours, dans leurs rêves, le premier signe, la première ébauche des changements beaucoup plus graves qui peuvent se produire dans la personnalité de certains malades. »

« Si je puis me décrire moi-même dans ces études expérimentales, je crois appartenir entièrement au ‘type moteur’ ; quand je suis éveillé, je ne pense qu’en parlant tout haut ou en écrivant, et ma pensée est toujours un geste à demi arrêté. La nuit, au contraire, je garde, ainsi que je l’ai souvent constaté, l’immobilité la plus absolue, je suis simple spectateur et non plus acteur »

« chez les hommes bien portants, cette tendance à la formation d’une mémoire et d’une personnalité secondaire dans le songe, reste rudimentaire. »

« Un de mes amis a remarqué que sa femme, qui souvent parle beaucoup et distinctement dans le sommeil, ne peut jamais se ressouvenir de ses rêves lorsque cela lui arrive ; mais qu’au contraire elle se les rappelle fort bien lorsqu’elle n’a pas parlé en dormant. »

Erasmus Darwin

O PORQUÊ DO PRIMEIRO PORRE SER TÃO DIFERENTE: « L’éther, le chloroforme ou simplement l’alcool, quand ils agissent pour la première fois, désagrègent simplement la pensée normale, empêchent les jugements d’unité de se former et ne laissent subsister dans le délire que des éléments psychologiques épars. Mais si ces empoisonnements se répètent, ces fragments de pensée se réunissent et forment une nouvelle synthèse psychologique, avec sa mémoire qui lui est propre, semblable à une vie somnambulique. »

« Les crises de ce genre sont, en général, d’assez courte durée : c’est que la personnalité n’y est pas assez complète, car la durée d’un état psychologique est ordinairement comme celle d’un être en raison de sa perfection. » « Aussi ce composé instable ne tarde pas à se défaire et le composé plus complet et plus ancien, qui formait la vie normale, réapparaît à son tour. Mais supposons que, par certains hasards, la rencontre des atomes intellectuels ait formé un composé plus complet et plus stable, la nouvelle vie psychologique, qui se forme peu à peu et qui est anormale pour le sujet, ressemble tout à fait à ce qui est la vie normale pour une autre personne. »

« Le sujet était ordinairement un visuel, il est maintenant un moteur ; cela aura sans doute des inconvénients plus tard, car, s’il revient au premier état, il ne se souviendra plus du second, mais maintenant il ressemble aux gens qui sont ordinairement moteurs et il ne s’en porte pas plus mal. C’est là ce qui se passe, croyons-nous, chez ces personnes devenues célèbres dans l’histoire de la science, Félida X, Louis V et bien d’autres. »

« La somnambule de Dufay,¹ quand elle tombe en état second, n’est plus myope comme en état premier, elle a un langage enfantin et parle nègre : ‘Moi pas bête maintenant’, dit-elle. »

¹ Não identificado.

« Tous ces personnages, comme on le sait aussi, changent de caractère et de conduite en même temps qu’ils changent de sens et de langage. Félida, qui est triste et qui pense au suicide dans son état prime, est gaie et courageuse dans l’état second ; elle est égoïste et froide dans la première existence, elle a plus d’affection et de dévouement dans la seconde. Louis V est tantôt doux, obéissant et timide, tantôt colère, insubordonné et arrogant, tantôt enfant et craintif, tantôt jeune homme emporté : à aucun point de vue il ne reste le même. »

2.8 LES DIVERSES EXISTENCES PSYCHOLOGIQUES SUCCESSIVES. — LES CHANGEMENTS DE PERSONNALITÉ DANS LES SOMNAMBULISMES ARTIFICIELS.

« il n’y a pas un seul phénomène constaté pendant le somnambulisme, anesthésie ou excitation sensorielle, paralysies, contractures, émotions ou faiblesse intellectuelle, etc., qui ne se retrouve fréquemment chez une autre personne pendant sa vie ordinaire. » « Un sujet qui est idiot, ou aveugle, ou intelligent en somnambulisme, ne l’est pas autrement que celui qui est idiot, aveugle ou intelligent pendant sa vie normale, seulement il ne l’est pas toute sa vie. »

« Mais cet état, que nous qualifions de somnambulisme chez Rose, est en ce moment la vie normale de Marie, qui depuis 1 mois est hémi-anesthésique gauche, et les caractères de cet état sont exactement les mêmes chez elle. Bien plus, Rose elle-même, il y a quelque temps, a passé 3 mois, comme nous l’avons vu, en hémi-anesthésie gauche. Elle était donc naturellement pendant ces 3 mois dans l’état qui est maintenant un somnambulisme. »

« l’hypnotisme est très rare chez les véritables épileptiques. »

« D’abord, la seconde personnalité qui vient de naître subira l’influence des idées et des manières de son magnétiseur comme un enfant subit l’influence de ses parents. »

« Pourquoi Léonie est-elle catholique pratiquante à l’état de veille et protestante convaincue en somnambulisme ? C’est tout simplement parce que son premier magnétiseur était protestant, il ne faut pas chercher là d’autre mystère. Pourquoi certains somnambules ont-ils sans cesse une attitude dramatique ? C’est parce qu’on les a exhibés sur des planches comme des bêtes curieuses et qu’ils ont appris à jouer un rôle et à simuler quoique étant réellement en somnambulisme. »

« M. Beaunis nous dit qu’il n’a jamais rencontré de mensonges de la part d’une somnambule. C’est qu’il a été bien heureux: il y a des somnambules qui mentent comme Lucie, ou qui sont l’honnêteté même comme Léonie, ainsi que, dans la vie normale, il y a des mauvais et des bons. »

« Les somnambules disent qu’ils dorment parce qu’on leur a dit qu’on les endormait et que, dans la pensée populaire, magnétiser veut dire endormir. Il est même mauvais de trop répéter cela au somnambule, car il finit par se croire obligé de dormir réellement et prend une expression abrutie qui n’est pas indispensable. »

« Souvent aussi les choses se passent autrement et, soit peu à peu par le progrès de la seconde existence, soit brusquement à la suite d’un changement trop fort, le sujet refuse de se reconnaître, se moque de son ancienne personnalité et prétend être une nouvelle personne. »

« Les somnambules parlent d’eux-mêmes à la troisième personne, dit Delenze, comme si leur individu dans l’état de veille et leur individu dans l’état de somnambulisme étaient 2 personnes différentes… Mlle. Adélaïde ne convenait jamais de l’identité d’Adélaïde avec Petite, nom qu’elle recevait et se donnait pendant sa manie (somnambulisme), etc. »

« Tous les écrivains du magnétisme animal ont d’ailleurs décrit ce fait, qui est aussi fréquent qu’il est curieux. »

« N’insistant pas sur cette singulière réponse qui n’est peut-être pas absurde, je lui demandais de quel nom il fallait l’appeler, elle voulut prendre le nom de ‘Nichette’. Ce petit nom ne doit pas faire sourire : aucun détail n’est insignifiant dans ces phénomènes délicats. C’était là le petit nom par lequel on désignait cette personne dans sa première enfance et elle le reprenait en somnambulisme. »

« M. le Dr. Gibert m’a raconté qu’une femme de 30 ans, endormie pour la première fois, parlait d’elle-même sous le nom de la petite Lilie. Pourquoi ce retour à l’enfance? Est-ce parce que les hystériques, ordinairement visuelles à l’état de veille, reprennent leur sens musculaire dans ces somnambulismes profonds et que ce sens a été probablement le plus utilisé dans l’enfance ? »

« Enfin, il peut arriver que tout changement d’état soit assez accentué pour produire l’illusion du dédoublement de la personnalité. Léonie, dès le premier somnambulisme que nous avons décrit, refuse son nom ordinaire et prend celui de Léontine auquel ses premiers magnétiseurs l’avaient habituée. »

« Ce nouveau personnage, Léonie 2, s’attribue toutes les sensations et toutes les actions, en un mot, tous les phénomènes psychologiques qui ont été conscients pendant le somnambulisme y et elle les réunit pour former l’histoire de sa vie déjà fort longue ; elle attribue au contraire à Léonie 1, c’est-à-dire à la personne normale pendant la veille, tous les phénomènes qui ont été conscients pendant la veille. » « Léonie, à l’état normal, a un mari et des enfants, Léonie 2, pendant le somnambulisme, attribue le mari à l’autre, mais s’attribue à elle les enfants. Ce choix était peut-être explicable, mais il ne semblait pas régulier. J’ai fini par apprendre que les magnétiseurs anciens, tout aussi audacieux que certains hypnotiseurs d’aujourd’hui, avaient provoqué le somnambulisme au moment des premiers accouchements, et que l’état second était revenu de lui-même au moment des derniers. Léonie 2 n’avait pas tort de s’attribuer les enfants, car c’était bien elle qui les avait eus »

« Cette séparation d’un même être en 3 personnes successives, qui se méprisent réciproquement quand elles peuvent se connaître, forme un spectacle des plus curieux et donne lieu à quantité d’incidents que je ne pourrais rapporter sans allonger indéfiniment mon livre. Léonie s’endort en chemin de fer et passe à l’état 2 ; au bout de quelque temps Léonie 2 veut redescendre pour aller chercher à la station précédente cette pauvre Léonie 1 ‘qui, dit-elle, y est restée et qu’il faut prévenir.’ Si je montre à Léonie 2 un portrait de Léonie 1 : ‘Pourquoi a-t-elle pris mon bonnet ?, s’écrie-t-elle, c’est quelqu’un qui s’est habillé comme moi.’ Quand elle vient au Havre, il faut que je dise bonjour successivement aux 3 personnages qui recommencent successivement la même émotion d’une manière bien amusante. Il est inutile d’insister sur ces anecdotes, on devine les situations singulières qui doivent résulter d’une semblable subdivision. »

« Sans doute certains sujets ne peuvent pas rester indéfiniment dans certains états somnambuliques. Léonie 1 ne pouvant absolument rien manger en état de Léonie 2, ne pourra pas y rester plus d’une journée, mais ce n’est pas parce que l’état est second qu’il ne peut pas durer, c’est parce qu’il ne contient pas certains éléments nécessaires à la vie. Il est dangereux, écrivent quelques auteurs, de laisser un sujet plus de 24h en somnambulisme, car il commence alors à se refroidir. Certainement, si vous laissez un sujet immobile, incapable de remuer et de manger, il doit se refroidir assez vite. Mais si, au contraire, on choisit un état somnambulique complet qui forme une seconde vie sans doute, mais une seconde vie régulière, analogue, comme nous l’avons dit, à la vie normale de telle ou telle autre personne, il n’y a pas de raison pour que le sujet n’y reste pas fort longtemps. »

« Le célèbre Abbé Faria prétend que certains de ses sujets sont restés endormis pendant des années et oubliaient à leur réveil tout ce qui s’était passé pendant cette longue période. Un magnétiseur nommé Chardel¹ endormit 2 jeunes filles pendant l’hiver et ne les réveilla que plusieurs mois après au milieu du printemps; elles furent bien surprises en se réveillant de voir des feuilles et des fleurs sur les arbres qu’elles se souvenaient d’avoir vus couverts de neige avant de s’endormir. »

¹ Frédéric Charles Chardel (1776-1849), sem obras relevantes.

« Ces récits ne doivent pas être mensongers, car la vérification en est assez facile à faire : j’ai maintenu moi-même Rose en somnambulisme pendant 4 jours et demi sans aucune difficulté, car elle se portait très bien pendant ce temps, mangeait et dormait beaucoup mieux que dans son état normal. »

« Pourrait-on laisser les sujets indéfiniment dans ce second état ? ce serait un moyen bien facile de guérir complètement l’hystérie. Malheureusement la chose me paraît fort difficile. Cet état a paru, au moins pour mes sujets, être une fatigue et les épuiser rapidement. Certaines, comme Léonie et Lucie, ont besoin de dormir fréquemment pendant quelques minutes pour se reposer, et les hystériques en général ne se maintiennent dans cet état d’intégrité sensorielle qu’au moyen d’excitations renouvelées de temps en temps, passes, courant électrique, etc. Il est probable que peu à peu les hystériques reprendraient leurs tares, leurs anesthésies habituelles et rentreraient dans leur état normal avec l’oubli de tout ce qui s’est passé pendant leur existence plus complète. »

« Est-ce une décadence ou un progrès pour un sujet de passer de l’une à l’autre ? Beaucoup d’auteurs se sont prononcés pour la seconde solution. » « Il y a un nombre infini de formes d’existences psychologiques, depuis celle qui ne contient qu’un seul fait isolé rudimentaire sans jugement et même sans personnalité jusqu’à la pensée de la monade supérieure dont parle Leibniz et qui représenterait en raccourci tout l’univers. » « Il est évident que Lucie 3, Rose 4 ou Léonie 3 sont supérieures et de beaucoup à Lucie 1, Rose 1, Léonie 1. Mais il s’agit là de femmes hystériques, et cette existence supérieure qu’on leur rend est simplement une existence normale, celle dont elles devraient jouir continuellement, si elles n’étaient pas malades. »

« Est-il possible d’aller au delà? Peut-on dépasser ces états somnambuliques chez ces sujets, ou donner à d’autres sujets sains, qui sont déjà naturellement en possession de cette forme d’existence, une autre forme d’existence supérieure ? C’est ce qu’ont pensé presque tous les anciens magnétiseurs quand ils étudiaient sur leurs sujets des sens nouveaux ou des facultés surnaturelles. C’est ce que pense M. Myers quand il parle de réadaptations nouvelles de notre personnalité en rapport avec de nouveaux besoins. C’est là une étude dans laquelle nous ne pouvons pas entrer; il nous suffît d’avoir montré à quel point elle touche notre sujet et comment elle est possible. »

3. LA SUGGESTION ET LE RÉTRÉCISSEMENT [RECOLHIMENTO] DU CHAMP DE LA CONSCIENCE

« On a donné le nom de suggestion à cette influence d’un homme sur un autre qui s’exerce sans l’intermédiaire du consentement volontaire. » « Après una revue historique rapide et forcément incomplète, qui a surtout pour but de montrer combien l’étude de la suggestion est ancienne, nous nous contenterons de rappeler par quelques exemples les faits les plus importants. »

3.1 RÉSUMÉ HISTORIQUE DE LA THÉORIE DES SUGGESTIONS

« Faire l’histoire de la suggestion à notre époque ce serait faire l’histoire complète de l’hypnotisme, que nous ne puvons avoir l’intention d’entreprendre. »

« Beaucoup de charlatans se sont couverts et essayent encore de se revêtir de ce nom de magnétiseurs, mais ce n’est pas une raison pour jeter un mépris général sur tous ceux qui ont été les véritables précurseurs de la psychologie expérimentale. »

« Rien ne serait plus facile, pour tous les faits sans exception qui ont été signalés dans les ouvrages d’hypnotisme moderne, que d’emprunter des exemples aux ouvrages publiés de 1850 à 1870. Mais, si les magnétiseurs connaissaient ces phénomènes, ils les expliquaient mal et faisaient intervenir inutilement un fluide mystérieux. » « Leurs théories de physiologie fantaisiste ne s’appliquaient guère qu’au premier fait, c’est-à-dire aux procédés à employer pour amener le sujet à l’état de suggestibilité, et quant à la suggestion elle-même, ils l’expliquaient par des lois uniquement psychiques. »

« Si on préfère des théories outrées dans lesquelles on rapporte à l’influence morale du magnétiseur (…) tous les phénomènes possibles, il est facile d’en trouver bien des exemples. Bertrand explique ainsi les croyances singulières des somnambules ; la prétendue vue du fluide, la prévision des maladies et même l’action des métaux. ‘Ce sont toujours les idées des magnétiseurs qui ont de l’influence sur les sensations des somnambules… les métaux, lorsque les magnétiseurs le veulent, ne doivent avoir aucun empire sur les personnes magnétisées, c’est l’idée qui les rend nuisibles.’ »

« les explications les plus nettement psychologiques des stigmates des convulsionnaires se trouvent complètement exposées dans les ouvrages de Charpignon. »

3.2 DESCRIPTION DE QUELQUES PHÉNOMÈNES PSYCHOLOGIQUES PRODUITS PAR SUGGESTION

1er Phénomènes d’apparence cataleptique. « L’individu cataleptique ne parle pas, ne comprend pas ce qu’il fait, semble n’avoir aucune idée ni de sa personnalité ni des actes qu’il exécute ; il a, comme disait Maine de Biran, la sensation et non l’idée de sa sensation. Les sujets dont nous parlons maintenant sont tout différents : ils parlent et comprennent la parole, ils ont une personnalité, ils se rendent compte de ce qu’ils font. »

2e Actes et hallucinations déterminés par la parole. « Le véritable intérêt de la suggestion se trouve dans les commandements que l’on peut donner par la parole. En effet, les paroles que l’on adresse à ces sujets, au lieu d’être répétées sans intelligence comme par les cataleptiques, sont comprises, et par leur sens déterminent toujours, sans le consentement de la personne, des actes et des hallucinations. (…) Aussitôt le sens des paroles compris, l’acte est exécuté. [malgré le pacient] »

« On lui fait entendre ainsi le son des cloches, des chants, des fanfares, on lui fait voir des fleurs, des oiseaux, sentir des odeurs, apprécier des goûts, soulever des fardeaux imaginaires, etc. »

« Léonie est capable de relire par hallucination des pages entières d’un livre qu’elle a lu autrefois, et elle distingue l’image avec tant de netteté qu’elle remarque encore des signes particuliers, comme les numéros des pages et les numéros des feuilles au bas de certaines pages »

« Au début de mes recherches sur le somnambulisme, n’étant qu’à demi convaincu de la puissance de ces commandements, je commis l’étourderie grave de faire voir à une somnambule un tigre entrant dans la chambre. Ses mouvements convulsifs de terreur et les cris épouvantables qu’elle poussa m’ont appris qu’il fallait être plus prudent, et depuis je ne montre plus à l’imagination de ces personnes que des belles fleurs et des petits oiseaux. » « Marie caresse doucement les petits oiseaux ; Lucie les saisisse vivement à 2 mains pour les embrasser ; Léonie, qui se souvient de la campagne, leur jette du grain à la volée (…) aucune femme ne peut voir une fleur par hallucination sans la porter à son nez, puis la mettre à son corsage. » Hahaha!

« D’après les observations de M. Féré, ‘l’état de la pupille varie avec la distance présumée de l’hallucination.’ »

« En un mot, il y a aussi bien mouvement à propos de la suggestion d’hallucination, que hallucination à propos de la suggestion de mouvement ; les 2 choses ne peuvent pas être séparées. »

3e Actes ou hallucinations avec point de repère [vue]. « Si je dis à Marie qu’elle verra un papillon traverser la chambre quand l’heure sonnera, ou qu’elle verra un oiseau sur l’appui de la fenêtre, le phénomène est identique » « À n’importe quel moment du somnambulisme, si Marie regarde du côté de la fenêtre, elle reverra son oiseau, et cette liaison peut persister indéfiniment (…) Si maintenant Marie ne voit plus l’appui de la fenêtre, elle ne verra plus l’oiseau (…) Enfin, si le point de repère varie d’une manière quelconque, grandit, diminue, se dédouble, etc., l’hallucination aura exactement le même sort. C’est là le phénomène qui a été si bien étudié par MM. Binet et Féré dans leurs expériences originales de la lorgnette, du miroir, du prisme. (…) En un mot, l’acte ou l’hallucination suggérés peuvent être rattachés à une certaine sensation qui sert de signal ou de point de repère et en dépendent alors absolument. »

« le champ de la représentation, plus étendu que le champ de la sensation, est formé par une synthèse des champs visuels. »

Binet¹

¹ Alfred Binet já possui muitas obras recomendadas no Seclusão.

« Si on précise l’endroit où l’objet doit se trouver en disant qu’il est à gauche, ou bien si on ferme l’oeil droit du sujet en laissant l’oeil gauche ouvert, on ne peut plus produire chez Marie aucune hallucination visuelle. M. Paul Richer a signalé ce fait l’un des premiers. » « Si, après avoir donné une hallucination à Marie au moment où elle a les 2 yeux ouverts, je lui ferme l’oeil droit, elle ne voit plus clair et ne distingue plus les points de repère auxquels son hallucination était rattachée ; elle a alors complètement perdu de vue l’oiseau ou la fleur que je lui montrais. Si, au contraire, on lui donne une hallucination quand elle a les yeux fermés, cette image ne se rattache à aucun point de repère et peut persister malgré la fermeture des yeux. »

« Il est possible de faire éprouver à un même sujet 2 hallucinations différentes simultanément, une à droite et l’autre à gauche ; ainsi, on lui fera sentir le goût du rhum sur le côté droit de la langue et le goût d’un sirop sur le côté gauche, on lui fera voir par un oeil une scène horrible et par l’autre un riant tableau champêtre. »

Bérillon, La dualité cérébrale, 1884

« Ces auteurs [além de Bérillon, Dumontpallier e Magnan] tirent de ce fait des conclusions qui me paraissent bien graves sur l’indépendance fonctionnelle des 2 hémisphères cérébraux. Sans préjuger de la théorie en elle-même, je crois qu’il faut renoncer à employer ce fait particulier comme moyen de démonstration. [Car] Les hallucinations simultanées et de nature différente sont faciles à reproduire pour les sens qui sont répandus sur une assez large surface et qui peuvent fournir au sujet plusieurs points de repère simultanés. [dos pés à cabeça! não só em longitude, mas em latitude, transversalidade, etc., por que não?] »

Sur mon ordre, Marie a simultanément la sensation de chaleur au pouce de la main droite et de froid au petit doigt de la même main » Bem como vê duas ilusões antitéticas pelo mesmo olho.

« Les sujet ne trompe pas, comme on pourrait le croire, car il ne consent pas plus à cette suggestion qu’aux autres, c’est l’opérateur qui se trompe lui-même en ne tenant pas assez compte des lois psychologiques quand il s’occupe de phénomênes qui sont psychologiques. »

4e Actes et hallucinations complexes ou à développement automatique. « Au lieu de commander l’un après l’autre chaque mouvement ou chaque hallucination, il suffit, avec certains sujets, de leur indiquer une idée initiale qui, avec une apparente spontanéité, se développe dans leur esprit de toutes manières et se manifeste par une longue suite d’actes et d’hallucinations diverses. ‘Tu vas écrire une lettre,… tu vas chanter un air,’ dis-je à Lucie ou à Rose, et elles vont faire leurs préparatifs pour écrire, composent une lettre ou bien chantent indéfiniment toutes sortes de morceaux. »

 

« Une pièce d’or réelle produit chez ce sujet une contracture générale si elle est appliquée au front ; une pièce d’or imaginaire que l’on met dans sa main et qu’il s’applique lui-même au front produit le même résultat. L’ongle du pouce est hyperesthésié ; si on le frappe, le sujet a des petites convulsions et des contractures ; l’hallucination d’un oiseau sur sa main la fait pensar à un coup de bec imaginaire donné par l’oiseau sur son ongle et elle a une petite crise convulsive. (…) C’est là ce qui rend ces rêves mimés si amusants quand on a affaire à un sujet vif e assez intelligent. L’hallucination ‘d’un voyage’, comme elle disait, devenait chez Lucie une véritable comédie avec milles de péripéties inattendues. Non seulement elle éprouvait le mal de mer sur les bateaux, comme le sujet dont parle Richet, mais elle se figurait tomber dans l’eau, nageait sur le parquet et se relevait dans une île déserte en grelottant. Naturelement je lui ai fait faire les plus belles expéditions sur la lune, au crente de la terre, etc. : il me suffisait de lui donner un thème sur lequel son imagination brodait les complications les plus extravagantes. Je ne puis insister sur ces spectacles comiques ; ils sont toujours surprenants à voir, mais ils sont maintenant trop connus pour qu’on les décrive. »

« Léonie étant en somnambulisme, je la pique avec une épingle du côté droit (côté sensible), elle pousse un cri et la voilà qui se fâche contre sa main gauche »

« L’expérimentateur est sans cesse exposé à prendre une association d’idées de son sujet pour une loi générale de la psychologie. »

5e Hallucinations générales ou modification de toute la personnalité par suggestion. « Si on affirme au sujet qu’il recommence une période passée de sa vie, qu’il n’a plus que tel âge, ou simplement si on lui donne une attitude, une contracture, un état de sensibilité particulier qu’il avait à tel ou tel âge, on le voit prendre en même temps tous les caractères physiques et moraux qu’il avait à cette époque et revivre pour ainsi dire complètement une période écoulée de son existence. Le sujet sent, pense et parle comme il faisait à ce moment ; il croit voir et entendre ce qui existait alors, il n’a plus d’autres souvenirs que ceux qu’il pouvait avoir à cette époque. »

O ESTADO DE SUGESTÃO SERIA DIFERENTE DA PERSONALIDADE SECRETA AUTÔNOMA DO SONAMBULISMO: « Pendant un de ces changements de personnalité obtenus par suggestion lors du premier somnambulisme, le sujet ne garde aucun souvenir des autres changements. (…) étant princesse, il ne sait pas ce qu’est Léonie et ne veut même pas croire que ce soit une pauvre paysanne habitant sur ses terres ; il ne souvient pas non plus de l’état de somnambulisme ordinaire et du personnage de Léonie 2 » « elle ne sait plus mon nom ; si elle me parle, elle m’incorpore à son rêve et me donne un nom de fantaisie, Marquis de Lauzun » « quand elle est général, elle me prend pour un colonel et m’offre… une absinthe. » « Elle garde en outre, dans un de ces changements, le souvenir du changement exactement pareil qui a eu lieu autrefois. » « Quand l’hallucination est terminée, quand elle cesse d’être princesse, Léonie revient à son somnambulisme ordinaire sans passer par aucun intermédiaire, ni léthargie, ni catalepsie. (…) Léonie 2 de retour garde le souvenir du changement de personnalité [l’être princesse, comme s’il venait d’un rêve curieux] (…) Si quelquefois ce souvenir manque complètement dans le somnambulisme de Léonie 2, nous sommes certains de le retrouver dans le second somnambulisme, Léonie 3, qui se souvient de tout le reste de sa vie (…) Est-elle assez bête, cette pauvre Léonie ? dit-elle ; elle a cru être une princesse, c’est vous qui lui faites croire cela. »

« l’état de la mémoire a tant d’importance dans ces phénomènes que je crois pouvoir me servir de cette différence pour séparer ces 2 changements dans la notion de la personnalité sans en méconnaître les analogies. »

« il faudrait un volume de citations pour rappeler les guérisons miraculeuses des saints et des apôtres et les guérisons par des pilules de mie de pain baptisées de beaux noms. »

3.3 DIVERSES THÉORIES PSYCHOLOGIQUES SUR LA SUGGESTION

« quelques médecins et même quelques philosophes d’aujourd’hui n’hésitent pas à expliquer dans tous ses détails la physiologie des centres nerveux pendant l’hypnose. J’admire ce courage, mais je ne me sens pas capable de l’imiter et je m’en tiendrai aux études uniquement psychologiques qui ont été faites sur ce curieux phénomène. » Haha!

1e La suggestien considérée comme un fait psychologique normal. « Les auteurs qui recherchent attentivement ces faits dans la vie normale citent toujours la marche au pas, la rougeur des timides, le fou rire des jeunes filles¹ et le bâillement contagieux : mais il y a un abîme entre ces faits, tout réels qu’ils soient, et les hallucinations complexes ou les changements de personnalité par suggestion. »

¹ Interessante: risada involuntária, ataque ou crise de riso, risada histérica assim mesmo dicionarizada… E restrita ao sexo feminino tendo em vista se tratar ainda do século XIX, quando a moral exigia dos rapazes não se equiparar a costumes tidos pelos homens da sociedade como irritantes ou indignos, i.e., “coisa de mulher”.

Cette doctrine, qui assimile trop le phénomène de la suggestion à l’automatisme normal, présente un autre inconvénient assez grave. Elle nous dispose à considérer la suggestion comme un fait primitif existant naturellement, indépendent de tout autre phénomène et capable au contraire d’expliquer tous les autres. Anesthésie, amnésie, changement de personnalité, somnambulisme, etc., tout devient un résultat de la suggestion. Quant à la suggestion elle-même qui explique tout, on n’en cherche pas l’origine, car elle est un fait naturel donné. »

« La suggestion ne peut ni se créer ni se détruire elle-même : pas plus qu’il n’est logique de croire que l’on peut suggérer à un individu d’être suggestible quand il ne l’est pas, on ne peut dire que l’on va suggérer à un malade de ne plus être suggestible quand il l’est. (…) La suggestion est, comme l’éducation, elle se sert de dispositions antérieures, elle ne les crée pas ; de même qu’il y a des animaux et même des hommes rebelles à l’éducation et qui ne peuvent être transformés par elle, il y a des hommes, et c’est heureusement la majorité, qui sont rebelles à la suggestion et qui ne la subissent qu’après une modification accidentelle et étrangère de leur organisme psychologique. »

« il y a lieu de chercher quel est l’état, le caractère anormal dont dépendent les phénomènes que nous avons énumérés. »

2e La suggestion expliquée par l’état somnambulique.

« L’automatisme ou l’aboulie caractérisent le somnambulisme au point de vue psychique comme au point de vue somatique. »

Richet

« Dans le somnambulisme, l’automatisme est absolue et le sujet ne conserve de spontanéité et de volonté que ce que veut bien lui en laisser son hypnotiseur. »

Beaunis

« Sans doute, il y a dans cette hypothèse qui rattache la suggestion à l’état de somnambulisme un certain degré de vérité qu’il ne faut pas nier… Mais, au point de vue théorique, cette assimilation entre les deux phénomènes me parait présenter des inconvenients et amener à une interprétation inexacte du somnambulisme. »

« la suggestibilité peut être très complète en dehors du somnambulisme artificiel ; elle peut être totalement absente dans un état somnambulique complet ; en un mot, elle ne varie pas en même temps et dans le même sens que cet état lui-même. » « Le somnambulisme naturel présente déjà quelques différences qui le séparent du somnambulisme hypnotique » « et je ne puis vraiment pas comprendre cette habitude de plusieurs auteurs d’assimiler l’état d’un sujet hypnotisé avec le sommeil véritable. »

« Il en est de même dans l’ivresse du haschich : je ne rapporterai pas mes propres observations, car je n’ai pu observer cette ivresse qu’une seule fois et dans de mauvaises conditions ; d’ailleurs, les descriptions de Moreau de Tours sont trop belles et trop précises pour que je ne les cite pas : ‘Livré à lui-même, le haschiché subira les influences de tout ce qui frappera ses yeux, ses oreilles : un mot, un geste, un son, le moindre bruit donnera à ses illusions un cachet déterminé ; quelques paroles font passer de la joie à la tristesse et toutes les idées précédemment si joyeuses deviennent lugubres’ » « mais cela ne se produit ainsi que lorsque le délire est très fort ; autrement les idées ne font que traverser l’esprit et ne s’y fixent pas. »

« On sait que certaines personnes sont suggestibles à l’état de veille sans avoir subi aucune modification de leur conscience »

« On s’y trompe bien souvent, et on croit avoir mis un individu en état de somnambulisme, alors qu’on ne l’a pas modifié le moins du monde. On constate simplement une docilité, une passivité que l’on attribue au prétendu somnambulisme, parce que l’on n’a pas recherché si elles n’existaient pas exactement semblables avant le sommeil. »

« La plupart des auteurs (cfr. Richer) insistent sur l’inertie des sujets, incapables de faire un mouvement spontané et qui par eux-mêmes ne pensent à rien. C’est qu’ils n’ont pas dépassé dans leurs étude cete première période du somnambulisme, cet état presque cataleptique dans lequel certains sujets demeurent assez longtemps. »

« Ce n’est donc ni dans la définition du somnambulisme ni dans les causes qui le provoquent, qu’il faut chercher l’explication de la suggestion et de son singulier pouvoir. »

3e L’hyperexcitabilité psychique. « J’aurais d’abord quelques réserves à faire que l’on trouvera peut-être bien abstraites et pour ainsi dire métaphysiques sur cette expression : ‘l’intensité des phénomènes psychologiques.’ Dans une discussion très remarquable à propos de la psycho-physique, un mathématicien anonyme, qui est en même temps un philosophe, faisait remarquer que les sensations ne peuvent ni s’égaliser ni s’additionner ; qu’en un mot 2 sensations, fussent-elles toutes 2 des minima, n’étaient pas comparables comme des unités mathémathiques. »

REMETE-TE A KANT : « Sans doute, les causes extérieures de nos sensations, le son, la température, etc., et même les effets de nos sensations dans le monde extérieur, mouvements, contractions musculaires, etc., sont mesurables et peuvent avoir des intensités différentes ; mais les sensations elles-mêmes, considérées par leur côté interne et vraiment seul réel, ont-elles des quantités correspondantes? Cela ne me parait pas évident. La température passe de 0º à 15º et de 15° à 30°, et ma sensation passe du froid au tiède et du tiède au chaud. Peut-on dire que ma sensation de chaud soit un multiple de ma sensation de froid ? »

« Avant de soutenir qu’une image est plus intense ou moins intense qu’une autre, il serait bon de nous prouver que les 2 images sont restées identiques en nature et qu’on ne prend pas une différence de qualité pour une différence de quantité. » Nem Pavlov poderá lhe ajudar!

SALTO QUÂNTICO (NÃO-QUANTITATIVO!): « il peut penser à un chien sans le voir, entendre parler d’une action sans l’exécuter; mais si on insiste, si on commande plus longtemps, l’idée devient hallucination et action. C’est qu’au début elle devait être faible et qu’elle est maintenant plus forte. Je pense au contraire que cette différence dans les résultats est due à ce que l’idée est maintenant toute différente. Les théories psychologiques qui assimilent à juste titre l’image et la sensation ne sont vraies que pour les phénomènes simples »

« L’idée d’un chien peut n’être qu’un rapport abstrait entre diverses images ou divers caractères; elle peut être un simple mot de nature différente suivant les personnes, ou n’être qu’une image très vague de couleur uniforme, en un mot quelque chose de très simple. La sensation réelle ou l’hallucination d’un chien est un ensemble d’images visuelles, tactiles, auditives même, très variées. Pour passer de l’une à l’autre, il faut, non pas renforcer, mais compléter l’image. » 

« En un mot, considérez en fait les gens suggestibles et vous les trouverez faibles, hypo-excités, si l’on peut ainsi dire, et non hyperexcités. » « la suggestibilité serait plutôt une preuve de la faiblesse que de la force des phénomènes psychologiques. »

3.4 L’AMNÉSIE ET LA DISTRACTION

« C’est la théorie exprimée déjà à plusieurs reprises par M. Richet qui nous paraît avoir le plus de vraisemblance et à laquelle nos propres expériences nous poussent à nous rallier. » « elles ont d’abord perdu la notion de leur ancienne existence, puis elles vivent, parlent, pensent absolument comme le type qu’on leur a présenté. »

« pour entraver un sentiment, un autre plus fort doit prendre naissance. »

« une amnésie considérable accompagne toujours les actes accomplis par suggestion. »

ADMINISTRAÇÃO DA ENERGIA: « Il faut reconnaître, ici encore, l’existence d’une seconde espèce d’anesthésie moins connue, mais dont l’importance psychologique est très grande. Un individu qui a une sensibilité normale est capable non seulement d’exercer tous ses sens successivement, mais, en outre, dans une certaine mesure, d’apprécier diverses sensations simultanément. Placé dans une réunion de plusieurs personnes, il peut suivre une conversation particulière, et entendre cependant une question qu’on lui adresse derrière lui, voir une personne nouvelle qui entre et se retourner à propos. Ce sont là des choses fort simples dont les personnes au tempérament suggestible sont complètement incapables. Si elles regardent une personne et lui parlent, elles n’entendent plus et même ne voient plus les autres. »

« Que Léonie tricote ou qu’elle écrive, c’est toujours avec la même tension d’esprit apparente ; on peut ouvrir la porte, lui toucher les bras ou la figure, lui parler sans qu’elle s’en aperçoive. Chose plus singulière, elle a sous les seins et sur l’ongle du pouce des points hyperesthésiés et hystérogènes dont le simple frôlement provoque des cris de douleur et même des convulsions. Quand elle est ainsi occupée par un travail ou par une simple conversation, je puis frapper sur sa poitrine ou sur son pouce sans qu’elle dise mot. »

« C’est un état exagéré de distraction, qui n’est pas momentané et ne résulte pas d’une attention volontaire dirigée uniquement dans un sens ; c’est un état de distraction naturelle et perpétuelle qui empêche ces personnes d’apprécier aucune autre sensation en dehors de celle qui occupe actuellement leur esprit. » « Elle se figure que les gens sont sortis dès qu’elle cesse de leur parler, et, quand on la force à faire de nouveau attention à eux, elle dit: ‘Tiens, vous êtes donc rentré ?’ » « Elle commence par me dire qu’elle ne veut causer qu’avec moi et qu’elle ne me quittera pas. Je la fais causer avec une autre personne et je cesse de lui parler, alors elle m’oublie complètement et, quand cette personne sort, elle veut la suivre comme s’il n’y avait plus qu’elle au monde. Il n’est pas plus difficile de comprendre maintenant pourquoi Léonie, quand je lui parle d’une princesse, a oublié sa situation de paysanne »

« De même que l’anesthésie tactile générale enlève tous les souvenirs liés au sens tactile, de même cette anesthésie, variable et momentanée pour certains objets que cause la distraction, enlève momentanément tous les souvenirs qui sont liés à la sensation de ces objets. »

« On sait les sottises que nous pouvons commettre dans un instant de distraction ; eh bien, si l’on tient compte des conditions de sa production, un acte suggéré qu’exécute le sujet est l’idéal de la distraction. »

3.5 LE RÉTRÉCISSEMENT DU CHAMP DE LA CONSCIENCE

« Les phénomènes qui font l’objet de la physiologie, écrivait Herbert Spencer, se présentent sous la forme d’un nombre immense de séries réunies ensemble. Ceux qui font l’objet de la psychologie ne se présentent que sous la forme d’une simple série. »

SENHOR K: « Sans doute, nous avons bien l’idée de la coexistence et même la notion des objets disséminés dans l’espace; mais cette notion, loin d’être primitive, serait dérivée de la notion de succession et de l’idée du temps. » Dê um chute no bordão (sociologuês)!

« depuis Stuart Mill, l’école anglaise s’est attachée à démontrer que ‘le temps est père de l’espace’. Si l’on adopte entièrement cette opinion, comme semble le faire Taine qui regarde la conscience comme un centre inétendu, une sorte de point mathématique, on trouvera peut-être singulier de parler encore du nombre des phénomènes psychologiques dans la conscience à un moment donné »

RELATIVITÉ AVANT LA LETTRE : « ainsi que l’ont montré les beaux travaux de Wundt et de ses élèves sur la durée des phénomènes psychiques, ces phénomènes ne se succèdent pas toujours avec la même rapidité, et 2 individus pourraient encore, dans un temps donné, présenter une quantité très différente d’images mentales. »

« Il ne nous parait guère possible, malgré les démonstrations curieuses données par les psychologues anglais, de faire sortir la notion d’espace de la notion de temps et le rapport de coexistence du rapport de succession. L’idée d’espace, qui est une idée originale, dérive en réalité de la sensation d’étendue que nous procure la coexistence réelle d’un grand nombre de sensations simultanées du sens de la vue ou du sens tactile (Voir Rabier, Leçons de philosophie, I). [de novo citação de um Rabier que sequer podemos encontrar na internet…] D’autre part, l’observation de nous-même ne nous montre pas la conscience ainsi réduite à l’unité. Pendant que j’écris cette page et que je pense aux différentes opinions des philosophes sur l’étendue de la conscience, je vois mon papier, ma lumière, ma chambre et j’entends en même temps le bruit sourd d’un concert dans la maison voisine, ce qui ne laisse pas de me causer une impression désagréable. » « D’ailleurs est-il possible qu’il en soit autrement ? Un seul acte, celui d’écrire, ne demande-t-il pas plusieurs phénomènes conscients, la vue du papier, de la plume, des traits noirs, l’image sonore ou musculaire des mots, l’expression parlée des idées, etc. Si je n’avais en tête qu’une seule image, je l’exprimerais sans doute parfaitement, car elle serait traduite par tout mon corps, mais je ne bougerais plus, je ne penserais plus, je deviendrais une statue, comme les cataleptiques que nous avons étudiées. »

« Mais la vie ordinaire de la pensée ne tombe pas si bas et ne s’élève pas si haut : elle se maintient à une hauteur moyenne à laquelle les images présentées à l’esprit sont nombreuses et où leur systématisation est loin d’être complète. »

« ce petit groupe de phénomènes mieux connus que les autres, c’est la part de l’attention, de l’aperception, comme dirait Wundt après Leibniz, qui ne s’étend pas aussi loin que la conscience elle-même. » « Spencer nous fournit même un terme excellent, très précis et très utile que nous conserverons : l’aire ou le champ de la conscience. »

PONTO DE VISTA, PONTO DE MENTE: « Ne pourrait-on pas appeler de même champ de la conscience ou étendue maximum de la conscience, le nombre le plus grand de phénomènes simples ou relativement simples qui peuvent se présenter à la fois dans une même conscience, en réservant, comme le propose Wundt, le terme de ‘point de regard interne’ pour cette partie des phénomènes de la conscience vers laquelle est dirigée l’attention ? Il serait, je crois, de la plus haute importance pour la psychologie expérimentale de pouvoir déterminer, ne fût-ce que d’une manière approximative, le champ de la conscience, comme on mesure le champ visuel avec un campimètre ou un périmètre. Wundt est le seul, croyons-nous, qui ait essayé une détermination expérimentale de ce genre (Éléments de psychologie physiologique). Malheureusement, il se sert de procédés et de raisonnements qui ne nous paraissent ni bien clairs, ni bien certains, et il passe très vite sur cette question difficile. Sa conclusion est que ‘nous serons autorisés à considérer 12 représentations simples comme étant l’étendue maximum de la conscience’. »

O QUE É O NÚMERO, SENÃO UMA OUTRA ABSTRAÇÃO PARA TENTAR QUANTIFICAR ABSTRAÇÕES? “Le champ visuel binoculaire, qui n’est cependant qu’une petite partie du champ total de la conscience, renferme évidemment bien plus de 12 phénomènes visuels simultanés; la conscience, qui contient en outre les autres sensations et leurs images, doit en contenir bien davantage. Mais il y a ici une foule de questions à soulever sur le sens même des mots, sur l’idée que l’on se fait d’une représentation simple, qui font de ce problème l’un des plus délicats de la psychologie expérimentale”

« Une hystérique pense peu de choses, mais le peu qu’elle pense, elle ne le connaît pas mieux pour cela, car les sens qui lui restent sont diminués de toute façon et elle n’a que des notions fort confuses des objets même qu’elle regarde. L’anesthésie chez elle, même quand elle est momentanée et due à la distraction, est une perte sans compensation. »

« Les individus dont le champ de la conscience est restreint d’une manière anormale me paraissent former 2 groupes : ce sont des malades ou des enfants. » « l’hypnotisme, pour amener l’état somnambulique, doit déranger l’orientation actuelle de la pensée pour lui en substituer une autre. Or, les enfants, heureusement, n’ont pas d’ordinaire l’instabilité mentale et les anesthésie qui permettent ce bouleversement. Un somnambulisme véritable se produisant facilement chez un enfant me paraîtrait la marque d’une tare héréditaire et d’une névrose commençante. »

« Rien n’est plus curieux en effet que de voir des femmes de 30 ans, sérieuses et froides à l’état de veille, prendre, une fois en somnambulisme, des airs de bébés, gesticuler, jouer sans cesse, rire à tout propos, parler en zézayant, réclamer des petits noms comme Nichette ou Lili, et en réalité prendre toutes les allures de très jeunes enfants. »

3.6 INTERPRÉTATION DES PHÉNOMÈNES DE SUGGESTION. – LE RÈGNE DES PERCEPTIONS.

« Un médecin du XVIIIe siècle, précurseur à certains points de vue de Maine de Biran, Rey Régis,¹ disait déjà que le mouvement des membres peut être déterminé par 3 choses : par la volonté, par la pensée, par la passion. ‘Cette doctrine d’une détermination immédiate de la faculté motrice par la pensée sans l’intermédiaire de la volonté est une de celles par lesquelles Rey Régis se distingue de Maine de Biran et va rejoindre la psychologie anglaise de nos jours,’ ‘Penser, disait en effet Bain, c’est se retenir de parler et d’agir.’ Cela est juste pour nous qui pouvons nous retenir, mais, pour les individus que nous décrivons, penser c’est parler et agir. »

¹ Totalmente ignorado hoje.

« Quand le champ de la conscience est aussi restreint que possible et ne renferme plus qu’un seul phénomène à la fois, ce fait se présente sous forme de sensation ou d’image, et, en étudiant les actions des individus cataleptiques, nous ne pouvions voir que l’automatisme des images. Mais dès que le champ de la conscience est un peu plus étendu, chaque sensation ne reste plus isolée, elle est accompagnée de nombreuses images accessoires et interprétatives qui permettent la formation de l’idée du moi, de l’idée du monde extérieur et du langage (…) nous pouvons nous rendre compte de l’automatisme des perceptions. »

« Une perception, comme une émotion, mais avec un degré de complexité bien plus grand, est une synthèse, une réunion d’un très grand nombre d’images. (…) Nous savons déjà, par nos études sur les émotions et sur les mémoires, que de pareils systèmes sont durables et tendent à se conserver le plus longtemps possible. »

« il suffit de montrer : 1° comment cet automatisme des perceptions ressemble au mécanisme des sensations et des émotions, et 2° par quels traits, grâce à sa complexité plus grande, il en diffère. »

« Le développement automatique des perceptions amène un phénomène nouveau, celui de l’hallucination, qui semble demander une explication particulière. » « Si j’osais faire une semblable comparaison, je dirais que les cataleptiques ressemblent à ces canards sans cerveau que M. Richet a eu l’obligeance de me montrer dans son laboratoire. Au premier abord, les canards sans cerveau ne se distinguaient pas des autres, ils fuyaient en criant et en écartant les ailes comme leurs camarades; mais quand toute la bande était arrivée contre un mur, leur infériorité éclatait ; tandis que les canards au cerveau intact se dispersaient à droite et à gauche, les canards sans cerveau se heurtaient du bec contre la muraille et ne bougeaient plus. » « Malheureusement la plupart, à mon avis du moins, se contentent de quelques termes scientifiques récoltés au hasard et croient avoir tout dit quand ils ont parlé d’une crise de nerfs à 4 phases et d’une héroïne hémi-anesthésique. »

« M. Richet demandait à une somnambule l’heure où une chose était arrivée : ‘Attendez, disait-elle… je ne vois pas’ ; puis elle dit: ‘Je sais maintenant.’ Elle voyait devant elle un cadran dont les aiguilles marquaient l’heure. Une pensée qui se présente avec cette vivacité ne peut guère être hésitante et variable comme la nôtre. ‘Je l’ai vu, de mes propres yeux vu,’ disons-nous quand nous sommes certains »

« Tout fantôme interne renferme une conception affirmative » Taine

« Sainte Thérèse a décrit d’une manière bien précise cet état d’esprit qu’elle devait connaître : ‘Je connais, dit elle, des personnes dont l’esprit est si faible qu’elles s’imaginent voir tout ce qu’elles pensent. Cet état est bien dangereux.’ » (Grande ironia.)

« quand je veux modifier une conviction de Léonie, j’obtiens toujours cette réponse qui, au fond, est pleine de bon sens : ‘Je vois que cela est ainsi, pourquoi voulez-vous que je ne croie pas que cela est? vous croyez bien, vous, ce que vous voyez . . . Vous ne voyez pas la même chose que moi . . . que voulez-vous que j’y fasse ? c’est que vous ne savez pas voir, tant pis pour vous.’ N’est-ce pas ainsi que parlent les croyants dans les religions : ‘Vous ne comprenez pas cela . . . c’est que vous n’avez pas la foi, c’est un sens qui vous manque ; mais moi je sens, je vois… donc je crois.’ Et cette conviction pourra devenir l’origine de tous les dévouements et de tous les fanatismes. » « Le plus invraisemblable exemple que j’aie vu de cette crédulité est le suivant: une hystérique entend dire dans sa jeunesse, par un maladroit, que les femmes atteintes de sa maladie mouraient à la ménopause. Vingt ans plus tard, au moment des premières manifestations de l’âge critique, elle se prépare à mourir, étouffe et serait peut-être morte, si nous n’avions fini par découvrir son secret et par lui modifier, non sans peine, sa conviction. »

CRIANCINHAS PREGADORAS: « ‘On ne me guérira pas; ce n’est pas une maladie que j’ai, je suis ensorcelée par ce vieux sorcier que j’ai fâché contre moi ; il n’y a rien à faire.’ Je lui fis avouer cette singulière histoire; je parvins avec bien des difficultés à lui enlever cette conviction vraiment délirante, et je n’eus plus de peine à supprimer la paraplégie. Mais laissons de côté ces cas extrêmes où la crédulité a des conséquences dramatiques ; constatons d’une manière générale que les hystériques éveillées ou endormies, peu importe, sont comme les petits enfants, qu’elles n’ont point besoin de pratiques hypnotiques pour être convaincues et qu’elles croient tout ce qui frappe leur esprit. »

« aussitôt une idée conçue, il faut l’exécuter, et le mouvement est accompli comme par une décharge convulsive. » « Des exemples nombreux sont inutiles ; il faudrait citer toute la vie et toutes les actions, car on retrouve toujours ce même caractère de précipitation irraisonnée. » « L’insouciance des femmes hystériques est invraisemblable et elle se retrouve dans la conduite de tous les êtres faibles ou dégradés. »

« Un malheureux imagina de se jeter sous les roues d’une locomotive ; l’instantanéité de ce nouveau genre de suicide a aussitôt donné l’éveil à ceux qui aspirent à déserter la vie, et les imitateurs sont venus maculer de leur sang les roues de la lourde machine. » Legrand du Saulle

« et, pendant toute une période, les assassinats seront du même genre et les cadavres seront mutilés de la même manière. »

« Les maladies nerveuses acquises par imitation, le somnambulisme naturel produit par la lecture de l’histoire du somnambule Caselli, les épidémies démonopathiques, le mal des Andous en Belgique,¹ les possessions du monastère de Kérndrep, de Loudun, de Morzine, sont des faits trop connus pour que j’y insiste. »

¹ Descrito por Esquirol.

« Trois hystériques étaient dans la même salle de l’hôpital et, comme cela arrive souvent, ne s’aimaient guère et affectaient des manières toutes différentes, pendant leur état normal ; mais, quand elles étaient en crise, elles se copiaient si bien qu’elles avaient le même délire et prononçaient exactement les mêmes paroles. »

« L’ivresse du haschich ressemble d’ailleurs, dit M. Richet, à l’état hystérique et on y trouve la même exaggération du sentiment et la même impuissance de la volonté. Toutes les idées se traduisent sans que nous puissions les empêcher. »

« Il ne faut pas chercher à consoler une hystérique, comme l’on ferait pour une personne ordinaire, en lui parlant de l’objet de son chagrin et en lui montrant qu’il est futile. Non, si on parle de l’objet qui a causé leur colère ou leur désespoir, de quelque manière qu’on en parle, on augmente leurs cris et leurs larmes. Il faut tout simplement, sans aucun art des transitions, parler brusquement de tout autre chose : elles restent un moment interloquées, hésitantes; puis, en quelques secondes, se donnent tout entières au nouveau sujet et rient avec gaieté quand elles ont encore les larmes dans les yeux. » « Dès que sa figure s’attristait et qu’elle commençait à crier : ‘Oh! ma pauvre petite’, de suite, je lui parlais brusquement d’autre chose, elle se mettait à rire et c’était fini. »

« elle ne crie pas parce qu’elle souffre réellement, ici je crois qu’elle ne sentait rien, mais parce qu’elle doit souffrir. Une idée plus ou moins vague de la souffrance, peut-être avec une image hallucinatoire très faible d’une douleur ancienne, voilà tout ce qu’il y avait au-dessous de ces grands cris et de ce désespoir. »

« Un psychologue américain dont le nom est bien connu, M. William James, a soutenu une théorie très séduisante sur l’origine des émotions (What is an emotion). D’après lui, c’est un tort de dire avec le sens commun : Nous perdons notre fortune > nous sommes chagrins > nous pleurons. ‘Cet ordre n’est pas correct, le second état mental n’est pas immédiatement introduit par le premier, les manifestations physiques doivent être interposées entre eux. L’ordre rationnel est que nous nous sentons chagrins parce que nous pleurons, colères parce que nous frappons, etc.’ »

SÍNTESE PERFEITA DO AUTOMATISMO PSICOLÓGICO: « L’auteur en concluait qu’un individu totalement insensible ne devrait pas avoir conscience de ces changements organiques et par conséquent ne plus éprouver d’émotions, et il m’écrivit à ce sujet quand, dans mes premières études, j’avais signalé Lucie comme anesthésique totale. Je lui répondis que les hystériques me semblaient assez mal choisies pour vérifier cette théorie, d’abord parce que leur anesthésie n’était pas bien réelle, ensuite parce qu’elles étaient au contraire très émotionnables. Il m’a semblé depuis que ces observations étaient en réalité plus favorables à l’opinion de M. William James, mais d’une autre manière qu’il ne le croyait lui-même. L’émotion n’est pas supprimée chez l’hystérique par son anesthésie ; car, si elle ne sent pas les modifications de sa peau, elle voit ses propres mouvements et entend ses cris; mais elle semble être produite chez elle et entretenue par l’exagération même des manifestations. »

« Oh ! comme je crie bien, pourrait dire Lucie ; je dois être bien en colère, donc je le suis. »

« Sur une quinzaine de personnes que j’ai étudiées et qui, certes, n’étaient pas parfaites, je n’en ai guère rencontré qu’une, chez qui l’habitude du mensonge fût véritablement curieuse. Lorsque ce caractère existe, et, comme je viens de le dire, il se rencontre, il ne faut pas s’indigner, ce qui est ici parfaitement déplacé, il vaut mieux chercher à l’expliquer.

Beaucoup de psychologues, qui raisonnaient plus qu’ils n’observaient, ont soutenu que la véracité, l’habitude d’aimer et de dire la vérité, était une chose naturelle à l’homme qui se retrouvait constamment, lorsque l’esprit humain était observé dans toute sa candeur primitive, chez l’enfant et chez le sauvage. Je ne parlerai pas du sauvage que je ne connais pas, mais je remarquerai que les enfants, à moins d’être de petits prodiges, sont loin de dire toujours scrupuleusement la vérité, qu’ils embellissent leurs récits, et qu’ils savent mentir aussitôt qu’ils savent parler. »

« L’esprit de vérité et l’esprit scientifique sont 2 choses analogues, et celui qui ne comprend pas l’intérêt qu’il y a à savoir ce qui est, ne sent pas l’importance qu’il y a à dire ce qui est. » « Or, l’esprit de l’hystérique est justement, par la perte de plusieurs sens et par le rétrécissement de la conscience, un esprit rudimentaire ; elle ne comprend rien à la science et ne s’imagine pas que l’on puisse s’y intéresser; elle dit ce qui lui vient à l’esprit, sans autre préoccupation. »

« L’idée du bien, l’idée du devoir sont des rapports abstraits, des jugements, de véritables découvertes ; pour les concevoir, il faut réunir dans une même pensée un très grand nombre de termes en apparence étrangers : l’idée de l’acte présent, de ses conséquences futures même lointaines, la pensée des autres hommes, de leur ressemblance avec nous-mêmes, de leurs droits, etc. »

« Ils sont égoïstes, vaniteux, jaloux, car ce sont leurs principaux vices, mais ils ne peuvent pas être autrement; la force de leur esprit est devenue suffisante pour former l’idée de personnalité et diriger la conduite d’après cette idée ; mais elle ne peut s’élever au delà et donner aux actions des motifs plus généraux. La morale est comme la science »

3.7 CONCLUSION

« Parmi les auteurs qui, de nos jours, ont étudié le phénomène de la suggestion, il en est qui, entraînés par la discussion, semblent avoir élargi démesurément le sens de ce mot. Pour eux, toute action, toute pensée humaine, déterminée et régulière, semble être de la suggestion. Sans doute, ils se servaient surtout de cette expression pour faire comprendre que tous ces états réguliers, tous ces actes déterminés, étaient dus avant tout à des causes psychologiques et non à des causes physiques : en cela ils avaient complètement raison, et ils ont contribué à rendre à la conscience l’importance qu’elle doit avoir dans l’explication de la personne humaine. Mais, cela une fois admis, il faut pourtant constater que tous les phénomènes psychologiques ne sont pas identiques et qu’il n’y a aucun avantage à remplacer les anciens mots connus de mémoire, émotion, association des idées, par ce mot nouveau de suggestion, comme si tous ces phénomènes venaient d’être découverts. Pour nous, la suggestion désigne un automatisme d’un genre particulier, celui auquel donnent naissance le langage, et en général les perceptions. »

« Cette synthèse [linguagem + percepção] une fois faite, puisque nous n’avons pas à nous occuper, dans ce travail, de l’activité qui a présidé à sa formation, se conserve; lorsqu’un de ses termes est donné, la perception totale qui est commencée se complète et amène les autres images qui la constituent. Par des lois, sur lesquelles nous n’avons pas à revenir, ces images successives forment des hallucinations, des croyances et des actes. Cela était déjà contenu dans l’automatisme des sensations et dans celui de la mémoire, il est tout naturel que ce même caractère se retrouve dans l’automatisme des perceptions. »

« l’automatisme des perceptions, fondement de la suggestion, est le résultat d’une activité ancienne qui continue à agir de la même façon, mais qu’elle est en opposition avec l’activité actuelle de la pensée. Plus celle-ci se développe, plus elle est capable de faire des combinaisons nouvelles avec les éléments plus nombreux qui sont apportés à la conscience, plus l’automatisme est réduit. »

« Aussi ne pouvons-nous pas pousser plus loin notre étude dans la direction que nous avons suivie jusqu’à présent : en passant des phénomènes conscients les plus simples aux plus complexes, nous avons vu l’automatisme décroître de plus en plus. Il nous faut maintenant passer à un autre point de vue et voir si cette activité régulière et déterminée ne se dissimule pas et n’existe pas sous une autre forme quand elle paraît avoir disparu de la conscience. »

DEUXIÈME PARTIE. AUTOMATISME PARTIEL

1. LES ACTES SUBCONSCIENTS

« La psychologie ne peut pas se constituer si elle reste incomplète et si elle néglige des phénomènes dont la connaissance est nécessaire pour expliquer les problèmes qu’elle pose. » « Ce n’est donc pas une nouvelle recherche que nous entreprenons, c’est une application particulière de nos études précédentes à des circonstances nouvelles. »

1.1 LES CATALEPSIES PARTIELLES

« on entend par acte inconscient une action ayant tous les caractères d’un fait psychologique sauf un, c’est qu’elle est toujours ignorée par la personne même qui l’exécute au moment même où elle l’exécute. » « Nous ne considérons donc pas comme acte inconscient l’action qu’une personne oublie immédiatement après l’avoir faite, mais qu’elle connaissait et décrivait pendant qu’elle l’accomplissait. »

« C’est un cas analogue à ceux que nous avons longuement étudiés en parlant de la catalepsie, nous n’y reviendrons plus maintenant. Tantôt, au contraire, l’individu conserve la conscience claire de tous les autres phénomènes psychologiques, sauf d’un certain acte qu’il exécute sans le savoir. L’individu parle alors avec facilité, mais d’autres choses que de son action; nous pouvons alors vérifier, et il le peut lui-même, qu’il ignore entièrement l’action que ses mains accomplissent. C’est cette forme d’inconscience particulière qu’il nous semble maintenant très important de bien comprendre. »

« On connaît la doctrine des petites perceptions ou perceptions sourdes de Lebniz. »

« J’accorde aux cartésiens que l’âme pense toujours actuellement; mais je n’accorde point qu’elle s’aperçoit de toutes ses pensées, car nos grandes perceptions et nos grands appétits dont nous nous apercevons sont composés d’une infinité de petites perceptions et de petites inclinations dont on ne saurait s’apercevoir. Et c’est dans ces perceptions insensibles que se trouve la raison de ce qui se passe en nous, comme la raison de ce qui se passe dans les corps sensibles consiste dans les mouvements insensibles. »

« Ainsi, il est bon de faire distinction entre la perception qui est l’état intérieur de la monade représentant les choses externes [imediata, ‘irracional’] et l’aperception qui est la concience ou la connaissance réfléchie de cet état intérieur, [mediata] laquelle n’est point donnée à toutes les âmes ni toujours à la même âme. »

Principes de la natur et de la grâce

« En écartant ce qu’il y a d’absolu dans le système de Leibniz, on conçoit que les affections propres aux monades composantes ou éléments sensibles peuvent avoir lieu sans être représentées ou aperçues par la monade centrale qui fait le moi, ou le principe d’unité. »

Maine de Biran, sempre ele!

« Tous ces philosophes n’ont parlé des phénomènes inconscients que d’une manière théorique; ils ont montré que, d’après leurs systèmes, de pareils faits étaient possibles ; tout au plus ont-ils essayé d’interpréter dans ce sens quelques faits d’observation journalière. »

« Il arrive souvent que la bouche des orateurs prononce une suite de paroles indépendantes de leur volonté, en sorte qu’ils s’écoutent eux-mêmes comme les assistants et qu’ils n’ont connaissance de ce qu’ils disent qu’à mesure qu’ils le prononcent. »

Carré de Montgeron¹ apud Bérillon

¹ Jurista sem bibliografia conhecida

« Il faut le reconnaître, ce sont les adeptes d’une des plus curieuses superstitions de notre époque, les spirites, qui, en faisant tourner les tables vers 1850 et en interrogeant les esprits, ont le plus attiré l’attention sur les phénomènes inconscients. Ils les ont observés et même produits dans toutes leurs variétés ; mais la façon dont ils les expliquent est si étrange, leurs descriptions sont tellement altérées par leur enthousiasme religieux que l’on ne peut prendre leurs études sur l’inconscient comme le point de départ d’un travail. Il sera plus naturel de revenir à leurs descriptions quand nous aurons observé assez de choses pour pouvoir les comprendre et quelquefois les expliquer. Mais le problème soulevé par eux fut étudié avec plus de précision dans les travaux de Faraday et de Chevreul,(*) 1854, qui, les premiers, montrèrent l’intervention de véritables phénomènes psychologiques inconcients.

(*) Chevreul. Lettre à M. Ampère sur une classe particulière de mouvetnents musculaires. Revue des Deux-Mondes, 1833. De la baguette divinatoire, du pendule dit explorateur et des tables tournantes, au point de vue de l’histoire, de la critique et de la méthode expérimentale. 1854. »

« Les actes inconscients les plus simples de tous ont été désignés par Lasègue,(*) qui les signala le premier, sous le nom de catalepsies partielles, expression fort juste et que nous conserverons.

(*) Études médicales, II. »

« des somnambules gardent leur bras étendu sans paraitre s’en apercevoir (Liébault) »

« On voit donc que tous les phénomènes de la catalepsie peuvent exister partiellement, tandis que la conscience ordinaire du sujet semble, d’autre part, rester intacte. »

« Les mots conscience et inconscience sont pris tantôt dans un sens relatif et tantôt dans un sens absolu. On dira, par exemple, qu’un phénomène est inconscient pour exprimer l’idée que le moi n’en a pas conscience, mais sans affirmer par là que le phénomène n’est pas conscient en lui-même et pour son propre compte. La physiologie tend à établir qu’il s’accomplit ainsi, dans l’organisme humain, un nombre immense de faits de conscience qui sont, pour le moi, comme s’ils appartenaient à d’autres personnes et, même avec ce désavantage en plus, qu’ils ne se trouvent pas en rapport avec des facultés d’expression. »

Dumont,¹ Sensibilité

¹ Há um médico francês do XIX, Édouard Denis-Dumont, mas ele não escreveu essa obra. Este outro permanece ignoto.

« Les catalepsies partielles nous montrent le premier germe des consciences partielles que nous verrons grandir et se préciser dans nos autres études. »

1.2 LA DISTRACTION ET LES ACTES SUBCONSCIENTS

« nous sommes plutôt, comme nous le verrons, en présence d’un somnambulisme partiel, où les actes sont déterminés par des perceptions intelligentes. Le sujet ne répète pas les paroles, il les interprète et les exécute » « Ce genre d’écriture est connu sous le nom d’écriture automatique, expression assez juste si l’on veut dire qu’elle est le résultat du développement régulier de certains phénomènes psychologiques, mais par laquelle il ne faut pas entendre, je crois, que cette écriture n’est accompagnée d’aucune espèce de conscience. »

1.3 LES SUGGESTIONS POSTHYPNOTIQUES. HISTORIQUE ET DESCRIPTION.

« Puisque, dès cette époque (1823), la suggestion posthypnotique était ainsi connue et utilisée, il n’est pas surprenant que tous les écrivains postérieurs nous donnent des exemples très nets et très curieux de ce phénomène. »

« Cependant, tel était, à cette époque, le mépris puéril que l’on affectait pour le magnétisme animal que toutes ces descriptions psychologiques furent complètement oubliées et l’on crut véritablement à une découverte toute récente quand M. Richet publia en 1875 ses observations sur quelques suggestions exécutées après le réveil. On eut de la peine à croire qu’une femme, ayant oublié tout ce qu’on lui avait dit pendant le somnambulisme, pût cependant revenir au bout de 8 jours à l’heure dite sans savoir pourquoi. Mais, en 1823, Bertrand considérait déjà cette expérience comme banale. »

1.4 EXÉCUTION DES SUGGESTIONS PENDANT UN NOUVEL ÉTAT SOMNAMBULIQUE

« Son oeil droit (elle était alors complètement aveugle de l’oeil gauche) a, pendant la veille une acuité visuelle très faible, 1/8 du tableau de Wecker ; pendant le somnambulisme, si on lui fait ouvrir les yeux, l’acuité visuelle de l’oeil droit monte toujours sans aucune suggestion à ¼ ou 1/3. »

1.5 EXÉCUTION SUBCONSCIENTE DES SUGGESTIONS POSTHYPNOTIQUES

« J’admets que ces souvenirs ignorés, comme les appelle M. Richet, puissent se réveiller à une époque quelconque, suivant telle ou telle circonstance. Je comprendrais encore le retour même à une époque fixe de ces images et de ces actes qui en sont la suite, si l’opérateur les associait à l’apparition d’une sensation vive ; par exemple, ‘le jour où vous verrez M. un tel, vous l’embrasserez’, la vue de M. un tel devant servir de stimulant au réveil de l’idée. Mais ce que je ne comprends absolument pas, c’est le réveil à jour fixe sans aucun point de rattache que la numération du temps, par exemple, dans 13 jours. Treize jours ne représentent pas une sensation ; c’est une abstraction. Pour rendre compte de ces faits, il faut supposer une faculté inconsciente de mesurer le temps ; or, c’est là une faculté inconnue. »

Paul Janet

« l’intelligence peut travailler en dehors du moi et, puisqu’elle travaille, elle peut mesurer le temps ; c’est une opération évidemment plus simple que de trouver un nom, de faire des vers, de résoudre un problème de géométrie, toutes choses qu’elle peut accomplir sans que le moi y participe. »

Richet

« Nous avons ici, non pas une association, c’est-à-dire une pure possibilité persistant à l’état latent, mais de véritables phénomènes psychologiques, des remarques, des comptes, en un mot des jugements persistant pendant 13 jours dans la tète d’un individu, sans qu’il en ait conscience : un jugement inconscient est tout autre chose qu’une association latente. »

« La somnambule avait aussi dû compter, car je m’appliquais à faire les coups égaux et le 12e ne se distinguait pas des précédents; mais, au lieu de compter des jours, ce qui avait fait croire à une mesure de temps, elle avait compté des bruits. » « Le tout s’exécute presque sans erreur, sauf quand l’opération devient trop compliquée et ne pourrait plus être faite de tête. »

HAJA PAPEL: « L’écriture de ces lettres est intéressante ; elle est analogue à l’écriture normale de Lucie, mais non identique ; c’est une écriture penchée et très lâche ; les mots ont une tendance à s’allonger indéfiniment. M. Ch. Richet, à qui j’ai montré ces fragments d’écriture automatique, m’a appris que ce caractère était fréquent dans les écritures de médiums dont nous parlerons plus tard et que, dans leurs lettres, souvent un mot remplissait toute une ligne. »

« La formation d’une plaque rouge sur la peau en forme d’une étoile, qu’elle ait lieu après le réveil ou pendant le somnambulisme comme précédemment, ne peut également s’expliquer que par une pensée. Il ne suffit pas de dire que cette rougeur est due à l’excitation d’un nerf vaso-moteur, car il n’y a pas de nerf qui se distribue précisément à cet endroit sous forme d’une étoile à 6 branches. C’est une excitation partielle et systématique de plusieurs nerfs que je ne puis comprendre sans l’intervention d’une pensée qui coordonne ces excitations. Pendant le somnambulisme, le sujet exprimait directement cette pensée et nous disait : ‘J’ai tout le temps pensé à votre sinapisme.’ Maintenant qu’il est réveillé aussitôt après la suggestion, il semble n’y plus penser et n’a conscience de rien, mais quelque chose doit y penser en lui de la même manière quoique à son insu. On voit quelquefois cette pensée thérapeutique se manifester par des actes subconscients. »

1.6 CONCLUSION

« or, l’étude des actes est propre à révéler une conscience, mais non à l’expliquer. Il faut, pour comprendre cette nouvelle pensée, étudier les sensations ou les images qu’elle renferme et joindre à l’étude des actes subconscients celle des sensibilités subconscientes. »

2. LES ANESTHÉSIES ET LES EXISTENCES PSYCHOLOGIQUES SIMULTANÉES

2.1 LES ANESTHÉSIES SYSTÉMATISÉES – HISTORIQUE

« suggestion d’hallucination négative ou suggestion d’anesthésie systématisée. (…) En effet, grâce à la suggestion, on peut interdire une chose à une somnambule, aussi facilement que l’on peut lui en commander une, et, lorsque l’interdiction porte sur les sensations, elle peut produire une surdité ou une cécité artificielle, comme le commandement positif amenait une hallucination. »

« On profite souvent de l’heure du somnambulisme pour faire prendre au malade un remède pour lequel il a de la répugnance. J’ai vu une dame qui avait de l’horreur pour les sangsues s’en faire appliquer aux pieds pendant le somnambulisme et dire à son magnétiseur : ‘Défendez-moi maintenant de regarder mes pieds, quand je serai éveillée.’ En effet, elle ne s’est jamais doutée qu’on lui eût posé des sangsues. »

Deleuze, Instruction pratique

« On a vivement reproché à M. Bernheim le nom qu’il a choisi pour désigner ce fait. Ce n’est pas là une hallucination, dit-on, mais la suppression de la perception d’un objet déterminé qui laisse intacte la perception d’un autre objet… » « Sans doute, le fait en question se rapproche plutôt des anesthésies que des hallucinations, et il est, comme nous le verrons, de la même nature que les paralysies ; les 2 mots hallucination négative forment aussi une association assez incorrecte ; à moins d’appeler l’anesthésie générale une hallucination négative totale, ce qui n’est pas l’habitude, il semble plus naturel de désigner ce fait par l’expression d’anesthésie systématisée, que MM. Binet et Féré ont adoptée. »

« Si on a suggéré à une somnambule qu’une personne, M. X…, avait disparu, la somnambule ne peut plus le voir à quelque endroit de la chambre qu’il se tienne; mais si on ajoute un objet sur M. X…, un chapeau par exemple, comme il n’est pas compris dans la suggestion, ce chapeau reste visible et paraît alors se tenir en l’air. Au contraire, si M. X… tire un mouchoir de sa poche, ce mouchoir reste invisible comme lui. » « J’ai vu une fois une personne qui voyait l’objet à moitié, comme coupé en deux, quand il était tenu à la fois par la personne invisible et par une personne visible. »

« La personne ou l’objet que l’on a rendu invisible cache réellement les objets qu’il recouvre, mais la somnambule supplée à la vision de ces objets par une hallucination qui les remplace ; c’est d’ailleurs ce que nous faisons journellement pour les objets qui viennent se peindre sur la tache aveugle de la rétine. Cette hallucination peut aller fort loin : j’ai vu une fois un sujet, à qui j’avais suggéré de ne point voir la chambre, la remplacer par l’hallucination d’un autre appartement dont je n’avais pas parlé. »

« L’objet invisible doit être réellement perçu, car il produit quelquefois une image consécutive de couleur complémentaire qui, elle, est visible : fait-on disparaître un papier rouge, la somnambule ne le voit pas, mais, au bout de quelque temps, verra une couleur verdâtre à la même place. Je n’ai pas observé ce phénomène d’une manière assez nette, mais les conditions physiques et morales dont le somnambulisme dépend sont si complexes qu’il ne faut jamais s’étonner de ne pas rencontrer exactement les mêmes phénomènes que d’autres observateurs. »

« Il y a toujours un raisonnement inconscient qui précède, prépare et guide le phénomène d’anesthésie. »

Binet et Féré

« réveillée, la somnambule ne se souvient plus de ce qu’on lui a commandé, elle ne sait pas qu’il y a un objet qu’elle ne doit pas voir, ni quel est cet objet. »

« Il me semble qu’il y a quelque analogie entre cette question et l’un des problèmes que nous avons étudiés dans le chapitre précédent. »

2.2 PERSISTANCE DE LA SENSATION MALGRÉ L’ANESTHÉSIE SYSTÉMATISÉE

« Cet objet qui parait invisible est donc vu. Cela est vraisemblable ; mais nous savons, et nous ne sommes pas le seul à le constater, que le sujet est sincère quand il dit qu’il ne le voit pas. La vision de ces objets doit être du même genre, du même niveau que les actes subconscients dont nous parlions tout à l’heure. »

« Lucie ne voyait aucunement l’objet supprimé ; mais le groupe des phénomènes subconscients, que nous ne savons pas encore désigner autrement, répondait par l’écriture automatique qu’il les voyait parfaitement. »

« Cette répartition intelligente de l’anesthésie de manière à dessiner un cercle ou une étoile ne peut se faire que par une idée consciente. Pour me répondre correctement quand je l’interroge en piquant son bras, il faut que le sujet sache, même sans regarder, quand ma piqûre entre dans le cercle ; il faut donc qu’il la sente. Aussi ne serons-nous pas surpris que l’inconscient nous réponde par écriture automatique qu’il sent très bien ce que nous faisons et qu’il distingue une piqûre, un attouchement, un objet chaud ou froid même sur cette plaque anesthésiée.

Ayant ainsi déterminé l’existence d’une sorte de conscience nouvelle pendant les anesthésies systématisées, j’ai voulu examiner l’étendue de cette conscience, c’est-à-dire le nombre des phénomènes qu’elle pouvait contenir. »

« Ainsi tous les papiers ont été vus, et remis, mais les un l’ont été par Lucie et les autres par un personnage au-dessous d’elle qu’elle paraît ignorer, mais ni l’une ni l’autre ne les a vus tous. »

« J’avais remarqué que le personnage secondaire ne se servait pas des yeux pour écrire et qu’en général il ne voyait pas ; je lui suggère de se servir de ses yeux et de voir clair. C’est ce qui a lieu, mais aussitôt Lucie s’écrie : ‘Qu’y a-t-il donc, je ne vois plus’, et je suis obligé de la rendormir pour dissiper son trouble. »

« J’ai dit à Léonie de me faire un pied de nez ; au réveil, elle lève ses mains et les met au bout de son nez sans le savoir ; c’est un acte inconscient, soit, mais elle ne voit pas ses mains qui sont devant ses yeux. »

« Dans la suggestion d’anesthésie systématisée, la sensation n’est pas supprimée et ne peut pas l’être, elle est simplesment déplacée, elle est enlevée à la conscience normale, mais peut être retrouvée comme faisant partie d’un autre groupe de phénomênes, d’une sorte d’autre conscience. »

2.3 ÉLECTIVITÉ OU ESTHÉSIE SYSTÉMATISÉE

« Les somnambules sont toujours ou presque toujours électives, telle est l’observation qui a été faite sans cesse depuis l’époque de Mesmer et de Puységur. On entend par là que, dans cet état particulier du somnambulisme, les sujets ne ressentent pas toutes les sensations indifféremment, mais qu’ils semblent faire un choix parmi les différentes impressions qui tombent sur leurs sens, pour percevoir celles-ci et non point celles-là. La pluplart des sujets une fois endormis entendent très bien leur magnétiseur et causent avec lui, mais paraissent n’entendre aucune autre personne, aucun autre bruit, pas même celui d’un pistolet que l’on tire auprès d’eux, comme dans les expériences de Dupotet. »

« Un bouquet n’a d’odeur que s’il a reçu le souffle du magnétiseur. »

Baréty

« Ce lien entre le sujet et certaines personnes ou certains objets qui lui permet de les sentir à l’exclusion des autres, a reçu le nom de rapport magnétique »

« Léonie en premier somnambulisme ne présente guère ce caractère, elle entend et voit tout le monde ; elle le présente beaucoup plus fortement en 2e somnambulisme, car alors elle n’entend que moi et encore seulement quand je la touche. (…) Marie et Rose sont en général plus électives que Léonie; dès l’instant oú elles s’endorment, elles semblent perdre la notion du monde extérieur pour ne plus voir, entendre ou sentir que celui qui les a endormies. Marie garde seulement pour les autres personnes un peu de sensibilité tactile, si on peut l’appeler ainsi, car elle éprouve un sentiment de souffrance et de répugnance très marqué quand elle est touchée par une personne étrangère non en rapport avec elle. Rose ne sent jamais rien de semblable. Je ne parle pas ici de Lucie, qui était très peu élective et ne me distinguait des autres personnes que pour m’obéir. »

« Quand j’ai endormi fréquemment une personne, aucun autre observateur ne peut se substituer à moi, et je puis facilement la reprendre en ma possession, même si un autre a commencé le somnambulisme. »

« Dans quelques cas plus complexes, on peut établir ce rapport au moyen de la chaîne magnétique, comme disaient les anciens opérateurs. »

SONAMBULISMO NATURAL: « Qui ne connaît la description si souvent citée du somnambule Castelli, qui n’était éclairé que par sa chandelle à lui et qui se croyait dans l’obscurité, quand elle s’éteignait ? Il n’y a pas d’observation plus curieuse et plus complête, à ce point de vue, que celle de l’automate étudié par le Mesnet. »

« Ces phénomènes d’électivité ne diffèrent des anesthésies systématisées qu’en un point, c’est qu’ils sont ou paraissent être inverses. » « esthésie systematisée » « audition latente » etc. « Ainsi, un jeune homme, H…, qui, dans un somnambulisme, avait paru ne pas entendre 2 personnes qui s’efforçaient de lui parler, put me répéter plus tard, sur ma demande, tout ce qu’elles lui avaient dit, en remarquant que, sur le moment, il ne pouvait pas leur répondre. »

« Lucie, qui avait à un si haut degré l’écriture automatique, ne présentait pas d’électivité naturelle. »

2.4 ANESTHÉSIE COMPLÈTE OU ANESTHÉSIE NATURELLE DES HYSTÉRIQUES

(*) « L’anesthésie hystérique a été si complètament étudiée dans le dernier ouvrage de Pitres : Des anesthésies hystériques (1887), que je ne puis insistir que sur les faits particuliers qui justifient mon interprétation. »

« Il a quelquefois de l’électivité même dans ces anesthésies naturelles, et les malades qui ont en apparence complètement perdu toute sensibilité peuvent cependant reconnaître encore certains objets en particulier. »

« l’anesthésie complète, c’est-à-dire portant sur tous les objets extérieurs, est rarement générale, elle s’étend rarement à tout le corps et même à un organe sensoriel tout entier. L’anesthésie cutanée n’existe pas sur toute la peau, mais sur quelques parties seulement, souvent sur une moitié du corps, et alors le plus souvent sur la moitié gauche, mais parfois aussi sur des plaques irrégulières disséminées sur tous les membres et sur le tronc. L’anesthésie du goût, de l’odorat, même de la vue, est aussi rarement complète … elle s’étend irrégulièrement sur la rétine, tantôt rétrécissant concentriquement le champ visuel, tantôt le coupant par la moitié, tantôt formant des scotomes irréguliers, c’est-à-dire des taches d’insensibilité au milieu d’une rétine restée normale. »

« Voilà quelque chose qui n’est guère anatomique, mais qui rappelle singulièrement les carrés et les cercles que l’on pouvait par suggestion rendre insensibles sur la peau de Léonie. »

« Tous les observateurs qui se sont occupés de cette cécité partielle des hystériques qui semble leur enlever complètement un oeil, ont remarqué avec étonnement un fait bien singulier : les malades prétendent ne voir absolument rien par l’oeil gauche et être plongés dans la nuit la plus complète quand on ferme l’oeil droit ; mais si on leur laisse les 2 yeux ouverts, ils voient, sans s’en douter, aussi bien à gauche qu’à droite. »

« L’amblyopie [catarata negra no dicionário, mas suspeito que seja neste contexto a estrabismo convergente ou exotropia – estrabismo divergente –, pois não é fato orgânico!] hystérique se corrige d’elle-même, parce qu’il est dans sa nature d’exister seulement dans la vision monoculaire. »

Pitres

« Ce qui revient à dire : l’hystérique est aveugle de l’oeil gauche quand elle y fait attention et qu’elle croit ne voir que par cet oeil ; elle n’est plus aveugle du tout, quand elle n’y pense pas et quand elle croit voir tout de l’oeil droit.

La proposition de M. Pitres résumait bien les observations précédantes, mais je crois qu’il faut aller beaucoup plus loin et constater des faits nouveaux et plus graves. Je prétends que l’hystérique amaurotique [amaurose ou gota-serena, mesma coisa que ambliopia causada por atrofia do nervo ótico, ‘catarata histérica’ (a-fisiológica e portanto a-nevrálgica), neste caso em especial] y voit parfaitement de son oeil gauche, même quand l’oeil droit est fermé, que cette amblyopie n’existe même pas dans la vision monoculaire, et qu’en général les anesthésies hystériques mêmes les plus complètes ne suppriment aucune sensation. »

« S’il est un point admis en psychologie, c’est que la mémoire n’est que la conservation des sensations : toute sensation peut, pour différentes raisons, ne pas devenir un souvenir, mais tout souvenir a été une sensation consciente. » « Nous ne pénétrons jamais réellement la conscience d’une personne ; nous ne l’apprécions que d’après les signes extérieurs qu’elle nous en donne. »

2.5 DIFFÉRENTES HYPOTHÈSES RELATIVES AUX PHÉNOMÈNES D’ANESTHÉSIE

« On a usé et abusé de la simulation hystérique pour supprimer des problèmes qu’on ne comprenait pas, et cette hypothèse trop simple n’a ici aucun sens. » « Nous n’étudierons pas davantage les suppositions physiologiques ou anatomiques qui ont été faites, d’abord, parce qu’elles ne sont pas de notre competence, et ensuite, parce qu’elles ne nous semblent être qu’une manière détournée de présenter des hypothèses psychologiques. » « Ce parallèlisme entre les hypothèses anatomiques et psychologiques n’a rien qui doive surprendre, il serait même à souhaiter, pour le progrès des 2 sciences, qu’il fût poussé beaucoup plus loin. »

« l’anesthésie histérique … [na psiquiatria atual] est une lésion de la sensation brute.

Nous ne pouvons pas partager cette opinion. »

« Au point de vue expérimental, les faits sont en complète opposition avec cette théorie et nous montrent constamment que la sensation brute n’a pas été détruite. »

« une personne dont la rétine fatiguée ne distingue plus les rayons rouges, ne sent dans une couleur blanche que les rayons verts et la voit verte. C’est du moins l’explication que l’on donne des images consécutives de couleur complémentaire. Si l’anesthésie modifie les sensations comme la fatigue de la rétine, Lucie qui ne distingue plus le rouge doit donc voir aussi un papier blanc avec la couleur verte. Je lui montre du papier blanc, et elle le trouve absolument blanc, le rouge seul est invisible et sa disparition n’influence en rien les autres couleurs qui sont vues normalement (avec une certaine confusion pour quelques-unes due à une légère achromatopsie qui existait déjà avant l’expérience). »

« Ce n’est donc pas dans l’étude des sensations en elles-mêmes que l’on pourra trouver la raison de ces insensibilités ; il faut la chercher plus haut, dans le mécanisme de la perception élémentaire. »

« Ces phénomènes sont dus à une illusion de l’esprit…, la cécité des hystériques est une cécité psychique. »

Bernheim, De l’amaurose hystérique et de l’amaurose suggestive

« On mesure l’acuité visuelle en faisant lire des lettres petites, on mesure l’acuité du sens tactile en faisant distinguer des sensations tactiles rapprochées, c’est-à-dire presque semblables. »

« Mais Bernheim cherche à expliquer le phénomène dans un langage qui me semble manquer un peu de précision et de clarté : ‘L’image visuelle perçue, l’hystérique la neutralise inconsciemment avec son imagination… La cécité psychique est la cécité par l’imagination ; elle est due à la destruction de l’image par l’agent psychique.’ » Seria como a psicanálise explicaria o fenômeno. Nós, querendo ou não, no séc. XXI, estamos informados deste linguajar.

« Je ne comprends pas comment l’hystérique peut neutraliser inconsciemment avec son imagination les perceptions monoculaires et ne pas neutraliser inconsciemment aussi les perceptions binoculaires ou, tout au moins, la partie des perceptions binoculaires qui provient de l’oeil amblyopique. »

Pitres

« Bernheim répondrait sans doute, si je puis me permettre de parler pour lui, que l’hystérique ne neutralise pas les perceptions binoculaires, parce qu’elle ne se figure pas être aveugle des 2 yeux, mais seulement de l’oeil gauche, qu’elle ne neutralise pas non plus une partir de ces perceptions binoculaires, parce qu’elle ne sait pas que ces perceptions viennent de l’oeil gauche, parce qu’elle croit voir tout par l’oeil droit. Faites-lui remarquer, dans les expériences, que tel objet ne peut être vu que par l’oeil gauche, et elle ne le verra plus. »

« En outre, cette image n’a pas eu besoin d’être neutralisée, car elle n’a jamais été dans la conscience du sujet : on ne peut pas dire que Marie commence par voir mon dessin, puis cesse de le voir ; elle n’a pas de pareille négation à faire, car elle n’a jamais vu ce dessin. »

2.6 LA DÉSAGRÉGATION PSYCHOLOGIQUE

« Le fait, simple en apparence, qui se traduit par ces mots : ‘Je vois, je sens’, même sans parler des idées d’extériorité, de distance, de localisation, est déjà une perception complexe. »

« Nous pouvons, tout en n’attachant à ces représentations qu’une valeur purement symbolique, nous figurer notre perception consciente comme une opération à 2 temps : existence simultanée d’un certain nombre de sensations conscientes tactiles comme T T’ T’’, musculaires comme M M’ M’’, visuelles comme V V’ V’’, auditives comme A A’ A’’. Ces sensations existent simultanément et isolément les unes des autres, comme une quantité de petites lumières qui s’allumeraient dans tous les coins d’une salle obscure. Ces phénomènes conscients primitifs, antérieurs à la perception peuvent être de différentes espèces, des sensations, des souvenirs, des images, et peuvent avoir différentes origines : les uns peuvent provenir d’une impression actuelle faite sur les sens, les autres être amenés par le jeu automatique de l’association à la suite d’autres phénomènes. »

«  Une opération de synthèse active et actuelle par laquelle ces sensations se rattachent les unes aux autres, s’agrègent, se fusionnent, se confondent dans un état unique auquel une sensation principale donne sa nuance, mais qui ne ressemble probablement d’une manière complète à aucun des éléments constituants ; ce phénomène nouveau, c’est la perception P. (…) Cette activité, qui synthétise ainsi à chaque moment de la vie les différents phénomènes psychologiques et qui forme notre perception personnelle, ne doit pas être confondue avec l’association automatique des idées. Celle-ci, comme nous l’avons déjà dit, n’est pas une activité actuelle, c’est le résultat d’une ancienne activité qui autrefois a synthétisé quelques phénomènes en une émotion ou une perception unique et qui leur a laissé une tendance à se produire de nouveau dans le même ordre. La perception dont nous parlons maintenant, c’est la synthèse au moment où elle se forme, au moment où elle réunit des phénomènes nouveaux en une unité à chaque instant nouvelle.

Nous n’avons pas à expliquer comment ces choses se passent ; nous avons seulement à constanter qu’elles se passent ainsi ou, si l’on préfère, à le supposer et à expliquer que cette hypothèse permet de comprendre les caractères précédants des anesthésies hystériques. »

« Chez un homme théorique, tel qu’il n’en existe probablement pas, toutes les sensations comprises dans la première opération T T’ T’’, etc., seraient réunies dans la perception P, et cet homme pourrait dire : ‘Je sens’, à propos de tous les phénomènes qui se passent en lui. (…) dans l’homme le mieux constituté il doit y avoir une foule de sensations produites par la première opération et qui échappent à la seconde. Je ne parle pas seulement des sensations qui échappent à l’attention volontaire et qui ne sont pas comprises ‘dans le point de regard’ le plus net ; je parle de sensations qui ne sont absolument pas rattachées à la personnalité et dont le moi ne reconnaît pas avoir conscience, car, en effet, il ne les contient pas. (…) La puissance de synthèse ne peut plus s’exercer, à chaque moment de la vie, que sur un nombre de phénomènes déterminé, sur 5 par exemple et non sur 12. Des 12 sensations supposées T T’ T’’ M M’ M’’ V V’ V’’ A A’ A’’, etc., le moi n’aura la perception que de 5, de T T’ M V A, par exemple. À propos de ces 5 sensations, il dira : ‘Je les ai senties, j’en ai eu conscience’ »

« Or, nous avons étudié avec soin un état particulier des hystériques et des névropathes en général que nous avons appelé le rétrécissement du champ de la conscience. Le caractère est précisément produit, dans notre hypothèse, par cette faiblesse de synthèse psychique poussée plus lois qu’à l’ordinaire, qui ne leur permet pas de réunir dans une même perception personnelle un grand nombre des phénomènes sensitifs qui se passent réellement en eux. »

P = perception personnelle

~P (não-P) – não-percepção, e não percepção impessoal!

« Quand les choses se passent ainsi, il y a bien à chaque moment des phénomènes ignorés et qui restent non perçus, comme M’ au premier moment, ou V au second ; mais, d’une part, ces phénomènes ignorés ne sont pas perpetuellement inconscients, ils ne le sont que momentanément, et, de l’autre, ces phénomènes, qui sont inconscients n’appartiennent pas toujours au même sens ; ils sont tantôt des sensations musculaires, tantôt des sensations visuelles. »

« rétrécissement du champ de la conscience par distraction, (I) par électivité ou esthésie systématisée, en un mot, dans toutes les anesthésies à limites variables. (II) »

« les hystériques sans anesthésies sont fort rares »

« L’electivité n’est ici qu’apparente, elle est due au développement automatique de telle ou telle sensation qui se répète plus fréquemment, qui s’associe plus facilement avec telle ou telle autre. »

« Mais les choses peuvent se passer d’une tout autre manière. Le faible pouvoir de synthèse peut s’exercer souvent dans un même sens, réunir dans la perception des sensations toujours d’une même espèce et perdre l’habitude de réunir les autres. Le sujet se sert plus des images visuelles et ne s’adresse que rarement aux images du toucher ; si sa puissance de synthèse diminue, s’il ne peut plus réunir que 3 images, il va renonce totalement à percevoir les sensations de telle ou telle espèce. Au début, il les perd momentanément, et il peut à la rigueur les retrouver ; mais bientôt les perceptions qui lui permettaient de connaître ces images ne se faisant pas, il ne peut plus, même s’il l’essaye, rattacher à la synthèse de la personnalité des sensations qu’il a laissé s’échapper. Il renonce ainsi, sans s’en rendre compte, tantôt aux sensations qui viennent d’une partie de la surface cutanée, tantôt aux sensations de tout un côté du corps, tantôt aux sensations d’un oeil ou d’une oreille. »

Potencial razão para eu mesmo ou para um míope de grau alto (sempre?) ter muito mais dificuldade em fixar e associar rostos a pessoas que qualquer outro dado abstrato ou a voz, por exemplo. Poderia dizer que o fato de eu digitar sem olhar o teclado mesmo de olhos fechados sem muitos erros de ortografia e que, no entanto, quando apago a luz começo a errar mais tem também a ver com o que Janet expôs? Afinal não parece ser um fenômeno visual, mas sensação exclusivamente motora. Mas o que muda com o “corte” da visão periférica, tatilmente? Pior ainda: coloque alguém atrás de mim, que eu saiba que está ali, de pé, e os erros se multiplicarão!

« Les hystériques perdent plus volontiers la sensibilité tactile, parce que c’est la moins importante, non pas psychologiquement, mais practiquement. »

Un seul oeil pour regarder le soleil.

« Si je suis à la droite de Marie et si je lui parle, les personnes qui s’approchent à gauche ne sont pas vues, quoiqu’elle ait les 2 yeux ouverts ; si je passe à sa gauche, en attirant son attention, elle continue à me voir de l’oeil gauche. L’anesthésie semblait avoir ici une limite fixe, mais, comme il n’y a entre ces diverses sortes d’anesthésie aucune séparation absolue, elle se comporte dans bien des cas comme une anesthésie systématisée à limite variable. C’est l’importance de la perception dominante qui fait changer la sensation et qui amène au jour, suivant les besoins, telle ou telle image, puisque aucune n’était réellement disparue. » « Les anesthésies complètes qui embrassent tout un organe ne différent donc des anesthésies systématisées que par le degré. »

« il y a 2 manières différentes de connaître un phénomène : la sensation impersonelle et la perception personnelle, la seule que le sujet puisse indiquer par son langage conscient. »

« l’anesthésie systématisée (ou même générale) est une lésion, un affaiblissement – non de la sensation, mais – de la faculté de synthétiser les sensation en perception personnelle, qui amène une véritable désagrégation des phénomènes psychologiques. »

2.7 LES EXISTENCES PSYCHOLOGIQUES SIMULTANÉES

P’ é a segunda personalidade dos pacientes de Janet.

secondary self”, “normal self”

O artifício da escritura automática:

Janet: “M’entendez-vous?”

Lucie-2 : « Non. »

Janet : « Mais pour répondre il faut entendre. »

Lucie-2 : « Oui, absolument. »

Janet : « Alors, comment faites-vous ? »

Lucie-2 : « Je ne sais. »

Janet : « Il faut bien qu’il y ait quelqu’un qui m’entende ? »

Lucie-2 : « Oui. »

Janet : « Qui cela ? »

Lucie-2 : « Autre que Lucie. »

Janet : « Ah bien ! une autre personne. Voulez-vous que nous luis donnions un nom ? »

Lucie-2 : « Non. »

Janet : « Si, ce sera plus commode. »

Lucie-2 : « Eh bien, Adrienne.(*) »

Janet : « Alors, Adrienne, m’entendez-vous ? »

Adrienne : « Oui. »

(*) « Il y eut une petite difficulté à propos du nom de ce personnage, il changea 2 fois de nom. Je n’insiste pas sur ce détail insignifiant dont j’ai parlé ailleurs. Revue philosophique, 1886, II, 589. »

« Sans doute c’est moi qui ai suggéré le nom de ce personnage et lui ai donné ainsi une sorte d’individualité, mais on a vu combien il s’était développé spontanément. (…) d’ailleurs l’écriture automatique prend presque toujours un nom de ce genre, sans que l’on ait rien suggeré, comme je l’ai constaté dans des lettres automatiques écrites spontanément par Léonie.

Une fois baptisé, le personnage inconscient est plus déterminé et plus net, il montre mieux ses caractères psychologiques. Il nous fait voir qu’il a surtout connaissance de ces sensations négligées par le personnage primaire ou normal ; c’est lui qui me dit que je pince le bras, ou que je touche le petit doigt, tandis que Lucie a depuis bien longtemps perdu toute sensation tactile (…) Il use de ces sensations qu’on lui a abandonnées pour produire ses mouvements. »

« Lucie ne peut écrire que par des images visuelles, elle se baisse et suit sans cesse des yeux sa plume et son papier ; Adrienne, qui est la seconde personnalité simultanée, écrit sans regarder le papier, c’est qu’elle se sert des images kinesthésiques de l’écriture. »

« Adrienne, qui m’obéit fort bien et qui cause volontiers avec moi, ne se donne pas la peine de répondre à tout le monde. Qu’une autre personne examine en mon absence ce même sujet, comme cela est arrivé, elle ne constatera ni catalepsie partielle, ni actes subconscients par distraction, ni écriture automatique, et viendra me dire que Lucie est une personne normale très distraite et très anesthésique. »

« Si ces phénomènes sont très isolés, ils sont provoqués par tout expérimentateur, mais s’ils sont groupés en personnalité (ce qui arrive très fréquemment chez les hystériques fortement malades), ils manifestent des préférences et n’obéissent pas à tout le monde. (…) Il faut se souvenir de ce caractère d’électivité qui appartient au personnage subconscient et qui nous servira plus tard à mieux préciser sa nature. »

« J’ai eu des querelles bien amusantes avec ce personnage d’Adrienne si docile au début et qui, en grandissant, le devenait de moins en moins. Il me répondait souvent d’une manière impertinente et écrivait : ‘Non, non’, au lieu de faire ce que je lui commandais. » « Je fus forcé alors de causer avec le personnage normal, avec Lucie, qui, tout à fait ignorante du drame qui se passait au dedans d’elle-même, était de très bonne humeur. »

« Mon cher bon monsieur, je viens vous dire que Léonie tout vrai, tout vrai, me fait souffrir beaucoup, elle ne peut pas dormir, elle me fait bien du mal ; je vais la démolir, elle m’embête, je suis malade aussi et bien fatiguée. C’est la part de votre bien dévouée Léontine. »

« Léonie avait conservé un souvenir très exact de la première lettre ; elle pouvait m’en dire encore le contenu ; elle se souvenait de l’avoir cachetée dans l’enveloppe et même des détais de l’adresse qu’elle avait écrite avec peine ; mais elle n’avait pas le moindre souvenir de la seconde lettre [transcrita acima]. Je m’expliquais d’ailleurs cet oubli : ni la familiarité de la lettre, ni la liberté du style, ni les expressions employées, ni surtout la signature n’appartenaient à Léonie dans son état de veille. Tout cela appartenait au contraire au personnage inconscient qui s’était déjà manifesté à moi par bien d’autres actes. Je crus d’abord qu’il y avait eu une attaque de somnambulisme spontané entre le moment où elle terminait la première lettre et l’instant où elle cachetait l’enveloppe. Le personnage secondaire du somnambulisme qui savait l’intérêt que je prenais à Léonie et la façon dont je la guérissais souvent de ses accidents nerveux, aurait apparu un instant pour m’appeler à son aide ; le fait était déjà fort étrange. Mais depuis, ces lettres subconscientes et spontanées se sont multipliées et j’ai pu mieux étudier leur production. Fort heureusement, j’ai pu surprendre Léonie, une fois, au moment où elle accomplissait cette singulière opération. Elle était près d’une table et tenait encore le tricot auquel elle venait de travailler. Le visage était fort calme, les yeux regardaient en l’air avec un peu de fixité, mais elle ne semblait pas en attaque cataleptique ; elle chantait à demi-voix une ronde campagnarde, la main droite écrivait vivement et comme à la dérobée. Je commençai par lui enlever son papier à son insu et je lui parlai ; elle se retourne aussitôt bien éveillée, mais un peu surprise, car, dans son état de distraction, elle ne m’avait pas entendu entrer. » « Cette forme de phénomènes subconscients n’est pas aussi facile à étudier que les autres ; étant spontanée, elle ne peut être soumise à une experimentation régulière. »

« une lettre contenait le récit de l’enfance même de Léonie ; il montre du bon sens dans des remarques ordinairement justes. (…) La personne subconsciente s’aperçut un jour que la personne consciente, Léonie, déchirait les papiers qu’elle avait écrits quand elle les laissait à sa portée à la fin de la distraction. Que faire pour les conserver ? Profitant d’une distraction plus longue de Léonie, elle recommença sa lettre, puis elle alla la porter dans un album de photographies. Cet album, en effet, contenait autrefois une photographie de M. Gibert qui, par association d’idées, avait la propriété de mettre Léonie en catalepsie. Je prenais la précaution de faire retirer ce portrait quand Léonie était dans la maison ; mais l’album n’en conservait pas moins sur elle une sorte d’influence terrifiante. Le personnage secondaire était donc sûr que ses lettres mises dans l’album ne seraient pas touchées par Léonie. (…) Léonie distraite chantait ou rêvait à quelques pensées vagues, pendant que ses membres, obéissant à une volonté en quelque sorte étrangère, prenaient ainsi des précautions contre elle-même. »

« Nous avons insité sur ces développements d’une nouvelle existence psychologique, non plus alternante avec l’existence normale do sujet, mais absolument simultanée. La connaissance de ce fait est en effet indispensable pour comprendre la conduite des névropathes et celle des aliénés. » « Cette notion, importante, croyons-nous, dans l’étude de la psychologie pathologique, ne manque pas non plus d’une certaine gravité au point de vue philosophique. (…) Il faudra reculer plus encore la nature véritable de la personne métaphysique et considérer l’idée même de l’unité personnelle comme une apparence qui peut subir des modifications. Les systèmes philosophiques réussiront certainement à a’accommoder de ces faits nouveaux, car ils cherchent à expliquer la réalité des choses, et une expression de la vérité ne peut pas être en opposition avec une autre. » Nesses mesmos anos, a poucos km, na Alemanha, um célebre filósofo dizia “o ‘eu’ não existe, é um preconceito, o maior preconceito do homem, com efeito.”. Ao mesmo tempo, toda essa necessidade da compreensão global do sujeito como unidade informaria o existencialismo, a fenomenologia e a própria Gestalt como escola psicológica no século que se abria…

« dédoublement »

2.8 LES EXISTENCES PSYCHOLOGIQUES SIMULTANÉES COMPARÉES AUX EXISTENCES PSYCHOLOGIQUES SUCCESSIVES

« On avait eu le tort de parler de spiritisme devant Léonie pendant qu’elle était en somnambulisme. (…) la seconde personne pensait toujours aux esprits. »

« – Qu’avez-vous donc aujourd’hui ?

– Je ne vous entends pas, je suis trop loin.

– Et où êtes-vous ?

– Je suis à Alger sur une grande place, il faut me faire revenir.

(…) on connait ces voyages des comnambules par hallucination. (…)

– M’expliquerez-vous maintenant ce que vous faisiez à Alger ?

– Ce n’est pas ma faute ; c’est M. X… qui m’y a envoyée il y a 1 mois ; il a oublié de me faire revenir, il m’y a laissée… Tout à l’heure vous vouliez me commander, me faire lever le bras (c’était la suggestion que j’avais essayé de faire pendant la veille), j’étais trop loin, je ne pouvais pas obéir.

Vérification faite, cette singulière histoire était vraie : une autre personne avait endormi ce sujet dans l’intervalle de mes 2 études, avait provoqué différentes hallucinations, entre autres celle d’un voyage à Alger ; n’attachant pas assez d’importance à ces phénomènes, elle avait réveillé le sujet sans enlever l’hallucination. N., la personne éveillée, était restée en apparence normale ; mais le personnage subconscient qui était en elle conservait plus ou moins latente l’hallucination d’être à Alger. Et quand, sans somnambulisme préalable, je voulus lui faire des commandements, il entendit mais ne crut pas devoir obéir. »

« Léonie reste bien éveillée près de moi tant que je ne provoque pas de phénomènes de ce genre [muitas perguntas e exercícios de escrita automática] ; mais quand ceux-ci deviennent trop nombreux et trop compliqués, elle s’endort. Cette remarque assez importante nous explique un détail que nous avions noté, sans le comprendre, dans l’exécution des suggestions posthypnotiques. Tant qu’elles sont simples, Léonie les exécute à son insu, en parlant d’autre chose ; quand elles sont longues et compliquées, le sujet parle de moins en moins en les exécutant, finit par s’endormir et les exécute rapidement en plein somnambulisme. La suggestion posthypnotique s’exécute quelquefois dans un second somnambulisme, non pas que l’on ait suggéré au sujet de se rendormir, mais parce que le souvenir de cette suggestion et l’exécution elle-même forment une vie subconsciente si analogue au somnambulisme que, dans quelques cas, elle le produit complètement. »

« l’analogie entre les états que nous voulons comparer va se montrer encore d’une autre manière. Tous les auteurs ont remarqué que le sujet exécute au réveil les suggestions posthypnotiques sans savoir qui les lui a données, mais que, dans un nouveau somnambulisme, il retrouve ce souvenir. (Gilles de la Tourette) »

« Lucie ne retrouve dans ce premier somnambulisme [Lucie 2 ou Adrienne, porém com Lucie 1 totalmente inativa, isto é, dormindo, o que faculta a Lucie 2, por fim, se comunicar oralmente ; ao passo que se pode, com Lucie 1 acordada, pedir que Lucie 2 responda por escrito – quer dizer que a memória da Lucie 2 que se comunica por escrito é mais abrangente que a da Lucie 2 que aparece exclusivamente por sonambulismo em vez de por distração da nº 1¹] aucun souvenir de ses actes subconscients, Léonie, Rose ou Marie ne retrouvent dans ce même état que le souvenir d’un certain nombre d’actes de ce genre. »

¹ Quereria isso dizer que existe uma Lucie 2’ (P’’), ou uma “Lucie 1.5”?

« Quand les choses se présentent ainsi, il faut endormir davantage le sujet, car la persistance des actes subconscients ainsi que des anesthésies indique qu’il y a des somnambulismes plus profonds. » O sujeito não tem energia para se manter em “dois estados perceptivos” ao mesmo tempo, e elege sempre, se assim é sua inclinação, o inconsciente ou a consciência mais remota. Dessa forma Lucie, p.ex., não precisa dividir sua ‘atenção total’ (consciência + inconsciência acessível por Janet) entre 2 ordens diferentes de fenômenos; pode produzir muito mais escrita automática em sonambulismo.

« Léonie 3 est la premiére à se souvenir de certains actes et se les attribue. » « Lucie qui n’avait, dans le premier somnambulisme, [Lucie 1.5] absolument aucun souvenir des actes subconscients, ni du personnage d’Adrienne [Lucie 2 propriamente dita; é como se Lucie tivesse uma cisão dentro da cisão, 2a e 2b e não apenas uma Lucie 2; daí eu chamar Adrienne de Lucie 2 p.d. e a Lucie 2 sonambúlica de Lucie 1.5; me parece que Lucie 3 refaz a síntese, sabendo tudo de Lucie 1, de ambas as “Lucie 2” e também de si própria, claro], reprend ces souvenirs de la façon la plus complète dans son 2e somnambulisme. Il ne faut donc pas nier le rapport entre les existences successives et les existences simultanées, parce que le sujet ne retrouve pas, tout de suite, dans son 1er somnambulisme, le souvenir de certains actes subconscients »

« Quelquefois ces systèmes psychologiques subconscients, [paralelos ou alternados] formés à part de la perception personnelle, sont en petit nombre, 2 chez Lucie ou Léonie, 1 seul chez Marie, 3 ou 4 chez Rose ; quelquerfois ils sont, je crois, très nombreux. »

ESQUEMATIZANDO A COMPLEXIDADE DA SITUAÇÃO: « La vie consciente de Lucie semble se composer de 3 courants parallèles les uns sous les autres. Quand le sujet est réveillé, les 3 courants existent : le premier est la conscience normale du sujet qui nous parle, les 2 autres sont des groupes de sensations et d’actes plus ou moins associés entre eux, mais absolument ignorés par la personne qui nous parle. Quand le sujet est endormi en premier somnambulisme, le premier courant est interrompu et le second affleure, il se montre au grand jour et nous fait voir les souvenirs qu’il a acquis dans sa vie souterraine. Si nous passons au 2e somnambulisme, le second courant est interrompu à son tour, pour laisser subsister seul le troisième qui forme alors toute la vie consciente de l’individu, [felizmente minha explicação acima estava correta!] dans laquelle on ne voit plus ni anesthésies ni actes subconscients. Au réveil les courants supérieurs reparaissent en ordre inverse. »

2.9 IMPORTANCE RELATIVE DES DIVERSES EXISTENCES SIMULTANÉES

« que la vie subconsciente ressemble à la vie somnambulique, cela est évident ; qu’elle soit absolument identique au somnambulisme et puisse lui être assimilée, c’est ce qu’on ne peut admettre. Léonie 2, le personnage somnambulique, bavard, pétulant, enfantin, ne peut pas exister complet et tel quel au-dessous de Léonie 1, cette femme âgée, calme et silencieuse. Ce mélange amènerait un délire perpétuel. En outre, le personnage somnambulique qui a les sensibilités absentes viendrait toujours compléter le personnage normal et ne lui laisserait aucune paralysie visible. Voici à ce propos un détail que mon frère m’a raconté. Une hystérique ayant les jambes anesthésiques, Witt…, appuie ses pieds sur une boule d’eau chaude et, ne sentant rien, ne s’aperçoit pas que l’eau est trop chaude et lui brûle les pieds. Ce sujet renfermait cependant une 2e personnalité qui se manifestait parfaitement par des signes subconscients ou dans un somnambulisme profond et qui avait alors la sensibilité tactile. Quando on l’interrogea, ce 2e personnage prétendit avoir très bien senti la douleur aux pieds. ‘Eh bien, alors, pourquoi n’as-tu pas retiré les jambes ? – Je ne sais pas.’ Il est évident que le 2e personnage qui posséde la sensibilité tactile des jambes ne devait pas exister pendant la veille de la même manière qu’il existe maintenant en somnambulisme profond. En un mot, la 2e personnalité n’existe pas toujours de la même manière et les rapports ou les proportions entre les différentes existences psychologiques doivent être fort variables. » Como o caso de Lucie 2 e Lucie 1.5. Memória de que o pé doía, memória sutil de um passado em que a inação diante da dor era a única possibilidade.

« L’état de santé psychologique parfaite. La puissance de synthèse étant assez grande, tous le phénomènes psychologiques, quelle que soit leur origine, sont réunis dans une même perception personnelle, et par conséquent la 2e personnalité n’existe pas. Dans un pareil état, [théorique] il n’y aurait aucune distraction, aucune anesthésie, ni systématique ni générale, aucune suggestibilité et aucune possibilité de produire le somnambulisme, puisqu’on ne peut développer des phénomènes subconscients qui n’existent pas. Les hommes les plus normaux sont loin d’être toujours dans un pareil état de santé morale, et, quant à nos sujets, ils y parviennent bien rarement. »

« l’état de désagrégation » X « l’état hystérique »

« les phénomènes désagrégés restent encore incohérents, tellement isolés que, sauf pour quelques-uns qui amènent encore des réflexes très simples, ils n’ont, pour la pluplart, aucune action sur la conduite de l’individu, ils sont comme s’ils n’existaient pas. »

Normalmente a 2ª personalidade é « l’état dans lequel les spirites sont si heureux de voir leurs médiums, afin d’évoquer les esprits par l’intermédiaire des phénomènes désagrégés. ». = «  somnovigil ; veille somnambulique » (Beaunis) – semi-hipnotismo? Voilà, c’est l’«  hémi-somnambulisme », nome de Richet.

« somnambulisme véritable »

gráfico-resumo

« Il est facile d’observer un très grand nombre de variétés et de complications dans lesquelles les 2 personnages peuvent plus ou moins se connaître mutuellement et réagir l’un sur l’autre. Nous évitons d’entrer maintenant dans l’étude de ces complications. »

« Si nos sujets, après le réveil, ne conservent pas le souvenir de leur somnambulisme, c’est qu’ils ne reviennent pas à la santé parfaite et qu’ils gardent toujours des anesthésies et des distractions plus ou moins visible ; s’ils guérissaient radicalement, s’ils élargissaient leur champ de conscience jusqu’à embrasser définitivement, dans leur perception personnelle, toutes les images, ils devraient retrouver tous les souvenir qui en dépendent et se rappeller complètement même de leurs périodes de crise ou de somnambulisme. Je dois dire que je n’ai jamais constaté ce retour de la mémoire et que cette remarque est fondée sur l’examen d’une figure schématique et sur le raisonnement plus que sur l’expérience. » « jamais je n’ai vu ces personnes hystériques retrouver après leur guérison apparente le souvenir de leurs secondes existences. » « N’est-il pas possible qu’à 60 ans, l’hystérie, la désagrégation mentale qui existait à 20 ans, ait totalement disparu et que l’esprit entièrement reconstitué ait récupéré toutes les images, comme pendant un somnambulisme parfait. » « Les existences psychologiques simultanées, que nous avons été obligé d’admettre pour comprendre les anesthésies, sont dues à cette persistance plus ou moins complète de l’état somnambulique pendant la veille. »

2.10 L’ANESTHÉSIE ET LA PARALYSIE

SOBRE A EXISTÊNCIA DE UM REPOSITÓRIO, CHAMADO INCONSCIENTE, QUE GUARDA TODAS AS MEMÓRIAS ESQUECIDAS (muito antes da Pseudanálise): « C’est une théorie bien séduisante et à certains points de vue bien vraisemblable ; elle est admirablement exprimée dans saint Augustin et a été défendue avec beaucoup d’adresse par des philosophes contemporains, comme M. Bouillier (Ce que deviennent les idées in Revue philosophique, 1887) et M. Colsenet (La vie inconsciente de l’esprit). (…) Nous avons eu, en composant ce travail, la prétention, justifiée ou non, de faire un ouvrage de psychologie expérimentale et de nous écarter le moins possible des faits que nous avons pu, plus ou moins bien, observer nous-mêmes ; or nous n’avons pas constaté de faits qui se rattachent directement à cette hypothèse un peu transcendante. La grande différence entre une étude expérimentale et une théorie philosophique c’est que la première n’a pas besoin de pousser les idées jusqu’à leurs plus lointaines conséquences et qu’elle s’arrête au point où la base solide des observations et de l’expérience paraît se dérober. »

« Nous n’insisterons pas non plus sur ce fait, car nous avons assez étudié les conditions de la mémoire pour admettre sans examen nouveau que les diverses amnésies de ce genre s’expliquent de la même manière que les diverses anesthésies. »

« Mais on rencontre souvent dans les études de psychologie pathologique 2 phénomènes nouveaux et très importants : les paralysies et les contractures. Si ces faits peuvent être rattachés à cette théorie de la désagrégation psychologique que nous avons esquissée, ils lui apporteront une vérifications assez sérieuse ; nous devons donc leur consacrer une étude particulière.

En règle générale, toute anesthésie et toute amnésie amènent toujours à leur suite una paralysie : si j’ai oublié le nom ou la place d’un objet, je ne puis pas prononcer ce nom, ni faire le mouvement pour prendre l’objet à sa place. Une hystérique qui perd complètement le souvenir de toute espèce d’images verbale, ou qui perd toute sensibilité d’un membre, ne peut plus parler ou ne peut plus remuer ce membre. D’autre part, les paralysies et les contractures sont presque toujours, sauf dans des cas tout à fait exceptionnels, accompagnées par des anesthésies. ‘L’anesthésie tactile et musculaire accompagne toujours la paralysie hystérique’, disait Charcot. ‘Le malade,’ dit un autre auteur, ‘n’a conscience de son membre que comme d’un corps étranger dont le poids est gênant et se fait sentir dans la partie du thorax restée sensible’. (Berbez, Hystérie et traumatisme, 1887) De même les contractures sont en général indolentes et accompagnées d’une anesthésie profonde du muscle et presque toujours également de la peau qui le recouvre. (…) inversement, quand les anesthésies disparaissent, on voit les contractures céder et les membres paralysés recouvrer leurs mouvements. » « Une théorie, autrefois assez répandue et qui aujourd’hui n’est plus guère soutenue, semble s’opposer à l’assimilation que nous voulons faire ; car elle sépare absolument, comme 2 phénomènes différents et indépendants l’un de l’autre, les paralysies et les anesthésies. »

« Un épervier¹ à qui l’on coupe les nerfs sensitifs de la patte ne sent plus dans ce membre les attouchements ou les piqûres, disait Claude Bernard, mais il conserve la faculté de se tenir sur son perchoir² et de marcher. » D’une manière plus générale, on peut, par la section des racines sensitives, supprimer la sensibilité en laissant persister la motilité ; c’est l’ancienne expérience de Bell et de Magendie [Lei de Bell-Magendie sobre compartimentação nervocerebral sensório-motora – ambos não escreveram em parceria, foram descobertas simultâneas e independentes]. Donc, dit Joly (Sensibilité et mouvement), le mouvement existe sans la sensibilité. En aucune façon ; les lésions chirurgicales sont, à mon avis, un mauvais procédé d’expérimentation psychologique, car jusqu’à présent elles ne sont pas assez délicates et n’atteignent pas avec précision le fait que l’on veut supprimer. La section d’une racine sensitive supprime simplement la communication matérielle entre les impressions extérieures et la faculté de sensibilité de l’animal ; elle ne détruit absolument pas cette faculté. L’épervier de Claude Bernard est toujours capable de sentir les sensations relatives à sa patte et, par conséquent, il conserve la mémoire de toutes les images des sensations anciennes qui lui ont été transmises par ce nerf autrefois intact. Personne n’a jamais prétendu que le mouvement fût toujours produit par une sensation actuelle : nous pouvons écrire maintenant sans avoir des modèles d’écriture sous les yeux ; mais cela ne prouve pas que l’écriture ne soit pas un mouvement produit par des images d’anciennes sensations visuelles ou musculaires. (…) l’anesthésie dont l’auteur parle n’est produite que par des lésions anatomiques, hémorragies, tumeurs, etc., qui interrompent la conduction, mais ne suppriment point la faculté psycho-physiologique de la sensation et de l’image. Il n’y a pas de paralysie sans doute, mais c’est qu’il n’y a pas d’amnésie, parce que l’anesthésie n’est pas complète. »

¹ Accipiter nisus: gavião-da-europa.

² Apoiador do pássaro na gaiola.

« C’est uniquement dans les névroses que le psychologue peut étudier avec fruit les troubles de la sensibilité et du mouvement. (…) Voyons donc si, dans les névroses, il y a des troubles de la sensibilité sans troubles du mouvement. Cela est certain ; tous les observateurs, en effet, ont remarqué qu’il y a des hystériques absolument anesthésiques et qui remuent fort bien. L’observation célèbre de Deneaux¹ nous dispensera de description : ‘Elle mettait ses muscles en jeu sous l’influence de la volonté, mais elle n’avait pas conscience des mouvements qu’elle exécutait. Elle ne savait pas quelle était la position de son bras, il lui était impossible de dire s’il était étendu ou fléchi. Si on disait à la malade de porter la main à son oreille, elle exécutait immédiatement le mouvement ; mais lorsque ma main était interposée entre la sienne et son oreille elle n’en avait pas conscience….’ C’est là un bel exemple d’anesthésie tactile et musculaire complète sans paralysie. Beaucoup des sujets que j’ai étudiés, Marie surtout, donneraient lieu à une description absolument identique. »

¹ Médico ou anatomista caído no olvido.

« Les hystériques ne sentent pas leur bras remuer, mais elles le remuent cependant, parce qu’elles se représent l’image visuelle du mouvement de leur bras et que cette image visuelle, comme nous l’avons vu dans toutes les expériences relatives à l’imitation, suffit pour produire le mouvement effectif. »

« pour des femmes surtout, le mouvement des bras est beaucoup plus visible que le mouvement des jambes et laisse dans la mémoire des images visuelles bien plus nettes » O mesmo não ocorreria hoje, portanto.

« Les exceptions rentrent donc assez facilement dans la règle : s’il a des anesthésies musculaires qui ne soient pas accompagnées de paralysies, c’est que toute sensibilité relative au mouvement n’a pas été supprimée, que les sensations et les images visuelles sont intervenues pour remplacer celles qui étaient perdues, et on ne peut pas en conclure que le mouvement existe indépendamment des images sensorielles. »

« des paralysies sans anesthésie. (Dans toute cette discussion, d’ailleurs, nous ne faison aucune allusion aux paralysies et aux contractures dues à une cause organique, qui peuvent présenter de tout autres caractères.) » « Il faut encore ici, pour l’étude psychologique, rechercher des paralysies sans lésion et voir comment elles peuvent se produire malgré la conservation de la sensibilité. »

« On peut faire beaucoup d’expériences de ce genre, dire à un sujet que son bras est collé à la table, qu’il ne peut prendre un objet, etc. Bernheim remarque que, si on a dit, pendant le somnambulisme, que tel objet paralysait, cet effet se produit encore après le réveil, sans que le sujet sache pourquoi. (De la suggestion) » « immobilité apparente » « idée fixe subconsciente qui arrête le mouvement au moment où le sujet veut le produire et pourrait d’ailleurs le faire au moyen des images sensorielles qu’il a complètement conservées. »

« les études précédentes ne nous semblent pas avoir réussi à la séparer [la paralysie] de l’anesthésie. »

2.11 LES PARALYSIES ET LES CONTRACTURES EXPLIQUÉES PAR LA DÉSAGRÉGATION PSYCHOLOGIQUE

« paralysie totale … contracture totale … plus simple et … les plus fréquentes »

« paralysie complète … le membre retombe toujours inerte, obéissant aux lois de la pesanteur … contracture générale, un membre, et quelquefois le corps entier, prend une position fixe, invariable, déterminée par la position et la force relative des différents muscles. » « Cette attitude des membres dans la contracture générale a été souvent décrite à propos des attaques de tétanos ou de certaines crises d’épilepsie : la jambe, p.ex., sera dans l’extension forcée, parce que les muscles extenseurs prédominent sur les fléchisseurs, le poing sera fermé, légèrement tourné en dedans, le corps courbé en arrière légèrement en arc, etc. »

« paralysie ou contracture partielles … un même nerf » « C’est dans cette classe qu’il faut ranger les griffes cubitales, médianes et radiales qui ont été si souvent décrites. »

« un troisième groupe d’anesthésies … systematisées. Il est facile de constater qu’il y a des paralysies et des contractures exactement correspondantes. § Les anciens magnétiseurs avaient déjà remarqué que l’on peut défendre à un sujet de faire un certain mouvement, de prononcer tel mot, ou d’écrire telle lettre. ‘Les paralysies systématiques consistent dans la perte de mouvements spéciaux, de mouvements adaptés. Le sujet qui en est atteint ne perd pas complètement l’usage de son membre ; il est seulement incapable de s’en servir pour exécuter un acte determiné et cet acte seul’ (Binet et Féré, Magnétisme animalIl est facile de comprendre combien un sujet qui peut faire de son bras tous les mouvements possibles, sauf ceux qui sont nécessaires pour écrire un A, ressemble au sujet qui peut avec son oeil voir tous les objets, sauf une seule personne désignée. Il y a même, quoique ce soit un fait moins connu, des contractures systématisées, c’est-à-dire des contractures dans lesquelles tous les muscles du bras ou de la main ne sont pas contracté au plus haut degré, mais dans lesquelles quelques-uns seulement sont contractés et les uns plus, les autres moins, de manière à donner au membre une attitude également rigide, mais expressive. Les bras, p.ex., pourront rester contracturés dans la posture de la menace ou dans celle de la prière. Les paralysies et les contractures peuvent donc présenter toutes les modifications que présentaient les anesthésies et être classés de la même manière. »

« La suggestion posthypnotique amenait des insensibilités partielles et des anesthésies systématiques ; elle produira des paralysies et des contractures du même genre. »

« Je fais, par ce procédé, écrire l’alphabet, Lucie [1] ne le sait plus. Je demande au personnage subconscient [Lucie 2] l’orthographe d’un mot, ‘chapeau, maison, etc.’, il l’écrit correctement ; mais si on le demande à Lucie [1] à ce même moment, elle cherche et prétend l’avoir oubliée. Bien mieux si, avec quelques précautions, on arrête cette écriture automatique, sans détruire l’état d’hémisomnambulisme qui subsiste alors, on constate que Lucie a, en ce moment, totalement perdu la faculté d’écrire consciemment et qu’elle ne peut s’exprimer que par la parole. »

« Les contractures hystériques sont beaucoup plus fréquentes que les paralysies, car les muscles anesthésiques ont une tendance curieuse à se contracturer sans cesse sous la plus légère influence, le massage, la pression circulaire, l’approche d’un aimant, etc. »

« Une femme de 26 ans, évidemment hystérique, a une querelle avec son mari et lève le poing pour le frapper : comme par une punition céleste, le bras droit reste contracturé dans la position du coup de poing. Elle vint au bout de 3 jours demander assistance, car la contracture n’avait pas cédé : M. le Dr. Gibert eu l’obligeance de me la montrer. J’ai d’abord essayé les expériences avec l’aimant qui, je dois le dire, n’eut aucune influence sur cette paysanne très ignorante des théories du transfert. Mais elle fut très émotionnée, pleurait et ne comprenait plus rien à ce qu’on lui disait. Je profitai de son émotion pour lui faire des suggestions à l’état de veille ; par un mot, je fis passer la contracture de droite à gauche, de gauche à droite et enfin je la fis disparaître. »

« En réalité, ces 2 choses, l’oubli et la paralysie, ne sont qu’un seul et même phénomène considéré de 2 côtés différents, comme l’image et le mouvement. » « [en un mot,] c’est une désagrégation »

« Il faut admettre que ces images existent encore et font simplement partie d’un autre groupe plus ou moins coordonné de phénomènes psychologie [P e P’], afin de comprendre comment le mouvement des membres paralysés se conserve et a lieu, quand on le désire, à l’insu du sujet lui-même. »

2.12 CONCLUSION

« Les choses se passent comme si les phénomènes psychologiques élémentaires étaient aussi réels et aussi nombreux que chez les individus les plus normaux, mais ne pouvaient pas, à cause d’une faiblesse particulière de la faculté de synthèse, se réunir en une seule perception, en une seule conscience personnelle »

3. DIVERSES FORMES DE LA DÉSAGRÉGATION PSYCHOLOGIQUE

3.1 LA BAGUETTE DIVINATOIRE. – LE PENDULE EXPLORATEUR. – LA LECTURE DE PENSÉES.

« Une des pratiques les plus anciennes et les plus simples pour ces révélations mystérieuses est l’usage de la baguette divinatoire. C’est une baguette, ordinairement de coudrier, qui a la forme d’une fourche [uma forquilha de madeira] et qui servait autrefois dans les campagnes pour découvrir les sources, les métaux cachés et mêmes les traces des criminels. Le devin, car ce n’est qu’une personne privilégiée qui peut se servir de cet instrument, prend dans ses 2 mains les 2 branches de la fourche et s’avance sur le terrain qu’il doit explorer, en ayant soin de ne pas bouger volontairement les bras. Si, sur un point du parcours, la baguette oscille, s’incline jusqu’à tordre les poignets du devin qui ne peut résister, c’est là qu’il faut fouiller pour trouver les sources ou les trésors. Le fameux Jacques Aymar conduisit même ainsi les magistrats sur la piste de 2 criminels depuis Lyon jusqu’à Toulon.(*)

(*) Gasparin, Des tables tournantes, 1855, II.De Mirville, Des esprits et de leurs manifestations fluidiques, 1963, I. »

« Un anneau suspendu au bout d’un fil plonge dans un verre : la sybille tient l’extrémité de ce pendule explorateur et lui pose des questions auxquelles il doit répondre par les mouvements ou les battements de l’anneau contre le verre. Ce petit jeu mérite quelque célébrité, car il a provoqué les premières recherches de M. Chevreul et il a été le point de départ des études expérimentales sur les phénomènes subconscients de l’esprit humain. »

« willing game, le jeu du vouloir, appelé en France la lecture des pensées ou le cumberlandisme, du nom de celui qui l’a introduit il y a quelques années. J’emprunte la description du cumberlandisme à des auteurs qui en ont fait une étude minutieuse et qui nous indiquent les termes usuels qui le caractérisent. (…) un membre de la société qui doit jouer le rôle de thought reader ou de percipient, devin, quitte la salle ; les autres personnes qui restent choisissent quelque action simples qu’il doit accomplir ou cachent quelque objet qu’il doit trouver ; le devin est alors ramené et un ou plusieurs willers, conducteurs, lui touchent légèrement la main ou l’épaule. Dans ces conditions, l’action choisie est souvent assez vite accomplie ou bien l’objet est retrouvé. Le willer affirme cependant et avec une parfaite bonne foi qu’il n’a donné aucune impulsion directrice.(*)

(*) Myers, Gurney & Podmore, Phantasms of the living, 1886, I. »

Quoique des séances de ce genre, surtout lorsqu’elles sont publiques, laissent toujours quelque doute et ne puissent pas être rapportées avec autant de confiance que des expériences personnelles, je crois que, dans ce cas, les mesures de précaution contre des supercheries possibles étaient assez bien prises. Dans cette séance de mentévisme, comme il disait, Osip Feldmann arrivait, non pas toujours, mais assez souvent, à exécuter l’acte auquel on pensait en lui serrant fortement le poignet. Il réussissait mieux les expériences compliquées que les plus simples, celles qui comportaient beaucoup de mouvements que celles qui devaient être faites sur place. Il réussissait également mieux avec certaines personnes qu’avec d’autres : ainsi, j’essayai en vain de le diriger, il ne comprit rien à ce que je pensai, tandis qu’il comprenait très bien plusieurs de mes amis. Il parvenait même à comprendre une personne qui ne le touchait pas, mais se contentait de le suivre partout en restant à un mètre de distance : cette expérience est déjà décrite en Angleterre. (…) Au lieu de se faire tenir directement par la personne qui avait choisi l’action à accomplir et qui jouait le rôle de willer, il interposait entre elle et lui une 3e personne totalement ignorante de ce qu’il y avait à faire et dont le rôle consistait uniquement à tenir d’un côté le poignet du devin et de l’autre la main du willer sans penser elle-même à rien de précis. »

« En Angleterre, où l’on a, pour toutes ces questions, une curiosité intelligente et active, plusieurs observateurs ont entrepris, afin d’étudier la baguette divinatoire, une série d’expériences longues et coûteuses que l’on n’aurait jamais songé à faire en France. On trouverait le compte rendu de ces expériences dans les articles de MM. Sollas et Edw. Pease¹ »

¹ Bibliografia não-encontrada.

« Lorsque je tenais le pendule à la main, un mouvement musculaire de mon bras, quoique insensible pour moi, fit sortir le pendule de l’état de repos et les oscillations une fois commencées furent bientôt augmentées par l’influence que la vue exerça pour me mettre dans cet état particulier de disposition ou de tendance au mouvement… »

Chevreul

« J’ai remarqué, écrit un observateur anglais, que si un objet a été d’abord caché dans un endroit, puis déplacé pour être mis dans un autre, la personne qui me conduit ne manque pas de me mener d’abord à la première place, puis elle m’entraîne à la véritable. »

« Plusieurs personnes à qui j’ai fait tenir le pendule de Ch. furent stupéfaites et effrayées de voir l’anneau m’obéir et osciller dans le sens que j’indiquais. Le mouvement est cependant réel [et involontaire, et inconscient] »

« Não pisque! » E então a pessoa pisca nervosamente.

Círculos de língua traçados pela boca, serão mesmo circulares?

Pour pouvoir reproduire cette expérience, il faut appartenir au type visuel et avoir habituellement des mouvements déterminés par des images visuelles. C’est pourquoi plusieurs personnes, qui agissent d’ordinaire autrement, ne peuvent pas mettre le pendule en mouvement par ce procédé. »

« Mais (…) pourquoi ces individus font-ils ces mouvements sans le savoir ? Un mouvement automatique déterminé par une image n’est pas forcément un mouvement ignoré. Quand nous bâillons en voyant bâiller quelqu’un, nous savons bien ce que nous faisons. Le mouvement est provoqué par l’image visuelle ou auditive [e eis que bocejo!] » E provavelmente quando reler bocejarei de novo. Dito e efeito… E você que me lê?

« J’ai cru observer que les individus qui appartiennent au type moteur ou musculaire ne sont pas, comme on pourrait le penser, les meilleurs sujets pour ce genre d’expériences. Habitués à se servir de leurs sensations musculaires et à y faire attention, ils ne laissent pas passer inaperçus ces mouvements involontaires de leur main et les arrêtent dès leur début. »

Nós, os auditivos e visuais, precisamos de muitos estímulos para correr, por exemplo. Aí ignoramos a dor.

« on peut donc dire que, dans toutes les expériences que nous avons rappelées, il y a au moins un commencement de désagrégation psychologique avec sensations et mouvements subconscients. »

« Entre les doigts d’une hystérique anesthésique, le pendule fait merveille et exécute tous les mouvements possibles, parce que l’anesthésie musculaire est déjà complète et que ces sensations ne viennent pas gêner le mouvement produit par les images visuelles ou auditives. »

« La communication entre les 2 personalités est ici le son de la parole, comme entre des personnes normales. » O Rafael do sonho, do banho, das caminhadas (o cantante, o fumante).

Il faut aller plus loin que M. Chevreul et, après avoir admis des actes sans volonté, il faut parler des pensées sans conscience ou en dehors de notre conscience, si l’on veut se débarrasser des innombrables petits diables de M. de Mirville. »

3.2 RÉSUMÉ HISTORIQUE DU SPIRITISME

« Il y a des années que les chefs du spiritisme connaissent ces faits de désagrégation psychologique que nous venons de décrire. Il semble que toute science doive passer par une période de superstition bizarre : l’astronomie et la chimie ont commencé par être l’astrologie et l’alchimie. La psychologie expérimentale aura commencé par être le magnétisme animal et le spiritisme : ne l’oublions pas et ne nous moquons pas de nos ancêtres. » Discurso ok para o fim do séc. XIX. Mas se vemos espíritas (e muito mais estúpidos que os espíritas franceses daquele tempo) a nossa frente, evidentemente que devemos cair na gargalhada (um dos poucos prazeres restantes nesse mundo tão insosso)! O espiritismo não é respeitável sequer como religião – não se trata aqui de rir do que é « pseudo » ou « proto » científico, mas de algo bem mais profundo… Não rio de quem lê horóscopos e professa fé na deusa Astarte (por exemplo). Há nisso um quê de dignidade indefinível. Kardecistas, porém?! Não, que a tolerância com malucos de branco escapados de camisas-de-força tenha seus limites, meus caros!

« Les ouvrages des spirites, comme ceux des magnétiseurs, peuvent se diviser en 2 groupes. Les uns qui exposent une quantité de théories plus ou moins banales ou fantastiques pour expliquer un petit nombre de faits à peine décrits : ceux-là sont en général complètement illisibles. Les autres, tout en parlant encore beaucoup trop des esprits et de leur hiérarchie, insistent davantage sur les faits observés et les descriptions des séances ; ils sont intéressants et plus agréables à lire que l’on ne croirait.

Après avoir commencé, non sans effroi, la lecture des gros volumes de M. de Mirville, l’étude de la Revue spirite, celle des théories de Gasparin ou de Chevillard sur le spiritisme, j’ai fini par y prendre un certain plaisir. On trouve de tout dans ces ouvrages, qui sont quelquefois écrits avec une verve et un enthousiasme presque communicatifs. Tantôt ce sont des histoires délicieuses, comme celle de ce bon M. Bénézet et de son guéridon [mesa de centro; incrivelmente sonante com guérison] qui interrompt sa conversation pour courir après des papillons, celle de ces esprits malins et peu convenables qui se dissimulent sur les chaises et mordent les personnes… quand elles s’asseoient, et surtout le récit des mésaventures de ce pauvre M. X… qui fuit devant la révolte de son mobilier et se cache derrière un canapé resté fidèle ; tantôt ce sont des recherches d’érudition absolument dépourvues de critique, il est vrai, mais quelquefois bien curieuses ; tantôt ce sont des observations psychologiques très intéressantes et très fines et qui sont loin d’être inutiles pour les observateurs de nos jours. Il est fâcheux que les dimensions de cet ouvrage ne me permettent pas d’insister suffisamment sur ces différents auteurs. Nous ne pouvons que rechercher les faits les plus fréquemment observés par des écrivains opposés les uns aux autres et, par conséquent, les plus vraisemblables, et les extraire de toutes ces réflexions, ces discussions, ces théories qui les étouffent. Une science naissante donne beaucoup plus de place aux systèmes qu’aux faits ; c’est justement l’inverse qui a lieu dans une science un peu plus avancée. » Dá o que pensar. Mas não poderia ser o contrário? Vejamos a sociologia: tão fértil e ligada a coisas ainda reais antes das sistematizações que a tornam estéril e mero apêndice estatístico hoje, sem vida.

« On connaît, dans ses grands traits, l’histoire du spiritisme, et je ne puis entrer ici dans des détails qui formeraient tout un volume. On sait que, vers 1848, 2 jeunes filles américaines, misses Fox,(*) ont eu le singulier honneur d’entendre les premières des coups mystérieux que rien ne pouvait expliquer : elles les attribuèrent tout naturellement à l’âme d’un individu décédé dans la maison, et, avec un courage au-dessus de tout éloge, engagèrent la conversation avec ce personnage. D’après une convention établie par ces demoiselles, un coup signifiait ‘oui’ et deux coups signifiaient ‘non’. M. de Mirville semble réclamer le mérite de cette invention pour un des témoins dans l’affaire du presbytère de Cideville.(**) C’est une question de priorité à débattre entre la France et l’Amérique. Je ne crois pas, cependant, que la question ait grande importance, car un passage d’Ammien Marcellin assure qu’au IVe siècle de notre ère, les chefs d’une conspiration contre l’empereur Valence interrogèrent des tables magiques d’une façon à peu près analogue.(***) Le procédé serait donc fort ancien. En tout cas, c’est en Amérique [la terre des fous], de Mirville en convient lui-même, que, grâce aux misses Fox et au juge Edmonds, l’épidémie spirit fit ses premiers progrès. Ce dernier fut surtout stupéfait de la connaissance que les esprits qu’il interrogeait avaient de ses propres pensées.

(*) Sur l’histoire des misses Fox, Cf. Bersot : Mesmer. Le magnétisme et les tables tournantes, 4e éd. 1879, 119.

(**) De Mirville, Pneumatologie. Des esprits et de leurs manifestations diverses. Mémoires adressés aux académies, 4 vols. [!] in-8, 4e éd., 1863, I, 328.

(***) Lafontaine, Art de magnétiser, 27. »

O mais provável é que os indígenas exterminados pelo colonizador britânico tenham lançado uma grande maldição nessa terra desértica de bens e de idéias.

Deus morreu, mas a mesa sobreviveu. I am… I am… I AM!

« Bientôt les dames pussèrent de grands cris, car la table tremblait sous leur main et se mettait à tourner. » « on commanda à la table : ‘danse’, et elle dansa »

« L’épidémie ne tarda pas à passer en France : quoique certains auteurs prétendent qu’il eut des tentatives de ce genre dès 1842, ce n’est vraiment qu’en 1853 que l’on trouve des expériences bien authentiques à Bourges,(*) à Strasbourg, à Paris. Le succès fut complet et ne tarda pas à dépasser même celui des Allemands. [mais românticos que os românticos!] Sous la pression des mains rangées autour d’elle avec méthode, la table ne se contenta plus de tourner et de danser, elle imita les diverses batteries du tambour, la petite guerre avec feux de file ou de peloton, la canonnade, puis le grincement de la scie, les coups de marteaux, le rythme de différents airs » Mesa Napoleão. Memórias: Quinta série e brincadeira do compasso… – Não sabíamos, na sala, que as “bics” que terminaram voando pela janela eram resultado de nossas contrações musculares inconscientes…

(*) « Allan Kardec, Le livre des médiums, 19e éd. [puta que pariu…]. »

OS FINS JUSTIFICAM OS MÉDIUMS : « On ne tarda pas à remarquer, en effet, que les 10 ou 12 personnes réunies autour de la table ne jouaient pas toutes un rôle également important. La plupart pouvaient se retirer sans inconvénient, sans que les mouvements de la table fussent arrêtés ou modifiés. Quelques-unes, au contraire, semblaient indispensables, car, si elles se retiraient, tous les phénomènes étaient supprimés et la table ne bougeait plus. On désigna sous le nom de médiums ces personnes dont la présence, dont l’intermédiaire était nécessaire pour obtenir les mouvements et les réponses des tables parlantes. »

METÁFORA DA REVOLUÇÃO INDUSTRIAL: « Grâce à ces progrès, les opérations deviennent plus simples et plus régulières : au lieu d’une douzaine de personnes debout autour d’une table, écoutant et comptant le nombre des bruits qu’elle produit dans son mouvement, il n’y a plus que le médium, la main appuyée sur une petite planchette mobile, ou même, dans la plupart des cas, tenant directement un crayon. » Chaplin bem podia ter gravado mais um filme, O GRANDE CHARLATÃO.

E como em toda revolução industrial, seguem sucessivas especializações do especialista: “Les médiums, ces individus essentiels et privilégiés, n’ont pas, tous, les mêmes pouvoirs et se rangent en catégories innombrables que nous ne pouvons énumérer toutes : les médiums à effets physiques ou les médiums typtologues, comme les misses Fox en Amérique, provoquent, par leur seule présence, des bruits dans les murs ou sous les tables ; les médiums mécaniques se servent d’une planchette, d’une toupie, d’une corbeille à bec, etc. ; les médiums gesticulants répondent aux questions par des mouvements involontaires de la tête, du corps, de la main, ou bien en promenant les doigts sur les lettres d’un alphabet avec une extrême vitesse ; les médiums écrivants tiennent le crayon eux-mêmes, et écrivent à l’endroit ou à l’envers, [ALLAN ATRAVÉS DO ESPELHO] ou se servent de l’écriture spéculaire,(*) ou obtiennent des écritures diversement transformées ; les médiums dessinateurs laissent leur main errer au hasard et sont tout surpris de voir ‘la maison habitée par Mozart dans la planète Jupiter toute en notes de musique’.(*) (…) Il y a des médiums pantomimes ‘qui imitent, sans pouvoir s’en rendre compte, la figure, la voix, la tournure des personnes qu’ils n’ont jamais vues, et jouent des scènes de la vie de ces personnes d’une telle façon qu’on ne peut s’empêcher de reconnaître l’individu qu’ils représentent’. » + os ‘inventores’ de línguas (hoje fazendo carreira nas neo-pentecostais) + médiums auditivos e visuais, etc.

(*) « Gibier, Le spiritisme ou fakirisme occidental, 1887. »

O SUMO ÓBVIO: « Ce qui distingue l’école spirite, dite américaine, écrit la Revue spirite, c’est la prédominance de la partie phénoménale ; dans l’école européenne on remarque au contraire la prédominance de la partie philosophique. » É como dizer que um espiritismo que fosse desenvolvido por cavalos de competição contaria com percursos com obstáculos! O americano inventa Arquivo X; o tipo europeu inventa o Black Lodge… Eu me comunicaria com Zaratustra, não com alienígenas imbecis que gostam de se envolver com a Casa Branca, é evidente!

« Ce fut l’oeuvre d’un certain M. Rival, ancien vendeur de contre-marques, [cunhas de moeda] parait-il,(*) qui rédigea, sous le nom d’Allan Kardec, le code et l’évangile du spiritisme.

(*) Gilles de la Tourette, Hypnotisme. »

« Il est absolument inutile de résumer ici ce système philosophique qui n’a d’ailleurs aucune espèce d’intêrêt ; cette étude a été faite dans le petit livre de M. Tissandier qui examine moins les faits que les théories du spiritisme. (Des sciences occultes et du spiritisme, 1866.) Il suffit de savoir que cette doctrine est un mélange des idées religieuses courantes et d’un spiritualisme banal, [hahahaha] qu’elle soutient naturellement la doctrine de l’immortalité des âmes et la complète par une théorie vague de réincarnation analogue à la transmigration et à la métempsychose des anciens. » A História se repete como farsa.

Perispírito, o éter desses lunáticos.

« D’innombrables sociétés se formèrent dans lesquelles on conversait facilement avec l’âme de son arrière-grand-père ou avec l’esprit de Socrate. »

« Il ne faudrait pas, je crois, confondre complètement ce spiritisme d’aujourd’hui avec celui que existait autrefois et qui provoquait l’enthousiasme d’Allan Kardec et les terreurs religieuses de Mirville : ce sont 2 choses très différentes. Les quelques croyants sincères qui subsistent encore défendent péniblement les doctrines du maître contre des sectes et des religions nouvelles, l’occultisme ou la théosophie, beaucoup plus ambitieuses et plus compliquées que cette modeste conversation avec les âmes des trépassés. » Trespassados como Aquele pela lança de Longino. Às vezes tenho a impressão que o Brasil é o lixão do mundo, ou diria jardim fértil do mundo: aqui, tudo floresce.

3.3 HYPOTHÈSES RELATIVES AU SPIRITISME

Le movement qui a provoqué la fondation d’une cinquantaine de journaux différents en Europe, qui a inspiré les croyances d’un nombre considerable de personne est loin d’être insignifiant. Il est trop général et trop persistant pour être dû à une simple plaisanterie locale et passagère.”

La crédulité exagérée qui consisterait à prendre au sérieux toutes les balivernes [nonsense, folly] qui encombrent les revues de ce genre serait plus ridicule encore que le scepticisme

Que le médium agisse au moyen de son bras et écrive comme tout le monde, ou qu’il manifeste sa pensée par le mouvement du crayon placé loin de lui, cela est très different au point de vue physique; mais au point de vue psychologique, cela ne modifie pas la nature de la pensée qui se manifeste et les problèmes qui nous intéressent restent exactement les mêmes. Je me hâte d’ajouter que ces phénomènes réservés sont infiniment rares et que je serais fort embarrassé pour en parler, car, malgré toute ma curiosité, je n’ai jamais vu rien qui y ressemblât. Les 9/10 au moins des personnes qui se sont occupés de spiritisme avoueront, si elles sont sincères, que ce ne sont pas ces phénomènes d’écriture directe ou de soulèvements sans contact qui ont déterminé leurs convictions, car elles ne les connaissent aussi que de reputation. Contentons-nous d’étudier le problème d’un phénomène physique dont l’existence est encore au moins problématique.

Un premier effort pour expliquer le mouvement des tables tournantes fut fait dès les débuts de leurs succès par quelques physiciens. M. l’abbé Moigno¹ s’efforce de prouver, dans le Cosmos du 8 juillet 1854, que les tables ne tournent que parce qu’on les pousse. Il cite plusieurs expériences ingénieuses imaginées par M. Strombo [a.k.a. Dimitrios Stroumpos], professeur de physique à l’université d’Athènes, qui mettent cette impulsion en évidence. Si, p.ex., on recouvre la surface de la table d’une couche de tale très mobile, les doigts des expérimentateurs glissent sur la table et ne parviennent pas à lui communiquer le mouvement. Les appareils de Babinet et de Faraday, les couches de papier successives qui tournaient sous la pression dans le sens du mouvement de la table, l’aiguille indicatrice qui prévenait les assistants de leurs moindres mouvements, sont trop connus pour que j’y insiste; ces procédés mettaient en évidence le mouvement des expérimentateurs et des médiums. Mais, répondrons-nous avec M. de Mirville, il n’est pas nécessaire d’inventer tant d’appareils pour nous prouver que la main du médium remue, nous nous em doutions bien un peu; les meilleurs médiums sont ceux qui n’ont point besoin de tables et qui tiennent eux-mêmes le crayon, et tout le monde peut voir les mouvements de leur main. Ce qu’il faut nous expliquer, c’est de quelle manière ce mouvement peut être involontaire et inconscient, tout en restant cependant intelligent.

¹ Citarei alguns livros fora do tema na bibliografia complementar.

Guldenstubbe, La réalité des esprits, 1873

J’ai vu John Stuart Mill passer le long de Cheapside l’après-midi, lorsque cette rue est pleine de monde, et circuler sans peine sur le trottoir étroit sans coudoyer personne ni se heurter aux becs de gaz, et lui-même m’a assuré que son esprit était tout occupé de son système de logique, dont il avait médité la plus grande partie en allant chaque jour de Kesington aux bureaux de la compagnie des Indes, et qu’il avait si peu conscience de ce qui se passait autour de lui qu’il ne reconnaissait pas ses meilleurs amis…”

Carpenter, Revue scientifique, 1878.

Nous bâillons quand nous voyons bâiller, nous rougissons quand nous voyons rougir, donc il est tout simple qu’un sujet ramasse des fleurs quand on le lui commande et qu’une flamme imaginaire lui brûle la peau. Sans doute il y a une légère analogie entre la marche involontaire du logicien distrait et l’écriture automatique des mediums; mais quelle difference, quell hiatus entre les 2 phénomènes. Les actes involontaires que l’on allègue sont habituels, de simples répétitions, sans originalité et sans intelligence; l’écriture automatique au contraire, il ne faut pas l’oublier, est fort intelligente.”

On admet en Belgique que, pour aller plus vite, la table parlera avec ses 3 pieds: pour cela, on divise l’alphabet en 3 groupes de lettres: 1o de A à H, 2o de I à P; 3o de Q à Z; on numérote les lettres dans chaque groupe, A est désigné par un coup, B par 2, etc., I de nouveau par 1, J par 2, etc. Mais chaque pied correspond à un de ces groups et ne s’occupe pas des autres. Ainsi, si le premier pied frappé 3 coups, c’est un C., la troisième lettre du premier groupe, si le deuxième pied frappe un coup, c’est un I, la première lettre du 2e groupe, et ainsi de suite.”

Gasparin

Comment peut-on comparer un calcul de ce genre à l’acte automatique de se gratter ou de cligner des yeux? Les communications écrites de cette manière sont très loin, comme nous le verrons, d’être des oeuvres de genie, mais encore sont-elles incomparablement plus qu’un simple réflexe mécanique.”

Myers, Automatic writing, 1885.

It is time to go to sleep, go to bed.”

E por que raios um livro só sobre os médiuns e outro sobre os espíritos? Grr.

NÉON, A COLECIONADORA DE PARTES HUMANAS: “Le médium sait si peu ce que sa main écrit qu’il ne peut pas se relire et qu’il est obligé de faire appel à d’autres personnes pour comprendre ce que contient son message; ou bien, ce qui est plus curieux encore, il est obligé de prier l’esprit de répéter et d’écrire plus lisiblement, ce que ce dernier fait d’ailleurs avec assez de bonne volonté; ou bien encore, le médium se trompe em lisant le message, il lit par exemple J. Celen au lieu de Helen, et l’esprit est obligé de le reprendre et de rectifier.”

L’histoire de l’esprit qui s’intitule lui-même Clelia forme réellement um document psychologique dont on ne saurait exagérer l’importance.”

ESCRITOR AUTOMÁTICO (MÉDIUM):“What is man?”

ESCRITA (INCONSCIENTE): “Tefi Hasl Esble Lies”

MÉD.: “How shall I believe?”

INC.: “neb 16 vbliy ev 86 e earf ee”

MÉD.: “Is this an anagram?”

INC.: “Yes”

Ce n’est que le lendemain et après bien des efforts que le médium put disposer les lettres de manière à leur donner un sens à peu près intelligible: ‘Life is the less able’ ‘believe by fear even 1866’

Wundt, après avoir assisté à une séance de spiritisme, se plaint vivement de la dégénérescence qui a atteint, après leur mort, l’esprit des plus grands personnages, car ils ne tiennent plus que des propos de dements et de gâteux.” Cf. Wundt, Spiritisme (artigo), 1879.

his quos durus amor crudeli tabe peredit”

Illa solo fixos oculos aversa tenebat…” Dido

Chez des protestants, les tables n’ont plus peur de l’eau bénite, n’ont plus de respect pour les scapulaires et annoncent avant 10 ans la chute de la papauté.” “Chez ceux qui croient à l’ancienne magie noire, les esprits obéissent aux formules magiques et tremblent devant les triangles sacrés. Il est vrai, comme l’a vérifié Morin,¹ que l’on peut, au lieu de réciter les formules fatales, déclamer des ver d’Horace et que l’on obtient le même succès.”

¹ Figura não-identificada.

3.4 LE SPIRITISME ET LA DÉSAGRÉGATION PSYCHOLOGIQUE

Tout est dit…”

Frase de um moralista francês, século XVII

(s/ autor), Seconde lettre de gros Jean à son évêque au sujet des tables parlantes, des possessions et autres diableries. Paris, Ledoyen, 1855. (93 páginas)

Quelques citations nous permettront de résumer la théorie psychologique contenue dans cette petite brochure: ‘Incitées par le monde extérieur, ou fécondant les matériaux déjà conquis, nos facultes intellectuelles forment en nous des idées ou des pensées; la conscience ou sens intime nous en donne connaissance; notre volonté ou faculté de réagir sur nous-mêmes fournit en même temps à la conscience l’idée de notre personnalité, l’idée du moi. Reste à établir le lien. Par ce mouvement de la volonté sur l’intelligence qu’on appelle l’attention, l’idée ou pensée est affirmée dans ses relations avec le moi, rapportée, unie à lui. Voilà ce qui se pase dans l’état ordinaire normal…’”

Le phénomène qui nous occupe (les tables parlantes) n’est autre chose en effet que cette suspension plus ou moin complète, plus ou moins prolongée, de l’action de la volonté sur l’organisme, sur la sensibilité, sur l’intelligence conservant toute leur activité, et les divers degrés de cette disjonction comme les formes diferentes qu’elle revêt, se succèdent fort naturellement les unes aux autres… Dans les expériences des tables parlantes, la jeune fille entend la question et forme bien la réponse dans son esprit où doit être préalablement déposée la connaissance du mode convenu pour traduire, au moyen des mouvements de la table, toutes les idées et pensées possible: tels sont les premiers éléments du phénomène: mais ici se présentent plusieurs états ou degrés différents du même êtat.”

La volonté ayant commencé à faire scission avec l’intelligence, la jeune personne n’a qu’une demi-connaissance de la réponse qui est plus complète, plus étendue ou même exprimée en d’autres termes; l’esprit, en un mot, est dans une situation semi-anormale.”

La jeune fille sait la réponse qui se forme dans son intelligence, mais elle la connaît en elle comme si elle ne venait pas d’elle; l’attention la recueille, mais sans établir de lien entre cette pensé et le moi (ce degré me paraît correspondre aux possessions et aux folies impulsives dont nous parlerons plus loin).”

Que faut-il pour que la plume soit remplacée par la parole? que l’impulsion se communique à d’autres nerfs… Cela est accompagné ordinairement d’um grave désordre de l’innervation: il n’y a rien d’étonnant à cela.”

Chez nos paisibles writing médiums, la pensée ordinaire persiste calme, mais quand la crise physique revêtait un caractère violent, oh! alors la division interne était complète, absolue, persistante; bien plus, la seconde personallité exaltée, ardente, effrénée, étouffait l’autre pour un moment anéantie et, sous les noms de Jupiter ou d’Apollon, possédait seule toute l’intelligence et tout l’organisme de la prêtresse en délire. Deus, ecce Deus…” “Tel est le somnambulisme ou sybilisme parfait…”

sybilisme… [parce que] d’après son mode de manifestation le plus élevé et celui sans aucun doute qui a joué dans le monde le rôle le plus important, puisque, transformé en institution publique, il a été pendant des siècles la base et la sanction des religions.”

* * *

« On me pardonnera, je l’espere, cette longue citation en raison de son importance et de la difficulté de se procurer la brochure : il faut reconnaître que, sous son titre bizarre, se trouve trés bien résumé tout ce que quelques auteurs contemporains et moi-même nous croyions avoir découvert en étudiant l’écriture automatique et le somnambulisme. »

« D’où proviennent les bruits entendus dans les tables ou dans les murs et répondant à des questions ? Est-ce d’un mouvement des orteils, de cette contraction du tendon péronier supposées par Jobert de Lamballe et qui a fait tant de bruit à l’Académie ? Est-ce d’une contraction de l’estomac et d’une véritable ventriloquie, comme Gros Jean le suppose, ou bien d’une autre action physique particulière encore inconnue ? Sont-ils produits par des mouvements automatiques du médium lui-même, ou bien, comme cela me paraît probable dans certains cas, au milieu de l’obscurité réclamée par les spirites, par des actions subconscientes de quelqu’un des assistant, qui trompe les autres et se trompe lui-même, et qui devient compère [cúmplice] sans le savoir ? Cela importe peu (…) ‘la parole involontaire des intestins n’est pas plus miraculeuse que la parole involontaire de la bouche’. »

« Quoique l’ouvrage que nous venons d’analyser ait été écrit en 1855, il ne fut pas compris et n’eut aucune influence, ni sur les spirites, ce qui est naturel, ni sur les psychologues, ce qui est plus étonnant ; les uns continuèrent à admirer, les autres à railler les tables parlantes, sans que leur étude avançât autrement. »

« Littré, dans sa Philosophie positive, 1878, et Dagonet dans les Annales médico-psychologiques, 1881, font allusion à des théories du même genre pour expliquer les discours des convulsionnaires des Cévennes. »

« Il faut arriver jusqu’à ces denières annés pour trouver, dans un article de M. Ch. Richet, l’expression précise d’une théorie du spiritisme, comparable à celle que nous venons de lire : ‘Supposons, dit-il, qu’il y ait chez quelques individus un état d’hémi-somnambulisme tel qu’une partie de l’encéphale produise des pensées, reçoive des perceptions, sans que le moi en soit averti. La conscience de cet individu persiste dans son intégrité apparente : toutefois des opérations très compliquées vont s’accomplir en dehors de la conscience, sans que le moi volontaire et conscient paraisse ressentir une modification quelconque.’ (La suggestion mentale et le calcul des probabilitiés, 1884) »

Baron du Prel, Philosophie der mystick

Hellenbach, Geburt und Tod

« Nous n’exposerons pas ici les théories de Myers sur le spiritisme, elles sont plus développées que les précédentes, et entrent davantage dans le détail des phénomènes. Nous préférons exposer d’abord, d’une manière générale, comment nous rattachons ces faits aux études que nous venons de faire dans cet ouvrage, pour revenir ensuite sur les points de débat qui séparent notre interprétation de celle de Myers. »

« Tandis que ces auteurs partaient de l’étude du spiritisme pour arriver à la théorie des personnalités multiples et à l’étude de l’hypnotisme, nous nous trouvions les rejoindre quoique en étant parti d’un point de départ tout opposé. Cette rencontre nous porte à croire, ce qui nous paraît facile à démontrer, que les phénomènes observés par les spirites sont exactement identiques à ceux du somnambulisme naturel ou artificiel et que nous avons le droit d’appliquer littéralement à cette question nouvelle les théories et les conclusions auxquelles nous sommes parvenus dans le chapitre précédent. »

3.5 COMPARAISON DES MÉDIUMS ET DES SOMNAMBULES

« presque toujours les médiums sont des névropathes, quand ce ne sont pas franchement des hystériques. Le mouvement des tables ne commence que lorsque des femme ou des enfants, c’est-à-dire des personnes prédisposées aux accidents nerveux, viennent y mettre les mains (Baragnon, Magnétisme animal) »

« Quand les esprits se fâchent, les médiums sont plongés subitement dans un état de perturbation nerveuse ou de raideur tétanique… »

Mirville

« Rien n’est plus décisif, à ce point de vue, qu’une observation de Charcot sur plusieurs jeunes gens d’une même famille qui deviennent tous hystériques à la suite des pratiques du spiritisme. Cette coïncidence entre la crise de nerfs et l’acte d’écrire inconsciemment se retrouve chez nos sujets. »

« Si les médiums ne présentent pas d’accidents nerveux au moment où ils évoquent les esprits, ils ne restent pas cependant toujours indemnes, et ils terminent souvent d’une manière fatale leur brillante carrière. Tôt ou tard beaucoup d’entre eux tombent dans ‘la subjugation’, comme dit Allan Kardec avec un heureux euphémisme, c’est-à-dire qu’ils finissent tout simplement par la folie. (Maudsley, Pathologie de l’esprit, 1883) »

« la médiumnité est un symptôme et non pas une cause. »

« Les médiums sont des somnambules incomplets » Perrier, magnetizador.

« Voilà qui est parfait, mais ces auteurs n’expliquent pas comment tout cela est possible, comment l’existence somnambulique peut se continuer sous la veille en une seconde personnalité. »

« Ah ! c’est embêtant d’être mort ! (Le vaillant Achille a déjà dit cela quand il venait boire le sang noir des victimes, décidément les médiums spirites n’ont pas l’esprit inventif.) »

« Eh bien, essayons cette combinaison ingénieuse. Pendant que Lucie est en somanmbulisme, je lui suggère qu’elle n’est plus elle-même, mais qu’elle est un petit garçon de 7 ans nommé Joseph, scène de comédie qui est connue et sur laquelle je passe. Sans défaire l’hallucination, je la réveille brusquement, et la voici que ne se souvient de rien et qui semble dans son état normal ; quelque temps après, je lui mets un crayon dans la main et je la distrais en lui parlant d’autre chose. La main écrit lentement et péniblement sans que Lucie s’en aperçoive, et quand je lui prends le papier, voici la lettre que je lis : ‘Cher grand-papa, à l’occasion du jour de l’an, je te souhaite une santé parfaite et je te promets d’être bien sage. Ton petit enfant, Joseph.’ Nous n’étions pas au jour de l’an et je ne sais pas pourquoi elle à écrit cela, peut-être parce que, dans sa pensée, une lettre d’un enfant de 7 ans éveillait l’idée des souhaits de bonne année ; mais n’est-il pas manifeste que l’hallucination s’est conservée dans la 2e personnalité. Un autre jour, je la mets encore en somnambulisme ; pour voir des transformations de caractère et pour profiter de son érdution littéraire, je la transforme en Agnès de Molière et lui fais jouer le rôle de la candeur naïve ; je lui demande cette fois d’écrire une lettre sur un sujet que je lui indique ; mais, avant qu’elle ait commencé, je la réveille. La lettre fut écrite inconsciemment pendant la veille, manifesta le même caractère et fut signée de ce nom d’Agnès. Encore un exemple : je la change cette fois en Napoléon avant de la réveiller ; la main écrivit automatiquement un ordre à un général quelconque de rallier les troupes pour une grande bataille et signa avec un grand paraphe Napoléon. Je demande encore : en quoi l’histoire de Mme Hugo d’Alésy diffère-t-elle de celle de Lucie ? Jusqu’à preuve du contraire, je suis disposé à croire que les 2 phénomènes sont absolument les mêmes, et que, par conséquent, ils doivent s’expliquer de la même manière par la désagrégation de la perception personnelle et par la formation de plusieurs personnalités qui tantôt se succèdent et tantôt se développent simultanément. »

3.6 LA DUALITÉ CÉRÉBRALE COMME EXPLICATION DU SPIRITISME

« Cette division du cerveau en 2 parties a déjà donné lieu à bien des hypothèses. Depuis La Mettrie¹ qui dit que Pascal avait un cerveau fou et un cerveau intelligent, depuis Gaétan de Launay,¹ qui considère les rêves faits sur le côté droit comme absurdes et ceux faits sur le côté gauche comme logiques,(*) il y a eu bien des anatomistes et des physiologistes qui ont rapporté à cette dualité tous les phénomènes compliqués et embarrasants de l’esprit humain.

¹ Muitas obras. Não é relevante para o tema aqui exposto.

(*) Cf. Bérillon, La dualité cérébrale et l’indépendance fonctionnelle des deux hémisphères cérébraux, 1884. »

« Mais Myers, quand il revient à cette théorie, à propos du spiritisme, l’expose avec des arguments qui sont plus nettement psychologiques et qui, par conséquent, demandent ici une discussion. »

« Le médium qui écrit de cette manière ne sent pas sa propre main qui écrit, il ressemble à un individu atteint de cécité verbale¹ qui ne peut lire l’écriture. »

Myers, Multiplex personality, 1887.

¹ Cegueira verbal!!!

« C’est que le message est mal écrit ; il m’arrive à moi aussi de ne pas pouvoir lire ma propre écriture, et je ne suis pas atteint de cécité verbale. »

« Enfin remarquons que l’écriture en miroir n’est pas si difficile qu’on le croit généralement. Après 2 ou 3 essais de quelques instants, je suis arrivé à écrire de cette façon assez rapidement. »

« Les arguments de Myers ne nous semblent pas suffisants pour que l’on puisse assimiler l’écriture automatique des médiums aux troubles de l’agraphie produits par une lésion localisée d’un hémisphère. » « Léonie et Lucie ont 3 personnalités et non 2 ; Rose en a 4 au moins bien distinctes ; faut-il supposer qu’elles ont 3 ou 4 cerveaux ? »

« Les médiums, quand ils sont parfaits, sont des types de la division la plus complète dans laquelle les 2 personnalités s’ignorent complètement et se développent indépendamment l’une de l’autre. »

3.7 DE LA FOLIE IMPULSIVE

« bien des malheureux sont naturellement et pendant toute leur vie sous la domination d’une idée fixe de ce genre et se sentent pousées par une puissance invincible à un acte qui leur fait horreur. »

« Laissons de côté les actes commis brusquement par certains épileptiques pendant une éclipse momentanée de la conscience. (…) Les impulsions qui nous intéressent le plus sont celles qui ont lieu pendant la veille du malade, pendant qu’il est capable de perception et de réflexion. Il peut les constater, et sent qu’il se laisse entraîner comme par une force étrangère.

Les actes les plus simples de ce genre seront des mouvements nerveux, des tics, des grimaces saccadées de la face, tu tronc, des extrémites, mouvements que le sujet déclare accomplir malgré lui, mais qu’il connaît et auxquels il pourrait à la rigueur résister. »

« il est juste, en effet, de distinguer la choréee vulgaire ou gesticulatoire, qui se rapproche des simples tics, de la grande chorée rhythmique, qui en diffère en ce que les mouvements irrésistibles ne sont pas faits au hasard, mais paraissent ordonnés et avoir un but déterminé. Mirville les décrit très bien, quoique en les rapportant, comme toujours, au diable. »

« certaines expressions, dit M. Luys semblent se figer en permanence sur la physionomie, les traits de terreur persistèrent 8 mois après l’accident qui les avait causés. » Odium pater. Senti-lhe tanto ódio que desfigurou meu rosto!

¹ “Jules Bernard Luys (1828-1897), neurologista, neuro-anatomista e psiquiatra francês. Devem-se numerosos átrlas do sistema nervoso central ilustrados por fotografias. Seu nome caracteriza ainda hoje a descrição pioneira do centro sub-talâmico (corpo de Luys), realizada em 1865.”

Toutes ces folies choréïques, disait Maudsley (op. cit.), sont caractérisées par leur caractère automatique, chaque centre nerveux semble agir pour son propre compte. Ce sont bien des impulsions pendant la veille et la durée de la conscience normale, mais l’individu qui les sent semble ne pas y résister.

Mais, dans d’autres cas qui sont plus dramatiques, l’individu qui a conscience de son impulsion peut y résister plus ou moins longtemps et ne succombe qu’après une lutte désespérée. Ce sont des désir violents et subits qui leur traversent l’esprit et qui les poussent à accomplir une action absurde ou criminelle. »

« L’acte est accompli, alors ils respirent, se calment, se réjouissent, non pas de l’acte qu’ils ont fait et qui leur est toujours en horreur, mais du soulagement qu’ils éprouvent à ne plus sentir cette horrible torture et à reprendre la libre disposition de leur esprit. On trouverait, dans tous les ouvrages sur l’aliénation, des exemples innombrables de cette maladie morale vraiment cruelle ; M. Jean Saury¹ a résumé, dans son dernier livre sur ‘les dégénérés’, les formes les plus typiques et les plus fréquentes que prennent les impulsions. »

¹ O enésimo polímata citado, do século XVIII! Também padre e astrônomo, entre outras ocupações.

« Tandis que le fou véritable s’abandonne à son délire et s’y complaît, l’impulsif le repousse comme quelque chose d’étranger. »

« Un malheureux jeune homme de 17 ans, D…, est fils de père et mère aliénés tous les deux et qui tous 2 ont terminé leur vie par le suicide. Il a eu, jusqu’à ces derniers temps, une existence relativement calme, quoique troublée de temps en temps par des accidents nerveux. Il eut ainsi de violente accès de mélancolie durant lesquels il se cache, s’isole et reste à pleurer sans aucune raison sur son sort. Il se demande avec angoisse comment il gagnera son pain, comment il apprendra son métier, etc. ; en même temps il se raisonne lui-même, constate que ces inquiétudes n’ont pas de raison d’être, et cependant il recommence à gémir ; à d’autres moments, il a des bouffées de chaleur à la face et des tremblements choréiques de la jambe gauche qui durent des nuits entières. Une fois, ces tremblements convulsifs se sont généralisés à tous les membres, jusqu’à faire croire (tout à fait à faux, à mon avis) à une crise d’épilepsie. Il a presque constamment, depuis quelques années, la terreur d’être seul, et cependant il déteste la société, aussi ne sait-il que faire, et se met-il encore à gémir. Il a une agoraphobie intense, et quand il faut traverser une place, il supplie une personne de l’accompagner ou bien suit les gens à la trace, en ayant une peur affreuse qu’on ne le renvoie. Voici le dernier accident plus tragique qui l’a amené à l’hôpital : Un soir il sent une des ses crises d’angoisse qui commence, ne peut arriver à manger ni à boire, passe la nuit éveillé à gémir ; la jambe gauche tremble et se secoue continuellement. Cependant il fait un effort le matin pour se rendre à son ouvrage habituel et, comme il est garçon coiffeur, [cabeleireiro] se met en devoir de raser [raspar, fazer a barba de] un client. À peine tient-il le rasoir [navalha] en main, que la sueur lui vient à la face, que ses tremblements augmentent et gagnent les bras. Une pensée horrible lui traverse l’esprit, il désire, il veut couper la gorge [cortar a garganta] de cet individu qu’il est en train de raser. Épouvanté de cet acte, il résiste avec une sorte de rage et s’accroche à la chaise pour ne pas tomber. Il essaie encore de lever [largar] son rasoir, mais l’impulsion revenant plus terrible, il se sauve dans sa chambre en poussant de grands cris. On court après lui et on n’a que le temps de le saisir au moment où il allait se couper la gorge à lui-même. (…) il est persuadé que tôt ou tard il se tuera [se suicidará] comme ont fait ses parents, et cette idée ne contribue pas peu à l’attrister. » Um dos relatos mais pesados de todo o livro.

« Il en est ainsi dans bien des suggestions exécutées soi-disant avec conscience ; le sujet continue avec bonne volonté un acte qu’il n’a pas commencé lui-même, il en prend même la responsabilité et il invente des raisons pour l’expliquer ; mais l’acte n’en était pas moins un phénomêne subconscient soumis aux lois de la désagrégation psychologique. » « Si l’on distrait le sujet pendant qu’il exécute l’acte, il ne s’apercevra de rien et les choses seront très régulières ; si on ne le distrait pas, il va employer sa petite force de perception à regarder ses propres actes et il pourra les accepter ou leur résister. »

PEDIDOS IMORAIS (COMO « PICK-POCKET »: “Elle faisait 3 pas dans la direction de la personne que je lui avais indiquée, puis s’arrêtait net et s’en retournait ; elle avançait de nouveau de 3 pas et s’arrêtait encore. Elle frappait du pied, grinçait des dents, prenait un ouvrage pour faire autre chose, puis se levait pour recommencer. (…) Pendant un instant de distraction, les jambes marchaient pour faire l’acte que la 2e personnalité voulait exécuter. Lucie, qui n’était pas assez distraite, s’apercevait de ce mouvement et se disait en trépignant : ‘Ah ça, qu’est-ce que je vais faire là ?’ (…) Cette lutte entre les 2 consciences dura plus de 20 minutes, avant que l’acte fût exécuté entièrement dans un moment de distraction plus durable ; tandis que, au contraire, la suggestion aurait été exécutée immédiatement, si j’avais pris quelques précautions pour éviter cette conscience en retour et pour empêcher Lucie de se préocuper de ses actes subconscients. »

« quand vous lisez un livre ou que vous entendez un discours peu récréatif, vous pouvez rester quelque temps dans un état d’indifférence, mais, si vous sentez quelque bâillement involontaire, alors vous ne doutez plus, vous êtes avertis authentiquement de votre ennui et la conscience que vous en avez l’augmente. »

Joly, Sensibilité et mouvement, Revue Philosophique, 1886. Bem sartriano. Ou devemos dizer, já que é um escrito do séc. XIX: Sartre é que é bem janetiano, digo, jolyano?

« Qu’est-ce qu’ils pensent d’eux-mêmes en se voyant ainsi agir d’une façon bizarre ? Ils emploient toujours le même mot pour désigner leur état. ‘Mais qu’est’ce que tu as donc ?’ dis-je à Lucie dans une circonstance analogue à celle que j’ai décrite. – ‘C’est drôle comme j’ai envie de faire cela, et c’est pourtant si bête.’ » A vontade, mestra suprema.

« il est dominé, il est esclave, son corps est une machine obéissant à une volonté qui n’est pas la sienne. »

Leuret

« – J’avais une peur affreuse de couper la gorge a l’homme que je rasais, me disait ce malheureux D…

– Pourquoi aviez-vous peur de faire cela ? lui demandai-je.

– Je voyais bien ma main qui se levait pour frapper, je n’ai eu que le temps de me sauver.

Le malade ne comprend pas que l’idée et, par suite, l’acte de couper la gorge a été suggéré, par l’attouchement du rasoir, à un groupe de phénomènes dont il ne soupçonne pas l’existence en lui. Il n’a vu que le résultat de la suggestion, le mouvement du bras, et c’est pour cela qu’il interprète en disant ‘J’avais une envie affreuse de lui couper la gorge.’ »

« une forme intéressante d’acte désagrégé incomplet »

3.8 LES IDÉES FIXES. – LES HALLUCINATIONS.

São diferentes do sub-capítulo anterior por não “forçarem” o paciente à comissão de um ato tresloucado.

L’un entend une voix qui lui répète : ‘Ne bouge pas ou tu es perdu’, et il reste alors immobile dans une apparente stupeur. (Ellis, Aliénation mentale)¹ Une autre entend une voix qui lui commande de jeter 10 francs dans la Seine. (Ball, d’après Paulhan, Revue philosophique, 88) Tantôt ces idées semblent rester plus abstraites, sans prendre la forme d’une hallucination de l’ouïe. (Ribot, Psychologie de l’attention) » « idée de persécution » « ou tout simplement une idée insignifiante et absurde » « Ces malheureux n’acceptent pas leur idée fixe comme faisant partie de leur pensée, comme nous faison dans nos rêves pour les idées les plus absurdes, ils résistent à ces idées et ils ont conscience de l’absurdité de leur état. »

¹ Ellis desconhecido. Havelock Ellis foi um grande psicólogo, fora do movimento da psiquiatria dinâmica per se.

« Si je pouvais penser comme vous, disait l’un, je serais heureux, mais je suis accablé par des idées sinistres auxquelles je ne puis m’empêcher de croire, j’aimerais mieux être fou complètement que d’avoir conservé mon intelligence sur la plupart des sujets… »

Pinel, De la monomanie

« Le problème est le même que pour les impulsions motrices : le phénomène anormal n’est pas intégré dans la personnalité, il est étranger au moi qui voudrait le repousser, il semble appartenir à un autre groupe psychique, comme les phénomènes désagrégés, et cependant il est conscient, tandis que ces faits de désagrégation étaient inconscients. »

« LÉONIE : Oh ! qui donc me parle ainsi ? cela me fait peur.

JANET : Personne ne vous parle, je suis seul avec vous.

L. : Mais si, là à gauche.

Et la voici qui se lève et veut ouvrir une armoire placée à sa gauche pour voir si quelqu’un y est caché.

J. : Qu’entendez-vous donc ?

L. : J’entends à gauche une voix qui répéte ‘Assez, assez, tiens-toi donc tranquille, tu nous ennuies.’

Certes la vois qui parlait ainsi était dans son droit, mais je n’avais rien suggéré de pareil et ne pensais guère à provoquer à ce moment une hallucination de l’ouïe. Un autre jour, le même sujet, pendant le premier somnambulisme, était bien calme, mais refusait obstinément de répondre à ce que je luis demandais. Elle entendit encore à gauche la même voix qui lui dit : ‘Allons, sois donc sage, il faut dire.’ Ces paroles provenaient évidemment, on connaît assez ce sujet pour le deviner, du personnage inférieur qui existait au-dessous de cette couche de conscience. [Léonie 2] »

« Mais comment, d’après les théories de la désagrégation que nous avons exposées, est-il possible que les idées du 2e personnage subconscient deviennent des hallucinations de l’ouïe pour le premier ? »

« Reproduisons le fait expérimentalement ? pendant un état somanmbulique profond, je charge Léonie 3 de dire quelque chose à l’autre, par exemple de lui dire ‘Bonjour’, puis je la réveille. L’hallucination se produit de même et Léonie demande encore : ‘Qui donc dit <Bonjour> ?’ Mais cette fois, moi aussi j’ai entendu le mot ‘Bonjour’, car la bouche l’a parfaitement prononcé, quoique tout bas. Ces hallucinations d’origine subconsciente étaient dues, dans ce cas, à l’audition d’une véritable parole automatique analogue à l’écriture automatique »

« Enfin les dégénérés, dont parle Saury, ont très souvent des impulsions à dire des jurons et des obscénités malgré eux, comme les médiums avaient des dispositions à en écrire. »

« Un malade parle lui-même tout haut et prétend ensuite que c’est une voix qu’il entend ; si on lui tient les lèvres fermées, il entend encore la voix, mais on sent les lèvres remuer sous les doigts. »

Moreau de Tours, Haschich

« Comment ces phénomènes peuvent-ils à la fois se rattacher l’un à l’autre par association et cependant être désagrégés ? »

« Je commande à Léonie pendant qu’elle est distraite et qu’elle cause avec une autre personne, et je murmure tout bas que cette personne a un bel habit vert. Léonie n’a pas entendu ce que je disais (phénomène subconscient désagrégé appartenant au 2e champ de conscience), et cependant elle pousse un cri et dit : ‘Oh ! comme votre habit est drôle, il est tout vert, ja ne l’avais pas remarqué’ (phénomène conscient appartenant au 1er champ de conscience). » Cf. Binet, Les altérations de la conscience chez les hystériques, Revue philosophique, 1889, I.

« l’association automatique des idées est une chose, et … la synthèse qui forme la perception personnelle à chaque moment de la vie et l’idée du moi en est une autre. Celle-ci peut être détruite, tandis que celle- subsiste. » « L’association des idées est la manifestation d’une synthèse élémentaire qui a déjà été effectuée autrefois et qui a rattaché les phénomènes les uns aux autres une fois pour toutes. La perception personnelle est formée par l’activité synthétique actuelle qui, par un effort continuel répété à chaque instant, ramène à l’unité du moi tous les phénomènes qui se produisent, quelle que soit leur origine. » Pode ser que hoje eu não seja um eu, mas eu eu já fui.

« Cette force de synthèse peut être aujourd’hui affaiblie, rendre le sujet incapable de percevoir telle sensation auditive ou telle sensation tactile et cependant, par un automatisme d’origine ancienne qui n’a pas été détruit, cette sensation non perçue peut amener d’autres images faisant partie de celles que le sujet perçoit encore. »

3.9 LES POSSESSIONS

« un perpétuel état de terreur ou de tristesse »

« Avoir son corps dans l’attitude de la terreur, c’est sentir l’émotion de la terreur, et, si cette attitude est déterminée par une idée subconsciente, le malade n’aura dans la conscience que l’émotion seule sans savoir pourquoi il és ému. »

« Je pleure et je ne sais pourquoi, cela me rend triste sans raison et c’est ridicule » Léonie. « c’est la 2e personne qui est désolée d’être partie du Havre et qui provoque les larmes. »

« (Marie) La scène se terminait par plusieurs vomissements de sang après lesquels tout rentrait à peu près dans l’ordre. Après une ou 2 journées de repos, M. se calmait et ne se souvenait de rien. » « des poses de terreur »

« Elle resta ainsi 7 mois à l’hôpital sans que les diverses médications et l’hydrothérapie qui furent essayées eussent amené la moindre modification. D’ailleurs les suggestions thérapeutiques, en particulier, les suggestions relatives aux règles, n’avaient que de mauvais effets et augmentaient le délire. » « Je songeai alors à la mettre dans un somnambulisme profond, capable, comme on l’a vu, de ramener des souvenirs en apparence oubliés, et je pus ainsi retrouver la mémoire exacte d’une scène qui n’avait jamais été connue que très incomplètement. »

« À l’age de 13 ans, elle avait été réglée pour la première fois, mais, par suite d’une idée enfantine ou d’un propos entendu et mal compris, elle se mit en tête qu’il y avait à cela quelque honte et chercha le moyen d’arrêter l’écoulement le plus tôt possible. Vingt heures à peu près après le début, elle sortit en cachette [esconderijo] et alla se plonger dans un grand baquet [banheira] d’eau froide. Le succès fut complet, les règles furent arrêtées subitement, et, malgré un grand frisson qui survint, elle put rentrer chez elle. Elle fut malade assez longtemps et eut plusieurs jours de délire. Cependant tout se calma et les menstrues ne reparurent plus pendant 5 ans. Quand elles ont réapparu, elles ont amené les troubles que j’ai observés. Or, si l’on compare l’arrêt subit, le frisson, les douleurs qu’elle fait en somnambulisme et qui, d’ailleurs, a été confirmé indirectement, on arrive à cette conclusion : Tous les mois, la scène du bain froid se répète, amène le même arrêt des règles et un délire qui est, il est vrai, beaucoup plus fort qu’autrefois, jusqu’à ce qu’une hémorrhagie supplémentaire ait lieu par l’estomac. Mais, dans sa conscience normale, elle ne sait rien de tout cela et ne comprend même pas que le frisson est amené par l’hallucination du froid ; il est donc vraisemblable que cette scène se passe au-dessous de cette conscience et amène tous les autres troubles par contre-coup. »

« Il fallut la ramener par suggestion à l’âge de 13 ans, la remettre dans les conditions initiales du délire, et alors la convaincre que les règles avaient duré 3 jours et n’avaient été interrompues par aucun accident fâcheux. Eh bien, ceci fait, l’époque suivante arriva à sa date et se prolongea pendant 3 jours, sans amener aucune souffrance, aucune convulsion ni aucun délire. »

« les crises de terreur étaient la répétition d’une émotion que cette jeune fille avait éprouvée en voyant, quand elle avait 16 ans, une vieille femme se tuer en tombant d’un escalier, le sang dont elle parlait toujours dans ses crises était un souvenir de cette scène ; quant à l’image de l’incendie, elle survenait probablement par association d’idées, car elle ne se rattache à rien de précis. »

« Enfin je voulais étudier la cécité d’oeil gauche, mais Marie s’y opposait lorsqu’elle était éveillée, en disant qu’elle était ainsi depuis sa naissance. Il fut facile de vérifier, au moyen du somnambulisme, qu’elle se trompait : si on la change en petit enfant de 5 ans suivant les procédés connus, elle reprend la sensibilité qu’elle avait à cet âge et l’on constate qu’elle y voit alors très bien des 2 yeux. C’est donc à l’âge de 6 ans que la cécité a commencé. (…) un incident futile. On l’avait forcée, malgré ses cris, à coucher avec un enfant de son âge qui avait de la gourme [impetigo] sur tout le côté gauche de la face. »

« Je la ramène [em hipnose, artificialmente] avec l’enfant dont elle a horreur, je lui fais croire que l’enfant est très gentil et n’a pas la gourme, elle n’en est qu’à demi-convaincue. Après 2 répétitions de la scène, j’obtiens gain de cause et elle caresse sans crainte l’enfant imaginaire. La sensibilité du côté gauche réapparait sans difficulté et, quand je la réveille, Marie voit clair de l’oeil gauche. »

« j’ai trouvé cette histoire intéressante pour montrer l’importance des idées fixes subconscientes et le rôle qu’elles jouent dans certaines maladies physiques aussi bien que dans les maladies morales. »

« N’est-il pas raisonnable quand il se dit possédé par un esprit, persécuté par un démon qui habite au dedans de lui-même ? Comment douterait-il, quand cette 2e personnalité, empruntant son nom aux superstitions dominantes, se déclare elle-même Astaroth, Léviathan ou Belzébuth ? La croyance à la possession n’est que la traduction populaire d’une vérite psychologique. »

« Certaines femmes sont même assez fières de ce détraquement de leur personnalité et se plaisent à consulter, sur toutes les affaires de la vie, ‘la petite affaire qu’elles croient avoir au coeur ou à l’estomac et qui leur donne de bons conseils’. (Deleuze, Mémoire sur la faculté de prévision, 1836) »

O SÓCRATES DOS TEMPOS PÓS-PSIQUIÁTRICOS: « Un sujet ne répondait jamais aux questions, disait Charpignon, sans dire : ‘Je vais consulter l’autre…, c’est le génie chargé de me guider et de m’éclairer.’ »

Paul Richer, La grande hystérie, (op. cit.) para histórias de loucura coletiva como a do convento de Loudun, em que todos os monges sentiam-se possuídos e assombrados por espíritos malignos. + Bérillon, Dualité cérébrale, p. 102 (ib., o depoimento do padre Surin) + Regnard, La sorcellerie, 1887.

Quelquefois il y a plusieurs esprits dans une même personne, les uns bons, les autres mauvais, qui se disputent entre eux : ‘Un enfant est possédé par 2 esprits, l’un mauvais, l’autre bon ; dans ses crises, sa bouche changeant de ton, parlait successivement pour l’un et pour l’autre.’ (Maudsley) »

« Nous n’avons pas cherché dans ce chapitre des lois nouvelles, nous avons simplement constaté des applications nombreuses, et quelquefois compliquées, de lois anciennes. »

4. LA FAIBLESSE ET LA FORCE MORALES

4.1 LA MISÈRE PSYCHOLOGIQUE

« Les sujets hypnotisables, ainsi que les médiums spirites, puisque nous savons qu’ils sont identiques, sont-ils des malades ou des gens bien portants ? Cette question a donné lieu aux controverses les plus vives et les plus embarrassantes. (…) Pour ceux-là, un somnambulisme est une crise d’hystérie; pour les autres, c’est une forme du sommeil naturel. (…) nous essayerons seulement, sans parler d’une manière générale, de montrer à quelle position intermédiaire nos propres observations nous ont amené. »

« Il est même difficile de comprendre comment certains auteurs ont pu penser que les manifestations hystériques rendaient les expériences difficiles. » « A mon avis, les plus belles études sur les somnambulismes ou existences successives, sur les suggestions, sur les actes subconscients ou existences simultanées, sont faites sur des hystériques, et afin de fournir des exemples nets et faciles à étudier je n’ai guère cité dans cet ouvrage que des expériences accomplies avec ces malades. »

« Le meilleur signe du retour à la santé parfaite c’est la cessation de l’aptitude au somnambulisme. »

Despine

« Lors de mes premières études sur Lucie, j’ignorais absolument cette loi ; je cherchais, dans l’intérêt du sujet et pour la commodité même de mes expériences, à faire disparaître les symptômes hystériques, mais je comptais bien conserver le somnambulisme. Aussi ai-je été fort désappointé quand il a fallu constater que mes expériences devenaient impossibles, car le sujet n’avait plus d’actes subconscients et ne pouvait plus être hypnotisé. (…) 18 mois plus tard, elle vint se plaindre de quelques troubles nerveux, migraines, cauchemars, etc. : l’anesthésie était revenue et elle fut hypnotisée en un instant. »

« Trois hystériques qui avaient, comme je le savais, des crises fort différentes les unes des autres, avaient été réunies dans la même salle. Je fus tout étonné de voir qu’elles avaient confondu leurs symptômes et qu’elles avaient maintenant toutes les 3 la même crise, avec les mêmes mouvements et le même délire, les mêmes invectives contre le même individu. »

« L’ivresse de l’alcool, comme nous en avons montré un exemple curieux, rend un homme plus suggestible et plus automatique qu’une somnambule. Les études de Moreau de Tours sur l’ivresse du haschich sont encore plus précises sur ce point. (…) Les époques menstruelles, comme je l’ai constaté chez Lucie et chez Marie, rendent de nouveau hypnotisables et suggestibles des personnes qui ne l’étaient plus. Enfin, les impulsions et les idées fixes sont bien des formes de désagrégation mentale et de suggestion, et elles se présentent chez une foule d’individus qui ne sont pas des névropathes, au sens précis du mot. »

« Que l’on fasse une expérience simple, que l’on prenne une vingtaine de personnes, des hommes de préférence, de 30 à 40 ans, bien portants au physique et au moral, n’ayant aucune hérédité, ni aucun antécédent névropathique, [isso está cada vez mais difícil] et que, sans procédés fatigants qui commencent par les rendre malades, on essaye de provoquer chez eux le somnambulisme caractéristique ou l’écriture automatique. Si on obtient ces phénomênes sur la moitié seulement de ces personnes, nous nous rendrons très volontiers et nous reconnaîtrons que le somnambulisme est normal. »

« Ce n’est pas l’hystérie qui constitue un terrain favorable à l’hypnotisme, mais c’est la sensibilité hypnotique qui constitue un terrain favorable pour l’hystérie et pour d’autres maladies. »

Ochorowicz, Suggestion mentale

« En quoi consiste cet état maladif : il est assez difficile de le déterminer exactement ; nous ne pouvons en avoir qu’une notion approximative par le raisonnement et par l’observation. »

« On s’apercevait que, de temps en temps, elle interrompait son discours et en commençait un autre, sans se souvenir de ce qui avait été en question auparavant. »

Saint-Bourdin, Catalepsie, descrevendo a Síndrome de Edson

« la désagrégation n’est pas une excitation, c’est une dépression et une faiblesse. C’est une illusion naturelle, en entendant un fou crier et une hystérique babiller, que de les croire excités. » (Polêmica com Moreau de Tours)

« On sait que les hystériques, comme les anémiques, ne mangent pas et n’assimilent [no sentido psicológico] pas ; comme dans ces cercles vicieux pathologiques qui sont fréquents, c’est là à la fois le principe et la conséquence de leur mal. » Daí deriva o quadro de misère psychologique ou miséria psicológica (descrito também por Durkheim quase à mesma época), conquanto ele a chamaria de miséria neurastênica.

« la force morale de l’individu n’est pas en rapport avec son âge, avec le nombre de sensations qu’il éprouve et le nombre d’images que sa mémoire renferme, c’est un esprit d’enfant dans un corps de femme. »

« L’hystérique a des sens subtils qui s’exercent sans cesse et une riche mémoire, ou vivent indéfiniment toutes les images du passé et tous les systèmes psychologiques, organisés autrefois, mais elle n’a qu’un pouvoir ordonnateur actuel analogue à celui de l’enfant et de l’idiot : aussi ne sait-elle que faire de sa fortune. » Diferente também de Bread, aqui não vejo uma analogia com a “economia diária” do sujeito nervoso ou neuropata, mas algo mais grave: com minhas limitações fisiológicas, ou herdadas psiquicamente, ou seja, produto de pais decadentes, o meu grau superior de intelecção e meu talento… tudo isso é posto em xeque, é deitado a perder, porque eu não tenho os meios, eu não tenho o corpo físico necessário, para suportar e administrar tamanho poder/saber. Fui longe demais, até mais longe do que minha linhagem me permitiria normalmente, então começo a ratear depois do grande amadurecimento dos 18-22 anos. Em suma, vivo adoecido, sábio e estagnado ao mesmo tempo, sem poder sair desse quadro congelado – e o que é duplamente mais torturante, ciente dele eu mesmo! Não tenho o cinismo dos carreiristas nem a energia de sobra demandada do artista para triunfar em uma sociedade que nega a subsistência via arte o tempo todo – limbo infernal.

« c’est le même administrateur très médiocre, à la tête d’une grande usine, qui oublie ses fonctions et qui laisse les employés et les machines s’amuser et s’affoler sans surveillance. (…) Le même état de misère psychologique, durant sans cesse, permet au jeu automatique des éléments de prendre toutes les formes. Un autre fait caractéristique, c’est qu’il est très facile de modifier artificiellement la nature des accidents ou la forme que l’automatisme prend à tel ou tel moment, car, en raison de sa faiblesse, l’esprit du sujet est d’une plasticité extraordinaire.

Supprimer l’existence personnelle que le sujet a en ce moment et la remplacer par une autre, ce n’est pas une chose bien difficile, puisque cette forme d’existence n’est qu’une centralisation très instable d’un petit nombre d’éléments pris presque au hasard au milieu d’un grand nombre d’autres qui ne demandent qu’à agir et à se manifester. »

« …la fatigue causée par une fixation prolongée seront de bonnes occasions, pour les autres éléments jusqu’alors incohérents, de se centraliser un peu à leur tour et de prendre l’avantage » Poderíamos aplicar o mesmo raciocínio à mania?

« on peut aussi … exciter un des éléments de cet état nouveau qui existe au-dessous de la conscience actuelle. Il suffisait de parler de vipère à Louis V…, ou de grenouilles à une malade du Dr. Pitres, pour amener la crise d’hystérie ; il suffit de mettre les bras de Lucie dans la posture de la terreur pour provoquer la grande crise d’hystéro-épilepesie. » A visão e audição do Pai Mau: gatilho do modo “sobrevivendo na trincheira”. PTSD.

« le point de départ des accidents … [de] l’état de misère psychologique » F. leu Janet e o perverteu. Achou sua mina de ouro (pseudanálise).

PONTO DE VISTA PESSIMISTA SOBRE A POSSIBILIDADE DA CURA: « …Très souvent à l’hérédité; ce n’est pas seulement en psychologie que la richesse et la pauvreté seraient héréditaires. Peut-être à un état d’affaiblissement physique survenu accidentellement, comme dans la convalescence de certaines maladies. Peut-être à d’autres causes morales que nous ne connaissons pas. Sauf des cas très rares, il ne me semble pas que l’on puisse arriver à guérir par suggestion l’état même de misère psychologique qui est une condition essentielle de l’exécution des suggestions. Mais les progrès de la médecine et de la psychologie unies désormais permettront peut-être de mieux comprendre et de mieux traiter cet état maladif. [É aqui em que não avançamos nada.»

« Cet état, au lieu d’être constitutionnel et permanent, peut être accidentel et passager. Une femme peut être normalement forte et sensée et tomber, à certains moments, dans un état de faiblesse irritable avec la distraction, les anesthésies systématisées et la suggestibilité caractéristiques. Un homme, qui d’ordinaire résisterait à toute idée fausse, peut prendre un esprit étroit et suggestible, dans un état de fatigue, de sommeil ou d’ivresse. L’épuisement consécutif à de grands efforts d’attention, à des travaux intellectuels prolongés, a souvent ce résultat. » A morte de um pai abusivo já foi a cura de alguém?! Bêbado de livros…

« Une des causes les plus curieuses et les plus fréquentes d’une misère psychologique momentanée, c’est aussi l’émotion, dont la nature est encore si mal connue. »

« Hack-Tuke [Le corps et l’esprit] cite à plusieurs reprises des individus qui sont devenus aveugles ou sourds à la suite d’une forte émotion. »

« C’est en vain que les circonstances fâcheuses disparaissent et que l’esprit essaye de reprendre sa puissance accoutumée, l’idée fixe, comme un virus malsain, a été semée en lui et se développe à un endroit de sa personne qu’il ne peut plus atteindre, elle agit subconsciemment, trouble l’esprit conscient et provoque tous les accidents de l’hystérie ou de la folie. »

« On a amené a l’hôpital une jeune fille de 17 ans qui a commencé des crises de terreur parce qu’elle a été suivie la nuit dans les rues par un inconnu au moment de ses époques ; c’est au même moment que Marie a fait les sottises qui ont laissé une si forte marque sur sa vie ; les exemples de ce genre sont innombrables. »

« C’est pour cela que les idées fixes de ces malheureux sont rattachées à leur profession, aux livres qu’ils ont l’occasion de lire, aux paroles qu’ils entendent dans leurs moments de faiblesse. » Terrível…

« C’est l’actualité qui décide des formes de la folie, parce que ce sont les circonstances actuelles qui les provoquent, mais ces idées ne créent ni la folie ni la prédisposition à la folie, elles n’expliquent pas cet état nerveux, cette hyperesthésie physique et morale que l’hérédité a déposée au fond de leur être et qui finit tôt ou tard par emporter et la raison et la conscience. »

Moreau de Tours, Psychologie morbide

« L’idée fixe ne survient pas sans raison, c’est le résultat d’une modification profonde, radicale de toute l’intelligence. [2008…] C’est une faute énorme de psychologie que de la confondre avec l’erreurLe fou ne se trompe pas, il agit dans uns sphère intellectuelle différente de la nôtre qu’on ne peut pas plus redresser, que la veille ne peut redresser les rêves… Les idées fixes sont les partie détachées d’un état de rêve qui se poursuit dans la veille… C’est un rêve partiel… »

ibid.

« …c’est l’idée principale d’un rêve qui survit au rêve qui l’a engendrée. » Há algo especial em eu ter tido o « sonho perfeito » justo ao terminar a UnB e no intervalo de poucos dias entre a diplomação e a entrada em exercício na escola… Com a morte dele.

« Vous ne modifiez pas de la même manière un aliéné, [comparado ao histérico] parce que vous ne l’étudiez d’ordinaire que dans la période où son délire est organisé et quand l’intelligence est revennue à un état d’équilibre stable qu’on ne peut déranger. »

« Ainsi, j’aurais essayé d’enivrer una 2e fois le malade d’Érasme [Erasmus] Darwin [avô de Charles Darwin], afin de rechercher si l’on ne pourrait pas, dans une nouvelle ivresse, avoir plus de pouvoir sur l’idée fixe. On pourrait aussi attendre quelquefois des états périodiques qui ramèneraient les conditions initiales du délire. Mais on comprend que, de toutes manières, on se trouve en présence de toutes autres difficultés. Je persiste cependant à croire que la psychologie pathologique, qui fait depuis quelques années ses premiers pas, réserve des secours inattendus pour le soulagement des aliénés. » Maldito século XX, maldita psicanálise! Destruiu todas as esperanças e experiências de uma ciência em seu berço!

E a miséria psicológica nada mais é que epifenômeno derradeiro de uma miséria social e cultural profunda!

4.2 LES FORMES INFÉRIEURES DE L’ACTIVITÉ NORMALE

« Recherchons rapidement dans la vie normale les faits analogues à ceux que nous avons étudiés et qui semblent être soumis aux mêmes lois. »

« Pas plus que le somnambule suggestible, le rêveur ne s’étonne, ne doute de ce qu’il pense ; [mais ou menos…] il subit sans résistance l’automatisme des éléments auxquels son ésprit est reduit. Un léger bruit, une lueur, un pli du drap, un état du corps provoquent la suggestion ; la disposition des organes de telle ou telle manière propre à exprimer une émotion ou une passion, donne au rêve sa direction générale, et tout se passe comme dans un automatisme régulier. Nous avons également, même pendant la veille normale, des phénomènes psychologique qui nous échappent entièrement. »

Análise, no homem «normal», e em vigília, do(a)(s):

– distração;

– instinto;

– hábito;

– paixão.

Distração

« Nous disons qu’un homme est distrait quand il ne voit pas ou n’entend pas une chose qu’il devrait voir ou entendre, et ensuite quand il accomplit sans le savoir des actes qu’il n’aurait pas consenti à accomplir s’il les avait connus complètement.

Un homme préocuppé chassera une mouche de son front sans la sentir, répondra à des questions qu’il n’a pas entendues, ou, comme Biren, duc de Courlande, qui avait l’habitude de porter à sa bouche des morceaux de parchemin, [!] détruira un important traité de commerce sans le voir. (Garnier, Facultées de l’âme, I) Qui n’a entendu parler des exploits de ces personnages qui, lorsqu’ils parlent à table, versent de l’eau indéfiniment jusqu’à inonder les convives ou continuent à mettre du sucre dans leur tasse jusqu’à la remplir ? les anecdotes de ce genre sont innombrables. »

« Journée de misère et d’abattement extrême, écrit Maine de Biran dans ce journal si curieux où il fait sur lui-même des études de psychologie expérimentale, j’ai dîné chez le chancelier, je me suis trouvé dans un état de trouble, d’embarras, de surdité momentanée… Je suis comme un somnambule au milieu de ce monde gai et léger, mécontent des autres parce que je le suis de moi-même. »

Finalmente: « Mais la même distraction pourra être due à une concentration excessive de la pensée, d’un autre côté, à une grande puissance d’attention qui sans retrécir la pensée véritablement déplace le champ de la conscience. »

« je vois trop au dedans pour bien voir au dehors. »

Instintos

« On entend dans le bruit des cloches des paroles scandées, on voit les personnages auxquels on pense, ou bien on fait des gestes brusques et l’on parle tout haut. Tout ces réflexes psychiques ont été étudié ailleurs quand ils étaient isolés et grossis, il suffit de rappeler qu’ils jouent aussi un rôle considérable dans l’attitude et la physionomie de l’homme le plus normal [ou genial]. (…) les actes instinctifs qui sont assez rares chez l’homme, tandis qu’ils jouent un rôle important chez l’animal. »

Lemoine, Habitude et instinct

Espinas, L’évolution mentale chez les animaux

Hábito, costume ou memória

« Les phénomènes conscients ne sont pas supprimés, car nous pouvons retrouver la conscience des choses que nous conservons dans le souvenir, ou que nous faisons par habitude, mais elle est négligée, comme si ces phénomènes suffisamment exercés pouvaient être sans inconvénient livrés à eux-mêmes. » Exemplo: fumar e jogar o cigarro fora. “Quando foi que o fiz? Nem me dei conta!”

O homem distraído se diz: traiu!

pour trouver l’orthographe d’un mot que nous ignorons, nous laissons notre plume [ou mãos no teclado] écrire automatiquement, à peu près comme le médium interroge son esprit. »

« Je me rappelle, écrit Erasme Darwin, avoir vu cette jeune et jolie actrice qui répétait sa partie de chant, en s’accompagnant du forte-piano sous les yeux de son maître, avec beaucoup de goût et de délicatesse ; j’aperçus sur sa figure une émotion dont je ne pus définir la cause ; à la fin, elle fondit en larmes ; je vis alors que, pendant tout les temps qu’elle avait employé à chanter, elle avait contemplé son serin qu’elle aimait beaucoup, qui paraissait souffrir et qui, dans ce moment, tomba mort dans sa cage. » Mesmo princípio de aprender a ler e entender a leitura e ouvir a música e apreciar a música simultaneamente, para não dizer do escrever (se bem que consigo me absorver bem mais, ou melhor, não consigo deixar de me absorver quase exageradamente no ato da escrita, sem atenção flutuante…). Agora entendo o talento musical de tocar guitarra e cantar ao mesmo tempo, por exemplo! Nada extraordinário para um grande guitarrista e/ou cantor que já ensaiou o suficiente!

Paixão

La plus curieuse manifestation de l’automatisme psychologique chez l’homme normal est la passion qui ressemble, beaucoup plus qu’on ne se le figure généralement, à la suggestion et à l’impulsion et qui, pendant un moment, rabaisse notre orgueil en nous mettant au niveau des fous. (…) Tout le monde sait que la passion ne dépend pas de la volonté et ne commence pas quand nous voulons; pour prendre un exemple, il ne suffit pas de le vouloir pour devenir amoureux. » Minha incapacidade após certos anos: denota fraqueza, i.e., miséria psíquica/psicológica? Ou controle do incontrolável (imponderável)?!

De même, c’est en vain qu’on s’exciterait soi-même à l’ambition ou à la jalousie ; on aurait beau déclarer ces passions utiles ou nécessaires, on ne pourrait pas les éprouver. »

« la passion ne peut commencer en nous qu’à certains moments, lorsque nous sommes dans une situation particulière. On dit ordinairement que l’amour est une passion à laquelle l’homme est toujours exposé et qui peut le surprendre à un moment quelconque de sa vie, depuis 15 ans [haha!] jusqu’à 75 [haha!]. Cela ne me parait pas exact et l’homme n’est pas toute sa vie, à tout moment, susceptible de devenir amoureux. Lorsqu’un homme est bien portant au physique et au moral, qu’il a la possession facile et complète de toutes ses idées, il peut s’exposer aux circonstances les plus capables de faire naître en lui une passion, mais il ne l’éprouvera pas. Les désirs seront raisonnés et volontaires, n’entraînant l’homme que jusqu’où il veut bien aller et disparaissant dès qu’il veut en être débarrassé. Au contraire, qu’un homme soit malade au moral, [também não exageremos tanto!] que, par suite de fatigue physique ou de travaux intellectuels excessifs, ou bien après de violentes secousses et des chagrins prolongés, il soit épuisé, triste, distrait, timide, incapable de réunir ses idées, déprimé en un mot, et il va tomber amoureux ou prendre le germe d’une passion quelconque à la première et à la plus futile occasion. » Nem para isso eu servi por vários anos – o que explicaria? Que eu não estava no fundo do poço como acreditava?! Sobre algumas paixões colegiais, concordo, no entanto!

Les romanciers, quand ils sont psychologues, l’ont bien compris : ce n’est pas dans un instant de gaieté, [pode sim acontecer] de hardiesse et de santé morale que commence l’amour, c’est dans un instant de tristesse, de langueur et de faiblesse. Il suffit alors de la moindre chose ; la vue d’un visage quelconque, un geste, [hmm] un mot qui nous aurait l’instant précédent laissés tout à fait indifférents, nous frappe et devient le point de départ d’une longue maladie amoureuseBien mieux, un objet, qui n’avait fait en nous aucune impression, dans un instant où notre esprit mieux portant n’était pas inoculable, a laissé un souvenir insignifiant qui réapparaît dans un moment de réceptivité morbide. Cela suffit, le germe est maintenant semé dans un terrain favourable, il va se développer et grandir. »

¹ Chamar de doença é já defeito ou conseqüência da única doença nisso tudo: o Romantismo europeu.

Il y a d’abord, comme dans toute maladie virulente, une période d’incubation ; l’idée nouvelle passe et repasse dans les rêveries vagues de la conscience affaiblie, puis semble, pendant quelques jours, disparaître et laisser l’esprit se rétablir de son trouble passager. Mais elle a accompli un travail souterrain, elle est devenue assez puissante pour ébranler le corps et provoquer des mouvements dont l’origine n’est pas dans la conscience personnelle. Quelle est la surprise d’un homme d’esprit quand il se retrouve piteusement sous les fenêtres de sa belle où ses pas errant l’ont transporté sans qu’il s’en doute, quand au milieu de son travail il entend sa bouche murmurer sans cesse un nom toujours le même ! »

« Tel est la passion réele, non pas idéalisée par des descriptions fantaisistes, mais ramenée à ses caractères psychologiques essentiels. »

« Si l’on peut parler d’une autre passion bien plus minime, la passion du tabac chez un fumeur, nous trouvons dans un article de M. Delboeuf une confession qui a toute la valeur d’un document psychologique : ‘Le pot à tabac est à quelque distance de moi à sa place habituelle, je le sens qui m’attire. Tout à coup je me lève et me dirige inconsciemment vers lui. Je m’aperçois de ma faiblesse, je me rassieds et reprends ma lecture. Voilà que machinalement ma main plonge dans me poche et en tire le cahier à cigarettes. Irrité contre moi, je remets violemment le cahier à sa place,’ etc. » Delboeuf, Le sentiment de l’effort, Revue Philosophique, 1882, II, p. 516.

j’ai fu mer

fui mer

fut, chère

« On aura beau nous démontrer d’une manière irréfutable que cet amour est absurde, que cette frayeur est ridicule, nous en serons convaincus, mais nous serons toujours amoureux et effrayés. La passion se guérit quelquefois par sa satisfaction, quand l’idée fixe a amené définitivement l’acte auquel elle correspond, et disparaît par épuisement ; elle peut aussi se guérir par une secousse nouvelle qui bouleverse encore les couches de la conscience et nous permet de reprendre possession des idées émancipées. » Águas em que se banha duas vezes, Hera & Clito ?

« Nous n’avons vraiment pas besoin de prendre du haschisch comme faisait Moreau de Tours pour savoir par nous-mêmes ce qu’est la folie : qui donc peut se vanter de n’avoir jamais été fou ? »

« la lutte ‘des 2 hommes’ qui se partagent notre coeur et conscience a été décrite dans toutes les religions et dans toutes les philosophies. »

« Que la peinture est un art sublime, pensait mon âme, heureux celui que le spectacle de la nature a touché…… Pendant que mon âme faisait ces réflexions, l’autre allait son train, et Dieu sait où elle allait ! — Au lieu de se rendre à la cour, comme elle en avait reçu l’ordre, elle dériva tellement sur la gauche, qu’au moment où mon âme la rattrapa, elle était à la porte de Mademoiselle de Hautcastel, à un demi-mille du palais royal. Je laisse à penser au lecteur ce qui serait arrivé, si elle était entré toute seule chez une aussi belle dame….. Je donne ordinairement à ma bête [segund’alma, a paixão] le soin des apprêts de mon déjeuner ; c’est elle qui fait griller mon pain et le coupe en tranches. Elle fait à merveille le café et le prend même très souvent sans que mon âme s’en mêle, à moins que celle-ci ne s’amuse à la voir travailler…… J’avais couché mes pincettes sur la braise pour faire griller mon pain ; et, quelque temps après, tandis que mon âme voyageait, voilà qu’une souche enflammée roule sur le foyer. — Ma pauvre bête porta la main aux pincettes et je me brûlai les doigts. (…) là, ma main s’était emparée machinalement du portrait de Mme de Hautcastel et l’autre, s’amusait à ôter la poussière qui le couvrait. Cette occupation lui donnait un plaisir tranquille, et ce plaisir se faisait sentir à mon âme, quoiqu’elle fût perdue dans les vastes pleines du ciel…….. Toute la figure parut renaître et sortir du néant. Mon âme se précipita du ciel comme une étoile tombante ; elle trouva l’autre dans une extase ravissante et parvint à l’augmenter en la partageant… (…) C’est un parfait honnête homme que M. Joannetti (son domestique). Il est accoutumé aux fréquents voyages de mon âme, et ne rit jamais des inconséquences de l’autre ; il la dirige même quelquefois lorsqu’elle est seule : en sorte qu’on pourrait dire alors qu’elle est conduite par 2 âmes. Lorsqu’elle s’habille, p.ex., il m’avertit par un signe qu’elle est sur le point de mettre ses bas à l’envers, ou son habit avant sa veste. Mon âme s’est souvent amusée à voir le pauvre Joannetti courir après la folle sous les berceaux de la citadelle, pour l’avertir qu’elle avait oublié son chapeau, une autrefois son mouchoir ou son épée. » Spencer, Psychologie, I.

A BELA & A FERA: SOLIPSISMO!

« Décrire davantage ces phénomènes serait renouveler des études déjà faites »

4.3 LE JUGEMENT ET LA VOLONTÉ

« Il est fort difficile, je ne dis même pas d’expliquer la nature de la volonté, mais même de reconnaître et de décrire un acte volontaire, car les psychologues sont loin d’être d’accord sur les signes qui le caractérisent. »

« C’est dans le même sens que beaucoup de physiologistes, comme Bastian, disent qu’un acte volontaire est simplement précédé par l’idée ou la représentation du genre de mouvement à exécuter. » « Si on admet cette définition, tous les mouvements possibles exécutés par un être vivant seront des mouvements volontaires : ainsi que toutes nos études l’ont démontré, il n’y a pas d’action même chez les somnambules, même chez les cataleptiques, qui ne soit précédée ou mieux accompagnée par la représentation qui amène l’action et les mouvements. »

« L’hésitation provient simplement de la lutte de plusieurs idées qui s’opposent les unes aux autres avant que la plus forte n’ait triomphé, et cette lutte peut exister dans les actions mécaniques comme dans les autres. »

« la théorie bien connue du sentiment de l’effort » « après les études de M. William James (The feeling of effort), qui ne me semblent pas avoir été réfutées, je ne crois pas qu’il y ait encore lieu de discuter cette théorie. Le sentiment particulier dont parle Rey Régis est un ensemble de sensations musculaires qui existent dans tous les mouvements volontaires ou non, mais qui sont toutes particulières quand nous portons nous-mêmes le poids de notre bras et surtout quand nous le chargeons d’un objet. »

« L’acte volontaire ne pouvant pas s’intercaler entre l’idée et le mouvement qui sont toujours indissolublement unis, c’est dans l’idée elle-même, dans le phénomène intellectuel proprement dit qu’il faut le chercher. »

« les jugements ou idées de rapports sont, dans l’intelligence, des phénomènes différents des sensations, des images et des perceptions, qui ne sont que des groupes d’images associées entre elles. » (sempre a velha distinção a priori x experiência)

« L’idée de ressemblance, p.ex., n’est pas une sensation, ni una image, car elle n’est ni rouge, ni bleue, ni chaude, ni sonore ; elle n’est pas non plus un groupe d’images, car une addition de ce genre formerait une image nouvelle et la ressemblance ne peut en aucune façon être représentée. » « La ressemblance à laquelle je pense en voyant Pierre et Paul n’est identique ni à Pierre ni à Paul »

« le jugement esthétique n’est pas identique à une mosaïque de sensations agréables juxtaposées. Que l’on appelle ces phénomènes nouveaux des réflexions, comme fait Maine de Biran, ou des aperceptions, comme les nomme Wundt après Leibniz, ou simplement des jugements, peu importe, pourvu qu’on ne les confonde pas avec des phénomênes psychologiques tout différents. »

« Je ne fais que répéter les conclusions brillamment soutenues par plusieurs auteurs et en particulier par M. Rabier. » Como alguém tão brilhante pôde recair tanto no esquecimento? Não me parece um autor original!

« nous jugeons [que l’acte est] en plusutile ou nécessaire. »

« Au lieu d’agir semblablement dans les cas semblables, disait M. Fouillée, par un pur automatisme sans aucune conscience de la similitude comme la bête, il agira semblablement dans les cas semblables avec conscience de la similitude, c’est-à-dire avec un sentiment de la ressemblance assez fort pour être réfléchi et aperçu. »

« les paroles sont déterminées par les images visuelles ou auditives du mot ‘ressemblance’ et non par l’idée de rapport qu’il exprime. »

« …synthétisent d’une manière nouvelle… »

« ‘L’effort volontaire’ consisterait justement dans cette systématisation »

« La faiblesse de synthèse que nous avions reconnue chez les malades ne leur permet même pas complètement les synthèses élémentaires qui forment les perceptions personnelles » + « synthèses plus élevées »

« Les auteurs qui ont fait une étude si complète sur le mécanisme par lequel l’attention se développe et se conserve n’ont peut-être pas insisté suffisamment sur ce rôle du jugement dans l’attention : car c’est son intervention qui, à notre avis, caractérise la véritable attention volontaire. » « l’activité volontaire tend à faire régner l’unité dans notre esprit et tend à rendre réel l’idéal des philosophes, l’âme une et identique. »

Todo julgamento ou juízo é moral e transcendental. (resumo das próximas páginas)

Il n’y a rien de plus libre, je ne dis pas d’une manière absolue ce qui ne signifie rien, mais relativement à la raison et à la science humaine, que ce qui ne peut pas être prévu, que ce dont la prévision est incompréhensible pour nous. » A liberdade está nos olhos de quem vê. Obviamente, como o mundo é humano, somos livres. Se houvesse um “terceiro olho cósmico e neutro”, isto é, um tipo de vida fora da vida, perceber-nos-ia como mero fatum.

« Une grande découverte scientifique qui bouleverserait la science ne peut pas être prévue par la science actuelle, puisque, par définition, elle en est la négation. (…) C’est (…) au moins dans sa forme et dans la nouvelle synthèse imposée aux éléments, une véritable création ex nihilo. » Voilà! Homem, o amigo do Nada. O nada, e o tudo, por ser o nada!

C’est une illusion des esprits faibles que de croire sentir au fond de leur coeur des idées sublimes qu’ils ne peuvent réaliser. » Nem todos podem ser Goethe. Aliás, ninguém a não ser Goethe!

4.4 CONCLUSION

Toute l’histoire de la folie, comme l’a soutenu Baillarger et après lui beaucoup d’aliénistes, n’est que la description de l’automatisme psychologique livré à lui-même »

« Les hommes ordinaires oscillent entre ces 2 extrêmes [genialidade e idiotia ou automatismo puro; o universal-no-individual contra o objetivo-e-onipresente-despersonalizado]

CONCLUSION (général)

« Au début des travaux de psychologie, les philosophes insistérent sur une remarque, juste en général, nécessaire peut-être, la séparation radicale de l’esprit et du corps. Cette conception, qui avait sa raison d’être, fut très utile à un certain moment et contribua puissamment à fonder les études de psychologie ; mais elle avait aussi ses exagérations et ses dangers. Les inconvénients de cette hypothèse se manifestèrent d’abord dans la métaphysique, et la difficulté d’expliquer l’action réciproque de l’âme et du corps força les philosophes à construire les systèmes les plus bizarres. (…) la philosophie modifia peu à peu sa conception primitive et, sous l’influence de Leibniz, puis sous celle de Kant, rapprocha singulièrement les 2 natures quelle avait crues inconciliables. Ce mouvement est tout naturel et se rattache parfaitement aux lois générales de l’intelligence. Pour comprendre les choses, il faut commencer par les séparer : la discrimination est le premier pas de la science ; mais, séparer, ce n’est pas comprendre, il faut ensuite réunir, synthétiser les termes différentes qu’on a distingués et établir cette unité dans la diversité, qui est propremente l’oeuvre de l’esprit humain. »

« Les théories de la faculté motrice, de l’effort musculaire, et même de la volonté me paraissent, dans la science, des suppositions absolument parallèles aux fameuses hypothèses du médiateur plastique, des causes occasionnelles ou de l’harmonie préetablie, dans la métaphysique. Ces intermédiaires cependant ne furent pas suffisants et, de plus en plus, on constate le rôle de l’activité et même du mouvement dans la pensée, et réciproquement le rôle de la pensée dans le mouvement. »

« Une théorie de l’intelligence pure, indépendante de l’organisme et du mouvement, n’est plus possible aujourd’hui, et bientôt une théorie de l’organisme purement mécanique sans intervention de la conscience sera également insoutenable. [Confirmado.] On ne peut plus considérer la psychologie et la physiologie comme indépendantes, on ne peut plus faire de l’une un appendice insignifiant de l’autre ; il faut avouer qu’il y a, entre ces 2 sciences, des rapports particuliers qui n’existent entre aucune autre, et qu’en se plaçant à des points de vue différents, elles font toutes 2 descriptions parallèles d’une seule et même chose. »

« Qui s’avisera de faire la théorie psychologique de la digestion ou la théorie physiologique du syllogisme ? » « La connaissance de l’homme, cela est certain, ne serait complète, dans une science idéale, que si chaque loi psychologique trouvait son pendant dans une loi physiologique. » « Dans l’étude qui nous occupe (…) il semble qu’aujourd’hui ce soit, pour un moment, la psychologie qui ait la prééminence, et les physiologistes eux-mêmes, ou doit le remarque comme un fait important, n’ont cru pouvoir expliquer les actes des somnambules qu’ils observaient qu’en faisant appel à des lois psychologiques. » A neurociência COM TODA A CERTEZA não é a resposta. Estamos mal…

« Cette création se répète pour chaque être nouveau qui réussit à former une conscience de ce genre, car, à proprement parler, la conscience de cet être qui vient de naître n’existait pas dans le monde et semble sortir du néant. La conscience est donc bien par elle-même, dès ses débuts, une activité de synthèse. »

NÃO HÁ ALFA OU ORIGO : « De même que la physiologie trouve l’organisation dans tous les éléments du corps organisé, la psychologie trouve déjà une organisation et une synthèse dans tous les éléments de la conscience auxquels elle peut remonter. »

APPENDICE

Alguns dos pacientes (provavelmente em grande parte apenas mulheres) citados na obra:

« Be. Jeune femme de 25. Père bien portant, mère nerveuse irritable sans accidents précis, un oncle maternel aliéné. (…) [Depois de crises histéricas aos 15, conseguiu a guérison.] Aujourd’hui, elle est bien portante [adoro a expressão!] et ne présente aucune espèce d’anesthésie ; au contraire, quand on examine chacun de ses sens séparément, elle a partout une sensibilité extrêmement fine. Le seul caractère anormal c’est une distraction très forte, un rétrécissement du champ de la conscience très visible et qui l’empêche de suivre 2 choses à la fois. »

« Blanche. Jeune fille de 18. Mère bien portante, père nerveux, bizarre, un tante maternelle aliénée. Elle est la dernière de 15 enfants dont 9 sont morts en bas âge, tous avant 3 ans, et dont les survivants sont assez bien portants. (…) [‘demi-epilética já aos 3; inteligência baixa, bulímica; cleptomaníaca em relação a comidas; come até o limite do estômago. Continua, em idade adulta, tendo convulsões análogas à epilepsia, mais raras, restritas ao eixo esquerdo. Sensibilidade só do lado direito. Progrediu pouco nos estudos.] »

D. Jeune homme de 17 ans, cas de folie impulsive dont l’observation a été rapportée plus haut. » O BARBEIRO

« G. Jeune fille agée de 17. (…) [Histérica. Histórico dos pais desconhecido.]

Não há pacientes com os dois pais sadios. Revelador.

Léonie. F. 45. [Pai e avô epiléticos. Outros alienados na família paterna. Submeteu-se a tratamentos com magnetizadores na vida pregressa. Demi-histérica. Recidiva de crises violentas à menopausa. Anestesia total do lado esquerdo. Merecedora, segundo Janet, de uma biografia – mas foi tratada por uma década por outro médico.]

Lucie. F, 20. [Pai histero-epilético. Ataques na infância. Cegueira histérica temporária aos 9. Na idade adulta, as crises duram mais tempo, cerca de 5 horas. Anestésica total, diminuição da visão e audição. Hipnose suprimiu as crises temporariamente; em seguida vários outros sintomas associados. Quase recentemente saudável, por 18 meses. Recidiva parcial: pesadelos intensos e sonambulismo natural. Cura total por fim, durante mais 12 meses. Crises espaçadas e leves, tratáveis, até última atualização.]

Marie. Jeune fille de 19. Mère nerveuse irritable, aucun renseignement sur le père. [Crises de cólera desde a infância, seguidas de falta de ar. Aos 6 anos perdeu a visão do olhos esquerdo; retardou a segunda menstruação após menarca traumática, o que gerou histeria e crises de delírio anos depois. Atualmente dá sinais de recuperação total.]

Rose. Femme de 32, appartenant à une famille dont presque tous les membres du côté maternel, grand-père maternel, mère, tante, neveux, sont des hystériques convulsifs ; son frère aussi (…) [Paciente histérica do tipo mais grave na idade adulta. Anestesia e contrações crônicas. Cegueira histérica aos 15. Grandes períodos de crise, sucedidos de grande letargia. Menarca aos 20. Teve 8 filhos, todos mortos em tenra idade, antes de completar 1 ano de vida. Daltonismo ‘adquirido’, pois não era daltônica de nascença. Recuperava movimento das pernas após sessões de hipnose. Acessos cataléticos em hipnose. Contrações curadas a duras penas. Sintomas de histeria persistentes. Alta do hospital por 3 meses, depois recaída em paraplegia (insensibilidade das pernas) e retorno também das contrações.]

« V. Femme de 28. Parents n’ayant présenté aucun accident nerveux. (…) [Aos 15 anos começou a padecer de crises de sonambulismo em que recitava um livro de história da França. Delírios. Dez anos de saúde. Aos 26 teve uma grande crise histérica após um acontecimento desestabilizador do emocional. Volta da recitação da história da França. 1 ano depois teve um ataque catalético ocasionado por um raio. À idade atual, angina, necessidade de se manter deitada. Após cura da angina, paralisia das pernas. Anestesia foi se alastrando para todo o corpo. Dores uterinas. Causa fisiológica descartada. Hipnose inútil contra a paralisia dos membros inferiores. Segunda personalidade recalcitrante. Depois de artifícios de Janet, ‘alucinada’, foi ‘convencida’, em hipnose, que podia movimentar as pernas. De repente recuperou toda a sensibilidade corpórea e cessaram dores uterinas. Um ano sem sintomas de histeria.] »

ÍNDICE DE OBRAS RECOMENDADAS, ORDENADAS PELA PRIORIDADE DA LEITURA E POR CATEGORIA

1. PSICOLOGIA & PSIQUIATRIA DINÂMICA (inclui os antecessores: padres, magnetizadores, etc.):

MYERS, F.W.H. Phantasms of the living, 1886, em 2 vols. (talvez as duas “obras” abaixo sejam apenas artigos deste livro maior!)

____. Automatic writing

____. Multiplex personality (a atual desordem de múltiplas personalidades, DID em inglês)

[sem autor] Seconde lettre de gros Jean à son évêque au sujet des tables parlantes, des possessions et autres diableries. Paris, Ledoyen, 1855 [vários parágrafos citados por J.]

MOREAU, Jacques-Joseph. Psychologie morbide. (artigo ou livro – Moreau de Tours foi o fundador dos Annales médico-psychologiques)

MAINE DE BIRAN. Essai sur les fondements de la psychologie

____. Du Hachisch et de l’aliénation mentale (disponível em archive.org/)

RIBOT, Théodule-Armand Constant. Psychologie de l’attention (Atenção para não confundir com o pintor Théodule Ribot! Aquele de que aqui se trata é o fundador da Revue philosophique e, de modo geral, da psicologia na França.)

WUNDT. Éléments de psychologie physiologique

SPENCER, H. Principles of Psychology, 2 vols.

AZAM, E. Hypnotisme, double conscience et altérations de la personnalité : le cas Félida X

RIBOT. Maladies de la personnalité

MAINE DE BIRAN. Sur la décomposition de la pensée

BALLET, Gilbert. Langage intérieur et les Diverses Formes de l’Aphasie, 1886

GILLES DE LA TOURETTE, Georges. L’hypnotisme et les états analogues du point de vue médico-légal, 1887 (melhor fonte para estudar seriamente o espiritismo)

FOUILLEÉ. La psychologie des idées-forces

CHEVREUL. De la baguette divinatoire, du pendule dit explorateur et des tables tournantes, au point de vue de l’histoire, de la critique et de la méthode expérimentale

MAURY, Alfred. Le Sommeil et les rêves

DESPINE, Prosper Pierre. Théorie physiologique de l’hallucination (1881)

____. De La Contagion Morale: Faits Démontrant Son Existence (1870)

DESAGES, Luc. De l’extase

LEFEBVRE DE LOUVAIN. Louise Lateau de Bois d’Haine. Sa vie. Ses extases. Ses stigmates, 1870

DELBOEUF. « Le sentiment de l’effort » (artigo)

JAMES, W. What is an emotion

____. The feelinf of effort

JOLY. Sensibilité et mouvement

HACK-TUKE, Le corps et l’esprit

BAILLARGER. Recherches sur les maladies mentales, 2 volumes, 1890

BASTIAN, Adolf. Beiträge zur vergleichenden Psychologie, 1868

DESPINE. Étude scientifique sur le somnambulisme, sur les phénomènes qu’il présente et sur son action thérapeutique dans certaines maladies nerveuses, 1880

LASÈGUE. Études médicales

BÉRILLON. La dualité cérébrale

HERZEN. Le cerveau et l’activité cérébrale, 1887

BASTIAN. Die Lehre vom Denken « La science de la pensée », 3 vols.

____. Le cerveau et la pensée

LUYS. Études de physiologie et de pathologie cérébrales

RICHER, Paul. Études cliniques sur l’hystéro-épilepsie ou grande hystérie (1881) [não confundir com Charles RICHET]

SAINT-BOURDIN. Traité de la Catalepsie, 1841

BUZZARD, Thomas. Clinical Lectures on Diseases of the Nervous System (pioneiro da neurologia, epilepsia e Mal de Parkinson!)

BINET. « Les altérations de la conscience chez les hystériques » (artigo)

BINET & FÉRÉ. Le magnétisme animal

CHARPIGNON. Physiologie, médecine et métaphysique du magnétisme

DELEUZE, J.P.F.. Mémoire sur la faculté de prévision (https://archive.org/details/b29344517)

____. Instruction pratique ou Introduction pratique sur le magnétisme animal, 1836

BERTRAND, A.J.F. Du magnétisme en France et des jugements qu’en ont porté les sociétés savantes, 1826 (tradução inglesa de 2004 – um dos primeiros estudiosos do mesmerismo)

____. Traité du somnambulisme et des différentes modifications qu’il présente, 1823

DAGONET. Annales médico-psychologiques

BERNHEIM. De la suggestion

RICHET. La suggestion mentale et le calcul des probabilitiés

BAIN, Alexander. Physiological Expression in Psychology (ver mais livros de Bain nas seções abaixo)

____. Mental and moral science: A compendium of psychology and ethics (archive.org)

BARAGNON. Magnétisme animal

LAFONTAINE. Art de magnétiser

GIBIER, Le spiritisme ou fakirisme occidental

CARPENTER. Mesmerism, Spiritualism, etc, Historically and Scientifically Considered

BERSOT. Mesmer. Le magnétisme et les tables tournantes

GASPARIN. Des tables tournantes

BEAUNIS, Étienne. Le somnambulisme provoqué: études physiologiques et psychologiques

CARPENTER. Principles of Mental Physiology, with their Applications to the Training and Discipline of the Mind, and the Study of its Morbid Conditions.

OCHOROWICZ. De la suggestion mentale

MAUDSLEY, Henry. Responsibility in Mental Disease, D. Appleton and Co., 1896 (disponível em archive.org/)

____. Pathologie de l’esprit

FARIA. De la cause du sommeil lucide

LEGRAND DU SAULLE. Le délire des persécutions

REGNARD. Les maladies épidémiques de l’esprit : sorcellerie, magnétisme, morphinisme, délire des grandeurs

PITRES. Des anesthésies hystériques

BERNHEIM. De l’amaurose hystérique et de l’amaurose suggestive

BARÉTY, Alexandre. Le magnétisme animal, étudié sous le nom de force neurique, rayonnante et circulante : dans ses propriétés physiques, physiologiques et thérapeutiques (archive.org)

MESNET, Urbain-Antoine-Ernest. O sonambulismo e a fascinação (já pelo fato de ter encontrado a bibliografia somente em português deve ser um livro dificílimo de achar)

WILKINSON, J.J.G. On Hypnotism (sobre a obra de James Braid)

BALL, B. La Morphinomanie

DUMONTPALLIER. Note sur l’analgésie thérapeutique locale déterminée par l’irritation de la région similaire du côté opposé du corps

MAGNAN, Valentin. De l’alcoolisme, des diverses formes de délire alcoolique et de leur traitement

BERNARD, Claude. Leçons de physiologie expérimentale appliquée à la médecine, 2 vols., 1855-56

GARNIER, Faculté de l’âme

LEMOINE. Habitude et instinct

SAURY. L’Hydroscope et le ventriloque, ouvrage dans lequel on explique d’une manière naturelle à la portée de tout le monde comment un jeune Provençal voit à travers la terre et par quel artifice ceux qu’on nomme ventriloques peuvent parler de manière que la voix paraisse venir du côté qu’ils veulent

LEURET. Du traitement des idées ou conceptions délirantes

RICHET, Charles. L’homme et l’Intelligence : fragments de psychologie et de physiologie

BERBEZ. Hystérie et traumatisme

MAGENDIE. Précis élémentaire de physiologie (2 vols.)

PINEL. De la monomanie

2. HISTÓRIA

DELEUZE, J.P.F. Histoire critique du magnétisme animal, 1813 (1819) (disponível em https://archive.org/details/histoirecritique01dele), em 2 volumes.

LANGE, Friedrich Albert. Geschichte des Materialismus und Kritik seiner Bedeutung in der Gegenwart. (History of Materialism and Critique of its Present Significance.), 1866 (Incluso no google drive, ver outras obras de Lange abaixo. Além disso, o curioso filósofo Fouillée tem um livro só sobre ele e Nietzsche.)

3. FILOSOFIA

LEIBNIZ. Principes de la natur et de la grâce

CONDILLAC, Étienne. Traité des sensations

BAIN, Alexander. Mental science: a compendium of psychology, and the history of philosophy, designed as a text-book for high-schools and colleges

____. The Emotions and the Will

____. The Senses and the Intellect

____. Pleasure and Pain

COLSENET. La vie inconsciente de l’esprit

BOUILLIER, Francisque. Théorie de la raison impersonnelle (1844)

LITTRÉ. Philosophie positive

PAULHAN, Fréderic. L’activité mentale et les éléments de l’esprit

4. BIOLOGIA & PROTO-ANTROPOLOGIA

MAINE DE BIRAN. Anthropologie

ESPINAS. L’évolution mentale chez les animaux

BUFFON. Discours sur la nature des animaux

____. Histoire naturelle (15 vols.)

5. BIOGRAFIAS & AUTOBIOGRAFIAS

MAINE DE BIRAN. Journal intime

6. PEDAGOGIA

DARWIN, E. A plan for the conduct of female education in boarding schools

BAIN, A. Education as a Science, 1884

7. SOCIOLOGIA

BAIN, A. Review of Herbert Spencer’s Principles of Sociology

8. FÍSICO-QUÍMICA

FARADAY, Michael. Experimental Researches in Chemistry and Physics (archive.org)

STROUMPOS. Scientific Paradoxes

9. OFTALMOLOGIA

DE WECKER, Louis. Échelle métrique pour mesurer l’acuité visuelle, 1877

10. CIÊNCIAS OCULTAS

DE MIRVILLE. Des esprits et de leurs manifestations fluidiques

DUPOTET. La magie dévoilée et la science occulte, 1852

TISSANDIER. Des sciences occultes et du spiritisme

GULDENSTUBBE. La réalité des esprits

BARON DU PREL. Philosophie der mystick

HELLENBACH, Geburt und Tod

11. PSEUDO-RELIGIÃO

Para quem tiver a cara e a coragem… Pois seria o último livro de toda essa bibliografia que eu leria… Recomendaria, no lugar, Gilles de la Tourette mais acima.

KARDEC. Livro dos médiums

12. SUGESTÕES EXTERNAS BASEADAS NA BIBLIOGRAFIA CITADA POR JANET (autores em ordem alfabética; dentro de cada autor, a ordem é a de relevância do tema):

BAIN. Elements of chemistry and electricity: in two parts (mais um polímata semi-tardio!)

____. Astronomy

____. Is There Such a Thing As Pure Malevolence?

BALL. Du délire des persécutions, ou Maladie de Lasègue

BALLET. Swedenborg; histoire d’un visionnaire aux XVIIIe siècle, 1897.

____. Psychoses et affections nerveuses, 1897.

____. Traité de pathologie mentale, 1903.

BALLET, G. & PROUST, A. L’Hygiène du neurasthénique (The Treatment of Neurasthenia)

BASTIAN. Die Vorgeschichte der Ethnologie

____. Kulturhistorische Studien unter Rückbeziehung auf den Buddhismus, 1900.

____. Der Buddhismus in seiner Psychologie, 1882.

____. Die Denkschöpfung umgebender Welt aus kosmogonischen Vorstellungen

____. Religionsphilosophische Probleme auf dem Forschungsfelde buddhistischer Psychologie und der vergleichenden Mythologie

____. Kontroversen in der Ethnologie

____. Die Völkerkunde und der Völkerverkehr

____. Allgemeine Grundzüge der Ethnologie

____. Ethnische Elementargedanken in der Lehre vom Menschen

____. Die Probleme humanistischer Fragestellungen und deren Beantwortungsweise unter den Zeichen der Zeit, 1901.

____. Vorgeschichtliche Schöpfungslieder

____. Die Seele indischer und hellenistischer Philosophie in den Gespenstern moderner Geisterseherei

____. In Sachen des Spiritismus

____. Wie das Volk denkt

____. Zur Mythologie und Psychologie der Nigritier in Guinea

____. Die samoanische Schöpfungssage und Anschließendes aus der Südsee

____. Über Klima und Acclimatisation

____. Das Geschichtsdrama am Kap der guten Hoffnung aus der Vogelperspektive

BUCHHEIT. Adolf Bastian and his universal archive of humanity. The origins of German anthropology (artigo sobre Adolf Bastian – procurar)

BUZZARD. With the Turkish Army in the Crimea and Asia Minor: A personal narrative. John Murray, London, 1915.

CARPENTER, W.B. (1839) Principles of General and Comparative Physiology, Intended as an Introduction to the Study of Human Physiology and as a Study Guide to the Persuit of Natural History.

CONDILLAC. Traité des animaux, une critique de l’Histoire naturelle de Buffon de 1749, 1755.

____. Le Commerce et le gouvernement considérés relativement l’un à l’autre, 1776. (grande polímata! suas obras completas dão 30 tomos…)

DESPINE. Psychologie naturelle. Étude sur les facultés intellectuelles et morales dans leur état normal et dans leurs manifestations anormales chez les aliénés et chez les criminels, F. Savy, 1868.

____. La Science du cœur humain, ou la Psychologie des sentiments et des passions, d’après les œuvres de Molière, F.Savy, 1884.

____. De la Folie au point de vue philosophique, ou plus spécialement psychologique, étudiée chez le malade et chez l’homme en santé, Savy, 1875.

____. Le Démon alcool, ses effets désastreux sur le moral, sur l’intelligence et sur le physique, moyens d’y porter remède, Savy, 1871.

____. Du Rôle de la science dans la question pénitentiaire, quelles sont les lumières dont la science peut éclairer cette question. (1878)

DESPINE, Charles-Humbert-Antoine (mais conhecido como Despine père). De l’emploi du magnétisme animal et des eaux minérales dans le traitement des maladies nerveuses : suivi d’une observation très curieuse de guérison de névropathie, 1840.

DICTIONNAIRE DE L’ETHNOLOGIE ET DE L’ANTHROPOLOGIE, 1991 (2008).

DUBOIS D’AMIENS & BURDIN. Histoire académique du magnétisme animal (1841).

EMMERICK, Anna Katharina & BRENTANO, Clemens. La Douloureuse Passion de Jésus-Christ – éditions F.X. de Guibert, Paris – 2004 (ISBN 2-86839-942-8). (Cette réédition récente, qui correspond à la première œuvre publiée, la seule du vivant de C. Brentano, a été adaptée par Lina Murr Nehmé.)

FARADAY. Diary (faradaysdiary.com – amostra em PDF dos 7 volumes)

____. The Correspondence of Michael Faraday (4 vols. – último volume editado em 1999)

____. The letters of Faraday and Schoenbein 1836–1862. With notes, comments and references to contemporary letters – edição digital em https://dfg-viewer.de/show/?set[mets]=https%3A//digital.ub.uni-duesseldorf.de%2Foai%2F%3Fverb%3DGetRecord%26metadataPrefix%3Dmets%26identifier%3D1334720

FOUILLEÉ. Note sur Nietzsche et Lange : « le retour éternel »

____. Critique des systèmes de morale contemporains : morale évolutionniste, morale positive, morale indépendante, morale kantienne et néo kantienne, morale pessimiste, morale spiritualiste, morale esthétique et mystique, morale théologique, 1899.

____. La France au point de vue moral

GIBERT, Camille-Melchior. Manuel des maladies vénériennes

GILLES DE LA TOURETTE. L’épilogue d’un procès célèbre (Affaire Eyraud – Bompard), Aux bureaux du Progrès médical (disponível em https://www.biusante.parisdescartes.fr/histoire/medica/resultats/index.php?do=livre&cote=51443×06)

MAINE DE BIRAN. Œuvres de Maine de Biran (ed. Pierre Tisserand) (em 9 vols.)

MAURY, Alfred. Histoire des grandes forêts de la Gaule et de l’ancienne France (1850) « une 3e édition corrigée parut en 1867 sous le titre Les Forêts de la Gaule et de l’ancienne France »

MAYO. Philosophy of Living, 1851.

____. Powers of the Roots of the Nerves in Health and in Disease, 1837.

____. Observations on Injuries and Diseases of the Rectum, 1833.

____. The Cold Water Cure, 1845.

MOIGNO, François-Napeoléon-Marie. Optique moléculaire

____. Leçons de mécanique analytique

____. Traité de télégraphie électrique

LANGE. Über den Zusammenhang der Erziehungssysteme mit den herrschenden Weltanschauungen verschiedener Zeitalter. (On the Connection Between the Educational Systems with the Dominant World Views of Different Eras.), 1855.

____. Die Leibesübungen. Eine Darstellung des Werdens und Wesens der Turnkunst in ihrer pädagogischen und kulturhistorischen Bedeutung. (Physical Exercise: A Presentation of the History and Essence of Gymnastics in its Pedagogical and Cultural-Historical Significance.), 1863.

____. Die Grundlegung der mathematischen Psychologie. Ein Versuch zur Nachweisung des fundamentalen Fehlers bei Herbart und Drobisch. (Foundations of Mathematical Psychology. Attempt at a Demonstration of the Fundamental Error of Herbart and Drobisch.), 1865.

RIBOT. La Philosophie de Schopenhauer (1874)

____. Les Maladies de la volonté (1909)

____. La Psychologie allemande contemporaine : école expérimentale (1879)

____. La Psychologie anglaise contemporaine (1870)

____. Psychologie des grands calculateurs et des joueurs d’échecs (1894)

RICHER. Les Démoniaques dans l’art, with Jean-Martin Charcot (1887) (DV) (déjà vu – recomendação antiga!)

____. Les Difformes et les malades dans l’art, with Jean-Martin Charcot (1889)

____. Physiologie artistique de l’homme en mouvement (1895) (Artistic Anatomy, translated and edited by Robert Beverly Hale, 1971)

____. Introduction à l’étude de la figure humaine (1902)

____. Nouvelle anatomie artistique. Les animaux (1910) (New Artistic Anatomy: Female Morphology, translated and edited by Allana M. Benham, 2015) [que equiparem o animal à mulher… em 2015!… não posso crer nos meus olhos!]

RICHET, Charles. L’Anaphylaxie (tese ganhadora do prêmio Nobel; também foi tradutor de Gurney, outra bibliografia citada; ver ainda o trabalho no tópico 1, em psicologia.)

____. La Sélection humaine (e do mesmo autor, no entreguerras, um tratado eugenista)

SAURY. Précis d’astronomie à la portée des jeunes gens de l’un et de l’autre sexe et de tous ceux qui veulent s’initier dans cette science en peu de temps et sans beaucoup de peine

____. Histoire naturelle du globe ou Géographie physique

____. Abrégé du cours complet de mathématiques

STANLEY HALL. Study of Dolls (https://archive.org/details/StudyOfDolls)

____. Morale, the supreme standard of life and conduct (https://archive.org/details/moralesupremesta00halliala)

____. Founders of modern psychology (https://archive.org/details/foundersofmodern00hall)

____. The contents of children’s minds on entering school (https://archive.org/details/contentsofchildr00hall)

____. Adolescence: its psychology and its relations to physiology, anthropology, sociology, sex, crime, religion and education (https://archive.org/details/adolescenceitsps01hall/page/n3/mode/2up)

____. Youth; its education, regimen, and hygiene (https://archive.org/details/youthitseducatio00hall)

____. Senescence, the last half of life (https://archive.org/details/senescencelastha00halliala)

STANLEY HALL & AMY B. Studies in Spiritism (https://archive.org/details/cu31924028952153)

TAINE, H. Le Positivisme anglais : étude sur Stuart Mill, éditions Germer Baillière, coll. « Bibliothèque de philosophie contemporaine » (1864)

TERESA DE ÁVILA. Castillo interior ou Las moradas

GLOSSAIRE (glossário francês):

baliverne: sem-sentido, besteirol

baquet: banheira

cadran: face (geralmente do relógio)

compère: cúmplice

contremarque: cunha de moeda

coudre: costurar

crampe: cãibra

épervier: gavião-da-europa

étain: estanho

fou rire: ataque de riso

fourche: forquilha, instrumento agrícola dentado

gourme: impetigo

parchemin: diploma, certificado, pergaminho

paresseux: indolente (perezoso)

perchoir: apoiador, pódio, palco

pied de nez: tocar o nariz com a ponta do dedo polegar

point de répère: ponto de vista

raser: raspar, fazer a barba

rasoir: navalha

rétrecissement: recuo, recolhimento, retração

rideaux: cortinas (riddles, a verdade por trás de enigmas)

saturnisme: intoxicação pelo chumbo

serin: canário

songe (subst.): delírio em vigília

zézayer: cecear

CÁRMIDES (OU ‘DA CRÍTICA DE CRÍTIAS’): Comparação de traduções

Tradução comentada de trechos de “PLATÓN. Obras Completas (trad. espanhola do grego por Patricio de Azcárate, 1875), Ed. Epicureum (digital)”

Além da tradução ao português, providenciei notas de rodapé, numeradas, onde achei oportuno abordar pontos polêmicos ou obscuros. Quando a nota for de Azcárate (tradutor) ou de Ana Pérez Vega (editora), um (*) antecederá as aspas.

(*) “O Cármides é um diálogo de Platão em que Sócrates é introduzido ao jovem Cármides e continua a conversação com Crítias – o tema é o sentido de sophrosyne, palavra grega para <temperança>, <prudência>, <autocontrole>, <restrição>, havendo sido traduzida pelo escólio como sabedoria. Como é habitual nos diálogos platônicos de juventude, os contendores não chegam a uma definição satisfatória, mas ao menos promovem, através do método maiêutico, uma profunda reflexão.” – A.P.V.

Aproveito ainda a ocasião para fazer comparações entre duas traduções independentes, de fontes que divergem, pois traduzi novamente o texto – dessa vez outra tradução espanhola – em 2023 (note-se que este post é original de 2019, e o estou republicando com alterações). Obviamente minha própria experiência de vida fez-me recorrer à tradução de trechos diferentes e de formas diferentes, mas nos casos em que traduzi as mesmas passagens podemos avaliar, em parte, o êxito de minhas escolhas e, em parte, a própria felicidade dos tradutores espanhóis, que me induziram a localizar ao português de forma alternativa já pelo fato de haverem feito suas seleções vocabulares sobre o grego original! A “nova tradução” constará na cor azul claro, além de em fonte diferente, para não confundir o leitor.

O primeiro contraste, já bastante sobressaltante, é que CÁRMIDES também é chamado, por sua matéria de “CÁRMIDES OU DA SABEDORIA”, mas eu intitularia facilmente o diálogo como “CÁRMIDES OU DA IMPOSSIBILIDADE DO SABER”, pelo menos a partir desta opção por uma segunda tradução 4 anos depois, já “denunciando” o caráter de aporia do diálogo!

SÓCRATES – Efetivamente, pouco antes da minha partida teve lugar uma batalha em Potidéia,¹ da qual, justo agora, soube-se aqui.”

¹ Colônia de Corinto, integrante da liga espartana.

-…quem vem vindo é Cármides, filho de meu tio Glauco e portanto meu primo.

– Sim, por Zeus! Noutro tempo, ainda que muito jovem, já não parecia mal; hoje deve ser um bem-formado adulto!

– Já, já poderás julgar de seu talhe e disposição.

Enquanto pronunciava essas palavras, Cármides entrou.

– Não é a mim, querido amigo, a quem é preciso consultar para esta avaliação. Se devo ser sincero, sou a pior pedra-de-toque em matéria de beleza dos jovens; porque na idade em que está nem um só me parece menos que formoso.

Sem dúvida me pareceu admirável por suas proporções e figura, e adverti também que todos os demais jovens encontravam-se como que apaixonados por ele, como assinalavam sua turbação e emoção, que lhes notei no rosto assim que Cármides entrou. Entre os que o seguiam, contemplei mais de um erastes. Que o seguinte sucedera a homens como nós, mais velhos, nada de espantoso: mas observei que entre os jovens não havia um que nele não fixasse os olhos, e não falo só dos mais jovens dentre eles, mas de todos do local – Cármides era contemplado como um ídolo. Querefonte, interpelando-me, disse:

– E então, Sócrates, que nos dizes? Não tem uma bela fisionomia?

– Ó, sim.

– E no entanto, se se despojasse de suas vestes, não te fixarias no seu corpo, se te conheço.¹ Ah, tão belas suas formas!…

Todos subscreveram as palavras de Querefonte.

– Por Hércules! Falais-me de um homem irresistível se, evidente, em acréscimo a todos estes dotes possui um atributo bem pequeno.²

– E qual é?

– Que a natureza tenha-o tratado com a mesma generosidade quanto a sua alma; creio que assim será, posto que o jovem pertence a tua família.”³

SÓCRATES – Quem é? E é filho de quem?

CRÍTIAS – Provavelmente o conheces. Porém, quando te ausentaste da cidade ele ainda não estava em idade. É Cármides,4 filho de nosso tio5 Glauco, primo meu, portanto.

SÓCRATES – Claro que o conheço. Já então não fazia má impressão, e isso sendo só uma criança. Imagino agora então, que já é um rapaz!”

Comparados a mim, todos os adolescentes são belos.” “Tive a impressão, quando o vi entrar, de que todos os outros rapazes estavam dele enamorados, tão atônitos e confusos se mostraram. Outros muitos admiradores o seguiam. Estes sentimentos, entre homens maduros como nós, eram menos invulgares, e, não obstante, entre os jovens, dei-me conta, nenhum, por mais tenro em idade que fôra, deixava de olhar na direção de Cármides, como se fôra a imagem de um deus que se aproximava.”

QUEREFONTE6 – Então, que te parece, Sócrates? Não tem um belo rosto?

SÓCRATES – Extraordinário!

QUEREFONTE – Decerto que, se ele se pusera nu, a ti já nem pareceria belo de rosto, tão bela e perfeita sua figura.”¹

¹ A segunda tradução diverge, e provavelmente é a menos confiável.

² Não sei se há no original este matiz de ironia pícara que parece querer comentar sobre o tamanho do pênis de um homem, se essa matiz foi acrescida nas traduções ou se eu mesmo vi o texto sem a devida inocência – mas na segunda tradução não há qualquer conotação que possa ser levada para um lado ambíguo, pelo palavreado escolhido. Eu traduziria, hoje, da seguinte forma: “se, é evidente, em acréscimo a todos estes dotes me satisfizesse também num outro detalhe.”

³ Como o diálogo é diferente de muitos mais tardios, em que só Sócrates fala, como se contasse uma história passada a não sabemos quem, e interpõe os discursos da cena apenas com o travessão, há, em determinados trechos, confusão sobre com quem ele dialoga no banho, se com Querefonte ou Crítias.

4 Tanto Cármides quanto Crítias participaram do Governo dos Trinta Tiranos e morreram no mesmo ano, em batalhas contra os democratas atenienses.

5 Informação importante: Glauco parece ser tio-avô de Crítias, e no entanto Cármides é mais novo, i.e., Crítias é neto do irmão de Glauco e nasceu muito antes. Além do fato de que Glauco teve um filho já em idade avançada (o que não tem qualquer interesse fundamental para nós), só gostaria de chamar a atenção para o vínculo familiar entre ambos – mais tarde outra nota de rodapé tocará no assunto e legitimará uma adaptação feita na segunda tradução.

6 Presente no diálogo A Apologia de Sócrates, um de seus melhores amigos.

(*) “Como quando Lísias é apresentado no diálogo homônimo, Cármides é introduzido com os melhores epítetos que se pode dedicar a um homem: é kalos kai agathos. A fórmula, que expressa um ideal supremo de equilíbrio entre beleza física e superioridade psicológica se encontra num domínio mais amplo que o da mera tradução literal no contexto moderno.”

– E que motivos teríamos para não pôr primeiro em evidência sua alma, e não a contemplaremos antes que a seu corpo? Na idade em que se acha, está já em posição de sustentar dignamente uma conversa?¹

– Perfeitamente – respondeu Crítias. – Já nasceu filósofo.² E se podemos crer nele mesmo e naqueles que o cercam, é também um poeta.

– Talento que, vejo, é-lhe hereditário, meu querido Crítias. Deve-o sem dúvida a vosso parentesco com Sólon! Mas que tanto esperas para me introduzir a este jovem promissor? Ainda que fôra mais jovem do que é, nenhum inconveniente teria em conversar conosco diante de ti, seu primo e tutor.³

– Nada mais justo, Sócrates. Iremos chamá-lo.”

SÓCRATES – Que tal então se o pomos a nu, não por fora, mas por dentro, analisando sua alma em detrimento de sua aparência? Na idade em que se encontra com certeza amará o diálogo.”¹

¹ Na primeira versão é uma pergunta sincera, não-retórica. Na segunda versão é uma afirmação em forma de indagação – mas Sócrates demonstra ter certeza de que tal jovem gostará de conversar.

² Sentido vulgar de filósofo: sociável, e aparentando inteligência aos demais.

³ Esta frase coincide nas duas versões, e é o que me leva a crer que neste ponto Azcárate operou mal: Sócrates está tão convicto de que Cármides já passou e muito da idade em que já pode sustentar uma conversação profunda que chega a afirmar que mesmo se ele fosse alguns anos mais novo talvez ainda houvesse a mesma possibilidade, estando ali alguém da família, a guardar intimidade com o potencial púbere (é de se admitir que, na Grécia Antiga, a fase da revolta na puberdade se desse bem mais tardiamente do que em nossa cultura, e a fase inicial da puberdade viesse acompanhada, no homem grego livre – o não-escravo, i.e., criado de forma autenticamente ateniense –, de certo pudor e introspecção exagerados, perdidos depois naturalmente, o mesmo comportamento que passamos a exibir, talvez, dos 10 aos 12, já muito menos travessos que aos 6-8, e muito mais conformados com nossa situação do que o adolescente genuíno do século XX, de 14-18 anos).

– Cármides se queixa de que há algum tempo lhe pesa e lhe dói sua cabeça, sobretudo quando acaba de acordar. Que inconveniente há em indicá-lo, pois sei que conheces, um bom remédio para este mal?”

CRÍTIAS – Há não muito Cármides me disse que pelas manhãs, ao despertar, pesava-lhe a cabeça. Por que não te lhe apresento como médico, pois que deves conhecer um remédio para seu mal?”

Assim sucedeu, com efeito. Cármides veio a nós e deu ocasião a uma cena bastante divertida. Cada um de nós, todos sentados num mesmo banco, empurrou seu vizinho, espremendo-se a fim de dar lugar a nosso conviva, para que se sentasse de seu próprio lado. Como resultado, cada um empurrando seu próximo, os dois que estavam nas extremidades do assento – um deles teve de se levantar de golpe, e o outro caiu de bunda no chão. Não obstante, Cármides adiantou-se e sentou entre Crítias e eu mesmo. Mas então, ó amigo, me senti um tanto turbado e perdi repentinamente aquela serenidade que conservara antes, com a qual contava a fim de conversar sem esforço com o jovem. Depois, Crítias fez questão de cortar o embaraço relatando que eu era aquele que sabia de um bom remédio para suas dores de cabeça. Ele se voltou para mim com o olhar interrogativo e perscrutador, um gesto que me é impossível descrever o suficiente. Todos que estavam na academia se apressaram em sentar em círculo a nossa volta. Neste momento, meu querido, minha vista penetrou as dobras de sua túnica; meus sentidos se excitaram, e em meu transporte compreendi até que ponto Cídias¹ é inteligente nessas coisas do amor: uma vez, falando da beleza de um jovem, com um terceiro, disse: Ó, inocente gamo, vê se não te vais apresentar à boca do leão, se não desejas ser despedaçado!

¹ Poeta do qual provavelmente só restam fragmentos ou citações em outros autores.

Respondi que meu remédio consistia em certa erva, mas que era preciso acrescentar certas palavras mágicas; que pronunciando as palavras e tomando o remédio ao mesmo tempo recobraria inteiramente a saúde; mas que as ervas sem as palavras não surtiriam qualquer efeito. Cármides me respondeu:

– Vou, pois, escrever as palavras de teu encanto para não as esquecer.

– Dir-tas-ei a uma petição tua ou sem precisar de uma?

– Ao meu rogo, Sócrates – respondeu o jovem espirituoso, a rir.

– Que assim seja. Mas sabes meu nome?

– Seria vergonhoso se o ignorasse; no círculo de jovens és tu quase o principal tema de nossas conversas. Quanto a mim, recordo vivamente tê-lo visto, ainda muito criança, muitas vezes, em companhia de meu querido primo¹ Crítias.”

CÁRMIDES – De que remédio se trata?

SÓCRATES – O remédio é uma espécie de erva, à qual deve ser acrescentado um encantamento cem por cento eficaz para trazer de volta a saúde; a tal ponto que, consumindo-se somente a erva, sem o ritual que a acompanha, não há possibilidade da cura.”

¹ A diferença de idade é tamanha que achei melhor modificar a relação entre primo de meia-idade e primo mancebo para uma de tio-sobrinho a partir daqui na segunda tradução.

SÓCRATES – (…) O poder deste remédio é tal que não cura somente as dores de cabeça. Já deves ter ouvido falar de médicos hábeis. Se são consultados por alguém com doenças oculares, dizem que não podem empreender a cura dos olhos sem estender o tratamento à cabeça inteira. Analogamente, não se pode curar a cabeça desprezando o restante do corpo. Seria uma tolice. Seguindo este raciocínio, tratam o corpo inteiro e se esforçam por cuidar do paciente e sanar a parte juntamente com o todo. Não crês tu que é assim como falam e como realmente acontece?

CÁRMIDES – Não duvido.

SÓCRATES – E tu aprovas este método?

CÁRMIDES – Como não?”

Dizem os médicos que para curar os olhos deve-se curar também a cabeça, que os envolvem. E que para curar a cabeça deve-se cuidar do corpo inteiro. E de nada adianta cuidar do corpo, se não se presta atenção à própria alma.”

Zamolxis,(*)¹ nosso rei, e por conseguinte um deus, defende que não se deve tentar efetuar a cura dos olhos sem a cura da cabeça, nem a da cabeça sem a do corpo; e tampouco deve-se tratar o corpo sem tratar a alma; se muitas doenças resistem aos esforços dos médicos gregos, isto vem de que desconhecem este sistema. Pois indo mal o todo, seria impossível que fosse bem a parte.

(…)

Trata-se da alma valendo-se de algumas palavras mágicas. Estas palavras mágicas são os belos discursos. Graças a eles, a sabedoria se enraíza nas almas e, uma vez arraigada e viva, nada mais fácil que se procurar a saúde à cabeça e a todo o corpo.”

Ocorre, Cármides, que aprendi este encantamento no exército, de um dos médicos trácios de Zalmoxis,(*) ouvindo-o proferir que é capaz de ressuscitar os mortos.

(*) “Referem Zamolxis como escravo de Pitágoras que obteve sua liberdade, viveu três anos num subterrâneo [!!] e de lá saiu para fazer-se grande legislador, além de filósofo que ensinava sobre a imortalidade da alma. (Heródoto, 4:95)” – P.A.

(*) (outra nota, subsecutiva) “Talvez tenha sido discípulo e não escravo de Pitágoras. Seu nome possui diferentes grafias, conforme a fonte apurada. Zalmoxis, Salmoxis, Zamolxis, Samolxis. É hoje tido mais como figura lendária, reformador social e religioso, endeusado pelos trácios da Dácia e pelos getas (povos do baixo Danúbio). Ainda com referência a Heród. 4:95-ss., os getas tinham a crença de que ao morrerem se reuniam com Zamolxis.” – A.P.V.

¹ Para uma interpretação moderna do mito de Zamolxis ou Zalmoxis, vd. Mircea Eliade.

(*) “Zalmoxis é, segundo Heródoto, História IV, um deus reverenciado na Trácia. Era cultuado como a divindade da medicina e da imortalidade. No mesmo livro, Heródoto cita Zalmoxis como um escravo de Pitágoras, proveniente da própria Trácia; daí então admitirmos que falava da mesma pessoa em ambas as circunstâncias, e que o “deus” dos trácios era um deus pessoal, vivente. Diógenes Laércio descreve este último como um dos primeiros filósofos dentre os povos bárbaros, o que para eles deve ter tido o mesmo efeito de acompanhar um deus em vida.”

– Cármides me parece superior aos jovens de sua idade, não só pela beleza de suas formas, mas também por essa coisa mesma pela que tu aprendeste e que contém referências a essas <palavras mágicas>. Afinal, o que queres dizer é que discutamos sobre a sabedoria, não é verdade?

– Exatamente.”¹

A alma é tratada com encantamentos, e os encantamentos são os belos discursos. Dos belos discursos nasce a sensatez,¹ amiga da alma sadia. (…) O maior erro é tentar ser médico da alma e do corpo em separado. Se não acreditas no remédio, ele não te serve.”

¹ A palavra sabedoria demora muito mais a entrar em jogo na segunda tradução. Trata-se da sophrosyne, que pode ser traduzida com outros vocábulos dependendo do contexto.

Anacreonte, Sólon e os demais poetas foram infatigavelmente celebrados pela família de teu pai que se liga a Crítias, filho de Drópidas. Tua família é famosa por sobressair na beleza e na virtude de suas gerações, afora todas as demais vantagens que constituem a felicidade. (…) Jamais se conheceu no continente um homem mais belo nem mais excelente que teu tio Pirilampo,(*) embaixador de reis e príncipes diversos. (…) Pois bem: com tais antepassados, tu não podes menos que ser o melhor em tudo.”

(*) “Pirilampo, filho de Antifonte, casado em segundas núpcias com sua sobrinha Perictíona e, portanto, também padrasto de Platão.”

se és suficientemente sábio, nada tens que ver com as palavras mágicas de Zamolxis ou de Ábaris, o Hiperbóreo¹ (…) A ti, te toca unicamente dizer-me se concordas com a opinião de Crítias, se crês que tua sabedoria² é completa, ou ainda incompleta.”

¹ Outra figura “excêntrica” relatada pelo historiador Heródoto. Digamos que personagem folclórica, posto que ali se diz que voava pelos céus.

² Vide a – na minha opinião – monumental diferença de vocábulo, decorrente das diferentes acepções do grego sophrosyne.

Cármides ruborizou, e com isso pareceu ainda mais belo, porque a modéstia quadra bem com sua juventude. Depois, ao recobrar-se, disse, não sem certa dignidade, que não lhe era fácil responder de chofre <sim> ou <não> a semelhante pergunta.

– Porque se nego que sou sábio, acuso-me a mim mesmo, o que não é razoável; e assim fazendo emito um desmentido às palavras de Crítias e tantos outros, que tanto me exaltam, ao que parece. Mas, na mão contrária, se faço-me eu mesmo meu próprio elogio, não me ponho em situação menos inconveniente. Simplesmente não sei o que responder-te!”

CÁRMIDES – Estou aqui em situação bastante difícil. Por um lado, se digo que não sou sensato, estaria bastante fora de lugar que alguém diga tal coisa de si mesmo; ademais, farei com que Crítias, que é inclusive nossa testemunha, pareça diante dos outros um embusteiro, aliás, não só ele como muitos que afiançam que pareço sensato. Por outro lado, aquele que se diz sensato corre o risco de se tornar insuportavelmente arrogante. Então antes de que me examines, Sócrates, nada tenho a dizer.”

SÓCRATES – Para que saibamos se a sabedoria reside ou não em ti, diz-nos: que é a sabedoria em tua opinião?

CÁRMIDES – (…) Sócrates, a sabedoria parece consistir, para mim, em fazer todas as coisas com moderação e comedimento; andar, falar e agir em tudo dessa maneira; numa palavra, a sabedoria seria uma certa medida ou justeza.”

SÓCRATES – Diz-se por aí, querido Cármides, que os que procedem com medida são sábios. Mas há razão nessa sentença?”

Não seria a sensatez tudo que se faz de modo ágil?”

SÓCRATES – E que é mais belo para um mestre de escola, escrever agilmente ou com medida?

CÁRMIDES – Agilmente.

SÓCRATES – Ler rápido ou devagar?

CÁRMIDES – Rápido.

SÓCRATES – E tocar a lira com desenvoltura e lutar com agilidade não é mais belo que fazer todas essas coisas com mesura e lentidão?¹

CÁRMIDES – Sim.

SÓCRATES – E então? No pugilato e nos combates de todo gênero, não é sempre assim?

CÁRMIDES – Absolutamente.”

Por exemplo, ensinar algo a alguém, não é melhor fazer com rapidez e fluidez que com lentidão e pesadez?”

E a agudeza de raciocínio, não é algo assim como agilidade, e seu contrário a torpeza da mente?”

¹ Na tradução de Azcárate perde-se todo o gradiente, os matizes que a cada nova sentença Sócrates vai colocando nas expressões, para fazer seu interlocutor cair em contradição, ou melhor, já que Sócrates não é um sofista barato: para fazê-lo ver que, ao definir assim a sabedoria, qualquer homem cai em contradição.

SÓCRATES – É a sabedoria bela?

CÁRMIDES – Sim.

SÓCRATES – Logo, pelo menos no que concerne ao corpo, não é a mesura ou a medida, mas a velocidade que constitui a sabedoria, posto que a sabedoria é uma coisa bela.”

Então a sensatez não pode ser algo tranqüilo. Dir-se-ia que a sensatez é contrária ao repouso e à serenidade. (…) Mas se as ações calmas e prudentes não são em si mais valiosas, necessariamente, que as ações intrépidas e veementes, na verdade a sensatez seria algo indiferente ao tranqüilo e ao intranqüilo. Pois no andar e no falar não é prudente ser apressado sempre. Só o que sabemos é que a sensatez é muito bem-avaliada, destarte. E há coisas vagarosas que são bem-avaliadas!”

CÁRMIDES – Me parece, agora que tu o disseste, me corrigindo, que o próprio da sabedoria é produzir o rubor, fazer do homem mais modesto e timorato; a sabedoria seria, então, o pudor.

SÓCRATES – Que seja, então. Não confessaste antes que a sabedoria era uma coisa bela?

CÁRMIDES – Sim.

SÓCRATES – E os homens sábios são igualmente bons?”

CÁRMIDES – A sensatez também pode ser algo que torna o homem mais tímido e desperta-lhe o pudor.”

Mas o que dizes de Homero? Crês que ele está errado quando afirma

<Não é boa a companhia do pudor para o homem indigente>(*)?

(*) Odisséia XVII”

– Se o pudor pode ser tão bom quanto mau, não é sensatez, pois esta é sempre boa.

– De acordo.”

a sabedoria consiste em fazer o que nos é próprio.”¹

¹ Em que pese preferir, no todo, a versão de Azcárate, novamente encontro neste ponto específico maior felicidade na segunda tradução. Ver abaixo, quando reaparece, qual foi a escolha da 2ª tradução para “fazer o que nos é próprio”.

Que é o <ocupar-se>?”

SÓCRATES – Ó, pícaro! Foi Crítias ou algum outro filósofo que te sugeriu esta idéia?”

se descobrirmos o que isto significa, não me surpreenderei pouco; é um verdadeiro enigma!”

CÁRMIDES – Eu não sei de nada, por Zeus! Mas não seria impossível que quem falou desta forma se compreendesse a si próprio.

Ao dizer isso, Cármides me sorria e dirigia o olhar a Crítias, que se encontrava visivelmente vermelho já há algum tempo. (…) Percebi que jamais me enganara: Crítias era o autor da última resposta que me dera Cármides acerca da definição de sabedoria.”

não menos colérico contra o jovem que um poeta contra o ator que desempenha mal seu papel”

Via-se que Crítias, que, já fazia um tempo, sentia-se atacado e demonstrava vontade de sobressair em relação a Cármides e os presentes, incapaz de conter-se por muito mais, estava prestes a se manifestar. Tanto mais, então, me pareceu que meu palpite acertara em cheio: Cármides escutara justo de Críticas aquela definição de sensatez. Assim, Cármides, em apuro na defesa da definição, não querendo se associar ao que Crítias dissera, parecia querer que o tio percebesse como fôra por mim refutado. Foi depois da última fala do sobrinho que Crítias, sem poder se segurar, visivelmente chateado, exatamente como o autor que vê o artista representar mal suas obras, declarou finalmente:

CRÍTIAS – Quer dizer então, Cármides, que se tu mesmo não sabes o que tinha na cabeça quem definiu a sensatez como <ocupar-se daquilo que é seu> atribuis a este alguém automaticamente a qualidade que desconheces, isto é, asseveras que quem definiu assim a sensatez não sabia, tampouco, que é que lhe passava pela própria cabeça quando a definiu?”

Trabalhar com vistas ao belo e ao útil, eis aqui o que se chama ocupar-se; e os trabalhos deste gênero são para Hesíodo ocupações¹ e o autêntico agir.”

¹ Neste sentido, Hesíodo divide os trabalhos em dois: aquele indigno, que mal mereceria o nome de “trabalho”, e o trabalho digno em si, que ele também equivale a estar ocupado, à ação íntegra e excelente.

CRÍTIAS – Eu jamais disse que <ocupar-se de> é o mesmo que <fazer>. Segundo Hesíodo, nenhum trabalho é desonroso. E o artesão faz o que é dos outros, embora se ocupe só do seu.”

SÓCRATES – (…) Que assim seja. Dá às palavras o sentido que mais te agrade; basta-me que as definas simultaneamente a seu emprego. (…) Fazer o bem ou trabalhar por ele, ou como queiras chamá-lo, é isso que tu chamas sabedoria?”

CRÍTIAS – Não pestanejo, Sócrates.

SÓCRATES – Sábio é aquele que faz o bem, não o que faz o mal?

CRÍTIAS – Tu mesmo, querido amigo, não és deste parecer?

SÓCRATES – Não importa; o que agora temos de examinar não é o que eu penso, mas o que tu dizes.

CRÍTIAS – Pois bem; o que não faz o bem mas o mal, declaro que não é sábio; o que não faz o mal, mas o bem, este eu declaro sábio. (…)

SÓCRATES – Poderá suceder que tenhas razão. Não obstante, uma coisa me chama a atenção, e é que admites que um homem possa ser sábio e não saber que o é.

CRÍTIAS – Não há nada disso, Sócrates. Não o admito!

(…)

CRÍTIAS – Não, Sócrates, isto não é possível. Se crês que minhas palavras conduzem necessariamente a esta conseqüência, prefiro retirá-las. Prefiro antes confessar sem nenhum constrangimento que me expressei inexatamente, a conceder que se possa ser sábio sem conhecer-se a si mesmo. Não estou distante de definir a sabedoria como o conhecimento de si mesmo, e de fato sou da mesma opinião daquele que gravou no templo de Delfos uma inscrição deste gênero: Conhece-te a ti mesmo. Esta inscrição é, a meu ver, um cumprimento que o deus dirige aos que entram, em vez de ser uma fórmula ordinária, conforme muitos, tal qual <Sê feliz!>Creio que o deus julgou que uma mensagem mais direta como esta última não seria conveniente, e que aos homens deve-se desejar não a felicidade, mas a sabedoria. Eis aqui em que termos tão distintos dos nossos fala o deus aos que entram em seu templo, e eu compreendo bem o pensamento do autor da inscrição (…) linguagem um pouco enigmática, sim, como a do adivinho. ‘Conhece-te a ti mesmo’ e ‘sê sábio’ são a mesma coisa, no fundo, pelo menos é o meu parecer. Há outros homens que gravaram inscrições mais recentes nos templos, inscrições bem mais simplórias: Nada em demasia; dá-te em caução e não estarás longe da ruína, etc. Isso é coisa de gente que tomou a sentença conhece-te a ti mesmo por uma simples afirmação, digo, conselho, e não pelos cumprimentos do deus aos verdadeiramente sábios que ali entravam. (…) Ora, Sócrates, quiçá estejas certo ao final, quiçá eu o esteja. Em todo caso, nada de sólido firmamos aqui.”

SÓCRATES – Ah, Crítias! Assim que começaste a falar, entrevi por onde encaminharias teu discurso; ou seja, que chamarias as coisas próprias de alguém boas, e a criação (poiesis) de coisas boas de atividades (praxeis). Também de Pródico(*) ouvi ilimitadas distinções de palavras acerca disso. Fica à vontade para determinar o sentido que queres às palavras, contanto que bem justifiques tuas escolhas ao final. Agora, sugiro que comecemos então a definir as coisas com clareza desde um princípio que nos seja mútuo. É a <ocupação com> (praxeis) coisas boas que tu chamas de sensatez? E também a criação ou produção (poiesis), ou como mais queiras chamá-las, tu também chamas de sensatez, correto?

CRÍTIAS – Perfeito, Sócrates. Ambas as coisas são sensatas, ou antes ambos os verbos se referem àquilo que é sensato.

(*) Para mais sobre Pródico de Ceos, sofista, cientista político e gramático que atuou na Atenas socrática, cf. principalmente o Protágoras [https://seclusao.art.blog/2018/03/02/protagoras-outros/] e o Eutidemo [https://seclusao.art.blog/2018/08/31/eutidemo-ou-do-disputador-ou-da-mentira-sofistica-frente-a-verdade-dialetica/].”

CRÍTIAS – …de modo que defino quem se ocupa do seu como quem se ocupa de boas obras.”

SÓCRATES – Pode ser que um médico, tendo ou não curado o paciente (tendo ou não feito um bom trabalho), ignore se tratou de modo eficaz o paciente? Segundo tua definição, Crítias, tendo o médico curado o paciente, ignorando-o ou não se realmente o fez, ele obrou bem, isto é, sensatamente. Estou certo?

CRÍTIAS – Sim, Sócrates. Foi o que eu afirmei. (…) Inclusive equiparo o ser sensato ao Conhece-te a ti mesmo² da inscrição em Delfos. (…) De modo que o Conhece-te a ti mesmo não é em verdade um conselho do deus, como querem os homens que interpretam a inscrição demasiado à letra. A frase é antes uma saudação aos homens sensatos que qualquer outra coisa. Mas os homens mais se satisfazem com exortações diretas que com enigmas complicados.”

¹ “Sensato”, na 2ª tradução.

² Na tradição, frase provinda de Apolo. Na doxografia, muito associada a Sócrates, a frase é no entanto mais atribuída como original de Tales de Mileto, um dos Sete Sábios da Grécia Antiga, de geração anterior a sua.

CRÍTIAS – A sabedoria não é semelhante às outras ciências; estas não são semelhantes entre si, e tu supões em teu raciocínio que todas se parecem”

A sensatez é então um saber, ou um saber-de-algo?”

Não é a medicina um saber sobre a saúde?”

SÓCRATES – E a estática é a ciência do pesado e do leve; o pesado e o leve diferem da estática mesma. Não crês?

CRÍTICAS – Sim.

SÓCRATES – Pois bem; diz-me: qual é o objeto da ciência da sabedoria, que seja distinto da sabedoria ela mesma?”

O saber sobre si mesmo, que nome teria? E que obra gera de diferente de si mesma (a própria sensatez)? Pois que o matemático gera o saber sobre os números pares e ímpares e suas correlações, como o arquiteto gera o saber sobre edificações. A sensatez e o autoconhecimento mesmos devem gerar o saber sobre algo.”

CRÍTIAS – (…) Esta semelhança não existe. Enquanto todas as demais ciências¹ são ciências de um objeto particular e não do todo delas próprias, só a sabedoria é a ciência de outras ciências e de si mesma. (…) propões-te apenas a me combater e refutar, Sócrates, sem fixares-te na essência da questão!

SÓCRATES – Mas como, Crítias? Podes crer que se eu te pressiono com minhas perguntas seja por outro motivo além de que assim eu me obrigaria a dirigir-me a mim próprio a fim de examinar minhas palavras? Quero dizer, o temor de me enganar a respeito das coisas pensando saber e na verdade constatar que não sei não é aquilo que sempre me moveu e continua a me mover?”

CRÍTIAS – Sócrates, todos os outros saberes são saberes-sobre-algo, porém a sensatez se diferencia por ser um saber sobre todos os outros e também sobre si. Vejo que estás mais preocupado em refutar-me que em seguir o tema da discussão!(*)

(*) A partir desta definição de sensatez por Crítias entra-se na parte mais original do diálogo Cármides. Os trechos que seguem são justamente objeto de várias investigações recentes, como as de E. MARTENS; B. WITTE, Die Wissenschaft vom Guten und Bösen. Interpretationen zu Platons ‘Charmides’, Berlim, 1969; T.B. EBERT, Meinung und Wissen in der Philosophie Platons. Untersuchungen zum ‚Charmides‘, ‚Menon‘ und Staat, Berlim, 1974, pp. 55-82. Pioneiro no tema do Cármides foi o valioso estudo de CARL SCHIRLITZ, publicado no final do século XIX: «Der Begriff des Wissen vom Wissen in Platons ‚Charmides‘ und seine Bedeutung für das Ergebnis des Dialogs», em Neue Jahrbücher für Philologie und Paedagogik 155 (1897), 451-476 e 513-537.”

SÓCRATES – Mas como podes supor algo assim? Pensas que, ao refutar-te, faço-o por alguma causa distinta que a que me leva a me investigar a mim mesmo e aquilo que digo, talvez por temor de que me escape aquilo que penso que sei, sem sabê-lo? Digo-te, pois, Crítias, que é isto que trato de fazer agora: analisar nosso discurso, sobretudo por mim mesmo, mas também, acessoriamente, em prol de meus outros amigos. Não crês que tornar transparente a estrutura de cada um dos seres seja um bem comum para quase todos os homens?

CRÍTIAS – Creio, Sócrates, e muito!”

¹ A segunda tradução inteira se exime do emprego da palavra ciência. Como designadora das matemáticas, medicina, da arte do artesão, seria mais fácil empregá-la para nós, leitores modernos, mas realmente entendo a intenção de não usar o termo para a sabedoria (como a ciência da própria ciência), o que confundiria o leitor “empírico” moderno, tendente ao positivismo metodológico. Não é ciência no sentido baconiano aquela que aqui se discute. Tanto que aqui se trata mais do saber de um ofício, quando se fala das ciências particulares: o médico entende de medicar, o sapateiro de fazer sapatos. Seria espúrio para o cientista contemporâneo chamar o artesão de “seu colega” (cientista), para não falar também que na contemporaneidade a matemática não é mais considerada uma hard science.

Ânimo, amigo! Responde a minhas perguntas, segundo teu próprio juízo, sem inquietar-te se é Crítias ou Sócrates aquele que leva a melhor ao final. Aplica todo teu espírito no objeto que nos ocupa agora, e que seja uma só coisa tua preocupação: a conclusão a que nos conduzirão nossos próprios esforços.”

A ti não te importes se é de Sócrates ou de Crítias o discurso que está sendo refutado. Mas atua com diligência para que, quando parecer que estás em apuros, vejas uma saída plausível com o auxílio de teus argumentos.”

CRÍTIAS – Penso que, única entre todas as demais ciências, a sabedoria é a ciência de si mesma e de todas as demais ciências.

SÓCRATES – Logo, será também a ciência da ignorância, se o é da ciência?

CRÍTIAS – Sem dúvida.

SÓCRATES – Portanto, só o sábio se conhecerá a si mesmo, e estará em posição de julgar daquilo que sabe e daquilo que não sabe. De igual modo, só o sábio é capaz de reconhecer, quanto aos demais, o quê cada um sabe crendo sabê-lo, assim como o quê cada um crê saber, sem contudo saber. Nenhum outro pode fazer esse juízo. Numa palavra, ser sábio, a sabedoria, o conhecimento de si mesmo, tudo isso se reduz a saber o quê se sabe e o quê não se sabe. Não pensas tu idem?

CRÍTIAS – Em absoluto.”

A sensatez é também um saber do não-saber?”

Só o sensato, portanto, saberá aquilo que crê saber e na verdade não o sabe.”

SÓCRATES – (…) examinemos (…) primeiro se é possível ou não saber que uma pessoa sabe o quê sabe e não sabe o quê não sabe. Em segundo, supondo isto possível, que utilidade pode resultar deste saber?

É possível o saber que sabe o que sabe e que não sabe o que não se sabe?”

Concebes uma vista que não visse nenhuma das coisas que vêem as demais vistas, mas que seja a vista de si mesma e das demais vistas, e até do que não é visto? Concebes uma vista que não visse a cor, apesar de ser vista, mas que se visse ela mesma e as demais vistas? Crês que semelhante vista existe?

CRÍTIAS – Por Zeus, Sócrates, claro que não!

SÓCRATES – Concebes um ouvido que não ouvisse nenhuma voz, mas que se ouvisse a si mesmo e aos outros ouvidos, e até ao que não é ouvido?

CRÍTICAS – Tampouco.

SÓCRATES – Considerando todos os sentidos de uma só vez, parece-te possível que haja um que seja o sentido de si mesmo e dos outros sentidos, mas que não sinta nada do que os outros sentidos sentem?

Por conseguinte, uma coisa seria ao mesmo tempo maior que si mesma e menor que si mesma; mais pesada e mais leve; mais velha e mais nova, e assim com todo o demais. Não é indispensável que a coisa, que possui a propriedade de referir-se a si mesma, possua ademais a qualidade a que tem a propriedade de se referir?”

Estou em uma aporia. (…) Não parece que esse saber ora sabe mais, ora sabe menos do que ele sabe?”

Se é verdade que sou um dobro, não é verdade que sou também a metade? Que se o dobro de algo é 2x, o dobro é tanto o 2 quanto o x?”¹

¹ Sócrates não o diz recorrendo a símbolos aritméticos, que inclusive são criação muito posterior do espírito (da razão humana), mas achei que não faria mal em condensar assim seu pensamento.

Seria possível uma ciência da ciência? Eu sou incapaz de afirmá-lo; e ainda que haja, eu de minha parte não poderia admitir que esta ciência seja a sabedoria antes de haver examinado se, isto pressuposto, tal conhecimento nos seria útil ou não; porque me atrevo a declamar que a sabedoria é uma coisa boa e útil. Mas tu, filho de Calescro, que estabeleceste que a sabedoria é a ciência da ciência e igualmente da ignorância, prova-me, antes de qualquer coisa, que isto é possível”

Crítias, como aqueles que bocejam ao ver alguém bocejar, pareceu-me tão desconcertado quanto eu. Habituado ele a se ver coberto de elogios, constrangia-se à mera olhada dos circunstantes; teimava em não confessar ser incapaz de esclarecer as questões que eu formulei, falava, falava, e nada dizia – apenas disfarçava sua impotência aos menos perspicazes. Eu, que não queria abortar a discussão, me interpus novamente:”

E Crítias se via tão atônito e confinado à aporia quanto eu, agora; mas tinha vergonha de ceder diante dos demais. Nesse impasse, ele tampouco dizia nada que avançasse a discussão do problema.”

SÓCRATES – (…) Sem dúvida, se alguém possui aquilo que conhece a si mesmo, reconhecerá, logicamente, também a si mesmo. Mas o que interessa saber é se quem possui esta ciência deva necessariamente saber o quê sabe e também aquilo que não sabe!

CRÍTIAS – Sem dúvida, Sócrates, porque trata-se da mesma coisa.”

Como pode o saber do saber ser igual o saber da ignorância?”

Em medicina e política, é fácil saber que se sabe algo em medicina e política.”

Mas quanto ao saber do saber, como saberá que sabe? A sensatez não parece ensinar nada.”

O sensato não sabe o que o médico sabe ou não sabe, nem o que o político sabe ou deixa de saber.”

É através da medicina que conhecemos o que é são, não através da sabedoria; e através da música, o que é harmonioso (não através da sabedoria); através da arquitetura, o que é necessário para se construir (não da sabedoria). Concorda que é assim sucessivamente com todas as demais artes e ciências?”

Aquele que ignora essas coisas não sabe o quê ele sabe, só sabe que sabe.” Esta expressão é a formulação mais extensa e elaborada do aforismo mais célebre de Sócrates-Platão: o só sei que nada sei. Ao contrário do que vulgarmente se diz em torno desta frase, Sócrates não abdica do conhecimento, abraçando um ceticismo e um niilismo teórico absolutos. O sábio não sabe a medicina, o sábio não sabe a música, o sábio não é arquiteto, nem piloto de navio, nem estratego militar, nem a sibila. Mas, seu cognome o indica, ele possui uma sabedoria, a mais especial das sabedorias, a sabedoria em si. Sem referências às outras, é uma sabedoria inócua, vazia, despida de conteúdo. Somente com referência às outras sabedorias é a sabedoria do sábio (do filósofo) a ciência da ciência. Isto já é algo mais que o niilismo fundamental do conhecimento vulgar da expressão. Mas implica que o sábio pode ou deve ser útil? Não sem a devida humildade e a visão do todo que este conhecimento exige se não for apenas Retórica (ou seja, o diálogo se chama Cármides porque foi ele que deu a principal lição, no início, em sua fala discreta): “Só” sei que nada sei: o só representa mais do que uma partícula “secundária” da frase-síntese do método maiêutico: é o conhecimento positivo, mas que não se atreve a usurpar o lugar de cada um dos outros especialistas (nas demais sabedorias técnicas), de que sem o conhecimento natural cumulativo, da experiência, seu saber de nada vale ou adianta; ainda assim, é o primeiro passo necessário, a primeira certeza no sentido objetivo da filosofia moderna, até os dias da nossa Filosofia. Não sei “o quê” (conteúdo) posso saber ou não, mas sei qual é o critério da busca da verdade. Nasce aqui a epistemologia atemporal. Admite que não existe uma modalidade de sabedoria que esgote a própria sabedoria, a ponto de eliminar a ignorância, que é sempre a estrada do filósofo. E nenhuma filosofia se faz sem um chão firme sob os pés. Em suma, Sócrates entendeu a condição humana: o limite dinâmico da própria capacidade do saber. (A possibilidade d)O auto-conhecimento (do homem e das coisas pelo próprio homem que pode se entender e entender as coisas, como são, apenas a partir desse parêntese – de que o quê ele sabe sobre si mesmo condiciona e limita seu conhecimento atual do todo, sem que essa regra seja jamais passível de quebra, embora seu conhecimento atual varie com o tempo).

Logo, a sabedoria e o ser sábio consistem não em saber o quê se sabe e o quê não se sabe, mas unicamente em saber que se sabe e (outrossim) que não se sabe.” Reiteração do dito acima: o saber não pode ser sem a ignorância, e vice-versa.

Logo, a sabedoria não nos põe em posição de reconhecer no outro, que alega sempre saber alguma coisa, se este outro sabe o quê diz saber, ou se porventura não o sabe de verdade. Toda a virtude da verdadeira sabedoria (a ciência das ciências) se limita a nos ensinar que possuímos uma certa ciência. Qual é a matéria desta ciência, não é a ciência das ciências quem nos dirá.”

O médico não sabe nada sobre a medicina, pois a medicina é sabedoria do saudável e do doente, não de si mesma. O sábio reconhecerá que o médico possui uma sabedoria; mas que sabedoria é essa, só se o pode saber com referência aos objetos da medicina.”

Afora o médico, ninguém é competente para isso, nem o próprio sábio, aliás, muito menos ele. Não fosse assim, teríamos um médico-sábio, ou um sábio-médico, figura quimérica.”

E bem, querido Crítias, reduzida a sabedoria a estes termos, qual pode ser sua utilidade? Ah! Se, como supusemos de início, o sábio soubesse o quê sabe e o quê não sabe; se soubesse que sabe certas coisas e não sabe outras certas coisas… Se pudesse, além disso, julgar aos demais homens quanto ao que ele julga na própria pessoa, aí então, eu o declaro, ser-nos-ia INFINITAMENTE ÚTIL o sermos sábios! Passaríamos a vida, inclusive, isentos de falha enquanto possuíssemos a sabedoria, e o mesmo se aplicaria a quem agisse conforme nossas prescrições.” Há uma tão infinitesimal ironia nessa fala de Sócrates que nós não a captaríamos como ironia, sem o contexto do diálogo e sem expertise em filosofia não fosse por recursos modernos como o colocar em CAIXA ALTA, por exemplo. A verdade é que a sabedoria no sentido de Crítias não existe, daí então Sócrates considerá-la inútil, ainda que existisse. Pois que é a vida, senão sucessivos erros misturados com acertos? E que sabedoria, sendo sabedoria, negligenciaria esse dado tão importante (o de que é impossível ser sábio, onisciente, perfeito)?

O médico sabe sobre saúde, mas não sobre o saber, já que isso está só para os sensatos. Porém, resulta que o médico nada sabe de medicina, pois a medicina é o saber sobre a saúde. Ou não será assim?”

O sensato não é um médico, ou não tem de ser um médico.”

O sensato não pode distinguir o bom médico do mau médico, o charlatão. Só um médico poderia fazê-lo.”

Que proveito há, portanto, na sensatez, Crítias?”

Talvez que o objeto de nossa indagação seja absolutamente inútil! O que me faz ter esses pressentimentos acerca da sabedoria (a que definimos) são coisas que me vêm ao espírito. (…) Creio que excede meus poderes. Mas quê importa? Quando algo se nos coça cá no espírito não há remédio senão examinar tal coisa! Não deixeis que escape ao acaso, por pouco amor que tenhas por ti mesmo!”

ao vivermos em prol da sabedoria, viveremos por isso melhor e mais felizes?”

SÓCRATES – (…) me parece que só tomas por felizes aqueles que vivem segundo certas sabedorias. Talvez só concedas este privilégio ao que designei previamente, isto é, àquele que sabe tudo o que deve suceder: falo do adivinho.

CRÍTIAS – Não só a esse sábio, Sócrates.

SÓCRATES – Quais outros então? Poderias estar falando daquele que une o conhecimento do futuro, do passado e do presente? Supondo que um tal homem existe, claro. Creio que confessarás que nenhum outro senão este possa viver segundo a sabedoria.

CRÍTIAS – Confesso.

SÓCRATES – Mais uma pergunta: Qual destas ciências é a que faz deste homem feliz? Ou são todas de uma vez, cada uma em sua proporção?

CRÍTIAS – Nada disso.

SÓCRATES – Então, qual é a ciência que eleges? A dos acontecimentos passados, presentes e futuros? A do xadrez?¹

CRÍTIAS – Ah, a do jogo de xadrez!! Que absurdo!

SÓCRATES – A dos números?

CRÍTIAS – Essa também não.

SÓCRATES – A do que é saudável?

CRÍTIAS – Hm, talvez, mas não de todo.

SÓCRATES – Mas diz de uma vez, qual é a ciência que mais contribui para a felicidade do sábio?

CRÍTIAS – Ora, a ciência do bem e do mal.

SÓCRATES – Ah, pícaro! Depois de tanto caminharmos faz-me agora rodar em círculos!”

Mas o suposto saber do saber, que não ignora o que ignora, saberia saber mais do que sabe atualmente…”

CRÍTIAS – A sensatez é saber sobre o bem e o mal.”

SÓCRATES – …Porque nosso (mau) pressuposto diz que se sabem aquelas coisas que não se sabem, ainda que, em minha opinião, não houvesse nada que nos parecesse mais absurdo do que isso!”

¹ “Damas” na segunda tradução.

E esta ciência, me parece, não é a sabedoria, senão aquela cujo objeto é o ser útil;¹ porque não é a ciência da ciência e da ignorância, mas a do bem e do mal.”

¹ No fundo, a ética é a mais importante das sabedorias, mas é também a mais difícil, e a mais imprecisa e volátil de todas.

Supusemos, pois, que existe uma ciência da ciência, apesar de que a razão não permite nem autoriza semelhante concepção. Depois, admitimos que esta ciência conhece os objetos das outras ciências, e isso é contrário à razão! Desejaríamos que o sábio pudera saber que ele sabe o quê sabe e o quê não sabe. Na verdade fomos generosos em excesso fazendo esta última concessão, uma vez que consideramos, neste exercício, que é possível saber, de certa maneira, o que absolutamente não se sabe. Admitimos, por fim, que ele sabe e que ele não sabe, ao mesmo tempo – o que é o mais irracional que se possa imaginar. (…) qualquer que seja a definição da sabedoria que tenhamos inventado, de comum acordo, essa ou aquela definição sempre nos fez ver, com naturalidade, que nenhuma delas pode-nos ser útil.”

ao fim, amigo Cármides, me ressinto de haver aprendido com tanto afã as palavras mágicas daquele trácio, para depois de tudo concluir que nenhum valor possuem! Mas não, não posso crer que assim seja, e é mais adequado pensar que eu é que não sei buscar a verdade! A sabedoria é, sem dúvida, um grande bem; e se tu a possuis, és um mortal feliz. Mas examina atentamente se a possuis verdadeiramente, a fim de que não necessites de palavras mágicas”

Mas o que mais me irrita nisso tudo é o encantamento que havia aprendido do trácio e que, depois de tanto esforço, descubro agora ser algo quimérico e fútil.”

CÁRMIDES – Sócrates, sei lá eu se sou sensato ou não! Como nada me impede, não vejo também por que não haveria de me submeter ao seu encantamento, por quantos dias forem precisos! Até o dia em que tu me digas que tenho bastante sensatez, ao menos.”

CRÍTIAS – A maior prova que podes dar-me de tua sabedoria, meu querido Cármides, é entregar-te aos encantos¹ de Sócrates e não afastar-te dele nem um só minuto.¹

CÁRMIDES – Estarei sempre com ele, seguirei seus passos; porque eu me tornaria um réprobo ao não te obedecer, ó primo, tu que és meu tutor.”

¹ “Entregar-te aos encantos” é bastante ambíguo, e nos remete obviamente a uma cena romântica. Encantamentos já modificaria consideravelmente nossa compreensão da frase, e é isso que torna Platão tão rico e polissêmico. Entregar-se às “palavras mágicas” do discurso sábio de Sócrates é o sentido leal à epistemologia que aqui buscamos.

SÓCRATES – Ah, e que é que vós dois tramais agora?

CRÍTIAS – Absolutamente nada, Sócrates. Só isto: que tens-nos as tuas ordens.

SÓCRATES – Como?! Empregais então a força, sem deixar-me a liberdade da escolha?!”¹

Sócrates, serei teu discípulo. E meu tio Crítias está com isso de acordo.”¹

Vais obrigar-me assim, sem prazo nenhum para preparar-me?”¹

¹ Aqui o que transforma bastante o sentido da segunda tradução foi minha própria opção de tradutor, não o texto-fonte. Nos dois textos em espanhol o que se obtém de Sócrates, o que a dupla de parentes Crítias-Cármides dele consegue, é que ele recite o encantamento (o diálogo termina antes, porque ‘não existe’ este encantamento), mas este é o que menos importa e só serve de pretexto para todo o diálogo. Nesse tocante, queriam, portanto, que Sócrates admitisse Cármides como paciente. Mas Sócrates não é médico no sentido habitual; seria no máximo um médico da alma do homem; daí que na verdade inaugura-se aqui uma relação de professor-aluno ou mestre-discípulo. Como sabemos entretanto, Sócrates não procurava expressamente por discípulos, pois em verdade morrera sendo o discípulo número 1 da própria sabedoria, e não aceitava ser chamado de mestre, mesmo sendo visivelmente o homem mais sábio de seu tempo.

[REPRISE+ACRÉSCIMOS] #TRANSCENDER18 O ESPÓLIO DE F. NIETZSCHE, OU AS QUEIXAS DE RAFAEL, OU 19 DIAS DE SABEDORIA, OU AINDA: JOGANDO LIMBOBOL.

Originalmente postado em 11 de agosto de 2009. Com adaptações e ampliações para constar no Seclusão.

A partir de um sistema de forças determinadas (…) não pode resultar um NÚMERO INCONTÁVEL de situações.” O eterno retorno. O fim é já o começo. Não existe morte. consultar a página da “nova concepção de mundo” do Der Wille zur Macht (“número máximo de combinações”, “dado”, etc.). Este dado ainda será melhor trabalhado no parágrafo abaixo subtitulado O PARADOXO DA PEDRA NO RIO DE HERÁCLITO.

O que implica – ou, antes, o que determinou – a moda de fim de séc. XIX chamada espiritismo-kardecismo? Que não há o indivíduo, tudo são impulsos nervosos. Buckle¹ (não falo do cinto sem fivela) e sua nova-velha doutrina da imortalidade da alma. Mas ei! A moeda maussiana (Marcel Mauss), o hau, é ela mesma espiritismo. Ele sempre esteve em voga entre os ágrafos. Os mortos nunca evadem nosso plano: melhor dizendo, eles nunca morrem.

¹ Trata-se de Henry Thomas Buckle (1821-1862), historiador de segunda linha. Trecho esclarecedor da wikia: “On 1 April 1859, Buckle’s mother died. Shortly after, under the influence of this ‘crushing and desolating affliction’, he added an argument for immortality to a review he was writing of J.S. Mill’s Essay on Liberty. Buckle’s argument was not based on theologians ‘with their books, their dogmas, their traditions, their rituals, their records, and their other perishable contrivances’ [claro, porque só o que nós inventamos é eterno!]. Rather he based his argument on ‘the universality of the affections; the yearning of every mind to care for something out of itself’. Buckle asserted ‘it is in the need of loving and of being loved, that the highest instincts of our nature are first revealed’. As if reflecting on his mother’s death, Buckle continued that ‘as long as we are with those whom we love …, we rejoice. But when <the enemy (death)> approaches, when the very signs of life are mute … and there lies before us nought save the shell and husk of what we loved too well, then truly, if we believed the separation were final … the best of us would succumb,(*) but for the deep conviction that all is not really over, we have a forecast of another and a higher state’. Thus, Buckle concludes, ‘it is, then, to that sense of immortality with which the affections inspire us, that I would appeal for the best proof of the reality of a future life’. § He also said, ‘If immortality be untrue it matters little if anything else be true or not.’

(*) Na minha opinião, não passa de um garotinho da mamãe necessitando de uma justificativa para viver. E vê-se que não viveu muito (sem ela)! Ele era um grande enxadrista. E todos sabem que enxadristas são burros socialmente. A mesma ingenuidade pueril, a mesma má-fé intelectual de um Miguel de Unamuno… “Já que assim eu quero, TEM de ser!” A filosofia não aceita esse tipo de egomania – mas como poetas decerto seriam ótimos!

Mais uma curiosidade, na mesma página, o perfeito contraponto dessa patifaria toda: “The paranoid narrator of Fyodor Dostoevsky’s Notes From Underground discusses Buckle’s theories: ‘Why, to maintain this theory of the regeneration of mankind by means of the pursuit of his own is to my mind almost the same thing . . . as to affirm, for instance, following Buckle, that through civilisation mankind becomes softer, and consequently less blood-thirsty and less fitted for warfare. Logically it does seem to follow from his arguments. But man has such a predilection for systems and abstract deductions that he is ready to distort the truth intentionally, he is ready to deny the evidence of his senses only to justify his logic. I take this example because it is the most glaring instance of it. Only look about you: blood is being spilt in streams, and in the merriest way, as though it were champagne. Take the whole of the 19th century in which Buckle lived. Take Napoleon—the Great and also the present one. Take North America—the eternal union (an ironic reference to the ongoing American Civil War). Take the farce of Schleswig-Holstein. . . . And what is it that civilisation softens in us? The only gain of civilisation for mankind is the greater capacity for variety of sensations—and absolutely nothing more.’

Descobri que eu não guardo os elogios que me fazem.

A imensa expectativa quanto às relações sexuais estraga nas mulheres o olho para todas as outras perspectivas” Incel Nietzsche?

O estilo deve ser adequado em vista de uma pessoa bem-determinada, com a qual tu queiras te comunicar” Ora, se não estou tendo isso AGORA! A questão é: UM ou vários? Pode ser VOCÊ?! Como que um eu acima de mim, embora quase intragável de tão platônico. Mas você não é uma pedra fixa…

(Na escrita) O oral antes do escrito (CRUCIAL): “Porque ao escritor FALTAM muitos MEIOS do conferencista” – eis o que procurava! É benquisto explorar entonações, gestos, meras interjeições, que afinal no falar são tudo! (2023: Grande conselho para a estilística – sempre modificamos o texto final ao lê-lo em voz alta. Itálicos, negritos, sublinhados também ajudam, além da pontuação. Não me recordo onde o li, mas um autor disse que excesso de grifos num texto era comportamento aparentado à loucura – o escritor é um louco, tem de ter sintomas neuróticos, ou não desempenha direito seu ofício!)

Devo escrever frases mais curtas. Porque sou muito RETICENTE no oral (não vá confundir – isto é, vindo de alguém quem teria muito a dizer e não pode). Meus textos técnicos (resenhas filosóficas ou de games, p.ex.) possuem períodos mais longos, com mais interpolações. A técnica não está errada, faz parte do meio e da comunicação profissional desejada. Meus textos literários, no entanto, seguem a lei dos períodos curtos e significativos (lei da condensação).

O perigo do sábio está em se apaixonar pela irracionalidade.”

O sábio deve apenas namorá-la, não casar.

eu menosprezo mais o louvor do que a crítica”

Aquele que é mau está bem com o mundo. Como se pode ser feio e defeituoso e não ser mau? Eu não sou feio ou defeituoso, mas tenho um cálice de dignidade que beira o transbordamento. Eu gosto de ir ao Conjunto Nacional comprar cuecas e jeans (hábitos de filósofos para quem sair na rua já é se aventurar)…

EU E O OFÍCIO DE LER

O que mais gostamos de fazer gostaríamos que fosse considerado como o que acaba sendo o mais difícil para nós”

Inclusive eu gosto mais de ler do que escrever, tomando o aforismo como exato!

Nós fazemos também na vigília o que fazemos no sonho”

Jogamos o jogo da vida, nos perdemos, nos pomos furiosos com pessoas (o que tem acontecido ultimamente nas madrugadas… 2023)

Os criativos são os mais odiados”

De tempos em tempos é preciso deixar suas virtudes dormirem”

Agradecer nossas maiores falhas! Exemplos antigos, da década retrasada: A desobediência militar; o Pinho-Sol que me obrigaram a ingerir (não, me desafiaram a ingerir) na festa de calouros das ciências sociais/UnB (e eu joguei o jogo do desafio, e ri por dentro enquanto os mesmos que mais haviam “botado pilha” eram os mais desesperados em me fazer vomitar o pequeno gole dado, não, provavelmente, por se preocuparem com minha saúde, mas com punições posteriores de que pudessem ser vítimas). O porre da M. (quando somos imaturos, bebemos, ofendemos nossa ex-namorada ou objeto amoroso e depois nos arrependemos). Os ciúmes doentios dos primeiros relacionamentos. Nunca ter trabalhado. (Tenho imensas saudades dessa virtude anotada em 2009! A verdade é que já havia trabalhado, mas sem receber dinheiro em troca! Um “uber driver primitivo”: cansado e desmonetizado! Redações porcas de jornais, agências incubadoras cheias de publicitários playboys, a reencenação de Mad Man, Brasília, séc. XXI… E ainda tinha de pagar a passagem de ônibus…)

Por outro lado, virtudes que nunca desliguei, pois não são do meu feitio: nunca traí.

Dois medíocres não se entendem (tampouco um sábio e um medíocre). (2009: Mário como figura-síntese do que se deve evitar como interlocutor. Thomas: outro que escuta mal, talvez faça bem falar-lhe qualquer coisa, assim que nos livramos dos mais chatos.) (2023: R.K.)

Proveito próprio + paixão = egoísmo. Ora, eu sou a pessoa que merece o meu amor! Não sou pobre em amor! E isso custa caro, se se entende o trocadilho.

Tudo o que é longamente pensado se torna problemático”

Quem quer se tornar um líder dos humanos precisa querer ser por eles considerado um BOM tempo como o seu inimigo mais perigosoNa política contemporânea isso cai como uma luva, do Brasil à China, passando pela Europa (que agora abraça o fascismo em bases mais duradouras do que nunca). Há até aqueles líderes que são odiados a vida inteira e adquirem seu novo status apenas post mortem (Che Guevara, Fidel Castro, Stalin…).

Outra grande característica minha: detesto ser (romanticamente) amado. Jamais rastejei quando foi assim. Veja: quando foi algo centrípeto unilateral (não-correspondido, ainda que interessante), não lembro de ter movido uma palha – desprezei, mesmo. É que é raro. O homem de hoje sente-se impelido, forçado, obrigado a embarcar, a ceder, não tem vontade própria.

Jesus de Nazaré queria ser o aniquilador da moral” – trágico.

Ver as naturezas trágicas e ainda conseguir rir é divino” “Como podes rir dormindo?”

DO MISTERIOSO AFORISMO TRAGICÔMICO PÓSTUMO DE NIETZSCHE:

Do macaco de si mesmo

Em torno do herói tudo se torna tragédia; em torno do semi-deus – tudo sátira”

Por muito tempo, mesmo depois da publicação deste post em 2009, eu meditei sobre esse aforismo, que não tinha entendido. Podemos evocar a famosa frase de Marx para nos ajudar a explicar. Mas eu ainda diria mais: a) nosso mundo não tem mais heróis, não tem mais o caráter heróico; tem, sim, a necessidade antropológica mesmo, do homem superar o homem; antes que substituir o deus morto seja uma realidade, o grau máximo que pode ser descrito é uma figura, a do semi-deus. Ele é um Zaratustra que aprendeu a rir de si mesmo. Tragédias são coisas do passado. Não há lugar para Édipos na atualidade; b) pode ser apenas um comentário psicológico, despido de qualquer historicidade, e por isso nem Marx se aplica: depende da seriedade do próprio personagem, e com que gravidade ele enxerga a própria biografia. Mas por que “semi-deus”? Num mundo em que deus está morto, ter sido herói, ser um sábio, já é estar semi-morto. Não vale muita coisa. Quem deixou de ser herói e com isso não se tornou um vilão, não degenerou completamente… ainda tem o aspecto exterior de um bufão. E onde já se viu palhaço triste? Menos Pierrots, mais respeito ao nosso passado que nos trouxe aqui, mas nunca em excesso… Nunca se tornar prisioneiro dos nossos (bons) feitos… Nem temos saúde para bancar de novo os Dons Quixotes, ainda que isso fosse possível! Resta reconhecer que hoje somos diferentes, menos rijos, mas que não podemos e nem queremos apagar nosso passado, mais ou menos distante… Ele ainda mora em nós. Antes, que eu tivesse um pai tirano era questão de vida ou morte. Hoje, sobrevivente, independente, ainda psicologicamente afetado pela experiência, e com ele ainda vivo, tudo é muito cômico e risível. Como pode e pôde uma pedra tão enxuta num sapato tão largo (ou o sapato era firme e apertado, o que impedia o seixo de rolar e atrapalhar? Sim, bufões usam sapatões maiores que os próprios pés!) me causar tantos problemas num nível tão fundamental? Como pôde a mais inferior das criaturas se interpor entre mim e o sol (Diógenes)? Mas nem era imperador – e daí que fosse? De todo jeito não lhe resta solução senão sair do caminho, nem que fosse para vir atrás de briga… E com o tempo toda coroa… vira areia. Quanto mais tempo bloqueou minha luz solar, mais se queimou. E pra quê, se tive meu banho caloroso do mesmo jeito? É verdade que ele, este pai, é o “macaco de Zaratustra”: gostaria de ser eu. Hoje é ele que me imita, sem saber o que ou como imita. Mas ele quer fazer o dono, o original, ficar bravo. E se a indignação for só uma máscara da gargalhada, e se o macaco é que está enfezado por dentro? Sim, sinto pânico, mas essa é a parte doentia da árvore genealógica, o orgânico que atingiu seu limite. Até ele, porém, é uma atuação, em último grau. É sempre material para ressurgir. Toda podridão pode ser cinzas para uma fênix. E macaco não é fênix. O ruim de dar azo pra macaco é que é um bicho muito folgado, por isso, mesmo descontraídos, precisamos manter meia-distância. Quem é mais triste? O macaco ignorado ou o macaco perseguido (letalmente perseguido)? O esgar dos dois por debaixo da máscara deve ser o mesmo. Talvez o macaco seja, então, nosso espelho? Com ele é o inverso, ele viveu a paródia e agora tudo termina em tragédia? Macaco com capa. Versão completa deste texto em https://seclusao.art.blog/2023/06/26/do-misterioso-aforismo-tragicomico-postumo-de-nietzsche-o-macaco-de-si-mesmo/.

A dança é a prova da verdade”

Mais um século de jornais – e todas as palavras vão feder”

Pensar no suicídio é um consolo muito forte. Com isso se consegue passar bem a ‘má-noite’” Não é à toa que este costumava ser meu livro de cabeceira nos meus 20-21 anos…

Nossos suicidas difamam o suicídio, – não o contrário.” A constatação mais sensível já levantada no quesito.

Demora muito até que se morra pela segunda vez”

Agora é primeiro pelo eco que os acontecimentos adquirem ‘grandeza’ – o eco dos jornais”

Corre um falso dito: ‘quem não salva a si mesmo, como pode ele salvar os outros?’. Se tenho a chave para as tuas cadeias, por que a tua fechadura e a minha teriam de ser a mesma?” Existe um crítico de Nietzsche chamado Dr. Flávio Kothe, meu contemporâneo e vizinho (UnB), que escreveu exatamente isso, se não nestas palavras, neste sentido: como pode N. salvar os outros, se não salvou nem a si mesmo? A primeira tarefa do bom crítico é saber ler seu criticado.

O que inventa (o conhecedor), o que intermedeia (o artista), o que simplifica (o apaixonado).”

Nós, homens-da-meia-noite. O homem do eternamente retornável, do meio-dia. Para nós tudo é escuro. Demanda-se um novo – e primeiro – Iluminismo. Uma religião sem secular (até hoje exclusividade dos mais decantados esoterismos). Uma religião sem o secular, e além do mais de massa. Seria factível? Dentro de quantos milênios? Pergunta boba e retórica.

Ascetismo do espírito como PREPARAÇÃO PARA CRIAR. EMPOBRECIMENTO intencional dos instintos criativos.”

A todo efeito segue-se um efeito – essa crença na causalidade tem sua sede no mais forte dos instintos, o da vingança” Ainda não escapamos da Física, para fundar uma Metafísica que valha esse nome.

Não se confunda: atores ficam arrasados à falta de elogios.”

O ceticismo em relação a todos os valores morais é um sintoma de que uma nova tábua de valores está se formando.”

Para a mulher, há apenas um ponto de honra: ela precisa acreditar que mais ama do que é amada. Depois desse ponto principia de imediato a prostituição.”

Os utilistaristas são burros” (Pode parecer simples, mas demorei muitos anos para ler esta frase na literatura. E que eu não tenha lido mais cedo só pode ser indício de burrice generalizada. Ou se conforma a um aforismo de N. mais adiante: quando há uma verdade sabida por todos, todos a “esquecem”…)

O verdadeiro póstumo não é combatido, mas ignorado.

A paixão de duas pessoas uma pela outra – isso são em todos os casos duas paixões e com diferentes curvas picos velocidades: suas linhas podem se CRUZAR, nada mais.” Creio que Barthes citou esse aforismo (Fragmentos del Discurso Amoroso, já resenhado no seclusão).

CONTRA A ALFABETIZAÇÃO UNIVERSAL: “Que qualquer um possa aprender a ler e leia, com o tempo isso deixa em ruínas não só os escritores, como até os espíritos em geral” A corretude desse aforismo será posta à prova na nova era do “alfabetismo visual compulsório”, em que o analfabetismo gráfico é quase que uma complementaridade necessária.

Ter ENTENDIDO um filósofo e estar CONVENCIDO sobre ele.” Platão, Nie., Marx e alguns pelo caminho…

Não vos deixeis enganar! Os povos mais antigos são agora os mais cansados! Eles não têm mais energia suficiente para a preguiça!” Grifos meus: perfeito se se refere aos europeus; porém julgo um grande erro se o juízo for sobre os asiáticos. Nenhum “povo” que cria e cultiva o budismo tem menos do que uns bons milênios pela frente…

Meta na falta de metas. Como não perder a firmeza? I.e., como não perder a meta de vista (até encontrá-la)? Um olhar para o futuro que justifica o passado. Mas é como se houvesse uma perda aí. Se não acontecesse esse futuro, todos nós estaríamos numa condenação eterna? Os mortos hoje foram em vão, não se pode dizer que antes de se cumprir o destino haja qualquer anel. Ou pode-se? Tanto faz? E se sim, tanto faz, então por quê?

regressão à animalidade”

Não precisais temer o fluxo das coisas: esse rio flui de volta para dentro de si: ele não foge de si apenas duas vezes.¹ § Todo ‘era’ há de ser novamente um ‘é’. Todo vindouro morde o pretérito no rabo.”

O PARADOXO DA PEDRA NO RIO DE HERÁCLITO

¹ Ambigüidade na tradução: em duas ocasiões ele cessa de fugir de si mesmo ou ele foge bem mais vezes (e por que dizer duas vezes neste caso)? A fluência do rio é a angústia humana (encarado como aspecto negativo do Ser: ‘temer’). Fluir de volta para dentro de si é harmonizar-se, ainda que temporariamente no tempo (linguajar voluntariamente heideggeriano). É atingir a essência (o Ser) no próprio devir. Ora, que ele sempre foge é um lugar-comum. Ele foge infinitamente de si mesmo. O que Nietzsche é celebrado por haver ensinado pela primeira vez na modernidade? Que o rio retorna. O rio retorna infinitas vezes, é o modo de dizer, é verdade. Mas para o indivíduo, para o filósofo, para o ser vivo: quantas vezes? Minha opção é pela primeira semântica da tradução. Se o rio pára de fluir e se reencontra Uno consigo duas vezes, só pode ser em dois momentos: no nascimento e na morte. Porém para nós não faz diferença: é uma vez, na interseção dos dois. Há angústia pelo fluir do rio, não pela morte. Tanto quanto não pode haver angústia por haver nascido, se esse é o total do ser e ele nunca foi, por exemplo, pedra. E, supondo que tivesse sido, ainda carregar a sabedoria de ser pedra (novo absurdo) dentro de si. Nem a pedra nem o homem têm por que angustiar-se, jamais. Ainda assim, o homem se angustia. É só uma constatação. A pedra mais desesperada do universo não sentiria o menor átimo de ansiedade. O homem no mais remoto dos Shangri-Las e nirvanas ainda sofreria, se angustiaria, bastante. É nosso modo de existir. Por que se angustiar “ao quadrado” com isso? Mesmo que existisse a cura, o homem a preteriria, pois preferiria continuar sendo homem. Versão completa deste parágrafo em https://seclusao.art.blog/2023/06/26/o-paradoxo-da-pedra-no-rio-de-heraclito-mais-um-aforismo-de-nietzsche/.

Surgimento do amor: – amor como decorrência da moral”

algo supremo parece se esfacelar em banal num mundo atomizado – o erótico é a demonstração par excellence. E o amor vai buscar esse “algo unificado” novamente, ao mesmo tempo instalando o embrião de uma sucessora divisão…

Se você está para frente demais no tempo você não está para trás? Ou no mesmo lugar? Talvez fosse sensato reconhecer que o Cristianismo, como trecho do anel, é uma espécie qualquer de redenção que deveria ser um objetivo pelo qual lutar – mas e então? Nietzsche acaso é um fraco, moribundo, débil? Tudo é “logo”, tudo é “o supra-homem”! Para o diabo com essa conversa!! NOVA GUINADA? Não, só fantasmas apolíneos. Maldito deus-homem! Meu destino é praguejá-lo (a despeito de sê-lo).

Ninguém vem a mim. E eu mesmo – eu fui a todos e CHEGUEI A NINGUÉM.”

Se todos os mundos fracassam igual, por que Nietzsche seria melhor do que Platão? [Evidente.] Não existe máquina do tempo porque o universo é a própria máquina do tempo (frase recorrente nas minhas anotações do período 2009).

CADERNO DO NIILISTA. UM DIA COMO OUTRO QUALQUER, MAS ELE DENOTA CANSAÇO.

O que é que eu ganho por antecipar um detalhe ou outro da roda que ainda não beijou o asfalto nessa rotação? O que é que a pergunta ganha sendo sibilada 400 bilhões de vezes?! O mito do moto perpétuo e aliás qualquer mito… Tudo verdade, uma idade ancestral e/ou onipresente. Por que, no entanto, as coisas não são melhores e eu não posso viver como nos meus sonhos? Será um período excruciante excepcional? Só não quero morrer sem ter feito vingar esta esperança – e não quero ler esta palavra “esperança” de mãos sujas…

Falta honestidade para admitir: o Cristianismo se apresentava como método para dispor igualmente o fatigado espírito humano de metas supremas, e o que é endeusado hoje como tragédia podia ser a fonte de todas as noções de pecado e talvez necessitasse da racionalização. Talvez Apolo àquela altura fosse sinônimo de dignidade. Talvez? Ah, a quem estou querendo enganar? O devir é MAU. Porque de onde estou só posso pensar nessa palavra. Minha missãozinha tola é ser alguém que colabora com dois séculos que aí vêm para, em troca, não viver a vida de seu presente (visto que nasci antes do meu tempo, estou adiantado em relação a minha época), sua única vida.

Descobrir que se se fosse mais como as pessoas por aqui são eu seria igualmente nobre e transgressor, pois superaria os trágicos! Rá, quão sórdido… Basta meu auto-objetivo de sair daqui, eventualmente matando alguém, escrevendo coisas que chamo de arte, e mantendo minha linha máxima de consumo lá embaixo – para, sabe-se lá, morrer de dor de dente!

Ah, se todos os mitos pegam! Meu guia será minha vergonha. Ler o horóscopo não rende mais vexame – falar com acadêmicos sim!

Essa é uma razão contrária, e eu te sou grato. Agora me rebata, porém, ainda a razão contrária, amigo!”

* * *

Com orgulho se venera quando não se consegue ser ídolo”

Todo ser humano é uma causa criativa do acontecimento, um primum mobile com um movimento original”

Quando Deus entendeu a si mesmo, ele gerou a si mesmo e a sua antítese” (*)

Com ombros firmes, ele está escorado contra o nada e onde há espaço, aí há estar, há ser.”

O homem se define por ficar de pé, como o supermacaco, imagem do último homem, que é o eterno.”

Esses querem jogar dados e aqueles querem calcular e contar e aqueloutros querem ver sempre ondas e danças das ondas – eles chamam isso de ciência e ficam suando em cima disso. Mas são crianças que querem o seu jogo. E, realmente, é uma bela brincadeira de criança, mas um pouco de risada não prejudicaria o jogo” “Há muito a calcular no mundo: mas calcular o próprio mundo – isso é enfadonho.”

(*) “A antítese do ser-acima-do-humano é o último ser humano: fabriquei este junto com aquele” Como o diabo de nós próprios, este “ser-mais” é atemporal. Coexistência e rivalidade necessárias.

História: evolução das finalidades no tempo.”

O ANTI-DARWIN: “O inverso, de que tudo até nós é decadência, também é demonstrável (…) até agora a natureza VAI A PIQUE.”

A liberdade da vontade é mais bem-demonstrada como causa e efeito (a rigor, causa-efeito é apenas uma seqüência popular).” A liberdade da vontade só existe em Schopenhauer. Não é a vontade nietzscheana.

Sentido do casamento: um filho que represente um tipo mais elevado que os pais” “eles precisam te desprezar quando tu vais mais longe do que eles – eles não entendem o acima-de-si” Lei inconteste. Até eu posso ser dela vítima, quem sabe? Posso, como autor, imaginar que minha prole regride no anel, e na verdade ela avança! Incompreensíveis para mim. “Tu suspiras por amor – mas não, tu precisas aprender a suportar desprezo.”¹ Meu doutorado em engolir sapos. Ou não engolir nada, não vomitar nada. Publicamente.

A cavalo concebido se olham, sim, os dentes!

O paradoxo de José na sociedade do trabalho: agrilhoar-se para libertar-se!

¹ desprezar, v. trans. dir.

1. Troçar de.

2. Subestimar.

3. Ignorar.

Eis as acepções clássicas do verbo português, quando ele não se aplica no reflexivo (desprezar-se). De uma forma ou de outra, ambos os meus pais se alternam nisto. E se ao menos fosse um só, meu sofrimento estaria reduzido menos que à metade! Bom, N. também teve 2 estorvos na família íntima – em realidade, eu me enquadro mais num três-contra-um, se contar o irmão mais velho!

A dor mais pungente: toda vez arrepender-se de se abrir.

Nada entre um imprestável e um prestável: aí está a contraposição do ser, Sartre!

Tenho 4 pais. Seria um erro cósmico que não houvesse um pregador cristão quase debaixo do meu teto, afinal não há nada menos aparentado conosco que nossos pais batismais. (2009)

Um ano torna caducos muitos sonhos e ridiculariza muitos pesadelos. (2023)

Minha orientação para a Arte: não mais continuar poetando onde estão as fronteiras! Mas o futuro dos humanos! Muitas IMAGENS precisam estar aí de acordo com as quais se possa VIVER!” Talvez N. estivesse recuando da terminologia metafísica do supra-homem neste esboço?

O grande MEIO-TERMO: a decisão sobre querer-viver e querer-morrer”: provavelmente um aforismo que foi plagiado pela integralidade da filosofia de Albert Camus, o supervalorado!

A decisão. É preciso haver inúmeras vítimas. Uma tentativa.” Muito simples usar este aforismo para malversá-lo, como fez sua irmã. Não se referia a nenhum evento histórico do século XX.

Ainda a mais doce das mulheres tem sabor amargo”

É preciso proteger o mal como se precisa proteger o mato. É verdade que pelo rareamento e pela destruição das matas a Terra ficou mais aquecida –” e muito boazinha.

O nojo pela sujeira pode ser tão grande que nos impede de nos limparmos”

Buscar conhecimento é um desejo e uma ânsia (…) Não há nenhuma forma de conhecimento que não seja antes um refazer

Esses são meus inimigos: querem derrubar tudo e não reconstruir a si mesmos. Dizem: ‘nada disso tem valor’e eles mesmos não querem gerar nenhum valor.”

O animal nada sabe do seu si-mesmo”

Temos de ser um ESPELHO do ser: somos Deus em miniatura”

P. 202, af. 263: sobre o aumento da expectativa de vida e o paradigma estreito da medicina moderna.

Af. 267: “Há muitos que não sabem nada melhor sobre a Terra do que ficar na cama com uma mulher. O que sabem estes da felicidade!”

Às vezes o que é enxergado como crepúsculo é apenas o preâmbulo do sol de meio-dia.

Os judeus estragados pelo aprisionamento egípcio” O paradoxo: essa ‘paganização forçada’ foi que resultou no Cristianismo e na adulteração das práticas do judaísmo antigo, apenas nas entrelinhas do Antigo Testamento, quando não completamente invisíveis, práticas e preceitos esses contidos, pelo menos, no Talmude, disponível para nossa investigação contemporânea.

Odeia-se mais aquele que nos seduz de volta a percepções sobre as quais nos tornamos vitoriosos com extrema dificuldade” Eu já fui um liberal de tipo PSDBista. Odeio liberais. Odeio os ‘social-democratas’ (falsa esquerda, quinta-coluna). Eu já fui um ateu militante (na pré-adolescência, é verdade). Odeio esses ateus mais cristãos que os cristãos (leia-se: mais anticristãos que os anticristãos!). Odeio quem ama a sociologia. Odeio os hedonistas. Odeio metaleiros. Odeio são-paulinos. Odeio otakus. Odeio “gamers”. Odeio os que levam o trabalho a sério demais e adoecem por isso. Adoro aqueles que sabem ser anti-monoteístas, stalinistas, maoístas, fidelistas, chavistas, putinistas, aqueles que sabem usar a sociologia como anti-sociologia, para o verdadeiro progresso da sociedade (no sentido oposto a Comte-Durkheim), aqueles que sabem ouvir heavy metal, assistir e falar de futebol, apreciar jogos de videogame e desenhos japoneses sem parecerem completos imbecis infantilizados e extremistas desnorteados. Com efeito, odeio hoje todo e qualquer colega dos tempos de escola (avatares de todas estas categorias reunidas). Eles não acompanham o ritmo da dança. A classe média insossa do DF, minha grande nêmese. Já fui o mais insosso dos sem-sal, hoje sou um tempero exótico da Índia.

LUTAS, RODAS DENTADAS ATRITANDO, SENTIDOS OPOSTOS CRIANDO HISTÓRIA: “Quando Hegel encontra Heráclito”

Há duas Histórias completamente diferentes, que a disciplina não costuma diferenciar: a História das Intenções e a História dos Fatos.

O ideal de liberdade: quando fatalismo vira uma razão suficiente kantiana.

somente as naturezas ordinárias podem ver no Estado o instrumento da desforra

A era dos reis acabou, pois os povos não são mais dignos deles” Usado no Zaratustra

Moral como mímica dos afetos

A música CONFESSA o afeto, muito ao contrário da escrita, que é tão diferente da modalidade oral. Nisso ao menos Schopenhauer tinha razão…

quanto mais as religiões forem morrendo, tanto mais SANGRENTO E VISÍVEL há de se tornar esse combate” – auxílio da mass media: “Estamos no início!” Resta saber onde termina o início…

A conhecida teoria do Hamlet como a grande obra frustrada de Shakespeare: redundância ou inefabilidade do estado de não-ser. Não-relacionado com a morte (ao contrário). Hamlet disse o tempo todo sim, sobretudo quando decidiu morrer herói. Não ser seria não virar tema de um drama, nada fazer.

O quanto nós vivemos mais no BEM-ESTAR que nossos antepassados revela-se no fato de que a dor isolada é tão MAIS FORTEMENTE sentida do que o prazer isolado” – e, sendo assim, tem-se o poderoso estímulo que findará por sepultar a própria sociedade do bem-estar (nada a ver com o Estado social, mas com o modo de vida ocidental consumista).

o ódio e o nojo ao estranho são do mesmo tamanho que o prazer consigo” Eu me amo, eu me amo, não posso mais viver sem mim… O turista contumaz: o tipo que se odeia.

Pragmatismo vs. heroísmo: a diferença entre o inteligente e o sábio: não se importar em ser prejudicado.

aparece como a aspiração máxima do ser humano tornar-se UNO com o mais poderoso que existe.<Poderoso> pode estar um tanto mal-empregado aqui, mas isto, esta aspiração, é Brahman.

que nós tomemos o mais próximo [o sistema nervoso consciente] como o mais importante é justamente o velho preconceito – Portanto, reaprender!”

Toda essa ânsia pelo imorredouro é conseqüência da insatisfação”

Os nossos ‘ricos’ – esses são os mais pobres! A finalidade autêntica de toda riqueza é esquecer!”

Endeusamento da natureza’ – isso é conseqüência de pobreza, vergonha, medo, idiotice!”

Eu quero não ser entendido por longo tempo”

O que Nietzsche diria do homem na Lua?

Luto com o dragão do futuro: e vós, pequenos, tereis de lutar com minhocas”

A vida é uma tragédia para aquele que sente, e é uma comédia para aquele que pensa. O semi-deus já sentiu muito, hoje sente menos, pensa mais no que sentiu. Pensa e ri de coisas ardidas e ardilosas do próprio ontem.

Todos aqueles que produzem criativamente [o semi-deus] procuram novas linguagens: ficaram cansados de uma fina língua desgastada: tempo demais o espírito andou sobre tais solas.”

Dos judeus, tirar-lhes o dinheiro e dar-lhes outra direção.”

O que são as “sete solidões”? Acredito que se refira a alguma passagem da Gaia-Ciência ou mesmo d’Aurora.

ponho a mão no fogo pelo próximo milênio”

Vivo como que em outras épocas: minha altitude me dá trânsito com solitários e ignorados de todas as épocasMEU AMIGO NIETZSCHE

muralhas destruídas”: um enigmático pré-requisito da formação do supra-homem… Deleuze & Guattari entenderam errado a expressão!

Mostrar a ‘metafísica da metafísica’!”

ANTI-FORBES: “Os seres humanos mais influentes do mundo são os mais escondidos”

Cultura é apenas uma fina película de maçã sobre um caos efervescente” (e civilização uma parte finíssima ainda mais insignificante dessa mesma película)

Mais cultura!” = MAIS CAOS! necessariamente

Opiniões públicas – preguiças privadas”

Corre-se maior perigo de ser atropelado quando se acaba de escapar de um carro”

O discípulo de um mártir sofre mais que o mártir” Mesmo que lute apenas com minhocas. Isso não é uma depreciação do seu valor como discípulo.

Quando não se tem um bom pai, então é preciso se arranjar um”

Rafael de Araújo Lula da Silva

Não se sente a monotonia quando nunca se aprendeu a trabalhar para valer” Os hedonistas não sabem o que é tédio, embora passem a vida fugindo, entediados… Talvez persigam uma ocupação, e erram na escolha dos meios…

Alguns homens choraram o rapto das suas mulheres; muitos, que ninguém as quisesse raptar.”

O fantasista nega a verdade diante de si; o mentiroso, só diante de outrosRetifico uma convicção minha: meus pais não são uns mentirosos, são uns fantasistas!

Os seguidores de um grande homem costumam se deixar ofuscar para melhor poderem entoar os seus louvores; pobres pássaros canoros!” Muito melhor as aspas que sua mera atualização. Sou apenas o pedreiro deste magnífico engenheiro. E mais além: “É preciso saber obscurecer a própria luz para se livrar das moscas e dos fãs” O Ocidental Obscuro bem o sabe. A persona do Ocidental Obscuro, adotada por mim em textos a partir dessa época (2009) surge nominalmente pela primeira vez no blog aqui. É inclusive provável que o livro Cila ou Caribde Vol. II conte com este subtítulo. (Não prevejo seu lançamento para antes de 2024.)

Eu refundei a maldade.

É preciso saber colher os louros da fama e da vitória, como do ostracismo e da derrota.

Os direitos humanos no sentido não-bolsonarizado do termo recrudescem a cretinice da modernidade.

O que pode ser pior do que uma cidade repleta de pedintes? Uma cidade repleta de cristãos.

Uma boa sentença é dura demais até para o dente do tempo”

A maior doadora de esmolas é a covardia”

Para o amigo do estilo rebuscado, o estilo solto é uma tortura para os ouvidos” Y vai-se ver ça!

É preciso acabar com os mendigos, pois a gente se incomoda lhes dando e se incomoda não lhes dando”

Indigesta sociedade, que se cansou de descansar. O dispéptico chato da mesa.

O que é a fome? É o produto da digestão! Mas a digestão ocorre – com fome ou não!

Conhecer certos efeitos inesperados de um desejo não resolve a equação (mesmo que a psicanálise estivesse certa, ela seria como uma face dum dado de 6 lados, irrelevante, incompleta, incapaz): há sempre outros efeitos adversos ignotos.

Herói: aquele que se faz passar por ridículo para salvar a humanidade. Logo, ele é o semi-deus dos outros, o herói apenas de si mesmo. Revolta e herói: duas palavras que não sabem andar divorciadas.

Aquilo que todos sabem, por todos é esquecido”

imortalidade é apenas uma metáfora”

O que é 1? A falha fundamental. Brahman precisa do herói, de se dividir em carrascos, vítimas, heróis, anti-heróis, etc. Quem morre também se sacrifica por si mesmo. Para que possa nascer na mesma vida.

Queres a paz? Toma a paz! Neste “toma” já está implícita a guerra – é uma ordem unilateral.

Quem é Pana?

(*) “Na mitologia inuit Pana era a divindade que cuidava das almas no submundo (Adlivun) antes que elas reencarnassem.”

Visível deve se tornar o mundo ainda no menor de tudo: então vós pensais estar ENTENDENDO: essa é a bobagem do olho”

Nada é mais claro do que um falso delírio sobre bem e mal!

O homem bom é impossível: na própria vida o não-bem é delírio e injustiça. E essa seria a última vontade voltada para a bondade: negar toda a vida!’

Com o vosso bem e mal, vós vos magoastes a vida, cansastes a vossa vontade; e vossa própria apreciação era o sinal da vontade declinante, que busca a morte.”

A onda rugiu ao passar: a criança chora porque ela arrastou consigo o seu brinquedo para o abismo. Mas a mesma onda joga-lhe cem outros brinquedos na alva areia. Portanto, não choreis por mim, meus irmãos, por eu estar passando!”

A flor quer a semente”

Trechos que parecem ser os finais, usados nos livros mais conhecidos, na verdade são esboços modificados. Não se sabe aliás se são mesmo rascunhos preteridos, versões alternativas igualmente válidas ou mesmo versões melhoradas e que pretendia ainda publicar em bloco.

A famosa frase de Aristóteles sobre a raiva: Sem raiva não se vence nada.

Constantes da minha inconstante vida (2009-2023): rompimentos interpessoais (dolorosos, mas positivos, a despeito da solidão que se segue – brinquedos são sempre devolvidos pelas ondas, como diz Zaratustra), doenças (não-graves, renitentes) que me atacam sobretudo em períodos de ócio (feriadões, férias – sintoma de que trabalho duro), sonhos com essas figuras passadas (às vezes a separação não foi um rompimento, apenas parte dos desencontros da vida). Exemplos: Liz, Antonielle, Tavares o Corinthiano. Pessoas com quem gostaria de falar de novo – mas sinceramente me decepcionariam, porque, francamente, quase ninguém vê o que quase ninguém vê (velhos ou novos ou novos velhos amigos…). Amigos de internet tão importantes por uns anos que depois… já nem sei quem são apenas pelo nome… Como se nunca houvessem existido! Uma outra constante: as únicas aulas que dou são por escrito, e não-remuneradas.

Meta: formação mais elevada de todo o CORPO e não só do cérebro!” Uma grande arte mais individual do que imaginam os atletas, nutricionistas, médicos, vaidosos em geral e personal trainers

História dos seres humanos mais elevados” Isso vem sendo toda a seara historiográfica, Nietzsche, pode ficar tranqüilo…

O ferido sempre se irrita consigo mesmo – esse é o poder da dialética trágica: ele estará MAIS FORTE da próxima vez.

VERDADE SOBRE O CARÁTER RESSENTIDO DO DIREITO MODERNO: “O prejudicador é compensado – é a forma mais antiga, não a intencionalidade hostil. A indignação surge por se ter sido prejudicado, portanto em função do êxito do inimigo, não em função da hostilidade. É a sensação do vencido – a ânsia de vingança: não a sensação de que tenha ocorrido uma injustiça.” Quase ininteligível para qualquer jurista, pois não se fala aqui a língua deles. E o que é um filósofo do direito senão um filósofo – o contrário de um jurista?!

À p. 340 a tese de que a justiça deveria exilar mais e prender menos.

A relação suprema continua sendo a do sujeito criador com o seu material: essa é a última forma de arrogância e supremacia.”

Arrependimento: isso é vingança contra si mesmo”

Quando o ouro tilinta, a puta pisca os olhos. E há mais putas do que moedas de ouro. Quem é venal, esse chamo de puta. E há mais venais que moedas de ouro!”

Desprezo a vida supremamente: e eu amo a vida ao máximo: não há nisso nenhum contra-senso – nenhuma contradição”

A ARENA DO POLITEÍSMO

Com os deuses, há muito já se está no fim: eles todos morreram – de rir.

Isso ocorreu quando começou a rodar o dito mais ateu já vindo de um deus – o dito: tu não deverás ter nenhum outro deus além de mim: uma velha barba iracunda de Deus esqueceu portanto a si.

Tão pobre jamais fôra um deus em seu ciúme a ponto de impor: ‘tu não deverás ter nenhum outro deus além de mim!’

E todos os deuses riram então e se sacudiram nas cadeiras e exclamaram: ‘Não será justamente divino que haja deuses, mas nenhum Deus único?’

Jeová, nesse conto nada barroco, é o herói, grave e auto-imolado(r). Zeus, Indra, Odin & cia. os semi-deuses (ironia de nomenclatura). Nosso mundo é invertido: conosco, os homens ocidentais, os últimos são os primeiros: o Deus cristão inaugura esse mundo; mas também morre primeiro. Morre de descrença em si mesmo, do que nenhum mortal morre (esse é nosso inferno, nosso nada, aliás). Assim como o semi-deus… – esse é imune aos efeitos colaterais da risada, i.e., não se engasga com azeitonas, vive rindo, ri vivendo. Aprendeu com a história e com o mito. E nossa risada é nosso néctar (riqueza útil). Não é irônico que o Deus que curava aleijados no mercado não soubesse dançar?

RESOLUTION ON CERTAIN QUESTIONS IN THE HISTORY OF OUR PARTY SINCE THE FOUNDING OF THE PEOPLE’S REPUBLIC OF CHINA (Adopted by the 6th Plenary Session of the 11th Central Committee of the Communist Party of China on June 27, 1981)

At a time of national crisis of unparalleled gravity when the Japanese imperialists were intensifying their aggression against China, the Central Committee of the Party headed by Comrade Mao Zedong decided on and carried out the correct policy of forming an anti-Japanese national united front. Our Party led the students’ movement of December 9, 1935 and organized the powerful mass struggle to demand an end to the civil war and resistance against Japan so as to save the nation. The Xi’an Incident organized by Generals Zhang Xueliang and Yang Hucheng on December 12, 1936 and its peaceful settlement which our Party promoted played a crucial historical role in bringing about renewed co-operation between the Kuomintang and the Communist Party and in achieving national unity for resistance against Japanese aggression. During the war of resistance, the ruling clique of the Kuomintang continued to oppose the Communist Party and the people and was passive in resisting Japan. As a result, the Kuomintang suffered defeat after defeat in front operations against the Japanese invaders. Our Party persevered in the policy of maintaining its independence and initiative within the united front, closely relied on the masses of the people, conducted guerrilla warfare behind enemy lines and set up many anti-Japanese base areas. The Eighth Route Army and the New Fourth Army — the reorganized Red Army — grew rapidly and became the mainstay in the war of resistance. The Northeast Anti-Japanese United Army sustained its operations amid formidable difficulties. Diverse forms of anti-Japanese struggle were unfolded on a broad scale in areas occupied by Japan or controlled by the Kuomintang. Consequently, the Chinese people were able to hold out in the war for eight long years and win final victory, in co-operation with the people of the Soviet Union and other countries in the anti-fascist war.

During the anti-Japanese war, the Party conducted a rectification movement, a movement of Marxist education. Launched in 1942, it was a tremendous success. It was on this basis that the Enlarged Seventh Plenary Session of the Sixth Central Committee of the Party in 1945 adopted the Resolution on Certain Questions in the History of Our Party and soon afterwards the Party’s Seventh National Congress was convened.”

After the conclusion of the War of Resistance Against Japan, the Chiang Kai-shek government, with the aid of U.S. imperialism, flagrantly launched an all-out civil war, disregarding the just demand of our Party and the people of the whole country for peace and democracy. With the whole-hearted support of the people in all the Liberated Areas, with the powerful backing of the students’ and workers’ movements and the struggles of the people of various strata in the Kuomintang areas and with the active co-operation of the democratic parties and non-party democrats, our Party led the People’s Liberation Army in fighting the three-year War of Liberation and, after the Liaoxi-Shenyang, Beiping-Tianjin and Huai-Hai campaigns and the successful crossing of the Changjiang (Yangtse) River, in wiping out a total of 8,000,000 Chiang Kai-shek troops. The end result was the overthrow of the reactionary Kuomintang government and the establishment of the great People’s Republic of China. The Chinese people had stood up.”

Victory in the Chinese revolution was won under the guidance of Marxism-Leninism. Our Party had creatively applied the basic principles of Marxism-Leninism and integrated them with the concrete practice of the Chinese revolution. In this way, the great system of Mao Zedong Thought carne into being and the correct path to victory for the Chinese revolution was charted. This is a major contribution to the development of Marxism-Leninism.”

The Chinese revolution was victorious mainly because we relied on a people’s army led by the Party, an army of a completely new type and enjoying flesh-and-blood ties with the people, to defeat a formidable enemy through protracted people’s war. Without such an army, it would have been impossible to achieve the liberation of our people and the independence of our country.

The Chinese revolution had the support of the revolutionary forces in other countries at every stage, a fact which the Chinese people will never forget. Yet it must be said that, fundamentally, victory in the Chinese revolution was won because the Chinese Communist Party adhered to the principle of independence and self-reliance and depended on the efforts of the whole Chinese people, whatever their nationality, after they underwent untold hardships and surmounted innumerable difficulties and obstacles together.”

While changing the balance of forces in world politics, the people’s victory in so large a country having nearly one-quarter of the world’s population has inspired the people in countries similarly subjected to imperialist and colonialist exploitation and oppression with heightened confidence in their forward march. The triumph of the Chinese revolution is the most important political event since World War II and has exerted a profound and far-reaching impact on the international situation and the development of the people’s struggle throughout the world.”

Our Party and people would have had to grope in the dark much longer had it not been for Comrade Mao Zedong, who more than once rescued the Chinese revolution from grave danger, and for the Central Committee of the Party which was headed by him and which charted the firm, correct political course for the whole Party, the whole people and the people’s army. Just as the Communist Party of China is recognized as the central force leading the entire people forward, so Comrade Mao Zedong is recognized as the great leader of the Chinese Communist Party and the whole Chinese people, and Mao Zedong Thought, which came into being through the collective struggle of the Party and the people, is recognized as the guiding ideology of the Party. This is the inevitable outcome of the twenty-eight years of historical development preceding the founding of the People’s Republic of China.”

The establishment of the socialist system represents the greatest and most profound social change in Chinese history and is the foundation for the country’s future progress and development.”

We have established and consolidated the people’s democratic dictatorship led by the working class and based on the worker-peasant alliance, namely, the dictatorship of the proletariat. It is a new type of state power, unknown in Chinese history, in which the people are the masters of their own house. It constitutes the fundamental guarantee for the building of a modern socialist country, prosperous and powerful, democratic and culturally advanced.

We have achieved and consolidated nationwide unification of the country, with the exception of Taiwan and other islands, and have thus put an end to the state of disunity characteristic of old China. We have achieved and consolidated the great unity of the people of all nationalities and have forged and expanded a socialist relationship of equality and mutual help among the more than fifty nationalities. And we have achieved and consolidated the great unity of the workers, peasants, intellectuals and people of other strata and have strengthened and expanded the broad united front which is led by the Chinese Communist Party in full co-operation with the patriotic democratic parties and people’s organizations, and comprises all socialist working people and all patriots who support socialism and patriots who stand for the unification of the motherland, including our compatriots in Taiwan, Xianggang (Hong Kong) and Aomen (Macao) and Chinese citizens overseas.”

We have built and developed a socialist economy and have in the main completed the socialist transformation of the private ownership of the means of production into public ownership and put into practice the principle of ‘to each according to his work’. The system of exploitation of man by man has been eliminated, and exploiters no longer exist as classes since the overwhelming majority have been remoulded and now live by their own labour.

Compared with 1952 when economic rehabilitation was completed, fixed industrial assets, calculated on the basis of their original price, were more than 27 times greater in 1980, exceeding 410,000 million yuan; the output of cotton yarn was 4.5 times greater, reaching 2,930,000 tonnes; that of coal 9.4 times, reaching 620 million tonnes; that of electricity 41 times, exceeding 300,900 million KWH; and the output of crude oil exceeded 105,000,000 tonnes and that of steel 37 million tonnes; the output value of the engineering industry was 54 times greater, exceeding 127,000 million yuan. A number of new industrial bases have been built in our east hinterland and the regions inhabited by our minority nationalities. National defence industry started from scratch and is being gradually built up. Much has been done in the prospecting of natural resources. There has been a tremendous growth in railway, highway, water and air transport and post and telecommunications.”

Flooding by big rivers such as the Changjiang (Yangtse), Huanghe (Yellow River), Huaihe, Haihe, Zhujiang (Pearl River), Liaohe and Songhuajiang has been brought under initial control. In our rural areas, where farm machinery, chemical fertilizers and electricity were practically non-existent before liberation, there is now a big increase in the number of agriculture-related tractors and irrigation and drainage equipment and in the quantity of chemical fertilizers applied, and the amount of electricity consumed is 7.5 times that generated in the whole country in the early years of liberation. In 1980, the total output of grain was nearly double that in 1952 and that of cotton more than double. Despite the excessive rate of growth in our population, which is now nearly a billion, we have succeeded in basically meeting the needs of our people in food and clothing by our own efforts.”

Considerable progress has been made in education, science, culture, public health and physical culture. In 1980, enrolment in the various kinds of full-time schools totalled 204 million, 3.7 times the number in 1952. In the past thirty-two years, the institutions of higher education and vocational schools have turned out nearly 9 million graduates with specialized knowledge or skills. Our achievements in nuclear technology, man-made satellites, rocketry, etc. represent substantial advances in the field of science and technology. In literature and art, large numbers of fine works have appeared to cater for the needs of the people and socialism. With the participation of the masses, sports have developed vigorously, and records have been chalked up in quite a few events. Epidemic diseases with their high mortality rates have been eliminated or largely eliminated, the health of the rural and urban populations has greatly improved, and average life expectancy is now much higher.”

Internationally, we have steadfastly pursued an independent socialist foreign policy, advocated and upheld the Five Principles of Peaceful Coexistence, entered into diplomatic relations with 124 countries and promoted trade and economic and cultural exchanges with still more countries and regions. Our country’s place in the United Nations and the Security Council has been restored to us. Adhering to proletarian internationalism, we are playing an increasingly influential and active role in international affairs by enhancing our friendship with the people of other countries, by supporting and assisting the oppressed nations in their cause of liberation, the newly independent countries in their national construction and the people of various countries in their just struggles, and by staunchly opposing imperialism, hegemonism, colonialism and racism in defence of world peace. All of which has served to create favourable international conditions for our socialist construction and contributes to the development of a world situation favourable to the people everywhere.

New China has not been in existence for very long, and our successes are still preliminary. Our Party has made mistakes owing to its meagre experience in leading the cause of socialism and subjective errors in the Party leadership’s analysis of the situation and its understanding of Chinese conditions. Before the ‘cultural revolution’ there were mistakes of enlarging the scope of class struggle and of impetuosity and rashness in economic construction. Later, there was the comprehensive, long-drawn-out and grave blunder of the ‘cultural revolution’. All these errors prevented us from scoring the greater achievements of which we should have been capable. It is impermissible to overlook or whitewash mistakes, which in itself would be a mistake and would give rise to more and worse mistakes. But after all, our achievements in the past 32 years are the main thing. It would be a no less serious error to overlook or deny our achievements or our successful experiences in scoring these achievements. These achievements and successful experiences of ours are the product of the creative application of Marxism-Leninism by our Party and people, the manifestation of the superiority of the socialist system and the base from which the entire Party and people will continue to advance. ‘Uphold truth and rectify error’ — this is the basic stand of dialectical materialism our Party must take. It was by taking this stand that we laved our cause from danger and defeat and won victory in the past. By taking the same stand, we will certainly win still greater victories in the future.”

The Seven Years of Basic Completion of the Socialist Transformation

From the inception of the People’s Republic of China in October 1949 to 1956, our Party led the whole people in gradually realizing the transition from new democracy to socialism, rapidly rehabilitating the country’s economy, undertaking planned economic construction and in the main accomplishing the socialist transformation of the private ownership of the means of production in most of the country. The guidelines and basic policies defined by the Party in this historical period were correct and led to brilliant successes.

In the first 3 years of the People’s Republic, we cleared the mainland of bandits and the remnant armed forces of the Kuomintang reactionaries, peacefully liberated Tibet, established people’s governments at all levels throughout the country, confiscated bureaucrat-capitalist enterprises and transformed them into state-owned socialist enterprises, unified the country’s financial and economic work, stabilized commodity prices, carried out agrarian reform in the new liberated areas, suppressed counter-revolutionaries, and unfolded the movements against the ‘three evils’ of corruption; waste and bureaucracy and against the ‘five evils’ of bribery, tax evasion, theft of state property, cheating on government contracts and stealing of economic information, the latter being a movement to beat back the attack mounted by the bourgeoisie. (…) We effectively transformed the educational, scientific and cultural institutions of old China. While successfully carrying out the complex and difficult task of social reform and simultaneously undertaking the great war to resist U.S. aggression and aid Korea, protect our homes and defend the country, we rapidly rehabilitated the country’s economy which had been devastated in old China. By the end of 1952, the country’s industrial and agricultural production had attained record levels.

On the proposal of Comrade Mao Zedong in 1952, the Central Committee of the Party advanced the general line for the transition period, which was to realize the country’s socialist industrialization and socialist transformation of agriculture, handicrafts and capitalist industry and commerce step by step over a fairly long period of time. This general line was a reflection of historical necessity.”

With nationwide victory in the new-democratic revolution and completion of the agrarian reform, the contradiction between the working class and the bourgeoisie and between the socialist road and the capitalist road became the principal internal contradiction. The country needed a certain expansion of capitalist industry and commerce which were beneficial to its economy and to the people’s livelihood. But in the course of their expansion, things detrimental to the national economy and the people’s livelihood were bound to emerge. Consequently, a struggle between restriction and opposition to restriction was inevitable. The conflict of interests became increasingly apparent between capitalist enterprises on the one hand and the economic policies of the state, the socialist state-owned economy, the workers and staff in these capitalist enterprises and the people as a whole on the other. An integrated series of necessary measures and steps, such as the fight against speculation and profiteering, the readjustment and restructuring of industry and commerce, the movement against the ‘five evils’, workers’ supervision of production and state monopoly of the purchase and marketing of grain and cotton, were bound to gradually bring backward, anarchic, lopsided and profit-oriented capitalist industry and commerce into the orbit of socialist transformation.

Among the individual peasants, and particularly the poor and lower-middle peasants who had just acquired land in the agrarian reform but lacked other means of production, there was a genuine desire for mutual aid and co-operation in order to avoid borrowing at usurious rates and even mortgaging or selling their land again with consequent polarization, and in order to expand production, undertake water conservancy projects, ward off natural calamities and make use of farm machinery and new techniques. The progress of industrialization, while demanding agricultural products in ever increasing quantities, would provide stronger and stronger support for the technical transformation of agriculture, and this also constituted a motive force behind the transformation of individual into co-operative farming.”

In dealing with capitalist industry and commerce, we devised a whole series of transitional forms of state capitalism from lower to higher levels, such as the placing of state orders with private enterprises for the processing of materials or the manufacture of goods, state monopoly of the purchase and marketing of the products of private enterprise, the marketing of products of state-owned enterprises by private shops, and joint state-private ownership of individual enterprises or enterprises of a whole trade, and we eventually realized the peaceful redemption of the bourgeoisie, a possibility envisaged by Marx and Lenin. In dealing with individual farming, we devised transitional forms of co-operation, proceeding from temporary or all-the-year-round mutual-aid teams, to elementary agricultural producers’ co-operatives of a semi-socialist nature and then to advanced agricultural producers’ co-operatives of a fully socialist nature, always adhering to the principles of voluntariness and mutual benefit, demonstration through advanced examples, and extension of state help. Similar methods were used in transforming individual handicraft industries. In the course of such transformation, the state-capitalist and co-operative economies displayed their unmistakable superiority. By 1956, the socialist transformation of the private ownership of the means of production had been largely completed in most regions. But there had been shortcomings and errors. From the summer of 1955 onwards, we were over-hasty in pressing on with agricultural co-operation and the transformation of private handicraft and commercial establishments; we were far from meticulous, the changes were too fast, and we did our work in a somewhat summary, stereotyped manner, leaving open a number of questions for a long time. Following the basic completion of the transformation of capitalist industry and commerce in 1956, we failed to do a proper job in employing and handling some of the former industrialists and businessmen. But on the whole, it was definitely a historic victory for us to have effected, and to have effected fairly smoothly, so difficult, complex and profound a social change in so vast a country with its several hundred million people, a change, moreover, which promoted the growth of industry, agriculture and the economy as a whole.

In economic construction under the First Five-Year Plan (1953-57), we likewise scored major successes through our own efforts and with the assistance of the Soviet Union and other friendly countries. A number of basic industries, essential for the country’s industrialization and yet very weak in the past, were built up. Between 1953 and 1956, the average annual increases in the total value of industrial and agricultural output were 19.6 and 4.8 per cent respectively. Economic growth was quite fast, with satisfactory economic results, and the key economic sectors were well-balanced. The market prospered, prices were stable. The people’s livelihood improved perceptibly. In April 1956, Comrade Mao Zedong made his speech On the Ten Major Relationships, in which he initially summed up our experiences in socialist construction and set forth the task of exploring a way of building socialism suited to the specific conditions of our country.

The First National People’s Congress was convened in September 1954, and it enacted the Constitution of the People’s Republic of China. In March 1955, a national conference of the Party reviewed the major struggle against the plots of the careerists Gao Gang and Rao Shushi to split the Party and usurp supreme power in the Party and the state; in this way it strengthened Party unity. In January 1956, the Central Committee of the Party called a conference on the question of the intellectuals. Subsequently, the policy of ‘letting a hundred flowers blossom and a hundred schools of thought contend’ was advanced. These measures spelled out the correct policy regarding intellectuals and the work in education, science and culture and thus brought about a significant advance in these fields. Owing to the Party’s correct policies, fine style of work and the consequent high prestige it enjoyed among the people, the vast numbers of cadres, masses, youth and intellectuals earnestly studied Marxism-Leninism and Mao Zedong Thought and participated enthusiastically in revolutionary and construction activities under the leadership of the Party, so that a healthy and virile revolutionary morality prevailed throughout the country.

The Eighth National Congress of the Party held in September 1956 was very successful. The congress declared that the socialist system had been basically established in China; that while we must strive to liberate Taiwan, thoroughly complete socialist transformation, ultimately eliminate the system of exploitation and continue to wipe out the remnant forces of counter-revolution, the principal contradiction within the country was no longer the contradiction between the working class and the bourgeoisie but between the demand of the people for rapid economic and cultural development and the existing state of our economy and culture which fell short of the needs of the people; that the chief task confronting the whole nation was to concentrate all efforts on developing the productive forces, industrializing the country and gradually meeting the people’s incessantly growing material and cultural needs; and that although class struggle still existed and the people’s democratic dictatorship had to be further strengthened, the basic task of the dictatorship was now to protect and develop the productive forces in the context of the new relations of production. The congress adhered to the principle put forward by the Central Committee of the Party in May 1956, the principle of opposing both conservatism and rash advance in economic construction, that is, of making steady progress by striking an over-all balance. It emphasized the problem of the building of the Party in office and the need to uphold democratic centralism and collective leadership, oppose the personality cult, promote democracy within the Party and among the people and strengthen the Party’s ties with the masses. The line laid down by the Eighth National Congress of the Party was correct and it charted the path for the development of the cause of socialism and for Party building in the new period.”

Ten Years of Initially Building Socialism in All Spheres

In the ten years preceding the ‘cultural revolution’ we achieved very big successes despite serious setbacks. By 1966, the value of fixed industrial assets, calculated on the basis of their original price, was 4 times greater than in 1956. The output of such major industrial products as cotton yarn, coal, electricity, crude oil, steel and mechanical equipment all recorded impressive increases. Beginning in 1965, China became self-sufficient in petroleum. New industries such as the electronic and petrochemical industries were established one after another. The distribution of industry over the country became better balanced. Capital construction in agriculture and its technical transformation began on a massive scale and yielded better and better results. Both the number of tractors for farming and the quantity of chemical fertilizers applied increased over 7 times and rural consumption of electricity 71 times. The number of graduates from institutions of higher education was 4.9 times that of the previous seven years. Educational work was improved markedly through consolidation. Scientific research and technological work, too, produced notable results.”

While leading the work of correcting the errors in the Great Leap Forward and the movement to organize people’s communes, Comrade Mao Zedong pointed out that there must be no expropriation of the peasants; that a given stage of social development should not be skipped; that equalitarianism must be opposed; that we must stress commodity production, observe the law of value and strike an over-all balance in economic planning; and that economic plans must be arranged with the priority proceeding from agriculture to light industry and then to heavy industry. Comrade Liu Shaoqi said that a variety of means of production could be put into circulation as commodities and that there should be a double-track system for labour as well as for education in socialist society.”

In the course of this decade, there were serious faults and errors in the guidelines of the Party’s work, which developed through twists and turns.

Nineteen fifty-seven was one of the years that saw the best results in economic work since the founding of the People’s Republic owing to the conscientious implementation of the correct line formulated at the Eighth National Congress of the Party. To start a rectification campaign throughout the Party in that year and urge the masses to offer criticisms and suggestions were normal steps in developing socialist democracy. In the rectification campaign a handful of bourgeois Rightists seized the opportunity to advocate what they called ‘speaking out and airing views in a big way’ and to mount a wild attack against the Party and the nascent socialist system in an attempt to replace the leadership of the Communist Party. It was therefore entirely correct and necessary to launch a resolute counter-attack. But the scope of this struggle was made far too broad and a number of intellectuals, patriotic people and Party cadres were unjustifiably labelled ‘Rightists’, with unfortunate consequences.”

Left’ errors, characterized by excessive targets, the issuing of arbitrary directions, boastfulness and the stirring up of a ‘communist wind’, spread unchecked throughout the country. This was due to our lack of experience in socialist construction and inadequate understanding of the laws of economic development and of the basic economic conditions in China. More important, it was due to the fact that Comrade Mao Zedong and many leading comrades, both at the centre and in the localities, had become smug about their successes, were impatient for quick results and overestimated the role of man’s subjective will and efforts. After the general line was formulated, the Great Leap Forward and the movement for rural people’s communes were initiated without careful investigation and study and without prior experimentation. From the end of 1958 to the early stage of the Lushan Meeting of the Political Bureau of the Party’s Central Committee in July 1959, Comrade Mao Zedong and the Central Committee led the whole Party in energetically rectifying the errors which had already been recognized. However, in the later part of the meeting, he erred in initiating criticism of Comrade Peng Dehuai and then in launching a Party-wide struggle against ‘Right opportunism’. The resolution passed by the Eighth Plenary Session of the Eighth Central Committee of the Party concerning the so-called anti-Party group of Peng Dehuai, Huang Kecheng, Zhang Wentian and Zhou Xiaozhou was entirely wrong. Politically, this struggle gravely undermined inner-Party democracy from the central level down to the grass roots; economically, it cut short the process of the rectification of ‘Left’ errors, thus prolonging their influence. It was mainly due to the errors of the Great Leap Forward and of the struggle against ‘Right opportunism’ together with a succession of natural calamities and the perfidious scrapping of contracts by the Soviet Government that our economy encountered serious difficulties between 1959 and 1961, which caused serious losses to our country and people.”

A majority of the comrades who had been unjustifiably criticized during the campaign against ‘Right opportunism’ were rehabilitated before or after the conference. In addition, most of the ‘Rightists’ had their label removed. Thanks to these economic and political measures, the national economy recovered and developed fairly smoothly between 1962 and 1966.

Nevertheless, ‘Left’ errors in the principles guiding economic work were not only not eradicated, but actually grew in the spheres of politics, ideology and culture. At the Tenth Plenary Session of the Party’s Eighth Central Committee in September 1962, Comrade Mao Zedong widened and absolutized the class struggle, which exists only within certain limits in socialist society, and carried forward the viewpoint he had advanced after the anti-Rightist struggle in 1957 that the contradiction between the proletariat and the bourgeoisie remained the principal contradiction in our society. He went a step further and asserted that, throughout the historical period of socialism, the bourgeoisie would continue to exist and would attempt a comeback and become the source of revisionism inside the Party. The socialist education movement unfolded between 1963 and 1965 in some rural areas and at the grass-roots level in a small number of cities did help to some extent to improve the cadres’ style of work and economic management. But, in the course of the movement, problems differing in nature were all treated as forms of class struggle or its reflections inside the Party. As a result, quite a number of the cadres at the grassroots level were unjustly dealt with in the latter half of 1964, and early in 1965 the erroneous thesis was advanced that the main target of the movement should be ‘those Party persons in power taking the capitalist road’. In the ideological sphere, a number of literary and art works and schools of thought and a number of representative personages in artistic, literary and academic circles were subjected to unwarranted, inordinate political criticism. And there was an increasingly serious ‘Left’ deviation on the question of intellectuals and on the question of education, science and culture. These errors eventually culminated in the ‘cultural revolution’, but they had not yet become dominant.”

They overcame difficulties at home, stood up to the pressure of the Soviet leading clique and repaid all the debts owed to the Soviet Union, which were chiefly incurred through purchasing Soviet arms during the movement to resist U.S. aggression and aid Korea. In addition, they did what they could to support the revolutionary struggles of the people of many countries and assist them in their economic construction.”

All the successes in these ten years were achieved under the collective leadership of the Central Committee of the Party headed by Comrade Mao Zedong. Likewise, responsibility for the errors committed in the work of this period rested with the same collective leadership. Although Comrade Mao Zedong must be held chiefly responsible, we cannot lay the blame for all those errors on him alone. During this period, his theoretical and practical mistakes concerning class struggle in a socialist society became increasingly serious, his personal arbitrariness gradually undermined democratic centralism in Party life and the personality cult grew graver and graver. The Central Committee of the Party failed to rectify these mistakes in good time. Careerists like Lin Biao, Jiang Qing and Kang Sheng, harbouring ulterior motives, made use of these errors and inflated them. This led to the inauguration of the ‘cultural revolution’.”

The Decade of the ‘Cultural Revolution’

The ‘cultural revolution’, which lasted from May 1966 to October 1976, was responsible for the most severe setback and the heaviest losses suffered by the Party, the state and the people since the founding of the People’s Republic. It was initiated and led by Comrade Mao Zedong. His principal theses were that many representatives of the bourgeoisie and counter-revolutionary revisionists had sneaked into the Party, the government, the army and cultural circles, and leadership in a fairly large majority of organizations and departments was no longer in the hands of Marxists and the people; that Party persons in power taking the capitalist road had formed a bourgeois headquarters inside the Central Committee which pursued a revisionist political and organizational line and had agents in all provinces, municipalities and autonomous regions, as well as in all central departments; that since the forms of struggle adopted in the past had not been able to solve this problem, the power usurped by the capitalist-roaders could be recaptured only by carrying out a great cultural revolution, by openly and fully mobilizing the broad masses from the bottom up to expose these sinister phenomena; and that the cultural revolution was in fact a great political revolution in which one class would overthrow another, a revolution that would have to be waged time and again. These theses appeared mainly in the May 16 Circular, which served as the programmatic document of the ‘cultural revolution’, and in the political report to the Ninth National Congress of the Party in April 1969. They were incorporated into a general theory — the ‘theory of continued revolution under the dictatorship of the proletariat’¹ — which then took on a specific meaning. These erroneous ‘Left’ theses, upon which Comrade Mao Zedong based himself in initiating the ‘cultural revolution’, were obviously inconsistent with the system of Mao Zedong Thought, which is the integration of the universal principles of Marxism-Leninism with the concrete practice of the Chinese revolution. These theses must be clearly distinguished from Mao Zedong Thought. As for Lin Biao, Jiang Qing and others, who were placed in important positions by Comrade Mao Zedong, the matter is of an entirely different nature. They rigged up two counter-revolutionary cliques in an attempt to seize supreme power and, taking advantage of Comrade Mao Zedong’s errors, committed many crimes behind his back, bringing disaster to the country and the people. As their counter-revolutionary crimes have been fully exposed, this resolution will not go into them at any length.”

¹ Anos de trotskização do regime.

The history of the ‘cultural revolution’ has proved that Comrade Mao Zedong’s principal theses for initiating this revolution conformed neither to Marxism, Leninism nor to Chinese reality. They represent an entirely erroneous appraisal of the prevailing class relations and political situation in the Party and state.”

Many things denounced as revisionist or capitalist during the ‘cultural revolution’ were actually Marxist and socialist principles, many of which had been set forth or supported by Comrade Mao Zedong himself. The ‘cultural revolution’ negated many of the correct principles, policies and achievements of the 17 years after the founding of the People’s Republic. In fact, it negated much of the work of the Central Committee of the Party and the People’s Government, including Comrade Mao Zedong’s own contribution. It negated the arduous struggles the entire people had conducted in socialist construction.”

The so-called bourgeois headquarters inside the Party headed by Liu Shaoqi and Deng Xiaoping simply did not exist. Irrefutable facts have proved that labelling Comrade Liu Shaoqi a ‘renegade, hidden traitor and stab’ was nothing but a frame-up by Lin Biao, Jiang Qing and their followers. The political conclusion concerning Comrade Liu Shaoqi drawn by the Twelfth Plenary Session of the Eighth Central Committee of the Party and the disciplinary measure it meted out to him were both utterly wrong. The criticism of the so-called reactionary academic authorities in the ‘cultural revolution’ during which many capable and accomplished intellectuals were attacked and persecuted also badly muddled up the distinction between the people and the enemy.”

After the movement started, Party organizations at different levels were attacked and became partially or wholly paralysed, the Party’s leading cadres at various levels were subjected to criticism and struggle, inner-Party life came to a standstill, and many activists and large numbers of the basic masses whom the Party has long relied on were rejected.”

Many people were assailed either more or less severely for this very reason. Such a state of affairs could not but provide openings to be exploited by opportunists, careerists and conspirators, not a few of whom were escalated to high or even key positions.”

Of course, it was essential to take proper account of certain undesirable phenomena that undoubtedly existed in Party and state organisms and to remove them by correct measures in conformity with the Constitution, the laws and the Party Constitution. But on no account should the theories and methods of the ‘cultural revolution’ have been applied. Under socialist conditions, there is no economic or political basis for carrying out a great political revolution in which ‘one class overthrows another’. It decidedly could not come up with any constructive programme, but could only bring grave disorder, damage and retrogression in its train. History has shown that the ‘cultural revolution’ initiated by a leader labouring under a misapprehension and capitalized on by counter-revolutionary cliques, led to domestic turmoil and brought catastrophe to the Party, the state and the whole people.”

1) From the initiation of the ‘cultural revolution’ to the Ninth National Congress of the Party in April 1969. The convening of the enlarged Political Bureau meeting of the Central Committee of the Party in May 1966 and the Eleventh Plenary Session of the Eighth Central Committee in August of that year marked the launching of the ‘cultural revolution’ on a full scale.

In fact, Comrade Mao Zedong’s personal leadership characterized by ‘Left’ errors took the place of the collective leadership of the Central Committee, and the cult of Comrade Mao Zedong was frenziedly pushed to an extreme. Lin Biao, Jiang Qing, Kang Sheng, Zhang Chunqiao and others, acting chiefly in the name of the ‘Cultural Revolution Group’, exploited the situation to incite people to ‘overthrow everything and wage full-scale civil war’. Around February 1967, at various meetings, Tan Zhenlin, Chen Yi, Ye Jianying, Li Fuchun, Li Xiannian, Xu Xiangqian, Nie Rongzhen and other Political Bureau members and leading comrades of the Military Commission of the Central Committee sharply criticized the mistakes of the ‘cultural revolution’. This was labelled the ‘February adverse current’, and they were attacked and repressed.”

2) From the Ninth National Congress of the Party to its Tenth National Congress in August 1973.” “During the criticism and repudiation of Lin Biao in 1972, he correctly proposed criticism of the ultra-Left trend of thought. In fact, this was an extension of the correct proposals put forward around February 1967 by many leading comrades of the Central Committee who had called for the correction of the errors of the ‘cultural revolution’. Comrade Mao Zedong, however, erroneously held that the task was still to oppose the ‘ultra-Right’. The Tenth Congress of the Party perpetuated the ‘Left’ errors of the Ninth Congress and made Wang Hongwen a vice-chairman of the Party. Jiang Qing, Zhang Chunqiao, Yao Wenyuan and Wang Hongwen formed a Gang of Four inside the Political Bureau of the Central Committee, thus strengthening the influence of the counter-revolutionary Jiang Qing clique.”

3) From the Tenth Congress of the Party to October 1976. Early in 1974 Jiang Qing, Wang Hongwen and others launched a campaign to ‘criticize Lin Biao and Confucius’.”

When he found that Jiang Qing and the others were turning it to their advantage in order to seize power, he [Mao] severely criticized them. He declared that they had formed a ‘gang of four’ and pointed out that Jiang Qing harboured the wild ambition of making herself chairman of the Central Committee and ‘forming a cabinet’ by political manipulation. In 1975, when Comrade Zhou Enlai was seriously ill, Comrade Deng Xiaoping, with the support of Comrade Mao Zedong, took charge of the day-to-day work of the Central Committee. He convened an enlarged meeting of the Military Commission of the Central Committee and several other important meetings with a view to solving problems in industry, agriculture, transport and science and technology, and began to straighten out the work in many fields so that the situation took an obvious turn for the better. However, Comrade Mao Zedong could not bear to accept systematic correction of the errors of the ‘cultural revolution’ by Comrade Deng Xiaoping and triggered the movement to ‘criticize Deng and counter the Right deviationist trend to reverse correct verdicts’, once again plunging the nation into turmoil. In January of that year, Comrade Zhou Enlai passed away.” Teria Zedong vivido em senilidade seus últimos anos? O que é lenda e o que é veraz em todo esse comunicado oficial? O herói vive tempo suficiente apenas para arruinar-se perante a opinião pública (paradoxo da eternidade de Alexandre e Júlio César)?

The Political Bureau of the Central Committee and Comrade Mao Zedong wrongly assessed the nature of the Tian An Men Incident and dismissed Comrade Deng Xiaoping from all his posts inside and outside the Party. As soon as Comrade Mao Zedong passed away in September 1976, the counterrevolutionary Jiang Qing clique stepped up its plot to seize supreme Party and state leadership.”

Chief responsibility for the grave ‘Left’ error of the ‘cultural revolution’, an error comprehensive in magnitude and protracted in duration, does indeed lie with Comrade Mao Zedong. But after all it was the error of a great proletarian revolutionary. Comrade Mao Zedong paid constant attention to overcoming shortcomings in the life of the Party and state. In his later years, however, far from making a correct analysis of many problems, he confused right and wrong and the people with the enemy during the ‘cultural revolution’.”

While making serious mistakes, he repeatedly urged the whole Party to study the works of Marx, Engels and Lenin conscientiously and imagined that his theory and practice were Marxist and that they were essential for the consolidation of the dictatorship of the proletariat. Herein lies his tragedy. While persisting in the comprehensive error of the ‘cultural revolution’, he checked and rectified some of its specific mistakes, protected some leading Party cadres and non-Party public figures and enabled some leading cadres to return to important leading posts.”

The foundation of China’s socialist system remained intact and it was possible to continue socialist economic construction. Our country remained united and exerted a significant influence on international affairs. All these important facts are inseparable from the great role played by Comrade Mao Zedong. For these reasons, and particularly for his vital contributions to the cause of the revolution over the years, the Chinese people have always regarded Comrade Mao Zedong as their respected and beloved great leader and teacher.”

Party and state leaders such as Comrades Liu Shaoqi, Peng Dehuai, He Long and Tao Zhu and all other Party and non-Party comrades who were persecuted to death in the ‘cultural revolution’ will live for ever in the memories of the Chinese people.”

hydrogen bomb tests were successfully undertaken and man-made satellites successfully launched and retrieved; and new hybrid strains of long-grained rice were developed and popularized. Despite the domestic turmoil, the People’s Liberation Army bravely defended the security of the motherland.” “Needless to say, none of these successes can be attributed in any way to the ‘cultural revolution’, without which we would have scored far greater achievements for our cause.”

In addition to the above-mentioned immediate cause of Comrade Mao Zedong’s mistake in leadership, there are complex social and historical causes underlying the ‘cultural revolution’ which dragged on for as long as a decade. The main causes are as follows:

1) The history of the socialist movement is not long and that of the socialist countries even shorter. Some of the laws governing the development of socialist society are relatively clear, but many more remain to be explored. Our Party had long existed in circumstances of war and fierce class struggle. It was not fully prepared, either ideologically or in terms of scientific study, for the swift advent of the new-born socialist society and for socialist construction on a national scale. The scientific works of Marx, Engels, Lenin and Stalin are our guide to action, but can in no way provide ready-made answers to the problems we may encounter in our socialist cause. Even after the basic completion of socialist transformation, given the guiding ideology, we were liable, owing to the historical circumstances in which our Party grew, to continue to regard issues unrelated to class struggle as its manifestations when observing and handling new contradictions and problems which cropped up in the political, economic, cultural and other spheres in the course of the development of socialist society.” 1) A luta de classes permanecerá em qualquer nação do globo até a verdadeira derrocada do Imperialismo Americano; 2) Resta saber se a China como país mais capitalista seguirá sendo anti-imperialista e socialista, não apenas nominalmente (tal contradição, “mais capitalista e mais socialista ao mesmo tempo”, não é espantosa, ainda mais tendo em vista a literatura marxista a esse respeito, mais do que ampla).

For instance, it was thought that equal right, which reflects the exchange of equal amounts of labour and is applicable to the distribution of the means of consumption in socialist society, or ‘bourgeois right’ as it was designated by Marx,¹ should be restricted and criticized, and so the principle of ‘to each according to his work’ and that of material interest should be restricted and criticized; that small production would continue to engender capitalism and the bourgeoisie daily and hourly on a large scale even after the basic completion of socialist transformation, and so a series of ‘Left’ economic policies and policies on class struggle in urban and rural areas were formulated; and that all ideological differences inside the Party were reflections of class struggle in society, and so frequent and acute inner-Party struggles were conducted.”

¹ Posses individuais x posse dos meios de produção

Furthermore, Soviet leaders started a polemic between China and the Soviet Union, and turned the arguments between the two Parties on matters of principle into a conflict between the two nations, bringing enormous pressure to bear upon China politically, economically and militarily. So we were forced to wage a just struggle against the big-nation chauvinism of the Soviet Union. In these circumstances, a campaign to prevent and combat revisionism inside the country was launched, which spread the error of broadening the scope of class struggle in the Party, so that normal differences among comrades inside the Party came to be regarded as manifestations of the revisionist line or of the struggle between the two lines. This resulted in growing tension in inner-Party relations.”

2) Comrade Mao Zedong’s prestige reached a peak and he began to get arrogant at the very time when the Party was confronted with the new task of shifting the focus of its work to socialist construction, a task for which the utmost caution was required. He gradually divorced himself from practice and from the masses, acted more and more arbitrarily and subjectively, and increasingly put himself above the Central Committee of the Party.”

This state of affairs took shape only gradually and the Central Committee of the Party should be held partly responsible. From the Marxist viewpoint, this complex phenomenon was the product of given historical conditions. Blaming this on only one person or on only a handful of people will not provide a deep lesson for the whole Party or enable it to find practical ways to change the situation. In the communist movement, leaders play quite an important role. This has been borne out by history time and again and leaves no room for doubt. However, certain grievous deviations, which occurred in the history of the international communist movement owing to the failure to handle the relationship between the Party and its leader correctly, had an adverse effect on our Party, too. Feudalism in China has had a very long history. Our Party fought in the firmest and most thoroughgoing way against it, and particularly against the feudal system of land ownership and the landlords and local tyrants, and fostered a fine tradition of democracy in the anti-feudal struggle. But it remains difficult to eliminate the evil ideological and political influence of centuries of feudal autocracy. And for various historical reasons, we failed to institutionalize and legalize inner-Party democracy and democracy in the political and social life of the country, or we drew up the relevant laws but they lacked due authority. This meant that conditions were present for the over-concentration of Party power in individuals and for the development of arbitrary individual rule and the personality cult in the Party.”

Great Turning Point in History

To carry out the principle of emancipating the mind properly, the Party reiterated in good time the 4 fundamental principles of upholding the socialist road, the people’s democratic dictatorship (i.e., the dictatorship of the proletariat), the leadership of the Communist Party, and Marxism-Leninism and Mao Zedong Thought. It reaffirmed the principle that neither democracy nor centralism can be practised at each other’s expense and pointed out the basic fact that, although the exploiters had been eliminated as classes, class struggle continues to exist within certain limits.”

4) Large numbers of unjust, false and wrong cases were re-examined and their verdicts reversed. Cases in which people had been wrongly labelled bourgeois Rightists were also corrected. Announcements were made to the effect that former businessmen and industrialists, having undergone remoulding, are now working people; that small tradespeople, pedlars and handicraftsmen, who were originally labourers, have been differentiated from businessmen and industrialists who were members of the bourgeoisie; and that the status of the vast majority of former landlords and rich peasants, who have become working people through remoulding, has been re-defined. These measures have appropriately resolved many contradictions inside the Party and among the people.”

The system according to which deputies to the people’s congresses at and below the county level are directly elected by the voters is now universally practised. Collective leadership and democratic centralism are being perfected in Party and state organizations. The powers of local and primary organizations are steadily being extended. The so-called right to ‘speak out, air views and hold debates in a big way and write big-character posters’ [dazibao], which actually obstructs the promotion of socialist democracy, was deleted from the Constitution.” “A number of important laws, decrees and regulations have been reinstated, enacted or enforced, including the Criminal Law and the Law of Criminal Procedure which had never been drawn up since the founding of the People’s Republic. The work of the judicial, procuratorial and public security departments has improved and telling blows have been dealt at all types of criminals guilty of serious offences.”

The Party’s mass media have also contributed immensely in this respect. The Party has decided to put an end to the virtually lifelong tenure of leading cadres, change the over-concentration of power and, on the basis of revolutionization, gradually reduce the average age of the leading cadres at all levels and raise their level of education and professional competence, and has initiated this process. With the reshuffling of the leading personnel of the State Council and the division of labour between Party and government organizations, the work of the central and local governments has improved.”

Comrade Mao Zedong’s Historical Role and Mao Zedong Thought

The Chinese Communists, with Comrade Mao Zedong as their chief-representative, made a theoretical synthesis of China’s unique experience in its protracted revolution in accordance with the basic principles of Marxism-Leninism. This synthesis constituted a scientific system of guidelines befitting China’s conditions, and it is this synthesis which is Mao Zedong Thought, the product of the integration of the universal principles of Marxism-Leninism with the concrete practice of the Chinese revolution. Making revolution in a large Eastern semi-colonial, semi-feudal country is bound to meet with many special, complicated problems which cannot be solved by reciting the general principles of Marxism-Leninism or by copying foreign experience in every detail. The erroneous tendency of making Marxism a dogma and deifying Comintern resolutions and the experience of the Soviet Union prevailed in the international communist movement and in our Party mainly in the late 1920s and early 1930s, and this tendency pushed the Chinese revolution to the brink of total failure. It was in the course of combating this wrong tendency and making a profound summary of our historical experience in this respect that Mao Zedong Thought took shape and developed. It was systematized and extended in a variety of fields and reached maturity in the latter part of the Agrarian Revolutionary War and the War of Resistance Against Japan, and it was further developed during the War of Liberation and after the founding of the People’s Republic of China.”

Mao Zedong Thought is wide-ranging in content. It is an original theory which has enriched and developed Marxism-Leninism in the following respects:

1) On the new-democratic revolution. (…) a revolution against imperialism, feudalism and bureaucrat-capitalism waged by the masses of the people on the basis of the worker-peasant alliance under the leadership of the proletariat. His main works on this subject include: Analysis of the Classes in Chinese Society, Report on an Investigation of the Peasant Movement in Hunan, A Single Spark Can Start a Prairie Fire, Introducing ‘The Communist’, On New Democracy, On Coalition Government and The Present Situation and Our Tasks. The basic points of this theory are:

i) China’s bourgeoisie consisted of two sections, the big bourgeoisie (that is, the comprador bourgeoisie, or the bureaucrat-bourgeoisie) which was dependent on imperialism, and the national bourgeoisie which had revolutionary leanings but wavered. The proletariat should endeavour to get the national bourgeoisie to join in the united front under its leadership and in special circumstances to include even part of the big bourgeoisie in the united front, so as to isolate the main enemy to the greatest possible extent. When forming a united front with the bourgeoisie, the proletariat must preserve its own independence and pursue the policy of ‘unity, struggle, unity through struggle’; when forced to split with the bourgeoisie, chiefly the big bourgeoisie, it should have the courage and ability to wage a resolute armed struggle against the big bourgeoisie, while continuing to win the sympathy of the national bourgeoisie or keep it neutral.

ii) Since there was no bourgeois democracy in China and the reactionary ruling classes enforced their terroristic dictatorship over the people by armed force, the revolution could not but essentially take the form of protracted armed struggle. China’s armed struggle was a revolutionary war led by the proletariat with the peasants as the principal force. The peasantry was the most reliable ally of the proletariat. Through its vanguard, it was possible and necessary for the proletariat, with its progressive ideology and its sense of organization and discipline, to raise the political consciousness of the peasant masses, establish rural base areas, wage a protracted revolutionary war and build up and expand the revolutionary forces. Comrade Mao Zedong pointed out that ‘the united front and armed struggle are the 2 basic weapons for defeating the enemy’.”

2) On the socialist revolution and socialist construction. (…) By putting forward the thesis that the combination of democracy for the people and dictatorship over the reactionaries constitutes the people’s democratic dictatorship, Comrade Mao Zedong enriched the Marxist-Leninist theory of the dictatorship of the proletariat. After the establishment of the socialist system, Comrade Mao Zedong pointed out that, under socialism, the people had the same fundamental interests, but that all kinds of contradictions still existed among them, and that contradictions between the enemy and the people and contradictions among the people should be strictly distinguished from each other and correctly handled. He proposed that among the people we should follow a set of correct policies. (…) Moreover, he stressed that the workers were the masters of their enterprises and that cadres must take part in physical labour and workers in management, that irrational rules and regulations must be reformed and that the three-in-one combination of technical personnel, workers and cadres must be effected. (…) Comrade Mao Zedong concerning the socialist revolution and socialist construction are mainly contained in such major works as Report to the Second Plenary Session of the Seventh Central Committee of the Communist Party of China, On the People’s Democratic Dictatorship, On the Ten Major Relationships, On the Correct Handling of Contradictions Among the People and Talk at an Enlarged Work Conference Convened by the Central Committee of the Communist Party of China.

3) On the building of the revolutionary army and military strategy. (…) he advanced the Three Main Rules of Discipline and the Eight Points for Attention and stressed the practice of political, economic and military democracy and the principles of the unity of officers and soldiers, the unity of army and people and the disintegration of the enemy forces, thus formulating by way of summation a set of policies and methods concerning political work in the army. In his military writings such as On Correcting Mistaken Ideas in the Party, Problems of Strategy in China’s Revolutionary War, Problems of Strategy in Guerrilla War Against Japan, On Protracted War and Problems of War and Strategy, Comrade Mao Zedong summed up the experience of China’s protracted revolutionary wars and advanced the comprehensive concept of building a people’s army and of building rural base areas and waging people’s war by employing the people’s army as the main force and relying on the masses. Raising guerrilla war to the strategic plane, he maintained that guerrilla warfare and mobile warfare of a guerrilla character would for a long time be the main forms of operation in China’s revolutionary wars. He explained that it would be necessary to effect an appropriate change in military strategy simultaneously with the changing balance of forces between the enemy and ourselves and with the progress of the war. He worked out a set of strategies and tactics for the revolutionary army to wage people’s war in conditions when the enemy was strong and we were weak. These strategies and tactics include fighting a protracted war strategically and campaigns and battles of quick decision, turning strategic inferiority into superiority in campaigns and battles and concentrating a superior force to destroy the enemy forces one by one.”

After the founding of the People’s Republic, he put forward the important guideline that we must strengthen our national defence and build modern revolutionary armed forces (including the navy, the air force and technical branches) and develop modern defence technology (including the making of nuclear weapons for self-defence).”

4) On policy and tactics. (…) He pointed out that policy and tactics were the life of the Party, that they were both the starting-point and the end-result of all the practical activities of a revolutionary party and that the Party must formulate its policies in the light of the existing political situation, class relations, actual circumstances and the changes in them, combining principle and flexibility. (…) He pointed out among other things: that, under changing subjective and objective conditions, a weak revolutionary force could ultimately defeat a strong reactionary force; that we should despise the enemy strategically and take him seriously tactically; that we should keep our eyes on the main target of struggle and not hit out in all directions; that we should differentiate between and disintegrate our enemies, and adopt the tactic of making use of contradictions, winning over the many, opposing the few and crushing our enemies one by one; that in areas under reactionary rule, we should combine legal and illegal struggle and, organizationally, adopt the policy of assigning picked cadres to work underground; that, as for members of the defeated reactionary classes and reactionary elements, we should give them a chance to earn a living and to become working people living by their own labour, so long as they did not rebel or create trouble; and that the proletariat and its party must fulfill two conditions in order to exercise leadership over their allies: (a) Lead their followers in waging resolute struggles against the common enemy and achieving victories; (b) Bring material benefits to their followers or at least avoid damaging their interests and at the same time give them political education.” Current Problems of Tactics in the Anti-Japanese United Front, On Policy, Conclusions on the Repulse of the Second Anti-Communist Onslaught, On Some Important Problems of the Party’s Present Policy, Don’t Hit Out in All Directions, On the Question of Whether Imperialism and All Reactionaries Are Real Tigers.

5) On ideological and political work and cultural work. (…) intellectuals should identify themselves with the workers and peasants and (…) they should acquire the proletarian world outlook by studying Marxism-Leninism, by studying society and through practical work. He pointed out that ‘this question of <for whom?> is fundamental; it is a question of principle and stressed that we should serve the people whole-heartedly, be highly responsible in revolutionary work, wage arduous struggle and fear no sacrifice.” The Orientation of the Youth Movement, Recruit Large Numbers of Intellectuals, Talks at the Yan’an Forum of Literature and Art, In Memory of Norman Bethune, Serve the People, The Foolish Old Man Who Removed the Mountains.

6) On Party building. (…) Combat Liberalism, The Role of the Chinese Communist Party in the National War, Reform Our Study, Rectify the Party’s Style of Work, Oppose Stereotyped Party Writing, Our Study and the Current Situation, On Strengthening the Party Committee System and Methods of Work of Party Committees. (…)

MAIS MAO: Oppose Book Worship, On Practice, On Contradiction, Preface and Postscript to ‘Rural Surveys’, Some Questions Concerning Methods of Leadership, Where Do Correct Ideas Come From?

The proletarian revolution is an internationalist cause which calls for the mutual support of the proletariats of different countries. But for the cause to triumph, each proletariat should primarily base itself on its own country’s realities, rely on the efforts of its own masses and revolutionary fortes, integrate the universal principles of Marxism-Leninism with the concrete practice of its own revolution and thus achieve victory. Comrade Mao Zedong always stressed that our policy should rest on our own strength and that we should find our own road of advance in accordance with our own conditions.”

Of course, China’s revolution and national construction are not and cannot be carried on in isolation from the rest of the world. It is always necessary for us to try to win foreign aid and, in particular, to learn all that is advanced and beneficial from other countries. The closed-door policy, blind opposition to everything foreign and any theory or practice of great-nation chauvinism are all entirely wrong. At the same time, although China is still comparatively backward economically and culturally, we must maintain our own national dignity and confidence, and there must be no slavishness or submissiveness in any form in dealing with big, powerful or rich countries. Under the leadership of the Party and Comrade Mao Zedong, no matter what difficulty we encountered, we never wavered, whether before or after the founding of New China, in our determination to remain independent and self-reliant and, we never submitted to any pressure from outside; we showed the dauntless and heroic spirit of the Chinese Communist Party and the Chinese people. We stand for the peaceful co-existence of the people of all countries and their mutual assistance on an equal footing. While upholding our own independence, we respect other people’s right to independence. The road of revolution and construction suited to the characteristics of a country has to be explored, decided on and blazed by its own people. No one has the right to impose his views on others.¹ Only under these conditions can there be genuine internationalism. Otherwise, there can only be hegemonismWe will always adhere to this principled stand in our international relations.”

¹ Forte cláusula anti-Europa e Estados Unidos da América (não está na potencialidade dessas civilizações modificarem seu modo agressivo de existência).

² Mundo atual.

Mao Zedong Thought is the valuable spiritual asset of our Party. It will be our guide to action for a long time to come. The Party leaders and the large group of cadres nurtured by Marxism-Leninism and Mao Zedong Thought were the backbone fortes in winning great victories for our cause; they are and will remain our treasured mainstay in the cause of socialist modernization. While many of Comrade Mao Zedong’s important works were written during the periods of new-democratic revolution and of socialist transformation, we must still constantly study them. This is not only because one cannot cut the past off from the present and failure to understand the past will hamper our understanding of present-day problems, but also because many of the basic theories, principles and scientific approaches set forth in these works are of universal significance and provide us with invaluable guidance now and will continue to do so in the future. Therefore, we must continue to uphold Mao Zedong Thought, study it in earnest and apply its stand, viewpoint and method in studying the new situation and solving the new problems arising in the course of practice. Mao Zedong Thought has added much that is new to the treasure-house of Marxist-Leninist theory. We must combine our study of the scientific works of Comrade Mao Zedong with that of the scientific writings of Marx, Engels, Lenin and Stalin. It is entirely wrong to try to negate the scientific value of Mao Zedong Thought and to deny its guiding role in our revolution and construction just because Comrade Mao Zedong made mistakes in his later years. And it is likewise entirely wrong to adopt a dogmatic attitude towards the sayings of Comrade Mao Zedong, to regard whatever he said as the immutable truth which must be mechanically applied everywhere, and to be unwilling to admit honestly that he made mistakes in his later years, and even try to stick to them in our new activities. Both these attitudes fail to make a distinction between Mao Zedong Thought — a scientific theory formed and tested over a long period of time — and the mistakes Comrade Mao Zedong made in his later years. And it is absolutely necessary that this distinction should be made. We must treasure all the positive experience obtained in the course of integrating the universal principles of Marxism-Leninism with the concrete practice of China’s revolution and construction over 50 years or so, apply and carry forward this experience in our new work and enrich and develop Party theory with new principles and new conclusions corresponding to reality, so as to ensure the continued progress of our cause along the scientific course of Marxism-Leninism and Mao Zedong Thought.”

Unite and Strive to Build a Powerful, Modern Socialist China

The objective of our Party’s struggle in the new historical period is to turn China step by step into a powerful socialist country with modern agriculture, industry, national defence and science and technology and with a high level of democracy and culture. We must also accomplish the great cause of reunification of the country by getting Taiwan to return to the embrace of the motherland.” Previsão (de minha responsabilidade): em algum momento no séc. XXI os Estados Unidos usarão a questão da autonomia relativa de Taiwan para algum tipo de enfrentamento militar – indireto, frio, morno… Quente e direto é impossível, doutra forma a vida na Terra terá um fim. Partindo do pressuposto metafísico de que se o mundo fosse chegar a um fim, esse fim já teria sido atingido “no século do átimo, da fissão e da fusão nucleares”, não será uma guerra total. É sabido que os EUA já tentaram encetar essa crise logo após estabelecer mundialmente a Guerra contra a Rússia Via Ucrânia (como deve ser chamada), conflito que já existia mas tinha interesse apenas regional até 2021; mas claramente falharam em seus melhores prognósticos, e falo aqui de um acirramento muito mais grave das tensões entre China e Taiwan. Mas a minha previsão é que ao tentar sabotar a ascensão chinesa via Taiwan os EUA tragicamente acelerarão o processo de reunificação do território, e a submissão de Taiwan ao PCCh, que invariavelmente ocorreria mesmo que uma nação imperialista estrangeira não interviesse. Esse documento, de 1981, deixa claro que a reintegração é um objetivo inegociável da política chinesa.

Socialism and socialism alone can save China. This is the unalterable conclusion drawn by all our people from their own experience over the past century or so; it likewise constitutes our fundamental historical experience in the thirty-two years since the founding of our People’s Republic. Although our socialist system is still in its early phase of development, China has undoubtedly established a socialist system and entered the stage of socialist society. Any view denying this basic fact is wrong. Under socialism, we have achieved successes which were absolutely impossible in old China. This is a preliminary and at the same time convincing manifestation of the superiority of the socialist system.

The fact that we have been and are able to overcome all kinds of difficulties through our own efforts testifies to its great vitality. Of course, our system will have to undergo a long process of development before it can be perfected. Given the premise that we uphold the basic system of socialism, therefore, we must strive to reform those specific features which are not in keeping with the expansion of the productive fortes and the interests of the people, and to staunchly combat all activities detrimental to socialism. With the development of our cause, the immense superiority of socialism will become more and more apparent.”

Without the leadership of such a party, without the flesh-and-blood ties it has formed with the masses through protracted struggles and without its painstaking and effective work among the people and the high prestige it consequently enjoys, our country — for a variety of reasons, both internal and external — would inexorably fall apart and the future of our nation and people would inexorably be forfeited. The Party leadership cannot be exempt from mistakes, but there is no doubt that it can correct them by relying on the close unity between the Party and the people, and in no case should one use the Party’s mistakes as a pretext for weakening, breaking away from or even sabotaging its leadership. (…) We must resolutely overcome the many shortcomings that still exist in our Party’s style of thinking and work, in its system of organization and leadership and in its contacts with the masses. So long as we earnestly uphold and constantly improve Party leadership, our Party will definitely be better able to undertake the tremendous tasks entrusted to it by history.”

After socialist transformation was fundamentally completed, the principal contradiction our country has had to resolve is that between the growing material and cultural needs of the people and the backwardness of social production. It was imperative that the focus of Party and government work be shifted to socialist modernization centring on economic construction and that the people’s material and cultural life be gradually improved by means of an immense expansion of the productive forces. In the final analysis, the mistake we made in the past was that we failed to persevere in making this strategic shift. What is more, the preposterous view opposing the so-called ‘theory of the unique importance of productive forces’, a view diametrically opposed to historical materialism, was put forward during the ‘cultural revolution’. We must never deviate from this focus, except in the event of large-scale invasion by a foreign enemy (and even then it will still be necessary to carry on such economic construction as wartime conditions require and permit). ll our Party work must be subordinated to and serve this central task — economic construction. All our Party cadres, and particularly those in economic departments, must diligently study economic theory and economic practice as well as science and technology.”

We must keep in mind the fundamental fact that China’s economy and culture are still relatively backward. At the same time, we must keep in mind such favourable domestic and international conditions as the achievements we have already stored and the experience we have gained in our economic construction and the expansion of economic and technological exchanges with foreign countries, and we must make full use of these favourable conditions. We must oppose both impetuosity and passivity.”

The state economy and the collective economy are the basic forms of the Chinese economy. The working people’s individual economy within certain prescribed limits is a necessary complement to public economy. (…) It is necessary to have planned economy and at the same time give play to the supplementary, regulatory role of the market on the basis of public ownership. We must strive to promote commodity production and exchange on a socialist basis. There is no rigid pattern for the development of the socialist relations of production. At every stage our task is to create those specific forms of the relations of production that correspond to the needs of the growing productive forces and facilitate their continued advance.”

Class struggle no longer constitutes the principal contradiction after the exploiters have been eliminated as classes. However, owing to certain domestic factors and influences from abroad, class struggle will continue to exist within certain limits for a long time to come and may even grow acute under certain conditions. It is necessary to oppose both the view that the scope of class struggle must be enlarged and the view that it has died out. It is imperative to maintain a high level of vigilance and conduct effective struggle against all those who are hostile to socialism and try to sabotage it in the political, economic, ideological and cultural fields and in community life. We must correctly understand that there are diverse social contradictions in Chinese society which do not fall within the scope of class struggle and that methods other than class struggle must be used for their appropriate resolution. Otherwise, social stability and unity will be jeopardized. We must unswervingly unite all forces that can be united with and consolidate and expand the patriotic united front.”

It is essential to consolidate the people’s democratic dictatorship, improve our Constitution and laws and ensure their strict observance and inviolability. We must turn the socialist legal system into a powerful instrument for protecting the rights of the people, ensuring order in production, work and other activities, punishing criminals and cracking down on the disruptive activities of class enemies. The kind of chaotic situation that [was] obtained in the ‘cultural revolution’ must never be allowed to happen again in any sphere.”

Life under socialism must attain a high ethical and cultural level. We must firmly eradicate such gross fallacies as the denigration of education, science and culture and discrimination against intellectuals, fallacies which had long existed and found extreme expression during the ‘cultural revolution’; we must strive to raise the status and expand the role of education, science and culture in our drive for modernization. We unequivocally affirm that, together with the workers and peasants, the intellectuals are a force to rely on in the cause of socialism and that it is impossible to carry out socialist construction without culture and the intellectuals. It is imperative for the whole Party to engage in a more diligent study of Marxist theories, of the past and present in China and abroad, and of the different branches of the natural and social sciences. We must strengthen and improve ideological and political work and educate the people and youth in the Marxist world outlook and communist morality; we must persistently carry out the educational policy which calls for an all-round development morally, intellectually and physically, for being both red and expert, for integration of the intellectuals with the workers and peasants and the combination of mental and physical labour; and we must counter the influence of decadent bourgeois ideology and the decadent remnants of feudal ideology, overcome the influence of petty-bourgeois ideology and foster the patriotism which puts the interests of the motherland, above everything else, in the modernization of our national defence. The building up of national defence must be in keeping with the building up of the economy. The People’s Liberation Army should strengthen its military training, political work, logistic service and study of military science and further raise its combat effectiveness so as gradually to become a still more powerful modern revolutionary army. It is necessary to restore and carry forward the fine tradition of unity inside the army, between the army and the government and between the army and the people. The building of the people’s militia must also be further strengthened.

PARÁGRAFO PERFEITO: The improvement and promotion of socialist relations among our various nationalities and the strengthening of national unity are of profound significance to our multinational country. In the past, particularly during the ‘cultural revolution’, we made a grave mistake on the question of nationalities, the mistake of widening the scope of class struggle, and we wronged a large number of cadres and masses of the minority nationalities. In our work among them, we did not show due respect for their right to autonomy. We must never forget this lesson. We must have a clear understanding that relations among our nationalities today are, in the main, relations among the working people of the various nationalities. It is necessary to adhere to their regional autonomy and enact laws and regulations to ensure this autonomy and their decision-making power in applying Party and government policies according to the actual conditions in their regions. We must take effective measures to assist economic and cultural development in regions inhabited by minority nationalities, actively train and promote cadres from among them and resolutely oppose all words and deeds undermining national unity and equality. It is imperative to continue to implement the policy of freedom of religious belief. To uphold the 4 fundamental principles does not mean that religious believers should renounce their faith but that they must not engage in propaganda against Marxism-Leninism and Mao Zedong Thought and that they must not interfere with politics and education in their religious activities.”

In our external relations, we must continue to oppose imperialism, hegemonism, colonialism and racism, and safeguard world peace. We must actively promote relations and economic and cultural exchanges with other countries on the basis of the Five Principles of Peaceful Coexistence. We must uphold proletarian internationalism and support the cause of the liberation of oppressed nations, the national construction of newly independent countries and the just struggles of the peoples everywhere.”

We must carry out the Marxist principle of the exercise of collective Party leadership by leaders who have emerged from mass struggles and who combine political integrity with professional competence, and we must prohibit the personality cult in any form. It is imperative to uphold the prestige of Party leaders and at the same time ensure that their activities come under the supervision of the Party and the people. We must have a high degree of centralism based on a high degree of democracy and insist that the minority is subordinate to the majority, the individual to the organization, the lower to the higher level and the entire membership to the Central Committee. The style of work of a political party in power is a matter that determines its very existence. Party organizations at all levels and all Party cadres must go deep among the masses, plunge themselves into practical struggle, remain modest and prudent, share weal and woe with the masses and firmly overcome bureaucratism. We must properly wield the weapon of criticism and self-criticism, overcome erroneous ideas that deviate from the Party’s correct principles, uproot factionalism, oppose anarchism and ultra-individualism and eradicate such unhealthy tendencies as the practice of seeking perks and privileges. We must consolidate the Party organization, purify the Party ranks and weed out degenerate elements who oppress and bully the people. In exercising leadership over state affairs and work in the economic and cultural fields as well as in community life, the Party must correctly handle its relations with other organizations, ensure by every means the effective functioning of the organs of state power and administrative, judicial and economic and cultural organizations and see to it that trade unions, the Youth League, the Women’s Federation, the Science and Technology Association, the Federation of Literary and Art Circles and other mass organizations carry out their work responsibly and on their own initiative.”

EXILAR TROTSKY A CADA GERAÇÃO, DE NOVO E DE NOVO (contra o dogma ou falácia liberal do “socialismo dos pobres”, que ignora os avanços técnicos): “In firmly correcting the mistake of the so-called ‘continued revolution under the dictatorship of the proletariat’, a slogan which was advanced during the ‘cultural revolution’ and which called for the overthrow of one class by another, we absolutely do not mean that the tasks of the revolution have been accomplished and that there is no need to carry on revolutionary struggles with determination. Socialism aims not just at eliminating all systems of exploitation and all exploiting classes but also at greatly expanding the productive forces, improving and developing the socialist relations of production and the superstructure and, on this basis, gradually eliminating all class differences and all major social distinctions and inequalities which are chiefly due to the inadequate development of the productive forces until communism is finally realized. This is a great revolution, unprecedented in human history. Our present endeavour to build a modern socialist China constitutes but one stage of this great revolution. Differing from the revolutions before the overthrow of the system of exploitation, this revolution is carried out not through fierce class confrontation and conflict, but through the strength of the socialist system itself, under leadership, step by step and in an orderly way. This revolution which has entered the period of peaceful development is more profound and arduous than any previous revolution and will not only take a very long historical period to accomplish but also demand many generations of unswerving and disciplined hard work and heroic sacrifice. In this historical period of peaceful development, revolution can never be plain sailing. There are still overt and covert enemies and other saboteurs who watch for opportunities to create trouble. We must maintain high revolutionary vigilance and be ready at all times to come out boldly to safeguard the interests of the revolution. In this new historical period, the whole membership of the Chinese Communist Party and the whole people must never cease to cherish lofty revolutionary ideals, maintain a dynamic revolutionary fighting spirit and carry China’s great socialist revolution and socialist construction through to the end.

This session calls upon the whole Party, the whole army and the people of all nationalities to act under the great banner of Marxism-Leninism and Mao Zedong Thought, closely rally around the Central Committee of the Party, preserve the spirit of the legendary Foolish Old Man who removed mountains and work together as one in defiance of all difficulties so as to turn China step by step into a powerful modern socialist country which is highly democratic and highly cultured. Our goal must be attained! Our goal unquestionably can be attained!”

HENFIL NA CHINA (antes da Coca-Cola): releitura, 14 anos depois.

Postado originalmente em 10 de agosto de 2009 no extinto xtudotudo6.zip.net sob o título “TRANSCENDER-15”. Adaptado e atualizado.

18ª edição, 1987.

P. 13: “Eu ia me perguntando: qual é o objetivo da Europa? Revolucionar o mundo? Não mais. A busca da felicidade? Nenhum traço. Justiça social? Não me consta. L’amour? Nenhum indício. Então, para que vive a Europa? Para consumir até perder o sabor e aí precisar experimentar as próprias fezes como forma de excitar os sentidos anestesiados? Parti de Paris numa terça-feira, 19 de julho, sentindo cheiro de cocô. Tudo limpo. Sem mosquito. Mas tava lá o cheiro de cocô espiritual. Mas que fazem palácios, jardins e igrejas lindos, fazem.”

Ao contrário do governo brasileiro, o chinês preserva cada um dos traços culturais das etnias minoritárias.

P. 47: “Saio da França, chego na China e vejo o cocô adubando grande parte da agricultura chinesa. O cocô aqui trabalha duro em vez de ficar em orgias alienadas como na Europa.”

Notas engraçadas (ok, quase todas): o vaso chinês e o ato “de cócoras e sem encostar”: não é para o Henfil!

A China não se afigurava então como eminente poluidora!

Há sempre a briga pela maior produtividade – ainda que travestida ou “infantilizada”. Criam-se a tristeza e a fadiga típicas de sociedades industriais terceirizadas – não há escape, tudo integra a religião do progresso!

Henfil apareceu em um momento marcante para 900 milhões de pessoas: o relaxamento do regime, a Revolução Cultural.¹ Aspectos inflexíveis começavam a se liquefazer. 1977: faz um ano que Mao morreu. Quer-se escapar do revisionismo (ortodoxia à la Stalin) do Bando dos Quatro,² de dentro do qual a viúva de Tsé-tung³ exala seu fel.

¹ “Mao declared the Revolution over in 1969, but the Revolution’s active phase would last until at least 1971, when Lin Biao,a accused of a botched coup against Mao, fled and died in a plane crash. In 1972, the Gang of Four [vide ²] rose to power and the Cultural Revolution continued until Mao’s death and the arrest of the Gang of Four in 1976.” https://en.wikipedia.org/wiki/Cultural_Revolution

aLin Biao (Chinese: 林彪; 5 December 1907 – 13 September 1971) was a Chinese politician and Marshal of the People’s Republic of China who was pivotal in the Communist victory during the Chinese Civil War, especially in Northeast China from 1946 to 1949. Lin was the general who commanded the decisive Liaoshen and Pingjin Campaigns, in which he co-led the Manchurian Field Army to victory and led the People’s Liberation Army into Beijing. He crossed the Yangtze River in 1949, decisively defeated the Kuomintang and took control of the coastal provinces in Southeast China. He ranked 3rd among the Ten Marshals. Zhu De and Peng Dehuai were considered senior to Lin, and Lin ranked directly ahead of He Long and Liu Bocheng.” “Lin became more active in politics when named one of the co-serving Vice Chairmen of the Chinese Communist Party in 1958. He held the 3 responsibilities of Vice Premier, Vice Chairman and Minister of National Defense from 1959 onwards. To date, Lin is the longest serving Minister of National Defense of the People’s Republic of China. Lin became instrumental in creating the foundations for Mao Zedong’s cult of personality in the early 1960s, and was rewarded for his service in the Cultural Revolution by being named Mao’s designated successor as the sole Vice Chairman of the Chinese Communist Party, from 1966 until his death. § Lin died on 13 September 1971, when a Hawker Siddeley Trident he was aboard crashed in Öndörkhaan in Mongolia. The exact events of this incident have been a source of speculation ever since.” “Since the late 1970s, Lin and the wife of Mao, Jiang Qing, [vide ³] (along with the other members of the Gang of Four) have been labeled the 2 major ‘counter-revolutionary forces’ of the Cultural Revolution, receiving official blame from the Chinese government for the worst excesses of that period.” “The findings of Lin’s attempt to contact the Kuomintang supported earlier rumors from inside China that Lin was secretly negotiating with Chiang’s government in order to restore the Kuomintang government in mainland China in return for a high position in the new government. The claims of Lin’s contact with the Kuomintang have never been formally confirmed nor denied by either the governments in Beijing or Taipei.”

² “The Gang of Four (simplified Chinese: 四人帮; traditional Chinese: 四人幫; pinyin: Sì rén bāng) was a Maoist political faction composed of 4 Chinese Communist Party (CCP) officials. They came to prominence during the Cultural Revolution (1966–1976) and were later charged with a series of treasonous crimes. The gang’s leading figure was Jiang Qing (Mao Zedong’s last wife). The other members were Zhang Chunqiao, Yao Wenyuan, and Wang Hongwen.”

³ Jiang Qing (19 March 1914 – 14 May 1991), also known as Madame Mao, was a Chinese communist revolutionary, actress, and major political figure during the Cultural Revolution (1966–1976). She was the 4th wife of Mao Zedong, the Chairman of the Communist Party and Paramount leader of China. She used the stage name Lan Ping (藍蘋) during her acting career (which ended in 1938), and was known by many other names. Jiang was best known for playing a major role in the Cultural Revolution and for forming the radical political alliance known as the ‘Gang of Four’.” “At the height of the Cultural Revolution, Jiang held significant influence in the affairs of state, particularly in the realm of culture and the arts, and was idolized in propaganda posters as the ‘Great Flagbearer of the Proletarian Revolution’. In 1969, Jiang gained a seat on the Politburo. Before Mao’s death, the Gang of Four controlled many of China’s political institutions, including the media and propaganda. However, Jiang, deriving most of her political legitimacy from Mao, often found herself at odds with other top leaders. § Mao’s death in 1976 dealt a significant blow to Jiang’s political fortunes. She was arrested in October 1976 by Hua Guofengb and his allies, and was subsequently condemned by party authorities. Since then, Jiang has been officially branded as having been part of the ‘Lin Biao and Jiang Qing Counter-Revolutionary Cliques’ (林彪江青反革命集), to which most of the blame for the damage and devastation caused by the Cultural Revolution was assigned. Though she was initially sentenced to death, her sentence was commuted to life imprisonment in 1983. After being released for medical treatment, Jiang died by suicide in May 1991.”

b “In the struggle between Hua Guofeng’s and Deng Xiaoping’s followers, a new term emerged, pointing to Hua’s 4 closest collaborators, Wang Dongxing, Wu De, Ji Dengkui and Chen Xilian. In 1980, they were charged with ‘grave errors’ in the struggle against the Gang of Four and demoted from the Political Bureau to mere Central Committee membership.”

Jiang Qing

Quotations from Chairman Mao Tse-tung, 1964. “The most popular versions were printed in small sizes that could be easily carried and were bound in bright red covers, thus commonly becoming known internationally as the ‘Little Red Book’.”

Resolution on Certain Questions in the History of Our Party since the Founding of the People’s Republic of China, 1981. Vd. em

https://digitalarchive.wilsoncenter.org/document/resolution-certain-questions-history-our-party-founding-peoples-republic-china

(*) “The Five Black Categories (Chinese: 黑五; pinyin: Hēiwǔlèi) were classifications of political identity defined during the period of the Chinese Cultural Revolution (1966–1976) in the People’s Republic of China by Mao Zedong, who ordained that people in these groups should be considered enemies of the Revolution. The groups were:

Landlords (地主; dìzhǔ)

Rich farmers (; fùnóng)

Counter-revolutionaries (反革命; fǎngémìng)

Bad influencers (‘bad elements’) (坏分子; huàifènzǐ)

Right-wingers (右派; yòupài)” https://en.wikipedia.org/wiki/Five_Black_Categories

(*) “During the Cultural Revolution the Nine Black Categories were landlords, rich farmers, anti-revolutionaries, bad influences, right-wingers, traitors, spies, capitalist roaders and intellectuals. While often attributed to Mao Zedong, in 1977 Deng Xiaoping argued that it was the Gang of Four who came up with the phrase and that Mao himself saw intellectuals as having some value in society.” https://en.wikipedia.org/wiki/Stinking_Old_Ninth

* * *

P. 88: a excelente idéia dos feriados rotativos!

P. 92: “A China jamais, é o que sinto aqui, partirá para uma invasão no exterior. O perigo amarelo não existe.” Brilhante vislumbre à la dialética de Arrighi. Associação geo-econômica onde a expansão política é desprezada (anti-imperialismo): o que importa é a consolidação interna. Mais: “Nenhum outro povo é citado em nada, a não ser os russos que deverão (eles repetem isso toda hora) invadir a China mais dia menos dia”. A União Soviética é um gêmeo americano (para os líderes chineses de então). Os japoneses, outros. “Mas o que são 20, 30, 100 anos de comunismo para um homem de 20 mil anos? Minutos, talvez.”

Picles, capítulo das pp. 91-4: reflexões interessantíssimas e contraste com o american way. Gostaria de saber se todos lá, hoje (2009), ainda lêem o discutem saborosamente Marx…

P. 93: “Não há advogados na China.”

P. 94: os chineses tentavam a reforma urbana de Dahl, esvaziando as cidades e dispersando seu povo.

Corroborando Simmel (p. 100): “não há prostituição de forma alguma. Não fique em dúvidas. Há prostituição entre os índios?”. Para Henfil, o “problema sexual” chinês não é nenhum problema! Nós, os ocidentais, é que somos peritos em fundar dilemas insolúveis por meio de contrastes anti-naturais.

P. 113, sobre a punição ideológica: “O crime na China, realmente, não compensa.”

Como estão hoje os abrigos subterrâneos, as réplicas impecáveis de Pequim a 4, 8, 15m do piso das cidades? R (já em 2009): Esvaziados, mas conservados para o turismo.

Júlio Verne, As Atribulações de um Chinês na China

https://www.amazon.com.br/Atribula%C3%A7%C3%B5es-Chin%C3%AAs-China-Viagens-Maravilhosas-ebook/dp/B00H8CD1OU

Dazibaos, os fanzines chineses. “Longas seqüências de discussão eram postadas e apreciadas nos muros, como ocorre nas comunidades virtuais de hoje. (…) Em 1978, um dos mais importantes documentos da história chinesa, chamado A quinta modernização, foi um Dazibao. Ele proclamava a democracia como o último dos elementos necessários ao completo sucesso da revolução chinesa. Foi copiado e distribuído por todo o país, sob os auspícios do governo.” Em http://sinografia.blogspot.com/2011/04/o-que-e-dazibao.html#:~:text=Traduzindo%20literalmente%20do%20chin%C3%AAs%2C%20%C3%A9,feito%20artesanalmente%20ou%20a%20m%C3%A3o.

Inflação e impostos congelados. Como a China mudaria em três (duas) [2009] décadas!

A China de Mao é o lugar (extinto) onde a auto-suficiência está acima de tudo.

P. 156: “Sincera, cândida, ingênua, simples e comovente. As 5 palavras que mais usei para definir tudo na China.”

P. 163: “É bom saber que, ao contrário da Rússia e do Ocidente cristão, não se usa o choque elétrico na China.”

P. 164: “Nunca vi nada mais ‘católico’ que a China Comunista”

Quem É. U. A.nti-Cristo?

A diferença entre Stalin e Mao, ou entre a União Soviética e a China, era que o chinês era camponês, e o russo, burocrata alienado do povo e imerso nas relações de poder.

Cabelos longos na China: remetem à época imperial.

P. 204: “Talvez, na hora do pau, os camponeses resistam à tão temida ocupação estrangeira, mas os operários de fábricas como a de relógios vão é se identificar com os invasores estrangeiros. Eles já se identificam no comportamento. Dois autômatos, sejam eles chineses ou suíços, se beijam, sim senhor.”

P. 213: a “universidade parlamento”.

O pouco contato que eles têm pode ter ajudado a construção de um socialismo puro, mas poderá, no futuro, criar grandes danos quando o ‘civilizado’ chegar com suas gripes. Esta pureza chinesa não preocupa?” Terrível prenúncio da Covid!

A propaganda (não falo aqui da mídia – aliás, também da mídia!) ideológica – desde Pequim – é terrível, asfixiante [como tem de ser. P.S. 2023]. Talvez fosse, mas Henfil a sublinha na reta final do livro, quando está em Shangai. À página 225 explica o porquê: são seus anticorpos burgueses e a saudade da pátria entrando em ação!

P. 229: premonição sobre a poluição e a capacidade produtiva crescentes – competitividade e burocracia são males necessários na guerra do Capital.

P. 235: os camponeses cozinham com “biogás”: o próprio cocô vaporizado!

P. 247: fica evidente como está enraizada a noção de progresso, mesmo em culturas tão diferentes… A vontade para se atingir um fim, qualquer que ele seja…

P. 254: não pode haver arte medíocre.

Pp. 268-0: famílias que viviam em barcos e eram proibidas de aportar nas margens do rio! Os “favelados aquáticos”.

A terceira idade na China é uma fase digna da vida.

Cantão (Guangzhou), um bolsão de miséria: ainda que estejam extintos os tais “favelados aquosos”…

Atualização: “…the capital and largest city of Guangdong province in southern China. Located on the Pearl River about 120 km north-northwest of Hong Kong and 145 km north of Macau, Guangzhou has a history of over 2,200 years and was a major terminus of the maritime Silk Road; it continues to serve as a major port and transportation hub as well as being one of China’s 3 largest cities. … For a long time, the only Chinese port accessible to most foreign traders, Guangzhou was captured by the British during the First Opium War. No longer enjoying a monopoly after the war, it lost trade to other ports such as Hong Kong and Shanghai, but continued to serve as a major trans-shipment port. Due to a high urban population and large volumes of port traffic, Guangzhou is classified as a Large-Port Megacity, the largest type of port-city in the world. … Guangzhou is at the heart of the Guangdong–Hong Kong–Macau Greater Bay Area, the most-populous built-up metropolitan area in the world, which extends into the neighboring cities of Foshan, Dongguan, Zhongshan, Shenzhen and part of Jiangmen, Huizhou, Zhuhai and Macau, forming the largest urban agglomeration on Earth with approximately 65 million residents and part of the Pearl River Delta Economic Zone. … In the late 1990s and early 2000s, nationals of sub-Saharan Africa who had initially settled in the Middle East and Southeast Asia moved in unprecedented numbers to Guangzhou in response to the 1997/98 Asian financial crisis. The domestic migrant population from other provinces of China in Guangzhou was 40% of the city’s total population in 2008. Guangzhou has one of the most expensive real estate markets in China. … For 3 consecutive years (2013–2015), Forbes ranked Guangzhou as the best commercial city in mainland China. Guangzhou is highly ranked as an Alpha- (global first-tier) city together with San Francisco and Stockholm. It is a leading financial centre in the Asia-Pacific region and ranks 21st globally in the 2020 Global Financial Centres Index. As an important international city, Guangzhou has hosted numerous international and national sporting events, the most notable being the 2010 Asian Games, the 2010 Asian Para Games, and the 2019 FIBA Basketball World Cup. The city hosts 65 foreign representatives, making it the 3rd major city to host more foreign representatives than any other city in China after Beijing and Shanghai. As of 2020, Guangzhou ranks 10th in the world and 5th in China (after Beijing, Shanghai, Hong Kong and Shenzhen) for the number of billionaire residents by the Hurun Global Rich List. … and is home to many of China’s most prestigious universities, including Sun Yat-sen University, South China University of Technology, Jinan University, South China Normal University, South China Agricultural University, Guangzhou University, Southern Medical University, Guangdong University of Technology, Guangzhou Medical University, Guangzhou University of Chinese Medicine. … The English name ‘Canton’ derived from Portuguese Cantão or Cidade de Cantão, a blend of dialectical pronunciations of Guangdong (e.g., Cantonese Gwong2-dung1). Although it originally and chiefly applied to the walled city, it was occasionally conflated with Guangdong by some authors.” “Amid the closing months before total Communist victory, Guangzhou briefly served as the capital of the Republican government. Guangzhou was captured on 14 October 1949. Amid a massive exodus to Hong Kong and Macau, defeated Nationalist forces blew up the Haizhu Bridge across the Pearl River in retreat. The Cultural Revolution had a large effect on the city, with much of its temples, churches and other monuments destroyed during this chaotic period. § The People’s Republic of China initiated building projects including new housing on the banks of the Pearl River to adjust the city’s boat people to life on land. Since the 1980s, the city’s close proximity to Hong Kong and Shenzhen and its ties to overseas Chinese made it one of the first beneficiaries of China’s opening up under Deng Xiaoping. Beneficial tax reforms in the 1990s also helped the city’s industrialization and economic development.” https://en.wikipedia.org/wiki/Guangzhou

O banco que não é banco: vigia para que não ocorra o ciclo D-M-D’ (lucro).

Gostaria de saber em que pé anda a autonomia das comunas e lavouras camponesas na China das Olimpíadas! (2009)

P. 301: “É impossível utilizar a Rússia”

[ MILÉSIMO POST DO SECLUSÃO ANAGÓGICA ] THE ILLUSION OF THE END – Jean Baudrillard, 1994 (altamente comentado) [ #1000 ]

14/10/16 a 06/11/16

English translation from French by Chris Turner. Tradução do inglês ao português por mim.

history has become impossible because telling (recitatium) is, by definition, the possible recurrence of a sequence of meanings.”

No event can withstand being beamed across the whole planet.” “to pursue the same train of thought: no sexuality can withstand being liberated, no culture can withstand bein hyped, no truth can withstand being verified, etc.”

Matter shows the passing of time. To put it more precisely, time at the surface of a very dense body seems to be going in slow motion. Beyond a certain limit, time stops and the wavelenght becomes infinite.”

Qual seria o sentido de crianças nascendo mesmo após meu nascimento? I.e., do ponto de vista do combate ao niilismo. Porque se, para mim, mesmo os adultos são bebês gigantes com idéias de ter filhos e netos, trancados no ciclo da esterilidade, cuja trilha sonora é um grito estridente duma criança levada que ralou o joelho no parque… O tempo está estacionado na vaga dos deficientes.

Deep down, one cannot even speak of the end of history here, since history will not have time to catch up with its own end. Its effects are accelerating, but its meaning is slowing inexorably.”

Há uma terceira hipótese (…) o efeito estereofônico. Nós somos todos obcecados por alta fidelidade, pela qualidade da ‘reprodução’ musical. Nos consoles de nossos estéreos, abastecidos de tuners, amplificadores e microfones, misturamos, ajustamos, multiplicamos faixas em busca da batida perfeita. Isso ainda é música? Onde está o limite da alta fidelidade além do qual a música desaparece enquanto tal?” “ela desaparece em seu próprio efeito especial.” “É o êxtase e o fim da musicalidade.”

that famous feedback effect, which is produced in acoustics by a source and a receiver being too close together”

a short-circuit between cause and effect like that between the object and the experimenting subject in the microphysics” Re-re-re-re-re:RE:FWD:ENC-re-remaster of Reality

Cada bebê recria a sua Matrix. E só atinge o real em retrospecto. A revolução é mera nostalgia e arrependimento – e se?

We shall never get back to pre-stereo music (except by an additional technical simulation effect)”

Quem se recusa a esperar, espera do mesmo jeito.

Quem espera ardorosamente, na verdade faz tudo menos esperar.

Qual é a sua importante resolução?

800×600.

Baudrillard, o eterno canalha indiscordável. O autor da fascinação. Odiamo-lo, mas sempre concordamos com ele. Queremos profundamente que ele não esteja certo, mas pressentimos que está. A pobreza, recorrência e esterilidade – deliberada? Haha, qual a diferença? – de seu discurso nos resume, nos explica. Não podemos sequer simular que o superamos, ele é onipresente. Ele não foi o primeiro discurso branco (white noise, white text, white logos) intentado, mas é o primeiro consumado. Seria uma contradição dizer que é uma singularidade histórica? Ele desafia a máxima do “é possível ser filósofo a qualquer tempo”; estabelece-se como o último. Ou o primeiro de nós. Se ainda é possível não ser um Baudrillard, nascemos na época errada. É possível iniciar de forma diferente, mas ele é a conseqüência inelutável. Quando se tornar velho não será viável refutá-lo, porque então não terá o mesmo sentido a palavra “contradição”.

on edge – that is, both overexcited and indifferent”

Keith Beaumont, Alfred Jarry: A Critical and Biographical Study

A ARTE DA DETERRÊNCIA: Empurrando as revoluções com a barriga. Temos ainda muita gordura petrolífera para queimar. Deterrence is a very peculiar form of action: it is what causes something not to take place.

Marvel apresenta: O Homem que Congelou a Roda da História

Teria Alexandre realmente feito história? Historicamente feito realidade? Ponha um grande homem na frente de uma criança de 3 anos e veja-o convertido subitamente num pateta universal.

Kant, O Pataphýsico do Meião

Teleologia das 4 Patafísicas

Fenomenologia Ubuana

Patafísica Concreta

Patafisicismo Histórico-Dialético Positivista

Catecismo Patafísico

Patafisiquismo Empírico

Tu não vales meia metafa – BQT Somewhere

½ ½ ½ 3 legs

3 lags of a

2nd Messiah

A patafísica de Cristo final lapada na rachada

Os Fundamentos da Patafísica Moderna – Novo A Mosca?

apenas subtítulo… A Mosca Filosófica & Outras Estórias…

FM & Outras Estações

Neminhanamoradamelevasério

A Música Patofúsica

A liquidação da Patafísica

a $1,99

Morrenvenenado

Jarry, Exploits and Opinions of Dr. Faustroll

Veículo Cerebral Só Visível no Invisível Mapa Mental do Gênio

A Patafísica Antológica – Recipiente Líq. II – The Fly…And Other Detritus

O EXPERIMENTO ANTICAPES

ASSINE A PESTIÇÃO POR UMA VIDA

já com 0 assinaturas!

O universo é insetocêntrico.

A mariposa gira ao redor do Sol, desse Galileu Copo&Nico, o cientista com Asas – mas não seria o inverso, ó vôo relativo?

Os homens sobrevoam sua cabeça estacionária cheia de merda, tenho a certeza.

A cabana sobrevoa sua banana

A mucama voasub sua cruz

A Multiplicidade Concreta das Bolhas Atômicas

A Guerra Quente Nua que Há – Que Continua

A decência da Subida ao Vácuo

A Meridionauta Contra o Austronato

Eu não me recordo do título do meu livro;

Eu não me livro do título que recordo.

A força anormal que contrapõe a anti-gravidade.

D-Sire

Resided on The (D) Resistance

Past Tense

Nowadays Tranquility

Rope you find the hope

Todo Rousseau tem o seu Locke-fechadura.

Todo rousse tem o seu au mericano.

Pp. 18-9: “escape the heavy form, the gravity of ‘desire’, conceived as positive attraction, by the much more subtle eccentricity of seduction (…) the last gasp escape from the body of molecules that are much too light [not dark!]

Pope’s eye beholding the espinafrican. SPIN NACH(E)

O africano giratório

seclusion of reality

SECLUSÃO ANAGÓGICA – ótimo título em termos de oferta e demanda se é que mentende. (22/10/16, momento em que escolhi o título do blog.)

If, by some strange revolution, we set off in the opposite direction and turn inwards into this dimension of the past, then we can no longer represent that something to ourselves. The beam of memory bends, and makes every event a black hole.”

Depois da Ciência Histórica, na velocidade de alguns Hegels, a Probabilidade. Depois da Ciência Probabilística, no ridículo espaço de uns 15min, o link jornalístico sem maquiagem.

Como artistas, não nos sobra nem a energia para terminar nosso quadro.

Celebration and commemoration are themselves merely the soft form of necrophagous cannibalism, [necromicrophysics] the homeopathic form of murder by easy stages. This is the work of the heirs whose ressentiment towards the deceased is boundless. (…) complete works, the publication of the tiniest of unpublished fragments (…) active age of ressentiment

Um jogo quântico de RPG em que jogar o dado é banal.

A aristocracia celebra sua própria queda, porque só a aristocracia celebra. Mais, só a aristocracia cai.

We eliminate St.-Just from the Dictionnaire de la Révolution. ‘Overrated rhetoric’, says François Furet, perfect historian of the repentance of the Terror and the glory.”

the centenary of a death. With Rimbaud, Van Gogh and Nietzsche, 1991 will have been exceptional in terms of vile acts of desecration.”

If the left were a species, and culture obeyed the laws of natural selection, it would have disappeared long ago.” Fortunately for us, we are zombies.

Ficarei cego e exorcizado após tudo ter lido. Até um Diogo, um Ueslei, sangue do meu sangue, reprovaria incêndios bibliotecários… Alexandria, o pecado do sapato de ponta fina.

HELLCICLAGEM O Incinerador de Sonhos, que levará junto alguns resíduos. Velocidade Alucinante do Sereno

Preguiça, o Primeiro Não-Pecado dos Meus-Filhos

P. 24: “The century is becoming intellectual today just as it became bourgeois a century ago.”

the word ‘burgeois’ – which now exposes only the person who uses it to ridicule”

The little trick of placing the nude from Manet’s Déjeuner sur l’herbe opposite Cézanne’s Card Players, as one might put an admiral’s hat on a monkey, is nothing more than the advertising-style irony currently engulfing the world of art.” The Facebookians

É como se a história estivesse pilhando em meio ao seu próprio lixo em busca da redenção lixosa.”

Onde jogaremos o Marxismo, que vem a ser aliás o pai dos lixos da história? (Ainda há alguma justiça aqui, já que as mesmas pessoas que geraram o lixo caíram dentro da lixeira.) Conclusão: se não há mais lixos históricos, é porque a história propriamente dita se tornou um lixo.

Quando o gelo congela, todo o excremento emerge à superfície. Então, quando a dialética congelou, todos os dejetos sagrados da dialética vieram à tona.”

O PROBLEMA DA ECONOMIA DOS RESTOS OU DO RESTO: “ideologias defuntas, utopias abandonadas, conceitos mortos e idéias possibilizadas, que continuam a poluir nosso espaço mental. A recusa histórico-intelectual cria um problema ainda mais sério que os restos industriais. Quem vai nos livrar da sedimentação de séculos de estupidez? (…) O imperativo ecológico é que todos os resíduos devem ser reciclados.”

O Corpo Que Bóia, Inanimado, na Lagoa Rodrigo de Freitas, hitchcockian classic.

Ionesco, Amédée, ou Comment s’en Débarrasser (peça)

Um velho nostálgico conta o quê? Vintage!

Democracy itself (a proliferating form, the lowest common denominator of all our liberal west common societies); this planetary democracy of the Rights of Man, is to real freedom what Disneyland is to the imaginary.”

O que foi superplantado está sob a terra.

sóbrio elefante e a tartaruga de meia-idade

Onde estão os fragmentos póstumos resultantes da exumação do cadáver do Baudrillard?

History has only wrenched itself from cyclical time to fall into the order of the recyclable.”

A China e sua burocracia de dragões fossilizada é logo ali!

the problem of liberty quite simply cannot be posed here any longer. In the West, freedom – the Idea of Freedom – has died a natural death: In the East it was murdered, but there is no such thing as the perfect crime.”

Philippe Alfonsi, Au nom de la science (livro sobre a ‘memória d’água’!)

glasnost? it is almost a post-modern remake of our original version of modernity (…) all the positive and negative signs combined: not just human rights, but crimes, catastrophes and accidents which are all joyously increasing in the ex-USSR since the liberalization of the regime.” “The irony of the situation is such that it will perhaps be us who are one day forced to rescue the historical memory of Stalinism, while the countries of Eastern Europe will no longer remember the phenomenon.”

We are in the process of wiping out the entire 20th century, effacing all the signs of the Cold Wars one by one, perhaps even all trace of the Second World War and of all the political or ideological revolutions of the 20th century. The reunification of Germany is inevitable (…) a rewriting which is going to take up a large part of the last 10 years of the century. At the rate we are going we shall soon be back at the Holy Roman Empire.”

Restoration, regression, rehabilitation, revival of the old frontiers, of the old differences, of particularities, of religions – and even resipiscence [re-sapiência] in the sphere of morals.”

Ecstasy and beatification should not be confused.”

the astonishing pre-eminence in the media of the figure of the Pope, who travels the whole world (even the Islamic Sahel!) blessing all forms of crossbreeding and repentance, while ensuing that durable forms of voluntary servitude are in place.”

we are witnessing the striking illustration of what Hegel calls ‘the life moving within itself, of that which is dead’ [Das sich in sich selbst bewegende Leben des Totes.].”

the strange ease with which all the communist regions collapsed: they had only to be touched for them to realize that they no longer existed. It was like a cartoon, where the tightropewalker, teetering over the abyss, suddenly sees his rope is gone and immediately falls, passing without transition from the imaginary to the real (this the basic mechanism of cartoons).”

Freud saw very well those strange attractors that are condensation, displacement, ellipsis and reversibility. Forms, not values. And recent events have to be seen in terms of a theory of forms, rather than any kind of theory based on relations of force. The communist systems did not succumb to an external enemy, nor even to an internal one (had that been the case, they would have resisted), but to their own inertia; taking advantage of the opportunity, as it were, to disappear (perhaps they were weary of existing.)” “Now, this form of superconductivity of events is a marvellous one, like the form of the joke

The non-existence of governmental power is, admittedly, less visible in the West, on account of its great dilution and the transparency which enables it to survive. In the East, it was opaque and highly concentrated, to the point that, as with an unstable crystal, only an extra little dose was needed for it to liquefy.”

Behind the apparent victory of the West, it is clear, on the contrary, that the strategic initiative came from the East, not by aggression this time, but by disintegration, by a kind of offensive self-liquidation, catching the whole of the West unaware. By force of circumstance, which may have equated with a perception of his own weakness, Gorbachev was able to take this strategic tack of disarmament, the real deconstruction of his own bloc, and thereby of the entire world order. This was, in a way, dying communism’s witty parting shot

Let us beware of the naïve vision of a frozen history suddenly awakening and automatically heading once again, like a turtle, for the sea (for democracy).” “The East gobbling up the West by blackmailing it with poverty and human rights.”

Chernobyl whose radioactive cloud prefigured the collapse of the wall and the progressive contamination of the Western world. Bush may well disarm in the pretence of having won the Cold War, but it is the USSR and Gorbachev who invented the real bombe à depression, the surest one, the one which turns its own depression into a bomb.”

German¹ would describe this kind of transcendent high spirits, of historical rejoicing in sudden change, as Übermut. [além-coragem; super-ânimo]You have the Mut, you have the guts.

¹ Pode se referir a:

a) Aleksei Yuryevich German (Russian: Алексей Юрьевич Герман, IPA: [ɐlʲɪkˈsʲej ˈjʉrʲjɪvʲɪdʑ ˈɡʲermən]; 20 July 1938 21 February 2013) was a Russian film director and screenwriter. In a career spanning five decades of filmmaking, German completed 6 feature films,(*) noted for his stark pessimism, long, serpentine sequence shots, black and white cinematography, overbearing sound design and acute observations of Stalinist Russia.

(*) 1967 – Sedmoy sputnik (The Seventh Companion)

1971 – Proverka na dorogakh (Trial on the Road)

1976 – Dvadtsat dney bez voyny (Twenty Days Without War)

1984 – Moy drug Ivan Lapshin (My Friend Ivan Lapshin)

1998 – Khrustalyov, mashinu! (Khrustalyov, My Car!)

2013 – Trudno byt’ bogom (Hard to Be a God) (original title History of the Arkanar Massacre)“Trial on the Road (1971) is the film that made Alexei German famous. It was banned for 15 years and was shelved by the Ministry of Culture of the Soviet Union until its release (1986) during the Gorbachev era.”

b) Yuri Pavlovich German: “His best-known work, Ivan Lapshin (1937), was a police novel in a provincial setting whose main theme was the integration of criminals into society through order and labor. In this sense it resembles old bandit tales in which outlaws are reintegrated into society by colluding with the authorities. The novel incorporates a vision of collectivity (the policemen live in a commune), rationalism, culture, and social tranquility unperturbed by the black discord of crime. For good measure, Lapshin acts as mentor to his junior colleague. All of this is captured, with a twist, in the brilliant film version, My Friend, Ivan Lapshin made by the author’s son, Alexei German in the 1980s.”

c) Lindsey Ann German (born 1951) is a British left-wing political activist. A founding member and convenor of the British anti-war organisation Stop the War Coalition, she was formerly a member of the Socialist Workers Party, sitting on its central committee and editor of its magazine, Socialist Review.” Obras que Baudrillard pudesse ter lido até escrever Illusion of The End: Sex, class, and socialism (1989); Why we need a revolutionary party (1989).

Evil takes advantage of transparency (Glasnost).” eviral

it shows through in all things when they lose their image, when they no longer offer any substance, when they become both immanent and elusive from an excess of fluidity and luminosity.”

não será mais a violência da Idéia, mas o vírus da queda da imunidade.”

A communism that dissolves itself is [in!] a successful communism.”

what’s after the God of the social?

O doente que não pára de enfraquecer; sem morrer. Adoecendo até as raias do absurdo. Já é um ser-doença, com um espectro de homem como parasita. Alergia assintomática. Inatestável. Imanente ao mundo dos desespecializados. Chiclete da alma. Mago do trouxa. Olhando-se no espelho? Rachaduras nos 4) encantos.

Dissidents cannot bear a thaw. [o descongelamento] They have to die, or else become president (WalesaHavel²), in a sort of bitter revenge which, at any event, marks their death as dissidents” Lula, Mandela… Se o Lula não se tornou o establishment (não foi engolido pela Globo após um, dois, três mandatos, etc.), podemos nos considerar felizes por isso: morrerá para se eternizar como um dissidente do espectro progressista, sempiterno ícone desse projeto de país de meio-milênio!

¹ Presidente da Polônia nos anos 90.

² Caso curioso, porque foi presidente da República Tcheca, novo país, mas eleito tanto pelos cidadãos da Rep. Tcheca quanto pelos da Eslováquia, ex-território. Morreu em 2011.

They whose strength was in silence (or censorship) are condemned to speak and be devoured by speech.” Andrei Sakharov;¹ Zinoviev.

¹ Físico nuclear que depois virou ativista pró-desarmamento – quantas camadas de ironia não há nessa sinopse? Obviamente o Ocidente vai laureá-lo com o Nobel da Paz em 1975, como não! E depois distribuir um outro prêmio anual com seu nome, como se faz sempre com heróis advindos da Cortina de Ferro (fabricados à la Tio Sam).

Cioran: history is dying for want of paradoxes

ThirdWorld War”

For the human and ideological failure of communism by no means compromises its potency and virulence as an anthropological model. (…) stratégie du pire imposed on everyone as the last immune defense.”

It would be the opposite of Orwell’s prediction (strangely, he has not been mentioned of late, though the collapse of Big Brother ought to have been celebrated for the record, if only for the irony of the date Orwell set for the onset of totalitarianism which turned out to be roughly that of its collapse). Even more ironic is that we are threatened by the democratic rewriting of history: the very images of Stalin and Lenin went away, streets and cities renamed, statues scattered, soon none of all that will have existed.”

Eliminating the planet’s blackspots [ironia africana] as we might eliminate spots from a face: cosmetic surgery elevated to the level of the political, and to Olympic performance levels.”

A zona única chamada Infernéu, o Além-agora.

Fusion always turns into confusion, contact into contamination.” “networks transmit viruses even faster than information”

It is Dracula against Snow White (the Dracula myth is gathering strength all around as the Faustian and Promethean myths fade).” “The danger is to feed them too quickly, since this kills them.”

We had never seen anything like this before – the strongest State and largest army in the world fainting right away.” “What should have been a source of universal rejoicing passed off almost without interest – a sign of the nullity of the age.” “The end of empires means the unrestricted reign of slave micro-systems.” “The energy of the corpse is recycled, just as Jarry had dead man pedalling”

even the recognition of death, the intuition of that death (of the political) is impossible, since it would reintroduce a fatal virus into the virtual immortality of the transpolitical. [os mini-Estados condenados eternamente à imanência] There is the same problem with freedom: a non-violent, consensual, ecological micro-servitude, [a Gaia] which is everywhere the successor to the totalitarian oppression. [‘Seu porco estalinista, jogue esta casca de banana no lixo, seu genocida das futuras gerações!’]Incrível que eu o tenha digitado em 25/10/16, insuspeito do genocídio (nada ecológico, é claro) que se aproximava… No momento em que digito este trecho para publicação no Seclusão, 0h15 de 6 de maio de 2023, uso máscara, uma KN95, porque sou terrivelmente alérgico a ácaros e estou remexendo em papéis velhos, onde anotei estas aspas de Baudrillard… É como reviver aqueles meses de agonia… um pouco. Comentando também sobre Stalin, quando ele definitivamente volta à baila significa: a História voltou a andar. Des-revisionismo em ação.

É preciso desistir de algo a fim de verdadeiramente alcançá-lo. (Só os grandes homens entenderão.)

O fato de Marx ter errado o vencedor não depõe contra a exatidão da análise marxista de forma alguma, só acrescenta a ironia objetiva que faltava. O destino cuidou do assunto. Foi como se um gênio mau [evil genie] tivesse substituído um pelo outro – o comunismo pelo capitalismo – no último momento.” “Uma admirável divisão do trabalho: o Capital realizou a tarefa do Comunismo e este morreu no lugar do Capital. Mas isso pode facilmente revirar.” “Mas isso também é parte da ironia da história: a inversão do propósito final – a ilusão final.”

O Capital canibalizou toda a energia negativa, a da história e a do trabalho, numa – literalmente – operação sarcástica (…) O que vemos diante de nós é o triunfo paródico da sociedade sem classes (…) o cozinheiro [chef] se torna chefe de Estado, ou quase (já vimos pior desde que Lenin proferiu este seu velho sonho). (…) de qualquer forma, quando o Estado deixa de ser Estado, o cozinheiro deixa de ser cozinheiro. Como Brecht disse, o fato da cerveja não ser mais cerveja é harmoniosamente compensado pelo fato do cigarro não ser mais cigarro também. Logo, a ordem irônica está salva.”

Gorbachev is giving up Marxism! Fantastic! But what does <giving up> mean? Can you give up Marxism in the way you give up tobacco or alcohol? Can you give up your father and mother? Can you give up God? In its time, the Church has come close to giving up the Devil or the Immaculate Conception, but this has not occurred. Renunciation is the symmetrical and opposite movement to faith – as absurd and useless. If things exist, there is no use believing in them. If they do not exist, there is no use renouncing them.” “What if one day the West too were to renounce capitalism?” « Et si un jour l’Occident était forcé de ressusciter le marxisme, qui fait quand même partie du patrimoine, que diable (le Diable aussi d’ailleurs) ! »

« desimulation » pela primeira vez no autor (p. 54).

virtual is what puts and end to all negativity”

The highest pressure of news corresponds to the lowest pressure of events and reality [le réel].”

only information has sovereign rights, since it controls the right to existence.”

Vingança pela quietude da alma.

There is no worse mistake than taking the real for the real and, in that sense, the very excess of media illusion plays a vital disillusioning role. In this way news could be said to undo its own spell by its effects.” “Television and the media world render reality [le réel] dissuasive, were it not already so.”

soaking up the sulky sucking

Saddam, who will in the end have been nothing but that fairground dummy you shot at from point-blank range, had to be saved.” Anedota: Baudrillard morreu 3 meses após Hussein.

A TV é imunizadora.” E as redes sociais são ataques à imunidade. A predominância das redes sobre a televisão é irreversível e natural.

the most odious Realpolitik: the Shi’ites, the Kurds, the calculated survival of Saddam…”

The Stoics contest the very self-evidence of pain, when the body’s confusion is at its height. Here, we must contest the very self-evidence of war, when the confusion of the real is at its height.”

In a little time it will be possible to read La guerre du Golfe n’a pas eu lieu [1991] as a science-fiction novel (…) Like Borges’ chronicling of cultures which never existed.” “Anyhow, the book has fallen – quite logically – into the same black hole as the war.” É este humor buraco negro que tanto admiro no meu ídolo Jean Baudrillard. Somos escritores-gêmeos. Não o digo para prodigalizar meu talento, mas nosso temperamento e falsa auto-depreciação são idênticos – talvez eu não saiba, mas modelei os meus nos dele, pois meu primeiro contato com sua obra foi ao redor de sua morte, quando eu chegava a meus 20.

It was the simulacrum of Helen that was at the heart of the Trojan War. The Egyptian priests had held on to the original (we do not know what became of it) when she set out again with Paris for Troy.” “the universal form of beauty is as unreal as gold the universal form of all commodities.”

P. 66: “Dianismo” [conceito meu, Princess Diana]: o demagogismo do discurso de ajuda ao próximo, sobretudo às crianças sem pais (pais = dinheiro) do famélico Quarto Mundo. Carência alheia como atalho covarde para a fama. Espetacularização do indigentismo.

…AND REPENTANCE FOR ALL

Laras Crofts nos escombros de outras sociedades…

Lúcia Maria no Lixão com Grafites Residuais na Ilha dos Porcos-Subomens

Sebastiões Salgados, Uni-Vos!

Como é doce o som da fome e do caos!

Há CPFs e CNPJs que vivem só de “denúncia anônima”.

annihibalism

The sacrifices we offer in return are laughable (a tornado or two, a few tiny holocausts on the roads, the odd financial sacrifice)”

the demographic catastrophe, a veritable epidemic which we deplore each day in pictures.”

One day it will be the Whites themselves that will give up their whiteness.”

Because it is unable to escape it, humanity will pretend to be the author of its destiny.”

Uma memória hipertélica que armazena todas as informações num estado constante de recuperabilidade instantânea, excluindo qualquer trabalho de luto, qualquer resolução do passado. O Inconsciente é já algo desse tipo. Ele não conhece passado nem esquecimento, não é arcaico nem arqueológico. Ele é, ao contrário, um perpétuo presente, uma instantaneidade de todos os eventos físicos, que aparecem em sua superfície em uma contínua, potencial passagem ao ato. Paradoxalmente, por conta desse zeloso esforço para trazer de volta à tona, de uma maneira forçada, o que nós mesmos nem lembramos mais, vivemos num mundo tanto sem memória como sem esquecimento. Isso é como o céu – ou o inferno – deve ser: o reconhecimento maciço, a cada momento, de todos os padrões de nossa vida. A imortalidade penitente e penitenciária, a imortalidade carcerária de uma memória implacável.”

75: ainda sobre as Lascaux “simulacra” caves.

Quando confrontados com as pinturas nas cavernas, os povos do século XVIII não podiam acreditar nelas. Eles as viam como uma mistificação criada por libertinos para ridicularizar a Bíblia (dizia-se que as cavernas haviam sido pintadas para fazer com que os outros acreditassem numa humanidade ante-cristã).”

Assim como com aqueles objetos de que Freud fala, que, por estarem o mais próximos dos órgãos sexuais femininos, fazem o seu papel durante as alucinações sexuais, fetichizamos fósseis e relíquias porque eles são o que há de mais parecido com nossa origem perdida e são-nos substitutos de uma possível origem.

Secretamente, preferimos não ser mais confrontados com o original. Tudo que queremos é o copyright.”

OS HUMANO-BACTÉRIAS: “Será que o total do futuro vai se exaurir nessa síntese artificial do passado? Quem sabe aonde este gigantesco movimento retrógrado poderá nos levar? Seria ele uma fase efêmera em nossa pós-história, e, conseqüentemente, um fenômeno cultural, ou será um desenvolvimento de significância ainda mais profunda, relacionando-se com o destino da espécie, ou até além, com oscilações de um tipo cósmico? (Com o girino, logo que o ápice da sexuação é atingido, há involução rumo a formas mais precoces de reprodução. Estaria o ser humano reinventando a clonagem biológica no ponto final de uma história sexuada?)”

Somos sou a última singularidade

logo serei inconfundível com o protótipo de último homem, que não poderá mais se reproduzir.

Que espécie de quadro irá se mover sozinho?

Estrelas continuarão estourando?

Idealization always goes with abjection, just as charity always goes with destitution.”

A natureza vira coisa (modernidade) para depois virar sujeito (pós-modernidade) (mau sinal): não há outro; há apenas sujeitos – e, logo, logo, só sujeitos sem objetos.”

Biosphere 2, o primeiro “zoológico humano”, Arizona. Status: fracassado.

https://en.wikipedia.org/wiki/Biosphere_2

Especially during the first year, the 8 inhabitants reported continual hunger. Calculations indicated that Biosphere 2’s farm was amongst the highest producing in the world <exceeding by more than 5x that of the most efficient agrarian communities of Indonesia, southern China, and Bangladesh’.” Ou é mentira ou realmente os americanos são obesos incuráveis…

They consumed the same low-calorie, nutrient-dense diet that Roy Walford had studied in his research on extending lifespan through diet.” Mas faltou carne.

The oxygen inside the facility, which began at 20.9%, fell at a steady pace and after 16 months was down to 14.5%. This is equivalent to the oxygen availability at an elevation of 4,080 metres (13,390 ft). Since some biospherians were starting to have symptoms like sleep apnea and fatigue, Walford and the medical team decided to boost oxygen with injections in January and August 1993.”

After Biosphere 2’s first mission, extensive research and system improvements were undertaken, including sealing concrete to prevent the uptake of carbon dioxide. The second mission began on March 6, 1994, with an announced run of 10 months.”

On April 1, 1994, a severe dispute within the management team led to the ousting of the on-site management by federal marshals serving a restraining order, and financier Ed Bass hired Steve Bannon, then-manager of the Bannon & Co. investment banking team from Beverly Hills, California, to run Space Biospheres Ventures.”

At 3 a.m. on April 5, 1994, Abigail Alling and Mark Van Thillo, members of the first crew, allegedly vandalized the project from outside, opening one double-airlock door and 3 single door emergency exits, leaving them open for about 15 minutes. Five panes of glass were also broken. Alling later told the Chicago Tribune that she ‘considered the Biosphere to be in an emergency state … In no way was it sabotage. It was my responsibility.’ About 10% of the Biosphere’s air was exchanged with the outside during this time, according to systems analyst Donella Meadows, who received a communication from Alling saying that she and Van Thillo judged it their ethical duty to give those inside the choice of continuing with the drastically changed human experiment or leaving, as they didn’t know what the crew had been told of the new situation.”

Mission 2 was ended prematurely on September 6, 1994. No further total system science has emerged from Biosphere 2 as the facility was changed by Columbia University from a closed ecological system to a ‘flow-through’ system where CO2 could be manipulated at desired levels. § Steve Bannon left Biosphere 2 after 2 years, but his departure was marked by an ‘abuse of process’ civil lawsuit filed against Space Biosphere Ventures by the former crew members who had broken in. Leading managers of Biosphere 2 from the original founding group stated both abusive behaviour by Bannon and others, and that the bankers’ actual goal was to destroy the experiment. During a 1996 trial, Bannon testified that he had called one of the plaintiffs, Abigail Alling, a ‘self-centered, deluded young woman’ and a ‘bimbo’. He also testified that when the woman submitted a 5-page complaint outlining safety problems at the site, he promised to shove the complaint ‘down her throat’. Bannon attributed this to ‘hard feelings and broken dreams’.”

Os fascistas estragam tudo que tocam. Descrição de Baudrillard agora: “Outside Tucson, in Arizona, right in the middle of the desert, a geodesic glass and metal structure accommodating all the planet’s climates in miniature, where 8 human beings (4 men & 4 women, of course) are to live self-sufficiently, in a closed circuit, for 2 years, in order – since we are not able to change our lives – to explore the conditions for our survival.”

Man is also a scorpion, just as the Bororo are arara(*) and, left to himself in an expurgated universe, he becomes, himself, a scorpion.

(*) Arara is a name of Tupi origin for a bird of the genus Ara which includes the macaws (French: aras).”

Secretamos significados como o escorpião secreta seus venenos.

Segredamos significados como o escorpião secreta seus venenos.

Homem, o grande cretino.

That is the terroristic dream of the transparency of good, which very quickly ends in its opposite, the transparency of evil. § We must not reconcile ourselves with nature.”

espaço siderreal – certamente não são Adão e Eva ressuscitando: “The elimination of all sexual reproduction: it is forbidden to reproduce in Biosphere 2; even contamination from life [le vivant] is dangerous; sexuality may spoil the experiment. Sexual difference functions only as a formal, statiscal variable [não podiam furunfar nem com camisinha?! condomnados ao celibato!] (…) if anyone drops out, a person of the same sex is substituted.” “glass coffin” coma cosmético

O GRAU 1 BILHÃO DA ESCRITURA – O SUPER-U****I – o maior filósofo se torna o mais inconseqüente dos títulos.

Como pode alguém ofender alguém de blasé a sério? Que se acredite que se ofenda alguém que nunca se ofende é um atestado de desespero.

Nada a temer em temer o nada.

God, for his part, if he exists, does not believe in his existence, but he allows the subject to believe in it, and to believe he [god] believes in it, or [the subject] not to believe that – but not to believe he [god] does not believe in it (Stavrogin [personagem dostoievekiano, Os Demônios]).” Genial!

RESUMO LÓGICO DAS IMPLICAÇÕES DO EMPOLADO RACIOCÍNIO DE STAVROGIN E O SENTIDO DE “TUDO É PERMITIDO” NA OBRA DE DOSTOIEVSKY

1. Deus existe; Deus não acredita na própria existência; Deus permite que o homem acredite na existência de deus ou não, mas não na segunda verdade fundamental.

1.1 O homem acredita na existência de deus.

1.1.1 O homem acredita que deus acredita na própria existência.

1.1.2 O homem acredita que deus não acredita na própria existência.

1.2. O homem não acredita na existência de deus.

1.2.1 O homem acredita que deus, se existisse, acreditaria na própria existência.

1.2.2 O homem acredita que deus, se existisse, não acreditaria na própria existência.

2. Deus não existe.

2.1 O homem acredita na existência de deus.

2.1.1 O homem acredita que deus acredita na própria existência.

2.1.2 O homem acredita que deus não acredita na própria existência. Este homem na verdade é um grande ateu, pois um deus que não acredita na própria existência seria pior que a não-existência de um deus.

2.2. O homem não acredita na existência de deus.

2.2.1 O homem acredita que deus, se existisse, acreditaria na própria existência.

2.2.2 O homem acredita que deus, se existisse, não acreditaria na própria existência. Este homem é, finalmente, um grande ateu, o único ateu em sentido estrito, pois um deus que não acreditasse na própria existência, pensa ele, não deveria sequer ser pensável. Seria pior e mais absurdo que a não-existência de um deus, seria como uma confissão de não-onipotência por parte deste suposto deus.

2 conclusões:

a) As possibilidades éticas são maiores sem Deus (tudo é permitido).

b) Seria possível provar a inexistência de deus (jamais a existência)¹ ao se encontrar um só indivíduo que acredita que deus² não acredita em si próprio. É o caso do personagem da novela niilista de Dostoievsky. Seu niilismo absoluto, sua negação ultimada da realidade, não se escora no ingênuo fato de que não acredite num deus, mas que para ele, como um homem uma vez fanático e que pensou a idéia de Deus até as suas últimas conseqüências, esse deus se tornou impossível. Na percepção alcançada por Stavrogin, todos os casos são iguais, apenas ele e homens análogos a ele, um novo homem, são um outro: se Deus existe, quem acredita nele ou não são iguais; se Deus não existe, e Deus não existe, pois Stavrogin recebeu essa iluminação e nova sabedoria, ateus e crentes que acreditam que deus acredita em si próprio são iguais (inofensivos); mas ateus e crentes que acreditam que deus não acredita(ria) em si próprio, estes são niilistas radicais, os únicos ateus na verdadeira acepção da palavra. Igor Karamazov (outro romance) se questiona: Tudo é permitido?, mas Stavrogin responde, em Os Demônios.

¹ Pois todos os indivíduos precisariam respeitar as vedações em 1.1 e 1.2. Mas mesmo que todos na Terra em dado dia as respeitassem, não quereria dizer que jamais um indivíduo no passado as respeitou; e nem que nunca haverá de nascer um indivíduo que não as respeite.

² O deus existente, para o crente, ou inclusive apenas uma abstração, a hipótese de deus, de um deus que não acreditasse em si mesmo, para o não-crente.

Não exageremos a importância deste raciocínio lógico elaborado, no entanto: não podemos provar crenças (talvez apenas a nossa própria, e ainda assim podemos desconfiar de que às vezes mentimos para nós mesmos).

P. 94: “Todos esses corpos de pensamento [Stirner e seu individualismo soberano, Marx e a luta coletivista na História, Nietzsche, seu Übermensch e a transvaloração de todos os valores demasiado humanos] tiveram profundas conseqüências para o mundo – nenhum se converteu em realidade.

um <além> que não é aquele da religião, mas um <além> do humano que permanece dentro e com o humano (…) uma ilusão talvez, mas uma ilusão superior.” “Contrariamente à ilusão transcendental das religiões, o jogo das aparências é supra-humano”

Se a história tivesse um fim, esse fim já teria sido alcançado… Um dia me arrependerei dos meus atuais prognósticos e escreverei o livro HEIDEGGER ESTAVA CERTO? A tecnologia nos comeu sem volta. Quem dera Baudrillard estivesse errado…

O que atualmente toma o lugar da transmutação é a transcrição da Idéia em uma operação técnica (…) O que mostra que Nietzsche, por um lado, estava certo: a raça humana, deixada a si mesma, com efeito só sabe se reduplicar e destruir.”

fetichismo técnico (…), meramente a paródia da aceitação do seu destino, através de uma manipulação biológica que é meramente a caricatura da transvaloração dos valores.” “Desnecessário dizer, essa transvaloração de valores de que Nietzsche fala não teve lugar, exceto precisamente no sentido oposto – não para além, mas deste lado, aquém, do bem e do mal

Não mais uma fetichização de divindades, grandes idéias ou narrativas, mas de diferenças mínimas e de partículas. (…) As fronteiras entre o humano e o inumano estão desvanecendo, de fato, mas essa perda de nitidez se dá numa espiral rumo ao sub-humano (…) Verklärung des Untermenschen. Transfiguração do sub-homem.”

Essa reabsorção da metáfora da vida na metástase da sobrevivência é efetuada por uma progressiva redução ao menor denominador comum.”

Paradoxalmente, é a irrupção da biologia, i.e., da ciência da vida, que marca essa irrupção do não-vivo (…) Bem como a irrupção da psicologia marca o fim da transcendência da alma e sua suplantação por uma desconstrução analítica do mundo interior. Bem como a irrupção da ciência anatômica marca o fim do corpo e da morte como metáforas e suas entradas em cena como realidade e fatalidade biológicas.”

Podemos ainda falar do inconsciente, dado o prospecto do homem vindo a ser definido geneticamente? Mesmo a imortalidade do inconsciente, tão cara a Freud, está sob séria ameaça.”

RELEMBRE DEDÊ (TESE, vide mais abaixo): “Não mais imortal em termos de alma, que já desapareceu, nem mesmo em termos de corpo, que está para desaparecer, mas em termos de fórmula, imortal em termos de código.”

The trend in physics itself is towards the reduction of this interstitial void. It is the dream of that science to render matter totally concrete, to wrest all its energy from it by impelling it to limit-densities, densities artificial and monstrous.” Como congelar a luz, o novo absurdo alquímico.

From within, a culture is immortal; it seems to approach its end in an asymptotic curve. It has, in fact, already disappeared. The elevation of a value to universality is a prelude to its becoming transparent, which itself is a prelude to its disappearance.”

the single-handed ocean crossings, which are our modern equivalent of climbing Annapurna, [pico da cadeia de montanhas do Himalaya (circa 8000m); escalado pela primeira vez em 1950] are posthumous fantasies.”

Peter Schlemihl had at least sold his shadow to the devil; ours we have simply lost.” “The atomic shadow, the only one left to us: not the sun’s shadow, nor even the shadows of Plato’s cave, but the shadow of the absent irradiated body, the delineation of the subject’s annihilation, of the disappearance of the original.”

Alain Ehrenberg, La fatrigue d’être soi

the hero of subjectivity, of breaking with the old, of free will and Stirner’s radical singularity, is well and truly dead.” “This is the age of the daily invention of new particles. (…) freedom is merely the statistical end-product of impacts between singularities and no longer, therefore, in any sense a philosophical problem.”

His [the individual of today] only aim is the technical appropriation of the self. He is a convert to the sacrificial religion of performance, efficiency, stress and time-pressure – a much fiercer liturgy than that of production – total mortification and unremitting sacrifice to the divinities of data [l’information], total exploitation of oneself by oneself, the ultimate in alienation. § No religion has ever demanded as much of the individual as such, and it might be said that radical individualism is the very form of religious fundamentalism.” “By comparison, with this voluntary holocaust, [do sujeito atomizado liberal] this escalation of sacrifice, the so-called return of religion which we pretend to fear – these occasional upsurges of religiosity or traditional fundamentalism – is negligible. It merely conceals the fundamental integrism of this consensual society (…) Religious effects are taken too seriously in their religious dimension and not seriously enough as effects, that is, as making the true process.” “each one reviving for itself, in its micro-universe, the now useless totalitarianism of the whole.”

LIVRES COMO PEIXES NÃO-CONSTRANGIDOS EM SEUS AQUÁRIOS: “Liberty operates in a field that is limited and transcendent, in the symbolic space of the subject, where he is conformed with his own finality, his own destiny, whereas liberation operates in a potentially unlimited space. It is a quasi-physical process (…) That is why liberty is a critical form, whereas liberation is a potentially catastrophic form. The former confronts the subject with his own alienation and its overcoming. The other leads to metastases, chain reactions, the disconnection of the subject. Liberation is the effective realization of the metaphor of liberty and, in this sense, it is also its end. (…) Not the free subject any longer, but the liberal individual. (…) From liberty to liberation, from liberation to liberalization. The extreme point of highest dilution, minimal intensity” “And, in the process, the concept of alienation disappears. This new, cloned, metastatic, interactive individual is not alienated any longer, but self-identical. He no longer differs from himself and is, therefore, indifferent to himself. This indifference to oneself is at the heart of the more general problem of the indifference of institutions or of the political, etc., to themselves § The indifference of time: the non-distance between points in time, the promiscuity of points in time, the instantaneousness of real time. Boredom. § The indifference of space: the televisual, remote-controlled contiguity and contamination of all points in space, which leaves you nowhere. § Political indifference: the superimposition, the proliferation of all opinions in a single media continuum. § Sexual indifference: indistinguishability and substitution of sexes as a necessary consequence of the modern theory of sex as difference.” “this identitary individual lives on the hymning and hallucinating of difference, employing to that end all the devices for simulating the other.” Certamente Baudrillard ganharia o rótulo de fascista e transfóbico pela parte “amorosa” (inofensiva, cripto-neoliberal) da esquerda de hoje. A parte <<<revolucionária>>> (com o perdão da sobreposição das aspas) da esquerda e do <<<progressismo>>>.

ESQUEÇA DEDÊ (ANTÍTESE, vide acima): “This identity syndrome has a particular form of madness specific to it. To the <free> individual, the divided subject, there corresponds the vertical madness of yesteryear: psychical madness, the transcendent madness of the schizophrenic (…) [but] horizontal madness (…) [is] autism.”

Trecho de BAUDRILLARD, Jean. The Illusion of The End (1994) e, a seguir, especulações e desdobramentos meus sobre a figura do autista que devora o seu duplo e absorve seu irmão gêmeo, seja na vida real ou na ficção, com ou sem êxito:

[Not anymore] the delirium of the schizophrenic [personalidade cindida] but of the isophrenic, [idêntico tão-só a si mesmo] without shadow, other, transcendence or image (…) the autist who has devoured his double and absorbed his twin brother¹ (being a twin is, conversely, a form of autism à deux). (…) deprived of hereditary otherness, affected with hereditary sterility, they have no other destiny than desperately to seek out an otherness by eliminating all the Others one by one (whereas <vertical> madness [o tipo antigo da loucura, a família da esquizofrenia, formas arquetípicas do <desejo> de Gilles Deleuze & Guattari] suffered, by contrast, from a dizzying excess of otherness). The problem of Frankenstein, for example, is that he has no Other and craves otherness. This is the problem of racism.”

¹ The Black-Zamasu Syndrome! a Ou a Era Messi?b

O ANTES & DEPOIS DO “PERSONAGEM DUPLICADO” ZAMASU

a Black & Zamasu: dois lados de uma mesma moeda: Dois personagens de mangá/anime que são, no enredo, a mesma pessoa, porém provindos de universos alternativos (o que seria muito demorado explicar em suas minúcias), “um deles” mortal, um tanto impulsivo e dotado de um corpo “ágil e perfeito” (em que residiria essa agilidade e perfeição será deslindado a seguir – este mortal de que falo é chamado de “Goku Black” pelos demais personagens da trama), “outro deles” imortal, possuidor de extensos conhecimentos sobre o universo e não obstante dotado de um corpo um tanto menos versátil que o de sua contraparte espelhada (este é Zamasu, a identidade ‘original’ do ‘falso duo’). “Ambos” formam um par astuto e eficiente, pode-se dizer que “se completam” de forma platônica.

A solução final encontrada pelo(s) personagem(ns) desdobrado(s) Black-Zamasu na sua tentativa de cumprir o ambicioso propósito que persegue(m) com afinco na estória – o singelo plano da extinção da humanidade não só na Terra como em todo o universo (Ningen Zero Keikaku,(*) ‘Plano Zero Humanos’), e com humanos, nesta narrativa, não entender apenas criaturas antropomórficas, os terráqueos, mas todos os seres que a filosofia existencialista classificaria como conscientes de que um dia irão morrer dada “sua natureza meramente finita, recalcitrante e imperfeita, de pecadores natos, enfim”, como diria o vilão ou a dupla de vilões em questão –, envolve a precipitada decisão de “fundir-se consigo mesmo”, acarretando a transformação de duas entidades em uma.

(*) Acho divertida a inadvertida – cacofonia intencional – coincidência acústica que a transposição da obra para o português acaba gerando: ningen, sendo o japonês para ‘humano’, corresponde exatamente à idéia que Black-Zamasu tem/têm do homem: um zé(ro)-ninguém.

Este Narciso que conseguiu mergulhar no espelho d’água e não se afogar, este Fausto do universo ficcional de Dragon Ball, após vender a alma para chegar aonde quer, percebe tarde demais que o “diabo” (neste caso ele mesmo) o ludibriou na barganha, ao constatar que, uma vez fundido com sua cara-metade, sua principal vantagem tática na trama até aquele momento é, como num simples passe de mágica, desfeita: seu senso de cooperação com um Outro (ainda que esse outro fosse apenas ele desdobrado), sua sincronia e trabalho em equipe ideais na paciente execução de um projeto maquiavélico, acabam dando lugar a uma criatura “semi-imortal e auto-suficiente”. Ora, só que não existe a semi-imortalidade (algo intrinsecamente inútil, inferior à imortalidade) nem uma auto-suficiência genuína.

A sutil tragédia desta estória, nem sempre capturada pelo leitor/espectador, está em que a fim de chegar tão longe em seus planos diabólicos Zamasu teve de roubar o corpo do artista-marcial “perfeito”, Goku, o protagonista, que encarna o próprio sentido do humano arquetípico, cheio de defeitos, carências e tolas expectativas, dotado de uma fé cega e ingênua no futuro a despeito da certeza da morte e até de uma certa dose de despeito pelo conceito de divindade (justamente o que nos torna cônscios de nossa capacidade inerente de nos corrigirmos e nos superarmos diversas vezes ao longo de nossa curta vida), conjunto de características tão abominado pelo mesmo Zamasu. A parte “humana” de Zamasu, Goku Black, ao ser incorporada ao próprio Zamasu original, constituindo a partir daí um corpo só, desestabiliza seu Ser Eterno. Seu novo invólucro, em vez de onipotente, se revela uma falsificação, um embuste. Zamasu, o Uno, não dispõe mais da vida eterna.

E este nem é o pior de seus problemas após a fusão: logo se evidencia que, contra os humanos – raça que aprende com os erros e enquanto não perece ousa tentar outra vez, mesmo sem ter idéia do desfecho, de se seus esforços serão inúteis ou não, entregando, de qualquer maneira, tudo de si –, a própria habilidade de Zamasu, da parte do Goku Black em Zamasu, que ele tomou emprestada do corpo mortal de Goku quando uma de suas metades se transformara em Black no passado, a habilidade do contínuo e incessante auto-aperfeiçoamento pessoal, não passa de uma cópia barata da versão dos humanos autênticos dessa mesma habilidade. Zamasu, principalmente agora que contaminou sua antiga parte “humana” (parte que, reitera-se, era um mal necessário para que ele sobressaísse no combate) com traços divinos (e não o contrário: em Zamasu, é o humano que decai graças a sua metade deus, e não o inverso!), não possui a vontade e a determinação necessárias que lhe possibilitariam, em última instância, ultrapassar seus próprios limites.

Ao escolher se fundir consigo próprio, Zamasu apenas antecipou o fim do combate: se tornou um adversário facilmente vencível, incapaz de acompanhar o ritmo das proezas dos rivais e de compreender o ethos do inimigo. (Em sua cabeça, devia se perguntar: Por que eles lutam comigo, em intensa solidariedade uns com os outros o tempo todo, mesmo quando se acham em nítida desvantagem na correlação de forças? E por que eles não desistem nunca de realizar o impossível? O que faz criaturas tão frágeis e insignificantes se comportarem de maneira tão absurda e ao mesmo tempo exibirem uma invejável serenidade no olhar? Que impulso é esse que os move, que nem mesmo um deus como eu entende?!) O resultado final icônico do embate é que Black-Zamasu termina cortado em dois por um dos humanos que o antagonizam. Seu corpo imortal tinha o dom da auto-regeneração, mas sozinho não poderia vencer os humanos super-poderosos da trama fantástica. Quando se fundiu consigo mesmo, seu novo corpo semi-imortal foi aos poucos se deformando e perdendo aquela capacidade restauradora, embora ele calculasse que o ganho de poder resultante da fusão decidiria a guerra a seu favor.

Aquilo que fôra cortado pela espada de um humilde ser humano (a espada, apenas uma espada como qualquer outra, nada mais é do que o símbolo da inquebrantável perseverança dos mortais) não era bem a carne de Zamasu, a dizer verdade, mas seu espírito, sua própria essência, e este profundo ferimento metafísico se mostrou uma chaga incurável.

A evolução tremendamente satisfatória (em sua ascensão e queda) do multifacetado e secretamente atormentado Zamasu – esse Prometeu negativo, esse deus presunçoso e anti-socrático, que “não sabia que nada sabia” –, e seu estratagema cínico de forjar uma hipócrita aliança com seu duplo ou Doppelgänger, um duplo que ao mesmo tempo que imitava os seres humanos teria de ser seu principal instrumento para finalmente extingui-los, tornam este personagem, de longe, no melhor antagonista jamais apresentado por esta série shounen de lutinhas acéfalas, em que normalmente imperam a superficialidade mais boçal e os velhos clichês maniqueístas.

OBS: Deve haver uma mística ligação entre Jean Baudrillard e Dragon Ball, pois não é a primeira vez que eu associo a ambos – e ser mais distintos um do outro é impossível! – em posts do Seclusão (aqui vai a pista de uma possível explicação racional: novamente o assunto abordado se refere à ‘síndrome de deus’ de que padece o animal homem em todas as culturas conhecidas)!

Vide o contexto completo da primeira “analogia” entre aspas de Baudrillard e personagens de Dragon Ball em https://seclusao.art.blog/2021/12/20/ss-em-3-atos/.

b Lional “La Pulga” Messi: O conhecido jogador de futebol foi tachado por muitos “entendidos” de “autista” nos seus anos iniciais de carreira porque ‘se comunicava’ e ‘atuava’ de forma supostamente bizarra e muito diferente da habitual, tanto nos gramados quanto na vida privada. Diferente até de outros gênios do passado, principalmente do ícone-mor argentino, o extremamente sociável e integrado com o seu povo, extrovertido e burlesco Diego Maradona, que por muitos anos foi uma sombra na trajetória de Messi.

Vemos, num dégradé perfeito, como Lionel Messi foi se tornando, com a idade, cada vez mais e mais maradônico, seja porque assim quisemos passar a enxergar após começarmos a prestar mais atenção ou porque o meia-atacante foi se tornando, sem afetação, de modo orgânico e natural, grande e irreverente tal qual seu ídolo de infância, não só através de suas quebras rotineiras de recordes e a técnica cada vez mais precisa e apurada, como também pela maturidade com que aprendeu a chamar toda a responsabilidade e estrelato para si, aglutinando os companheiros pelo bem maior da equipe e confrontando com personalidade e malemolência os críticos e adversários, cada vez mais estupefatos e rendidos.

Messi soube se desdobrar, enquanto se movimentava como uma flecha durante os jogos, separou o Messi indivíduo comum do Messi lendário, o cidadão do mago protagonista de espetáculos, se situou num ângulo favorável, numa distância confortável, diante do espelho em que se punha a observar seu próprio Outro, que na verdade são duas coisas distintas, seus dois Outros – 1) o seu futuro como será contado pela História, que só pode ser decidido por ele mesmo; 2) e aquela antiga sombra ou reflexo pertencente ao passado, que mais parecia um destino inexorável a pesar como uma bigorna sobre as suas costas, ele, Diego Armando Maradona. Por muito tempo, no entanto, pensaram, e talvez Messi tenha pensado, que seus dois Outros eram um só: Messi é Maradona; mas se Messi não tem uma Copa, então Messi não é Maradona… então,a na realidade, Messi não é ninguém… Não!… Messi será Maradona!… contanto que… Entende-se onde quero chegar.

Os anos profissionais de um jogador de futebol passam muito mais depressa que nossa já efêmera vida. E, para Messi, sua trajetória como jogador, o capítulo mais importante de sua biografia, culminou com a decretação oficial de sua “santidade atlética”, a atribuição sem direito a controvérsia de seu status de craque atemporal, diante de toda a imprensa e da atual geração de torcedores do esporte mais popular do planeta, após a apoteótica exibição na final da Copa do Mundo de 2022, no momento em que erguia a Taça Fifa. Hoje, mesmo antes da aposentadoria, Messi já é apontado (e não apo-se-ntado, leia bem!) – e por não poucos, talvez pelos mesmos que antes tentavam explicar suas performances sobrenaturais apelando para diagnósticos clínicos! – como “melhor que Maradona” enquanto jogador e “tão influente e carismático quanto Dieguito” fora das quatro linhas, façanha notável, outrora até impensável, quando nos damos conta de que na Argentina Diego Maradona é venerado como um deus…

* * *

O MAL SOMÁTICO DA HUMANIDADE: “everything is already there, everything has already taken place. § We are thus immortal survivors, since the second existence is without end. It has no end because the end is already the beginnin.” “The process of de-humanization is complete and the clear effect of this phenomenon is that we no longer possess the psychical, ethical and spiritual resources which would enable us to realize this fact (Romain Gary).”¹

¹ wikia: “Romain Gary, 1914–1980, also known by the pen name Émile Ajar, was a French novelist, diplomat, film director, and World War II aviator. He is the only author to have won the Prix Goncourt under two names. He is considered a major writer of French literature of the second half of the 20th century.” “In a memoir published in 1981, Gary’s nephew Paul Pavlowitch claimed that Gary also produced several works under the pseudonym Émile Ajar. Gary recruited Pavlowitch to portray Ajar in public appearances, allowing Gary to remain unknown as the true producer of the Ajar works, and thus enabling him to win the 1975 Goncourt Prize, a second win in violation of the prize’s usual rules.” chad move here!

R.G., Les Racines du ciel

Our systems are thus doubly chaotic: they operate both by exponential stability and instability.”

A DIALÉTICA DO REJUVENESCIMENTO: “Sensitivity to initial conditions should not be confused with fate or predestination.” “In predestination, the end is there before the beginning and every effort to move away from the end brings that end closer. [Édipo Rei, etc.]

Meteorology is chaotic; it is not a figure of destiny.”

the destiny of simulation which one may, in effect, read as a form of catastrophe of reality, this dizzyng whirl of the model, the virtual and simulation carrying us further and further from the initial conditions of the real world

Chaos is a parody of any metaphysics of destiny. It is not even an avatar of such a metaphysics. The poetry of initial conditions fascinates us today, now that we no longer possess a vision of final conditionsO Ragnarok é sempre só um Big Bang.

Destiny is the ecstatic figure of necessity. Chaos is merely the metastatic figure of Chance. [a contingência se espalhando como um câncer]

the hidden order of strange attractors” “Condemned to an intense metabolism” “They are condemned, precisely, to the epidemic, to the endless excrescences of the fractal [vertigo] and not to the reversibility and perfect resolution of the fateful [fatal]. We know only the signs of catastrophe now.” Não é como um eterno retorno com sentido, mas apenas um loop de arcade game de Atari…

“…definitive doom, which we could at least consume as spectacle. Just imagine the extraordinary good luck of the generation which would have the end of the world to itself.” “we came too late for the beginning.”

You live too fast, you live too soon. Apoteozzy

Ó TESOURA AMIGA!

CORTO EU A LINHA PELUDA?

April of the pigs

O universo é como um ano-novo.

history itself has become interminable. when we speak of the <end of history>, the <end of the political>, the <end of the social>, the <end of ideologies>, none of this is true. The worse of it all is precisely that there will be no end to anything, and all these things will continue to unfold slowly, tediously, recurrently, in that hysteresis of everything which, like nails and hair, continues to grow after death.”

homepathic end, an end distilled into all the various metastases of the refusal of death.”

This revival of vanished forms, this attempt to escape the apocalypse of the virtual, is an utopian desire, the last of our utopian desires.” Nada será como antes.

the illusion of the end of that book

can we not imagine that, in history itself, previous states never disappeared, but present themselves again in succession, as it were, taking advantage of the weakness or excessive complexity of the present structures?”

The reabilitation of old frontiers, the old structures, the old elites will never have the same meaning. If, one day, the aristocracy or royalty recover their old position, they will, nonetheless, be <post-modern>.”

Magic Country, Future World, Gothic, Hollywood itself reconstructed 50 years on in Florida, the whole of the past and the future revisited as living simulation. Walt Disney is the true hero of deep-freezing, with his utopian hope of awakening one day in the future, in a better world. But that is where the irony bites: he had not foreseen that reality and history would turn right around. And he, who expected to wake up in the year 2100, might well, following out his own fairytale scenario, awaken in 1730 or the world of the Pharaohs or any one of his primal scenes.”

Communism will have had no historical end; it will have been sold off, knocked down like useless stock.”

The sales used to come after the feast days but now they precede them. It’s the same with our century”

This is like the parable of the Russian cosmonaut forgotten in space, with no one to welcome him, no one to bring him back – the sole particle of Soviet territory ironically overflying a deterritorialized Russia. Whereas on Earth everything has changed, he becomes pratically immortal and continues to circle like the gods, like the stars, like nuclear waste.”

Nostalgia had beauty because it retained within it the presentiment of what has taken place and could take place again. It was as beautiful for never being satisfied, as was utopia for never being achieved.”

the literal manifestness of the end”

We are, then, unable to dream of a past or future state of things. Things are in a state which is literally definitive (…) deprived of its end. Now, the feeling which goes with a definitive state, even a paradisiac one – is melancholic.”

there remains the completely improbable and, no doubt, unverifiable hypothesis of a poetic reversibility of events, more or less the only evidence for which is the existence of the same possibility in language.”

Canetti diz que a vingança é supérflua; torna-se desnecessária devido à inexorável reversibilidade das coisas.”

It isn’t just terrorists who repent. Intellectuals showed them the way, the Sartreans and others having been in the van of repentence from the 50s onwards.”

Arte total = arte mais fraca

If nothing exists now but effects, we are in a state of total illusion (which is also that of poetic language). If the effect is in the cause or the beginning in the end, then the catastrophe is behind us. This reversing of the sign of catastrophe is the exceptional privilege of our age. It liberates us from any future catastrophe and any responsibility in that regard. The end of all anticipatory psychoses, all panic, all remorse! The lost object is behind us. We are free of the Last Judgement.” Lost Judgement

INVERSÃO CONTRA FIM: “Anastrophe versus catastrophe”

Might we not transpose language games on to social and historical phenomena: anagrams, acrostics, spoonerisms, rhyme, strophe and cata-strophe [a estrofe que transtorna]?”

In these times of a retroversion of history, the palindrome,¹ that poetic, rigorous form of palinode,² could serve as a grille de lecture (might it not perhaps be necessary to replace Paul Virilio’s dromology³ with a palindromology?). And the anagram, that detailed process of ravelling, that sort of poetic and non-linear convulsion of language”

¹ Frase idêntica num sentido ou noutro, como a famosa SOCORRAM-ME SUBI NO ÔNIBUS EM MARROCOS.

² Re-citação de outro trecho do mesmo autor ou poema (quando muito grande), dentro do próprio poema.

³ A ciência da velocidade. Tão rápido que assa a virilha.

pure materiality of time” “The illusion of our history opens on to the greatly more radical illusion of the world. VdP, fim da exposição inicial sobre o niilismo.

we no longer have the choice of advancing, of persevering in the present destruction, or of retreating – but only of facing up to [reconhecer, aceitar, lidar com] this radical illusion.”

Voltar é impossível. Déjà vu em extinção. E dar um passo dianteiro kantiano ainda mais difícil,

Irreverente realidade do irreal.

Presente terno,

Uma música que não sai do refrão.

That’s what life means, said a Brazilian singer and composer…

GLOSSÁRIO:

fallow: terra deixada em descanso no sistema de cultivo rotativo (também conhecida como “pousio”)

lorry: caminhão-de-lixo

HEINE, HEIN?

7 de dezembro de 2017 a 14 de janeiro de 2018 – trabalho depois interrompido por 5 anos e meio.

ANTECEDENTES

Um dia hão de dizer que Heine e eu fomos de longe os primeiros artistas da língua alemã – numa distância incomensurável de tudo o que simples alemães fizeram com ela.”

Nietzsche

Walter Benjamin e Elias Canetti, que parecem ter dado ouvidos a Kraus, passaram batido por Heine.”

Ler um dia seu Quadros de Viagem, a magnum opus; mas também Cartas de Helgoland (pelo visto ainda sem versão portuguesa).

Heine foi o antídoto para a poesia oceânica de Victor Hugo.”

“‘O poeta impecável’ Théophile Gautier, ‘mago perfeito das letras francesas’, não foi apenas amigo de H., mas um tributário confesso de sua obra.”

Álvares de Azevedo (…) Sua pequena obra-prima, ‘Namoro a Cavalo’, escrita presumivelmente em 1851, é de nítida inspiração heineana.”

Jamais um Proteu tomou tantas formas, jamais o Deus da Índia passou sua alma divina numa série tão longa de avatares.”

Gérard de Nerval, seu amigo íntimo e primeiro tradutor francês.

Quem adora a arte como sua divindade e também dirige preces ao seu bel-prazer à natureza, ultraja tanto a arte quanto a natureza.”

Ludwig Börne, poeta contemporâneo e desafeto – ou talvez seja palavra muito forte, pois quando um não quer, dois não brigam – de H. que será ainda bastante citado.

E se o bom Deus quiser me fazer totalmente feliz, que me conceda a alegria de ver, nessas árvores, cerca de 6 ou 7 de meus inimigos enforcados. – De coração comovido hei de perdoar, antes de suas mortes, todas as infâmias que me infligiram em vida – sim, temos que perdoar nossos inimigos, mas não antes de serem enforcados.¹ – Perdão, amor e compaixão.”

¹ Se contradiz a meio caminho, mas tudo bem.

OS GRANADEIROS (tradução minha)

À França rumavam dois granadeiros,

que na Rússia haviam sido prisioneiros.

E quando chegaram no território alemão,

Sentiram-se como degolados.

Lá ouviram ambos as más novas:

Que a França fôra derrotada.

O grande exército vencido e aniquilado,

E o Imperador, o Imperador aprisionado.

Lá choraram juntos os granadeiros

Suas indignantes misérias.

Um diz: Como dói em mim,

Como ardem minhas velhas feridas.

O outro diz: Já era a Canção,

Também eu quero perecer contigo,

Mas tenho mulher e filho em casa,

Que sem mim não se sustêm.

Que me importa mulher, que me importa filho,

Eu levo comigo desejos melhores,

Deixai-os mendigar, quando estiverem famintos,

Meu Imperador, meu Imperador aprisionado!

Concede-me, irmão, um favor:

Agora, quando eu sucumbir,

Leva meu cadáver contigo até a França,

Enterra-me em solo francês.

A medalha de honra em faixa vermelha

Deves tu sobre meu coração depositar;

Na mão deixa-me a pederneira,

E afivela em mim a espada.

Quero descansar e ressoar no silêncio,

Como uma sentinela, na lápide,

Até um dia ouvir canhonadas,

E relinchos da Cavalaria.

Então meu Imperador cavalgará sobre meu túmulo,

Várias lâminas tilintam e incendem;

É aí que me ergo da cova, armado,

Para o Imperador, para o Imperador defender.

UM OCEANO DE ADMIRADORES

Resenhador anônimo contemporâneo ao poeta:

A poesia deve agir como a – religião.”

revelam-se como os piores e mais lamentáveis aqueles poemas onde o autor se faz de delicado ao extremo e suspirante, especialmente nas canções de amor.”

quanto menos ele honra a finalidade da poesia, tanto mais tem compreendido e considerado a essência da mesma.”

O autor utilizou a linguagem da canção popular alemã na maioria de seus poemas. Em todos impera aquele tom popular que os adeptos artificiais da empolação convencional ridicularizam como simplório, e que em sua verdadeira simplicidade só pode ser atingido pelos grandes poetas.” “Goethe mirou um alvo completamente diverso; ele deu à canção popular um colorido para o chazinho da tarde.” “não podemos nos admirar o bastante pelo fato de não termos encontrado nas canções populares de H. a matéria ou eco de qualquer canção alemã já existente”

A mera burguesia, a mera humanidade é o elemento único que vive na poesia de H.”

NAS ASAS DA CANÇÃO

Por séculos afora,

Inertes no infinito,

Estrelas se entreolham

No amor irresolvido.

A língua em que murmuram

É rica e muito bela

Filólogo nenhum

Jamais há de entendê-la

Porem tenho-a aprendido

Em teoria e prática

A face em que eu orbito

Serviu-me de gramática.”

* * *

Corto minh’alma ao meio;

Assopro-te a metade,

Te abraço, então seremos

Corpo e alma de verdade.”

* * *

Com roupinhas de domingo,

Filistinos fazem festa;

Tal cabritos, dão pulinhos,

Passeando na floresta.

Eu, porém, cubro as janelas

Com a mais negra cortina;

Sob a luz do dia ou velas,

Grei de espectros me azucrina.”

* * *

Se nos casarmos no papel,

Então vão todos te invejar:

Hás de passar a leite e mel

Os dias de papo pro ar.

Quando tiveres teus chiliques,

Prometo que não vou chiar;

Porém meus versos não critiques,

Que aí vou me divorciar!”

DONA CLARA

(…)

<Os mosquitos, cavaleiro,

Me picaram no ínterim,

Tenho raiva dessa praga

Como do judeu chinfrim.>

(…)

<Mas me diz: teu coração

Balançou mesmo por mim?>

<Não duvides meu senhor,

Por Jesus, juro que sim,

Ele a que os judeus tratantes

E velhacos deram fim.>

<Deixa o Cristo para lá

E os judeus, minha rolinha.

Olha só como balançam

Suave os lírios na colina.>

(…)

<Não há uma gota falsa

De sangue dentro de mim;

Meu amor, não sou da raça

De Judá, nem sou muslim.>

<Deixa os mouros para lá

E os judeus, amada minha;

Vamos nos aconchegar

Entre os ramos de alecrim.>

E fez pra filha do alcaide

O mais delicado ninho;

Foi sucinto na palavra,

Mas prolixo no carinho.

(…)

<Creio que estão me chamando!

Meu querido, diz enfim:

Qual a graça do teu nome?

Não o escondas de mim.>

(…)

<Meu amor, deu-me o destino

Uma estirpe primorosa,

Eu sou filho do Rabino

Israel de Zaragoza.>”

* * *

Nossa amizade agora cresce

A cada dia e nunca pára;

Virei alguém que se enraivece,

Estou ficando a tua cara.”

* * *

Por qual das duas se apaixona

Meu coração que o amor balança?

A mãe tem ares de madona,

A filha é uma linda criança.

Ver essas formas graciosas,

Tão inocentes, que delícia!

Mas quem resiste àqueles olhos

Que sabem ler toda a malícia?

Meu coração parece, assim,

O amigo cinza e sem ação

Ante dois montes de capim:

Não sabe qual sua ração.”

* * *

A cartinha que me escreves

Não me abala a alegria;

Para dizer que o amor já era,

Escreveste em demasia.

Doze folhas manuscritas,

Com letrinha de notário!

Quem deseja a despedida

Não se dá tanto ao trabalho.”

MUITO ALÉM DE TOCQUEVILLE

Justamente eu tive que editar anais políticos, comunicar assuntos da hora, panfletar desejos revolucionários, acender paixões, dar petelecos incessantes no nariz do pobre Zé Povinho alemão, a fim de que acordasse de seu saudável sono de gigante… Óbvio que nada mais consegui do que provocar um leve espirro no gigantesco roncador, e de forma alguma despertá-lo… Também puxei-lhe com força o travesseiro, mas ele o endireitou com a mão trôpega de sono… Desesperançado, quis um dia incendiar sua touca de dormir, que, no entanto, de tão empapada com o suor dos pensamentos não produziu nada mais do que fumaça… e o Zé Povinho, dormindo, sorriu.

(…) Ah, se eu apenas soubesse onde repousar minha cabeça. Na Alemanha é impossível. A todo momento, um policial viria sacudir-me para verificar se estou mesmo dormindo; só de pensar nisso já me estraga todo prazer. Mas afinal, para onde ir? De novo ao sul? (…) Ficaram tão azedas quanto os limões as ditas laranjas douradas. [referência à Áustria] (…) Ou devo ir para o norte? Talvez ao nordeste? Ah! os ursos polares estão mais perigosos do que nunca, desde que foram civilizados e passaram a usar luvas glacé. Ou devo voltar à diabólica Inglaterra, onde não fui enforcado in effigie mas onde tampouco quero viver em pessoa? Deviam pagar para a gente morar lá, e, ao invés disso, a estada na Inglaterra custa o dobro dos demais lugares. Nunca mais quero pôr os pés nesse desprezível país, onde as máquinas são como homens e os homens gesticulam como máquinas. Que zumbem e silenciam tão assustadoramente. Quando fui apresentado ao enorme governante, e esse inglês de araque permaneceu imóvel na minha frente sem falar uma palavra por vários minutos, passou-me involuntariamente pela cabeça olhar as suas costas, para averiguar se haviam esquecido de dar corda no maquinário. Que a ilha de Helgoland esteja sob o domínio inglês já me é fatal o suficiente. Às vezes imagino sentir o cheiro daquele tédio que os filhos de Albion exalam em todo lugar. De fato, cada inglês emana um certo gás, o mortífero veneno do tédio, que observei com meus próprios olhos, não na Inglaterra onde todo o ar está dele impregnado, mas nas terras do sul, por onde o inglês vagueia solitário, e onde a auréola de melancolia que circunda sua cabeça torna-se bastante nítida no ensolarado ar azul. Os ingleses acreditam que seu denso tédio seja um produto territorial, e para escapar do mesmo, viajam por todos os países, entediando-se em todos os lugares e voltando para casa com um diary of an ennuyé. Parece o caso do soldado que caiu no sono: os companheiros besuntaram-lhe as narinas com excremento; quando acordou percebeu que a guarita cheirava mal, e saiu; mas não tardou a voltar, dizendo que lá fora também fedia, que o mundo inteiro cheirava mal.

Um amigo meu, que voltou recentemente da França, me assegurou que os ingleses viajam pelo continente por desespero da pesada culinária de sua pátria; nas tables d’hôte se vêem os gordos bretões engolindo somente vol-au-vent, crème, supréme, ragout, gelées e outras iguarias arejadas, e com aquele apetite colossal que treinaram em casa com a massa de roastbeefs e o plum pudding [pudim de ameixa] de Yorkshire, levando à ruína qualquer dono de restaurante. (…) Enquanto rimos da frivolidade com que observam as curiosidades e galerias de arte, talvez sejam eles que nos enganam, e o seu sorriso não passe, assim, de uma astuta camuflagem de suas intenções gastronômicas?

Mas por melhor que seja sua própria cozinha, a França não anda lá muito bem das pernas (…) Os atuais detentores do poder são os mesmos imbecis que tiveram suas cabeças cortadas há 50 anos... Do que adiantou? Levantaram do túmulo, e o seu governo está mais tolo do que antes, pois[,] quando os deixaram sair do reino dos mortos para a luz do dia, a maioria colocou, na pressa, a melhor cabeça que estava à mão, e com isso ocorreram desacertos irremediáveis: a cabeça, amiúde, não combina com o tronco e com o coração que ali dentro assombra. Muitos deles, conforme a própria razão espalha nas tribunas, têm cabeças cuja sabedoria admiramos, mas que, no entanto, se deixam logo conduzir pelos corações incorrigíveis aos atos mais estúpidos… É a terrível contradição – entre pensamento e emoção, princípio e paixão, palavra e ação – desses revenants!

Ou devo ir para a América, essa imensa penitenciária da liberdade, onde os grilhões invisíveis me apertariam ainda mais dolorosamente que os visíveis lá de casa, e onde o mais repugnante dos tiranos, a plebe, exerce sua rude dominação? Tu sabes o que penso desse país amaldiçoado, que outrora amava, quando ainda não o conhecia… E, não obstante, devo louvá-lo por obrigação do métier… Ó caríssimos camponeses alemães, ide para a América! Lá não há príncipes nem nobres, todos os homens são iguais, são um único caipira… Com exceção, é claro, de alguns milhões que têm a pele negra ou marrom, e que são tratados como cachorros. A escravidão, que foi abolida na maior parte dos estados, não me repulsa propriamente tanto quanto a brutalidade com que tratam os negros e mulatos livres. Também aqueles que em mínimo grau descendem de um negro – ainda que não tragam na cor da pele o sinal da descendência, mas tão-somente nos traços do rosto – terão de suportar as piores ofensas, ofensas estas que irão nos parecer até fantasiosas na Europa. Ao mesmo tempo, esses americanos têm o seu cristianismo em grande conta, e são os mais ávidos freqüentadores de igrejas. Tal hipocrisia aprenderam com os ingleses que, aliás, lhes deixaram suas piores qualidades. A utilidade mundana é, no fundo, a sua religião, e o dinheiro é seu Deus, seu Deus único e todo-poderoso. Naturalmente que um coração nobre poderá lamuriar-se em silêncio contra o egoísmo e a injustiça generalizadas. Mas se quiser de fato combatê-los, espera-o o martírio que ultrapassa todos os conceitos europeus. Creio que foi em Nova York onde um pregador evangélico indignou-se tanto com a judiação dos homens de cor que, desafiando o cruel preconceito, casou sua própria filha com um negro. Tão logo esse ato verdadeiramente cristão tornou-se público, o povo invadiu a casa do pregador, que somente através da fuga evitou sua morte; a casa, porém, foi arrasada, e a filha, a pobre vítima, caiu nas garras do populacho, para satisfazer-lhes a fúria. She was lynched, isto é, foi completamente despida, banhada em piche, rolada sobre os edredons rasgados e, nessa viscosa cobertura de penas, humilhada e arrastada por toda a cidade…

Ó liberdade, és um sonho ruim!”

O MANIFESTO ANTI-HEGELIANO-SEMITA DO MAIOR DE TODOS OS JUDEUS

Os judeus deveriam se consolar com facilidade por terem perdido Jerusalém e o Templo e o tabernáculo e os talheres dourados e as jóias de Salomão… Essa perda é mínima em comparação com a Bíblia, esse tesouro indestrutível que conseguiram salvar. Se não me engano, foi Maomé que chamou os judeus de o <Povo do Livro>, um nome que até os dias de hoje perdura no Oriente e que é profundamente representativo. Um livro é sua pátria, sua propriedade, seu senhor, seu azar e sorte. Eles vivem nos pacíficos limites desse livro, ali exercem sua cidadania inalienável, ali não podem ser perseguidos, desprezados, ali são fortes e dignos de inveja. Imersos na leitura desse livro, muito pouco notaram das mudanças que ocorreram ao seu redor, no mundo real; povos surgiram e desapareceram, Estados floresceram às alturas e feneceram, revoluções assolaram o planeta… Porém eles, os judeus, estavam inclinados sobre o seu livro, e nada perceberam da selvagem caçada do tempo que grassava sobre suas cabeças. Assim como o profeta do Oriente os denominou o <Povo do Livro>, o profeta do Ocidente, em sua Filosofia da História, os chamou de o <Povo do Espírito>. Desde o mais remoto início, como observamos no Pentateuco, os judeus professam a sua inclinação ao abstrato, e toda sua religião não passa de um tipo de dialética, através da qual a matéria é separada do espírito, e o Absoluto é somente reconhecido na forma exclusiva do espírito. Que posição assustadoramente isolada não tiveram que assumir entre os povos da Antiguidade, que se dedicavam aos mais alegres serviços da natureza, compreendendo o espírito muito mais como manifestação, em símbolo e imagem, na matéria! Que terrível oposição não ergueram, portanto, contra o colorido Egito que coalhava de hieróglifos, contra a Fenícia dos grandes templos de prazer de Astarte, ou mesmo contra a bela pecadora, a adorável, doce-perfumosa Babilônia, e por último, até mesmo contra a Grécia, a florescente terra natal da arte!

(…) Moisés deu ao espírito, por assim dizer, as paliçadas materiais contra a invasão dos povos vizinhos: ao redor do campo onde semeara o espírito, plantou a áspera lei cerimonial e um egocêntrico sentimento de nacionalidade, como uma protetora cerca de espinhos. (…) eis que surge Jesus Cristo e derruba a lei cerimonial, que doravante nenhuma importância terá, proclamando também a sentença de morte sobre a nacionalidade judaica… (…) Foi uma grande demanda emancipatória, resolvida, contudo, de forma bem mais generosa que as atuais na Saxônia e Hannover… (…)

…e a humanidade toda, desde então, aspira in imitationem Christi à mortificação do corpo e à suprassensível entrada no espírito absoluto

Quando voltará a harmonia? Quando irá o mundo se curar dessa ânsia por espiritualização, o insano erro através do qual tanto a alma como o corpo adoeceram? Um grande antídoto reside no movimento político e na arte. Napoleão e Goethe atuaram com precisão. Aquele, por ter obrigado os povos a admitirem todos os tipos de movimentos saudáveis ao corpo; este, por nos ter tornado de novo receptíveis à arte grega e criado obras de peso, nas quais podemos nos agarrar como nas estátuas de mármore dos deuses, para não afundarmos no mar enevoado do espírito absoluto…”

O HOMEM ETERNO DE HEINE, O ANIMAL MORAL

Eu creio poder afirmar que a moralidade independe do dogma e da legislação, ela é inteiramente um produto do saudável sentimento humano, e a moralidade verdadeira, a razão do coração, irá perdurar eternamente, mesmo que o Estado e a Igreja venham abaixo.

Gostaria que tivéssemos uma outra palavra para isso que chamamos aqui de moralidade [Sittlichkeit]. Poderíamos ser levados a entender a moralidade como produto dos costumes [Sitte]. Os povos latinos vêem-se na mesma arapuca, ao tirarem sua morale de mores. (…) Existe, assim, um costume indiano, um chinês, um costume cristão, mas só existe uma única moralidade humana. Esta talvez não se deixe apreender em um conceito, e a lei da moralidade, que denominamos moral, não passa de uma brincadeira dialética. A moralidade se revela nas ações, e somente nos motivos destas, não em suas formas e cores, reside o significado moral. (…)

(…) As palavras mais estranhas do Novo Testamento são para mim as desta passagem do Evangelho de S. João, 16:12-13: <Ainda tenho muito que voz dizer, mas vós não o podeis suportar agora. Mas, quando vier aquele Espírito de verdade, ele vos guiará em toda a verdade; porque não falará de si mesmo, mas dirá tudo o que tiver ouvido, e vos anunciará o que há de vir.> (…)

Uma certa ambigüidade mística predomina em todo o N.T. Uma astuta digressão, não um sistema, são as palavras: <Dai a César o que é de César e a Deus o que é de Deus>. Do mesmo modo, quando perguntam a Cristo <és o rei dos judeus?> a resposta é evasiva. Assim também quando se indaga se ele seria o Filho de Deus. Maomé se mostra muito mais aberto e categórico. Quando lhe perguntaram algo semelhante, respondeu: <Deus não tem filhos>.

(…) Se aparecer um Salvador agora, não terá mais que se deixar crucificar para divulgar a sua doutrina com impacto... Basta que simplesmente mande imprimi-la e anuncie o livrinho nos classificados do Allgemeine Zeitung, a 6 cruzados por linha. (…) Que fonte revigorante para todos os sofredores foi o sangue que escorreu no Gólgota!… Esse sangue respingou nos brancos deuses de mármore da Grécia, que adoeceram de um horror interior e nunca mais se recuperaram! A maioria, naturalmente, já carregava a peste dentro de si, e o susto tão somente apressou-lhes a morte. Primeiro morreu Pã.”

[Nota do tradutor] Pustkuchen, Johann Friedrich Willhelm (1793-1834): escritor e clérigo protestante; ficou conhecido por sua continuação do romance Os Anos de Aprendizado de Wilhelm Meister, de Goethe, sob o pseudônimo Glanzow. Quando teve a identidade revelada, foi impiedosamente ridicularizado pelo autor da obra.”

DE NOVO A BÍBLIA, A NATUREZA, A ARTE E UMA PITADA DE CULINÁRIA

Na Bíblia não aparece qualquer vestígio de arte; o estilo é o de um bloco de notas, no qual o espírito absoluto, como se não tivesse qualquer auxílio individual, registra os acontecimentos do dia, quase com aquela mesma fidelidade aos fatos que usamos para escrever nossos bilhetes. Sobre esse estilo não se pode emitir qualquer juízo, apenas constatar o efeito sobre nossas emoções, e não se desconcertaram pouco os gramáticos gregos, quando tiveram que definir em conceitos convencionais muitas das belezas flagrantes da Bíblia. Longino fala de sublime. Estetas mais recentes, de ingenuidade. Ah! (…) Apenas em um único escritor sinto algo que me lembra o estilo sem mediações da Bíblia. É Shakespeare. Também nele irrompe às vezes a palavra com aquela assombrosa nudez que nos assusta e estremece; nas obras shakespearianas vemos às vezes a verdade encarnada sem as roupagens da arte. Mas isso só acontece em alguns momentos; o gênio da arte, sentindo talvez a sua impotência, delega, por um momento, sua tarefa à natureza, para depois reafirmar com ciúme ainda maior o seu domínio sobre a criação plástica e o divertido encadeamento do drama. Shak. é judeu e grego ao mesmo tempo, ou melhor, nele os dois elementos, o espiritualismo e a arte, se interpenetraram, plenos de conciliação, desdobrando-se num todo mais elevado.

(…) <Com o Espírito Santo se dá o mesmo que com o terceiro cavalo, quando a gente viaja pelo Correio Expresso; é preciso sempre pagar por ele, mas a gente nunca vê o tal cavalo.>

(…) enquanto eu debatia com o prussiano a Santíssima Trindade, lá embaixo, o holandês explicava como se diferencia o bacalhau do Labberdan e do stockfish; que seriam no fundo a mesmíssima coisa.”

SOBREVIVÊNCIA DE UMA VOCAÇÃO EXTEMPORÂNEA

Os poetas, desde o triunfo da Igreja Cristã, formaram sempre uma comunidade silenciosa, onde a alegria no culto das antigas imagens e a rejubilante fé nos deuses se disseminam de geração em geração, na tradição dos cantos sagrados…

(…) O mundo não permanece no cessar-fogo inerte, mas na mais estéril circulação. Outrora, quando era jovem e inexperiente, acreditava que, na guerra de libertação da humanidade, ainda que os combatentes isolados perecessem, a grande causa venceria no final… E eu estremeço com estes belos versos de Byron: <As ondas vão uma atrás da outra, mas o mar segue adiante>.

Ah! Quando se observa por mais tempo essas manifestações da natureza, percebe-se que o mar que avança, volta de novo ao leito anterior num ciclo determinado, e mais tarde avança de novo, com a mesma violência, buscando recuperar o terreno perdido, e por fim, pusilânime, parte em retirada como antes, e embora repita esse jogo continuadamente, nunca vai adiante… Também a humanidade move-se pelas leis do fluxo e refluxo, e quem sabe no mundo do espírito a Lua também exerça a sua influência sideral.”

ESPARTANOS E HOLANDESES

Assim como os espartanos preservavam seus filhos da embriaguez, mostrando-lhes um hilota bêbado como exemplo a se evitar, deveríamos fornecer às nossas instituições de ensino um holandês, para que a sua apática e inerte natureza de peixe provocasse nas crianças o horror à sobriedade. E deveras, a sobriedade holandesa é um vício bem mais mortífero que a embriaguez dos hilotas. Gostaria de quebrar a cara de Mynheer…”

INEXISTÊNCIA DA VIDA EXTRA-TERRESTRE

Mas não há nenhum outro mundo habitado, como sonham alguns, tão só esferas cintilantes de pedra, ermas e estéreis,

Elas não caem por não saberem onde cair.”

A FARSA FRANCESA

Os cabelos de prata que eu vira esvoaçar majestosamente nos ombros de Lafayette, herói de dois mundos, transformaram-se, ao observá-los mais de perto, numa peruca marrom que cobria miseravelmente um crânio estreito. E até mesmo o cão Medor, que visitei no pátio do Louvre e que, guardado sob bandeiras tricolores e troféus, comeu tranqüilo a ração que lhe dei: não era de forma alguma o verdadeiro cachorro, mas uma besta corriqueira que se apropriara da glória alheia, como é muito usual entre os franceses, e que, assim como tantos outros, explorava a fama da Revolução de Julho…

Pobre povo! Pobre cão, eles!

(…) Em julho de 1830 conquistou a vitória para aquela burguesia que valia tão pouco quanto a nobreza que substituiu, e com o mesmo egoísmo… (…) Mas acreditai: quando soar novamente o sino da intempérie e o povo tomar em armas, desta vez ele lutará em causa própria e exigirá o soldo merecido. Desta vez, o verdadeiro Medor há de receber as honras e a ração… (…)

Mas cala-te, coração, tu te expões em demasia.”

* * *

UMA GAIVOTA

meus poemas repulsivos não são alimento para a rude multidão.”

AS GARRAFAS PELO CHÃO

Solitário, este imbecil contempla a cama.”

* * *

GÊNIO OU APENAS UM ARISTOCRATA INSOLENTE?

um certo desdém, como o que se encontra em homens que se acham superiores à posição que ocupam, mas que duvidam do reconhecimento alheio. Não era aquela majestade recôndita que podemos encontrar na face de um rei ou de um gênio, que se ocultam incógnitos entre a multidão; era decerto aquela insolência revolucionária, um tanto titânica, que se nota no rosto de qualquer pretendente. A sua atuação, os seus movimentos, o seu andar tinham um quê de segurança, de certeza, de caráter. Os homens extraordinários estarão banhados da irradiação de seu espírito? Nossas emoções pressentirão a glória que nós, com os olhos do corpo, não podemos ver? A intempérie moral, em tais homens extraordinários, atuaria talvez eletricamente nos temperamentos jovens e sensíveis que deles se aproximam, como a tempestade real influi nos gatos?”

Dieffenbach, quando estudávamos em Bonn, onde quer que ele pegasse um gato ou um cachorro, logo lhe cortava o rabo, por puro prazer de cortar, o que muito nos irritava, porque os bichos gemiam insuportavelmente, mas depois perdoamos por ele ter, graças a esse prazer de talhar, se tornado o maior cirurgião da Alemanha”

O enigmático “Jean Paul” dos séc. XVIII-XIX: (*) “Pseudônimo de Johann Paul Friedrich Richter (1763-1825), um dos escritores mais populares e bizarros de seu tempo; anticlássico sem, contudo, identificar-se com os românticos, foi autor de romances labirínticos que uniam o sentimentalismo mais açucarado ao grotesco e o fantástico; tanto Heine quanto Börne apreciavam seu estilo e foram por ele influenciados. Passou os últimos 20 anos de sua vida em Bayreuth.”

<Börne não sabe escrever, como tampouco eu ou Jean Paul.> Rahel entendia o escrever como o calmo ordenamento, ou seja, a redação do pensamento, a concatenação lógica dos elementos da oração, em resumo, aquela arte da construção do período que ela tão entusiasticamente admirava em Goethe quanto em seu marido [Varnhagen von Ense], e sobre a qual tínhamos então, quase que diariamente, as discussões mais frutíferas.” “ela nutria uma grande admiração por aqueles serenos escultores da palavra que sabem manipular, libertos da alma gestante, todo o seu pensar, sentir e observar como se estes fossem uma determinada substância, moldando-os plasticamente.” “Quero apenas salientar que para se escrever prosa bem-acabada é necessário se ter também, entre outras coisas, o domínio das formas métricas. Sem essa maestria, falta ao prosador um certo ritmo, fogem-lhe construções de palavra, expressões, cesuras e frases que só no discurso metrificado são admissíveis, e surgem dissonâncias que ferem os poucos ouvidos mais sensíveis.”

Curioso! Se à distância ouvimos falar de uma cidade, onde habita este ou aquele homem ilustre, obrigatoriamente pensamos que ele seja o centro da cidade, que até os telhados estejam pintados com a cor de sua celebridade. Que surpresa não é então, quando chegamos a essa cidade, desejosos de encontrar o ilustre homem, e precisamos perder tanto tempo perguntando por ele, até encontrá-lo no meio da multidão!”

Quando cozinheiras se encontram, falam sobre seus patrões; quando escritores alemães se encontram, falam sobre seus editores.”

Como amei esse homem até o 18 de Brumário, e ainda lhe fui devotado até a Paz de Campo Formio, mas quando subiu os degraus do trono foi descendo cada vez mais fundo em valor; e poder-se-ia dizer que ele despencou da escada vermelha!”

Börne

(*) “Konstablerwache: praça em Frankfurt, que em 1833 foi tomada por estudantes revolucionários, planejando explodir o Parlamento alemão.”

UM HOMEM & SUAS COISAS: Discurso sobre a Censura

Agora eu tenho a maior preocupação que, na minha estupidez, eu venha [a] escrever além da conta, e tenha que fugir repentinamente – como haverei de empacotar, na correria, todas essas xícaras e o bule? (…) Na pressa eles poderiam se quebrar e, de modo algum, quero deixá-los para trás. Sim, nós homens somos bichos estranhos! O mesmo homem que coloca em jogo a calma e alegria de viver, ou até mesmo a própria vida, para afirmar sua liberdade de expressão, não quer perder algumas xícaras, e se torna um escravo silencioso para preservar um bule de chá. (…) Chego até a acreditar que o vendedor de porcelanas era um agente austríaco, e que Metternich teria me entulhado de louças para me domesticar. Sim, sim, por isso custou tão pouco, por isso aquele homem era tão convincente. Ah! O açucareiro com a felicidade conjugal foi uma isca tão docinha! (…) Quando se usam meios inteligentes contra mim, eu nunca me enraiveço; só a estupidez e a burrice me são insuportáveis.”

Börne

INIMIZADES METAFÍSICAS

Seu rancor contra Goethe talvez também tenha tido um começo local; eu disse começo e não causa; pois ainda que a circunstância de ambos terem nascido em Frankfurt tenha inicialmente atraído a atenção de Börne a Goethe, o ódio que se inflamou dentro dele contra esse homem, e ardeu cada vez mais impetuosamente, foi só a conseqüência necessária de uma diferença arraizada profundamente na natureza de ambos. Aqui não age uma maledicência mesquinha, mas uma repugnância desinteressada que obedece às pulsões inatas, uma disputa que é tão antiga quanto o mundo, que se manifesta em toda a história da humanidade, e que irrompeu com maior nitidez no duelo que o espiritualismo judaico travou contra o prazer de viver helênico, um duelo que ainda não foi decidido, e que talvez nunca termine: o pequeno nazareno odiava o grande grego, que ainda por cima era um deus heleno.”

Eu digo nazarena, para não utilizar o termo <judeu> ou <cristão>, conquanto ambas as expressões sejam sinônimas para mim, e não sejam usadas para definir uma crença mas um temperamento. <Judeus> e <cristãos> são para mim palavras com significados coincidentes, em oposição a <helenos>, nome que tampouco uso para denominar um determinado povo, mas um direcionamento do espírito e um modo de ver, inato e igualmente ensinado. (…) Desse modo, havia helenos em famílias de pregadores alemães, e judeus que nasceram em Atenas e que talvez descendessem de Teseu. A barba não faz o judeu, ou a trança não faz o cristão, poder-se-ia dizer aqui com razão.”

os nazarenos têm, algumas vezes, um certo bom humor saltitante, uma certa vivacidade cômica de esquilo, até amavelmente obstinada, e doce, e também brilhante, mas à qual logo sucede um turvamento do ânimo; falta-lhes a majestade da satisfação que só encontramos nos deuses conscientes.”

* * *

Ah, que alívio! Enfim eu levo

No Hades uma vida boa!

Vou me embebedar do Letes

Pra esquecer minha patroa.”

ROSA VELHA

(…)

Um pelinho piniquento

Na verruga me atrapalha –

Filha, vá para um convento,

Ou te apruma com navalha.”

O cão ainda abana o rabo, mas morde quem lhe estende a mão.”

judaísmo: doença hereditária e milenar”

Será que o Tempo, deus eterno, um dia

Há de livrar-nos da moléstia escura

Que os pais vão transmitindo para os filhos?

E os netos – hão de ter saúde e tino?”

O conteúdo que um poema encarna

Jamais surgiu num estalar de dedos;

Se demiurgos não criam do nada,

Ah, muito menos os mortais aedos.

(…)

Somente pelo esforço do <poeta>

É que matéria é valorizada.”

* * *

SINFONIA “SATÂNICA”

O sr. Adam, pelo que sei, esteve na Noruega, mas duvido que lá algum feiticeiro conhecedor das runas lhe tenha ensinado aquela cristalina melodia, da qual só se ousa tocar 10 variações, existindo uma 11ª que pode provocar um grande malefício: caso tocada, a natureza inteira entra em comoção, os rochedos e montanhas começam a dançar, e as casas dançam e, dentro, as mesas e cadeiras dançam; o avô puxa a avó para dançar; o cachorro, a gata; e até o bebê pula do berço e dança.”

(*) “Gaetano Vestris (1729-1808): bailarino e mímico italiano que fez carreira na França, vindo a ser mestre de dança de Luís XVI; tão célebre em sua época que teria dito: <só existem três grandes homens na Europa – o Rei da Prússia, Voltaire e eu>; vários de seus filhos tornaram-se bailarinos famosos, entre eles o bastardo Auguste Vestris, que herdou do pai o título de <le dieu de la danse>.”

CONTREDENSE

Não posso deixar de mencionar que a igreja cristã, que acolheu em seu regaço todas as artes e tirou proveito delas, não conseguiu, todavia, fazer nada com a dança, descartando e condenando-a. A dança talvez lembrasse por demais os ofícios religiosos dos pagãos, tanto dos pagãos romanos quanto dos germanos e celtas, cujos deuses migraram para aqueles seres élficos aos quais a crença popular atribui uma miraculosa mania de dançar.” “A dança é maldita, como diz uma piedosa canção popular da Bretanha, desde que a filha de Herodias dançou para o iníquo rei que mandou matar João para lhe agradar. <Quando se vê uma dança, acrescenta o cantor, deves pensar na cabeça sanguinolenta do Batista na baixela, e o desejo demoníaco não poderá seduzir a tua alma!> Quando se reflete com maior profundidade sobre a dança na Académie Royale de Musique, ela aparece como uma tentativa de cristianizar essa arte notoriamente pagã, e o balé francês cheira quase à igreja galicana, quando não ao jansenismo, como todas as manifestações artísticas da grande época de Luís XIV. (…) De fato, a forma e a essência do balé francês são castas, mas os olhos das dançarinas fazem ao passo mais pudico um comentário assaz pecaminoso, e seus sorrisos dissolutos estão em permanente contradição com seus pés. Vemos o contrário com as chamadas danças nacionais, que prefiro mil vezes ao balé da grande ópera. As danças nacionais são freqüentemente sensuais em demasia, quase grosseiras em suas formas, como por exemplo a indiana, mas a sagrada seriedade na face dos dançarinos moraliza essas danças e até as eleva a um culto.”

Um grande dançarino não precisa ser virtuoso”

— Vestris, Gaetano

LIBERTÉ DO POPULACHO / in FEMME FATALE

Essa monotonia infindável está começando a me entediar, e não entendo como um homem pode suportá-la por muito tempo. As mulheres, entendo muito bem. Para elas, desfilar a aparência é o essencial. Os preparativos para o baile, a escolha do vestido, o ato de se vestir, de ser penteada, o sorriso da prova frente ao espelho, em resumo, o brilho e a coqueteria lhes são o principal, e lhes proporcionam o mais deleitoso divertimento. Mas para nós, homens, que democraticamente usamos fraques e sapatos negros (os insuportáveis sapatos!), uma soirée é, para nós, apenas uma fonte inesgotável de tédio misturada com alguns copos de leite de amêndoa e suco de framboesa. Da nobre música, eu não quero nem falar.” “Ninguém deseja mais entreter o outro, e esse egoísmo se manifesta também na dança da sociedade atual.”

Nem sei como devo expressar a tristeza que me assola, quando, nos locais públicos de entretenimento, especialmente no período do Carnaval, observo o povo dançando. Uma música estridente, clamorosa e exagerada acompanha uma dança que em maior ou menor grau assemelha-se ao cancã. E ouço aqui a pergunta: o que é o cancã? Deus do céu, como dar ao Allgemeine Zeitung uma definição do cancã?! Ora: o cancã é uma dança que nunca é dançada na fina sociedade, mas tão-somente em danceterias infames, onde aquele que o dança, ou aquela, é invariavelmente preso por um agente policial e conduzido até a porta.”

Heinrich Heine, 1842 [!!]

os dançarinos sabem, através de variados entrechats irônicos e gesticulações exageradas, manifestar seus pensamentos proscritos, e assim o velamento aparece ainda mais indecoroso do que a própria nudez. Em minha opinião, não é de muita serventia à moralidade que o governo intervenha na dança do povo com tanto armamento; o proibido é o que mais docemente atrai, e o sofisticado, não raro espirituoso, subterfúgio à censura tem conseqüências ainda mais funestas do que a brutalidade autorizada. Essa vigilância sobre o prazer popular caracteriza, aliás, a situação das coisas por aqui e mostra o quanto avançaram os franceses na liberdade.”

Eis que os deuses da paixão

Urram, fazem fuzuê

Dentro do meu coração

Pra Rainha Pomaré

Não a tal do Taiti –

Essa já catequizaram –

Digo aquela, tão bonita

E danada de selvagem.

Duas vezes por semana,

No Mabille² a dama empolga

Os seus súditos, dançando

O cancã, também a polca.

Todo passo é majestoso,

Seus requebros, que beleza!

Das canelas ao pescoço,

Cada palmo é uma princesa –

Ela dança – e em comoção,

Deuses fazem fuzuê

Dentro do meu coração,

Pra Rainha Pomaré!”

¹ Codinome da puta-de-luxo e bailarina Élise-Rosita Sergent (1824-46): “ficou célebre pela dança sensual que estreou no Mabille; segundo o escritor e jornalista Alfred Delvau, sua fama declinou subitamente por ter ousado apresentar a polca no teatro do Palais Royal, ocasião em que foi <abominavelmente vaiada> Depois de sua morte, ganhou muitas homenagens póstumas, na forma de poemas e biografias: “morreu de tuberculose, antes de completar os 22 anos de idade. [É A PRÓPRIA: A DAMA DAS CAMÉLIAS!] Seu nome artístico foi emprestado de uma personalidade da época, a rainha taitiana Pomare IV, também conhecida como Aimata (<comedora de olhos>); convertida [do canibalismo] ao cristianismo por missionários protestantes ingleses, entrou em conflito com a França ao recusar o protetorado francês (Guerra Franco-Taitiana, 1844-46); [Fico admirado com os motivos de jardim-de-infância para os conflitos europeus do séc. XIX! Mas não deveria, a essa altura do campeonato!] o nome dinástico Pomare, usado por 5 governantes taitianos, significa <noite de tosse> (po = <noite>, mare = <tosse>), tendo sido adotado pelo unificador e primeiro rei do Taiti, Tarahoi Vairaatoa (1742-1803), em homenagem à filha mais velha, morta de tuberculose.” A arte real copiou a realidade.

² Praça parisiense de onde teria vindo o cancan.

HIPNOSE, HIGH NO(i)SE

Juan de Flandres

Ela dança. E como gira o corpo!

Cada membro se contorce solto!

Esvoaça – o que será que a impele

Desejar se desprender da pele?

Ela dança. E quando se revira

Num pé só, e pára, e enfim respira,

Braços estirados para o chão –

Protegei, ó Deus, minha razão!

Ela dança. A tal coreografia

Que teria a filha de Herodias

Feito para o rei judeu Herodes,

Tanto ardeu nos olhos dela a morte.

Ela dança. Eu fico alucinado!

O que queres em sinal de agrado?

Tu sorris? Soldados, em revista!

Tragam-me a cabeça do Batista!”

Herodias ou Salomé? Capitu traiu?!

O velório foi sem pompa, e acabou antes do horário.”

No cortejo, só teu cão, e o fiel cabeleireiro.”

Ó rainha dos insultos, vomitaram em tua coroa”

* * *

Uma Filosofia da História: impossível na Antiguidade. Somente o tempo de hoje tem materiais para isso: Vico, Herder, Bossuet – Creio que os filósofos ainda terão de esperar mil anos antes que possam comprovar o organismo da história [nem então] – até lá penso que só isso é presumível: por fundamental considero: a natureza humana e as relações (solo, clima, tradições, guerra, necessidades imprevisíveis e incalculáveis), ambas em seu conflito ou aliança contra o fundo da história, encontram sempre a sua assinatura no espírito, e a idéia, pela qual se deixam representar, age novamente como terceiro sobre elas; isso é fundamentalmente o caso nos nossos dias, também na idade média.”

Os mais altos rebentos do espírito alemão: filosofia e canção – O tempo acabou, com ele a calma idílica, a Alemanha foi impelida ao movimento – o pensamento não é mais desinteressado, em seu mundo abstrato despenca a crua circunstância – A locomotiva das estradas de ferro estremece nosso sentimento, e assim nenhuma canção consegue alvorecer; a fumaça escorraça o pássaro canoro e o fedor dos lampiões a gás empesteia a perfumosa noite enluarada.”

Não compreendemos as ruínas antes de nos tornarmos ruínas nós mesmos”

Essa confissão de que o futuro pertence aos comunistas, eu a faço no tom de enorme medo e preocupação, e esse tom, ah!, não é nenhuma máscara! De fato, somente com horror e susto é que penso no tempo em que esses iconoclastas escuros irão tomar o poder: com seus punhos brutos hão de arrebentar as estátuas de mármore do meu mundo de arte tão querido, esfacelar todas aquelas fantásticas quinquilharias que os poetas tanto amam; derrubar o meu bosque de louros e plantar batatas no lugar; os lírios que não fiam nem trabalham e, no entanto, estão vestidos tão belos como o Rei Salomão, hão de ser arrancados do solo da sociedade, se não quiserem pegar na roca; os rouxinóis, cantores inúteis, hão de ser afugentados, e o meu Livro das Canções será usado, ah!, para embrulhar café ou o rapé das velhotas do futuro – Ah! tudo isso eu prevejo, e uma tristeza indizível se apodera de mim quando penso no declínio com o qual os meus poemas e toda a velha ordem do mundo estão ameaçados pelos comunistas” Tem razão, Heinrich Heine! Não precisamos de bosques de louros, só de batatas!

Eu sou cristão – comprova a certidão “Ich bin ein Christ – wie es im Kirchenbuche”

Que Deus vos dane e mande para o inferno! A cortesia eu devo a meus parentes.”

LENDA DE CASTELO

Em Berlim, lá no dossel

De um castelo medieval,

Vê-se dama e um corcel

Em satisfação carnal.

Dizem que a dita seria

A ilustríssima senhora

Mãe da nossa dinastia;

E que a porra¹ inda vigora.

Sim, de fato, o traço humano

Nela mal se faz notar!

Num monarca prussiano

Predomina o cavalar.

A conversação grosseira,

Os relinchos na risada,

Raciocínio de cocheira –

Asno em cada polegada!

Tu, ó mais jovem rebento,²

És o único cristão;

Pelo bom comportamento,

Não serás um garanhão.”

¹ Aqui tem o sentido de arma de tortura medieval.

² Frederico Guilherme IV

Eu frito ovinhos de formiga

Para comermos de manhã;

Depois eu vou herdar, querida,

Punzins-de-freira¹ da mamã.”

¹ Bolinhos-de-chuva

MORFINA

(…)

Dormir é bom – morrer, melhor –, contudo,

O que eu prefiro: nunca ter nascido.”

O DEUS APOLO

(…)

Canta o jovem louro e toca

Lira delicadamente;

Na freirinha a música provoca

Um calor sem precedente.

O sinal da cruz a freira faz;

Um, dois, três sinais da cruz;

O sinal, contudo, é ineficaz

Ao prazer que a dor produz.”

Marguerite Porète, O Espelho das Almas Simples e Aniquiladas (livro de bruxa)

(*) “Mohel: homem judeu habilitado à prática do Brit milah (circuncisão).”

(*) “Livre-espírito: corrente de misticismo radical com tendências anômicas que se disseminou em várias regiões da Europa, entre os séc. XII e XV, englobando os amalricianos, joaquimitas, valdenses e outros, como a Irmandade do Livre-Espírito, surgida na Renânia, Suábia e Países Baixos, no século XIII, e à qual os beguinos foram associados.”

tão bom quanto morrer pela pátria é ser feliz”

DOIS CAVALEIROS

Krapulinski e Maukaratski,

Dois polacos da Polônia,

Lutam contra a tirania

De Moscou com acrimônia.

(…)

Tal qual Pátroclo e Aquiles,

Alexandre e Hefestião,

Eles são grandes amigos,

Trocam beijos de montão!

(…)

Sim, os dois têm muitos trajes,

Um pra cada cerimônia –

Duas calças e camisas

Que trouxeram da Polônia.”

REI DAVI

Déspota – da vida se despede

Rindo, pois bem sabe o que sucede:

O desmando vai trocar de mão,

Não acaba nunca a servidão.”

AGORA AONDE?

(…)

De fato a guerra se acabou,

Mas não as côrtes marciais,

E aquilo que escreveste outrora,

Dizem, não vai deixar-te em paz.

(…)

Entristecido olho pra cima

Acena-me um montão de estrelas;

Contudo eu não encontro a minha,

Em canto algum consigo vê-la.”

O REI MOURO

(…)

Ela diz: <Boabdil el Chico,¹

Alegra-te amado meu,

Que no abismo da desgraça

Já verdeja o teu laurel.

Não somente o coroado

De vitórias triunfante,

Protegido por aquela

Deusa cega, é que obtém

Glória, mas também o filho

Do infortúnio, derrubado

Pela sorte, sobrevive

Para sempre na memória>.”

¹ Apelido do último rei mouro derrotado e expulso pela monarquia espanhola em 1492.

* * *

ROMANCE ZERO

ME INSURJO CONTRA HEGEL, ESSE PAGÃO!

os panteístas na verdade não passam de ateus envergonhados, que temem menos a coisa do que a sombra que ela projeta na parede, do que o nome. (…) só duas formas de governo, a monarquia absolutista e a república, suportam a crítica da razão ou da experiência; deve-se escolher uma delas; toda a mixórdia que há entre as duas é falsa, insustentável e funesta. Do mesmo modo surgiu a concepção na Alemanha de que se deve escolher entre religião e filosofia, entre o dogma revelado da crença e a última conseqüência da razão, entre o absoluto Deus da Bíblia e o ateísmo.

(…) Não brinquei com nenhum simbolismo nem abjurei a minha razão por completo. Não reneguei nada, nem sequer meus velhos deuses pagãos, dos quais me afastei decerto, mas separando-me com amor e amizade.”

MISERÊ

(…)

Mora nas alturas o dinheiro,

Mas adora adulador rasteiro.

(…)

O preço do pão subiu e muito,

Mas abrir a boca inda é gratuito –

Canta, pois, o cão de algum mecenas

Para te entupir de guloseimas!”

O APAGADO

(…)

Aflige-me a preocupação – Demora a tal ressurreição?

(…)

o que mais quer este meu corpo é uma mulher.

Deve ser loira, de olho azul,

Linda e suave como a luz

Da lua – só a duras penas

Agüento o sol dessas morenas.”

EFEMÉRIDE

Missa alguma irão cantar,

Nem Kadisch irão dizer,

Nada dito e nem cantado

Para mim, quando eu morrer.”

Historinhas de polaco

Que escancaram o riso teu,

Toda noite eu te contava

No dialeto dos judeus.”

Preocupação é como bolha de sabão:

o ruim é quando estoura

Mas dá nada, não!

AMIGOS & DINHEIRO

Brilhando o Sol-Felicidade,

As moscas dançam à vontade.

Os meus amigos me elogiam,

Com eles sempre compartilho

A carne boa do churrasco

E até meu último centavo.

Sumiu a sorte e o meu dinheiro

Vai com o amigo derradeiro;

Na escuridão, a moscaria

Não dança mais com alegria;

Foram-se as moscas e amizades

De braços com a felicidade.”

LEGADO

(…)

Cristão eu lego aos inimigos

Dádivas de agradecimento.

Aos meus fiéis opositores

Eu deixo as pragas e doenças,

A minha coleção de dores,

Moléstias e deficiências.

Recebam ainda aquela cólica,

Mordendo feito uma torquês, [fórceps]

Pedras no rim e as hemorróidas,

Que inflamam no final do mês.

As minhas cãibras e gastrite,

Hérnias de disco e convulsões –

Darei de herança tudo aquilo

Que usufruí em diversões.”

O HOMISLOBO

Israel, que a bruxa má

Metamorfoseou em cão.

(…)

Mas na sexta-feira à tarde,

Nos minutos do crepúsculo,

Cai o encanto, e aquele cão

Recupera a humanidade.

(…)

<Meu amado, hoje ninguém

Vai fumar, porque é Schabat>

(…)

[MASTER CHEF BC]

Cholent, divinal centelha

Filha que nasceu no Elísio!

Assim cantaria Schiller,

Se provasse esse petisco.

Cholent é o manjar dos Céus,

Foi o próprio Deus Senhor

Que passou para Moisés

A receita no Sinai [SENAI!]

(…)

Cholent, ambrosia koscher

Do Deus uno e verdadeiro,

É o maná do paraíso,

E, com ele comparado,

É tão só uma porcaria

Dos diabos a ambrosia

Que na Grécia os simulacros

Do Capeta compartilham.”

MIMI [a gata]

(…)

De instrumentos não carecem,

São sua própria viola e flauta,

As narinas são trompetes,

Os bigodes, sua pauta.”

Berlioz, Le soirée de l’orchèstre

(*) “Capriccio: do italiano = <movimento súbito>, <capricho>; provavelmente de capro (<bode>); tipo de composição musical caracterizada por uma certa liberdade de realização.” Caprichou, hein?!

* * *

Enfim, lei. Nunca fui, nem o cargo me consentia ser propagandista da abolição, mas confesso que senti grande prazer quando soube da votação final do Senado e da sanção da Regente. Estava na rua do Ouvidor, onde a agitação era grande e a alegria geral. (…) Ainda bem que acabamos com isto. Era tempo. Embora queimemos todas as leis, decretos e avisos, não poderemos acabar com os atos particulares, escrituras e inventários, nem apagar a instituição da história, ou até da poesia. A poesia falará dela, particularmente naqueles versos de Heine [Navio Negreiro]

Machado de Assis, Memorial de Aires (13-05-1908)

DAS SKLAVENSCHIFF

I

Der Superkargo Mynheer van Koek

Sitzt rechnend in seiner Kajüte;

Er kalkuliert der Ladung Betrag

Und die probabeln Profite.

<Der gummi ist gut, der Pfeffer ist gut,

Dreihundert Säche und Fässer;

Ich habe Goldstaub und Elfenbein –

Die schwarze Ware ist besser.

Sechshundert Neger tausche ich ein

Spottwohlfeil am Senegalflusse.

Das Fleisch ist hart, die Sehnen sind stramm,

Wie Eisen vom besten Gusse.

Ich hab zum Tausche Branntewein,

Glasperlen und Stahlzeug gegeben;

Gewinne daran achthundert Prozent,

Bleibt mir die Hälfte am Leben.

Bleiben mir Neger dreihundert nur

Im Hafen von Rio-Janeiro,

Zahlt dort mir hundert Dukaten per Stück

Das Haus Gonzales Perreiro.>

Da plötzlich wird Mynheer van Koek

Aus seinen Gedanken gerissen;

Der Schiffschirurgius tritt herein,

Der Doktor van der Smissen.

Das ist eine klapperdürre Figur,

Die Nase voll roter Warzen –

<Nun, Wasserfeldscherer>, ruft van Koek,

<Wie geht’s meinen lieben Schwarzen?>

Der Doktor dankt der Nachfrage und spricht:

<Ich bin zu melden gekommen,

Dass heute nacht die Sterblichkeit

Bedeutend zugenommen.

Im Durchschnitt starben täglich zwei,

Doch heute starben sieben,

Vier Männer, drei Frauen – Ich hab den Verlust

Sogleich in die Kladde geschrieben.

Ich inspizierte Leichen genau;

Denn diese Schelme stellen

Sich manchmal tot, damit man sie

Hinabwirft in die Wellen.

Ich nahm den Toten die Eisen ab;

Und wie ich gewöhnlich tue,

Ich liess die Leichen wefen ins Meer

Des Morgens in der Fruhe.

Es schossen alsbald hervor aus der Flut

Haifische, ganze Heere,

Sie lieben so sehr das Negerfleisch;

Das sind meine Pensionäre.

Sie folgten unseres Schiffes Spur,

Seit wir verlassen die Küste;

Die Bestein wittern den Leichengeruch

Mit schnupperndem Frassgelüste.

Es ist possierlich anzusehn,

Wie sie nach den Toten schnappen!

Die fasst den Kopf, die fasst das Bein,

Die andern schlucken die Lappen.

Ist alles verschlungen, dann tummeln sie sich

Vernügt um des Schiffes Planken

Und glotzen mich an, als wollten sie

Sich für das Frühstück bedanken.>

Doch seufzend fällt ihm in die Red’

Van Koek: <Wie kann ich lindern

Das Übel? wie kann ich die Progression

Der Sterblichkeit verhindern?>

Der Doktor erwidert: <Durch eigne Schuld

Sind viele Schwarze gestorben;

Ihr schlechter Odem hat die Luft

Im Schiffsraum so sehr verdorben.

Auch starben viele durch Melancholie,

Dieweil sie sich tödlich langweilen;

Durch etwas Luft, Musik und Tanz

Lässt sich die Krankheit heilen.>

Da ruft van Koek: <Ein guter Rat!

Mein teurer Wasserfeldscherer

Ist klug wie Aristoteles,

Des Alexanders Lehrer.

Der Präsident der Sozietät

Der Tulpenveredlung im Delfte

Ist sehr gescheit, doch hat er nicht

Von Eurem Verstande die Hälfte.

Musik! Musik! Die Schwarzen soll’n

Hier auf dem Verdecke tanzen.

Und wer sich beim Hopsen nicht amüsiert,

Den soll die Peitsche kuranzen.>

II

Hoch aus dem blauen Himmelszelt

Viel tausend Sterne schauen,

Sehnsüchtig glänzend, gross und klug,

Wie Augen von schönone Frauen.

Sie blacken hinunter in das Meer,

Das weithin überzogen

Mit phosphorstrahlendem Purpurduft;

Wollüstig girren die Wogen.

Kein Segel flatter am Sklavenschiff,

Es liegt wie abgetakelt;

Doch schimmern Laternen auf dem Verdeck,

Wo Tanzmusik spektakelt.

Die Fiedel streicht der Steuermann,

Der Koch, der spielt die Flöte,

Ein Schiffsjung’ schlägt die Trommel dazu,

Der Doktor blast die Trompete.

Wohl hundert Neger, Männer und Fraun,

Sie jauchzen und hopsen und kreisen

Wie toll herum; bei jedem Sprung

Takmässig klirren die Eisen.

Sie stampfen den Boden mit tobender Lust,

Und Manche schwarze Schöne

Umschlinge wollüstig den nackten Genoss –

Dazwischen ächzende Töne

Der Büttel ist Maître des plaisirs,

Und hat mit Peitschenhieben

Die lässigen Tanzen stimuliert,

Zum Frohasinn angetrieben.

Und Dideldundei und Schnedderedeng!

Der Lärm lockt aus den Tiefen

Die Ungetüme der Wasserwelt

Die dort blödsinnig schliefen.

Schlaftrunken kommen geschwommen heran

Haifische, viele hundert

Sie glotzen nach dem Schiff hinauf,

Sie sind verdutzt, verwundert.

Sie merken, dass die Frühstückstund’

Noch nicht gekommen, un gähnen,

Aufsperrend den Rachen; die Kiefer sind

Bepflanzt mit Sägezähnen.

Und Dideldundei und Schnedderedeng –

Es nehmen kein Ende die Tänze.

Die Haifische baissen vir Ungeduld

Sich selber in die Schwänze.

Ich glaube, sie lieben nicht die Musik,

Wie viele von ihrem Gelichter.

<Trau keener Bestie, die nicht liebt

Musik!> sagt Albions grosser Dichter.

Und Dideldundei und Schnedderedeng –

Die Tänze nehmen kein Ende.

Am Fockmast steht Mynheer van Koek

Und faltet betend die Händer:

<Un Christi willen verschone, o Herr,

Das Leben der Schwarzen Sünder!

Erzürnten sie dich, so weisst du ja,

Sie sind so dumm wie die Rinder.

Verschone ihr Leben um Christi will’n

Der für uns alle gestorben!

Denn bleiben mir nicht dreihundert Stück,

So ist mein Geschäft verdorben.>

* * *

Eu sei que o mundo está repleto

De vício, ignorância, intriga;

Mas já me acostumei, confesso,

A rastejar nesta pocilga.

A máquina do mundo não

Há de pegar-me pra moer –

Só saio em rara ocasião,

E fico em casa com prazer.

Me deixa aqui! Minha mulher

Tagarelando é um licor;

Nos olhos dela, e onde quer

Que vejo, enxergo só amor.

Saúde e um pouco de dinheiro,

Senhor, é tudo que eu te rogo!

Quero com minha companheira

Viver feliz no status quo!”

Uma esfinge de verdade

Não difere da mulher;

Faz-se de frivolidade

A leoa quando quer.

Escuríssima a charada

Dessa esfinge. Nem o tal

Filho-esposo de Jocasta

Decifrava uma igual.

Mas por sorte, o boudoir

Ignora a própria senha;

Se algum dia adivinhar –

Este mundo se desgrenha.”

DESPEDIDA

(…)

Sei que não foi por descaro

Pelo riso em tua cara;

No teu cérebro as lembranças

Ficam onde não alcanças.

Passar bem! – Nem acreditas

Como dói a despedida.

Deus te conserve a alegria

E a cabeça bem vazia!”

Por que se arrasta miserável

O justo carregando a cruz,

Enquanto, impune, em seu cavalo,

Desfila o ímpio de arcabuz?

De quem é a culpa? Jeová

Talvez ele não seja assim tão forte?

Ou será Ele o responsável

Por todo o nosso azar e sorte?

E perguntamos o porquê,

Até que súbito – afinal –

Nos calam com a pá de cal –

Isto é resposta que se dê?”

RATOS RETIRANTES

(…)

1000 kilômetros se arrastam

Os famintos, sem repasto;

Caminhando sobre espinhos

E através dos torvelinhos.

Enfrentando as serranias,

Mar revolto e calmarias;

Uns se afogam, os demais

Nunca olham para trás.

Com focinhos sorrateiros

Fuçam esses companheiros;

A cabeça é sempre igual –

Corte zero, radical.

São vermelhos, têm horror

Dos que crêem no Criador.

Não batizam filho algum,

E a mulher é um bem comum.

Rataiada epicuréia –

Só pensa em pão com geléia;

E renega, quando come,

A imortalidade do homem.

Rato bárbaro e moderno,

Não há gato nem inferno

Que afugente; e sem sustento,

Quer ruir o fundamento.

Arre! Os ratos retirantes

Não estão nada distantes!

Já se escuta o burburinho

Dos roedores a caminho.

Ai de nós! Eles já estão

Se apinhando no portão!

Vereadores e prefeito

Gesticulam contrafeitos.

Soam alto os campanários;

Fazem fila os voluntários:

Vão lutar pela cidade

E a privada propriedade.

Hoje, as preces, meus diletos,

Não vos salvam, nem decretos

Ou disparos de canhão

Vos garantem proteção.

Com floreios de oratória

Não se enfeita esta história.

Silogismo não engana

Uma esperta ratazana.

Quem tem fome filosofa

Com torresmos e farofa

E, dialética, argumenta:

Carne assada com polenta.

Caladinho, o bacalhau

Fala mais ao radical

Que os discursos do Sr.

Quintiliano ou Mirabeau.”

Terrível mal faz à saúde

A nossa Terra, não te iludas;

Tudo que cresce belo e forte,

Aqui, caminha para a morte.

Serão espectros da loucura,

Que vão subindo nas alturas,

Calados, para engravidar

Com sêmen venenoso o ar?

Flores-meninas que, tão logo

Se desabrocham para o sol

Apaixonado, são colhidas,

Por lâmina cruel, da vida.

Heróis, montados no alazão,

Sucumbem a tiros de canhão;

Assanham-se pela coroa

De louro os sapos na lagoa.

Do que brilhava com orgulho

Hoje nem sombra nem barulho;

Em desespero, o gênio parte

Ao meio a lira de sua arte.

Estrelas é que são espertas!

Da Terra nunca chegam perto;

Ocultas em lugar seguro,

Brilham incólumes no escuro.

Felicidade e calmaria

Elas jamais arriscariam,

Para compartilhar conosco

Miséria e todo esse desgosto –”

Pra qualquer lugar do mundo

Que fores, no âmago profundo,

Jaz meu espírito zelota,

Em sonhos, dando cambalhota.

Escutas esta melodia?

Ele é quem toca! – E, de alegria,

Uma pulguinha, em teu decote,

Rebola e dá muito pinote.”

A FLOR DE LÓTUS

Sim, nós dois somos deveras

Um casal muito esquisito;

A mulher é ruim das pernas,

Seu amante é paralítico.

Uma gata que lamenta,

Um doente pra cachorro;

Assim pelo que aparenta

Ambos têm juízo torto.

Ela pôs em sua cabeça

Que é uma flor nenúfar-branca;

Pálido, seu homem pensa

Ser lunífera carranca.

Nas idéias se contentam,

Mas em tudo o que se apraz

Entre a alma e a vestimenta

Vão ficando para trás!

No luar, a flor de lótus

Desabrocha – mas que pena –

Ao invés de um jorro forte

E vital, dão-lhe um poema!”

Sim, temo que te prejudique,

Minha criança delicada,

Tu disputares a largada

Do Grande Prêmio de Afrodite.

Concordo que seja melhor

Tu escolheres um sujeito

Doente para amante, feito

Eu que somente inspiro dó.”

* * *

Depois de ter desferido os golpes mais mortais no significado da poesia romântica na Alemanha, de novo penetrou em mim uma nostalgia infinita pela flor azul na terra encantada do romantismo, e agarrei o alaúde enfeitiçado e cantei uma canção, na qual me entreguei a todos os amáveis exageros, a toda enluarada embriaguez, a toda florescente loucura de rouxinol que tanto amei outrora. Eu sei, foi <o último canto silvestre livre do romantismo>, e fui seu último poeta: comigo se encerra a velha escola lírica dos alemães, enquanto, ao mesmo tempo, a nova escola, a poesia moderna alemã, era por mim inaugurada. Essa dupla relevância há de me ser reconhecida pelos historiadores literários da Alemanha.

Confissões, 1854.”

POEMA-SÍNTESE

No sonho de uma noite de verão,

Onde, ao luar, em branca decadência,

Viam-se os restos – a recordação

Dos tempos de esplendor da Renascença,

(…)

O tempo – ai! – a sífilis pior –

Roubou-lhes a elegância do nariz.

Deitado num sarcófago de mármore,

Intacto, a destacar-se entre as ruínas,

Vê-se, não menos íntegro, o cadáver

De um homem com feições alexandrinas –

(…)

Todo o fulgor do Olimpo em uma leva

De deuses, na tertúlia costumeira;

E, próximo, o casal Adão e Eva –

Pudicos, com folhinhas de figueira.

Ali se via Tróia incendiada,

Helena, Páris e também Heitor;

Judite e Holofernes (sem a espada),

Aarão junto a Moisés, Libertador.

(…)

Ao lado, vinha o burro de Balaão

(A besta que falava maravilhas),

Também se via a prova de Abraão,

E Lot embriagado pelas filhas.

Dava pra ver a dança de Herodias

E a fronte do Batista na bandeja;

O inferno, o Demo e, bem nas cercanias,

A <Pedra> que sustenta a Santa Igreja.

Viam-se ali, talhados com buril,

As artimanhas do deus Jove, o tal

Que como cisne a Leda seduziu,

E a Dânae, como chuva de metal.

Diana, junto às ninfas, no mister

Da caça, e cães dilacerando o intruso;

Hércules, travestido de mulher,

Trabalha com a roca, lãs e o fuso.

Não longe, na montanha do Sinai,

Vê-se Israel entre os rebanhos seus;

No templo, o Deus menino é que se sai

Melhor ao discutir com fariseus.

Contrários justapostos numa pedra:

Da Hélade, o prazer; e da Judéia,

A idéia-Deus! E os dois a hera enreda

Nos arabescos da verdosa teia.

Sublime! Enquanto olhava com espanto

O monumento, em sonho, me dei conta

Que o morto, no sarcófago, era um tanto

Familiar – sou eu que ali desponta!

E em frente ao túmulo, deu na veneta

De enraizar-se flor muito esquisita

(Pétalas cor de enxofre e violeta)

Que de um amor indômito palpita.

O povo a nomeou flor da paixão,

E crê que lá no Gólgota nasceu,

Quando morreu na cruz, pra salvação

Do mundo, o filho único de Deus.

Dizem que a planta dá um testemunho

De sangue, e aquela ferramentaria,

Que sói o algoz usar de próprio punho,

No cálice da flor se enxergaria.

Sim, todos os petrechos da Paixão

Estavam lá – a sala de tortura

Chibata, espinhos pra coroação,

Martelo, pregos e a madeira dura.

A flor cresceu defronte ao mausoléu,

E sobre o meu cadáver se recurva –

Calada, me envolveu no escuro véu,

Me beija, e chora feito uma viúva.

(…)

Não nos falamos, mas meu coração

Ouviu o que calaste – para o amor,

Silêncio é um puro e vívido botão;

Na fala, a língua fica sem pudor.

Ah, como o tal silêncio é linguarudo!

E nada de metáfora gongórica [afetada]

Sem folhas de figueira, ele diz tudo,

Sem métrica e figuras de retórica.

Diálogo insonoro! E quem diria

Que, nesse lero-lero silencioso,

As horas se entretêm na fantasia

Urdida em fios de arrepio e gozo?

O que falamos? Que pergunta estéril!

No escuro, o que discursa um pirilampo?

O riacho, o que murmura sempre sério?

O que sussurra a brisa pelo campo?

Pepitas, o que falam na batéia?

Acaso exala a rosa algum assunto?

Assim, não se pergunte o que proseia,

Ao plenilúnio, a flor com seu defunto!

(…)

Na pedra, assombra a antiga briga hirsuta

De crenças, entre soco e pontapés? –

Agreste, o grito do deus Pã disputa

A láurea contra a Bíblia de Moisés.

A luta não tem fim, pois, na verdade,

O vero odeia o belo e, mais ou menos,

Sempre estará cindida a humanidade

Em dois partidos – bárbaros e helenos.

Mas como os termos de baixo calão

Se esgotam antes do que os desatinos,

Zurrou sozinho o burro de Balaão,

Sobrepujando os santos e divinos!

Ó, como dói – i, ó! – i, ó! – o ouvido!

Quase me deixa doido a horrível grei

De ornejos desse bicho empedernido –

Por fim, soltei um grito – e despertei.”

* * *

ESBOÇOS DE UMA BIOGRAFIA

(*) “Os cerca de 200 judeus de Düsseldorf gozavam o privilégio de viver numa das poucas cidades alemãs onde não eram confinados em gueto. Através da ocupação francesa, seriam ainda beneficiados com a emancipação – anulada, no entanto, quando o Ducado de Berg passou à jurisdição da Prússia, em 1815.”

(*) “Freqüentaria em seguida o liceu preparatório para o renomado Ginásio de Düsseldorf – com muitos clérigos franceses no corpo docente –, onde veio a estudar de 1810 a 1814, aprendendo francês com o severo abade Jean Baptiste Daulnoy [talvez venha daí sua obsessão pela <cabeça do Batista>!], cujas aulas de métrica e prosódia o deixariam para sempre traumatizado:

<Negou-me qualquer sentido para a poesia, e me chamava de bárbaro da Floresta de Teutoburgo. […] Era um refinamento de crueldade que ultrapassava até as torturas da Paixão do Messias, e que nem mesmo ele teria tolerado impassível. Deus me perdoe – eu praguejei contra Deus, contra o mundo, contra os opressores estrangeiros que queriam nos impingir a sua métrica, e por pouco não me tornei um devorador de franceses. Eu teria morrido pela França, mas fazer versos em francês nunca mais!>

Betty Heine, imaginando para o filho uma carreira de grande financista, na esteira dos Rothschild de Frankfurt, planejava seus estudos meticulosamente, fazendo-o aprender <outros idiomas, especialmente inglês, geografia, contabilidade> e até filosofia kantiana, o que lhe rendeu uma repressão do pai:

<Tua mãe te faz estudar Filosofia com o reitor Schallmeyer. Isso é coisa dela. Eu, de minha parte, não gosto de Filosofia, pois é mera superstição, e sou um comerciante, preciso de minha cabeça para os negócios. Podes filosofar o quanto quiseres, mas peço que não fales em público aquilo que pensas, pois irias me prejudicar os negócios, caso meus clientes soubessem que tenho um filho que não crê em Deus; os judeus, principalmente, não comprariam mais velveteens de mim, e são pessoas honestas, pagam pontualmente e também têm o direito de manter a religião. Sou teu pai e, portanto, mais velho do que tu, e mais experiente; assim deves crer em mim quando digo que o ateísmo é um grande pecado.>

(*) “o bloqueio marítimo contra a Inglaterra prejudicou seriamente os negócios do pai Samson Heine. Antes mesmo de receber o certificado de conclusão do colégio, Harry foi enviado à Escola Comercial de Vahrenkampf e, em seguida, a Frankfurt, para ingressar na atividade mercantil. Não tendo, contudo, despertado o interesse do primeiro empregador, os pais resolveram confiá-lo ao mais bem-sucedido membro da família, o banqueiro Salomon Heine, em Hamburgo.” “Após a derrota definitiva de Bonaparte em Waterloo, a Santa Aliança entre as monarquias da Rússia, Áustria e Prússia, sob a regência do príncipe von Metternich, blindava o continente contra possíveis rasgos liberais. No Congresso de Viena, em 1815, havia sido criada a Confederação Alemã, composta por 39 Estados, sob a hegemonia dos impérios austríaco e prussiano. § Salomon Heine não custou a perceber a inaptidão do sobrinho para os negócios.”

(*) “Como se não bastasse a inépcia empresarial, Harry ainda inventou de se apaixonar pela prima Amália – um amor não-correspondido, mas que estimulou o tio a bancar-lhe o estudo de Direito para bem longe do lugar. [!] Em setembro de 1819, dirigiu-se a Bonn, onde deu início a um tumultuado período universitário, que incluiu a Universidade de Göttingen – onde envolveu-se num duelo, acabando suspenso por um semestre e expulso da cidade – e a Universidade de Berlim.”

(*) “O ano de 1819 foi especialmente traumático na vida de Heine: seu pai entrou em bancarrota e a Alemanha foi varrida pela primeira onda de violência antissemita da Era Moderna – as <Arruaças Hep! Hep!> –, que, iniciadas em Würzburg por estudantes e artesãos, se espalharam rapidamente pela Confederação Germânica, atingindo a Holanda, Dinamarca e Finlândia. [nunca a Suíça!]

(*) “O movimento romântico, em que pesem as exceções, descambou para a nostalgia medieval e o reacionarismo místico. Friedrich von Schlegel, um dos mais arrojados e criativos do grupo de Iena, converteu-se ao catolicismo em 1808, mudando-se para Viena, onde passou a redigir memorandos para o príncipe von Metternich. (…) E ainda que o septuagenário Goethe surpreendesse com o erotismo de seu Divã Ocidento-oriental, era todavia, alvo crescente do moralismo biedermeier e dos ataques das jovens gerações, ressentidas com seu alheamento político.” TRISTE FIM, E NADA DE QUARESMA.

(*) “Freqüentou o curso Filosofia da História do Mundo, de Hegel, o mais influente pensador da época, com quem teria contato pessoal; instruiu-se da Antiguidade Clássica com o renomado filólogo Friedrich August Wolf, e assistiu às aulas do jovem lingüista Franz Bopp sobre a poesia indiana, tão em voga nessa época.”

(*) “No ano seguinte, recebeu finalmente o título de Doctor Juris, e tomou uma decisão da qual logo se arrependeria: tornar-se cristão no intuito de ampliar seu leque de opções profissionais. Foi batizado por um pastor evangélico em 28 de junho de 1825, recebendo o nome de Christian Johann Heinrich Heine, nome que jamais divulgou – nem sequer parcialmente – ou permitiu que publicassem, continuando a assinar somente <H. Heine>. O <bilhete de entrada na cultura européia>, como definiu a certidão de batismo, mostrou-se- inútil. Em carta a Moses Moser, desabafou:

<Agora sou odiado por cristãos e judeus. Muito me arrependo de ter me batizado; não vejo no que isso me beneficiou; pelo contrário, desde então só tenho azar – Mas cala-te, és demasiadamente esclarecido para não sorrires disso.>

(*) “Publicado em 1827, o Livro das Canções levaria, no entanto, alguns anos para atingir a enorme popularidade que faria Walter Benjamin considerá-lo um dos 3 últimos livros de poesia a ter impacto no Ocidente, ao lado do Ossian (1765), de MacPherson, e das Flores do Mal (1857), de Baudelaire. Um êxito ainda mais abrangente devido às melodias de Schubert, Schumann, Mendelsohn, Brahms, Grieg, Hugo Wolf, Silcher e tantos outros, que fizeram de Heine um capítulo à parte da história da música: estima-se em cerca de 10 mil as composições feitas a partir de seus poemas, extraídos principalmente da sua primeira e mais famosa coletânea; somente o <Du bist wie eine Blume> viria a ser musicado 451 vezes.” “A capital conservadora e católica Baviera não era o local mais adequado para um judeu com a pecha de jacobino e ateu. Ainda assim, Heine alimentava a esperança de ser nomeado professor extraordinário na Universidade de Munique, por intermédio de seu conterrâneo Eduard von Schenk, então ministro da Cultura, no governo do rei Ludwig I. Em Munique, ele receberia a visita de um jovem admirador, o desconhecido Robert Schumann, então com 18 anos, que mais tarde iria musicar 46 de seus poemas, destacando-se especialmente no ciclo Dichterliebe Op. 48, sobre 16 poemas do <Intermezzo Lírico>.”

(*) “Este, já informado de que não seria nomeado professor em Munique, e interpretando a afronta como parte da conspiração católico-conservadora que abortou sua carreira acadêmica, respondeu, em <Os Banhos de Lucca>, com uma desmontagem arrasadora da poesia e caráter de seu oponente, fazendo ainda alusões – o que ultrapassava em muito as raias do tolerável na época – à homossexualidade de Platen. O escândalo foi gigantesco!

<Depois de uma batalha eu sou a placidez em pessoa, como Napoleão, que sempre se comovia quando, depois da vitória, cavalgava pelo campo de batalha. O pobre Platen! C’est la guerre! Não valia nenhum torneio de zombarias, mas sim a guerra de destruição em massa [isso já existia?]; e apesar de toda a ponderação ainda não posso vislumbrar as conseqüências do meu livro.>

E estas não tardaram, desfavoráveis a ambos. O conde von Platen, coberto de vergonha, buscou refúgio na Itália, onde, em 1835, viria a falecer envenenado numa desastrada automedicação, após escapar a uma epidemia de cólera em Nápoles, onde havia se radicado, inspirando mais tarde o personagem Gustav von Aschenbach, da novela Morte em Veneza de Thomas Mann – escritor, aliás, que admirava os dois poetas. Heine, por sua vez, perdeu vários amigos na polêmica, vendo se fecharem as últimas portas que lhe restavam na Alemanha, o que apressaria a sua ida para a França.”

Em Paris, freqüentou a casa do poderoso barão James de Rothschild, banqueiro que estabilizou as finanças do governo de Luís Filipe, e inspirou a célebre frase de Heine: <Pois o Dinheiro é o Deus do nosso tempo e Rothschild é seu profeta>.”

(*) “No meio musical, conviveu, entre outros, com Rossini, Franz Liszt, Giacomo Meyerbeer, Hector Berlioz e Frédéric Chopin – a quem chamou de <poeta do som>. Em Paris, daria acolhida ao jovem Richard Wagner, que se inspirou em obras suas para escrever o argumento de duas de suas óperas – O Navio Fantasma e Tannhäuser –, uma dívida que fez questão de omitir, quando já era o autor declarado do libelo O Judaísmo na Música, publicado anonimamente em 1850, onde afirmava, entre outras, que o judeu não é capaz, <quer por sua aparência externa, quer por sua linguagem, e muito menos por sua canção, de se comunicar artisticamente conosco>.”

Na arte eu sou supernaturalista. Creio que o artista não pode descobrir todos os seus tipos na natureza, mas que os mais notáveis lhe são revelados, por assim dizer, na alma, como simbólica inata de idéias inatas. Um esteta recente (Carl Friedrich von Rumohr), que escreveu Investigações Italianas, tentou fazer o velho princípio da Imitação da Natureza de novo plausível, ao afirmar: o artista plástico deveria encontrar seus tipos na natureza. Esse esteta, ao erigir uma tal premissa maior para as artes plásticas, não pensou em uma das mais primordiais, ou seja, a arquitetura, cujos tipos imaginamos retroativamente nas ramagens da floresta e nas grutas do penhasco, mas que decerto não encontramos lá primeiramente. Não achavam-se na natureza exterior, mas na alma humana.”

André Breton, Manifesto Surrealista

(*) “Não era o único a escrever sobre os acontecimentos políticos e sociais da França para o público alemão. A dura repressão que se seguiu às revoluções malogradas nos territórios da Confederação Germânica, Itália e Polônia, principalmente, levou milhares de refugiados políticos a Paris, contribuindo para o incremento populacional da cidade, que logo atingiria a cifra de 900 mil habitantes. A porcentagem de alemães não era inexpressiva: calcula-se que pelo menos 60 mil vivessem na metrópole francesa, muitos dos quais conspirando por uma revolução republicana em seu país de origem.”

(*) “Heine jamais revidou publicamente as agressões, o que só fez aumentar o rancor de seu adversário. Após a morte de Börne, em 1837, o poeta dedicou um livro inteiro para um balanço final, onde esmiuçou, com a irreverência costumeira, os pontos de vista, fazendo uma defesa enfática da autonomia da arte, e onde lançou a sua famosa distinção dos homens em <helenos> e <nazarenos>, que seria mais tarde aproveitada por Friedrich Nietzsche.”

(*) “O acerto de contas com Strauss, ocorrido em Paris, no dia 7 de setembro de 1841, não teria, porém, sérias conseqüências para Heine: saiu-se com um tiro de raspão na coxa e casado na igreja católica de Saint-Sulpice com Augustine Crescence Mirat, a bela jovem grisette [jovem sedutora de classe baixa] que ele havia conhecido na Passage de Panoramas, em 1834. Vivia com ela, desde então, num relacionamento ardente e conturbado que ele resolveu oficializar, uma semana antes do duelo, para assegurá-la financeiramente, na eventualidade de sua morte.” “Crescence era uma mulher simplória, temperamental, gastadeira e sem a menor vocação doméstica – um <Vesúvio [desastre] do lar>, segundo Heine. O poeta, que não suportava seu nome verdadeiro, a chamava de Mathilde, para os alemães, e Juliette, para os franceses. Ela não desconfiava da ascendência judaica do companheiro e nem tinha noção exata de sua fama literária, o que era motivo de riso por parte dos amigos de Heine, mas muito o enternecia: <Ela me ama da forma mais pessoal, e a crítica não tem nada a ver com isso!>. Seu inseparável bichinho de estimação, o papagaio Cocotte, era alvo constante do ciúme e irritação de Heine, que, sofrendo de hipersensibilidade auditiva, chegou a atentar contra a vida do pássaro, para em seguida lhe comprar outro. Mathilde sobreviveria ao marido em 27 anos, vindo a falecer, sem nunca ter casado novamente, em 1883, no dia da morte do marido, e rodeada por 60 papagaios.”

Sobre Madame de Staël, De l’Allemagne (1813): “Esse livro sempre me causou impressão um tanto cômica quanto irritante. Aí vejo uma mulher apaixonada com toda a sua turbulência, vejo como esse furacão de saias assola nossa tranqüila Alemanha, como em todo lugar exclama encantada: que silêncio refrescante me envolve aqui! Ela estava queimando na França e veio à Alemanha para se refrescar entre nós. O hálito casto de nossos poetas fez-lhe tão bem nos seios ardentes e ensolarados! Observou nossos filósofos como se fossem diferentes sabores de sorvete, e lambeu Kant como um sorvete de baunilha, Fichte como um de pistache, Schelling como um de arlequim! […] A boa dama viu em nós apenas o que queria ver: uma enevoada terra de espíritos, onde homens incorpóreos, pura virtude, vagueiam por campos nevados, divagando sobre ética e metafísica!”

(*) “No ano seguinte, publicaria na mesma revista, <Da Alemanha desde Lutero>, oferecendo um panorama do pensamento alemão até Hegel, no que é, provavelmente, a mais saborosa e instigante obra de vulgarização filosófica já escrita.” “O momento era mais do que oportuno para um balanço geral: Goethe, o Júpiter das Letras alemãs, havia morrido em março de 1832, pedindo <mais luz!>; e <o grande Hegel, o maior filósofo que a Alemanha produziu desde Leibniz>, 3 meses antes, numa epidemia de cólera, suspirando desconsolado – <só um homem me entendeu, e mesmo ele, não>.

Heine, que havia previsto com alguns anos de antecedência o fim de um período das artes, reafirmou sua posição, partindo para um violento ataque contra a Escola Romântica de seu antigo mestre August von Schlegel. Ele, que havia se arrependido do batismo em 1825, declarava-se então – tal como o faria mais tarde o judeu Ossip Mandelstam – programaticamente <protestante>, frisando que a Revolução era <a grande filha da Reforma>. Numa época em que o gosto por temas medievais havia tornado chic a conversão ao catolicismo, e até impulsionava tentativas de se reverter a secularização do Estado francês, Heine apontava as diferenças fundamentais por trás da atitude romântica em cada um dos lados do Reno:

<A maioria olhou para os túmulos do passado tão-só no intuito de escolher uma fantasia interessante para o carnaval. A moda do gótico, na França, não passou justamente de uma moda, servindo apenas para aumentar o gozo do presente. Deixava-se ondular os cabelos medievalmente compridos, e na mais furtiva observação do barbeiro de que não combinavam com a roupa, mandava-se cortá-los curtos, com todas as idéias medievais que lhe estavam atreladas. Ah! na Alemanha é diferente. Talvez porque lá a Idade Média não está, como entre vós, totalmente morta e apodrecida. A Idade Média alemã não jaz assassinada na cova, mas é reavivada de vez em quando por um fantasma perverso, e adentra em nosso meio à luz do dia, e suga a vida vermelha de nosso peito… Ah! não vedes como a Alemanha é tão pálida e triste? Especialmente a juventude alemã, que até [há] pouco tempo vibrava de entusiasmo? (…) o povo alemão é ele próprio aquele erudito doutor Fausto, é ele próprio aquele espiritualista que através do espírito compreendeu a insuficiência do espírito e clama por prazeres materiais e devolve à carne os seus direitos (…) Por pouco não me dirijo a ele [Goethe] em grego; mas quando percebi que ele compreendia o alemão, contei-lhe – em alemão – que as ameixas no caminho entre Iena e Weimar eram muito saborosas. Logo eu que durante tantas noites de inverno havia remoído o que dizer de sublime e profundo a Goethe quando o visse. E quando finalmente o vi, disse-lhe que as ameixas da Saxônia eram muito saborosas. E Goethe sorriu. Sorriu com os mesmos lábios com os quais beijara outrora Leda, Europa, Dânae, Semele e tantas outras princesas ou ninfas comuns – Les dieux s’en vont. Goethe está morto. (…) o brilho rosa na poesia de Novalis não é a cor da saúde mas da tísica (…) a incandescência púrpura nas ‘peças fantásticas’ de Hoffmann não é a chama do gênio mas da febre (…) a poesia não seria talvez uma doença dos homens, como a pérola, que no fundo não passa da matéria mórbida da qual a pobre ostra padece?>

Nós medimos a terra, pesamos as forças da natureza, calculamos os meios da indústria, e eis que descobrimos que este mundo é grande o bastante; que ele oferece a todos espaço suficiente para cada um construir a cabana de sua felicidade; que este mundo pode alimentar a todos nós adequadamente, se todos trabalharmos, e uns não quiserem viver às custas dos outros; e que não precisamos encaminhar as classes mais populares e pobres para o Céu.”

Que os saint-simonistas se retirem talvez seja muito útil à doutrina. Ela cairá em mãos mais sábias. Especialmente a parte política, a teoria da propriedade, que haverá de ser melhor (sic) elaborada. No que me toca, eu só me interesso mesmo pelas idéias religiosas, que só precisam ser pronunciadas para mais cedo ou mais tarde entrarem na vida.”

<Grandes filósofos alemães, que por acaso lancem o olhar sobre estas folhas, irão dar de ombros elegantemente acerca da forma miserável de tudo o que dou a público aqui. Mas queiram eles levar em conta que o pouco que digo é completamente claro e inteligível, enquanto as suas obras, ainda que tão fundamentadas, incomensuravelmente fundamentadas, tão profundas, estupendamente profundas, são incompreensíveis. Do que vale ao povo o celeiro para o qual não tem a chave? O povo está faminto de saber, e agradece o pedacinho de pão do espírito que partilho com ele honestamente.>

A dissertação trouxe algumas das passagens mais brilhantes do humor heineano, sem ofuscar, todavia, o embasamento teórico e a pertinência de seus argumentos acerca da igreja católica, Reforma, Lutero, Descartes, Locke, Leibniz, Spinoza, Molière, Voltaire, Lessing, Kant, Goethe, Fichte, Schelling e Hegel; idéias que são ainda capazes não só de instruir e entreter o leitor contemporâneo como também de surprendê-lo (sic) através de sua agudeza e originalidade, fazendo-o lamentar que o autor não tenha vivido para discorrer sobre Nietzsche, Heidegger, Wittgenstein, Adorno e Walter Benjamin:

<Lutero não compreendeu que a idéia do cristianismo, a negação da sensualidade, era por demais contrária à natureza humana para ser totalmente realizável na vida; não compreendeu que o catolicismo era, por assim dizer, uma concordata entre Deus e o Diabo, ou seja, entre espírito e matéria, através da qual a monarquia absoluta do espírito era proclamada em teoria, mas a matéria colocada em posição de exercer na prática todos os seus direitos anulados.>

Lutero criou a língua alemã. Isso aconteceu quando traduziu a Bíblia.”

Purusha irá de novo se casar com Prakriti. Foi através de sua violenta separação, tão engenhosamente narrada no mito indiano, que surgiu o grande dilaceramento do mundo, o mal.”

Não lutamos pelos direitos humanos do povo, mas pelos direitos divinos do homem. Nisso, e ainda em algumas outras coisas, nos distinguimos dos homens da Revolução. (…) Reivindicais trajes simples, costumes abnegados e prazeres sem tempero; nós, pelo contrário, reivindicamos néctar e ambrosia, mantos púrpuras (sic), perfumes caros, volúpia e esplendor, dança sorridente de ninfas, música e comédias.”

No momento em que uma religião requer ajuda da filosofia, seu declínio é inevitável. Ela busca defender-se e vai tagarelando cada vez mais fundo na ruína. A religião, como todo absolutismo, não deve se justificar. Prometeu é acorrentado no rochedo por uma violência calada.”

Ainda que Immanuel Kant, esse grande destruidor no reino dos pensamentos, tenha superado em muito a Maximilian Robespierre no terrorismo, ele compartilha algumas semelhanças com este, o que nos obriga a uma comparação dos dois homens. Primeiro, encontramos em ambos aquela honestidade inclemente, cortante, sóbria e sem poesia. (…) No mais alto grau, porém, mostra-se em ambos o tipo pequeno-burguês – a natureza os destinara a pesar café e açúcar, mas o destino quis que pesassem outras coisas, e colocou, na balança de um, um rei, e, na do outro, um Deus… E eles deram o peso correto!”

Devido à secura de suas abstrações, a filosofia kantiana foi muito prejudicial às belas-artes e letras. Por sorte, ela não se intrometeu na gastronomia.”

É uma circunstância característica, que a filosofia de Fichte tenha sofrido sempre com a sátira. Vi certa vez uma caricatura que representava um ganso fichteano. Ele tinha um fígado tão grande que já não sabia mais se ele era ganso ou fígado. Na barriga estava escrito: Eu = Eu.”

A filosofia alemã é um assunto importante e que diz respeito a toda a humanidade, e só as gerações futuras poderão decidir se haveremos de ser criticados ou louvados por termos elaborado nossa filosofia primeiro do que nossa Revolução. Parece-me que um povo metódico como o nosso precisava começar pela Reforma, e só a partir daí ocupar-se com a filosofia; e somente depois da consumação desta última, passar para a Revolução política. [grande falha!] Acho a ordem bastante razoável. As cabeças, que a filosofia usou para raciocinar, a Revolução poderá depois decepar para o que bem entender. Mas a filosofia jamais poderia ter, se a Revolução tivesse precedido, usado as cabeças que esta decepou.”

O pensamento vai à frente da ação, como o raio do trovão. O trovão alemão é sem dúvida alemão e não muito ágil, e vem se formando devagar; mas ele virá, e quando vós o escutardes troar, como nunca antes troou na história do mundo, sabereis então que ele finalmente atingiu o seu alvo. […] Um drama há de ser encenado na Alemanha que fará a Revolução Francesa parecer um idílio inofensivo.”

<Eu recomendo-lhe essa obra porque contém a quintessência das intenções e esperanças da bagagem com a qual nos ocupamos. Ao mesmo tempo, o produto heineano é uma obra-prima em relação ao estilo e descrição. Heine é a grande cabeça entre os conspiradores.>

Clemens von Metternich

(…) As medidas, contudo, não deixariam de afetar financeiramente o poeta, que, vivendo com uma coquete nada parcimoniosa, e com problemas de saúde cada vez mais constantes, se viu forçado a recorrer à ajuda <familionária> do tio, para usarmos aqui uma de suas palavras-valise; aquela que Fraud dissecou em O chiste e sua relação com o inconsciente. Graças à intercessão de seu irmão Maximilian e do compositor Giacomo Meyerbeer, passou a receber uma pensão de Salomon Heine em 1839.”

Tranqüilizai-vos, jamais entregarei o Reino aos franceses, pelo simples motivo de que o Reno me pertence.”

(*) “Em maio de 1842, a cidade de Hamburgo foi devastada durante 4 dias por um terrível incêndio que destruiu 1/3 do centro antigo, cerca de 1200 prédios, deixando mais de 20 mil pessoas desabrigadas. A catástrofe consumiu todos os documentos relativos à infância e adolescência de Heine (…) A viagem transcorreu sem incidentes, apesar das seqüelas que a doença já lhe trouxera: estava cego de um olho e com dificuldades para andar.”

(*) “O poeta não errou em seu prognóstico: o épico-satírico Alemanha. Um Conto de Inverno é hoje considerado o ápice da poesia política alemã da primeira metade do séc. XIX.”

De tudo, em pessoas, que aqui eu deixo, a herança heineana é a que mais me aflige. Como gostaria de colocá-lo em minha bagagem.”

Marx

(*) “Atribulações bem maiores vieram com a morte de Salomon Heine, naquele mesmo ano: o patriarca partiu sem mencionar em testamento a pensão do sobrinho. As discussões de Heine com o primo Carl Heine azedaram-se depressa, devido às condições inaceitáveis que este impôs para prosseguir no pagamento. O compositor Meyerbeer foi mais uma vez chamado a interceder, e até o jovem advogado Ferdinand Lassalle, futuro fundador da Social-Democracia alemã, atuaria nessa controvérsia familiar que durou até o início de 1847, contribuindo bastante para piorar o já debilitado estado de saúde do poeta.

Muito se tem discutido sobre a natureza da enfermidade que começou a atormentá-lo desde a juventude. O diagnóstico da época, e que o poeta transformaria num expressivo topos poético em sua obra tardia, apontou inequìvocamente para a sífilis. Especialistas posteriores aventaram, sem que nunca se descartasse a doença venérea, outras hipóteses, como tuberculose com subseqüente meningoencefalite, esclerose múltipla, polioencefalite crônica, porfiria aguda intermitente, e até envenenamento por chumbo.” Curioso paralelo com o prontuário de Nie.

O grande Aristófanes do universo, o Aristófanes do Céu, quis demonstrar com toda clareza ao pequeno terráqueo chamado de Aristófanes alemão, como os mais divertidos sarcasmos deste não passam de gracejos sofríveis em comparação com os seus, e o quão deploràvelmente atrás devo ficar, no humor, na zombaria colossal.”

O Deus dileto, que me tortura tão cruel[mente], hei de denunciar à Sociedade Protetora dos Animais.”

(*) “Prostrado numa pilha de colchões, forçado a levantar com o dedo a pálpebra do único olho que lhe restara, recebendo doses cada vez mais fortes de morfina para suportar as dores, continuou a trabalhar incansàvelmente, com o auxílio de secretários, revisando traduções de suas obras, escrevendo cartas, recebendo visitas do mundo inteiro, e, principalmente, compondo os poemas que integrariam sua terceira e mais densa coletânea de poesia – Romanzero –, publicada em 1851. Dividida em 3 livros – <Histórias>, <Lamentações> e <Melodias Hebraicas> –, a obra reunia poemas predominantemente longos, onde a temática judaica se sobressaía ao lado de uma variedade impressionante de cenários, períodos e personagens históricos – o Egito antigo, a Pérsia clássica, a Índia dos marajás, a Paris das grisettes, Hernan Cortez, Montezuma, a Alemanha medieval, Ricardo Coração de Leão, a Espanha da Reconquista, os poetas Firdusi e Jaufre Rudels, exilados poloneses etc.”

(*) “As notícias de que o poeta estaria à beira da morte e as especulações em torno de sua <conversão> ajudaram a alavancar a vendagem do livro, que em apenas 2 meses esgotou 4 edições.”

Não estou cego, infelizmente, como os pais costumam estar para com seus amados pimpolhos. Conheço muito bem os seus defeitos. Meus novos poemas não têm a perfeição artística, nem a intelectualidade interior, nem a força ondulante de meus poemas antigos, mas as matérias são mais atrativas, mais coloridas, e talvez o tratamento também os faça mais acessíveis às multidões, o que poderá proporcionar-lhes sucesso e popularidade duradoura.”

(*) “Em seu último ano de vida, Heine ainda arranjou tempo e <espírito> para uma paixão platônica por uma jovem de 20 anos, envolta numa névoa de mistificações e pseudônimos, que intrigariam os pesquisadores por muito tempo.

Camille Selden, aliás Elise Krinitz, aliás Johanna Christiana Müller, teria se apresentado com o nome de Margareth, em 19 de junho de 1855, para entregar uma encomenda do compositor vienense Johann von Püttlingen, ou, conforme outra versão mais prosaica, atendendo a um anúncio de jornal para leitora e secretária. Ficou imortalizada na literatura com o carinhoso apelido que Heine lhe deu – Mouche (mosca). Mathilde parece ter tolerado o capricho irrealizável de seu esposo moribundo, continuando a merecer todas as suas juras de amor e preocupações.

Mas foi a Mouche que Heine dedicou seu derradeiro poema: um feérico e exuberante retrospecto de sua vida, que talvez leve um leitor de Machado de Assis a suspeitar se o poema não teria inspirado a cena inicial de Memórias Póstumas de Brás Cubas.”

(*) “Nos Estados Unidos – somente lá –, circula a informação bem-intencionada de que o nome original do poeta seria Chaim ben Shimshon. Não há qualquer evidência histórica que a comprove nem indício qualquer de sua plausibilidade.

Já os nazistas, não podendo dispensar <A Lorelei> de um poeta judeu-alemão, propagaram falsamente que o seu verdadeiro nome seria Chaim Bückerburg. (…) O sobrenome <Heine> não passaria de uma transliteração para o alemão da palavra hebraica chajim = vida.

Harry, Heinrich e Henri, por sua vez, são variações de um mesmo nome germânico – Heimrich – que significa: Senhor do Lar.

Se tivesse nascido num país de língua portuguesa, Heine poderia muito bem ter se chamado Henrique Vidal (ou Vital).”

(*) “Em suas Memórias inacabadas, o poeta ironizou o fato de os franceses nunca terem conseguido pronunciar seu nome corretamente. O <Heinrich> (leia-se <RÁIN-[rrr]rirrr>) foi imediatamente substituído por <Henri> (<an-RÍ>); mas o sobrenome <Heine> (<RÁI-nê>), continuaria um problema que nem mesmo um acento na primeira sílaba, adotado nos cartões de visita, pôde resolver: <Para a maioria meu nome é M. Enri Enn, que muitos aglutinam num Enrienne; alguns me chamavam Monsieur Un rien>.

Sr. Um nada.”

Passiflora incarnata.

GLOSSÁRIO:

(PT) bornal: saco com suprimentos; cu; puta.

duft: fragrância

erzürnen: enfurecer

falten: dobrar

gähnen: bocejar

Haifisch: tubarão

Heer: exército, tropa

Himmelszelt: firmamento, abóbada celeste

hopsen: saltitar

Kiefer: presas

klapperdürre: só pele-e-osso, acabado

klirren: batida surda do ferro

Leichengeruch: odor cadavérico

lindern: aliviar

schlucken: tentar engolir

seufzend: aos suspiros, lamurioso

Stahlzeug: material feito de aço

Sterblichkeit: mortalidade

stramm: firme, justo, tenso

Sünder: pecador, desgraçado = SINNER

Ungetüm: monstro

verderben: corromper

verschlungen: complicado

PAIDEIA: A formação do homem grego (tradução do original PAIDEIA: Die Formung des griechischen Menschen)

Tradução de ARTUR M. PARREIRA

Adaptação para a edição brasileira de MONICA STAHEL

Revisão de GILSON CÉSAR CARDOSO DE SOUZA

5. ed., SP: WMF Martins Fontes, 2010.

Alguns livros são muito longos para ler em vida. Por isso, eu reduzi o conteúdo de 1413 páginas para 329, para que você pudesse ler também! A perda em conteúdo foi a mínima possível, assim espero. Com comentários meus e ilustrações de fora do livro.


ÍNDICE REMISSIVO [CONTROL+F]

I. LUGAR DOS GREGOS NA HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO

LIVRO PRIMEIRO: A PRIMEIRA GRÉCIA

1.1 NOBREZA E ARETE

1.2 CULTURA E EDUCAÇÃO DA NOBREZA HOMÉRICA

1.3 HOMERO COMO EDUCADOR

1.4 HESÍODO E A VIDA DO CAMPO

1.5 O ESTADO JURÍDICO E O SEU IDEAL DE CIDADÃO

1.6 A AUTOFORMAÇÃO DO INDIVÍDUO NA POESIA JÔNICO-EÓLICA

1.7 SÓLON COMEÇO DA FORMAÇÃO POLÍTICA DE ATENAS

1.8 O PENSAMENTO FILOSÓFICO E A DESCOBERTA DO COSMOS

1.9 LUTA E TRANSFORMAÇÃO DA NOBREZA

1.10 A POLÍTICA CULTURAL DOS TIRANOS

LIVRO SEGUNDO: APOGEU E CRISE DO ESPÍRITO ÁTICO

2.1 O DRAMA DE ÉSQUILO

2.2 O HOMEM TRÁGICO DE SÓFOCLES

2.3 OS SOFISTAS

2.4 EURÍPIDES E O SEU TEMPO

2.5 A COMÉDIA DE ARISTÓFANES

2.6 TUCÍDIDES COMO PENSADOR POLÍTICO

LIVRO TERCEIRO: À PROCURA DO CENTRO DIVINO

3.1 PRÓLOGO

3.2 SÉCULO IV

3.3 SÓCRATES

3.4 A IMAGEM DE PLATÃO NA HISTÓRIA

3.5 DIÁLOGOS SOCRÁTICOS MENORES DE PLATÃO

3.6 O PROTÁGORAS

3.7 O GÓRGIAS

3.8 O MÊNON

3.9 O BANQUETE

3.10 A REPÚBLICA – I

3.11 A REPÚBLICA – II

3.12 A REPÚBLICA – III

LIVRO QUARTO: O CONFLITO DOS IDEAIS DE CULTURA NO SÉCULO IV

4.1 A MEDICINA COMO PAIDEIA

4.2 A RETÓRICA DE ISÓCRATES E O SEU IDEAL DE CULTURA

4.3 EDUCAÇÃO POLÍTICA E IDEAL PAN-HELÊNICO

4.4 A EDUCAÇÃO DO PRÍNCIPE

4.5 AUTORIDADE E LIBERDADE NA DEMOCRACIA RADICAL

4.6 ISÓCRATES DEFENDE A SUA PAIDEIA

4.7 XENOFONTE: O CAVALEIRO E O SOLDADO IDEAIS

4.8 O FEDRO DE PLATÃO: FILOSOFIA E RETÓRICA

4.9 PLATÃO E DIONÍSIO: A TRAGÉDIA DA PAIDEIA

4.10 AS LEIS

EPÍLOGO – TRANSIÇÃO

E.1 DEMÓSTENES: AGONIA E TRANSFORMAÇÃO DA CIDADE-ESTADO


I. LUGAR DOS GREGOS NA HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO

Sem dúvida, a estabilidade não é indício de saúde, porque reina também nos estados de rigidez senil, nos momentos finais de uma cultura: assim sucede na China confucionista pré-revolucionária

Por mais elevadas que julguemos as realizações artísticas, religiosas e políticas dos povos anteriores, a história daquilo a que podemos com plena consciência chamar cultura só começa com os gregos.”

este retorno à Grécia, esta espontânea renovação da sua influência, não significa que lhe tenhamos conferido, pela sua grandeza espiritual, uma autoridade imutável, fixa e independente do nosso destino. O fundamento do nosso regresso reside nas nossas próprias necessidades vitais, por mais variadas que elas sejam através da História.”

O conhecimento do fenômeno original pressupõe uma estrutura espiritual análoga à dos gregos, atitude semelhante à que Goethe adota na consideração da natureza” “Precisamente num momento histórico em que (…) o complicado mecanismo da cultura se tornou hostil às virtudes heróicas do Homem, é preciso, por profunda necessidade histórica, voltar os olhos para as fontes de onde brota o impulso criador do nosso povo.”

Quanto maior é o perigo de até o mais elevado bem se degradar no uso diário, com tanto mais vigor sobressai o profundo valor das forças conscientes do espírito que se destacaram na obscuridade do coração humano e estruturaram, no frescor matinal e com o gênio criador dos povos jovens, as mais altas formas de cultura.”

Em contraste com a exaltação oriental dos homens-deuses, solitários, acima de toda a medida natural; (…) em contraste com a opressão das massas, sem a qual não seria concebível a exaltação dos soberanos (…) o início da história grega surge como princípio de uma valoração nova do Homem” Em busca do Santo Graal que não reluz como ouro – mas é-o –, o Re-Renascimento.

Do ponto de vista oriental, é impossível compreender como os artistas gregos conseguiram representar o corpo humano, livre e descontraído, fundados, não na imitação de movimentos e atitudes individuais escolhidas ao acaso, mas sim na intuição das leis que governam a estrutura, o equilíbrio e o movimento do corpo. (…) Os gregos tiveram o senso inato do que significa <natureza>.” Kant acerta aqui (livro 3): não se captou um modelo, mas abstraiu-se como ele seria, em existindo. Uma essência traduzida no fenomênico das pinceladas e/ou cinzeladas.

A mais alta obra de arte a que seu anelo se propôs foi a criação do Homem vivo. Os gregos viram pela 1ª vez que a educação tem de ser também um processo de construção consciente.” “A palavra alemã Bildung (formação, configuração) é a que designa do modo mais intuitivo a essência da educação no sentido grego e platônico.”

entre os povos, o grego é o antropoplástico.”

Acima do Homem como ser gregário ou como suposto eu autônomo, ergue-se o Homem como idéia.” Nada de ciência política clássica, nada de liberalismo.

O humanismo e o classicismo de outros tempos ignoraram este fato, ao falarem da <humanidade>, da <cultura>, do <espírito> dos gregos ou dos antigos, como expressão de uma humanidade intemporal e absoluta. O povo grego transmitiu, sem dúvida, à posteridade, de forma imorredoura, um tesouro de conhecimentos imperecíveis. Mas seria um erro fatal ver na ânsia de forma dos gregos uma norma rígida e definitiva. A geometria euclidiana e a lógica aristotélica são, sem dúvida, fundamentos permanentes do espírito humano, válidos ainda em nossos dias, e dos quais não é possível prescindir. [quem sabe] Mas até essas formas universalmente válidas (…) são (…) inteiramente gregas e não excluem a coexistência de outras formas de intuição e de pensamento lógico e matemático.”

Nesse tempo em que a história grega desembocou no Império Romano e deixou de constituir uma nação independente, o único e mais elevado ideal da sua vida foi a veneração das suas antigas tradições. Desse modo foram eles os criadores daquela teologia classicista do espírito que é característica do humanismo. A sua estética vita contemplativa é a forma originária do humanismo e da vida erudita dos tempos modernos.”

Também o neo-humanismo alemão do tempo de Goethe considerou o grego como manifestação da verdadeira natureza humana num período da História definido e único, o que é uma atitude mais próxima do racionalismo da <Época das Luzes>” “Quando, atualmente, com o perigo inverso de um historicismo sem limite nem fim, nesta noite em que todos os gatos são pardos, voltamos aos valores permanentes da Antiguidade, não podemos considerá-los de novo como ídolos intemporais.”

no melhor período da Grécia era tão inconcebível um espírito alheio ao Estado como um Estado alheio ao espírito.” “…desde a idade heróica de Homero até o Estado autoritário de Platão, dominado pelos filósofos, e no qual o indivíduo e a comunidade social travam a sua última batalha no terreno da filosofia.”

A trindade grega do poeta, do Homem de Estado e do sábio encarna a mais alta direção da nação.”

Assim se eleva a <literatura> grega clássica acima da esfera do puramente estético, onde a quiseram em vão encerrar, e exerce um influxo incomensurável através dos séculos.”

Não é possível compreender o ideal agônico, revelado nos cantos pindáricos aos vencedores, sem conhecer as estátuas que nos mostram os vencedores olímpicos na sua encarnação corporal, ou as dos deuses, como encarnação das idéias gregas sobre a dignidade da alma e do corpo humano.”

Sem dúvida, os verdadeiros representantes da paideia grega não são os artistas mudos – escultores, pintores, arquitetos –, mas os poetas e músicos, os filósofos, os retóricos e os oradores, quer dizer, os homens de Estado. No pensamento grego, o legislador encontra-se, em certo aspecto, muito mais próximo do poeta que o artista plástico (…) os gregos nunca falam da ação educadora da contemplação e da intuição das obras de arte, no sentido de Winckelmann.”

a história da educação grega coincide substancialmente com a da literatura.”

Será colocado de forma nova um problema velho: o fato de o processo educativo ter sido vinculado desde sempre ao estudo da Antiguidade.” “O nascimento da moderna história da Antiguidade, considerada como disciplina científica, trouxe consigo uma mudança fundamental da nossa atitude para com ela.” “Mas, ao lado desta história enciclopédica e objetiva da Antiguidade, menos livre de valorações do que imaginam os seus mais eminentes promotores, permanece o perene influxo da <cultura clássica>

Pois bem: quando a nossa cultura toda, abalada por uma experiência histórica monstruosa,¹ se vê forçada a um novo exame dos seus próprios fundamentos, propõe-se outra vez à investigação da Antiguidade o problema, último e decisivo para o nosso próprio destino, da forma e do valor da educação clássica.”

¹ Monstro: parte da nossa essência de que não lembrávamos mais.

#TítulodeLivro

O MONSTRO & O FILÓSOFO

Usar a História para compreender a Metafísica. Nunca ao contrário.

LIVRO PRIMEIRO: A PRIMEIRA GRÉCIA

1.1 Nobreza e arete

educação e formação tem raízes diversas (…) Já Platão comparou a formação ao adestramento de cães de raça. (…) O kalos kagathos grego dos tempos clássicos revela esta origem tão claramente como o gentleman inglês.”

Mesmo onde a diferença de formação conduz à constituição de castas rígidas, o princípio da herança que nelas domina é corrigido e compensado pela ascensão de novas forças procedentes do povo. (…) Uma vez que a mais antiga tradição escrita nos mostra uma cultura aristocrática que se eleva acima do povo, importa que a investigação histórica a tenha como ponto de partida. Toda a formação posterior, por mais elevada que seja, e ainda que mude de conteúdo, conserva bem clara a marca da sua origem. A formação não é outra coisa senão a forma aristocrática, cada vez mais espiritualizada, de uma nação.”

não se pode utilizar a história da palavra paideia como fio condutor para estudar a origem da formação grega, porque esta palavra só aparece no séc. V. O mais antigo traço é Ésquilo, Sete contra Tebas, 18. (…) no início do séc. V a palavra tinha o simples significado de <criação dos meninos>, em nada semelhante ao sentido elevado que adquiriu mais tarde (…) O tema essencial da história da formação grega é antes o conceito de arete, que remonta aos tempos mais antigos. Não temos na língua portuguesa um equivalente para este termo; mas a palavra <virtude>, na sua acepção não-atenuada pelo uso puramente moral,¹ e como expressão do mais alto ideal cavaleiresco unido a uma conduta cortês e distinta e ao heroísmo guerreiro, talvez pudesse exprimir o sentido da palavra grega.” Discordo: hoje é impossível transmitir essa equivalência através desta palavra. Mas a discordância se dirige só ao tradutor, evidentemente. O mais próximo seria “nobreza de caráter”.

¹ A besta-loira é um animal deficiente.

O testemunho mais remoto da antiga cultura aristocrática helênica é Homero”

Tanto em Homero quanto nos séculos posteriores, o conceito de arete é freqüentemente usado no seu sentido mais amplo, isto é, não só para designar a excelência humana, como também a superioridade de seres não-humanos: a força dos deuses ou a coragem e rapidez dos cavalos de raça.(*)

(*) Para a arete do cavalo: [vide além (capítulo sobre Xenofonte] e também em Platão, Rep., 335 B, onde se fala da arete dos cães e dos cavalos. Em 353 B, fala-se da arete dos olhos; arete dos deuses: I, 498.”

Vigor e saúde são a arete do corpo; sagacidade e penetração, a arete do espírito. (…) É verdade que arete tem com freqüência o sentido de aceitação social, significando então <respeito>, <prestígio>. Mas isto é secundário, e deve-se à grande influência social de todas as valorações do homem nos primeiros tempos. (…) uma força que (…) constituía a perfeição [do indivíduo].”

Só uma vez, nos livros finais, Homero entende por arete as qualidades morais ou espirituais. Em geral (…) heroísmo, considerado não no nosso sentido de ação mortal e separada da força, mas sim intimamente ligado a ela.” Os hindus que se jogam debaixo das rodas das charretes nas cerimônias religiosas não teriam, portanto, arete.

morreu como um herói esforçado”: contraponto do patético “morreu como uma pomba” da lavra cristã.

O nome de aristoi convém a um grupo numeroso; mas, no seio deste grupo, que se ergue acima da massa, há luta pelo prêmio da arete. (…) A palavra aristeia, empregada mais tarde para os combates singulares dos grandes heróis épicos, corresponde plenamente àquela concepção.”

De certo modo pode-se dizer que a arete heróica só se aperfeiçoa com a morte física do herói. Ela reside no homem mortal, ou melhor, ela é o próprio homem mortal; mas perpetua-se, mesmo depois da morte, na sua fama, i.e., na imagem da sua arete, tal como o acompanhou e dirigiu na vida. (…) Os deuses de Homero são, por assim dizer, uma sociedade imortal de nobres (…) Ser piedoso quer dizer <honrar a divindade>.”

O amor da pátria, que hoje resolveria a dificuldade, era alheio aos antigos nobres. Agamemnon só consegue apelar para o seu poder soberano através de um ato despótico, pois tal poder nem sequer é admitido pelo sentimento aristocrático, que o reconhece apenas como primus inter pares. No sentimento de Aquiles perante a negação da honra que por suas façanhas lhe é devida, imiscui-se também esta sensação da opressão despótica. (…) As armas de Aquiles, caído em combate, são concedidas a Ulisses, não obstante os superiores merecimentos de Ájax; e a tragédia deste acaba na loucura e no suicídio.”

A filosofia sublima e universaliza os conceitos que capta na sua limitação originária, mas com isso se confirma e se define a sua verdade permanente e indestrutível idealidade.”

Aspirar à <beleza> (que para os gregos significa ao mesmo tempo nobreza e eleição) e fazê-la sua é não perder nenhuma ocasião de conquistar o prêmio da mais alta arete.”

Quem estima a si próprio deve ser infatigável na defesa dos amigos, sacrificar-se pela pátria, abandonar prontamente dinheiro, bens e honrarias para <fazer sua a beleza>. Esta frase curiosa repete-se com insistência, o que mostra até que ponto a mais sublime entrega a um ideal é para Aristóteles prova de um elevado amor-próprio. Quem está impregnado de auto-estima deseja antes viver um breve período no mais alto gozo a passar uma longa existência em indolente repouso; prefere viver só um ano por um fim nobre, a uma vasta vida por nada; escolhe antes executar uma única ação grande e magnífica a fazer uma série de pequenas insignificâncias.

Nestas palavras revela-se o que há de mais peculiar e original no sentimento de vida dos gregos, aquilo por que nos sentimos essencialmente unidos a eles: o heroísmo.”

Entre os dois grandes filósofos e os poemas de Homero, estende-se a cadeia ininterrupta de testemunhos da persistência da idéia de arete, própria dos primeiros tempos da Grécia.”

1.2 Cultura e educação da nobreza homérica

Atualmente não é possível considerar a Ilíada e a Odisséia – fontes da primitiva história da Grécia – como uma unidade, quer dizer, como obra de um só poeta, embora na prática continuemos a falar de Homero como a princípio fizeram os antigos, agrupando sob este nome diversos poemas épicos. O fato de a Grécia clássica, desprovida de senso histórico, ter separado daquela massa os dois poemas, considerando-os superiores de um ponto de vista puramente artístico e declarando os outros indignos de Homero, não afeta o nosso juízo científico nem pode ser considerado como tradição no sentido próprio da palavra. Do ponto de vista histórico, a Ilíada é um poema muito mais antigo. A Odisséia reflete um estágio muito posterior da história da cultura. Com esta verificação, ganha a maior importância o problema da determinação do século a que uma e outra pertencem. A fonte principal para chegar à solução deste problema são os próprios poemas. Apesar de toda a perspicácia consagrada a este assunto, reina quanto a ele a maior insegurança. As escavações dos últimos 50 anos enriqueceram, sem dúvida de modo fundamental, o nosso conhecimento da Antiguidade grega, e sobretudo ofereceram-nos soluções precisas no que se refere à questão do núcleo histórico da tradição heróica; mas nem por isso avançamos um passo na determinação da época exata dos nossos poemas, que vários séculos separam do nascimento das sagas.” Curioso que Adorno não seja citado nem uma única vez. Apenas eu mesmo o citei numa observação, neste post.

É principalmente a Wilamowitz que devemos o fato de ter relacionado as primeiras análises realizadas segundo um critério exclusivamente lógico e artístico com os nossos conhecimentos históricos sobre a cultura grega primitiva.” Veja adiante indicações de leitura do autor Wilam.

A propensão expressa a renunciar por completo à análise de Homero manifesta-se em trabalhos recentes como o de F. DORNSEIFF, Archaische Mythenerzählung (Berlim, 1933) e F. JACOBY, ‘Die geistige Physiognomie der Odissee’, Die Antike, vol. 9, 159.”

será impossível considerar a Odisséia como uma imagem da vida da nobreza primitiva, se as suas partes mais importantes procederem da segunda metade do séc. VI, como atualmente crêem cientistas qualificados. E. SCHWARTZ, Die Odyssee (Munique, 1924), p. 294 e WILAMOWITZ, Die Heimkehr des Odysseus (Berlim, 1927), especialmente pp. 171-ss.: <Quem em questões de linguagem, religião ou costumes mistura a Ilíada e a Odisséia, quem, com Aristarco, as separa do resto como [GREGO], não pode pretender ser levado em conta.>” Curioso!

julgo ter demonstrado que o I canto da Odisséia – aceito pela crítica, depois de Kirchoff, como uma das últimas elaborações da epopéia – já era considerado obra de Homero por Sólon, e mesmo, pelo que tudo indica, antes do seu arcontado (594), i.e., no séc. VII, pelo menos.” “Parece-me fora de dúvida que a Odisséia, quanto ao essencial, já devia existir no tempo de Hesíodo.”

HIPERTROFIA DA HISTORIOGRAFIA: “O desejo compreensível dos investigadores de quererem saber mais do que aquilo que realmente podemos saber acarretou freqüentemente o descrédito injustificado da investigação como tal.”

Os heróis da Ilíada, que se revelam no seu gosto pela guerra e na sua aspiração à honra como autênticos representantes da sua classe, são, todavia, quanto ao resto da sua conduta, acima de tudo grandes senhores, com todas as suas excelências, mas também com todas as suas imprescindíveis debilidades. É impossível imaginá-los vivendo em paz: pertencem ao campo de batalha.”

Quando a Odisséia pinta a existência do herói depois da guerra, as suas viagens aventurosas e a sua vida caseira com a família e os amigos, inspira-se na vida real dos nobres do seu tempo e projeta-a com ingênua vivacidade numa época mais primitiva. [Todo o argumento da Dialética do Esclarecimento] Ela é, deste modo, a nossa fonte principal para conhecermos a situação da antiga cultura aristocrática. Pertence aos jônios, em cuja terra nasceu (…) Vê-se claramente que as suas descrições não pertencem à tradição dos velhos cantos heróicos, mas assentam na observação direta e realista das coisas contemporâneas.”

Se a periferia da imagem do mundo da Odisséia nos arrasta para a fantasia aventureira dos poetas, para as sagas heróicas e mesmo para o mundo do fabuloso e do maravilhoso, é com tanto maior força que a sua descrição das relações familiares nos aproxima da realidade.” “Só um ou outro traço realista e político, como a cena de Tersites, revela o tempo relativamente tardio do nascimento da Ilíada na sua forma atual. Nessa cena, Tersites, o <atrevido>, adita na presença dos nobres mais proeminentes um tom desdenhoso. Tersites é a única caricatura realmente maliciosa de toda a obra de Homero.” Conferir o excelente Tersites shakespeariano: https://seclusao.art.blog/2018/12/16/troilus-and-cressida/.

Os rapsodos não pertenciam, provavelmente, à classe nobre. Na lírica, na elegia e no iambo, pelo contrário, encontramos com freqüência poetas aristocráticos.” Wilamowitz

A vergonhosa conduta dos pretendentes [de Penélope] é constantemente estigmatizada como uma ignomínia para eles e para a sua classe. Ninguém pode contemplá-la sem indignação e é, depois, severamente expiada.”

A figura do aventureiro astuto e rico de recursos é criação do tempo das viagens marítimas dos jônios. A necessidade de glorificar o seu herói liga-se ao ciclo dos poemas troianos, e principalmente aos que se referem à destruição de Ílion.”

A arete própria da mulher é a formosura. (…) A mulher, todavia, não surge apenas como objeto da solicitação erótica do homem, como Helena ou Penélope, mas também na sua firme posição social e jurídica de dona de casa.” “Na Odisséia, Helena, de volta a Esparta com o primeiro marido, aparece como o protótipo da grande dama, modelo de distinta elegância e de soberana forma e representação social.”

A posição social da mulher nunca mais voltou a ser tão elevada [da perspectiva grega] como no período da cavalaria homérica. Arete, a esposa do príncipe Feace, é venerada pelo povo como uma divindade.”

Quando Agamemnon decide levar para a terra Criseida, capturada como despojo de guerra, e declara perante a assembléia que a prefere a Clitemnestra, pois não a acha inferior a ela nem pela presença ou pela estatura, nem pela prudência ou linhagem, é possível que isso seja fruto do caráter particular de Agamemnon – e já os antigos comentadores observaram que toda a arete da mulher está aqui descrita num só verso – mas a maneira imperiosa como o homem procede, acima de toda a consideração, não é coisa isolada no decurso da Ilíada. Amíntor, pai de Fênix, desentende-se com o filho por causa da amante, pela qual abandona a esposa; e o filho, incitado pela própria mãe, faz a côrte àquela, roubando-a do pai.¹ E não se trata de costumes de guerreiros embrutecidos. Acontece em tempo de paz.”

¹ Para tristeza de Platão em Leis XI!

É na mais alta, íntima e pessoal relação do herói com a sua deusa Palas Atena, a qual o guia nas suas andanças e jamais o abandona, que o poder espiritual da mulher como inspiradora e guia acha a sua expressão mais bela.” E curiosamente não é uma mulher de carne!

O mestre dos heróis por excelência era, naquele tempo, o prudente centauro Quíron, que vivia nos desfiladeiros selvosos, de abundantes nascentes, das montanhas de Pélion, na Tessália. Diz a tradição que uma longa série de heróis foi sua discípula e que Peleu, abandonado por Tétis, confiou-lhe a guarda de seu filho Aquiles.” “Embora o poeta do canto nono ponha Fênix em lugar de Quíron, Pátroclo é convidado a aplicar num guerreiro ferido um remédio que aprendeu de Aquiles, o qual por sua vez o aprendera outrora de Quíron” “O poeta da <Embaixada a Aquiles> não pôde utilizar o tosco centauro como medianeiro, ao lado de Ájax e Ulisses, pois só um herói cavaleiresco podia surgir como educador de outro herói. (…) Para substituto de Quíron foi escolhido Fênix, que era vassalo de Peleu e príncipe dos dólopes.”

A Fênix era permitido exprimir verdades que Ulisses não poderia dizer. Na boca daquele, este intento supremo de vergar a inquebrantável vontade do herói e chamá-lo à razão adquire o seu mais grave e íntimo vigor: deixa antever, no caso do seu fracasso, o trágico desenlace da ação como conseqüência da inflexível negativa de Aquiles.” “Todo leitor sente e compartilha intimamente, em toda a sua gravidade, a decisão definitiva do herói, da qual depende o destino dos gregos e do seu melhor amigo Pátroclo e, por fim, o seu próprio destino.” “Peleu entrega o seu filho Aquiles, sem qualquer experiência na arte da palavra e na conduta guerreira, ao seu leal vassalo (…) Fênix ficou junto dele e considerou-o como filho quando lhe foram recusados os próprios filhos pela trágica maldição de seu pai Amíntor.”

Contra a poderosa força irracional do desvario, da deusa Ate, são impotentes toda a arte da educação humana e todo o conselho razoável.”

o íntimo conflito entre as paixões cegas e a mais perfeita intuição, tido como o autêntico problema de toda a educação no mais profundo sentido da palavra. Isto não tem nenhuma relação com o moderno conceito de decisão livre nem com a correspondente idéia de culpa. A concepção antiga é muito mais ampla e, por isso mesmo, mais trágica.”

A figura antitética do rebelde peleida é Telêmaco, cuja educação o poeta nos descreve no primeiro livro da Odisséia. Enquanto Aquiles lança ao vento as doutrinas de Fênix e se precipita para a perdição, Telêmaco presta atenção às advertências da deusa, disfarçada sob a figura do amigo e hóspede de seu pai, Mentes. (…) o costume dos jovens da alta nobreza de serem acompanhados nas suas viagens por um aio ou mordomo.”

A bonita relação de Telêmaco com Mentor, cujo nome serviu desde o Telêmaco de Fénelon para designar o velho amigo protetor, guia e mestre, fundamenta-se no desenvolvimento do tema pedagógico”

A análise crítica do aparecimento da Odisséia levanta um problema decisivo. A Telemaquia foi um poema originariamente independente ou esteve desde o início incluído na epopéia tal como o encontramos hoje?”

O conjunto da Odisséia constitui uma linda criação composta de duas partes separadas: Ulisses, ausente e retido na ilha da ninfa apaixonada, rodeado de mar, e o seu filho inativo, à espera dele no lar abandonado.”

Este jovem passivo, amável, sensível, dolorido e sem esperança teria sido um aliado inútil para a luta rude e decisiva da vingança de Ulisses, que no seu regresso ao lar seria forçado a enfrentar os pretendentes sem nenhuma ajuda. Mas Atena converte-o no companheiro de luta, valente, ousado e decidido.

Objetou-se, contra a afirmação de uma formação pedagógica consciente da figura de Telêmaco, nos quatro primeiros cantos da Odisséia, que a poesia grega não nos dá nenhum quadro do desenvolvimento interno de um caráter. A Odisséia não é, efetivamente, uma novela pedagógica moderna, e por isso a transformação de Telêmaco não pode ser apontada como desenvolvimento, no sentido atual. Naquele tempo só podia ser explicada como obra da inspiração divina. Mas essa inspiração não surge, como é freqüente na epopéia, de modo puramente mecânico, por ordem de um Deus ou simplesmente em sonhos.”

os dois grandes aristocratas, Píndaro e Platão.”

Não falta nenhum traço essencial nesta Telemachou paideia: nem os conselhos de um velho amigo experiente; nem o influxo delicado e sensível da mãe temerosa e cheia de cuidados pelo seu filho único (e não será conveniente consultá-la no momento decisivo, porque seria muito mais capaz de, com os seus temores, refrear o filho, por longo tempo mimado, do que compreender-lhe a súbita elevação)” Uma ficção em que Platão tivesse conseguido, senão erigir a República, pelo menos falsificar Homero, de forma que a Odisséia a que temos acesso seja da sua pena, e não mais antiga!

É com a mais calorosa simpatia que o poeta pinta a confusão íntima de Telêmaco quando este, educado na simplicidade da nobreza rural, é recebido numa pequena ilha como hóspede de grandes senhores e entra pela primeira vez no grande mundo para ele desconhecido.”

Agamemnon foi morto logo após o regresso de Tróia; Ulisses esteve 20 anos afastado do lar. Este espaço de tempo bastou ao poeta para poder situar o ato e a estada de Orestes na Fócida, antes do começo da ação da Odisséia. [Tudo mui bem pensado. Poderia de fato ser um o autor? Ainda mais sempre o pai de todos?] O acontecimento era recente, mas a fama de Orestes estendera-se já a toda a Terra, e Atena refere-o a Telêmaco em palavras inflamadas.”

1.3 Homero como educador

foi o cristianismo [neste caso, Platão como seu mentor!] que, por fim, converteu a avaliação puramente estética da poesia em atitude espiritual predominante. É que isso lhe possibilitava rejeitar, como errôneo e ímpio, a maior parte do conteúdo ético e religioso dos antigos poetas e, ao mesmo tempo, aceitar a forma clássica como instrumento de educação e fonte de prazer.” “Repugna-nos naturalmente ver a tardia poética filosófica do helenismo interpretar a educação em Homero como uma árida e racionalista fabula docet ou, de acordo com o modelo dos sofistas, fazer da epopéia uma enciclopédia de todas as artes e ciências. Mas esta quimera da escolástica não é senão a degenerescência de um pensamento em si mesmo correto, o qual, como tudo quanto é belo e verdadeiro, se torna grosseiro em mãos grosseiras.”

A arte tem um poder ilimitado de conversão espiritual. É o que os gregos chamaram psicagogia.”

Na epopéia manifesta-se a peculiaridade da educação helênica como em nenhum outro poema. Nenhum outro povo criou por si mesmo formas de espírito comparáveis àquelas da literatura grega posterior. Dela nos vêm a tragédia, a comédia, o tratado filosófico, o diálogo, o tratado científico sistemático, a história crítica, a biografia, a oratória jurídica e panegírica, a descrição de viagens e as memórias, as coleções de cartas, as confissões e os ensaios.”

E, como sucedeu entre os gregos, também entre os indianos, germanos, romanos, finlandeses e alguns povos nômades da Ásia Central nasceu dos cantos heróicos uma epopéia.”

Os poeirentos manuscritos da épica medieval da Canção de Rolando, do Beowulf e dos Nibelungos, dormitavam nas bibliotecas e foi preciso que uma erudição prévia os redescobrisse e trouxesse à luz. A Divina Comédia de Dante é o único poema da Idade Média que desempenhou papel análogo ao de Homero, não só na vida da sua própria nação, mas até de toda a humanidade.”

Hölderlin disse: O que permanece é obra dos poetas. Este verso exprime a lei fundamental da história da educação helênica.”

Na nossa grande epopéia, precedida de longa evolução dos cantos heróicos, estes epítetos, com o uso, perderam a vitalidade, mas são impostos pela convenção do estilo épico. Os epítetos isolados já não são empregados sempre com um significado individual e característico. São em grande medida ornamentais.”

Tudo quanto é baixo, desprezível e falho de nobreza é suprimido do mundo épico.”

Homero tudo engrandeceu: animais e plantas, a água e a terra, as armas e os cavalos. Podemos afirmar que não deixou nada sem elogio e sem louvor. Mesmo Tersites, o único que ele difamou, denomina-o orador de voz clara.” Dión de Prusa

a poesia mélica nasce de canções populares; o iambo, dos cantos das festas dionisíacas; os hinos e o prosodion, dos serviços divinos; os epitalâmios, das cerimônias populares das bodas; as comédias, dos komos; as tragédias, dos ditirambos. Podemos dividir assim as formas originais a partir das quais se desenvolvem os gêneros poéticos posteriores”

A didática e a elegia seguem os passos da épica e aproximam-se dela pela forma. Dela recebem o espírito educador que passa mais tarde a outros gêneros, como os iambos e os cantos corais. A tragédia, tanto pelo seu material mítico como pelo seu espírito, é a herdeira integral da epopéia. É unicamente à sua ligação com a epopéia e não à sua origem dionisíaca que ela deve o seu espírito ético e educador.”

As descrições de batalhas campais só conseguem despertar o nosso interesse nas cenas dominadas por grandes heróis individuais.”

Em vez de uma história da guerra troiana ou da vida inteira de Aquiles, apresenta apenas, com prodigiosa segurança, as grandes crises, alguns momentos de significação representativa e da mais alta fecundidade poética, o que permite concentrar e evocar, em breve espaço de tempo, dez anos de guerra com todos os seus combates e vicissitudes, passadas, presentes e futuras.”

A Ilíada começa no instante em que Aquiles, colérico, retira-se da luta, o que põe os gregos no maior apuro.”

do mesmo modo o final não se compara ao êxito triunfante de uma aristeia comum. Aquiles não fica satisfeito com a sua vitória sobre Heitor. Toda a história finda com a tristeza inconsolável do herói, com aquelas espantosas lamentações de morte de gregos e troianos perante Pátroclo e Heitor, e com a sombria certeza que o vencedor tem a respeito do seu próprio destino.

Quem pretende suprimir o último Canto ou continuar a ação até a morte de Aquiles, e quiser fazer da Ilíada uma aquileida ou pensar que ela era originariamente assim, estará encarando o problema de um ponto de vista histórico e de conteúdo, não do ponto de vista artístico da forma. (…) É o triunfo do herói, não a sua ruína, que pertence à autêntica aristeia. A tragédia contida na resolução de Aquiles de vingar em Heitor a morte de Pátroclo, apesar de saber que após a queda de Heitor o espera a ele, por sua vez, uma morte certa, não encontrará a sua plenitude até a consumação da catástrofe.”

À cegueira de Agamemnon, junta-se, no Canto IX, a de Aquiles, de conseqüências bem mais graves, porque <não sabe ceder> e, cego pela cólera, ultrapassa todas as medidas humanas. Quando já é tarde demais é que fala cheio de arrependimento. Maldiz então o rancor que o levou a ser infiel ao seu destino heróico, a permanecer ocioso e a sacrificar o seu amigo mais querido. Agamemnon, depois da sua reconciliação com Aquiles, lamenta igualmente a sua própria cegueira numa ampla alegoria sobre os efeitos mortais de ate. Homero concebe a ate, tal como a moira, de modo estritamente religioso, como força divina a que o homem mal pode resistir.”

A frase de Heráclito situa-se no final do caminho percorrido pelos gregos no conhecimento do destino humano. O poeta que criou a figura de Aquiles está no início desse caminho.”

A ação não se desentranha como uma desconexa sucessão temporal. Impera sempre nela o princípio da razão suficiente.” “Homero, no entanto, não é autor moderno que considera tudo simplesmente no seu desenvolvimento interno, como experiência ou fenômeno de uma consciência humana. No mundo em que vive, nada de grande acontece sem a cooperação de uma força divina, e a mesma coisa acontece na epopéia.”

Os deuses estão sempre interessados no jogo das ações humanas. Tomam partido por este ou por aquele, conforme desejam repartir os seus favores ou tirar vantagem. (…) Também na Ilíada os deuses se dividem em dois campos. Isto é crença antiga. Mas são novas algumas facetas da sua elaboração, como o esforço do poeta para manter, tanto quanto possível, na dissensão que a guerra de Tróia provoca no Olimpo, a lealdade mútua dos deuses, a unidade do seu poder e a estabilidade do seu reino divino. A causa última de todos os acontecimentos é a decisão de Zeus. (…) A consideração psicológica e a metafísica de um mesmo acontecimento não se excluem de modo nenhum.” “A epopéia conserva, assim, uma duplicidade característica. Qualquer ação deve ser encarada ao mesmo tempo sob o ponto de vista humano e sob o ponto de vista divino.”

Basta pensar na epopéia cristã medieval escrita em língua românica ou germânica, onde nenhuma força divina interfere e todos os acontecimentos decorrem sob o prisma do acontecer subjetivo e da atividade puramente humana, para nos darmos conta da diferença da concepção poética da realidade própria de Homero.”

Quando dois povos lutam entre si e imploram com preces e sacrifícios o auxílio dos seus deuses, põem os deuses em situação delicada, sobretudo dentro de um pensamento que acredita na onipotência e na justiça imparcial do poder divino.” “Em contraste, (…) vê-se na Ilíada um sentimento religioso cuja representação da divindade, e principalmente do soberano supremo do mundo, serve de alimento às idéias mais sublimes da arte e da filosofia posteriores. Só na Odisséia, porém, descobrimos uma concepção mais coerente e sistemática do governo dos deuses.

Recebe da Ilíada a idéia de um concílio dos deuses, no início dos Cantos I e V; mas cai na vista a diferença entre as cenas tumultuosas do Olimpo da Ilíada e os maravilhosos concílios de personalidades sobre-humanas da Odisséia. Na Ilíada os deuses chegam quase a passar a vias de fato.” “os deuses empregam na sua luta meios humanos – humanos demais” “O Zeus que preside ao concílio dos deuses no começo da Odisséia representa uma elevada consciência filosófica do mundo.” “É através desse prisma ético e religioso que o poeta encara os sofrimentos de Ulisses e a hybris [hubris] dos pretendentes, expiada com a morte.”

Cada personagem conserva firmemente a sua atitude e o seu caráter. Esta rígida construção ética pertence, provavelmente, aos últimos estágios da elaboração poética da Odisséia.”

1.4 Hesíodo e a vida do campo

A vida despreocupada da classe senhorial, em Homero, não deve induzir-nos em erro: a Grécia exige dos seus habitantes uma vida de trabalho.”

O seu solo é formado de múltiplos vales estreitos e paisagens cortadas por montanhas. Quase não tem as vastas planícies, fáceis de cultivar, do norte da Europa, o que obriga a uma luta incessante com o solo para arrancar dele o que só assim ele consegue dar. A agricultura e o pastoreio foram sempre as ocupações mais importantes e mais características dos gregos. Só no litoral prevaleceu, mais tarde, a navegação. Nos tempos mais remotos predominou em absoluto a atividade agrícola.”

Hesíodo conta no conhecido proêmio da Teogonia como despertou para a vocação de poeta: era um simples pastor e guardava os seus rebanhos no sopé do Hélicon, quando um dia recebeu a inspiração das musas, que lhe puseram nas mãos o bastão do rapsodo.”

Embora não se possa, num povo tão multiforme como o grego, generalizar a partir da situação da Beócia, as condições desta são, em grande medida, típicas. (…) Não existe a escravatura e nada indica, mesmo remotamente, que aqueles camponeses e pastores que viviam do trabalho das suas mãos descendessem de uma raça subjugada na época das grandes migrações, como acontecia na Lacônia.”

para Hesíodo o mundo heróico pertence a outra época, diferente e melhor do que a atual, <a idade do ferro> que descreve com cores tão sombrias nos Erga. Não há nada de tão característico no sentimento pessimista do povo trabalhador como a história das cinco idades do mundo, que começa com os tempos dourados, sob o domínio de Cronos, e leva, pouco a pouco, em linha descendente, à subversão do direito, da moral e da felicidade humana nos duros tempos atuais.”

<Camponês> ainda não quer dizer <inculto>. As próprias cidades dos tempos antigos, principalmente na metrópole grega, são acima de tudo cidades rurais e continuam a sê-lo mais tarde”

O seu poema dirige-se primordialmente aos homens da sua condição e parte do princípio de que os seus ouvintes entendem a linguagem artística de Homero, que é a que ele próprio emprega.”

Na grande massa das sagas da Teogonia encontramos muitos temas antiquíssimos, já conhecidos de Homero, mas também muitos outros que nele não aparecem. (…) Os preferidos são os mitos que exprimem a concepção da vida realista e pessimista daquela classe ou as causas das misérias e necessidades da vida social que os oprimem: o mito de Prometeu, no qual Hesíodo encontra a solução para o problema do cansaço e dos sofrimentos da vida humana; (…) o mito de Pandora, que é alheio ao pensamento cavaleiresco e exprime a concepção triste e prosaica da mulher como fonte de todos os males. (…) O modo como, p.ex., conta as histórias de Prometeu e Pandora pressupõe nitidamente que já eram conhecidas dos seus ouvintes. (…) todas as classes sociais possuem o seu próprio tesouro de mitos.”

A grande novidade desta obra está em o poeta falar na primeira pessoa. (…) É o enlace imediato do poema com a disputa jurídica sustentada contra o seu irmão Perses que justifica esta ousada inovação.”

Zeus, que humilha os poderosos e exalta os humildes” Já ouvi isso nalgum lugar!

Só o ricaço, que tem os celeiros cheios e não está apertado pelo cuidado da própria subsistência, pode entregar-se à inútil mania das disputas. Ele pode fazer maquinações contra a fazenda e os bens dos outros, e desperdiçar o tempo no mercado.”

Insensatos, não sabem quão verdadeira é a máxima que diz que a metade é maior que o todo e qual é a bênção contida na erva mais humilde que a terra faz crescer para o homem, a malva [flor púrpura] e o asfódelo.” Erga, 40

A tendência causal nascente encontrou satisfação na construção sagaz de uma genealogia completa dos deuses. (…) o Caos, que também encontramos nos mitos nórdicos, é evidentemente uma idéia originária das raças indo-germânicas. (…) O pensamento da Teogonia não se contenta em pôr em interação os deuses reconhecidos e venerados nos cultos nem se atém aos conceitos tradicionais da religião em vigor.”

logo no relato introdutório sobre a Éris boa e a má vê-se que a Teogonia e os Erga, apesar da diferença dos assuntos, não estavam separadas na mente do poeta e o pensamento do teólogo penetra o do moralista, assim como o deste se manifesta claramente na Teogonia.”

O trabalho e os sofrimentos devem ter aparecido em algum momento no mundo. Não podem ter feito parte, desde a origem, da ordem divina e perfeita das coisas. Hesíodo assinala-lhes como causa a sinistra ação de Prometeu, o roubo do fogo divino, que encara do ponto de vista moral. Como castigo, Zeus criou a primeira mulher, a astuta Pandora, mãe de todo o gênero humano. Da caixa de Pandora saíram os demônios da doença, da velhice, e outros males mil que hoje povoam a Terra e o mar.”

Não merecemos mais o mito.

Este uso normativo do mito revela-se com maior nitidez porque Hesíodo, nos Erga, coloca a narração das 5 idades do mundo logo em seguida à história de Prometeu, mediante uma fórmula de transição que talvez não tenha estilo, mas é sumamente característica para o que nos interessa. Se quiseres, contar-te-ei com arte uma segunda história até o fim. Acolhe-a, porém, no teu coração. (Erga, 106).”

Hesíodo não viu que, na realidade, os dois mitos se excluem (…) Enumera como causas da desventura cada vez maior dos homens o aumenta da irreflexão, o desaparecimento do temor dos deuses, a guerra e a violência. Na quinta idade, a do ferro, em que o poeta lamenta ser forçado a viver, domina só o direito do mais forte. Nela só prosperam os malfeitores.” Shishio/Meruem

Somos todos Prometeus. Somos promessas prestes a não vingar.

Homero e Píndaro chamam ainos também aos exemplos míticos. Só mais tarde o conceito se circunscreve às fábulas de animais. Possui o sentido já conhecido de advertência ou conselho. Assim, não é apenas a fábula do falcão e do rouxinol que é ainos. Ela é só um exemplo que Hesíodo dá aos juízes.”

A identificação da vontade divina de Zeus com a idéia do direito e a criação de uma nova personagem divina, Dike, tão intimamente ligada a Zeus, o deus supremo, são a imediata conseqüência da força religiosa e da seriedade moral com que a classe camponesa nascente e os habitantes da cidade sentiram a exigência da proteção do direito.”

Deixa-me aconselhar-te com verdadeiro conhecimento, Perses, minha criança grande. (…) Os deuses imortais puseram o suor antes do êxito. A senda que a ele conduz é íngreme e comprida, e de início penosa.”

O trabalho é celebrado como o único caminho, ainda que difícil, para alcançar a arete. (…) Não se trata da arete guerreira da antiga nobreza, nem da arete da classe proprietária, baseada na riqueza, mas sim da arete do homem trabalhador, que tem a sua expressão numa posse de bens moderada.” “Hesíodo quer com plena consciência colocar ao lado do adestramento dos nobres, tal como se espelha na epopéia homérica, uma educação popular, uma doutrina da arete do homem simples.”

Perses, e quem quer que ouça as doutrinas do poeta, deve estar disposto a deixar-se guiar por ele, caso não seja capaz de conhecer intimamente o que lhe é proveitoso e o que lhe é prejudicial. (…) Estes versos constituíram, na ética filosófica posterior, o fundamento primeiro de toda a doutrina moral e pedagógica. Na Ética a Nicômaco, Aristóteles aceita-os integralmente nas suas considerações preliminares sobre o princípio adequado do ensino moral. (…) Perses não tem uma concepção justa. Mas o poeta tem de admitir que ela pode ser ensinada, na medida em que procura transmitir-lhe a sua própria convicção e influenciá-lo.”

Quem vive na pobreza é aborrecido pelos deuses e pelos homens; é comparável ao zangão, que devora o penoso trabalho das abelhas. Procura um prazer justo, dando-te ao trabalho numa medida equilibrada. (…) O trabalho é a única coisa justa na tua condição”

Esta corrente imemorial que brota da terra, inconsciente ainda de si própria, é a parte mais comovedora de Hesíodo e a causa principal da sua fôrça.”

Hesíodo é o primeiro poeta grego que fala do seu ambiente em seu próprio nome. Deste modo ergue-se acima da esfera épica, que apregoa a fama e interpreta as sagas, até a realidade e as lutas atuais. (…) Surge aqui pela primeira vez uma pretensão a guia, que não se fundamenta numa ascendência aristocrática nem numa função oficial reconhecida. Ressalta imediatamente a semelhança com os profetas de Israel, já salientada de tempos antigos. No entanto, é com Hesíodo, o primeiro dos poetas gregos a apresentar-se com a pretensão de falar publicamente à comunidade, baseado na superioridade do seu conhecimento, que o helenismo se anuncia como uma época nova na história da sociedade.”

É característica pessoal do poeta-profeta grego querer guiar o Homem transviado para o caminho correto, por meio do conhecimento mais profundo das conexões do mundo e da vida.”

1.4 Educação estatal de Esparta

Renunciaríamos de antemão a compreender a história dos gregos se, em conformidade com as divisões habituais do assunto, deixássemos o Estado aos historiadores <políticos> e aos investigadores do direito público e nos limitássemos ao conteúdo da vida espiritual. Pode-se escrever uma história da cultura alemã num longo período sem aludir à política. Esta só é fundamental nos tempos modernos. Por causa disso estudou-se durante muito tempo o povo grego e sua cultura predominantemente sob um prisma estético. Mas isto é um violento deslocamento do centro de gravidade. Só na polis se pode encontrar aquilo que abrange todas as esferas da vida espiritual e humana e determina de modo decisivo a sua estrutura. No período primitivo da cultura grega, todos os ramos da atividade espiritual brotam diretamente da raiz unitária da vida em comunidade.”

É da maior importância para o nosso intuito ver como o espírito da polis grega encontrou a sua expressão, primeiro na poesia e logo a seguir na prosa”

A mescla de dialetos diferentes, visível na epopéia, prova que a criação artística da poesia homérica é fruto da colaboração de várias raças e povos na elaboração do vocabulário, estilo e métrica dos poemas. (…) A investigação histórica jamais poderá desligar do nosso Homero cantos inteiros que apresentem uma tonalidade unitária de dialetos eólios. As particularidades do espírito dórico e jônico, ao contrário, revelam-se de maneira precisa nas formas da vida das cidades e na fisionomia espiritual da polis. Ambos os tipos se juntam na Atenas dos séculos V e IV. Enquanto a vida real do Estado ateniense recebe o influxo decisivo do ideal jônico, na esfera espiritual, por influência aristocrática da filosofia ática, vive a idéia espartana de uma regeneração que, no ideal platônico da formação, funde-se numa unidade superior com a idéia fundamental jônico-ática, despojada da sua forma democrática, de um Estado regido pelo direito.”

em vão se buscaria um nome espartano entre os moralistas e filósofos gregos. Em contrapartida, Esparta tem, de pleno direito, um lugar na história da educação.”

ao contrário de Homero e Hesíodo, na elegia de Tirteu encontramos apenas a formulação de um ideal, como é próprio da essência dessa poesia de puro pensamento.”

O nosso testemunho principal, a Constituição dos Lacedemônios, de Xenofonte, é fruto do romantismo meio filosófico meio político do séc. IV a.C. (…) A admiração de Xenofonte baseava-se ainda no conhecimento de Esparta através de uma íntima experiência pessoal, enquanto o enlevo romântico que se revela na biografia de Licurgo, por Plutarco,¹ baseia-se apenas num saber adquirido em antigas fontes literárias de valor heterogêneo.”

¹ Nunca será o bastante alertar o leitor desatento: Plutarco não tem quase valor histórico; todas as suas biografias devem ser lidas com suspeição a priori, como anedotas folclóricas guardando esparsos fundos de verdade.

ORIGEM DA DISTINÇÃO DOS NOMES LACEDEMÔNIA E ESPARTA

A crença de que a educação espartana era uma preparação militar unilateral deriva da Política de Aristóteles. (…) Depois da vitória na guerra do Peloponeso, Esparta conseguiu na Grécia uma hegemonia indiscutível, que perdeu ao fim de 30 anos, após a catástrofe de Leuctra.” “O dinheiro, que antes Esparta mal conhecia, entrou na cidade em torrentes, e <foi descoberto> um velho oráculo, segundo o qual a ambição arruinaria Esparta. Nesta época, dominada por uma política de expansão fria e calculista, ao estilo de Lisandro, em que os Lacedemônios se tinham apoderado despoticamente das acrópoles de quase todas as cidades gregas e as liberdades políticas das chamadas cidades autônomas haviam sido todas destruídas, a antiga disciplina espartana surgiu involuntariamente à luz do uso maquiavélico que dela fazia Esparta.”

A migração dórica, de que os gregos sempre guardaram uma recordação indelével, é o último dos movimentos de povos, possivelmente originários da Europa Central, que a partir da península balcânica penetraram na Grécia e se misturaram com os povoadores de outras raças mediterrânicas ali fixadas primitivamente, constituindo assim o povo grego que a história nos apresenta. O tipo característico dos invasores conservou em Esparta a sua maior pureza. A raça dórica ofereceu a Píndaro o seu ideal de homem loiro, de alta estirpe, tal como era representado não só o Menelau homérico, mas também o herói Aquiles, e em geral todos os <helenos de loira cabeleira> da Antiguidade heróica. A primeira coisa a levar em conta é que os espartanos constituíam, entre a população lacônia, apenas uma reduzida classe dominante, de formação tardia. Sob o seu domínio estava uma classe popular, livre, operária e camponesa, os periecos, bem como os servos hilotas, a massa dos submetidos, quase sem quaisquer direitos. Os antigos relatos dão-nos de Esparta a imagem de um acampamento militar permanente. Essa aparência vinha muito mais da constituição inteira da comunidade do que de uma ânsia de conquista. (…) A assembléia do povo espartano não é outra coisa senão a antiga comunidade guerreira. Não há nela qualquer discussão. Limita-se a votar SIM ou NÃO em face de uma proposta definida do conselho dos anciãos. [Daí poderia advir o orgulho nacionalista hegeliano diante de uma origem bárbara da cultura superior, não só d’A República como também do Estado Germânico, suposto fim da História e consumação do Espírito!] Este tem direito a dissolver a assembléia e pode retirar da votação as propostas com resultado desfavorável. (…) A sua organização representa um poder moderador no conflito de forças entre os senhores e o povo. (…) É significativo que o eforato [conselho de anciãos] seja a única instituição não-atribuída à legislação de Licurgo.”

quanto mais importância se concede à educação e à tradição oral, menor é a coação mecânica e externa da lei sobre todos os detalhes da vida.”

A participação de todos os cidadãos espartanos na educação militar torna-os uma espécie de casta aristocrática. Aliás, muitos traços dessa educação lembram a formação da antiga nobreza grega. Mas o fato de ter sido estendida aos que não eram nobres prova que houve uma evolução que modificou neste sentido o presumível domínio original dos nobres.”

Tirteu é ainda a nossa única fonte em relação às guerras messênicas, dado que a crítica moderna demonstrou ser total ou predominantemente fictícia a tradição dos historiadores mais recentes. O impulso da sua inspiração foi suscitado pela grande sublevação dos messênios, três gerações após a sua primeira subjugação. Durante 19 anos lutaram sem cessar, armados de lanças, os pais de nossos pais, com paciente coração; no 20º ano, os inimigos abandonaram os férteis campos e fugiram para as altas montanhas de Ithoma.

Em nenhum outro lugar a poesia grega revela tão claramente como a criação poética brota da vida da comunidade humana. (…) Por isso se exprime com freqüência na 1ª pessoa do plural: Lutemos!, Morramos!.”

A estreita ligação entre o indivíduo e a cidade estava, em tempo de paz, simplesmente latente para o cidadão médio, mesmo num Estado como o espartano. No caso de perigo, todavia, a idéia da totalidade manifestava-se subitamente com a maior força. A dura necessidade da longa e duvidosa guerra que acabava de eclodir foi a base férrea em que o Estado espartano se cimentou. Não precisava só de políticos e militares, naquela conjuntura. Precisava também encontrar expressão adequada para os novos valores humanos que na guerra se revelavam.” “a lenda fez de Tirteu um enviado de Apolo.”

Do ponto de vista formal, a elegia de Tirteu não é uma criação original. Os elementos formais lhe foram dados. A forma métrica da elegia – o dístico – é indubitavelmente mais antiga.”

DICOTOMIA ELEGIA X ODE: “A elegia não possui forma <interna> como chegaram a julgar os gramáticos da Antiguidade. Guiados pela evolução posterior do gênero e por uma falsa etimologia, quiseram reduzir todas as formas da elegia a uma raiz comum: o canto fúnebre. A elegia (…) só tinha um elemento constante: o fato de ser dirigida a alguém, indivíduo ou multidão. (…) Até o nosso fragmento, que começa num tom aparentemente mais reflexivo, atinge o seu acme e o seu termo sob a forma da exortação (…) simplesmente tal como a poesia didática dos Erga hesiódicos, dirige-se de maneira mais direta e intencional a uma personalidade determinada.” “Veste com a linguagem da epopéia um assunto contemporâneo.”

E ainda que fosse mais belo que Titono e mais rico do que Midas e Ciniras, mais régio que Pélops, filho de Tântalo, e dotado de uma língua mais lisonjeira que Adrasto, se tivesse todas as glórias do mundo, mas não possuísse o valor guerreiro, não quereria honrá-lo. Não dará boas provas de si na luta se não for capaz de encarar a morte sangrenta na peleja e de lutar corpo-a-corpo com o adversário.”

Mas aquele que cai entre os combatentes e perde a vida bem-amada cobre de glória a sua cidade, os seus concidadãos e o seu pai, ao ser chorado por todos, novos e velhos, quando jaz, com o peito, o côncavo escudo e a armadura trespassados por muitos projéteis; a sua dolorosa memória enche a cidade inteira e são honrados entre os homens o seu sepulcro e os seus filhos, e os filhos dos seus filhos e toda a sua linhagem; a honra do seu nome não se extingue jamais e, mesmo que jaza no seio da terra, torna-se imortal.”

a <polisação> do conceito da arete heróica deriva da <polisação> da idéia da glória heróica” (…) O <nome> é preservado com segurança da fugacidade do presente, pela vida duradoura da comunidade. § os gregos primitivos não conheceram a imortalidade da <alma>. O Homem morria com a morte do corpo. A psyche homérica significa antes o contrário: a imagem corpórea do próprio Homem, que vagueia no Hades como uma sombra: um puro nada.”

O homem político alcança a perfeição através da perenidade da sua memória na comunidade pela qual viveu ou morreu. Só o crescente menosprezo pelo Estado, próprio das épocas seguintes, e a progressiva valorização da alma individual, que alcança o apogeu com o Cristianismo, possibilitaram aos filósofos tomarem o desprezo da glória por uma exigência moral. Nada de semelhante se encontra ainda na concepção do Estado de Demóstenes e de Cícero. É com a elegia de Tirteu que se inicia o desenvolvimento da ética do Estado.”

O poeta contrasta a morte gloriosa no campo de batalha com a vida desventurada e errante, destino inevitável do homem que não cumpriu na guerra os seus deveres de cidadão (…) Anda pelo mundo errante, com o pai, a mãe, a mulher e os filhos. Na sua pobreza e indigência, é um estranho onde quer que vá e todos o fitam com olhos hostis.”

Não estabelece qualquer diferença entre os que foram desterrados por uma necessidade estatal de exceção, porque fugiram ante o inimigo, e os que abandonaram voluntariamente o país para escaparem ao serviço militar, sendo forçados por isso a viver como estranhos em outra cidade.” “O novo ideal da arete política exprime, em face da arete da epopéia, uma transformação da concepção religiosa. A polis é a suma de todas as coisas humanas e divinas.”

O pensamento que impregna a Eunomia tem a maior importância para o conhecimento da atitude pessoal de Tirteu e da sua oposição ao espírito político da Jônia e de Atenas. Enquanto estas nunca se sentiram vinculadas à autoridade da tradição e do mito, mas se empenharam em regular a distribuição dos direitos políticos segundo um pensamento mais ou menos universal, social e justo, Tirteu, à moda antiga, faz derivar do poder dos deuses a eunomia espartana e vê nessa origem a sua garantia mais alta e inviolável. Foi o próprio Zeus, filho de Crono, esposo da coroada Hera, que aos Heráclidas [tradição de haver dois reis, inicialmente, na cidade – descendentes de Heracles] deu esta cidade. Abandonamos com eles o ventoso Erineus e viemos até a vasta ilha de Pélops.

os reis são o único elo legítimo entre o Estado atual e o ato de doação divina que no passado o fundou. O oráculo de Delfos fundamentou para sempre a posição legítima dos reis.”

O Tirteu da Eunomia pertence a Esparta. O Tirteu das elegias guerreiras pertence à Grécia inteira.”

Para ilustrar a posição dos guerreiros no seu Estado ideal, Platão toma Tirteu como modelo, quando propõe honrar os guerreiros acima dos vencedores em Olímpia.”

É a autêntica idéia grega da formação. Uma vez modelada, a forma conserva o seu valor mesmo em estágios posteriores e mais elevados e qualquer novidade precisa confrontar-se com ela. Assim, o filósofo Xenófanes de Cólofon, cem anos após Tirteu, aplica-se em transformar aquelas idéias e sustenta que só à força espiritual cabe, no Estado, a mais alta posição”

A crítica de Platão dirige-se menos contra Tirteu que contra os excessos de força do Estado espartano da época, cujo fundamento encontra nos poemas guerreiros daquele. Nem mesmo os seus maiores admiradores poderiam descobrir naquela Esparta inflexível e unilateral qualquer vestígio de espírito musical e poético. Nesse sentido, são eloqüentes o silêncio de Xenofonte e os esforços fracassados de Plutarco para preencherem aquela lacuna. (…) Felizmente, apesar da fragmentação das nossas tradições e documentos, podemos provar que a antiga Esparta dos tempos heróicos do séc. VII tinha uma vida mais rica e estava totalmente livre da pobreza espiritual que a sua imagem histórica nos apresenta de modo tão vigoroso.”

foi chamado o grande músico Terpandro de Lesbos, inventor da cítara de 7 cordas, para dirigir o coro das festas religiosas e organizá-lo segundo o sentido das suas inovações. A Esparta das épocas subseqüentes adotou rigidamente os padrões de Terpandro e considerou toda a evolução posterior como uma revolução contra o Estado. Mas esta própria rigidez mostra até que ponto a antiga Esparta encarou a educação musical como coisa essencial para a formação do ethos humano”

Os abundantes resquícios de poesias corais de Alcman, lírico originário de Sardes e naturalizado espartano, completam de modo perfeito a imagem da Esparta arcaica.” “Os seus versos, escritos para os coros das jovens espartanas, jorram do humor jovial e da força realista da raça dórica, que só em traços isolados se manifestam através da estilização homérica das elegias de Tirteu. As canções de Alcman, que mencionam os nomes das jovens do coro e apregoam os seus méritos e as suas pequenas ambições e invejas, transportam-nos com idêntica vivacidade e realismo às rivalidades dos concursos musicais da antiga Esparta e revelam-nos que o espírito de emulação do sexo feminino não era inferior ao dos homens. Vê-se por elas também, com toda a clareza, que a condição da mulher na vida pública e privada de Esparta era muito mais livre que entre os Jônios, influenciados pelos costumes asiáticos, e que em Atenas, por sua vez influenciada pelos Jônios.”

1.5 O Estado jurídico e o seu ideal de cidadão

Aos jônios, como a todos os gregos da Ásia Menor, falta energia política construtiva, e em nenhum lugar deixaram uma formação estatal permanente e ativa.”

A estreiteza da faixa costeira em que ocorreu a série de invasões e a impossibilidade de penetrar profundamente no interior do país, ocupado por povos politicamente desorganizados e bárbaros, como os lídios, frígios e cários, atraiu cada vez mais as cidades da costa para o comércio marítimo, com o aumento da segurança na navegação. Isto converteu logo a nobreza de proprietária rural em empresária.”

A ação da Odisséia chega, para leste, até a Fenícia e Cólquida; para sul, até o Egito; para o ocidente, até a Sicília e a Etiópia Ocidental; e para o norte, no Mar Negro, até o país dos cimérios. É perfeitamente a narração do encontro do navegante com uma frota de navios e mercadores fenícios, cujo comércio se estendia a todo o Mediterrâneo e fazia a mais perigosa concorrência aos gregos. A viagem dos argonautas, com as suas maravilhosas descrições de povos e países longínquos, é também uma autêntica epopéia marítima.”

Esta elevada estima pelo direito por parte dos poetas e dos filósofos não precede a realidade, como se poderia pensar. Pelo contrário, é apenas o reflexo da importância fundamental que aqueles progressos deviam ter na vida pública daqueles tempos, i.e., desde o séc. VII até o início do séc. VI.”

o aumento da oposição entre os nobres e os cidadãos livres, a qual deve ter surgido em conseqüência do enriquecimento dos cidadãos alheios à nobreza, gerou facilmente o abuso político da magistratura e levou o povo a exigir leis escritas. As censuras de Hesíodo contra os senhores venais, que na sua função judicial atropelavam o direito, eram o antecedente necessário dessa reclamação universal.”

Dizia-se das partes contenciosas que <dão e recebem dike>. Assim se compendiava numa palavra só a decisão e o cumprimento da pena. O culpado <dá dike>, o que equivale originariamente a uma indenização, ou compensação. O lesado, cujo direito é reconduzido pelo julgamento, <recebe dike>. O juiz <reparte dike>. Assim, o significado fundamental de dike equivale aproximadamente a dar a cada um o que lhe é devido. (…) O alto sentido que a palavra recebe na vida da polis posterior aos tempos homéricos não se desenvolve a partir desse significado exterior, e sobretudo técnico, mas sim do elemento normativo que encontra no fundo daquelas antigas formas jurídicas, conhecidas de todo mundo. (…) hybris [ou hubris] – palavra cujo significado original corresponde à ação contrária ao direito. [arrogância, prepotência: arroga-se um direito que efetivamente não tem, não segue o caminho justo] Enquanto themis refere-se principalmente à autoridade do direito, sua legalidade e sua validade, dike significa o cumprimento da justiça. Assim se compreende que a palavra dike se tenha convertido necessariamente em grito de combate de uma época em que se batia pela consecução do direito uma classe que até então o recebera apenas como themis, quer dizer, como lei autoritária.”

Os próprios nobres tinham de submeter-se ao novo ideal político que surgiu da consciência jurídica e se tornou medida para todos. (…) Encontramos, desde os tempos mais recuados, uma série de palavras que designam certos gêneros de delitos, como adultério, assassínio, rapto, furto. Mas falta-nos um conceito genérico para designar a propriedade pela qual evitamos aquelas transgressões e nos mantemos dentro dos justos limites.”

O conceito de justiça, tida como a forma de arete que engloba e satisfaz todas as exigências do perfeito cidadão, supera naturalmente todas as formas anteriores. Todavia, os graus anteriores da arete não são por isso suprimidos: ao contrário, são elevados a uma nova forma.”

A raiz da ética filosófica de Platão e Aristóteles na ética da velha polis foi desconhecida dos tempos posteriores, habituados a encará-la como a ética absoluta e intemporal. Quando a Igreja cristã começou a estudá-la, achou estranho que Platão e Aristóteles chamassem virtudes morais à fortaleza e à justiça. Mas teve de conformar-se com este fato original da consciência moral dos gregos. (…) fizeram-se por isso inúmeras teses sobre a questão de saber se a fortaleza é uma virtude e como é que pode sê-lo. A aceitação consciente da antiga ética da polis pela moral filosófica posterior e a influência que por meio desta ela exerceu sobre o futuro são para nós um processo perfeitamente natural da história do espírito.”

A educação pública dos jovens é, porém, uma exigência que a filosofia do séc. IV foi a primeira a formular. Esparta é o único dos Estados mais antigos a exercer influência imediata na formação da juventude.”

É com razão que Platão denomina <antiga formação> a ginástica e a música. O cuidado que as cidades dedicaram, sob a forma de grandes e onerosos concursos, a esta formação, originalmente aristocrática, não se limitava a desenvolver o espírito de luta e o interesse musical. Era na competição que se formava o verdadeiro espírito comunitário. Assim se compreende facilmente o orgulho que os cidadãos gregos tinham em serem membros da sua polis. Para a identificação total de um grego exigia-se não só o seu nome e o do seu pai, mas também o da sua cidade natal.”

Com razão, o legislador era considerado educador do seu povo, e é característico do pensamento grego que ele seja freqüentemente colocado ao lado do poeta, e as determinações da lei junto das máximas da sabedoria poética.”

Mas na filosofia da natureza de Anaximandro de Mileto, por volta do séc. VI, ainda achamos um reflexo mais primitivo da idéia de lei. Transpõe para o reino da natureza a representação da dike da vida social da polis e explica a conexão causal da geração e corrupção das coisas como contenda jurídica, em que, por sentença do tempo, elas terão de expiar e pagar indenização conforme as injustiças que cometeram.” “vê-se bem como é profunda a conexão entre o nascimento da consciência filosófica nos jônios e a origem do Estado jurídico.”

O homem não é só <idiota>; é <político> também. Precisa ter, ao lado da habilidade profissional, uma virtude cívica genérica, pela qual se põe em relações de cooperação e inteligência com os outros, no espaço vital da polis. (…) a nova política do homem não pode estar vinculada, como a educação popular de Hesíodo,¹ à idéia do trabalho humano. (…) Se contemplarmos o processo evolutivo da educação grega a partir do ponto de vista hodierno inclinar-nos-emos a crer que o novo movimento teria de aceitar o programa de Hesíodo: substituir a formação geral da personalidade, própria dos nobres, por um novo conceito de educação popular, em que se avaliaria cada homem pela eficácia do seu trabalho específico, e o bem da comunidade resultaria de cada um realizar com a máxima perfeição possível o seu trabalho particular,¹ tal como o aristocrata Platão exigia no Estado autoritário da sua República, dirigido por uma minoria espiritualmente superior. Estaria de acordo com o tipo de vida popular e a diversidade dos seus mestres; o trabalho não seria uma vergonha, mas o fundamento único da consideração citadina. No entanto, e sem prejuízo do reconhecimento deste importante fato social, a evolução real seguiu um curso completamente diverso.”

¹ O camponês utilitário

² O trecho sublinhado soa familiar?

Esta aptidão <geral>, política, pertencia até então unicamente aos nobres. (…) O novo Estado não podia esquecer esta arete, se compreendia corretamente os seus próprios interesses.” “o ideal do cidadão permaneceu o que Fênix já ensinara a Aquiles: estar apto a proferir belas palavras e a realizar ações. Os homens dirigentes da burguesia ascendente¹ deviam atingir este ideal, e até os indivíduos da grande massa deviam participar, em certa medida, no pensamento desta arete.”

¹ Muito me incomoda este tipo de vocábulo anacrônico de Jaeger ao longo de toda a obra: até que ponto é lícito chamar uma classe não-plebéia porém não-aristocrática nascente na Antiguidade de “burguesia”, termo insólito no contexto? Vou criticar o mesmo de novo mais adiante!

Cabe a questão: o Homem ainda é um animal político? A sociedade parece mais com um vespeiro.

Para Sócrates, filho de um pedreiro, um simples operário,¹ constituía um paradoxo surpreendente o fato de um sapateiro, um alfaiate ou um carpinteiro precisarem no seu trabalho de um certo saber autêntico, ao passo que ao político bastava uma educação genérica, de conteúdo bastante indeterminado, embora o seu <ofício> tratasse de coisas muito mais importantes. (…) Observada por este prisma, a falta daquela habilidade especial aparecia diretamente como a essência da democracia. (…) Quando o novo estado (sic) jurídico apareceu, a virtude dos cidadãos consistiu na livre submissão de todos, sem distinção de dignidade ou de sangue, à nova autoridade da lei. (…) Neste sentido, não existia o problema da cooperação.”

¹ De novo… Operário!

O ANTI-MESSIAS & O HOMEM-URBANO: “Aristóteles designa o Homem como ser político e, assim, distingue-o do animal pela sua qualidade de cidadão. Esta identificação da humanitas, do ser-homem, com o Estado, compreende-se apenas na estrutura vital da antiga cultura da polis grega, para a qual a vida em comum é a súmula da vida mais elevada e adquire até uma qualidade divina.”

Platão dá-nos uma transcrição fiel do sentido originário da <cultura geral>, segundo o espírito da primitiva polis grega. (…) A verdadeira educação é para Platão uma formação <geral>, porque o sentido do político é o sentido do geral.” O homem acusado de precipitar o mundo em decadência (Nietzsche), veja só, não passava de um inveterado nostálgico de tempos insondáveis!

A antiga cidade-estado (sic) é o 1º estágio, depois da educação nobre, na caminhada do ideal <humanista> para uma educação ético-política geral e humana. Aliás, podemos dizer que foi esta a sua verdadeira missão histórica. (…) Não se pode calcular o seu valor nem pelo gênio de cada um dos chefes, cuja aparição depende de condições excepcionais, nem pela sua utilidade para a multidão, à qual não se pode transmitir sem um efeito nivelador sobre as 2 partes. (…) O ideal de uma arete política geral é indispensável, dada a necessidade da formação contínua de uma camada de dirigentes, sem a qual nenhum povo ou Estado pode subsistir, qualquer que seja a sua constituição.” A Europa é um verdadeiro milagre!

1.6 A autoformação do indivíduo na poesia jônico-eólica

Todavia, (…) não achamos, à primeira vista, uma expressão equivalente do novo ideal de cidadão na poesia da época.” “Apenas podemos mencionar as histórias relativas à fundação de certas cidades, redigidas num estilo épico convencional. Mas nenhuma destas obras da cultura citadina primitiva, já numericamente raras, se eleva à importância de uma verdadeira epopéia do Estado, como entre os romanos foi a Eneida de Virgílio, a última das grandes obras do gênero. (…) foi na criação da prosa que o novo ethos do Estado encontrou a sua verdadeira expressão revolucionária.”

nenhum escritor jônico ou eólico captou o heroísmo político interior de Sólon, que se tornaria a fonte de uma nova grande poesia.”

As conexões causais entre o espiritual e o material permanecem na maior obscuridade por ausência completa de qualquer tradição relativa às condições econômicas da época. (…) E este vestígio do espírito jônico tem a maior importância para a história dos gregos e da humanidade.”

Até os animais, nas disputas das fábulas, reclamam uns aos outros os <seus direitos>, em humorística imitação das relações humanas.”

COISAS QUE HEGEL NÃO VÊ: “É altamente significativo que o tipo de individualismo que com assombrosa independência se manifesta nestas poesias pela primeira vez, não se exprima, à maneira moderna, como simples experiência da sensibilidade do eu” “Este moderno tipo de individualismo poético não é mais do que um retorno às formas primitivas e naturais da arte” “Nada é mais insensato do que julgar que foram os gregos os primeiros a trazerem ao mundo o sentimento e o pensamento individual. Pelo contrário (…) a lírica chinesa, tão aparentada à moderna.”

não nos é fácil conceber com clareza e precisão o que Arquíloco e outros poetas da sua espécie entenderam por individualidade.” “As manifestações da individualidade nunca são exclusivamente subjetivas. Seria preferível dizer que, numa poesia como a de Arquíloco, o eu individual busca exprimir e representar em si próprio a totalidade do mundo objetivo e suas leis.”

Os heróis homéricos teriam sentido a perda do Escudo como a ruína de sua honra e prefeririam sacrificar a vida a sofrer semelhante afronta. O novo herói de Paros exprime as suas reservas neste ponto e está certo de provocar o riso dos seus contemporâneos, quando diz: Um dos Saios, nossos inimigos, regozija-se agora com o meu escudo, arma impecável que sem querer deixei ficar num matagal. No entanto, escapei à morte, que é o fim de tudo. Quero lá saber deste escudo! Comprarei outro melhor. A deliciosa mescla do moderno¹ humor naturalista (alheio a qualquer tipo de ilusões, e segundo o qual até um herói só tem uma vida para perder) com a nobre ressonância da retórica épica, que nos fala de <arma impecável> e da morte que <é o fim de tudo>, é fonte inesgotável de efeitos cômicos. Protegido por eles, o esforçado desertor pode aventurar a sua insolente conclusão e afirmar com sinceridade desconcertante: Comprarei outro melhor! Que é um escudo, afinal, senão um pedaço de pele de boi curtida, com uns adornos de metal brilhante!

¹ Novamente o incômodo com a palavra.

na audaciosa afirmação pessoal de Arquíloco em face das limitações do decoro tradicional e na decidida franqueza com que a mantém, já se encontra implícita a consciência de poder ser não apenas mais descarado, mas também mais espontâneo e sincero do que aquele que está submetido com mais rigor ao código moral.”

Se nos afligimos com a maledicência do povo, não desfrutamos o prazer da vida. A inércia e o comodismo da natureza humana tiveram certamente neste processo de emancipação um papel não-desprezível, e é evidentemente nesta direção que aponta a raiz da palavra.”

Já Homero ensinava que o espírito do Homem é tão mutável como os dias que Zeus ilumina. Arquíloco aplica ao mundo da vida que o rodeia esta sabedoria homérica. (…) A ética da antiga nobreza venerava a Fama como uma força superior, porque tinha dela uma idéia muito diferente: a honra das grandes façanhas e o seu jovial reconhecimento no círculo dos espíritos nobres. Transferida para a massa invejosa, que mede tudo que é grande pela sua própria e acanhada medida, perde qualquer sentido.”

Foi com certa precipitação que se atribuiu a condições de caráter pessoais a totalidade da poesia iâmbica, de conteúdo em grande parte exprobratório. Julga-se legítimo, neste como em qualquer outro gênero de poesia, pensar numa explicação puramente psicológica e encarar a poesia como resultante da expansão imediata da subjetividade amarga do seu criador. Esquece-se, assim, que a aparição da sátira literária da primitiva cidade grega é um fenômeno característico da época em que se expande a importância crescente do demos. Originariamente, o iambo era de uso corrente nas festas públicas de Dionisos (sic) e correspondia antes à explosão de um sentimento popular do que à expressão de um rancor pessoal. Prova disso é que o espírito do iambo se incorpora com a maior fidelidade e continua na comédia ática, onde o poeta aparece claramente como o porta-voz da crítica possível.”

Quero contar-vos uma fábula…, assim começa a história do macaco e da raposa. A fábula da raposa e da águia começa do mesmo modo: Existe entre os homens uma fábula que reza assim…

Porque em Hesíodo encontra-se freqüentemente esse tema, quis-se deduzir a sua hostilidade pelas mulheres de certo romance passional cuja experiência amarga se teria refletido dessa maneira. Todavia, a troça contra as mulheres e o sexo feminino é um dos temas mais antigos da sátira popular em reuniões públicas. A sua repetição em Semônides de Amorgos não é só uma débil imitação de Hesíodo; ela se vincula, sim, com o antigo e verdadeiro iambo, que nunca consistiu na simples injúria e difamação pública de uma pessoa a quem se quer mal. (…) a sua contrapartida, a sátira contra os homens, também não faltou, embora antes de Aristófanes não a encontremos na poesia.”

E qual podia ser o valor ideal ou artístico da simples explosão do ódio ou da raiva pessoal, mesmo expressos da forma mais bela? Se assim fosse, não se teria escutado muitos séculos depois, a voz de Arquíloco ao lado daquela de Homero, nos concursos musicais, não o teriam considerado, como testemunha Heráclito, mestre dos gregos, não teriam captado a íntima ligação dos seus poemas como a consciência geral do mundo circundante.”

Píndaro, o mestre da educação com base no elogio das virtudes nobres, diz: Vi ao longo o satirizante Arquíloco, desamparado e na maior indigência, a cevar-se nas mais violentas e ofensivas inimizades.

A religiosidade de Arquíloco tem raízes no problema da tyche. A sua experiência de Deus é a experiência da tyche. O conteúdo destas considerações, e em parte o seu vocabulário, vem de Homero. Mas a luta do Homem contra o destino é transferida do mundo sublime dos heróis para a esfera da vida cotidiana.” “A partir daí, o desenvolvimento da idéia de tyche entre os gregos segue os passos do desenvolvimento do problema da liberdade humana. O esforço para alcançar a independência significa, em grande medida, a renúncia a muito do que o Homem recebeu da tyche como dom.”

Este primeiro grande monólogo da literatura grega surge da transferência da exortação a outra pessoa, tal como era de uso no iambo e na elegia, para a própria pessoa daquele que fala e que assim se desdobra e é, por um lado, orador, e, por outro, espírito que pensa e quer.”

Não te deves pavonear perante o mundo, quando venceres, nem abater-te e lamentar-te quando fores vencido; alegra-te com o que é digno de alegria, não desfaleças em excesso; na desgraça, conhece o ritmo que mantém os homens nos seus limites.”

A aplicação da palavra ao movimento da dança e à música, da qual deriva a nossa palavra, é secundária e esconde o seu significado fundamental. Antes de mais nada, devemos perguntar como é que os gregos entenderam a essência da dança e da música.”

Ritmo é aqui o que impõe firmeza e limites ao movimento e ao fluxo. (…) Também Demócrito fala do ritmo do átomo no primitivo e autêntico sentido e por ele entende não o movimento do átomo, mas sim, como já Aristóteles corretamente interpretou, o seu <esquema>. (…) É evidente que, quando os gregos falam do ritmo de um edifício ou de uma estátua, não se trata da transposição metafórica da linguagem musical. E a intuição originária que se encontra no âmago da descoberta grega do ritmo da dança e da música não se refere à fluência destas, mas sim, pelo contrário, as suas pausas e à constante limitação do movimento.”

Revela-se uma auto-submissão às próprias limitações, consciente e livre da autoridade da mera tradição. O pensamento humano torna-se dono de si próprio e, assim como aspira a submeter a vida da polis a leis universalmente válidas, também penetra, para além destes limites, na esfera da interioridade humana e também coloca balizas no caos das paixões. Nos séculos seguintes, o palco desta luta é a poesia, dado que a filosofia só mais tarde, e em segundo plano, nela toma parte.”

A poesia da nova época nasce da necessidade, experimentada pelo indivíduo livre, de separar progressivamente o humano do conteúdo mítico da epopéia, na qual se havia exprimido até então.”

Seres de um só dia, como os animais no prado, vivemos ignorantes do modo que a divindade usará para levar cada coisa a seu fim. Vivemos todos da esperança e da ilusão; os seus desígnios, porém, nos são inacessíveis. …”

Semônides, frag. 1

Enquanto dura a flor dos anos, os mortais andam de coração leve e traçam mil planos irrealizáveis. Ninguém pensa na velhice ou na morte. E, enquanto têm saúde, não curam da enfermidade. Insensatos os que assim pensam e não sabem que para os mortais é breve o tempo da juventude e da existência. Aprende tu isto e, meditando no fim da vida, deixa a tua alma gozar um pouco de prazer. A juventude surge aqui como fonte de todas as ilusões exageradas e de todos os empreendimentos desmedidos, porque não tem presente a sabedoria de Homero, que recorda a brevidade da vida. Singular e nova é a conseqüência tirada desta afirmação pelo poeta: a exortação a gozar os prazeres da vida enquanto é tempo. Isto não se encontra em Homero.”

Foi na Jônia que pela 1ª vez surgiu uma poesia hedonista”

O que em Arquíloco age mais como o extravasamento acidental de uma natureza forte e de um sentimento pessoal e passageiro torna-se, para os seus sucessores, a sabedoria total da vida e traduz-se em exigência universal, no ideal de uma vida que desejam partilhada por todos os homens. Sem a loira Afrodite não há vida nem prazer! Preferia estar morto – proclama Mimnermose tivesse de não mais gozar dela. Nada haveria de mais errôneo do que imaginar um poeta como Mimnermo um sensual voluptuoso e decadente. De Semônides não conhecemos o bastante para formarmos uma idéia cabal da sua personalidade. Alguns poemas de Mimnermo possuem um tom político e guerreiro e atestam pelos seus versos homéricos, tensos e vigorosos, uma consciência e tradição cavaleiresca.”

Do ponto de vista histórico, a poesia hedonista é um dos momentos críticos mais importantes da evolução grega. Só é preciso lembrar que o pensamento grego colocava sempre o problema do indivíduo, na ética e na estrutura do Estado, como um conflito no predomínio do prazer e da nobreza. Na sofística revela-se abertamente o conflito entre estes dois impulsos de toda a ação humana, e a filosofia de Platão culmina com a vitória sobre a aspiração do prazer a tornar-se o mais alto bem da vida humana.”

para que se chegasse, por fim, a uma fórmula harmônica tal como oferece o ideal da personalidade humana proposto por Aristóteles, foi preciso que a busca da alegria plena de viver e do gozo do prazer achasse uma afirmação resoluta e fundamental em face da exigência da nobreza, mantida pela epopéia e pela antiga elegia.”

não se pode esquecer que Arquíloco é um precursor da lírica eólica, embora os seus poemas, inclusive os de ódio, em que se manifesta com paixão a sua subjetividade, se orientem ainda por normas universais da sensibilidade moral. A lírica eólica, principalmente em Safo, chega muito mais longe e converte-se em pura expressão do sentimento.”

a conexão viva das canções de Alceu dedicadas à bebida com os banquetes masculinos, e das canções nupciais e amorosas de Safo com os círculos musicais das jovens companheiras que se agrupam em redor da poetisa”

Reflexões piedosas, serenas ou resignadas sobre o curso do mundo e o destino enlaçam-se de forma totalmente nova com uma filosofia de bebedores que sepulta todas as agruras da vida pessoal na embriaguez dionisíaca. Assim, o tom individual desta lírica não é incompatível com a convivência da sociedade dos homens, embora se vá estreitando o círculo das pessoas ante as quais se pode manifestar a personalidade individual.”

Na prece, o Homem encontra-se também na atitude original, na sua nua solidão pessoal, perante o Ser. Ao dirigir-se à força divina como a um tu invisível mas presente, o suplicante converte-se ainda mais em órgão de expressão dos seus próprios sentimentos e emoções, e expande-se, liberto de qualquer testemunha humana. Em parte alguma isto se manifesta de maneira tão bela como em Safo. § Tudo se passa como se o espírito grego precisasse de Safo para dar o último passo no mundo da intimidade do sentimento subjetivo. Os gregos deviam ter sentido isto como algo de muito grande quando, no dizer de Platão, honraram Safo como a décima musa. A poesia feminina não é insólita na Grécia. Mas nenhuma colega na arte chegou à altura de Safo. Esta é singular. Comparada, porém, com a riqueza da poesia de Alceu, a lírica de Safo é muito limitada. Está circunscrita ao mundo das mulheres que a rodeiam, e ainda assim sob o ponto de vista da vida em comum entre a poetisa e o círculo das suas donzelas. A mulher como mãe, amante, ou esposa, que aparece na poesia grega com a maior freqüência e é celebrada pelos poetas de todos os tempos, dado que é com essa imagem que vive na poesia do homem, não aparece na poesia de Safo senão fortuitamente, por motivo do ingresso ou da saída de alguma das donzelas do seu círculo. Não é objeto de inspiração poética para Safo. A mulher entra no seu círculo como a garotinha que acaba de deixar o seio materno. Sob a proteção de uma mulher solteira, cuja vida está votada, como a de uma sacerdotisa, ao serviço das musas, recebe a consagração da beleza, por meio de danças, cânticos e jogos.”

Entre a casa paterna e a vida matrimonial situa-se uma espécie de mundo ideal intermediário que só podemos conceber como uma educação da mulher de acordo com a mais alta nobreza da alma feminina. A existência do círculo de Safo pressupõe a concepção educativa da poesia, evidente para os gregos desse tempo.”

Salta aos olhos desprevenidos o paralelo entre o eros platônico e o eros sáfico. § Esse eros feminino, cujas flores poéticas nos encantam pela delicadeza do seu aroma e pelo esmalte das suas cores, teve força suficiente para fundar uma verdadeira comunidade humana. (…) Existia na charis sensual dos jogos e danças e encarnava na grandeza da forma que estava presente como modelo na comunidade das companheiras. A lírica sáfica atinge os seus momentos culminantes na solicitação quente ao coração agreste e ainda não aberto de uma donzela”

Agora interessa-nos aqui muito menos a verificação da existência de um aspecto sensual na erótica sáfica do que a plenitude de sentimento que abala poderosamente a totalidade da alma humana. A poesia de amor masculina nunca atingiu na Grécia a profundidade espiritual da lírica de Safo. Só mais tarde a polaridade do espiritual e do sensual ganhou real importância na vida erótica, até penetrar profundamente na alma e preencher a vida inteira. § Esta transformação da sensibilidade masculina foi considerada uma efeminação helenística. Em todo o caso, nos primeiros tempos só a mulher era capaz daquela entrega total da alma e dos sentidos, único sentimento que, para nós, merece a designação de amor. (…) Naquele tempo, ainda estranho ao conceito de matrimônio por amor, era difícil surgir na mulher o amor pelo homem. Do mesmo modo, foi apenas na forma do eros platônico que o amor do homem, na sua mais elevada espiritualização, conseguiu em relação à mulher a sua expressão poética. Seria anacronismo interpretar o amor de Safo, sempre ligado à sensibilidade sensual, como o equivalente do anseio metafísico da alma platônica pela Idéia, que é o segredo do seu eros. No entanto, (…) É daqui que deriva a grande dor que dá à poesia de Safo não só o terno encanto da melancolia, mas ainda a elevada nobreza da verdadeira tragédia humana.

A lenda, que cedo se apoderou da sua figura, explicou o mistério que envolve a sua pessoa e a sua vida sentimental por meio da história de um amor infeliz por um belo homem de nome Fáon, e pintou a sua tragédia no dramático salto dos rochedos de Lêucade abaixo. Mas o homem está completamente ausente do seu mundo. Aparece, quando muito, à margem desse mundo, como pretendente de uma das suas queridas pequenas, e é olhado com indiferença.”

Basta-me ver-te e ficam mudos os meus lábios, ata-se a minha língua, um fogo sutil corre sob a minha pele, tudo escurece ante o meu olhar, zunem-me os ouvidos, escorre por mim o suor, acometem-me tremores e fico mais pálida que a palha; dir-se-ia que estou morta.”

Onde encontraremos na arte ocidental algo que, antes de Goethe, se compare a ela?”

Alguns dizem que o que há de mais belo na Terra é um esquadrão de cavalaria; outros, um exército de guerreiros apeados; outros ainda, uma esquadra de navios; mas o mais belo é ser amado por quem o coração suspira.”

1.7 Sólon: começo da formação política de Atenas

A pujança ática só atingiu o apogeu um século depois, com a tragédia de Ésquilo.”

Imaginemos que se tivessem perdido todos os vestígios dos poemas de Sólon. Sem eles não estaríamos em condições de compreender o que há de mais grandioso e memorável na poesia ática contemporânea da tragédia e nem a vida espiritual inteira de Atenas – a perfeita interpenetração de toda a produção espiritual grega com a idéia do Estado.”

A SÍNTESE ESPARTA-JÔNIA-ATENAS: “Em Esparta faltava o traço de união entre a força educadora implícita na nova ordem jurídica que regia a vida política e a liberdade sem rédeas dos poetas jônicos, no pensamento e na palavra. A cultura ática foi a primeira a equilibrar as duas forças”

Os monumentos clássicos da cultura política grega, de Sólon até Platão, Tucídides e Demóstenes, são, na sua totalidade, criação dos filhos da Ática.”

O primeiro passo para a edificação do direito do sangue, as proverbiais <leis draconianas>, significou mais uma consolidação das relações recebidas que um rompimento com a tradição. Tampouco as leis de Sólon queriam suprimir o domínio dos nobres como tal. Foi a reforma de Clístenes, após a queda da tirania dos Pisistrátidas, que acabou violentamente com ele.”

Os conceituados proprietários apreciadores de cavalos, que nos vasos arcaicos vemos pintados, conduzindo os seus carros velozes por ocasião de uma festa ou, mais freqüentemente, para assistirem ao funeral de algum companheiro, opunham-se aos servos que trabalhavam no campo como massa compacta. O mais egoísta espírito de casta e a distância altaneira dos superiores e terratenentes em face das classes inferiores opunham uma barreira inamovível às exigências da população, cuja situação desesperada Sólon descreve comovido, no seu grande iambo.”

A proibição, por Sólon, do fausto asiático e das lamentações das mulheres, em uso até então nas cerimônias fúnebres dos senhores mais importantes, foi uma concessão ao sentimento popular.”

No que se refere ao tempo de Sólon, a deusa sentada do museu de Berlim é a representação perfeita da altivez feminina nesta antiga aristocracia ática.” Talvez se refira a esta escultura de Perséfone:

Sem o estímulo do Oriente jônico, seria inconcebível principalmente o movimento político nascido da massa economicamente fraca com a figura de Sólon, seu chefe proeminente, em que se interpenetram inseparavelmente o ático e o jônico.” “A sua linhagem poética é o jônico mesclado de formas áticas, pois, naquele tempo, o ático ainda não estava apto a ser empregado na alta poesia.”

A Eunomia é, como Dike, uma divindade – Hesíodo dá-lhe o nome de irmãs na Teogonia – e tem também uma ação imanente.” “Convém recordar que na Jônia Tales e Anaximandro, filósofos da natureza milesianos, ensaiavam por essa época as primeiras passadas na ousada senda do conhecimento de uma lei estável do devir eterno da natureza.”

A tirania, i.e., o domínio exercido sobre a aristocracia restante por uma estirpe nobre e o seu chefe, apoiados na massa popular, era o perigo mais temível que Sólon podia pintar aos olhos da sociedade ática dos eupátridas (…) É altamente significativo que ele nos fale do perigo da democracia. Por imaturidade das multidões, esse perigo era longínquo ainda.” “é característico da natureza humana que, apesar desta intuição, Atenas se tenha visto igualmente forçada a passar pela regência dos tiranos.”

Se foi por debilidade vossa que haveis sofrido o mal, não lanceis sobre os deuses o peso da culpa. Fostes vós próprios que permitistes a esta gente que se engrandecesse, dando-lhe a força e caindo por isso em vergonhosa servidão.”

Sólon, frag. 8

Moira torna fundamentalmente inseguros todos os esforços humanos, por mais sérios e coerentes que pareçam, e não há previsão que possa evitar esta Moira, como era evitada a desgraça proveniente da culpa pessoal, na primeira parte do poema. Atinge os bons e os maus, sem distinção. É totalmente irracional a relação entre o nosso esforço e o nosso êxito.” “A insegurança do êxito dos melhores esforços não acarreta a resignação nem a renúncia ao próprio esforço.”

A interpretação da divina Moira como força de equilíbrio necessária nas inevitáveis diferenças econômicas entre os homens prescreve uma linha de conduta a sua ação política.”

Jamais um estadista se elevou tão acima da mera vontade de poder como Sólon, que deixou o país e partiu em longa viagem, assim que deu por finda a sua obra legislativa. Não se cansa de salientar que não aproveitou a sua situação para enriquecer ou tornar-se um tirano, como em seu lugar teria feito a maioria, e preza-se de ser alcunhado de néscio por não ter aproveitado a ocasião.”

Semônides ensinou ser a vida tão breve e tão fértil em dores e canseiras que não devemos chorar um defunto por mais que um dia após a morte.”

Não há homem feliz. Todos os mortais debaixo do sol estão mergulhados em canseiras.”

Sólon, frag. 5

À massa basta submeter-se às leis que lhe são impostas. Mas aquele que as impõe precisa ter uma alta medida, que não se encontra afixada em parte alguma.”

Pela sua união do Estado e do espírito, da comunidade e do indivíduo, Sólon é realmente o primeiro ateniense.”

1.8 O pensamento filosófico e a descoberta do cosmos

Os <pré-socráticos> constituíram, desde Aristóteles, o problema histórico e o fundamento sistemático da filosofia ática clássica, i.e., o platonismo.”

A sofística é um acontecimento de tipo educativo, no sentido mais próprio. Só uma história da educação pode dar-lhe o verdadeiro valor. Em geral, o conteúdo teórico da sua doutrina é escasso.”

A filosofia jônica da natureza sucede a epopéia sem solução de continuidade.” “Não é fácil definir se a idéia dos poemas homéricos, segundo a qual o Oceano é a origem de todas as coisas, difere da concepção de Tales, que considera a água o princípio original do mundo; seja como for, é evidente que a representação do mar inesgotável colaborou para a sua expressão.”

Mitogonia autêntica ainda encontramos na filosofia de Platão e na de Aristóteles. São exemplos o mito da alma em Platão e, em Aristóteles, o amor das coisas pelo motor imóvel do mundo.”

Se representarmos o mundo por uma série de círculos concêntricos, a partir da exterioridade da periferia para a interioridade do centro, veremos que o processo pelo qual o pensamento racional toma posse do mundo se realiza na forma de uma penetração progressiva que vai das esferas exteriores para as mais profundas e interiores, até chegar, com Sócrates e Platão, ao centro, quer dizer, à alma. A partir deste ponto, realiza-se, no neoplatonismo, um movimento inverso até o fim da filosofia antiga.”

Se juntarmos à filosofia da natureza tudo o que a poesia jônica a partir de Arquíloco e a poesia de Sólon trouxeram ao pensamento construtivo no campo religioso e ético-político, ficará evidente que nos basta quebrar os limites que separam a prosa da poesia para obtermos uma imagem completa da evolução do pensamento filosófico, na qual também está compreendido o reino humano.”

O problema do Homem não foi encarado pelos gregos, a princípio, do ponto de vista teórico. Mais tarde, no estudo dos problemas do mundo externo e particularmente da Medicina e da Matemática, é que se descobriram intuições do tipo de uma techne exata, que serviram de modelo para a investigação do homem interior. Recordemos as palavras de Hegel: o rodeio é o caminho do espírito.”

O que logo se evidencia na figura humana destes primeiros filósofos – que, naturalmente, não deram a si próprios este nome platônico – é a sua típica atitude espiritual: devotamento incondicional ao conhecimento, estudo e aprofundamento do ser, em si mesmo. (…) A tranqüila indiferença daqueles investigadores pelas coisas que aos demais homens pareciam importantes, como o dinheiro, as honras e até o lar e a família, a sua aparente cegueira com relação aos seus próprios interesses e a sua indiferença perante as emoções da praça pública deram origem às conhecidas anedotas sobre a atitude espiritual daqueles pensadores. Recolhidas principalmente pela Academia platônica e pela escola peripatética, foram propostas como exemplo e modelo do BIOS POLITIKOS, considerado por Platão como a autêntica práxis dos filósofos.”

WHY THE SKY? “O sábio Tales, absorto na contemplação de um fenômeno celeste qualquer, cai dentro de um poço, e a sua criada trácia faz pouco dele, por querer saber as coisas do céu e não ver o que está sob os seus pés. Pitágoras, quando lhe perguntam para quê vive, responde: para contemplar o céu e as estrelas. Anaxágoras, acusado de não se interessar pela família nem pela pátria, aponta com a mão o céu e diz: eis a minha pátria. É comum a todos aquele incompreensível devotamento ao conhecimento do cosmos, à <meteorologia>, como então se dizia num sentido mais vasto e mais profundo, i.e., a ciência das coisas do alto. A conduta e as aspirações dos filósofos são desmedidas e extravagantes, no sentido do povo, e é crença popular dos gregos que aqueles homens sutis e sonhadores são infelizes (…) [Este sentimento] refere-se evidentemente à hybris, pois o pensador ultrapassa os limites impostos ao espírito humano pela inveja dos deuses.

Existências deste tipo, audaciosas e solitárias, só na Jônia, numa atmosfera da maior liberdade pessoal, podiam desabrochar. Esta gente insólita era, ali, deixada em paz, quando em qualquer outro local teria suscitado escândalo e enfrentado toda a espécie de dificuldades. Na Jônia, homens da classe de Tales de Mileto cedo ganhavam popularidade, eram transmitidas com interesse as suas sentenças e afirmações e contavam-se anedotas a seu respeito.”

Pelo que sabemos, foi Anaximandro o primeiro que teve a coragem de escrever em prosa as suas idéias e de difundi-las, tal como o legislador escrevia as suas tábuas. O filósofo elimina com isso a intimidade do seu pensamento”

Hecateu de Mileto começa o seu tratado genealógico com estas palavras ingênuas: Diz Hecateu de Mileto: variados e ridículos são os discursos dos gregos; eu, porém, Hecateu, digo o seguinte.

Só é verdade o que <eu> posso explicar por razões concludentes, aquilo que o <meu> pensamento consegue justificar perante si próprio. Toda a literatura jônica, desde Hecateu e Heródoto, criador da Geografia e da Etnologia e pai da História, até os médicos, em cujos escritos se encontram os fundamentos da ciência médica durante vários séculos, está impregnada deste espírito e usa nas suas críticas aquela forma pessoal característica.”

No conceito grego de physis estavam, inseparáveis, as duas coisas: o problema da origem – que obriga o pensamento a ultrapassar os limites do que é dado na experiência sensorial – e a compreensão, por meio da investigação empírica, do que deriva daquela origem e existe atualmente.”

A conexão do nascimento da filosofia naturalista com Mileto, a metrópole da cultura jônica, torna-se clara, se notamos que os seus 3 primeiros pensadores – Tales, Anaximandro e Anaxímenes – viveram no tempo da destruição de Mileto pelos persas (início do séc. V).”

Tomaremos o exemplo de Anaximandro, a figura mais imponente dos físicos milesianos, para elucidarmos o espírito daquela filosofia arcaica. É ele o único de cuja concepção de mundo podemos obter uma representação exata. Nele se revela a prodigiosa amplitude do pensamento jônico. Foi ele quem primeiro criou uma imagem do mundo de verdadeira profundidade metafísica e rigorosa unidade arquitetônica. Foi ele também o criador do primeiro mapa da Terra e da geografia científica.” “O mundo de Anaximandro é construído segundo rigorosas proporções matemáticas. O disco terrestre da concepção homérica não passa de uma representação ilusória. Na realidade o caminho diário do Sol do Oriente para o Ocidente passa por baixo da Terra, de modo a reaparecer no Oriente, no seu ponto de partida. O mundo não é, assim, uma meia-esfera, mas uma esfera completa, em cujo centro se situa a Terra.”

E o diâmetro da Terra tem 3 vezes a sua altura, pois a Terra tem a forma de um cilindro achatado. Não se apóia numa base sólida nem cresce para o ar, como uma árvore, a partir de raízes invisíveis e profundas.(*) Está suspensa no espaço do mundo.

(*) Na cosmogonia órfica de FERECIDES, que em parte se liga às concepções míticas mais antigas, fala-se de um <carvalho alado>. Combina a doutrina de Anaximandro da livre suspensão com a representação da árvore que tem as raízes do infinito. PARMÊNIDES (frag. 15a) diz que a Terra <está enraizada na água>.”

não tenho qualquer escrúpulo em fazer retroceder até Anaximandro o germe dos esquemas cartográficos que Heródoto, Scylax e outros autores atribuem a Hecateu. A superfície da Terra divide-se em 2 partes aproximadamente iguais: a Europa e a Ásia. Aparece em separado um trecho da última: a Líbia. Rios caudalosos constituem as fronteiras. A Europa e a Líbia são divididas em 2 partes iguais, a primeira pelo Danúbio e a segunda pelo Nilo.” “o Oceano, nunca visto por olhos humanos, pelo menos a leste e ao norte.”

aquela grande máxima, a única de Anaximandro que nos foi diretamente transmitida: Onde estiver a origem do que é aí também deve estar o seu fim, segundo o decreto do destino. Porque as coisas têm de pagar umas às outras castigo e pena, conforme a sentença do tempo.

Muito se escreveu sobre esta frase, desde Nietzsche até Erwin Rhode, e várias interpretações místicas foram tentadas.”

A idéia de Sólon é esta: a dike não depende dos decretos da justiça terrena e humana nem resulta da simples intervenção externa de um decreto da justiça divina, como sucedia na antiga religião de Hesíodo. É imanente ao próprio acontecer, no qual se realiza para cada caso a compensação das desigualdades. Portanto, a sua inexorabilidade é o <castigo de Zeus>, a <paga dos deuses>. Anaximandro vai muito além. Essa compensação eterna não se realiza só na vida humana, mas também no mundo inteiro, na totalidade dos seres.” “Temos, portanto, o direito de caracterizar a concepção do mundo de Anaximandro como a íntima descoberta do cosmos. Esta descoberta não se podia fazer senão no fundo da alma humana. Nada se teria podido fazer com telescópios, observatórios ou qualquer outro tipo de investigação empírica. Foi da mesma faculdade intuitiva que brotou a idéia de infinidade dos mundos, atribuída a Anaximandro pela tradição.”

o Prometeu de Ésquilo chama a descoberta do número de obra-prima da sabedoria criadora da cultura.”

Assim, como freqüentemente sucede, deparamos com um conhecimento perene e infinitamente fecundo unido a uma aplicação prática equivocada. Esta audaciosa supervalorização aparece em todos os grandes momentos do pensamento racional.”

Só o conhecimento da essência da harmonia e do ritmo que dela brota já seria suficiente para garantir aos gregos a imortalidade na história da educação humana. É quase ilimitada a possibilidade de aplicação daquele conhecimento a todas as esferas da vida.”

A harmonia exprime a relação das partes com o todo. Está nela implícito o conceito matemático de proporção que o pensamento grego se figura em forma geométrica e intuitiva. A harmonia do mundo é um conceito complexo em que estão compreendidas a representação da bela combinação dos sons no sentido musical e a do rigor dos números, a regularidade geométrica e a articulação tectônica. É incalculável a influência da idéia de harmonia em todos os aspectos da vida grega dos tempos subseqüentes. Abrange a arquitetura, a poesia e a retórica, a religião e a ética.”

É para a história das religiões um mistério a estreita vizinhança que no culto délfico une Apolo e Dionisos. (…) Nenhum outro deus intervém tão profundamente na conduta pessoal. É provável que o espírito de limitação, ordem a clareza de Apolo nunca tivesse abalado tão profundamente a alma humana, se a funda e excitante comoção dionisíaca não houvesse previamente preparado o terreno, arredando toda a eukosmia burguesa. A religião délfica penetrou então de modo tão vivo e tão íntimo, que demonstrou ser apta a conduzir e colocar a seu serviço todas as forças construtivas da nação. Os <sete sábios>, os reis mais poderosos e os tiranos do séc. VI reconheceram naquele deus profético a suprema instância do conselho justo. No séc. V, Píndaro e Heródoto estavam profundamente imbuídos do espírito délfico e são os seus testemunhos mais notáveis.”

O sentido da sophrosyne grega seria mal-compreendido se interpretado como expressão de uma natureza inata, de uma índole harmônica e jamais perturbada. Para compreendê-la, basta perguntar por que foi justamente naquele tempo que ela irrompeu de forma tão imperativa, de modo a penetrar subitamente, nas profundezas mais inesperadas da existência e, principalmente, da intimidade humana. (…) A maior ofensa aos deuses é <não pensar humanamente> e aspirar à elevação exclusiva. A idéia da hybris, originariamente concebida de modo perfeitamente concreto na sua oposição à dike e limitada à esfera terrena do direito, cedo se estende à esfera religiosa. Compreende agora a pleonexia do Homem em face da divindade.” “A felicidade dos mortais é mutável como os dias. O Homem não deve, portanto, aspirar ao que está alto demais.” “O sóbrio relancear do espírito de investigação pela profundidade da natureza oferece ao Homem o espetáculo da geração e da corrupção incessantes, governado por uma legalidade universal indiferente ao Homem e ao seu insignificante destino, e que transcende com a sua férrea <justiça> a nossa breve felicidade.”

A fantasia dos simples pinta a imagem de uma vida futura no além, como uma vida de gozos sensíveis; o espírito dos nobres luta pela própria afirmação no meio da voragem do mundo, com a esperança de uma redenção pela consumação do seu caminho. Ambos, porém, coincidem na certeza do seu destino superior.”

Também eu sou da raça dos deuses. (DIELS, Vorsokratiker [5ª ed.] I, 15 [ORFEU, frags. 17-ss.]) Estas palavras estão gravadas, como passaporte para a viagem para o outro mundo, nas pequenas tábuas órficas de ouro, achadas nos sepulcros do sul da Itália. § O conceito órfico da alma representa um passo essencial no desenvolvimento da consciência pessoal humana. Sem ele seria impensável a concepção platônica e aristotélica da divindade do espírito e a distinção entre o Homem meramente sensível e o seu próprio eu, que constitui sua vocação plena.” “Empédocles exalta Pitágoras no seu poema órfico, Purificação. Interpenetram-se em Empédocles as crenças órficas da alma e a filosofia jônica da natureza.”

Assim sou eu, como um exilado de Deus, que vagueia daqui para ali”

Empédocles, frag. 115, 13

Com Xenófanes de Cólofon, o segundo dos grandes emigrados jônicos que estabeleceram o seu campo de ação no ocidente do mundo helênico, deixamos a linha dos pensadores rigorosos.” “Xenófanes é um poeta. Com ele, o espírito filosófico apoderou-se da poesia. Isto é sinal inequívoco de que o espírito filosófico começa a tornar-se uma força educativa, pois a poesia continua a ser como sempre a expressão autêntica da formação nacional.” “A nova prosa jônica só gradualmente alarga o seu campo e, por estar expressa num dialeto limitado a um círculo reduzido, nunca adquire a ressonância da poesia, que se serve da linguagem de Homero e é, por conseguinte, pan-helênica.”

Até um pensador abstrato e rigoroso como Parmênides, ou um filósofo da natureza como Empédocles, adotam a forma hesiódica da poesia didática. Talvez tenham sido incitados a fazê-lo pelo exemplo de Xenófanes que, embora não tenha sido um verdadeiro pensador nem tenha escrito nunca um poema didático sobre a natureza, como se disse freqüentemente, foi um dos iniciadores da exposição poética da doutrina filosófica. (*) (…) K. REINHARDT, no seu Parmênides (Bonn, 1916), refuta a opinião corrente¹ segundo a qual Xenófanes é o fundador do eleatismo. Todavia, não me parece ter razão ao considerá-lo como discípulo de Parmênides.” Neste ponto, me auto-re-remeto às instrutivas “leituras CAPES” (projeto ou ciclo OUSIA) (Ver no Seclusão)

¹ Hegelianismo!

Além dos seus poemas filosóficos, Xenófanes escreveu ainda um poema épico, A fundação de Cólofon, e A fundação da Colônia de Eléia.¹ Este homem inquieto, que aos 92 anos escreve um poema em que contempla uma vida de 67 anos [segundo seu Fragmento 7] de incansáveis peregrinações, iniciada provavelmente com as emigrações de Cólofon para a Itália meridional, erige, com o primeiro, um monumento a sua antiga pátria. Talvez tenha pessoalmente tomado parte na fundação de Eléia. Contudo, nestes poemas aparentemente impessoais, o sentimento pessoal toma uma parte muito maior do que era hábito. (…) foi considerado como um rapsodo que na praça pública recitava Homero, e em círculos reduzidos dirigia as suas sátiras contra Homero e Hesíodo. Isto não combina com a unidade da sua personalidade,² que imprime um caráter inequívoco a todas as palavras que dele se conservaram. Apóia-se numa má interpretação da tradição.”

¹ Infelizmente obras quase que integralmente perdidas.

² Não teria sido seu ganha-pão? Normalmente o grande homem precisa se contradizer para sobreviver…

Ordena ao poema que cale as vergonhosas dissensões dos deuses e as lutas dos titãs, gigantes e centauros, invenções dos tempos idos, que nos banquetes os cantores gostam de celebrar.” Velho rabugento!

Comia à mesa dos ricos e das personalidades eminentes, como mostra a anedota da sua engenhosa conversa com o tirano Hierão de Siracusa. Mas nunca encontrou naquele ambiente nem a estima inteligente nem a elevada consideração social que obteve na sua própria pátria jônica: permaneceu só.” Nisso ele foi bem filosofal!

Em parte alguma da história da cultura grega vemos de modo tão claro o choque violento e inevitável entre a velha cultura aristocrática e os homens da nova filosofia, que pela primeira vez aqui lutam por conquistar um lugar na sociedade e no Estado” “O subseqüente desenvolvimento da história dá razão à segurança do seu gesto. Destruíram o domínio absoluto do ideal agonístico. Já não é possível a Xenófanes ver, como Píndaro, a revelação da divina arete do vencedor em cada vitória olímpica, na palestra ou no pugilismo, nas corridas a pé ou a cavalo.”

O conceito de arete alcança, com esta fase, o tempo da sua evolução: coragem [Aquiles], prudência [Ulisses/Odisseu], justiça [Atena(s)] e, por fim, sabedoria [os superdotados] – tais são as qualidades que ainda para Platão formam o conteúdo da arete cívica. (…) Deu-se o passo que leva da mera intuição da verdade à crítica e condução da vida humana.” “Com armas pedidas a Xenófanes, ainda Eurípides ataca o tradicional apreço dos gregos pelo atletismo, e a crítica de Platão ao valor educativo dos mitos homéricos segue a mesma linha. (…) Na antiga filosofia da natureza, são outras as forças que imperam: a fantasia dirigida e controlado pelo intelecto, que, de acordo com o eminente sentido plástico e arquitetônico dos gregos, procura articular e ordenar o mundo sensível, e pelo pensamento simbólico, que interpreta a partir da vida humana a existência não-humana.” “As proposições de Parmênides constituem um encadeamento rigorosamente lógico, impregnado da consciência da força construtiva da conseqüência das idéias.” “A força com que Parmênides expõe aos ouvintes as suas doutrinas fundamentais não deriva de uma convicção dogmática, mas da vitória da necessidade do pensamento. O conhecimento é também uma absoluta ananke para Parmênides, que ainda o denomina dike ou moira, evidentemente por influência de Anaximandro.” “A Dike de Parmênides (…) é a necessidade implícita no conceito do Ser (…) Nas frases insistentemente repetidas <o Ser é, o não-Ser não é; e: o que é não pode não-ser>, Parmênides exprime a necessidade do pensamento da qual deriva a impossibilidade de realizar no conhecimento a contradição lógica.” “Parmênides é o primeiro pensador que levanta conscientemente o problema do método científico e o primeiro que distingue com clareza os dois caminhos principais que a filosofia posterior há de seguir: a percepção e o pensamento.”

Heráclito de Éfeso realiza a revolução mais completa. A história da Filosofia considerou-o por longo tempo um filósofo da natureza e colocou o seu princípio originário, o fogo, na mesma linha da água de Tales e do ar de Anaximandro. O vigor significativo das misteriosas proposições do <Obscuro>, freqüentemente expressas em forma de aforismos, já devia ter evitado aos historiadores a confusão deste temperamento duramente recalcado com o de um investigador consagrado unicamente à fundamentação dos fatos.”

O logos de Heráclito não é o pensamento conceitual de Parmênides, cuja lógica puramente analítica exclui a representação figurada de uma intimidade espiritual sem limites.” Será assim mesmo? Minha impressão é a de que foram mais lentos ainda para compreender Parmênides do que Heráclito!

O ethos é o daimon do Homem.”

Os homens, é certo, vivem como se cada um tivesse a sua razão particular.”

Tal como a polis, também o universo inteiro tem a sua lei. É a primeira vez que aparece esta idéia tipicamente grega. (…) O logos de Heráclito é o espírito, enquanto órgão do sentido do cosmos.”

A dike só aparece na luta. A nova idéia pitagórica da harmonia serve agora para dar sentido ao ponto de vista de Anaximandro. Só se une o que se opõe; é da diferença que brota a mais bela harmonia. (…) Toda a natureza está repleta de violentos contrastes: o dia e a noite, o verão e o inverno, o calor e o frio, a guerra e a paz, a vida e a morte sucedem-se em eterna mudança. (…) É um eterno caminho, ascendente e descendente. É mudando que repousa. A vida e a morte, a vigília e o sono, a mocidade e a velhice são, no fundo, uma e a mesma coisa. Uma transforma-se na outra, e esta volta a ser o que era primeiro.

O arco e a lira são o símbolo de Heráclito para a harmonia dos contrários no cosmos. Executam ambos a sua obra, pela sua ação tensa, recíproca e oposta. Ao vocabulário filosófico faltava ainda o conceito genérico de tensão. (…) Só no nosso tempo foi apreciada no seu justo valor.” “A doutrina de Heráclito surge como a primeira antropologia filosófica, em face dos filósofos primitivos.”

O Uno, que é o único sábio e prudente, quer e não quer ser chamado Zeus. O sentimento político dos gregos desse tempo inclina-se a pensar como tirânico o governo de um só.” “A antiga filosofia da natureza não tinha formulado expressamente o problema religioso. A sua concepção do mundo oferecia uma visão do Ser separado do humano. A religião órfica preenchia este vazio e sustentava a crença no caráter divino da alma, em meio ao turbilhão destruidor do devir universal onde a filosofia da natureza parecia precipitar o Homem. Mas a filosofia da natureza, no seu conceito de cosmos dominado pela Dike, oferecia um ponto de cristalização à consciência religiosa. Foi nele que Heráclito inseriu a sua interpretação do Homem (…) Foi pelo conceito heracliteano de alma que a religião órfica se ergueu a um estágio mais alto. Pelo seu parentesco com o <fogo eternamente vivo> do cosmos, a alma filosófica é capaz de conhecer a divina sabedoria e de nela se manter. Assim, a oposição entre o pensamento cosmológico e o pensamento religioso do séc. VI aparece superada e unificada na síntese de Heráclito – que vive já no umbral da centúria seguinte.”

1.9 Luta e transformação da nobreza

Embora Píndaro pertença à lírica coral e Teógnis à poesia gnômica, do ponto de vista da história da educação formam uma unidade. Neles encarna o despertar da consciência aristocrática o sentimento superior da sua particular vocação e proeminência” “Este ethos consciente e educador é característico, não apenas de Hesíodo, Tirteu e Sólon, mas também de Píndaro e Teógnis, e opõe-se à ingênua espontaneidade com que, entre os jônios, irrompe o espírito em todas as suas formas.”

A longa duração do domínio dos nobres e da cultura aristocrática – manancial da mais alta vontade educadora da nação – em terras da metrópole pode ter contribuído de modo essencial a que nada de novo pudesse prosperar nela, sem que lhe fosse oposta a tradição, como ideal definido de uma forma perfeita do humano.”

Píndaro e Teógnis lutam por um mundo agonizante. Os seus poemas não produzem um renascimento da nobreza na ordem política exterior, mas sim a perenidade dos seus ideais, no momento em que as novas forças do tempo os punham em maior risco, e a incorporação do seu vigor social e construtivo ao patrimônio da nação helênica. § Se hoje possuímos uma imagem da vida e condições sociais da nobreza nos sécs. VI e V, é só à poesia que o devemos. (…) É até disso perdemos muito. (…) A descoberta da lírica coral de Baquílides, quase desconhecida até agora, mostra apenas que, para o nosso objetivo, não precisamos sair de Píndaro. Começaremos por Teógnis, porque é, provavelmente, o mais antigo dos dois. Oferece, além disso, a vantagem de nos revelar as difíceis condições sociais em que se debatia a nobreza de então – elas aparecem em primeiro plano nos poemas de Teógnis –, enquanto Píndaro nos mostra antes a cultura aristocrática quanto as suas convicções religiosas e aos seus mais altos ideais de perfeição humana.”

Por mais interessantes que em si mesmos sejam estes temas filológicos, não os trataria com tanto detalhe, se a tradição que nos revela o poeta não nos fizesse, ao mesmo tempo, penetrar tão profundamente naqueles fragmentos da educação grega, tão intimamente ligados ao influxo posterior de Teógnis. § A coleção que, por puro acaso, nos foi transmitida sob o nome de Teógnis devia já existir no séc. IV (…) A pesquisa recente dedicou uma quantidade apreciável de trabalho primoroso à análise deste livro singular. Na sua forma atual, mal deve ter passado pelo fogo purificador da crítica filológica alexandrina. Foi corretamente usado nos banquetes dos sécs. V e IV, até a época em que esta importante corrente da vida <política> dos gregos foi desaparecendo gradualmente; depois foi lido e propagado apenas como curiosidade literária. Foi logo relacionado com o nome de Teógnis, porque um livro desse poeta serviu de núcleo a um florilégio de máximas e poemas de vários poetas anteriores e posteriores (do séc. VII ao V). Todos foram cantados nos banquetes, ao som da flauta. (…) A antologia não inclui poetas posteriores ao séc. V, o que coincide com a época da morte política da nobreza. (…) A íntima união do banquete e do eros, que Platão nos mostra na sua forma mais elevada no seu Banquete,¹ reflete-se também claramente na história da coleção de Teógnis, visto que o chamado livro II – na realidade um livro independente – tem por objeto o eros, que se festejava naquelas ocasiões. § Felizmente, basta-nos a sensibilidade estilística e espiritual para separar e distinguir nitidamente os poemas de Teógnis daqueles dos outros poetas da antologia. (…) Não se trata de um poema orgânico, mas de uma coleção de máximas. Foi só esta característica que permitiu incorporar aos versos de Teógnis aqueles que lhe são estranhos. (…) Apesar da independência exterior das máximas, observa-se nelas o progresso de uma idéia, e elas têm um prólogo e uma conclusão, que se separam nitidamente das que a seguem. Para reconhecer a autenticidade deste velho livro de Teógnis ajuda-nos muito (…) também a forma constantemente repetida dos discursos do poeta, ao amado jovem a quem dedica sua doutrina (…) O fato de expor a sua doutrina em forma de máximas dá-lhe ocasião de repetir freqüentemente a invocação a <Cirno> ou ao <filho de Polipaides>, embora não em todas as máximas. Na velha poesia proverbial dos nórdicos deparamos também com a mesma forma. Também nela se repete periodicamente o nome da pessoa a que se dirige. (…) Simplesmente, enquanto no livro de máximas de Teógnis aparece com muita freqüência, nas outras partes aparece raras vezes e em trechos próximos uns dos outros. (…) É evidente que a última parte da coleção constituía originalmente uma coleção independente, que incluía fragmentos de Teógnis ao lado dos fragmentos de outros poetas. (…) Platão atesta nas Leis a existência de antologias semelhantes nas escolas da época. (…) O fato de ninguém se ter dado ao trabalho de evitar as repetições que indicamos mostra bem o quanto se procedeu toscamente. (…) o livro de máximas a Cirno é o fundamento autêntico a que se deve referir tudo o mais.”

¹ https://seclusao.art.blog/2019/04/07/o-banquete-ou-do-homossexualismo-supremo/.

#DitadoMegaPopular

Cirno, tive a sensata idéia de estampar nos meus versos o meu selo, de tal modo que nunca ninguém possa roubá-los clandestinamente nem tomar por mau o que neles há de bom, mas digam todos: estes são versos de Teógnis de Mégara, famoso entre todos os homens. Não posso agradar a toda a gente da nossa cidade. Não há nisso maravilha alguma, filho de Polipao, pois nem Zeus consegue agradar a todos, quando manda chuva ou estiagem.

Versos 19-23

Este traço individualista é particularmente interessante num aristocrata tradicional do tipo de Teógnis, pois por ele se vê que o espírito do tempo o tinha afetado muito mais profundamente do que ele julgava. (…) Não era totalmente novo mencionar o nome do poeta no começo da obra. Mas o exemplo de Hesíodo na Teogonia não suscitara imitadores e apenas um imediato predecessor de Teógnis, o poeta gnômico Focílides de Mileto, tinha se servido deste artifício para assinalar a propriedade das suas máximas, pela razão evidente do seu tipo de versos se poder tornar facilmente propriedade comum, na qualidade de provérbios. De fato, os famosos versos de Focílides e de Teógnis foram citados como provérbios, sem o nome dos autores, pelos escritores subseqüentes. (…) Seguindo-lhe o exemplo, o tirano Hiparco, filho de Pisístrato, ao escrever as máximas que haviam de ser gravadas nos Hermes das estradas áticas, encimou-as com as palavras: Isto é de Hiparco, para logo prosseguir: Não enganes o teu amigo, ou: Segue sempre o reto caminho. (PSEUDO-PLATÃO, Hiparco, 228C)” TRECHOS DESTA OBRA EM: https://seclusao.art.blog/2019/10/01/pseudo-hiparco-ou-do-amor-a-ganancia/

Os autores atuais não precisam empregar este meio porque o nome do autor e o título da obra vêm no frontispício. Não era isso que ocorria no séc. VI a.C.. A única solução era a que Hecateu, Heródoto e Tucídides adotaram: começar os livros com a menção do seu nome e a consignação dos seus intentos. Não se seguiu este costume nos livros de medicina que nos chegaram nas coleções de Hipócrates; por isso, os autores de tais livros continuam a ser um mistério para nós.” “a palavra selo se converte na expressão técnica para designar o lugar em que consta o nome do autor.”

PSEUDO-TEÓGNIS: “Mas Teógnis não podia prever as dificuldades com que os eruditos deparariam, dois milênios e meio depois, quando só existisse um exemplar do seu livro. É esta a nossa situação em face do único manuscrito antigo do qual depende toda a nossa tradição de Teógnis. Ele esperava que o livro chegasse a todas as mãos. Mas não era fácil que pudesse pensar em milênios. Não podia prever que, ao fim de cem anos, o seu livro de máximas seria impiedosamente abreviado, compendiado e finalmente agrupado num livro, com os de outros desconhecidos, para cantar nos banquetes. Muito menos podia suspeitar que a incorporação do seu nome ao prólogo do livro, em vez de protegê-lo contra o furto espiritual, pudesse contribuir para que ele fosse considerado como autor de todos os poemas anônimos com ele reunidos na coleção.”

Focílides oferece-nos regras gerais para a conduta prática da vida. A originalidade de Teógnis aparece claramente, quando se contrapõe àquele ou a Hesíodo. Quer ensinar a formação integral dos nobres, aqueles preceitos sagrados que até agora só oralmente foram transmitidos de geração em geração.” “O jovem a quem se dirige está ligado ao poeta pelos laços do eros. É evidente que estes formam, para o poeta, o pressuposto essencial da sua relação educadora. A sua união deve apresentar algo de típico aos olhos da classe a que ambos pertencem. É significativo que da primeira vez que encaramos de perto a cultura da nobreza dórica nos surja o eros masculino como fenômeno de importância tão decisiva.”

Não se deve esquecer que o eros do homem pelos jovens ou adolescentes era um elemento histórico essencial na constituição da primitiva sociedade aristocrática, e inseparavelmente vinculado aos seus ideais éticos e à sua posição. Falou-se de amor dórico pelos adolescentes. É perfeitamente justificada a atribuição, pois aquela prática sempre foi mais ou menos alheia ao sentimento popular dos jônios e dos áticos, como a comédia, principalmente, o revela.¹ As formas de vida das classes superiores transmitem-se naturalmente à burguesia rica.”

¹ Jaeger não sabe aqui pesar o surgimento do gênero da Comédia justamente no ocaso da civilização grega.

desde Sólon – em cujos poemas o amor dos adolescentes aparece ao lado do amor das mulheres e dos esportes nobres como um dos maiores bens da vida – até Platão. Sempre a nobreza helênica esteve profundamente influenciada pelos dórios.”

a relação do amante com o amado podia ser comparada à autoridade educadora dos pais em relação aos filhos. Aliás, até mesmo a superava em múltiplos aspectos, na idade em que o jovem começa a libertar-se da tradição e da autoridade familiar e atinge a maturidade viril. Ninguém pode duvidar das numerosas afirmações dessa força educadora, cuja história atinge o apogeu no Banquete de Platão. A doutrina da nobreza, em Teógnis, que mergulha a raiz no mesmo círculo de vida, nasce integralmente deste impulso educador cujo aspecto erótico facilmente esquecemos, devido a sua apaixonada gravidade moral.”

Dei-te asas com que possas voar sobre terras e mares. Em todas as festas e banquetes te verás na boca das pessoas. Jovens encantadores te cantarão o nome à música das flautas. E mesmo após a tua descida ao Hades continuarás a andar por Hellas e pelas ilhas, e atravessarás o mar para seres cantado pelos homens futuros, enquanto durarem a Terra e o Sol. Então já nada serei para ti e, como a um garoto, me iludirás com palavras.”

O poeta prevê que o Estado, nessa altura ainda em paz, cairá em guerra civil, cujo termo será a tirania. A única via salvadora é o regresso à justa desigualdade e ao governo dos nobres. E isto já não tem qualquer viabilidade.”

Homens (…) que antes cobriam a sua nudez com grosseiras vestes de pele de cabra e viviam como selvagens fora da cidade são agora, Cirno, as pessoas importantes (…) Espetáculo insuportável! Troçam secretamente uns dos outros e enganam-se, ignorantes de qualquer norma tradicional. Cirno, por nenhum pretexto faças teu amigo um homem destes. Sê amável quando lhes falares, mas não te associes a eles para nenhum desígnio sério. Convém que conheças a mentalidade destes sujeitos miseráveis e saibas que não se pode confiar neles. Esta sociedade perdida só ama a fraude, a perfídia e a impostura.”

Teó., Versos 53-68

Seria demais esperar da parte do representante da velha nobreza decaída o pleno reconhecimento daquela justiça.” “As queixas contra a violação do direito enchem a primeira parte do poema de Hesíodo tal como do poema de Teógnis.” “Ambos os poetas são levados por impulso pessoal e pelas necessidades de ocasião a formular as suas verdades em proposições de validade universal, de acordo com o estilo arcaico.”

Toda revolução gera na sociedade uma crise de confiança. Os que têm convicções parecidas unem-se estreitamente porque a traição espreita por todo lado. O próprio Teógnis diz que, em ocasião de discórdia política, um homem seguro vale mais do que o outro. Será isto ainda a velha ética aristocrática? § É certo que propôs como exemplo as amizades ideais de Teseu e Peirítoo, de Aquiles e Pátroclo, e que pertence ao mais antigo estágio da educação aristocrática o culto do bom exemplo.”

os nobres não tiveram outro remédio senão inserir-se de qualquer modo no todo. Podiam considerar-se um Estado secreto, injustamente submetido ao Estado, e aspirar à restauração do primeiro. Se, porém, o considerarmos com atenção, a verdade é que se converteram num simples partido em luta pelo poder (…) A antiga exigência de uma boa escolha das amizades transforma-se em exagerado exclusivismo político.”

ECOS PARMENÍDEOS: “Teógnis aconselha o seu jovem amigo a adaptar-se exteriormente às circunstâncias vigentes. Segue pela via média, como eu faço.” “Na luta com o demos é preciso também um mimetismo protetor. A dificuldade moral desta luta é não ser, devido a sua natureza específica, uma luta aberta. Mas Teógnis está convencido de que um homem nobre continua sempre nobre.”

A posição da velha aristocracia fundava-se na posse de propriedades rurais. O aparecimento da moeda afetou-lhe a prosperidade. (…) Esta alteração das condições econômicas afetou profundamente o conceito de arete, pois este englobava a estima social e a posse de bens. Sem ela, era impossível exercer algumas das qualidades essenciais ao homem nobre, como a liberalidade e a magnanimidade. Até entre os camponeses era evidente que a riqueza implicava arete e consideração social, como se vê pelas palavras de Hesíodo.”

A desigualdade econômica não era para Sólon contrária à vontade divina, pois além do dinheiro e das propriedades havia outra riqueza: a posse de membros sãos e a alegria de viver. Se tivesse de escolher entre a arete e as riquezas teria dado preferência à primeira. Percebemos o que há de revolucionário, forte e positivo nestas idéias se pensarmos que Teógnis não se cansa de lamentar e maldizer a pobreza, atribuindo-lhe um poder ilimitado sobre os homens. (…) A experiência dos odiados novos-ricos ensinou-lhe o quanto é fácil se harmonizarem e se juntarem o dinheiro e a vulgaridade.”

As considerações de Sólon apenas suscitam em Teógnis um humor resignado e melancólico. Está, pelas suas próprias experiências, profundamente convencido de que o Homem nunca é responsável pelos seus êxitos ou fracassos. Os homens nada mais podem fazer do que entregar-se à vontade dos deuses. Em nada podem contribuir para a determinação do seu próprio destino. Até na riqueza, no sucesso e nas honras se encontra o germe da desventura. Não temos outro remédio, portanto, senão implorar tyche. De que serve o dinheiro ao homem vulgar se não tem o espírito reto! Só pode precipitá-lo na perdição.”

DIGNIDADE X DINHEIRO EM TODOS OS TEMPOS: “onde quer que houvesse um nobre a lutar pela sua sobrevivência e pela sua idiossincrasia, foi seu espelho a sabedoria pedagógica de Teógnis de Mégara. Muitas das suas idéias reviveram em fase posterior, na luta da burguesia contra o proletariado.” [!]

A poesia de Píndaro é arcaica. Mas ela o é num sentido muito diverso das obras dos seus contemporâneos e mesmo dos poetas pré-clássicos mais antigos. Perto dele, os iambos de Sólon parecem modernos quanto ao vocabulário e ao sentimento. (…) Quando, a partir da <antiga> cultura da Jônia, nos aproximamos de Píndaro, temos a impressão de sair fora (sic) da unidade da evolução espiritual que da epopéia de Homero irradia em linha reta para a lírica individual e para a filosofia jônica da natureza, e de ingressarmos em outro mundo.” “É que, por mais que a fé aristocrática de Píndaro tenha em comum com a epopéia, o que em Homero aparece já quase só como jovial brincadeira tem para Píndaro a mais grave seriedade. Isto, naturalmente, depende em parte da diferença entre a poesia épica e os hinos pindáricos. Nos segundos trata-se de preceitos religiosos; na primeira, de uma colorida narração da vida.”

Foi porventura nos jogos fúnebres celebrados em Olímpia em honra de Pélops, semelhantes aos que a Ilíada descreve em honra de Pátroclo, que as festividades olímpicas e as posteriores tiveram origem. É sabido que os jogos fúnebres também podiam ser celebrados periodicamente, como os de Adrasto em Sicyon, embora o caráter destes fosse diferente. Festas assim podiam ter sido celebradas muito cedo em honra do Zeus Olímpico. E a descoberta, nos mais antigos santuários, de oferendas com figuras de cavalos permite supor a existência de corridas de carros nos mais primitivos cultos daqueles lugares, muito tempo antes do que a tradição relativa aos jogos olímpicos nos diz sobre o primeiro triunfo de Coroibos nas corridas pedestres.”

A unidade do físico e espiritual que nas obras-primas da escultura grega admiramos, e que para nós está irremediavelmente perdida, aponta-nos o caminho para chegarmos à compreensão da grandeza humana do ideal agonístico, embora a realidade nunca lhe tenha correspondido.”

É em Píndaro que pela primeira vez os hinos aos vencedores se convertem numa espécie de poesia religiosa.”

Hoje ninguém pode mais pensar numa entrega genial e espontânea aos ditames da fantasia, como no tempo do Sturm und Drang se pensou, atribuindo a Píndaro o que era característico das convicções particulares desse tempo. E quando ainda hoje se acolhe inconscientemente essa interpretação, na presença da forma total dos hinos pindáricos, isto não está de acordo com a tendência das últimas gerações a não se fixarem só na originalidade da sua arte, mas também, cada vez mais, no seu elementos técnico e profissional.”

Muitas vezes, o destino precipita o Homem numa desgraça sem-saída, que não lhe permite alcançar a perfeição. Só é perfeita a divindade. O Homem não o pode ser, quando o toca o dedo do destino.”

Simônides, apesar de ser insubstituível para a história do problema da idéia grega da arete – na interpretação dos seus escólios, que Sócrates discute com os sofistas no Protágoras¹ de Platão –, não é o representante pleno da ética aristotélica, no sentido de Píndaro.” “É ele o primeiro sofista.”

¹ https://seclusao.art.blog/2018/03/02/protagoras-outros/

A arete só é divina porque um deus ou um herói foi antepassado da família que a possui. Dimana dele a força da arete, a qual se renova sem cessar nos indivíduos que constituem a série das gerações.” “O elogio tem um lugar firme nos epinícios. É pelo ingresso neste coro que o vencedor se situa ao lado dos deuses e dos heróis. A que deus, a que herói, a que homem celebrarei? – começa o 2º poema olímpico.”

O tempo não pode desfazer o que está feito; mas pode, em parte, sobrevir com o esquecimento, Latha, quando um homem daimon intervém no seu destino. Apesar da sua tenaz repugnância, a aflição morre dominada pela nobre alegria, quando a moira de Deus concede a rica prosperidade de uma ventura superior.”

Daí resulta para Píndaro um grave problema: explicar como é possível que, após uma longa sucessão de homens famosos, uma família desapareça repentinamente. Isto aparece como uma ruptura inexplicável na cadeia de testemunhos da força divina de uma estirpe, que une aos tempos heróicos a atualidade do poeta. (…) Píndaro fala desta interrupção da areta (sic) humana, no 6º hino nemeu. A raça dos homens e a raça dos deuses estão profundamente separadas.”

Assim, hoje, Alcímidas, vencedor das competições juvenis, prova que no seu sangue palpita uma força análoga à dos deuses. Parece desaparecer no seu pai, mas reaparece no pai do seu pai, Praxídamas, grande vencedor em Olímpia, no Istmo e em Neméia. Com as suas vitórias acabou com o obscuro esquecimento de seu pai Socleides, filho sem glória de um pai glorioso. Acontece o mesmo que com os campos, os quais ora dão aos homens o pão de cada dia, ora lhe recusam. (…) Para o pensamentos grego é evidente que com o aumento das gerações de uma casa pode aparecer uma colheita má, uma aphoria, idéia que voltamos a encontrar em tempos pós-cristãos, quando o autor do estudo Do Sublime investiga as causas do desaparecimento dos grandes espíritos criadores, na época dos epígonos.” Schiller?

É nisto que se distingue dos cantos impessoais de Homero. Os seus heróis são homens que vivem e lutam no seu tempo, mas que ele situa no mundo dos mitos”

A máxima <torna-te quem és> oferece a suma da sua educação inteira. É este o sentido de todos os modelos míticos que se propõe aos homens. Revela-se neles a imagem mais alta do seu próprio ser.” “Não se diz uma palavra sobre Píndaro nas introduções às nossas edições de Platão. Em contrapartida, sempre nelas surgem, como eterna doença e na forma de incrustações estranhas, as matérias-primas dos hilozoístas [hilozoísmo: espécie de panteísmo jônico].”

O amor filial é, depois da veneração de Zeus, senhor do céu, o dever principal da antiga ética cavaleiresca. Já Quíron, o sábio centauro, protótipo do educador dos tempos heróicos, o imprimiu na mente do peleida Aquiles, quando o teve a seu cuidado.”

O poeta vive e move-se inteiramente num mundo em que o mito é tão real como a própria realidade; e quer celebre o triunfo de um antigo nobre, quer o de algum tirano que rapidamente alcançou o apogeu, ou o do filho de um burguês sem ascendência, a todos eleva a honras quase divinas, de que se tornaram credores pelo contato da varinha mágica da sua sabedoria sobre o alto sentido destas coisas.” “Mas será possível educar, com a convicção de que é no sangue que se encontra a arete? Píndaro tomou várias vezes posição em face deste problema. Na realidade o problema já fôra levantado por Homero, no canto da Ilíada em que Aquiles é posto em face do educador Fênix, no momento decisivo, e a admoestação deste se mostra ineficaz ante o endurecido coração do herói. No entanto, ali se trata do problema da possibilidade de moldar o caráter inato, ao passo que em Píndaro surge a moderna questão de saber se a verdadeira virtude pode ser ensinada ou se reside no sangue. Não esqueçamos que em Platão surge constantemente uma questão análoga.”

Píndaro quebra o sigilo e apresenta a sua resposta no terceiro Canto nemeu:

A glória só tem pleno valor

quando é inata. Quem só tem

o que aprendeu é um homem obscuro e indeciso,

jamais caminha com um passo firme.

Apenas esquadrinha

com imaturo espírito

mil coisas altas.”

A arte do poeta, como a arete das Olimpíadas, também não pode ser ensinada. É, por natureza, <sabedoria>.”

Mas a águia é a mais rápida entre todas as aves. Rapidamente enxerga ao longe e captura a sangrenta presa. Os corvos crocitam e alimentam-se aqui embaixo.”

E com isto deixamos o mundo aristocrático, que parece afundar-se gradualmente no silêncio, e de novo nos confiamos à torrente da História, que rumorejante passa por cima dele, quando parecia deter-se.”

Parece ser uma lei na vida do espírito que, quando um tipo de existência atinge o seu tempo, encontre a força necessária para formular o seu ideal e atingir o seu conhecimento mais profundo (…) Assim, a decadência da cultura nobre da Grécia produziu Píndaro; a da cidade-Estado, Platão e Demóstenes; e a hierarquia da igreja medieval, no momento em que ia transpor a linha do seu apogeu, produziu Dante.”

1.10 A política cultural dos tiranos

Neste posto avançado do mundo grego, a Sicília, em face do crescente poderio de Cartago sobre o mar e o comércio, foi muito mais duradouro do que na Grécia propriamente dita o <domínio de um só>.”

A crescente expansão da economia monetária frente à economia natural operou uma revolução no valor das propriedades dos nobres que até então haviam sido o fundamento da ordem política. Agarrados às antigas formas da economia, os nobres estavam num plano inferior em face dos possuidores das novas fortunas adquiridas no comércio e na indústria. E até entre as antigas estirpes se cavava um abismo com a mudança de posição de algumas das velhas famílias, que também se dedicaram ao comércio. Como Teógnis menciona, algumas famílias empobreceram e não puderam conservar a sua antiga posição social. Outras, como os Alcmeônidas da Ática, reuniram tal fortuna, que o seu poderio se tornou insuportável para os seus companheiros de classe, que não puderam resistir à tentação de lutarem pela consecução do poder político.”

Apesar de serem fenômeno de política puramente interna, ou talvez por isso mesmo, os tiranos estavam ligados uns aos outros por uma solidariedade internacional, freqüentemente baseada em laços matrimoniais. Anuncia-se a solidariedade, tão habitual no séc. V, entre as democracias e as oligarquias. É assim que nasce pela primeira vez – e isso é um fato memorável – uma política de largos vôos que, p.ex., em Atenas, Corinto e Mégara, levou à fundação de colônias.”

Enquanto a importância de Pisístrato reside no fato de ter preparado a futura grandeza de Atenas, Periandro elevou Corinto a uma altura que, após sua morte, jamais voltou a ser alcançada.”

Em nenhum lugar os tiranos se agüentavam por mais de 2 ou 3 gerações. A maioria das vezes eram novamente derrubados pela nobreza, já experimentada na política e ciente de seu objetivo. Não obstante, porém, a maior parte das vezes o usufruto da revolução cai logo sob o domínio do povo, como em Atenas. Como observa Políbio na sua teoria das crises e transformações dos regimes políticos, a causa principal da queda dos tiranos é, em geral, a incapacidade dos filhos e netos, que só herdam do pai a força, e não o vigor espiritual, assim como a má utilização do poder recebido do povo num despotismo arbitrário.” “Como diz engenhosamente Burckhardt, havia um tirano em cada grego e ser tirano constituía para todos tal sonho de felicidade que Arquíloco não achou melhor maneira de caracterizar o seu alegre sapateiro do que declarar que ele não aspirava à tirania. Os gregos achavam que o domínio de um homem só, de bondade realmente incomum, estava <de acordo com a natureza> (Aristóteles) e submetiam-se a ele de melhor ou pior grado.”

A impopularidade desta pressão, que nem sequer o hábito foi capaz de suavizar, obrigou os tiranos a contrabalançá-la por meio da cuidadosa manutenção das formas exteriores de eleição para os cargos, pelo cultivo sistemático da lealdade e pela busca de uma política econômica favorável ao público. Pisístrato compareceu algumas vezes perante os tribunais de justiça, quando estava implicado em alguma demanda, para provar o domínio ilimitado do direito e da lei. Isto produzia no povo uma forte impressão.”

Os nobres que podiam converter-se em rivais perigosos eram desterrados ou eram encarregados de tarefas honrosas em outros lugares do país.”

A tirania foi por muitos chamada <o reino de Cronos>, i.e., a idade de ouro, e contava-se todo tipo de histórias sobre as visitas pessoais do senhor aos campos e suas conversas com o povo simples e trabalhador, cujo coração ganhava com a sua afabilidade e com a diminuição das contribuições.” “O tirano é o protótipo do homem de Estado que surgiu mais tarde, embora carecesse da responsabilidade deste. Deu o primeiro exemplo de uma ação de previsão e de visão ampla, realizada pelo cálculo dos fins e dos meios internos e externos, e ordenada segundo um plano. Foi ele na verdade o verdadeiro político.”

No séc. IV, quando despertou o interesse geral pelas individualidades importantes, e a biografia nasceu como gênero literário novo, o objeto preferido das suas descrições foram os poetas, os filósofos e os tiranos. Entre os chamados 7 sábios, que alcançaram a celebridade no começo do séc. VI, encontramos tiranos como Periandro e Pítaco, ao lado de legisladores, poetas e outras personagens desse tipo. É especialmente significativo que quase todos os poetas daquele tempo tenham passado a vida na côrte dos tiranos. A individualidade não é, pois, um fenômeno de massa, uma nivelação geral do espírito, mas uma verdadeira e íntima independência – razão de sobra para que as cabeças independentes procurassem unir-se entre si.”

Foi nesse tempo que Atenas conquistou pela 1ª vez o título de cidade das musas, que conservou para sempre.” “Num diálogo falsamente atribuído a Platão, Hiparco, o filho mais novo de Pisístrato, é chamado o 1º esteta, o <erótico e amante da arte>.” https://seclusao.art.blog/2019/10/01/pseudo-hiparco-ou-do-amor-a-ganancia/

O interesse do Estado pela cultura é um sinal inequívoco do amor dos tiranos pelo povo. Depois da queda deles, continuou no Estado democrático, que não fez mais do que seguir o exemplo dos seus predecessores.”

O mecenato de muitos tiranos do Renascimento e das côrtes régias posteriores surge-nos, apesar de todos os serviços prestados à vida espiritual de seu tempo, como algo forçado, como se aquele tipo de cultura não tivesse raízes profundas nem na aristocracia nem no povo e fosse apenas o capricho luxuoso de uma pequena camada social. É importante não esquecer que já na Grécia também aconteceu coisa parecida. As côrtes dos tiranos gregos, no fim do período arcaico, são parecidas com as dos primeiros Medici.” “É porque se sentem privilegiados que o homem de espírito e o seu protetor se juntam, apesar até do seu mútuo desdém.”

Quando a côrte de Samos fechou as portas e o tirano Polícrates foi crucificado pelos persas, Anacreonte mudou a tenda para a côrte de Hiparco, em Atenas, tendo ido buscá-lo um navio de 50 remos. E quando o último rebento dos Pisistrátidas de Atenas caiu e foi condenado ao exílio, Simônides passou-se para a côrte dos Escópadas da Tessália até que, também ali, caiu o teto da sala e pereceu a dinastia inteira. É altamente simbólica a história que nos diz ter sido Simônides o único sobrevivente. Velho de 80 anos, emigrou ainda para a côrte do tirano Hierão de Siracusa. A cultura destes homens era como a sua vida.”

LIVRO SEGUNDO: APOGEU E CRISE DO ESPÍRITO ÁTICO

2.1 O drama de Ésquilo

Até a morte de Péricles, foram nobres os chefes do Estado democrático de Atenas, e o poeta mais importante da jovem república, Ésquilo, filho de Eufórion e primeiro grande representante do espírito ático, como Sólon cem anos antes, era filho da nobreza rural.”

São raras na história as batalhas travadas com tão grande pureza por uma idéia, como as de Maratona e Salamina. Dado que os atenienses abandonaram a cidade e se fizeram ao mar <com todo o povo>, a bordo dos navios, devemos crer que Ésquilo tenha participado da batalha naval, ainda que Íon de Quio não o tenha mencionado nas suas memórias de viagens, escritas uma geração depois. (…) Conduzido pela superioridade espiritual de um ateniense e inflamado por um novo heroísmo, um pequeno exército vencera, na luta pela independência, as multidões de XerxesCf. Ésquilo, Os Persas

Píndaro anseia pela restauração do mundo aristocrático em todo o seu esplendor, de acordo com o espírito da submissão tradicional. A tragédia de Ésquilo é a ressurreição do homem heróico dentro do espírito da liberdade. É o caminho direto e necessário que vai de Píndaro a Platão, da aristocracia do sangue à aristocracia do espírito e do conhecimento.” “Desapareceu o luxuoso vestuário jônico, para dar lugar às vestes dóricas simples e varonis. Desaparece também do rosto das esculturas desta década o sorriso convencional e inexpressivo derivado do ideal jônico de beleza, sendo substituído por uma seriedade profunda e quase severa. É a geração de Sófocles a primeira a encontrar, no meio dos dois extremos, o equilíbrio da harmonia clássica.” “Sófocles, Eurípides e Sócrates são filhos da burguesia. O primeiro descende de uma família de industriais; os pais de Eurípides eram pequenos proprietários rurais; o pai de Sócrates era um honrado carpinteiro [romantização?] de um pequeno arrabalde.”

A tragédia devolve à poesia grega a capacidade de abarcar a unidade de todo o humano. Neste sentido, só a epopéia homérica se pode comparar a ela. Apesar da grande fecundidade da literatura, nos séculos intermediários, só a epopéia a iguala quanto à riqueza do conteúdo, à força estruturadora e amplitude do seu espírito criador.” “nos épicos dos chamados ciclos renasce o interesse pelo conteúdo material das sagas relativas à guerra de Tróia. Falta a estes poetas a compreensão da grandeza artística e espiritual da Ilíada e da Odisséia. Só querem narrar o que sucedeu antes e depois.” “Esta atitude histórica era inevitável, dado que primitivamente as memórias das sagas eram tidas por história autêntica. A poesia de catálogos, atribuída a Hesíodo por causa do parentesco do estilo do seu autor com o deste, e que vinha satisfazer o interesse dos cavaleiros em descobrirem uma genealogia nobre que os unisse à árvore genealógica dos deuses e dos heróis, dá mais um passo neste processo de historização dos mitos.”

No momento em que as forças mais poderosas pareciam afastar-se do heroísmo com crescente decisão, e em que florescia o conhecimento reflexivo e a aptidão para as emoções mais sensíveis (como a literatura jônica mostra), nasce das mesmas raízes um novo espírito de heroísmo mais interior e mais profundo, estreitamente vinculado ao mito e à forma do ser que dele provém.”

Os novos ensaios para determinar, a partir de um ponto de vista filológico, a origem histórica e a essência da tragédia deixam à margem esta questão. Quando derivam a nova criação de uma outra qualquer forma anterior puramente literária e crêem talvez que os ditirambos dionisíacos <adquiriram forma séria> no instante em que uma cabeça original os pôs em contato com o conteúdo dos antigos cantos heróicos, limitam-se a considerar as condições exteriores do problema. A tragédia ática não passaria de um fragmento dramatizado dos cantos heróicos, representado por um coro dos cidadãos de Atenas.” “Infelizmente não temos qualquer idéia precisa das mais antigas formas da tragédia, e portanto só podemos julgar as formas superiores da sua evolução.”

Tentaremos só avaliá-la como objetivação espiritual da nova forma de homem que naquela altura se desenvolveu, e da força educadora que irradia daquela realização imperecível do espírito grego. É tão considerável o volume das obras conservadas dos trágicos gregos que teremos de olhá-la de uma distância adequada se não quisermos consagrar-lhe um livro inteiro. (…) é a mais alta manifestação de uma humanidade para a qual a religião, a arte e a filosofia formam uma unidade indivisível.” “As épocas em que a história da cultura e da educação humana seguiram total ou predominantemente os caminhos separados destas formas espirituais são forçosamente unilaterais, por mais profundas que sejam as razões históricas daquela unilateralidade.”

Se encarássemos o desenvolvimento da tragédia grega, desde Ésquilo até Sófocles e Eurípides, do ponto de vista da estética pura, seria totalmente diverso o nosso juízo a seu respeito; mas, do ponto de vista da história da formação humana, (…) é assim que surge o seu processo, como reflete (…) o espelho da consciência pública que é a comédia desse tempo. Os contemporâneos não consideravam nunca a natureza e a influência da tragédia de um ponto de vista exclusivamente artístico. Era a tal ponto a rainha, que a tornavam responsável pelo espírito da comunidade. E embora devamos pensar, como os historiadores, que os grandes poetas não eram só criadores, mas também os representantes daquele espírito, isto não altera em nada a responsabilidade da sua função diretiva, que o povo helênico achou maior e mais grave que a dos chefes políticos que se sucederam no governo constitucional. Só a partir deste ponto de vista é que se pode compreender a intervenção do Estado platônico na liberdade da criação poética, tão inexplicável e insustentável para o pensamento liberal. Sem embargo, este sentido da responsabilidade da poesia trágica não pode ter sido o originário, se pensarmos que no tempo de Pisístrato a poesia era considerada apenas como objeto de prazer.” “Os festivais dramáticos de Atenas constituíam o ideal de um teatro nacional, do tipo daquele que os poetas e diretores de cena alemães da nossa época clássica se esforçaram em vão por implantar.”

O impulso dionisíaco convinha mais aos dramas cômicos, satíricos e burlescos”

O poeta não enfrentava, nos bancos dispostos em torno do local das danças, um público de gosto literário estragado, mas sim um público capaz de sentir a força da psicagogia, um povo inteiro disposto a emocionar-se num instante como jamais o teriam podido conseguir os rapsodos, com os cantos de Homero.”

Ó tu, o primeiro dos gregos, que ergueste as palavras à altura da mais alta nobreza!, assim evoca a sombra de Ésquilo um poeta de uma geração posterior.”

Outro elemento era a magnificência do espetáculo, que seria vã curiosidade tentar reconstruir. Quando muito, a sua lembrança pode ajudar o leitor moderno a libertar-se da imagem do teatro fechado, totalmente contrária ao estilo da tragédia grega. Basta recordar a máscara trágica, tão freqüente na arte grega, para notar esta diferença. Torna-se patente nela a diferença essencial entre a tragédia grega e qualquer outra arte dramática posterior. Era tão grande o seu afastamento da realidade comum que a fina sensibilidade dos gregos descobriu na paródia e transposição das suas palavras para as situações da vida cotidiana uma fonte inesgotável de efeitos cômicos.”

A concentração de um destino humano inteiro no breve e impressionante curso dos acontecimentos, que no drama se desenrolam ante os olhos e os ouvidos dos espectadores, representa, em relação à epopéia, um aumento enorme do efeito instantâneo produzido na experiência vital das pessoas

Como diz o seu nome, a tragédia nasceu das festas dionisíacas dos coros de bodes. Bastou para tanto que um poeta visse a fecundidade artística do entusiasmo ditirâmbico (tal como o vemos na concentração do mito da antiga lírica coral siciliana) e fosse capaz de traduzi-la numa representação cênica e de transferir os seus próprios sentimentos para o eu estranho do ator. Assim, o coro, de narrador lírico, converteu-se em ator e, portanto, em sujeito dos sentimentos que até então apenas havia partilhado e acompanhado com as suas emoções.”

Já n’As Suplicantes, uma das tragédias mais antigas, que não era ação, mas pura paixão, a força da sympatheia, que suscitava a participação sentimental dos ouvintes por meio dos lamentos do coro, serviu para dirigir a atenção para o destino que, enviado pelos deuses, produzia aqueles abalos na vida dos homens. Sem este problema da tyche ou da moira, que a lírica dos jônios fizera chegar à consciência daquele tempo, jamais se teria gerado uma tragédia autêntica a partir dos antiquíssimos <ditirambos de conteúdo mítico>. (…) Deles até Ésquilo, vai um passo gigantesco.”

As lendas tradicionais são vistas através das mais íntimas convicções da atualidade. Os sucessos de Ésquilo, Eurípides principalmente, foram mais além, a ponto de converterem a tragédia mítica numa representação da vida cotidiana.”

O próprio Agamemnon de Ésquilo se comporta de modo totalmente diverso do Agamemnon de Homero. É um filho genuíno do tempo da religião e da ética de Delfos, constantemente perturbado pelo medo de, como vencedor, na plenitude da força e da ventura, incorrer na hybris. Está completamente impregnado da crença de Sólon, segundo a qual a abundância conduz à hybris e a hybris à ruína. (…) Prometeu é concebido como o principal conselheiro, caído em desgraça, do jovem tirano ciumento e desconfiado que lhe deve a consolidação do seu poder alcançado recentemente pela força e que com ele não o quer partilhar, porque Prometeu o quer aplicar à realização dos seus planos secretos de salvação da humanidade sofredora. Na figura de Prometeu misturam-se o político e o sofista, como o prova a repetida designação do herói por meio do último termo, nessa época ainda honroso também.”

as longas enumerações de países, rios e povos, que vemos no Prometeu Agrilhoado e no Prometeu Libertado,¹ não constituem só um adorno poético, mas caracterizam ao mesmo tempo a onisciência do herói.”

¹ Só restaram fragmentos.

Foi Welcker o primeiro a notar que Ésquilo não compunha, em geral, tragédias isoladas, mas trilogias. Mais tarde, no entanto, quando foi abandonada esta forma de composição, continuaram a ser representadas igualmente 3 peças do mesmo autor.” “Um dos mais intrincados problemas das crenças de Sólon, partilhadas pelo poeta, era a transmissão das maldições familiares de pais a filhos, e muitas vezes até dos culpados aos inocentes.” “O problema do drama de Ésquilo não é o Homem. O Homem é o portador do destino. O destino é que é o problema. A atmosfera está carregada de tormenta desde o primeiro verso, sob a opressão do daimon que pesa sobre a casa inteira. Dentre todos os autores dramáticos da literatura universal, Ésquilo é o mestre supremo da exposição trágica.” “É precisamente na contínua intromissão de Deus e do Destino que a mão do poeta se revela. Nada de semelhante vemos no mito. Tudo o que acontece na tragédia encontra-se sob a preocupação dominante do problema teológico, tal como Sólon o desenvolve nos seus poemas, a partir da epopéia mais recente.” “Os erros que arrastam o Homem para a ruína são de uma força demoníaca à qual ninguém pode resistir. É ela que induz Helena a abandonar a casa do marido para fugir com Páris, e é ela que endurece o coração de Aquiles perante a embaixada que o exército lhe envia para dar explicações para a reparação da sua honra ultrajada, e perante as admoestações do seu velho preceptor.”

como é freqüente a divindade dar sucessos aos insensatos e aos maus, e permitir que fracassem os esforços dos justos, ainda quando são norteados pelas melhores idéias e intenções! É indiscutível a presença desta <infelicidade imprevisível> no mundo. É o resíduo irredutível da velha Ate de que fala Homero e que conserva a sua verdade, ao lado do reconhecimento da própria culpa. Está intimamente vinculada à experiência humana que os mortais denominam sorte, pois esta se transforma facilmente na mais profunda dor, assim que os homens se deixam seduzir pela hybris.”

O drama Os Persas mostra do modo mais simples como a tragédia esquiliana provém daquela raiz. É digno de nota que ela não pertença a nenhuma trilogia, o que tem para nós a vantagem de nos permitir ver o desenvolvimento da tragédia no espaço mais reduzido de uma unidade fechada. Mas Os Persas é um exemplo único pela ausência do elemento mítico. O poeta elabora em forma de tragédia um acontecimento histórico que viveu pessoalmente.” “Maravilharam-se alguns, ingenuamente, pelo fato de os poetas gregos não terem usado com mais freqüência <temas históricos>. É simples a razão disso. A maioria dos acontecimentos históricos não reúne as condições requeridas pela tragédia grega.” “Tudo se reduz ao efeito do destino na alma daquele que o experimenta.” “A própria experiência da dor não interessa por si mesma. (…) A dor acarreta a agudeza do conhecimento. (…) Existe um grau intermediário no <conhece-te a ti mesmo> do deus de Delfos, que exige o conhecimento dos limites do humano”

Nenhum poeta antes dele experimentou e exprimiu com tanta força e vivacidade a essência do demoníaco. Até a fé mais inquebrantável na força ética do conhecimento é forçada a convir em que a Ate continua a ser sempre a Ate“Aquilo que nós chamamos caráter não é essencial na tragédia de Ésquilo.”

Na Oréstia alcançam o apogeu não só a imaginação criadora da linguagem e a arte construtiva do poeta, mas também a tensão e o vigor do problema moral e religioso. E parece incrível que Ésquilo tenha escrito esta obra dramática, a mais pujante e viril que a história conhece, na velhice, e pouco tempo antes de morrer.” “A culpa de Orestes não se fundamenta de modo nenhum no seu caráter, nem é a este, como tal que, a intenção do poeta se dirige. Ele é apenas o filho infeliz, amarrado pela vingança do sangue. No instante em que atinge a virilidade, espera-o a maldição sinistra que o levará à perdição, ainda antes de ter começado a gozar a vida. O deus de Delfos compele-o com renovado vigor, sem que nada o possa desviar do destino que o espera.”

A idéia de Sólon de que os filhos devem expiar as culpas dos pais gera em Sete contra Tebas, final da trilogia relativa aos reis tebanos, um drama que ultrapassa a Oréstia em força trágica, não só pelo parricídio com que termina, mas ainda por outros aspectos. Os irmãos Etéocles e Polinices são vitimados pela maldição que pesa sobre a raça dos Labdácidas, e que Ésquilo fundamenta nas culpas dos antepassados. Sem este fundo, teria sido completamente impossível para o seu sentimento religioso um acontecimento como o que o drama apresenta.” “A arete pessoal e o destino superpessoal atingem aqui a sua tensão máxima.” “Tem-se a impressão de que a culpa dos antepassados em terceiro grau não é uma amarra suficientemente forte para agüentar o peso ingente do sofrimento.”

os padecimentos e os erros de Prometeu têm origem nele mesmo, na sua natureza e na sua ação. (…) Para Hesíodo, era apenas o prevaricador castigado pelo crime de ter roubado o fogo de Zeus. Com a força de uma fantasia que nunca os séculos poderão honrar e admirar suficientemente, Ésquilo descobriu nesta façanha o germe de um símbolo humano imortal”

Estava reservado ao gênio grego a criação deste símbolo do heroísmo doloroso e militante de toda criação humana, como a mais alta expressão da tragédia da sua própria natureza. Só o Ecce Homo, saído de um espírito completamente diverso, com a sua dor pelos pecados do mundo, conseguiu criar um novo símbolo eternamente válido de humanidade, sem no entanto roubar nada à validade do anterior.” “É certo que o Prometeu Libertado deveria completar aquela imagem”

Esta fusão do coro com os espectadores representa uma nova etapa no desenvolvimento da arte coral de Ésquilo. Em As Suplicantes, o verdadeiro ator é ainda o coro das Danaides. Não há outro herói. Que esta era a essência original do coro foi Nietzsche quem pela 1ª vez o exprimiu com toda clareza [em] A Origem da Tragédia, obra genial da juventude, ainda que mesclada de elementos incompatíveis.”

Uma das raízes mais vigorosas da força educativa da tragédia grega consiste no coro que, com seus cantos de simpatia, objetiva na orquestra as experiências trágicas da ação.”

2.2 O homem trágico de Sófocles

Foi com plena consciência que Sófocles aceitou o papel de sucessor de Ésquilo” “Não deixa de ter razão a crítica de Aristófanes e dos seus contemporâneos, quando vê em Eurípides não o corruptor da tragédia de Sófocles, mas sim da tragédia de Ésquilo.”

não nos inclinamos a encarar como preconceito que é necessário superar o entusiástico juízo dos classicistas que considera Sófocles o apogeu do drama grego, pelo rigor da sua forma artística e pela sua luminosa objetividade. É assim que a ciência e o moderno gosto psicológico que a acompanha orientam as preferências para o tosco arcaísmo de Ésquilo e para o refinado subjetivismo dos últimos tempos da tragédia ática” Jaeger banca o apologeta sem igual de todos aqueles que descreve, no final nos tornando vacilantes quanto a qualquer um de seus juízos.

A impiedade de Eurípides – no sentido que lhe deu a tradição – é mais religiosa, apesar de tudo, que a tranqüila credulidade de Sófocles.”

Temos que partir do efeito cênico que produz, o qual não se esgota com a compreensão da sua técnica inteligente e superior.”

como explicar o fracasso, salvo algumas experiências com o público mais ou menos especializado, de todas as naturais tentativas modernas para encenar as tragédias de Ésquilo e de Eurípides, ao passo que Sófocles é o único dramaturgo grego que se agüenta nos repertórios dos nossos teatros? Isto não é certamente fruto de um preconceito classicista. A tragédia de Ésquilo não consegue agüentar-se nos palcos modernos, pela rigidez nada dramática do coro que a domina e que o peso das idéias e da expressão não compensa, sobretudo se faltam o canto e a dança. É certo que, numa época perturbada como a nossa, a dialética de Eurípides desperta um eco de simpática afinidade. Mas não há coisa mais mutável que os problemas da sociedade burguesa. Basta pensar o quanto estão longe de nós Ibsen ou Zola, no entanto incomparavelmente mais próximos do que Eurípides, para compreender que aquilo que constituiria a força de Eurípides, no seu tempo, representa precisamente para nós uma barreira intransponível.”

Se nos perguntarmos quais são as criações dos trágicos gregos que vivem na fantasia dos homens independentemente do palco e da sua ligação com o drama, veremos que em primeiro lugar estão as de Sófocles. Esta sobrevivência isolada das figuras enquanto tais jamais teria podido ser obtida pelo mero domínio da técnica cênica, cujo efeito é sempre momentâneo. Talvez nada nos custe mais a compreender do que o enigma da sabedoria tranqüila, simples, natural, com que ele ergueu aquelas figuras humanas de carne e osso, repletas das paixões mais violentas e dos sentimentos mais ternos, de grandeza heróica e altiva e de autêntica humanidade, tão semelhantes a nós e ao mesmo tempo dotadas de tão alta nobreza. Nada nelas é artificial ou exorbitante. (…) A verdadeira monumentalidade é sempre simples e natural. O seu segredo reside no abandono do que na aparência é acidental e não essencial, de modo que a lei interior, oculta ao olhar comum, resplandeça com perfeita clareza.”

Nascem todos de uma necessidade que não é nem a generalidade vazia do tipo nem a simples determinação do caráter individual: é a própria essencialidade, oposta ao que não tem essência.”

quando chamamos Sófocles de o plástico da tragédia, trata-se de uma qualidade que nenhum outro partilha e que exclui qualquer comparação dos trágicos com a evolução das formas plásticas.”

O monumento perene do espírito ático na época da sua maturidade é constituído pela tragédia de Sófocles e pela escultura de Fídias. Ambos representam a arte do tempo de Péricles.”

Podemos, assim, chamar Sófocles de clássico, no sentido de que atinge o ponto culminante no desenvolvimento da tragédia. A tragédia consuma nele a <sua natureza>, como diria Aristóteles.”

Um escultor de homens como Sófocles pertence à história da educação humana, como nenhum outro poeta grego, num sentido inteiramente novo.” “É algo totalmente diverso da ação educadora, no sentido de Homero, ou da vontade educacional, no sentido de Ésquilo. Pressupõe a existência de uma sociedade humana, para a qual a <educação>, a formação humana na sua pureza, e por si mesma, converteu-se no ideal mais alto.” “Quase se poderia considerá-la uma arte educativa, como em outra época e em condições de tempo muito mais artificiais o foi a batalha de Goethe no Tasso, para descobrir a forma na vida e na arte.”

É lenda, sem dúvida, o relato que descreve Sófocles na flor da mocidade, a dançar no coro que celebrava a vitória de Salamina, onde Ésquilo combateu. Mas o fato de que a vida do jovem se tenha iniciado na época em que a tempestade acabava de passar é para nós muito elucidativo. Sófocles encontra-se no estreito e altaneiro píncaro do brilhante meio-dia do povo ateniense, e que tão velozmente havia de passar. É na serenidade, sem vento e sem nuvens, do dia incomparável cuja aurora despontou com a vitória de Salamina que a sua obra desabrocha. Pouquíssimo tempo antes de Aristófanes conjurar a sombra do grande Ésquilo, para que este salvasse da ruína a cidade, Sófocles fechou os olhos. Não viu a derrota de Atenas. Morreu depois da vitória de Arginusas ter despertado a última grande esperança de Atenas; e agora lá embaixo – assim o representa Aristófanes pouco depois da sua morte – vive consigo próprio e com o mundo na mesma harmonia com que viveu na Terra.”

Orgulhosa dessa nova forma das relações humanas, aquela época criou para elas uma nova palavra, <urbano>, a qual duas décadas mais tarde se encontrava em uso pleno entre todos os prosadores áticos, em Xenofonte, nos oradores, em Platão.”

a arte e a anedota encarnam em Sófocles e Péricles a síntese da mais alta nobreza da kalokagathia ática, tal como corresponde ao espírito do tempo.”

Não é por mera casualidade de temperamento pessoal que Sófocles é o mestre do meio-tom, ao passo que Ésquilo nunca o poderia conseguir. Em nenhuma outra parte é a forma, de modo tão imediato, a expressão adequada, ou melhor, a revelação do ser e do seu sentido metafísico. Sófocles não responde à pergunta sobre a essência e sentido do ser com uma concepção do mundo ou uma teodicéia, como Ésquilo, mas sim com a forma dos seus discursos e a figura dos seus personagens.”

Não é sem razão que o coro das tragédias de Sófocles repete constantemente que a fonte de todo o mal é a ausência de medida.” “esta consciência das normas ideais do Homem é peculiar à época em que a sofística se inicia. O problema da arete humana é agora estudado com extraordinária intensidade do ponto de vista da educação. O homem <tal como deve ser> é o grande tema da época e a meta de todos os esforços dos sofistas. Até agora, os poetas buscaram só fundamentar os valores da vida humana. Mas não podiam ficar indiferentes à nova vontade educacional.”

A <alma> é objetivamente reconhecida como o centro do Homem. (…) Há muito tempo a escultura tinha descoberto as leis do corpo humano e dele fizera o objeto do mais fervoroso estudo. Voltava a descobrir na <harmonia> do corpo o princípio do cosmos, que o pensamento filosófico já confirmara para a totalidade. A partir do cosmos chega agora o mundo grego à descoberta do espiritual.” “é o único reino do ser que, embora sujeito a uma ordem jurídica, ainda não tinha sido penetrado pela idéia cósmica. É evidente que, à semelhança do corpo, a alma também tem o seu ritmo e a sua harmonia. Entramos com isso na idéia de uma estrutura da alma.” “Protágoras fala da educação da alma por meio da verdadeira eurhytmia e euharmostia.”

Só entre o povo grego a idéia da educação podia brotar das normas da arte escultórica. (…) Naquele tempo, a educação, a poesia e a escultura estavam intimamente ligadas.”

É esta tendência antropocêntrica do espírito ático que dá lugar ao nascimento da <humanidade>, não no sentido do amor humano pelos outros membros da comunidade, que os gregos chamaram filantropia, mas sim no sentido do conhecimento da verdadeira e essencial forma humana.

É especialmente significativo que seja a 1ª vez que a mulher aparece como representante do humano, ao lado do homem, com idêntica dignidade. As numerosas figuras femininas de Sófocles, como Antígona, Electra, Dejanira, Tecmesa, Jocasta, para não falar de outras secundárias, como Clitemnestra, Ismena e Crisótemis, iluminam com o maior fulgor a elevação e amplitude da humanidade de Sófocles. A descoberta da mulher é a conseqüência necessária da descoberta do homem como objeto próprio da tragédia.”

Em Sófocles, passam a uma posição secundária as exigências da teodicéia, que tinha dominado o pensamento religioso, desde Sólon até Teógnis e Ésquilo. O que em Sófocles é trágico é a impossibilidade de evitar a dor. É este o rosto inevitável do destino, do ponto de vista humano. Não é que seja abandonada a concepção religiosa do mundo, de Ésquilo; de modo nenhum. Simplesmente já não é nela que se coloca a ênfase. Vê-se isso com especial clareza numa das primeiras obras de Sófocles, a Antígona, onde ainda aparece com vigoroso relevo aquela concepção do mundo.

A maldição familiar da casa dos Labdácidas, cuja ação aniquiladora Ésquilo acompanha durante várias gerações na trilogia tebana, permanece ainda em Sófocles a causa originária, mas situada num plano de fundo. Antígona cai como sua última vítima, do mesmo modo que em Sete de Ésquilo, Etéocles e Polinices. Sófocles leva Antígona e o seu opositor Creonte a participarem na realização do seu destino pelo vigor das suas ações, e o coro não se cansa de falar da transgressão da medida e da participação de ambos no seu infortúnio.”

Antígona está determinada para a dor, pela sua própria natureza; poderíamos até dizer que foi eleita para ela, visto que a sua dor consciente converte-se numa nova forma de nobreza. Esta eleição para a dor, naturalmente alheia a qualquer representação cristã, revela-se de modo eminente no diálogo do prólogo entre Antígona e as suas irmãs. A ternura juvenil de Ismena retrocede aterrada perante a deliberada escolha da sua própria ruína.”

com a peculiar ironia trágica de Sófocles, no momento em que o coro acaba de celebrar o direito e o Estado, proclamando a expulsão para fora de qualquer sociedade humana daquele que despreza a lei, Antígona é agrilhoada. Para cumprir a lei não-escrita e obedecer ao mais simples dever fraterno, afronta com plena consciência o decreto tirânico do rei que, baseado na força do Estado, proíbe-lhe, sob pena de morte, que dê sepultura ao seu irmão Polinices, morto em combate contra a própria pátria. No mesmo instante aparece ao espírito do espectador um outro aspecto da natureza humana. O orgulhoso hino emudece perante o súbito e trágico conhecimento da debilidade e da miséria humana.

Foi com uma intuição profunda que Hegel viu na Antígona o trágico conflito de 2 princípios morais: a lei do Estado e o direito familiar.” Uau, que profundo, o grande Hegel… Porém, H. emitiu o parecer errado: não é a lei do Estado que prevalece – como poderia se equivocar de tal maneira? Não que o direito familiar seja o vitorioso: a vitória cabe ao indivíduo realizando-se em sua liberdade ética e antagonizando até o último momento o arbítrio – não dos deuses, mas do próprio homem.

ainda que se fale de hybris e da falta de medida e de compreensão, não é no centro que estes conceitos se encontram, como na obra de Ésquilo, mas sim na periferia.” ???

A irracionalidade desta Ate, que inquietou o sentido da justiça de Sólon e preocupou a época inteira, é um pressuposto do trágico, mas não constitui o problema da tragédia. Ésquilo procura resolver o problema. Sófocles pressupõe a Ate. Mas não é de mera passividade a sua posição perante o fato inevitável da dor enviada pelos deuses, que desde a sua origem a velha lírica lamentou. Não partilha as resignadas palavras de Simônides, segundo as quais o Homem tem de perder necessariamente a arete, quando o infortúnio inexorável o derruba. A elevação dos seus grandes sofredores à mais alta nobreza é o Sim que Sófocles dá a esta realidade, a esfinge cujo enigma fatal consegue resolver. É o homem trágico de Sófocles o 1º a elevar-se a uma autêntica grandeza humana, pela completa destruição da sua felicidade terrena ou da sua existência física e social.”

Esta arte chega ao auge de sua perfeição na cena do reconhecimento de Electra e de Orestes. O disfarce intencional do salvador, o seu regresso à casa paterna e a maneira gradual como ele deixa cair as suas vestes fazem a dor de Electra passar por todos os graus, desde o céu até o inferno.”

Exilado da pátria e cego, o velho Édipo vagueia mundo afora, esmolando, pela mão de sua filha Antígona, outra das figuras preferidas que o poeta jamais abandona. Nada é mais característico da essência da tragédia de Sófocles que a compaixão do poeta para com as suas próprias figuras. Nunca o abandonou a idéia do que seria feito de Édipo.”

Na plenitude da vida Sófocles achou plena satisfação em colocar Édipo no meio da tempestade do aniquilamento. Põe-no diante dos olhos do espectador no momento em que se amaldiçoa e quer aniquilar, desesperado, a sua existência, tal como já com as próprias mãos havia apagado a luz dos olhos. Também em Electra, no instante em que a personagem atinge a plenitude da tragédia o poeta corta, subitamente, o fio da ação.

É altamente significativo que Sófocles tenha retomado o tema de Édipo, pouco antes da sua morte. Seria errôneo esperar desse segundo Édipo a resolução final do problema. Quem tentasse interpretar neste sentido a apaixonada autodefesa do velho Édipo, a sua repetida insistência em que foi na ignorância que realizou todos os seus atos, confundiria Sófocles com Eurípides. [Interpretação corrente!] Nem o destino nem Édipo são absolvidos ou condenados. No entanto, é a uma luz mais alta que o poeta parece encarar aqui a dor. É um último encontro com o velho peregrino sem descanso, pouco antes de chegar ao seu termo. A sua nobre natureza continua inquebrantável na sua força impetuosa, apesar do infortúnio e da velhice. A consciência ajuda-o a suportar a dor, esta velha companheira insuperável que nem nas últimas horas o abandona. Esta imagem agreste não dá nenhum lugar à ternura sentimental. No entanto, a dor torna Édipo venerável. O coro sente-lhe o terror, mas ainda mais a grandeza, e o rei de Atenas recebe o mendigo cego com as honras devidas a um hóspede ilustre. Era no solo ático que ele devia encontrar o último repouso, rezava um oráculo divino. A morte de Édipo está envolta em mistério. Sai sozinho e sem guia para o bosque e ninguém mais o volta a ver. Tão incompreensível como a senda da dor, pela qual a divindade conduz Édipo, é o milagre da salvação que no fim o espera. (…) Não se pode saber como, mas a consagração à dor aproxima-o dos deuses e separa-o do resto dos homens. Agora repousa na colina de Colono, na pátria querida do poeta, nos bosques sempre verdejantes das Eumênides, em cujos ramos canta o rouxinol. Nenhum pé humano pode pisar o lugar. Mas é dele que irradia a bênção para toda a terra da Ática.”

2.3 Os sofistas

Foi com os sofistas que a palavra paideia, que no século IV e durante o helenismo e o império haveria de ampliar cada vez mais a sua importância e a amplitude do seu significado, pela 1ª vez foi referida à mais alta arete humana e, a partir da <criação dos meninos> – em cujo simples sentido a vemos em Ésquilo, pela primeira vez (Sete contra Tebas, 18) –, acaba por englobar o conjunto de todas as exigências ideais, físicas e espirituais, que formam a kalokagathia, no sentido de uma formação espiritual consciente.”

se excetuarmos Esparta, onde desde Tirteu se tinha estruturado uma forma peculiar de educação cívica, a agoge (que não tem nada de semelhante no resto da Grécia), não havia nem podia haver nenhuma forma de educação estatal comparável às que a Odisséia, Teógnis e Píndaro nos mostram; e as iniciativas privadas desenvolviam-se muito lentamente.” “A educação profissional, herdada do pai pelo filho que lhe seguia o ofício ou a indústria, não se podia comparar à educação total de espírito e de corpo do nobre” “Era uma simples ampliação do conceito de comunidade de sangue, com a única diferença de que a vinculação da estirpe substituíra o antigo conceito aristocrático do Estado patriarcal. Não era possível pensar em outro fundamento. Por mais forte que fosse o sentimento da individualidade, era impossível conceber que a educação se fundamentasse em outra coisa que não a comunidade da estirpe e do Estado.”

E se a moderna cidade-Estado se apropriara da arete física da nobreza, por meio da instituição da ginástica, por que não seria possível alcançar, através de uma educação consciente pela via espiritual, as inegáveis qualidades diretivas, que eram patrimônio daquela classe?”

Não tem importância para nós, agora, a apreciação da forma democrática da organização do Estado ático” “Problemas como o da educação política do Homem e da formação de minorias dirigentes, da liberdade e da autoridade, só neste grau da evolução espiritual podem surgir e só nele podem alcançar a sua plena urgência e importância para o destino.” “Prova disso é o pensamento dos grandes educadores e filósofos nascidos daquela experiência ter conseguido prontas soluções, que transcendem ousadamente as formas existentes do Estado e cuja fecundidade é inesgotável para qualquer outra situação análoga.”

o problema das relações das grandes personalidades espirituais com a comunidade, problema que preocupou todos os pensadores até o fim da cidade-Estado, sem que chegassem a entrar em acordo. No caso de Péricles, foi encontrada uma feliz solução para o indivíduo e para a sociedade.”

Esta necessidade fez-se sentir mais desde a entrada de Atenas no mundo internacional, com a economia, o comércio e a política subseqüentes às guerras contra os persas. Atenas ficou devendo a salvação a um só homem e a sua superioridade espiritual. Depois da vitória, não pôde suportar muito tempo, já que o seu poder era incompatível com o antiquado conceito da <isonomia>, e ele aparecia como um tirano dissimulado. Assim, por uma evolução lógica, chegou-se à convicção de que a manutenção da ordem democrática do Estado dependia cada vez mais da justa eleição da personalidade dirigente. Para a democracia, o problema dos problemas era ter de se reduzir a si própria ad absurdum, a partir do momento em que quis ser mais que uma forma rigorosa do poder político e se converteu no domínio real da massa sobre o Estado.

Já desde o começo a finalidade do movimento educacional comandado pelos sofistas não era a educação do povo, mas a dos chefes. No fundo não era senão uma nova forma da educação dos nobres.”

Era a eles que acorriam os que desejavam formar-se para a política e tornar-se um dia dirigentes do Estado.” “Não deviam limitar-se a cumprir, mas tinham de criar as leis do Estado e, além da experiência que se adquire na prática da vida política, era-lhes indispensável uma intelecção universal da essência das coisas humanas. É certo que as qualidades fundamentais de um homem de Estado não se podem adquirir. São inatos o tato, a presença de espírito e a previsão, qualidades que Tucídides exalta acima das outras em Temístocles. Pode-se, no entanto, desenvolver o dom de pronunciar discursos convincentes e oportunos.”

a força que as musas concedem ao rei (…) A faculdade oratória situa-se em plano idêntico ao da inspiração das musas aos poetas.”

A idade clássica chama de orador o político meramente retórico. A palavra não tinha o sentido puramente formal que mais tarde adquiriu, mas abrangia também o próprio conceito.”

Esta falsa modernização do conceito grego de arete peca essencialmente por fazer surgir aos olhos do homem atual como arrogância ingênua e sem-sentido a pretensão dos sofistas ou mestres da sabedoria, como os contemporâneos os chamavam e a si próprios eles se intitulavam.”

É natural que encaremos os sofistas retrospectivamente, pelo ponto de vista cético de Platão, para quem o princípio de todo o conhecimento filosófico é a dúvida socrática sobre a possibilidade de ensinar a virtude. É, porém, historicamente incorreto e inibe toda a compreensão autêntica daquela importante época da história da educação humana sobrecarregá-la de problemas que aparecem apenas numa fase posterior da reflexão filosófica. Do ponto de vista histórico, a sofística é um fenômeno tão importante como Sócrates ou Platão. Além disso não é possível concebê-los sem ela.”

A racionalização da educação política não passa de um caso particular da racionalização da vida inteira, que mais do que nunca se baseia na ação e no êxito.” “O ético, que <se compreende por si próprio>, cede involuntariamente o passo ao intelectual, que se situa em primeiro plano.” “É o tempo em que o ideal da arete do Homem recolhe em si todos os valores que a ética aristotélica reúne mais tarde como prerrogativas espirituais, e que, com os valores éticos do Homem, procura juntar numa unidade mais alta.” “os seus pressupostos pedagógicos eram tão justos como a dúvida racional de Sócrates.”

deparamos nos sofistas com duas modalidades distintas de educação do espírito: a transmissão de um saber enciclopédico e a formação do espírito nos seus diversos campos. Claramente se vê que o antagonismo espiritual destes dois métodos de educação só pode alcançar unidade no conceito superior de educação espiritual. Ambas as formas de ensino sobreviveram até o presente, mais sob a forma de compromisso que na sua unilateralidade.”

A poesia e a música eram para Protágoras as principais forças modeladoras da alma, ao lado da gramática, da retórica e da dialética. É na política e na ética que mergulham as raízes desta terceira forma de educação sofística. Distingue-se da formal e da enciclopédica, porque já não considera o homem abstratamente, mas como membro da sociedade.”

Em todo caso, é uma afirmação superficial dizer que aquilo que de novo o de único que liga todos os sofistas é o ideal educativo da retórica: isso é comum a todos os representantes da sofística, ao passo que diferem na apreciação do resto das coisas, a ponto de não ter havido sofistas, como Górgias, que só foram retóricos, e não ensinaram outra coisa. Comum a todos é antes o fato de serem mestres da arete política e aspirarem a alcançá-la mediante o fomento da formação espiritual, qualquer que fosse a sua opinião sobre a maneira de realizá-la.”

É claro que a nova educação (…) se arriscava a cair nas maiores parcialidades, caso não se fundamentasse numa investigação séria e num pensamento filosófico rigoroso (…) Foi a partir deste ponto de vista que Platão e Aristóteles impugnaram mais tarde o sistema total da educação sofística e o abalaram nos seus próprios fundamentos.”

A história da filosofia que Aristóteles nos dá na Metafísica não inclui os sofistas. As mais recentes histórias da filosofia consideram-nos como fundadores do subjetivismo e do relativismo filosóficos. O esboço de uma teoria por parte de Protágoras não justifica tais generalizações e é um erro evidente de perspectiva histórica pôr os mestres da arete ao lado de pensadores do estilo de Anaximandro, Parmênides ou Heráclito. [Entendi o sentido de ‘pôr ao lado’ neste contexto; porém, se fosse um comentário elogioso, os sofistas deveriam se sentir honrados de dividir honras com Parmênides.]

A cosmologia dos milesianos mostra-nos até que ponto o afã investigador da <história> jônica estava originariamente distante de todo o humano e de toda a ação educacional e prática. [será?] (…) A audaciosa tentativa de Xenófanes para fundamentar a arete no conhecimento racional de Deus coloca este conhecimento em íntima ligação com o ideal educativo; e parecia, em instantâneo vislumbre, que a filosofia da natureza iria, pela aceitação da poesia, obter o domínio da formação e da vida da nação. Mas Xenófanes é um fenômeno isolado (…) Heráclito foi o único dos grandes pensadores capaz de articular o Homem na construção jurídica do cosmos regido por um princípio unitário. E Heráclito não é um fisiólogo. (…) Com Anaxágoras de Clazômenas, que situa na origem do ser o espírito, como força ordenadora e diretiva, entra na cosmogonia a tendência antropocêntrica do tempo. No entanto, continua sem solução de continuidade a concepção mecanicista da natureza. (…) Empédocles de Agrigento é um centauro filosófico. Na sua alma biforme convivem em rara união a física jônica dos elementos e a religião da salvação órfica.”

Até um pensador tão estritamente naturalista como Demócrito não pôde deixar de lado o problema do Homem e do seu mundo moral específico. (…) prefere traçar uma linha divisória entre a filosofia da natureza e a sabedoria ética e educativa, que deixa de ser uma ciência teórica para de novo adotar a forma tradicional da parênese.”

O interesse cada vez maior da filosofia pelos problemas do Homem, cujo objeto determina com exatidão cada vez maior, é mais uma prova da necessidade histórica do advento dos sofistas. Todavia, a exigência que eles vêm satisfazer não é de ordem teórica e científica, mas sim de ordem estritamente prática. É esta a razão profunda pela qual tiveram em Atenas uma ação tão forte, ao passo que a ciência dos fisiólogos jônicos não pôde lançar ali quaisquer raízes. Sem compreenderem nada desta investigação separada da vida, os sofistas vinculam-se à tradição educativa dos poetas, a Homero e a Hesíodo, a Teógnis, a Simônides e a Píndaro.”

Simônides já é, no fundo, um sofista típico.(*) Os sofistas deram o último passo. Transplantaram para a nova prosa artística, em que eram mestres, os vários gêneros de poesia parenética onde o elemento pedagógico se revelava com maior vigor, e entraram assim em consciente emulação, na forma e no conteúdo, com a poesia. Esta transposição do conteúdo da poesia para a prosa é sinal da sua racionalização definitiva.

(*) Disse-o já PLATÃO, Prot., 339 A.”

Foram os primeiros intérpretes metódicos dos grandes poetas aos quais vincularam, com predileção, os seus ensinamentos. Não se deve, porém, esperar uma interpretação no sentido em que nós a entendemos. Encaravam os poetas de modo imediato e intemporal e os situavam despreocupadamente na atualidade, como o revela graciosamente o Protágoras de Platão.”

Homero é para os sofistas uma enciclopédia de todos os conhecimentos humanos, desde a construção de carros até a estratégia, e uma mina de regras prudentes para a vida.(*) A educação heróica da epopéia e da tragédia é interpretada de um ponto de vista francamente utilitário.

(*) PLATÃO, Rep. 598 E, mostra este tipo de interpretação sofística de Homero num quadro cheio de precisão.”

Tudo isto recorda os literatos do Renascimento. Renasce neles a independência, o cosmopolitismo e a despreocupação que os sofistas trouxeram ao mundo. Hípias de Élis, que falava de todos os ramos do saber, ensinava todas as artes e só ostentava no corpo vestes e adornos feitos por suas mãos, é o perfeito uomo universale. [aqui, self-made man] (PLATÃO, Híp. Men., 368 B.)”

Não tinham cidadania fixa, devido a sua vida constantemente andarilha. Que na Grécia tenha sido possível este modo de vida tão independente é o mais evidente sintoma do aparecimento de um tipo de educação completamente novo, individualista na sua raiz mais íntima, por mais que se falasse de educação para a comunidade e da virtude dos melhores cidadãos. Os sofistas são, com efeito, as individualidades mais representativas de uma época que na sua totalidade tende para o individualismo. Os seus contemporâneos tinham razão, quando os consideravam os autênticos representantes do espírito do tempo. É também sinal dos tempos viverem da educação. Esta era <importada> como uma mercadoria e exposta à venda. Encerra algo de profundamente verdadeiro esta maliciosa comparação de Platão. Não devemos, porém, tomá-la por crítica aos sofistas e às doutrinas deles, mas antes por um sintoma espiritual.”

Podemos, pois, considerá-los um estágio da maior importância no desenvolvimento do humanismo, embora este só tenha encontrado a sua verdadeira e mais alta forma após a luta entre os sofistas e sua superação por Platão. Há sempre neles algo de incompleto e imperfeito. A sofística não é um movimento científico, mas sim a invasão do espírito da antiga física e <história> dos jônios por outros interesses da vida e sobretudo pelos problemas pedagógicos e sociais que surgiram em conseqüência da transformação do Estado econômico e social. O seu primeiro efeito, porém, foi suplantar a ciência, tal como nos tempos modernos aconteceu com o florescimento da pedagogia, da sociologia, e do jornalismo. Na medida em que (…) formulou um conceito de educação, a sofística levou a uma ampliação dos domínios da ciência jônica nos aspectos ético e social, e abriu o caminho a uma verdadeira filosofia e ética, ao lado e mesmo acima da ciência da natureza. PLATÃO, no Hípias Maior¹ (281 C), salienta a oposição entre a tendência prática dos sofistas e a antiga filosofia separada da vida.”

¹ https://seclusao.art.blog/2019/11/10/pseudo-hipias-maior-ou-o-que-e-o-belo/

Ainda agora está por resolver a questão de saber se a pedagogia é uma ciência ou uma arte; e não foi ciência mas sim techne que os sofistas chamaram a sua teoria e arte da educação.” “A conversão da educação numa técnica é um caso particular da tendência geral do tempo a dividir a vida inteira numa série de compartimentos separados, concebidos com vistas a uma finalidade e teoricamente fundamentados num saber adequado e transmissível. É sobretudo em matemática, medicina, ginástica, teoria musical, arte dramática, etc. que nós encontramos especialistas e obras especializadas. Até os escultores, como Policleto, escrevem a teoria da sua arte. § Por outro lado, os sofistas consideravam a sua arte o coroamento de todas as artes.”

Enquanto o dom de Prometeu, o saber técnico, só pertence aos especialistas, Zeus infundiu em todos os homens o sentido da justiça e da lei, pois sem ele o Estado não subsistiria. Existe, porém, um grau mais alto de intelecção do direito do Estado. É o que a techne política dos sofistas ensina, e que é, para Protágoras, a verdadeira educação e o vínculo espiritual que conserva unidas a comunidade e a civilização humanas. § Nem todos os sofistas atingiram tão elevado conceito da sua profissão. O sofista mediano dava-se por satisfeito em transmitir a sabedoria.”

Convém evitar a identificação da techne com o sentido moderno do conceito de <vocação>, cuja origem cristã o distingue do conceito de techne. Cf. KARL HOLL, Die geschichte des Worts Beruf, Sitz. Berl. Akad., 1924.”

a língua grega não tem outra palavra para exprimir o poder e o saber que o político adquire por meio da ação. E é perfeitamente visível que Protágoras se esforça por distinguir esta techne das técnicas profissionais, em sentido estrito, e por lhe dar um sentido de totalidade e de universalidade.”

Esta educação ética e política é um traço fundamental da essência da verdadeira paideia. (…) Não é como exemplo histórico, meramente aproximado, que usamos o termo humanismo; é com plena reflexão, para designarmos o ideal de formação humana que com a sofística penetra nas profundezas da evolução do espírito grego e no seu sentido mais essencial. Para os tempos modernos, o conceito de humanismo refere-se de modo expresso à educação e à cultura da Antiguidade.”

Platão e Isócrates adotam as idéias educacionais dos sofistas e nelas introduzem diversas modificações. Não há nada que caracteriza tão bem esta transformação como o fato de Platão, chegado ao termo da sua vida e do seu saber, ter transformado, nas Leis, a célebre frase de Protágoras (tão característica, na sua própria ambigüidade, do tipo de humanismo dele): O Homem é a medida de todas as coisas, no axioma: A medida de todas as coisas é Deus.

são essenciais ao humanismo a indiferença religiosa, o <relativismo> epistemológico e o ceticismo que Platão combate e que fazem dele o mais duro adversário dos sofistas. (…) Na nossa exposição posterior voltaremos a abordar este problema, assim como a luta da educação e da cultura para fazerem reconhecer a religião e a filosofia, luta que na história universal atinge o ponto culminante com a aceitação do cristianismo no período final da Antiguidade. § Aqui só podemos adiantar uma resposta sumária. A velha educação helênica, anterior aos sofistas, ignora a distinção entre religião e cultura. Está profundamente enraizada no religioso. A cisão tem lugar no tempo dos sofistas, que é ao mesmo tempo a época da criação da idéia consciente da educação.”

1000AGRE ÚNICO: “Provavelmente o humanismo só podia brotar das grandes tradições educacionais helênicas, no momento histórico em que entravam em crise os mais altos valores educativos.”

Do ponto de vista histórico, é preciso determinar, antes de tudo, se Platão destruiu ou completou o humanismo dos sofistas – o primeiro que a História conheceu. (…) considerando-se as coisas exclusivamente à luz da História, parece que há muito está decidido que o ideal de formação humana propugnado pelos sofistas tem em si um grande futuro, mas não é uma criação acabada. A sua clara consciência da forma tem tido uma inestimável eficácia prática na educação, até o dia de hoje. Mas era precisamente pelo que as suas aspirações tinham de superlativo que ela necessitava de um fundamento mais profundo de ordem filosófica e religiosa. (…) Platão ultrapassa a idéia de educação dos sofistas, precisamente porque volta atrás, e remonta à origem.”

Foi então que pela 1ª vez surgiu uma paideia do homem adulto. O conceito, que originariamente designava apenas o processo da educação como tal, estendeu ao aspecto objetivo e de conteúdo a esfera do seu significado, exatamente como a palavra alemã Bildung (formação) ou a equivalente latina cultura, do processo de formação passam a designar o ser formado e o próprio conteúdo da cultura, e por fim abarcam, na totalidade, o mundo da cultura espiritual”

Adquirir consciência é uma grandeza, mas é a grandeza da posteridade.” “conserva toda a sua força a frase de Hegel que diz que a coruja de Atena só levanta vôo ao declinar o dia. Foi só à causa da sua juventude que o espírito grego, cujos mensageiros são os sofistas, alcançou o domínio do mundo. Assim se compreende que Nietzsche e Bachofen tenham visto na época de Homero ou na tragédia, antes do despertar da ratio, o apogeu dos tempos. Mas não se pode aceitar esta valoração absoluta e romântica dos tempos primitivos.” “Sentimos com dor a perda que acarreta o desenvolvimento do espírito.” “É necessariamente esta a nossa posição; encontramo-nos num estágio avançado da cultura, e em muitos aspectos procedemos também dos sofistas. Estão muito mais <próximos> de nós do que Platão ou Ésquilo. Por isso é que precisamos tanto destes.”

A razão desta carência de notícias está em não terem deixado nenhum escrito que a eles sobrevivesse por muito tempo. Os escritos de Protágoras, que nisto como em tudo tinha um lugar de preferência, ainda eram lidos no final da Antiguidade; mas também foram esquecidos, a partir de então. Cf. PROTÁGORAS, frag. 2, Diels (conservado por Porfírio).”

A Medicina permanecera largo tempo no estado de arte de curar, mesclada de exorcismos e de superstições populares. O progresso do conhecimento da natureza entre os jônios e o estabelecimento de uma ciência empírica influenciaram a arte de curar e levaram os médicos a realizar observações científicas do corpo humanos e seus fenômenos.” “Transpôs-se da totalidade do universo para a individualidade humana o conceito de physis, que recebeu, assim, um matiz peculiar.”

O homem desgraçado ou inclinado ao mal constitui exceção. Foi, neste ponto que em todos os tempos se fundamentou a crítica religiosa cristã do humanismo. É certo que nesta questão o otimismo pedagógico dos sofistas não é a última palavra do espírito grego. Todavia, se os gregos tivessem partido da consciência universal do pecado e não do ideal de formação do Homem, jamais teriam chegado a criar uma pedagogia nem um ideal de cultura.”

Píndaro e Platão jamais partilharam as ilusões democráticas sobre a educação das massas por meio da instrução. Foi o plebeu Sócrates quem redescobriu estas dúvidas aristocráticas relativas à educação. Recordem-se as palavras resignadas de Platão, na Carta Sétima, sobre a estreiteza dos limites dentro dos quais o influxo do conhecimento se pode exercer sobre a massa dos homens, e as razões que ele invoca para se dirigir antes a um círculo restrito e não à multidão inumerável, como portador de uma mensagem de salvação.”

É precisamente nesta íntima antinomia entre a grave dúvida sobre a possibilidade da educação e a vontade inquebrantável de realizá-la que residem a grandeza e a fecundidade do espírito grego. Há lugar entre os dois pólos para a consciência do pecado e pessimismo cultural do cristianismo e para o otimismo educativo dos sofistas.”

As diferenças individuais entre os métodos educativos dos sofistas, de que os seus descobridores se mostram tão orgulhosos, não passam de um objeto de divertimento para Platão. Apresenta juntas as personalidades de Protágoras de Abdera, Hípias de Élis e Pródico de Ceos, que são hóspedes simultâneos do rico ateniense Cálias, cuja casa se tornara pousada de celebridades espirituais. Assim se faz salientar que, apesar de todas as diferenças, há entre todos os sofistas um parentesco espiritual.”

Prêmios e castigos são outorgados pela sociedade, lá onde se trata de bens que podem ser alcançados pelo esforço consciente e pela aprendizagem.” “A virtude cívica é o fundamento do Estado. Sem ela, nenhuma sociedade poderá subsistir. Quem nela não participa deve ser treinado, castigado e corrigido, até que se torne melhor; se for incurável, terá de ser banido da sociedade e até morto. Assim, não é só a justiça punitiva, mas o Estado inteiro, que é para Protágoras uma força educadora. A rigor, é o espírito político do Estado constitucional e jurídico, tal como se realiza em Atenas”

É digno de nota que os sofistas nunca tenham propugnado a oficialização da educação, embora esta exigência esteja muito próxima do ponto de vista de Protágoras. Supriram esta falta oferecendo a educação por meio de contratos privados.”

Pelo ensino da música a criança é educada na sophrosyne e afastada das más ações. Segue-se o estudo dos poetas líricos, cujas obras são apresentadas em forma de composições musicais. Introduzem o ritmo e a harmonia na alma do jovem, para que este saiba dominar-se, uma vez que a vida do Homem precisa da euritmia e da justa harmonia. Esta deve manifestar-se em todas as palavras e ações de um homem realmente educado. O jovem é mais tarde levado à escola de ginástica, onde os paidotribes lhe fortalecem o corpo, para que seja servo fiel de um espírito vigoroso e para que o homem nunca fracasse na vida por culpa da debilidade do corpo.” “Os filhos dos ricos começam a aprender antes e acabam mais tarde a sua educação.” “É característico do novo conceito o fato de Protágoras pensar que a educação não acaba com a saída da escola. Em certo sentido, poderia dizer-se que é precisamente nossa época que começa.”

O conhecimento que por meio do ensino penetra na alma não tem para com ela a mesma relação que a semente tem para com a terra. A educação não é um mero processo de crescimento que o educador alimenta, favorece e guia deliberadamente.”

É indiferente que talvez tenha sido Platão o primeiro a empregar a expressão <formar>. A idéia de formação está implícita na aspiração de Protágoras a formar uma alma rítmica e harmônica por meio da impressão do ritmo e da harmonia musical.”

Antes dos sofistas não se fala de gramática, de retórica ou de dialética.”

Perderam-se os seus escritos gramaticais; mas os gramáticos posteriores, peripatéticos e alexandrinos, os reelaboraram. As paródias de Platão oferecem-nos vislumbres da sinonímia de Pródico de Ceos, e sabemos ainda alguma coisa da classificação dos diversos tipos de palavras, de Protágoras, bem como da doutrina de Hípias sobre o significado das letras e das sílabas. Perderam-se também as retóricas dos sofistas, que eram manuais destinados à publicidade. Um remanescente deste tipo de livros é a retórica de Anaxímenes, em grande parte elaborada com conceitos recebidos.” “É certo que se perdeu sua obra capital, as Antilogias de Protágoras.”

Foi na escola de Platão que a lógica surgiu em 1º lugar, e as caricaturas que o Eutidemo¹ traça dos jogos erísticos de alguns sofistas de 2º plano, cujos excessos a filosofia séria impugna, mostram até que ponto se empregou, desde o início, o vigor da nova arte de discutir como arma nos combates oratórios. Está aqui muito mais próximo da retórica que da lógica teórica e científica.”

¹ https://seclusao.art.blog/2018/08/31/eutidemo-ou-do-disputador-ou-da-mentira-sofistica-frente-a-verdade-dialetica/.

como num teclado, os oradores dominam os tons mais diversos. Tal é a <ginástica do espírito>, cuja falta tão freqüentemente notamos nos discursos e escritos atuais.”

Os gregos deram o nome de agon aos debates judiciais, porque tinham sempre a impressão de se tratar de uma luta entre 2 rivais, sujeita à forma e à lei. Novas investigações mostraram como a argumentação lógica da prova, introduzida pela retórica, foi substituindo, na oratória jurídica do tempo dos sofistas, as antigas provas jurídicas de testemunhas, torturas e julgamentos.” “A retórica é a forma de educação predominante nos últimos tempos da Antiguidade. Estava tão perfeitamente adaptada à predisposição formal do povo grego, que se converteu numa fatalidade, ao desenvolver-se por cima de tudo o mais, como uma trepadeira.”

Unida à gramática e à dialética, a retórica tornou-se o fundamento da formação formal do Ocidente. Desde os últimos tempos da Antiguidade formaram juntas o chamado trivium, que juntamente com o quadrivium constituía as 7 artes liberais, que, sob esta forma escolar, sobreviveram a todo o esplendor da arte e da cultura gregas. Ainda hoje as classes superiores dos liceus franceses conservam, como sinal da ininterrupta tradição da educação sofística, os nomes destas disciplinas, herdadas das escolas monásticas medievais. § Os sofistas não uniram ainda aquelas três artes formais à Aritmética, Geometria, Música e Astronomia, que formaram posteriormente o sistema das 7 artes liberais.”

Antes deles, a música constituía apenas um ensino prático, como mostra a descrição que Protágoras faz da essência da educação dominante. A instrução musical estava nas mãos dos mestres de lira. A ela uniram os sofistas a doutrina teórica dos pitagóricos sobre a harmonia.”

O que hoje denominamos cultura humanista no estrito sentido da palavra, e que é impossível sem o conhecimento das literaturas clássicas na sua língua original, só podia florescer num solo não-grego, mas influenciado no que tinha de mais profundo pelo espírito helênico, como foi o povo romano. A educação baseada nas 2 línguas, grega e latina, é, na sua concepção plena, uma criação do humanismo do Renascimento.”

Uma objeção capital da crítica pública contra este aspecto da educação sofista era a inutilidade das matemáticas para a vida prática. Como se sabe, Platão, no seu plano de estudos, considera a Matemática uma propedêutica para a Filosofia. Nada mais alheio aos sofistas do que esta concepção. (…) Isócrates, um discípulo da retórica sofística que após longos anos de oposição acabou por conceder um certo valor à Matemática” “As Mathemata representam o elemento real da educação sofística; a gramática, a retórica e a dialética, o elemento formal. A posterior divisão das artes liberais no trivium e no quadrivium depõe também a favor daquela separação em 2 grupos de disciplina.”

PLATÃO, Hípias Maior, 285 B mostra unicamente a enciclopédica variedade do saber de Hípias; Hípias Menor,¹ 368 B, o seu consciente esforço para a universalidade, pois tinha o orgulho de dominar todas as artes.”

¹ https://seclusao.art.blog/2019/11/13/hipias-menor-ou-da-mentira/

É a primeira vez que se reconhece o valor do puramente teórico para a formação do espírito. (…) Pelo conhecimento matemático alcança-se a capacidade de construir e ordenar e, de modo geral, a força espiritual. Os sofistas nunca chegaram a formular uma teoria desta ação. Foram Platão e Aristóteles os que primeiro alcançaram uma consciência plena da importância educacional da ciência pura.”

Nos tempos antigos, só por exceção esta atitude espiritual aparecia em algumas personalidades excepcionais, que pelo seu afastamento da vida citadina corrente e seus interesses, e pela sua originalidade entre admirável e ridícula, granjeavam respeito, consideração e amável indulgência. Agora as coisas eram bem outras. Este saber aspirava a converter-se na autêntica e <superior> educação e a suplantar a educação tradicional. § A oposição não podia brotar do povo trabalhador, que desde o início se viu excluído desta educação, pois era <inútil>, cara e dirigida às esferas dirigentes. A crítica só era possível no seio das classes superiores, que sempre haviam possuído uma alta formação e uma medida certa e que, mesmo sob a democracia, mantinham intacto, quanto ao essencial, o seu ideal de gentleman, a kalokagathia. Políticos eminentes como Péricles, e altas personalidades sociais, como Cálias, o homem mais rico de Atenas, davam o exemplo de um apaixonado amor ao estudo, e muitas pessoas de destaque mandavam os filhos às conferências dos sofistas. (…) [os pais] não queriam que seus filhos se convertessem em sofistas. Alguns discípulos mais bem-dotados dos sofistas seguiam os seus mestres de cidade em cidade e aspiravam a fazer profissão dos ensinamentos recebidos. Em contrapartida, os jovens distintos que assistiam as suas conferências não os julgavam modelos dignos de imitação. Pelo contrário, acentuavam a diferença de classe que os separava dos sofistas, todos procedentes de famílias burguesas, e estabeleciam um limite além do qual não podia passar a sua influência. (…) Lembra a discussão entre <Sócrates> – que neste caso se identifica com Platão – e o nobre ateniense Cálicles, no Górgias,¹ sobre o valor da investigação pura para a formação do homem superior que aspira à ação política. Cálicles repele violentamente a ciência como vocação da vida inteira. É boa e útil para preservar os jovens contra tendências perniciosas na perigosa idade em que ocorrem (…) Quem não tiver sentido bem cedo estes interesses não chegará nunca a ser um homem completo e permanecerá sempre numa fase imatura do seu desenvolvimento quem encerrar a sua vida toda nesta atmosfera acanhada. Cálicles estabelece os limites da idade em que é necessário ocupar-se deste saber, ao afirmar que deve ser adquirido <com propósito educativo>, i.e., durante uma idade que serve de simples transição. Cálicles é o tipo da sua classe social. Não nos podemos ocupar aqui da atitude que Platão assume diante dele. O mundo distinto de Atenas e toda a sociedade burguesa participam em maior ou menor grau do ceticismo de Cálicles perante o novo entusiasmo espiritual da sua juventude. (…) Cálicles pertence também à escola sofística, como todas as suas palavras manifestam. Mas aprendeu depois, como político, a subordinar esse grau da sua educação ao curso total da sua carreira de estadista. Cita Eurípides, cuja obra é espelho de todos os problemas do seu tempo.”

¹ https://seclusao.art.blog/2019/03/02/gorgias-ou-da-retorica/.

Philosophari sed paucis” Cícero

Filosofar é coisa rara

foi originariamente proferida por um grego essa <máxima romana> que emociona tantos dos nossos filo-helenistas.”

Ocupar-se da investigação <só por mor da educação> e na medida em que esta faz falta era a fórmula da cultura do tempo de Péricles, uma vez que essa cultura era integralmente prática e política. O seu fundamento era o império ateniense, que tinha por finalidade obter o domínio do mundo helênico. Até Platão, quando após a ruína do império pregava o ideal da <vida filosófica>, justificava o seu intento pelo valor prático em prol da edificação do Estado. (…) E foi só depois de desaparecida a grandeza ateniense que, em Alexandria, reapareceu a ciência jônica.”

O Estado aparece na teoria de Protágoras como fonte de todas as energias educadoras. Além disso, o Estado é uma grande organização educacional que impregna deste espírito todas as suas leis e instituições sociais.”

Foi entre estes 2 pólos – educação e poder – que o Estado dos tempos clássicos se realizou, em tensão constante. Esta tensão gera-se em todos os casos em que o Estado educa os homens exclusivamente para si. A exigência da consagração da vida individual aos objetivos do Estado pressupõe a concordância destes objetivos com o bem-estar do todo e de cada uma de suas partes, entendido corretamente.”

Segundo Protágoras, a educação para o Estado significa educação para a justiça. É precisamente neste ponto que, no tempo dos sofistas, se origina a crise do Estado, a qual se converte ao mesmo tempo na mais grave crise da educação. É superestimar a influência dos sofistas considerá-los, e isso ocorre com freqüência, os executores desta evolução. Aparece mais sensível nas suas doutrinas porque é nelas que se espelham com maior nitidez os problemas do tempo e porque a educação acusa com o maior vigor qualquer perturbação da autoridade legítima.”

a guerra do Peloponeso foi uma prova final para o crescente e irresistível poder de Atenas. Após a morte de Péricles, afetou gravemente a autoridade do Estado e o próprio Estado até, e tornou apaixonada a luta pelo poder interno. Ambos os partidos utilizaram a retórica e a arte de discutir dos sofistas. Mas não se pode afirmar que pelas suas concepções políticas os sofistas deveriam necessariamente pertencer a um dos partidos.” “de uma simples luta de partidos converteu-se numa luta espiritual que corroía os princípios fundamentais da ordem vigente.”

Cálicles impugna a educação segundo o espírito de Protágoras, i.e., segundo o espírito dos ideais tradicionais da <justiça>, com um pathos que deixa transparecer com paixão uma transmutação total de todos os valores.”

Desde a meninice que tratamos como leões os melhores e mais poderosos de nós: oprimimo-los, enganamo-los e subjugamo-los, ao dizer-lhes que devem contentar-se com ser iguais aos outros e que é isto o nobre e o justo. Quando, porém, surge um homem de natureza realmente poderosa, sacode tudo isto, rompe as cadeias e liberta-se, calcando aos pés todo o nosso amontoado de letras e sortilégios, as nossas artes mágicas e as nossas leis contra a natureza; e ele, o escravo, levanta-se e aparece como senhor nosso: é então que brilha em todo o seu esplendor o direito da natureza.”

Górgias, 483 E

Palavras tão belas e sinceras quanto perigosas e ambíguas. Toda a ciência política moderna gravitará em torno delas, interpretando-as bem ou mal.

o conceito de direito, no sentido da lei, perdeu a sua íntima autoridade moral. Na boca de um aristocrata ateniense, é o anúncio declarado da revolução. Com efeito, o golpe de estado de 403, depois da derrota de Atenas, estava animado deste espírito.”

Para a consciência atual, a política e a moral pertencem, com ou sem razão, a 2 reinos separados, e as normas de ação não são as mesmas em ambos os domínios. Nenhuma tentativa teórica para superar essa cisão pode mudar qualquer coisa no fato histórico de que a nossa ética provém da religião cristã e a nossa política do Estado antigo.” “Esta divergência, sancionada pelos séculos e em relação à qual a filosofia moderna várias vezes tentou fazer da necessidade virtude, era desconhecida dos gregos.” “era (…) quase uma tautologia a convicção de que o Estado era a única fonte das normas morais” Maldito rebelde de Nazaré!

Devemos abstrair-nos aqui da nossa idéia de consciência pessoal. Também ela é oriunda da Grécia, mas desabrochou em época muito posterior. Só havia 2 possibilidades para os bregos do séc. V: ou a lei do Estado é a norma suprema da vida humana e está em concordância com a ordenação divina da existência, de tal maneira que o Homem e o cidadão são uma e a mesma coisa; ou as normas do Estado estão em contradição com as normas estabelecidas pela natureza ou pela divindade, caso em que o Homem pode deixar de reconhecer as leis do Estado.” // Sófocles, Antígona

É no momento em que se cava o abismo entre as leis do Estado e as leis cósmicas que se abre o caminho que leva ao cosmopolitismo da época helenística.”

Senhores, todos quantos aqui estais presentes, sois a meus olhos semelhantes, parentes e concidadãos, não pela lei, mas pela natureza. Segundo a natureza, o semelhante é parente do semelhante; mas a lei, tirano dos homens, força a muitas coisas contra a natureza.”

Protágoras, 337 C

Hípias quer estender a igualdade e a fraternidade a todos os seres que têm rosto humano. Do mesmo modo se exprime o sofista ateniense Antifonte no seu livro A Verdade, de que recentemente se acharam numerosos fragmentos.(*) Bárbaros e Gregos, temos todos a mesma natureza, em todos os aspectos.

(*) Oxyrh. Pap. XI n. 1364 Hunt, publicado já em DIELS, Vorsok, II (Nachtr. XXXIII) frag. B col. 2, 10 ss. (4ª ed.).”

Este ideal de igualdade internacional, tão alheio à democracia grega, representa a mais extrema oposição às críticas de Cálicles.”

Do ponto de vista da política realista, as teorias de Antifonte e de Hípias, com as suas idéias de igualitarismo abstrato, não representavam, de momento, grande perigo para o Estado vigente.”

Já nos poemas homéricos podem-se enxergar os vestígios mais antigos desta maneira de pensar, que estava bem de acordo com o espírito grego. A sua aptidão inata para considerar as coisas na sua totalidade podia atuar de maneiras muito diferentes no pensamento e na conduta do Homem.” “Um preferia morrer heroicamente a perder o seu escudo. Outro abandonava-o e comprava um novo, pois a vida era-lhe mais querida.”

Se queremos viver num Estado, temos de nos conformar às suas normas. Mas acontecerá o mesmo se quisermos viver em outro. A lei carece, pois, de força compulsiva absoluta.”

se falta a coação interna, se a justiça consiste só na legalidade externa dos usos de comportamento e no evitar o prejuízo da pena, então não há qualquer motivo para proceder segundo a lei, nos casos em que não há ocasião nem perigo de faltar às aparências e em que não existem testemunhas da nossa ação.”

as palavras de Aristóteles na Política, segundo as quais é melhor para o Estado ter leis ruins, mas estáveis, do que leis em contínua mudança, por melhores que sejam. A penosa impressão do forjamento de leis pela massa e da luta dos partidos políticos, com todas as suas contingências e fraquezas humanas, tinha forçosamente de abrir o caminho ao relativismo.” Vivemos nesse quadro desolador.

Nem todos os sofistas aceitaram tão aberta e integralmente o hedonismo e o naturalismo. Protágoras não o podia ter aceitado, pois nega da maneira mais decidida ter partilhado este ponto de vista, quando Sócrates procura levá-lo a ele, no diálogo platônico do seu nome, e só a sutil dialética socrática consegue que o varão venerável acabe por confessar que deixou aberta na sua doutrina uma brecha por onde o hedonismo, que ele recusava, podia penetrar.”

O simples conceito de <obediência à lei>, que nos primeiros tempos da constituição do novo Estado jurídico fôra um elemento de liberdade e de grandeza, já não era suficiente para exprimir as exigências da nova e mais profunda consciência moral.”

2.4 Eurípides e o seu tempo

Entre Eurípides e Sófocles pusemos a sofística de permeio, visto que, nos dramas que se conservaram e que pertencem todos aos seus últimos anos, o <poeta do iluminismo grego>, como foi chamado, está impregnado das idéias e da arte retórica dos sofistas.” “A sofística tem uma cabeça de Jano, da qual um dos rostos é o de Sófocles e o outro o de Eurípides.” “Sófocles caminha sobre os íngremes píncaros dos tempos. Eurípides é a revelação da tragédia cultural que arruinou a sua época.”

Nunca as múltiplas ramificações do povo heleno – que só tardiamente se atribuíram esse nome comum – tinham na sua história vivido uma tal concentração de forças estatais, econômicas e espirituais, como a que na Acrópole produziu o maravilhoso Pártenon, para honrar a deusa Atena, desde então considerada a alma divina do seu Estado e do seu povo.”

Quanto maior era a grandeza com que a época se manifestava em todos os seus empreendimentos, e a elasticidade, reflexão e entusiasmo com que cada indivíduo se consagrava às suas próprias tarefas e às da comunidade, tanto mais intensamente se sentia o inaudito crescimento da mentira e da hipocrisia – por cujo preço se comprava aquele esplendor – e a íntima insegurança de uma existência que se via forçada a todos os esforços para alcançar o progresso externo.”

Na sua atitude puramente clínica, essa análise da enfermidade constitui um paralelo emocionante com a célebre descrição da peste que nos primeiros anos da guerra minou a saúde física e a resistência do povo.”

a recordação das revoluções passadas e das paixões associadas a elas aumenta a gravidade dos nossos próprios transtornos.”

a amplitude e a popularidade de uma cultura não-erudita, mas vivida simplesmente, tal como existe na Atenas da 2ª metade dos sécs. V e IV, é fenômeno único na História e talvez só tivesse sido possível nos estreitos limites de uma comunidade citadina em que o espírito e a vida pública chegaram a uma interpenetração tão perfeita.”

A transformação que a poesia operou nos banquetes (que já não eram mera ocasião para a bebida, a exaltação e o divertimento, mas sim um foco da vida espiritual mais séria) mostra bem a mudança enorme que desde os tempos aristocráticos se operou na sociedade.” “A luta de morte entre a educação antiga e a nova educação libertária e sofística penetra nos banquetes do tempo de Eurípides e marca-o como etapa decisiva na história da educação.”

De fato, em comparação com uma atmosfera tão inquieta como a de Atenas, na qual pululavam todos os germes daquelas críticas da tradição e onde qualquer indivíduo exigia no campo do espírito uma liberdade de pensamento e de palavra análoga à que a democracia outorgava aos cidadãos na assembléia do povo, pouco significava, em suma, a rude ousadia emancipadora de alguns poetas ou pensadores isolados, no meio de uma comunidade citadina que vivia dentro das normas habituais. Aquilo era completamente estranho e alarmante para a essência do Estado antigo, mesmo na sua fora democrática, e tinha necessariamente de produzir um choque entre esta liberdade individualista não-garantida por nenhuma instituição e as forças conservadoras do Estado. Assim se viu no processo movido a Anaxágoras, sob acusação de impiedade, ou em ataques ocasionais contra os sofistas, cujas doutrinas iluministas eram em parte francamente hostis ao Estado. Geralmente, porém, o Estado era tolerante para com todos os movimentos espirituais e orgulhava-se até da nova liberdade dos seus cidadãos. Não devemos esquecer que a democracia ateniense daquela época e das seguintes serviu a Platão de modelo para a sua crítica da constituição democrática, por ele considerada uma anarquia intelectual e moral.”

A acusação contra o filósofo Anaxágoras era antes dirigida contra seu protetor e partidário, Péricles.”

Ganhou foros de cidadania o espírito estrangeiro, que originariamente era um meteco. Mas desta vez não foram os poetas que entraram em Atenas, embora não faltassem também, pois Atenas assumira a direção incontestada em tudo o que se referia às massas.”

Durante a sua juventude, Platão seguiu Crátilo, discípulo de Heráclito. [mais detalhes em 3.3]

Não se fala dos que não viveram em Atenas ou lá não apareceram com freqüência.”

o Estado, a religião, a moral e a poesia. O Estado racional realiza na concepção histórica de Tucídides a sua última façanha espiritual, em que eterniza a sua essência. Por isso, o grande historiador permanece mais confinado ao seu tempo que os seus 2 grandes concidadãos. O seu profundo conhecimento disse, aliás, menos à Grécia posterior do que a nós, pois não se repetiu tão cedo como ele teria podido pensar a situação histórica para a qual escreveu a sua obra.”

Eurípides é o último poeta grego, no sentido antigo da palavra. Mas também ele tem um pé num campo distante daquele em que a tragédia grega nasceu. A Antiguidade o chamou o filósofo do palco.”

Para definir a atitude dessa época historicista e racional em face do mito, temos o fato significativo de o historiador Tucídides sustentar que a investigação da verdade não é nada menos que a destruição do mito.”

Ésquilo já não tinha adaptado as antigas sagas às representações e aos anseios do seu tempo? Não tinha Sófocles, por razões semelhantes, humanizado os antigos heróis? E a assombrosa renovação, no drama dos últimos 100 anos, do mito que já parecia morto na epopéia mais tardia, o que era ela senão a transfusão de sangue e vida nova ao corpo daquele mundo longo tempo exânime?”

É evidente que convinha mais à consciência grega a projeção do mito num mundo fictício e idealizado, convencional e estético, como o da lírica coral do séc. VI e dos últimos tempos da epopéia, do que a sua adaptação à realidade comum, que, comparada ao mito, correspondia para o espírito grego ao que nós entendemos por profano.”

Como em toda a poesia grega verdadeiramente viva, a forma surge em Eurípides organicamente de um conteúdo determinado, é inseparável dele e é por ele condicionada na própria formação lingüística da palavra e na estrutura da frase.” “As novas formas que contribuíram para a formação do drama de Eurípides foram o realismo burguês, a retórica e a filosofia. Esta mudança de estilo tem o maior alcance para a história do espírito, pois anuncia-se nela o futuro domínio destas 3 forças decisivas para a formação do helenismo posterior.”

Para a época de Eurípides, o aburguesamento da vida significava o mesmo que para nós a proletarização. Muitas vezes faz alusão a ele quando faz entrar em cena, em vez dos heróis trágicos do passado, mendigos maltrapilhos. Era precisamente contra esta degradação da alta poesia que os seus adversários se insurgiam.”

Discute-se o casamento. São trazidas à luz da publicidade as relações sexuais, que durante muitos séculos tinham constituído um noli me tangere da convenção. São uma luta, como qualquer relação na natureza. Não reina aqui, como sempre sobre a Terra, o direito do mais forte? Assim, já na fábula de Jasão que abandona Medéia descobre o poeta os sofrimentos do seu tempo, e introduz nela problemas desconhecidos do mito original, incorporando-os à grandiosa plástica da representação. § Não eram precisamente Medéias as mulheres da Atenas de então. Eram para isso toscas e oprimidas demais ou cultas demais. Por isso escolhe o poeta a bárbara Medéia que mata os filhos com o intuito de ultrajar o marido infiel, para mostrar a natureza elementar da mulher, livre das limitações da moral grega. Jasão, que para a sensibilidade geral dos gregos era um herói sem mancha, ainda que não certamente um marido fiel, torna-se um covarde oportunista. Não age por paixão, mas sim por cálculo frio. Isso era necessário para fazer da infanticida do mito uma figura trágica. O poeta empresta-lhe toda a sua simpatia, em parte porque considera deplorável o destino da mulher, o qual fica eclipsado, à luz do mito, pelo fulgor do herói masculino, cujas façanhas e fama são as únicas dignas de louvor; mas sobretudo porque o poeta quer fazer de Medéia a heroína da tragédia matrimonial burguesa, tal como se manifesta na Atenas daquele tempo, embora não de forma extrema. (…) Medéia é um autêntico drama do seu tempo, pelo conflito entre o egoísmo ilimitado do homem e a ilimitada paixão da mulher. São essencialmente burguesas as disputas, os impropérios e os arrazoados de ambas as partes. Jasão ostenta prudência e generosidade. Medéia faz reflexões filosóficas sobre a posição social da mulher, sobre a desonrosa violência da entrega sexual a um homem estranho, a quem é preciso seguir no casamento e comprar por um rico dote. E explica que o parto dos filhos é muito mais perigoso e heróico que as façanhas dos heróis na guerra.”

Em Orestes – que não lembra em nada Ésquilo ou Sófocles – Menelau e Helena, de novo unidos após longa separação, regressam da sua viagem, no momento em que a pena pelo assassínio da mãe afunda Orestes numa comoção nervosa diante da ameaça de linchamento pela justiça popular. Orestes implora o auxílio do tio. Menelau puxa sua bolsa. Mas, embora se sinta compadecido no seu coração, é covarde demais para jogar por seu sobrinho e pela sobrinha Electra a sua felicidade, penosamente reconquistada. Sobretudo porque o seu sogro Tíndaro, avô de Orestes e pai da falecida Clitemnestra, está furioso e sedento de vingança. Isto completa o drama familiar. Movido pelos agitadores, o povo condena Orestes e Electra à morte, por falta de um defesa apropriada. É então que aparece o fiel Pílades, que jura matar a formosa Helena para vingar Orestes da conduta de Menelau. Isso, porém, não chega a acontecer, porque os deuses, que simpatizam com a heroína, raptam-na e a levam para o céu. Em vez dela, Orestes e Pílades querem assassinar-lhe a filha Hermíone e incendiar-lhe a casa. Impede-os, porém, o aparecimento de Apolo, como deus ex machina, e a peça acaba bem.”

A introdução da retórica na poesia é um fenômeno de não menos graves conseqüências. Era um caminho que levaria à total dissolução da poesia oratória.”

Assim como de início a prosa buscou na poesia os seus processos, mais tarde a própria prosa produziu uma reação na poesia.”

Os discursos de personagens míticos constituem um dos mais constantes exercícios das escolas retóricas, como o mostra a defesa de Palamedes por Górgias e o elogio que este faz de Helena.”

Foi atribuída a Antístenes uma luta retórica entre Ájax e Ulisses diante dos juízes, e a Alcidamante uma acusação de Ulisses contra Palamedes. Quanto mais aventuroso era o tema, mais apto estava a demonstrar a difícil arte <de converter a pior coisa na melhor>, ensinada pelos sofistas.”

A retórica sofista procura defender o direito do ponto de vista subjetivo do acusado, por todos os processos de persuasão.” “O antigo conceito de culpa era totalmente objetivo.” “Ésquilo e Sófocles ainda estão impregnados dessa antiga idéia religiosa, mas procuram atenuá-la, dando ao Homem sobre o qual recai a maldição uma participação mais ativa na elaboração do seu destino (…) Os personagens são <culpados> no sentido da maldição que pesa sobre eles, mas são <inocentes> para a nossa concepção subjetiva.”

O velho Sófocles apresenta-nos o seu Édipo em Colono, defendendo-se do decreto de expulsão promulgado pelos habitantes do lugar onde se acolheu, com a alegação da sua inocência e de que foi sem conhecimento nem vontade que cometeu os seus crimes de parricídio e incesto. Alguma coisa aprendeu de Eurípides a este respeito.”

Como sabemos, a subjetivação do problema da responsabilidade jurídica no direito penal e na defesa perante os tribunais do tempo de Péricles ameaçava esfumar as fronteiras entre a culpabilidade e a inocência.”

a Helena de Eurípides analisa o seu adultério e considera-o perpetrado sob a compulsão da paixão erótica.” // As Troianas, 948

A sua intelectualidade sensível, que parece débil em comparação com a força vital profundamente enraizada de Ésquilo, torna-se o instrumento espiritual de uma arte trágica que precisa cimentar e espicaçar, por meio de uma dialética febril, o seu arrebatamento subjetivo.”

A impiedosa crítica que os homens dirigem contra os deuses é um motivo que sempre acompanha a ação trágica, mas é sempre acidental.”

em As Troianas, os seus heróis, orgulho da nação, são desmascarados como homens de brutal ambição e animados de simples fúria de destruição.”

Eurípides desenvolve o elemento lírico que desde o início fôra essencial ao drama, mas o transpõe do coro para os personagens.”

A comédia, com as suas contínuas censuras à música moderna da arte de Eurípides, prova que perdemos com ela algo de essencial.”

Em As Bacantes, obra da velhice, o poeta atinge a elevação máxima da sua força lírica, com a irrupção elementar da embriaguez dionisíaca, que constitui, em todo o âmbito das nossas tradições antigas, a mais genuína manifestação desta estranha loucura orgiástica, e mesmo atualmente nos deixa pressentir com a maior nitidez a força de Dioniso nas almas arrebatadas por aquela fúria.”

Eurípides é o primeiro psicólogo.” “É a primeira vez que, com despreocupado naturalismo, introduz-se no palco a loucura”

Na Medéia e no Hipólito, descobre os trágicos efeitos da patologia erótica e da erótica deficiente. Em contrapartida, na Hécuba, descreve o efeito deformador da dor excessiva sobre o caráter, a espantosa e bestial degenerescência da nobre dama que tudo perdeu.”

O Homem já não quer nem pode submeter-se a uma concepção da existência que não o tome como medida última.”

A comédia infiltra-se cada vez mais nas cenas trágicas. A comédia de Menandro representa a continuação dessa tendência.”

Não é de se suspeitar de que foi precisamente por ter compreendido tudo a seu respeito e a respeito do seu mundo, com visão cética, que ele aprendeu a celebrar a felicidade da fé humilde dos antigos, baseada numa verdade religiosa que ultrapassava os limites da razão e que a ele próprio faltava?” “Eurípides é o criador de um tipo de arte que já não se fundamenta na cidadania, mas na própria vida.”

Os seus retratos mostram-nos a fronte negligentemente cercada de emaranhadas mechas de cabelo, tal como era típico das artes plásticas caracterizar as cabeças dos filósofos.”

Existem poetas infelizes na vida que na sua obra parecem completamente felizes. Sófocles conseguiu na vida aquela harmonia que a sua arte irradia.”

O prejuízo causado por Eurípides ao teatro ateniense é compensado pela sua incalculável ação sobre os séculos seguintes.”

2.5 A comédia de Aristófanes

Só a poesia nos permite apreender a vida de uma época em toda a riqueza das suas formas e tonalidades e na eternidade da sua essência humana. Daí o paradoxo, por outro lado perfeitamente natural, de talvez nenhum período histórico, nem sequer do passado mais próximo, poder ser apresentado e tão intimamente compreendido como o da comédia ática.”

A cena de Tersites na Ilíada, que expõe o repugnante e odioso agitador à troça pública, é uma cena genuinamente popular, uma pequena comédia entre as múltiplas tragédias que a epopéia homérica encerra. E na farsa divina que a contra-vontade representa o par de enamorados Ades e Afrodite, são os próprios deuses olímpicos que se tornam objeto das joviais gargalhadas dos expectadores.

O fato de que até os altos deuses pudessem ser tema e objeto do riso cômico prova que, no sentir dos gregos, em todos os homens e em todos os seres de forma humana reside, ao lado da força que leva ao pathos heróico e à grave dignidade, a aptidão e a necessidade do riso. Alguns filósofos posteriores definiram o Homem como único animal capaz de rir – embora na maioria das vezes ele seja definido como o animal que fala e pensa. Deste modo, colocam o riso no mesmo plano da linguagem e do pensamento, como expressão da liberdade espiritual. Se fizermos uma ligação entre o riso dos deuses homéricos e esta idéia filosófica do Homem, não poderemos negar a alta origem da comédia, apesar da menor dignidade deste gênero e dos seus motivos espirituais.”

O espírito moderno só conseguirá compreender o encanto ímpar da comédia aristofânica desde que se liberte do preconceito histórico que a encara apenas como uma primeira fase, genial mas ainda tosca e informe, da comédia burguesa.”

As vestes fálicas dos atores e os disfarces do coro, especialmente por meio de máscaras de animais – rãs, vespas, pássaros –, provêm de uma antiquíssima tradição, pois já se encontram presentes em velhos autores cômicos, em quem esta memória se mantém bem viva”

Dificilmente pode ser obra da pura casualidade o fato de que tenha sido Aristófanes o único sobrevivente da tríade de poetas cômicos – Cratino, Eupolis e ele – estabelecida como clássica pelos filólogos alexandrinos. Este cânon, procedente sem dúvida do paralelismo com a tríade dos poetas trágicos, era uma simples sutileza da história literária e não refletia o valor efetivo daqueles poetas, nem sequer para os tempos helenísticos.” “Platão teve razão em introduzir Aristófanes no Banquete, como representante exclusivo da comédia.” “Quando com a idade perdiam sutileza e engenho, fontes elementares do seu êxito, até os poetas preferidos eram vaiados sem compaixão. É esse o destino de todos os palhaços.”

Parece indubitável que até o velho bêbado Cratino, que Aristófanes, na parábase de Os Cavaleiros, propõe que seja retirado do palco urgentemente e conservado no Pritaneu até a morte, em estado de honorável embriaguez, baseava toda a sua força e todo o seu prestígio na sua sátira contra personagens políticos de notória impopularidade. É este o autêntico iambo antigo, nascido da sátira política. Mesmo Eupolis e Aristófanes, os brilhantes Dióscoros da jovem geração, que começaram como amigos, escrevendo as suas peças em colaboração, e acabaram como inimigos violentos, acusando-se mutuamente de plagiadores, são sucessores de Cratino nas suas invectivas contra Cléon e Hipérbolo.”

a sátira trivial à calvície de alguns espectadores, o ritmo indecente da dança do córdax, a galhofa das cenas de pancadaria, por meio das quais o autor disfarçava a idiotice das suas piadas.”

As Nuvens confessa abertamente o quanto se sente superior aos seus predecessores (e não apenas a eles) e em que medida confia no poder da sua arte e da sua palavra. Sente-se orgulhoso por introduzir todos os anos uma <idéia> nova, pondo simultaneamente a força inventiva da nova poesia cômica não só frente à antiga, mas também frente à tragédia, que operava constantemente sobre um material dado. (…) Um poeta cômico podia, com um desafio destes, concitar o interesse universal, do mesmo modo que um jovem político podia lançar-se brilhantemente encarregando-se da acusação num grande processo político de escândalo. Só era preciso ter coragem para isso.”

Foi na comédia que o excesso de liberdade gerou, por assim dizer, o seu próprio antídoto. Superou-se a si própria e estendeu a liberdade de expressão, a parrhesia, até às coisas e instâncias que mesmo as constituições mais livres consideram tabu.”

Em Atenas, a função censora pertencia à comédia. É isso que dá à graça de Aristófanes, a qual supera muitas vezes as suas chicotadas, a inaudita seriedade que se oculta por trás das suas alegres máscaras.”

O fato de que a educação tenha ocupado na comédia, apesar da agitação daqueles dias de guerra, um lugar tão amplo e mesmo predominante, ao lado da política, demonstra a sua enorme importância naquele tempo. Só através da comédia podemos chegar a conhecer a violenta paixão que gerou e as causas de que procede a luta pela educação.”

Quando a caricatura atingia os homens do governo com uma despreocupação artística análoga à imagem de Sócrates que As Nuvens nos apresenta, era humano que os atingidos empregassem a força para se defender, ao passo que os particulares, como Sócrates, estavam desamparados, como diz Platão, à mercê das troças populares da comédia.”

As palavras de Goethe em Poesia e Verdade descrevem perfeitamente os efeitos deste gênero de nostalgia do passado, na poesia. Causa universal prazer recordar com engenho a história de uma nação; congratulamo-nos com as virtudes dos nossos maiores e sorrimos perante as faltas que julgamos ter superado há muito tempo.”

Na Alemanha, foi com o despertar da vida política que despertou (sic) o interesse pela comédia política de Aristófanes. Mas só nas últimas décadas os problemas políticos chegaram a atingir a agudeza que tiveram em Atenas, no final do séc. V. Os dados fundamentais são os mesmos: estão em jogo as forças opostas da comunidade e do indivíduo, da multidão e da inteligência, dos pobres e dos ricos, da liberdade e da opressão, da tradição e do iluminismo.”

Tudo o que Aristófanes descreve pertence a um capítulo imoral: o humano, excessivamente humano. (…) O real dissolve-se continuamente numa realidade intemporal mais elevada, fantástica ou alegórica. O poeta alcança nisto a sua maior profundidade”

Aristófanes pinta em Os Comilões a ação deformadora do ensino sofístico sobre a juventude e nessa peça já vai muito mais ao fundo. Um camponês ático educou um dos filhos em casa, à moda antiga, e mandou o outro para a cidade, a fim de desfrutar as vantagens da nova educação. Este regressa transformado, moralmente corrompido e inútil para as tarefas do campo. (…) O pai fica consternado ao ver que ele já não sabe cantar nos festins as velhas obras de Alceu e Anacreonte. Em vez das antigas palavras de Homero, só entende as glosas às leis de Sólon, pois a educação política agora sobrepuja tudo. O nome do retórico Trasímaco aparece num verso em que se trata de uma discussão sobre o uso das palavras. Mas, em conjunto, a peça não parece ter ultrapassado os limites da troça inofensiva.”

O capricho da natureza tinha até cuidado da máscara cômica de Sócrates, dando-lhe um aspecto de sileno, de nariz chato, lábios protuberantes e olhos saltados.” “Embora na realidade quase todo o dia se passasse no mercado, misteriosamente colocou o seu Sócrates fantástico numa estreita tenda de pensador, onde, suspenso de um balanço sobre o pátio, e de pescoço torcido, investigava o <Sol>, enquanto os seus discípulos, sentados no chão, enterravam na areia os seus pálidos rostos, no intuito de perscrutarem o mundo subterrâneo. É costume estudar As Nuvens à luz da história da filosofia e, no melhor dos casos, desculpa-se Aristófanes. Summum ius, summa iniuria. É uma iniqüidade fazer com que o burlesco Sócrates da comédia compareça no tribunal da rigorosa justiça histórica. (…) O seu herói é um iluminista distante do povo e um homem de ciência ateu. Por meio de alguns traços tomados de Sócrates, personifica-se nesta figura o cômico típico do sábio vaidoso e satisfeito consigo próprio. § Para quem tem em mente a imagem que Platão nos dá de Sócrates, esta caricatura não tem graça. A autêntica graça está na descoberta de semelhanças ocultas, e aqui não enxergamos semelhança nenhuma.”

A ânsia de Sócrates pelos conceitos parecia superar até a dos sofistas. Não se pode exigir do poeta a quem o racionalismo em voga, sob qualquer forma que se apresentasse, parecia igualmente demolidor, finos matizes entre um e os outros. (…) Aristófanes vê com clarividência a dissolução de toda a herança espiritual do passado e não consegue contemplá-la impassivelmente. É certo que se teria visto na maior perplexidade se alguém lhe tivesse perguntado a sua <íntima convicção> a respeito dos deuses antigos. Mas, como poeta cômico, achava ridículo que os meteorólogos classificassem o éter de divino e procurava representar isso de modo vivo na prece de Sócrates ao Turbilhão (…) ou às Nuvens, cujas formas imateriais suspensas no ar apresentavam uma tão evidente semelhança com as doutrinas dos filósofos. (…) a atmosfera encontrava-se excessivamente saturada de ceticismo perante os resultados do pensamento humano”

ENVELHECEU MAL: “No tempo em que florescia o logos justo e se exigia uma conduta virtuosa, nunca se ouvia uma criança recalcitrar. Todas seguiam na rua ordeiramente a caminho da escola e não levavam capa, ainda que caíssem flocos de neve como flocos de farinha. Eram rigorosamente ensinadas a cantar velhas canções, com melodias dos antepassados. Se alguma cantasse com adornos e floreados, à moda dos músicos de agora, teria sido açoitada. Era assim que se educava uma geração como a dos vencedores de Maratona. Hoje enfraquecem-se as crianças, envolvendo-as em mantas, e uma pessoa arde em fúria ao ver a maneira mole e desleixada como os jovens seguram sobre o ventre os escudos, nas danças de armas das Panatenéias. O logos justo promete aos mocinhos que se entregam a ele e a sua educação ensiná-los a odiar a ágora e os banhos, a se envergonharem de toda conduta vergonhosa (sic), a se indignarem quando troçam deles, a se levantarem na presença dos anciãos e a lhes cederam o lugar, a honrarem os deuses e a venerarem a imagem da Modéstia, a não andarem com[o?] bailarinas e a não responderem ao pai. Devem exercitar-se no ginásio, untando com azeite o corpo vigoroso, em vez de discursarem na ágora ou se deixarem levar aos tribunais para discutirem sobre bagatelas. Coroados de canas, disputarão com camaradas belos e decentes as corridas sob as oliveiras da academia, cheirando a madressilva e a folhas de choupo; em seguida, gozarão a plenitude da primavera. O coro exalta os homens ditosos que viveram nos belos tempos antigos, em que reinava esta educação, e goza o doce aroma da sophrosyne que se desprende das palavras do logos justo.”

Os oradores da epopéia deram às normas ideais um sentido paradigmático e este uso foi seguido pela poesia mais antiga. Os sofistas aproveitam essa tradição e colecionam exemplos míticos, que ao seu relativismo naturalista e dissolvente podiam servir para todos os fins. Enquanto antes no tribunal a defesa procurava demonstrar que o caso estava em conformidade com a lei, agora ataca as leis e os costumes, e tenta demonstrar que são deficientes. A fim de rebater a afirmação de que os banhos quentes debilitam o corpo, o logos injusto aduz o herói nacional Hércules, o qual, para se regalar, pediu a Atena que fizesse brotar da terra fontes de água quente, nas Termópilas. Elogia o costume de permanecer e discursar na ágora, que o logos justo reprova, e para isso invoca a eloqüência de Nestor e de outros heróis homéricos.”

Se queres seguir o meu conselho, dá livre curso à natureza, salta e ri, não te detenhas ante o vergonhoso. Se fores acusado de adultério, nega a tua falta e invoca Zeus que também não teve força bastante para resistir a Eros e às mulheres. Não é possível que tu, simples mortal, sejas mais forte que um deus. É a mesma argumentação da Helena de Eurípides, ou da ama, no Hipólito. A discussão culmina no ponto em que o elogio tecido pelo logos injusto a sua moral relaxada provoca as gargalhadas do público.”

Qual era a posição do poeta na luta entre a velha e a nova educação? (…) Ele próprio foi beneficiário da educação moderna e a comédia seria inconcebível nos bons tempos antigos a que o seu coração pertencia e que, no entanto, o teriam vaiado.” Normal.

A evocação da antiga paideia não significa um convite a regressar ao passado. Aristófanes não é um reacionário dogmático e rígido. Mas o sentimento de se ver arrastado pela corrente do tempo e de ver substituído por algo de novo também valioso, era vigorosamente suscitado nesta época de transição e enchia de receio os espíritos clarividentes. Nada tinha a ver com o moderno conhecimento das linhas históricas e nem com a crença geral na evolução e no <progresso>.”

Para nós é paradoxal que este aspecto da nova educação seja escarnecido numa peça cujo herói é Sócrates. Na economia da comédia, pelo menos como chegou até nós, a própria cena da discussão entre o logos justo e o injusto pouco tem a ver com Sócrates, que, por outro lado, não estava presente. Mas o final de As Rãs prova que Sócrates é também, para o poeta, o protótipo de um novo espírito que matava o tempo com sofísticas sutilezas, abstrusas e minuciosas, desprezando os valores insubstituíveis da música e da tragédia.”

A crítica a Eurípides visa a toda a sua criação poética e converte-se finalmente numa quase perseguição.” “Ficou órfã a tragédia. Atingiu-se evidentemente uma encruzilhada histórica. Mais tarde, na comédia de Aristófanes, Gerytades, apareceram os tristes epígonos, o trágico Meleto, o ditirâmbico Cinesias e o cômico Sanírio, como enviados ao mundo subterrâneo para ali receberem o conselho dos grandes poetas. Assim a época ironizava a si mesma.”

Dioniso em pessoa desce ao mundo subterrâneo para de novo trazer Eurípides. Até o maior adversário do defunto era forçado a reconhecer que era este o desejo mais ardente do público. O seu deus Dioniso é a personificação simbólica do público do teatro, com todas as suas cômicas fraquezas, grandes e pequenas.” “Aristófanes abandona as suas troças anteriores, na maioria ocasionais e que teriam sido inadequadas àquele momento, para penetrar até o fundo do problema.” “A descida ao mundo subterrâneo era um tema predileto da comédia. Esta atitude põe As Rãs em contato com os Demoi de Êupolis, onde os antigos estadistas e estrategos atenienses são chamados do Hades para auxiliarem o Estado, mal-avisado. Pela união desta idéia com a do concurso dos poetas, Aristófanes chega a uma solução surpreendente: Dioniso, que desceu ao Hades para buscar Eurípides, traz por fim, depois de um triunfo de Ésquilo, em lugar do seu adversário, o velho poeta, para salvar a pátria.”

O que para os meninos é o mestre

que lhes mostra o reto caminho

isso nós, os poetas, somos para os adultos.

Por isso lhes devemos dizer sempre o que há de mais nobre.”

O Ésquilo de Aristófanes

E, embora Aristófanes saiba perfeitamente que Eurípides não é um espantalho, mas sim um artista imortal a quem a sua própria arte deve imensas coisas, e embora os seus sentimentos estejam de fato muito mais perto de Eurípides que de Ésquilo, seu ideal não pode ignorar que esta nova arte não está em condições de dar à cidade o que Ésquilo deu aos cidadãos do seu tempo, e que nenhuma outra coisa podia salvar a sua pátria na amarga necessidade do momento.”

Adeus, Ésquilo, sai já daqui,

vai salvar a cidade com sãos conselhos

e educar os néscios, que são inumeráveis.

Há muito a tragédia não era capaz de tomar a atitude e usar a linguagem que a comédia aqui ousa empregar. O seu âmbito vital era ainda a vida pública e o que nela se move, ao passo que a tragédia abandonara muito antes os seus profundos problemas e se refugiara na intimidade humana.”

2.6 Tucídides como pensador político

Não é Tucídides o primeiro dos historiadores gregos. Por conseguinte, o primeiro passo para compreendê-lo é tomar conhecimento do grau de desenvolvimento da consciência histórica. É claro que antes dele nada há que se lhe compare; e a História posterior enveredou por caminhos totalmente diversos, pois tomou a sua forma e os seus pontos de vista das tendências espirituais dominantes na sua própria época. Mas há ligação entre Tucídides e os seus predecessores.”

Tanto quanto sabemos, é Hecateu, oriundo, como os primeiros grandes fisiólogos, do centro cultural de Mileto, o primeiro que transfere a <pesquisa> da physis para a terra habitada, que até então fôra estudada apenas como parte do cosmos e na sua estrutura mais superficial e genérica.”

Foi Heródoto que deu o segundo passo: ainda mantém unitária a ciência dos povos e dos países, mas já situa o Homem no centro. Viajou por todo o mundo civilizado de então – Oriente Próximo, Egito, Ásia Menor e Grécia –, estudou a descreveu todos os tipos de costumes e maneiras estranhas e a maravilhosa sabedoria dos povos mais antigos, descreveu a magnificência dos seus templos e palácios e contou a história dos seus reis e de muitos homens importantes e notáveis, mostrando como neles se manifestavam o poder da divindade e os altos e baixos da mutável sorte humana. É pela sua referência ao grande tema da luta entre o Oriente e o Ocidente, desde a sua primeira manifestação no combate dos gregos com o vizinho reino da Lídia, no reinado de Creso, até as guerras pérsicas, que esta arcaica e variegada multiplicidade de dados ganha unidade. Com uma complacência e uma habilidade narrativa análogas às de Homero, relata para a posteridade, na sua prosa só aparentemente ingênua e despretensiosa – que os seus contemporâneos saboreiam como os antigos tempos saboreavam os versos da epopéia –, a glória dos feitos dos helenos e dos bárbaros.”

Tucídides é o criador da história política. Este conceito não se aplica a Heródoto, embora sejam as guerras pérsicas o ponto culminante da sua obra.”

Comparado com o vasto horizonte universal da descrição de povos e países por Heródoto, cuja serena contemplação se estende a todas as coisas divinas e humanas de toda a terra conhecida, é restrito o campo visual de Tucídides. Não se estende para além da esfera de influência da polis grega. Mas este objeto tão restrito está carregado dos mais graves problemas e é experimentado e analisado com a mais profunda intensidade.”

A história que Heródoto traça dos povos não teria, por si só, desembocado na história política. Mas Atenas, voltada para o presente e concentrada nele, cedo se viu arrastada num remoinho do destino, em que o pensamento político desperto viu-se forçado a completar-se com o conhecimento histórico, embora em sentido diverso e com conteúdo diferente: era necessário chegar ao conhecimento da necessidade histórica que empurrava a evolução da cidade de Atenas para a sua grande crise. Não é que a história se torne política; o pensamento político é que se torna histórico.”

fundamentalmente, só se preocupa com a guerra do Peloponeso, i.e., com a história vivida no seu próprio tempo. Ele próprio diz, no primeiro parágrafo do seu livro, que começou a sua obra com o começo da guerra, por estar convencido da importância daquele acontecimento.” “Era, pois, muito diferente daquilo que geralmente entendemos por historiador. E as suas excursões por terras do passado, por mais que apreciemos o seu sentido crítico, são sempre incidentais ou escritas para fazer sobressair, em contraste com o passado, a importância do presente. § O melhor exemplo disto é a chamada Arqueologia, no início do livro I. O seu fim primordial é demonstrar que o passado não tem importância”

Parece-lhe sem importância o passado dos povos gregos, mesmo nos seus empreendimentos mais elevados e mais famosos, porque a vida daqueles sempre era estruturalmente incapaz de uma organização estatal ou do poder digna deste nome. Não tinha tráfico nem comércio, no moderno sentido da palavra.” “As partes mais favoráveis do país eram precisamente as mais disputadas e os seus habitantes mudavam com a maior freqüência.” “O espírito desta pré-história é análogo ao das construções dos sofistas sobre o começo da civilização humana. (…) Encara o passado com uma visão de político moderno, i.e., do ponto de vista do poder. A própria cultura, a técnica e a economia são consideradas apenas como pressupostos para o desenvolvimento de um poder autêntico. Este consiste principalmente na formação de grandes capitais e extensas riquezas territoriais apoiadas num grande poderio marítimo. (…) O imperialismo de Atenas, do qual já pouco resta, dá-lhe a medida para a avaliação da história primitiva.

A história de Tucídides é de uma independência perfeita, tanto na escolha do ponto de vista como na aplicação destes princípios. Homero é estudado, sem quaisquer preconceitos ou romantismo, com o olhar de um político da força. O reino de Agamemnon é considerado por Tucídides o primeiro grande poderio helênico de que se tem notícia. De um verso de Homero, interpretado com exagero enorme, conclui com uma penetração inexorável que o seu império se estendeu através dos mares e foi sustentado por uma grande marinha. O catálogo dos navios da Ilíada desperta-lhe o maior interesse, e, apesar do seu ceticismo quanto às tradições poéticas, mostra-se disposto a aceitar as suas referências precisas sobre o potencial dos contingentes gregos na guerra de Tróia, porque confirmam as suas idéias sobre a falta de importância dos instrumentos de poder daquele tempo. (…) Com a entrada das ilhas e das cidades da Ásia Menor na liga ática, cria-se no mundo dos Estados gregos um poder capaz de contrabalançar o poderio de Esparta, até então predominante. A história subseqüente não é mais do que a competição entre estes 2 poderes, com os conseqüentes incidentes e conflitos, até que explode a guerra final, em face da qual as anteriores parecem brincadeiras de moleques.”

Novamente o bisonho problema do anacronismo em Jaeger.

O meu ponto de vista difere do de W. SCHADEWALDT (Die Geschichtschreibung des Thukydides, Berlim, 1929), que, de acordo com E. SCHWARTZ (Das Geschichtswerk des Thukydides, Bona, 1919), defende que a arqueologia é a parte mais antiga de Tucídides e tenta interpretar, a partir dela, o espírito do Tucídides anterior, <o discípulo dos sofistas>.”

Talvez a minha obra pareça pouco divertida por falta de lindas histórias. Será útil, no entanto, a todo aquele que queira formar um juízo adequado e examinar objetivamente o que aconteceu e o quê, de acordo com a natureza humana, acontecerá certamente no futuro, do mesmo modo ou de modo semelhante. Isto é mais uma aquisição de valor permanente do que uma peça de luxo para satisfação momentânea.”

A essência do acontecer histórico não reside para ele numa ética qualquer ou numa filosofia da história, nem numa idéia religiosa. A política é um mundo regulado por peculiares leis imanentes, que só se podem descobrir se considerarmos os acontecimentos, não isoladamente, mas em ligação com o seu curso total.”

O conceito de Tucídides sobre o conhecimento da história política não pode ser caracterizado melhor do que por umas célebres palavras do Novum Organon de Bacon, onde opõe à Escolástica o seu próprio ideal científico: Scientia et potentia humana in idem coincidunt, quia ignoratio causae destituit effectum. Natura enim non nisi parendo vincitur. Et quod in contemplatione instar causae est, id in operatione instar regulae est. [A ciência e a potência humana (política) coincidem,¹ uma vez que a ignorância da causa invalida seus efeitos. A natureza só pode ser vencida pelo conhecimento das causas. A causa (teórica) observada pelo método da contemplação nos conduz a operações regulares (regras práticas).]

[¹ Outra interpretação mais atual: as Humanidades e as Ciências Exatas. Ambas são objetos lógicos de estudo no infinito otimismo da era baconiana.]

A peculiaridade do pensamento de Tucídides sobre o Estado é a sua carência de qualquer doutrina abstrata, de qualquer fabula docet, ao contrário da concepção religiosa de Sólon e das filosofias do Estado dos sofistas ou de Platão. (…) A concepção de Tucídides seria inconcebível independentemente do tempo em que ele viveu.”

Buscar nos discursos de Tucídides os vestígios de algo realmente pronunciado na época é um empreendimento tão estéril como procurar descobrir nos deuses de Fídias determinados modelos humanos.”

O conceito de causa provém do vocabulário da Medicina (…) Foi ela que pela 1ª vez estabeleceu a distinção científica entre a verdadeira causa de uma enfermidade e o seu mero sintoma.”

O conhecimento desta causa tem algo de libertador, pois coloca aquele que o possui acima das odiosas lutas dos partidos e do espinhoso problema da culpa e da inocência. Mas também tem algo de opressivo, pois faz aparecer como resultantes de um longo processo, condicionado por uma mais alta necessidade

Von Ranke, História da Prússia, 2ª ed., 1871.

Como 2ª potência comercial da Hélade e, portanto, como naturais competidores de Atenas, os coríntios são os seus inimigos mais encarniçados. (…) Vemos surgir diante de nós uma imagem do caráter do povo ático de uma força nunca igualada por nenhum orador ateniense, ao tecer o louvor da sua pátria, nem sequer pela oração fúnebre de Péricles, composta livremente pelo próprio Tucídides, que dela conservou não poucos traços no discurso dos coríntios. Com certeza não se trata realmente de um discurso mantido pelos coríntios em Esparta, mas sim de uma criação essencialmente livre de Tucídides. Este louvor de um inimigo diante dos inimigos é uma peça de grande refinamento retórico que, além da sua imediata finalidade agitadora, desempenha para o historiador um papel importantíssimo: dá-nos uma análise incomparável dos fundamentos psicológicos do desenvolvimento do poderio de Atenas.”

Nos primeiros dias da guerra, a opinião pública via em Atenas a encarnação da tirania e em Esparta o refúgio da liberdade.”

O continuador de Tucídides, Xenofonte, prova até que ponto os contemporâneos estavam longe de compreender a idéia de uma legalidade imanente a todo o poder político.”

Assim como a tragédia grega se distingue do drama posterior pelo coro, cujas emoções refletem sem cessar o curso da ação e lhe acentuam a importância, também a narração histórica de Tucídides distingue-se da história política dos seus sucessores pelo fato de o assunto vir constantemente acompanhado de uma elaboração intelectual que o explica, converte os fatos em acontecimentos espirituais e por meio de discursos torna-os patentes ao leitor.”

Nem no resultado da campanha siciliana nem no resultado final da guerra reconhece ele uma obscura necessidade histórica. Podemos imaginar um tipo de pensamento histórico absoluto que julgue intolerável ver ali o efeito de uma necessidade, mas sim o resultado de um falso cálculo ou o simples jogo do puro acaso.”

LIVRO TERCEIRO: À PROCURA DO CENTRO DIVINO

3.1 Prólogo

A época helenística será tratada num livro à parte. Aristóteles, Teofrasto, Menandro e Epicuro deverão ser estudados no começo do período helenístico, cujas raízes de vida remontam ao séc. IV. Tal como Sócrates, Aristóteles é uma figura que marca a transição entre duas épocas. Em Aristóteles, porém, mestre dos sábios, a concepção da paideia sofre uma notável diminuição da sua intensidade, o que torna difícil situar esta figura ao lado da de Platão, o verdadeiro filósofo da paideia.”

Se isso dependesse apenas da vontade do autor, os seus estudos fechariam com uma descrição do vasto processo histórico pelo qual foi helenizada a cristandade e cristianizada a civilização helênica.” “Este livro sublinha muitas vezes que não foi pela destruição das suas bases prévias, mas sempre pela sua transformação, que a cultura grega evoluiu. (…) A regra de Fílon¹ dominou a cultura grega desde Homero até o neoplatonismo e os padres cristãos da baixa Antiguidade.”

¹ “20BC-circa 50AD), also called Philo Judaeus, was a Hellenist Jewish philosopher who lived in Alexandria, in Egypt. (…) He adopted allegorical instead of literal interpretations of the Hebrew Bible. (…) He represented the Alexandrian Jews in a delegation to the Roman Emperor Gaius Caligula following civil strife between the Alexandrian Jewish and Greek communities. (…) His ethics were strongly influenced by Aristotelianism and Stoicism, preferring a morality of virtues without passions

(…)

Some of Philo’s works have been preserved in Greek, while others have survived through Armenian translations, and a smaller amount survives in a Latin translation. Exact date of writing and original plan of organization is not known for much of the text attributed to Philo.”

Obras recomendadas: Against Flaccus, Embassy to Gaius, On the Eternity of the World. Cf. http://www.earlyjewishwritings.com/philo.html

O historiador deve deixar o filósofo resolver as suas antinomias. Isto não significa, porém, que a história do espírito seja um puro relativismo. Mas é indubitável que o historiador não se deve aventurar a decidir quem é que tem a verdade absoluta.”

Na baixa Antiguidade, os documentos escolhidos para serem conservados eram-no inteiramente em função de sua importância para o ideal da paideia, e praticamente deixava-se de lado qualquer livro que se considerasse falho de valor representativo, segundo este ponto de vista. A história da paideia grega está completamente fundida com a história da transmissão e conservação dos textos clássicos mediante manuscritos.”

JAEGER, Platos Stellung im Aufbau der grieschischen Bildung, Berlim, 1928.

______, Platos Staatsethik, Berlim, 1924. (ensaio)

______, Aristóteles

Os meus estudos preliminares para o capítulo sobre a medicina grega transcenderam os limites desta obra e foram publicados em livro separado (Diokles von Karystos).”

3.2 Século IV

A queda brusca de Atenas do alto da sua posição abalou o mundo helênico porque deixava nos limites do Estado grego um vazio difícil de preencher.” “É assombrosa a rapidez com que o Estado ateniense se recompôs da sua derrota e soube encontrar novas fontes de energia material e espiritual.” “Também agora Atenas continuava a ser – ou, antes, foi agora que ela começou a ser de verdade – a paideusis da Hélade.” “O séc. IV é a época clássica da história da paideia, se entendemos por esta o despertar de um ideal consciente de educação e de cultura. É com razão que coincide com um século tão problemático.” “O século anterior decorrera sob o signo da plena realização da democracia. Quaisquer que sejam as objeções contra a viabilidade política deste ideal jamais realizado de uma autonomia extensiva a todos os cidadãos livres, é indubitável que o mundo lhe deve a criação de uma personalidade humana responsável diante de si própria.” “O Estado ateniense não pareceu reconhecer o fato de o seu ideal, apesar da sua grande superioridade material, ter sucumbido na luta. Não é no terreno constitucional que se devem buscar os traços da vitória espartana, mas sim na órbita da filosofia e da paideia.” “Despontava a convicção de que Esparta era menos uma determinada constituição do que um sistema educacional aplicado até as suas últimas conseqüências.” “Isto sugeria a idéia de fazer da educação o ponto de Arquimedes, em que era necessário apoiar-se para mover o mundo político.” “Na literatura do séc. IV deparamos com todos os matizes da realização desta idéia, desde a admiração simplista e superficial do princípio espartano da educação coletiva até a sua recusa absoluta e a sua substituição por um ideal novo e superior de formação humana e de ligação do indivíduo à coletividade.” “o caráter privado de toda a anterior educação de Atenas aparecia como um sistema fundamentalmente falso e ineficaz, que devia ceder o passo ao ideal da educação pública, embora o próprio Estado não soubesse fazer o mínimo uso desta idéia. Mas a mesma idéia abriu largo caminho através da filosofia, que a assimilou” “Aconteceu o que na História acontece tantas vezes: a consciência salvadora chegou tarde.”

Licurgo, Discurso contra Leócrates

A sua caminhada em direção a uma nova paideia partiu da convicção de que era necessário um ideal novo e mais alto do Estado e da sociedade, e acabou por ser a busca de um novo Deus.” O eterno cotejo Protágoras x Platão.

A poesia perdeu o seu poder de direção da vida espiritual. O público exige em proporção cada vez maior a representação regular das obras procedentes dos velhos mestres do séc. anterior, e a lei acaba por ordená-la.”

A comédia definha e já não é a política que ocupa o centro dela. É com facilidade excessiva que temos tendência a esquecer que foi ainda imensa a produção poética desta época, sobretudo em matéria de comédias. É que a tradição sepultou todos estes milhares de obras. Só se conservaram as dos prosadores: Platão, Xenofonte, Isócrates, Demóstenes e Aristóteles, além das de não raros autores secundários.” “É tão significativa a supremacia espiritual da prosa sobre a poesia, que ela acaba por extinguir totalmente pelos séculos afora a recordação desta.”

Os discursos de Isócrates e de Demóstenes permitem-nos tomar parte na história dos sofrimentos e na problemática do Estado grego, nesta fase final da sua vida. E é com os escritos docentes de Aristóteles que pela 1ª vez a ciência e a filosofia gregas patenteiam à posteridade o interior do laboratório das suas investigações.”

Uma história da literatura que partisse da simples forma do eidos estilístico não conseguiria captar esta unidade vital interior da época.” “O triunfo da prosa sobre a poesia foi obtido graças à aliança entre as vigorosas forças pedagógicas, que já na poesia grega atuavam cada vez em maior grau, e o pensamento racional da época, que penetrava agora cada vez mais fundo nos verdadeiros problemas vitais do Homem. Finalmente, o conteúdo filosófico e imperativo da poesia despoja-se da sua forma poética e modela no discurso livre uma nova forma que corresponde mais perfeitamente a suas necessidades, e chega até a ver nessa forma um tipo novo e superior de poesia.”

a nova orientação implica um perigoso isolamento do espírito e um fatal menosprezo da sua função de cultura coletiva.” “são poucos os que injetam sangue na massa; e falham no instante decisivo. É fácil dizer que as pessoas cultas teriam podido transpor este abismo, por si próprias. Platão, a mais importante figura da época e a que viu mais claramente que nenhuma outra o problema da estrutura da comunidade e do Estado em conjunto, tomou na sua velhice a palavra sobre este tema e explicou por que não conseguira trazer uma mensagem para todos.” “O que acontece é que os esforços se concentravam primeiro no problema do modo como se podiam formar os governantes e os guias do povo, e só em segundo lugar nos meios pelos quais estes homens dirigentes podiam formar o conjunto do povo.” Além da formação do líder político, a formação do rebanho.

3.3 Sócrates

Do homem de carne e osso e do cidadão ateniense nascido em 469 a.C. e condenado à morte e executado no ano 399 a.C. poucos traços ficaram gravados na história da humanidade, quando esta o elevou à categoria de um dos seus poucos <representantes>. Para a formação desta imagem não contribuíram tanto a sua vida e a sua doutrina, se é que realmente professava alguma, como a sua morte, sofrida por causa das suas convicções. A posteridade cristã outorgou-lhe a coroa de mártir pré-cristão, e o grande humanista da época da Reforma, Erasmo de Roterdam, incluía-o ousadamente entre os seus santos e orava: Sancte Socrates, ora pro nobis!

Na Idade Média, Sócrates não fôra mais que um nome famoso transmitido à posteridade por Aristóteles e Cícero. A sua estrela começa agora a se elevar, enquanto a de Aristóteles, o príncipe da Escolástica, entra em declínio. Sócrates torna-se o guia de todo o Iluminismo e de toda a filosofia moderna; o apóstolo da liberdade moral, separado de todo dogma e de toda tradição, sem outro governo além daquele da sua própria pessoa e obediente apenas aos ditames da voz interior da sua consciência”

Escrever a história da representação de Sócrates seria uma empresa gigantesca. O mais eficaz será fazê-lo segundo determinados períodos. Uma tentativa deste gênero encontra-se, p.ex., na obra de Benno BÖHM, Sokrates im 18. Jahrhundert: Studien zum Werdegang des modernen Persönlichkeitsbewusstseins [Sócrates no século XVIII: Estudos sobre o desenvolvimento da consciência da personalidade moderna], Leipzig, 1929.”

No entanto, seria uma posição completamente falsa crer que todo este empenho em edificar sob a égide de Sócrates uma nova <humanidade> terrena fosse dirigida contra o Cristianismo, em vez do que se fizera na Idade Média, ao colocar Aristóteles como o fundamento de toda a filosofia cristã. Pelo contrário, ao filósofo pagão era agora confiada a missão de contribuir para criar uma religião moderna, em que o conteúdo imperecível da religião de Jesus se fundisse com certos traços essenciais do ideal helênico do homem.” “quando veio a Reforma, com o seu esforço por levar a sério, pela 1ª vez, a volta à forma <pura> do Evangelho, surgiu como reação e contrapartida o culto socrático da época <iluminada>. Esse culto, porém, não pretendia desbancar o Cristianismo, antes lhe infundia forças que naquela época se julgavam indispensáveis. Até o pietismo, produto da reação do sentimento cristão puro contra uma religião cerebral e teológica já exaurida, abrigava-se junto a Sócrates e julgava descobrir nele uma certa afinidade espiritual.”

Foi nos nossos dias, a partir do momento em que Nietzsche se desligou do Cristianismo e proclamou o advento do super-homem, que o sábio ateniense teve de pagar o ilimitado poder que desde o início da Idade Moderna exercera, como protótipo da anima naturaliter christiana. À força de aparecer ao longo dos séculos vinculado a ele, Sócrates parecia tão indissoluvelmente unido àquele ideal cristão de vida dualista, desdobrada em corpo e alma, que não se podia imaginar como não sucumbiria com ele. Ao mesmo tempo, na tendência anti-socrática de Nietzsche renascia, sob nova forma, o velho ódio do humanismo erasmiano contra o humanismo conceitual dos escolásticos.”

Eduard Zeller, História da filosofia grega

Dizer pré-socrático equivalia a dizer pré-filosófico, uma vez que os pensadores do mundo arcaico eram agora fundidos com a grande poesia e a grande música da sua época, para formarem o quadro da <época trágica> dos gregos.”

…Deste modo, Sócrates era apeado do pedestal firme, embora sem ser de 1ª categoria, onde o colocara a filosofia idealista do séc. XIX, de acordo com a sua própria imagem da História, e de novo se via arrastado para o turbilhão das lutas do presente. (…) A luta travada por Nietzsche é, depois de muito tempo, o 1º indício de que a antiga força atlética de Sócrates permanece intacta e ameaça, mais que nenhuma outra, a segurança interior do super-homem moderno. (…) Ninguém teria mais direito a ser compreendido a partir da sua própria <situação> do que o próprio Sócrates, um homem que não quis deixar à posteridade nem uma só palavra escrita por sua mão, pois se entregou por completo à missão que o seu presente lhe apontava. Esta situação da sua época, que Nietzsche, na sua luta implacável contra os excessos da extrema racionalização da vida moderna, não tinha interesse nem paciência para compreender em detalhe, foi por nós exposta com todo o rigor como a <crise do espírito ático> (pp. 283-ss.) [LIVRO SEGUNDO].”

Entre os especialistas modernos que situam o nascimento dos diálogos socráticos como forma literária já em vida do próprio Sócrates, citaremos apenas Constantin RITTER, Platon (Munique, 1910), t. I, p. 202, e WILAMOWITZ, Platon (Berlim, 1919), t. I, p. 150. Esta hipótese cronológica sobre os primeiros diálogos platônicos está relacionada com a concepção que os citados autores têm da essência e do conteúdo filosófico destas obras.”

A semelhança entre as condições em que nasce a literatura socrática e aquelas de que datam os mais antigos relatos cristãos sobre a vida e a doutrina de Jesus foi muitas vezes destacada e, de fato, salta à vista.”

O abalo deste acontecimento deixou na vida deles um traço fundo e forte. E tudo parece indicar que foi precisamente esta catástrofe que os levou a representar o seu mestre em escritos. Esta opinião foi fundamentada em detalhe, contra Ritter, por Heinrich MAIER, Sokrates (Tubing, 1913), pp. 106-ss. Também A.E. TAYLOR, Sócrates (Edimburgo, 1932; trad. esp. México, 1961), p. 10, adere ao seu ponto de vista.”

A socrática converte-se no eixo literário e espiritual do novo século e, depois da queda do poder temporal de Atenas, o movimento que dela nasce passa a ser a fonte mais importante do seu poder espiritual sobre todo o mundo.”

O retrato literário de Sócrates é a única imagem fiel, decalcada sobre a realidade viva de uma individualidade grande e original, que a era clássica grega nos transmitiu. E o móbil a que este esforço respondia não era a fria curiosidade psicológica nem a ânsia de proceder a uma dissecação moral, mas antes o desejo de viver o que nós denominamos personalidade, ainda quando à linguagem faltavam a idéia e o termo necessários à expressão deste valor.”

Cf. R. HIRZEL, Der Dialog (Lepzig, 1895), t. I, pp. 2-ss., sobre o desenvolvimento anterior do diálogo, e pp. 83-ss. sobre as formas dos diálogos socráticos e seus representantes literários.”

O círculo socrático durou poucos anos. Cada um dos discípulos aferrava-se apaixonadamente a sua concepção e surgiram até diversas escolas socráticas. É por este motivo que nos encontramos na situação paradoxal de até hoje não termos sido capazes de nos pôr de acordo quanto à verdadeira significação da sua figura, apesar de ser ele a personalidade de pensador da Antiguidade que chegou até nós com uma tradição mais rica.”

Platão, dramaturgo inato, já escrevera tragédias antes de entrar em contato com Sócrates. A tradição afirma que ele as queimou todas, quando, sob a impressão dos ensinamentos deste mestre, dedicou-se à investigação filosófica da verdade. Mas, quando, após a morte de Sócrates, resolveu manter viva, a seu modo, a imagem do mestre, descobriu na imitação artística do diálogo socrático a missão que lhe permitiria colocar o seu gênio dramático a serviço da filosofia.”

Os informes de Xenofonte só coincidem com os de Platão num pequeno trecho, para além do qual nos deixa sobre brasas, com a sensação de que Xenofonte peca por falta, enquanto, em contrapartida, Platão peca por excesso. Já Aristóteles inclinava-se a crer que a maior parte dos pensamentos filosóficos do Sócrates de Platão devem ser considerados doutrina deste e não daquele.” “Creio que K. von FRITZ (Rheinisches Museum, t. 80, pp. 36-8) aduz novas e concludentes razões contra a autenticidade da Apologia de Xenofonte.”

Xenofonte conheceu a venerou Sócrates na sua juventude, sem nunca, porém, ter chegado a incluir-se entre os seus verdadeiros discípulos.” “Xenofonte não tornou a ver Sócrates. Foi algumas décadas mais tarde que escreveu as suas obras socráticas. A única que parece anterior é a que agora se conhece com o nome de <Defesa>.(*) Trata-se de uma alegação em defesa de Sócrates contra uma <acusação>, segundo todas as aparências puramente literária e fictícia, e onde se julgou descobrir um folheto do sofista Polícrates, publicado durante a década de noventa do séc. IV.(**) A este folheto responderam sobretudo Lísias e Isócrates, e pelas Memoráveis de Xenofonte chegamos à conclusão de que também ele tomou a palavra por aquele motivo.

(*) Seguindo H. MAIER e outros, aplicamos este nome aos 2 primeiros capítulos das Memoráveis de XENOFONTE.

(**) Xenofonte fala sempre do <acusador> no singular, enquanto Platão, na Apologia,¹ se refere sempre aos <acusadores> no plural, como corresponde realmente à situação gerada durante o processo. É certo que, no princípio, Xenofonte refere-se também à acusação judicial, mas depois dedica-se principalmente a refutar as censuras feitas posteriormente a Sócrates, segundo nos informam outras fontes, no panfleto de Polícrates.”

¹ https://seclusao.art.blog/2019/10/18/apologia-de-socrates-atualizado-e-ampliado/

Temos um exemplo de como Xenofonte incorporou mais tarde numa unidade mais ampla um escrito concebido nas suas origens como independente, no princípio das Helênicas (1-II, 2). Originariamente esta parte propunha-se a acabar a obra histórica de Tucídides. Termina, como é natural, com a guerra do Peloponeso. Mais tarde, Xenofonte ligou com este escrito o seu relato da história da Grécia de 404 a 362.”

Nos diálogos de Platão, Sócrates aparece como filósofo que expõe a teoria das idéias, pressupondo-a expressamente, como algo familiar ao círculo dos seus discípulos.”

Aristóteles (…) fornece indicações importantes sobre a relação que existe entre Sócrates e Platão:

Na primeira época dos seus estudos, Platão seguira os ensinamentos de Crátilo, discípulo de Heráclito, o qual ensinava que na natureza tudo flui e nada possui uma consistência firme e estável. Quando conheceu Sócrates, Platão viu abrir-se diante de si outro mundo. (…) Platão acabou por se persuadir que ambos, Sócrates e Crátilo, tinham razão, dado que se referiam a dois mundos completamente diversos. (…)

(…) nos diálogos que (…) devem ser considerados como as primeiras obras de Platão, todas as investigações de Sócrates assumem a forma de perguntas e respostas sobre conceitos universais: O que é a coragem? O que é a piedade? O que é o autodomínio? E até o próprio Xenofonte nota expressamente, embora só de passagem, que Sócrates desenvolvia incessantes investigações desse tipo, esforçando-se por chegar a uma determinação dos conceitos. (Mem., 6) (…) Mas, com o tempo, não podia satisfazer, pois o Sócrates que nos apresenta parece ser uma mediocridade e a sua filosofia dos conceitos uma banalidade. Era precisamente contra este pedante homem de conceitos que investiam os ataques de Nietzsche. Foi por isso que estes ataques não fizeram mais do que minar a confiança em Aristóteles como testemunho histórico, naqueles cuja fé na grandeza de Sócrates e na sua força revolucionária universal não se deixou abalar. Estaria Aristóteles tão desinteressado do problema das origens da teoria platônica das idéias, que ele próprio combate com tão grande violência? (…) Esta vacilação aparece caracterizada com clareza pelas 2 tentativas mais notáveis e mais cientificamente sistematizadas que nestes últimos anos se fizeram para penetrar no Sócrates histórico: a grande obra do filósofo berlinense H. Maier sobre Sócrates e os trabalhos da escola escocesa, representada pelo filólogo J. Burnet (Greek Philosophy, 1924, além do verbete ‘Socrates’ na Hastings Encyclopaedia of Religion and Ethics, vol. XI) e pelo filósofo A.E. Taylor (op. cit.).” “Como fontes históricas sobre o Sócrates real, Maier considera sobretudo os escritos <pessoais> de Platão: a Apologia e o Críton;¹ ao lado destes, reconhece como relatos de livre criação, mas no fundo fiéis à verdade, uma série de diálogos menores de Platão, tais como o Laques,² o Cármides,³ o Lísis,4 o Íon, o Eutífron6 e os dois Hípias.”

¹ https://seclusao.art.blog/2018/01/29/criton-ou-do-dever/

² https://seclusao.art.blog/2019/11/03/laques-ou-do-valor-ou-da-prevalencia-da-virtude-sobre-a-valentia-platao/

³ https://seclusao.art.blog/2019/11/25/carmides-ou-da-sabedoria/

4 https://seclusao.art.blog/2019/12/14/lisis-ou-da-amizade-amorosa/

6 https://seclusao.art.blog/2017/11/16/socrates-o-maior-dos-sofistas/

Sócrates proclama o evangelho do domínio do Homem sobre si próprio e da <autarquia> da personalidade moral. Isto faz dele a contrafigura ocidental de Cristo e da religião oriental da redenção.”

Não tem a mínima verossimilhança interna a pretensão de distinguir artificiosamente entre o Platão da primeira fase e o da última, para assim se chegar à conclusão de que só o primeiro se propõe [a] oferecer um retrato de Sócrates, enquanto o segundo toma-o só como máscara para expor a sua própria filosofia, tal como ela se desenvolveu ao longo dos anos. (…) Na realidade, já que não tencionava expor a doutrina de Sócrates, mas sim os seus próprios pensamentos, Platão abandona Sócrates como figura principal dos seus diálogos e a substitui por outras personagens estranhas ou anônimas. Sócrates era efetivamente tal como Platão o pinta: o criador da teoria das idéias, da teoria da reminiscência e da preexistência da alma, da teoria da imortalidade da alma¹ e da teoria do Estado ideal. Numa palavra: era o pai da metafísica ocidental.”

¹ Não grifo porque a teoria da imortalidade é um sine qua non da teoria das reminiscências e das idéias, bem como estas são sine qua non da primeira, ou seja, estão em inextricável dependência no corpus (supostamente socrático-)platônico.

Quem pretender descobrir no campo da teoria e do pensamento sistemático a sua grandeza terá de lhe atribuir demais, à custa de Platão, ou então duvidará radicalmente da sua importância pessoal. (…) a importância desta figura não vem continuar nenhuma tradição científica nem pode ser derivada de nenhuma constelação sistemática na história da filosofia. Sócrates é o homem do momento, num sentido absolutamente elementar. A sua volta sopra uma aragem verdadeiramente histórica.”

É a segunda vez que na história da Grécia o espírito ático invoca as forças centrípetas da alma helênica contra as suas forças centrífugas, opondo ao cosmos físico das forças naturais em luta, criação do espírito investigador da Jônia, uma ordem dos valores humanos. Sólon descobrira as leis naturais da comunidade social e política. Sócrates embrenha-se na própria alma, a fim de penetrar no cosmos moral.”

Na idade madura, Sócrates viveu o apogeu do poder ateniense e o florescimento clássico da poesia e da arte de Atenas, e visitava a casa de Péricles e de Aspásia. Foram seus discípulos governantes tão discutidos como Alcibíades e Crítias.”

Sócrates era um grande amigo do povo, mas era considerado mau democrata. (…) era indubitável que ele tinha declarado defeituoso, como norma fundamental, o princípio socrático dominante em Atenas, segundo o qual o governo era incumbência da maioria do próprio povo (…) É caso para pensar que esta posição se ia formando dentro dele, diante da crescente degenerescência da democracia ateniense, durante a guerra do Peloponeso. Para quem, como ele, tinha sido educado no espírito dominante na época das guerras pérsicas e assistira ao apogeu do Estado, era forte demais aquele contraste para não provocar toda uma série de dúvidas críticas.” Um grande homem jamais deixará de ser um aristocrata no seu íntimo.

é importante compreender que na Atenas daqueles dias também se considerava atuação política o fato de permanecer à margem dos manejos políticos do momento e que os problemas do Estado determinavam de modo decisivo os pensamentos e a conduta de qualquer homem, sem exceção.”

Segundo os informes do Fédon,¹ Sócrates, através desta crítica da filosofia da natureza, chegava à teoria das idéias, a qual, no entanto, de acordo com os dados convincentes da Aristóteles, não se pode atribuir ainda ao Sócrates histórico.” Jaeger se contradiz.

¹ https://seclusao.art.blog/2019/01/25/fedon-ou-da-alma/

Na Antiguidade, qualquer referência de princípios à experiência, como fundamento de toda a ciência exata da realidade, estava sempre associada à Medicina (…) É da Medicina grega, e não da filosofia grega, que é filho o empirismo filosófico dos tempos modernos.”

Há uma certa analogia interior entre o diálogo socrático e o ato de se desnudar para ser examinado pelo médico ou pelo ginasta, antes de se lançar no combate, na arena. (…) O ateniense daqueles tempos sentia-se mais no seu meio no ginásio do que entre as 4 paredes da sua casa, onde dormia e comia. Era ali, sob a transparência do céu da Grécia, que diariamente se reuniam novos e velhos para se dedicarem ao cultivo do corpo.”

O palco, onde, em longo solilóquio, brilham os sofistas é a casa particular ou a sala improvisada. Em contrapartida, Sócrates é o cidadão simples, a quem todos conhecem. A sua ação passa quase despercebida; a conversa com ele agarra-se quase espontaneamente, e como sem querer, a qualquer tema de ocasião. Não se dedica ao ensino nem tem discípulos; assim o afirma, pelo menos. Só tem amigos, camaradas. A juventude sente-se fascinada pelo fio cortante daquele espírito, ao qual não há nada que resista.”

E quem julga que se pode retrair, intratável, perante ele, ou encolher os ombros com indiferença ante a forma pedante das suas perguntas ou a intelectual banalidade dos seus exemplos, não tarda a baixar da pretensa altura do seu pedestal. (…) Por outro lado, é compreensível que as nossas histórias escolares da filosofia deixem tudo isso de lado, por o considerarem meros adornos poéticos da imagem que Platão traça de Sócrates.”

É certo que o próprio Sócrates designa a sua <ação> – que palavra significativa! – pelos nomes de <filosofia> e <filosofar>; e, na Apologia platônica, afiança aos seus juízes que não se afastará dela enquanto viver e respirar. Mas não devemos dar a estas palavras o significado que vieram a ganhar em séculos posteriores, ao cabo de uma longa evolução (…) Toda a literatura dos socráticos se manifesta unanimemente contra esta possibilidade de separar a doutrina da pessoa.”

A palavra <alma>, pelas suas origens na história do espírito, tem sempre para nós uma conotação de valor ético ou religioso. Tem um tom cristão, como as expressões <serviço de Deus> e <cuidado da alma>. Ora, é nas prédicas protrépticas de Sócrates que a palavra <alma> adquire pela 1ª vez este alto significado.”

Se consultarmos a clássica obra-prima de Erwin Rohde, Psique, chegaremos à conclusão de que Sócrates não tem significado especial dentro deste processo histórico. Este autor passa-o por alto. Rohde, à p. 240, apenas nos sabe dizer de Sócrates, na única passagem da sua obra em que o cita, que ele não acreditava na imortalidade da alma. Para tal contribui o preconceito contra Sócrates, <o racionalista>, que Rohde já partilhara com Nietzsche desde a sua juventude”

BURNET, “The Socratic Doctrine of the Soul”, em Proceedings of the British Academy for 1915-6.

A origem da forma do discurso exortatório ou diatribe, como tal, remonta naturalmente aos tempos primitivos. No entanto, a forma educacional e moral da prédica que prevalece nas homilias cristãs ao lado da dogmática e da exegética adquire o seu caráter literário na socrática, que, por sua vez, remonta à protréptica oral de Sócrates.”

Seria a socrática uma antecipação do Cristianismo, ou poderá mesmo afirmar-se que com Sócrates irrompe na evolução do helenismo um espírito estranho, oriental, o qual, graças à posição da filosofia grega como grande potência educadora, se traduz logo em efeitos de envergadura histórica universal, impelindo à união com o Oriente?”

Quis-se atribuir a Sócrates a teoria da imortalidade do Fédon platônico e até a teoria da preexistência do Mênon,¹ mas estas duas idéias complementares têm origem claramente platônica. A posição socrática em face do problema da subsistência da alma aparece certamente bem-definida na Apologia, onde, em presença da morte, não se diz qual será a sua sorte depois desta.”

¹ https://seclusao.art.blog/2020/01/22/menon-ou-da-virtude-ou-da-inexistencia-de-uma-ciencia-politica-ultima-traducao-do-ciclo-platao-obras-completas-virginia-woolf-ao-final/

se aceitarmos a afirmação de Aristóteles de que a teoria das idéias não é de Sócrates mas de Platão, teremos de defender idêntica posição no que se refere à teoria da imortalidade do Fédon, que se baseia na teoria das idéias.”

têm origem puramente helênica todos os traços aliciantes que na prédica socrática nos parecem cristãos. (…) É na poesia e na filosofia que floresce a evolução religiosa superior do espírito grego, e não no culto dos deuses, que costumamos encarar quase sempre como o conteúdo principal da história da religião helênica.”

É indubitável que a religião dionisíaca e órfica dos gregos, bem como a dos mistérios, apresentam certas <fases preliminares> e analogias; mas não se pode explicar este fenômeno dizendo que as formas socráticas do discurso e da representação derivam de uma seita religiosa que se pode afastar a seu bel-prazer como estranhas aos gregos, ou aceitar como oriental. Tratando-se de Sócrates, o mais sóbrio dos homens, seria verdadeiramente absurdo pressupor a existência de uma influência eficaz destas seitas orgiásticas nas camadas irracionais da sua alma.”

A alma de que Sócrates fala só pode ser compreendida com acerto se é concebida em conjunto com o corpo, mas ambos como dois aspectos distintos da mesma natureza humana.”

Sócrates não pode crer que só o Homem tenha espírito.”

A virtude física e a virtude espiritual não são, pela sua essência cósmica, mais do que a <simetria das partes> em cuja cooperação corpo e alma assentam. É a partir daqui que o conceito socrático do <bom>, o mais intraduzível e o mais exposto a equívocos de todos os seus conceitos, se diferencia do conceito análogo na ética moderna. Será mais inteligível para nós o seu sentido grego se em vez de dizermos <o bom> dissermos <o bem>, acepção que engloba simultaneamente a sua relação com quem o possui e com aquele para quem é bom.” Não melhora muito, sinceramente… Pelo contrário, até piora: além do bem e do mal; o bem desta frase já se tornou estanque. Já em o espírito superior é bom, é o melhor, depreende-se que ele é bom porque é mais que os outros homens, está acima do ruim (não mau, porém estragado).

Se o conceito da vida, do bios (que designa a existência humana, não como um simples processo temporal, mas como uma unidade plástica cheia de sentido, como uma forma consciente de vida) ocupa doravante uma posição de tão grande relevo na filosofia e na ética, é à vida real do próprio Sócrates que, numa parte muito considerável, isso se deve. A sua vida foi uma antecipação do novo bios, baseado integralmente no valor interior do Homem.”

A sua descoberta da alma não significa a separação dela e do corpo, como tantas vezes se afirma em desabono da verdade, mas antes o domínio da primeira sobre o segundo. Mens sana in corpore sano é uma frase que corresponde a um autêntico sentido socrático.”

Os sofistas eram os mestres desta arte que, apresentada desta forma, constituía coisa nova. Sócrates parece ligar-se plenamente a eles, para logo seguir o seu próprio caminho. (…) A paideia dos sofistas era uma colorida mistura de materiais de origem vária. O seu objetivo era a disciplina do espírito, mas não existia entre eles unanimidade quanto ao saber mais indicado para atingi-la, pois cada um deles seguia estudos especializados e, naturalmente, considerava a sua disciplina como a mais conveniente de todas. Sócrates não negava o valor que havia em ocupar-se de todas as coisas que eles ensinavam, mas o seu apelo ao cuidado da alma continha já potencialmente um critério de limitação dos conhecimentos recomendados por aqueles educadores.”

Os gregos, aliás, consideravam geralmente o mundo cósmico como algo de sobrenatural e imperscrutável para os simples mortais. E [o] Sócrates [de Xenofonte] partilhava este temor popular contra o qual ainda Aristóteles teve de se erguer no início da sua Metafísica. Reservas semelhantes Sócrates fazia também em relação aos estudos matemáticos e astronômicos dos sofistas de orientação mais realista” “Contrapôs-se então a ele o Sócrates de Platão, que na República preconiza a educação matemática como único caminho certo da filosofia. Este ponto de vista está, porém, condicionado pela própria evolução platônica para a dialética e para a teoria do conhecimento”

Platão e Xenofonte coincidem em que Sócrates era um mestre de política. Só assim se compreende o seu choque com o Estado e o seu processo [judicial].” Não tem a ver com a acusação de monoteísmo – ou não como entendemos a questão hoje (de forma puramente teológica).

Esta passagem em Memoráveis I demonstra que o que nós denominamos <ético>, separando-o como um mundo à parte, estava indissoluvelmente ligado ao político, não só para Xenofonte, mas também para Platão e Aristóteles.” Os fins são os meios.

CORRUPTOR DE MENORES: “Aquilo de que Sócrates era acusado era precisamente o uso que Alcibíades e Crítias fizeram da sua cultura, na vida política. Segundo Xenofonte, porém, esta censura devia servir-lhe antes de desculpa, visto que um tal uso dos seus ensinamentos era contrário às intenções do mestre.” O grande jamais corromperá o pequeno. Mas não poderá tampouco salvá-lo de sua condição ou moira.

O homem que é educado para governar tem de aprender a antepor o cumprimento dos deveres mais prementes à satisfação das necessidades físicas. Tem de se sobrepor à fome e à sede. Tem de se acostumar a dormir pouco, a deitar-se tarde e a se levantar cedo.” Exigente demais!

Quem não é capaz de tudo isto fica condenado a figurar entre as massas governadas.” “O ascetismo socrático não é a virtude monacal, mas sim a virtude do homem destinado a mandar.”

A enkrateia não constitui uma virtude especial, mas, como acertadamente diz Xenofonte, a <base de todas as virtudes>, pois equivale a emancipar a razão da tirania da natureza animal do homem e a estabilizar o império legal do espírito sobre os instintos. (…) podemos traduzir o conceito de enkrateia (…) pela expressão (…) <autodomínio>.”

nesta época, a palavra <livre> é primordialmente o que se opõe à palavra escravo. Não tem aquele sentido universal, indefinível, ético e metafísico, do moderno conceito de liberdade.”

MEGERA INDOMADA: “O diálogo com o seu próprio filho Lâmpocles, que se revoltava contra o mau humor de Xantipa, sua mãe, mostra o quanto estava longe Sócrates de dar razão àqueles que condenavam precipitadamente os pais, ou denotavam uma impaciência pouco piedosa em relação ao seu feitio ou até aos seus defeitos manifestos.”

Em Homero, a amizade é a camaradagem do soldado; e na educação da nobreza, em Teógnis, apresenta-se como proteção e baluarte contra os perigos da vida pública, em tempos de convulsões políticas.”

É certo que a experiência ensina que até entre os homens bons e que aspiram a fins elevados nem sempre reinam a amizade e a benevolência, mas, ao contrário, impera com grande freqüência um antagonismo mais feroz que entre as criaturas pouco dignas. Aqui está uma experiência particularmente desanimadora.”

A amizade começa pelo aperfeiçoamento da própria personalidade. Mas necessita, além disso, dos dons do <erótico>, que ironicamente Sócrates gosta de predicar de si próprio, do homem que precisa dos outros e corre atrás deles, que recebeu da natureza o dom, logo por ele tornado arte, de agradar a quem lhe agrada. Não é como a Cila de Homero, que imediatamente se agarrava aos homens, os quais, assim, fugiam dela ao vê-la de longe. Parece antes a sereia, que atrai o homem de muito longe, com o seu canto suave.”

Sócrates nunca fala em <discípulos> e rejeita também a pretensão de ser <mestre> de quem quer que seja. Limita-se a manter <convivência> com os homens, seja qual for a sua idade, e <conversa> com eles.”

Um dos grandes paradoxos é este homem, o maior educador que se conhece, não ter querido falar de paideia com referência a sua própria atividade, embora todo mundo visse nele a mais perfeita personificação desse conceito. É claro que a palavra não se podia evitar indefinidamente, e tanto Platão como Xenofonte a usam freqüentemente para designarem as aspirações de Sócrates e caracterizarem a sua filosofia. Mas Sócrates encontrou esta palavra carregada pela prática e teoria <pedagógicas> do seu tempo: considerava como representantes típicos da paideia moderna Górgias, Pródico e Hípias.” “E através desta ironia genuinamente socrática descobre-se a consciência da missão da verdadeira educação e da magnitude da sua dificuldade, da qual o resto do mundo não tem a menor idéia.”

É Platão que, baseado nas tentativas de um novo conceito do saber que descobre em Sócrates, elabora a lógica e o conceito; segundo este autor, Sócrates foi apenas o pregador, o profeta da autonomia moral. No entanto, esta explicação esbarra com dificuldades tão grandes como a opinião contrária, a de que em Sócrates já vem defendida a teoria das idéias.”

Nenhum dos diálogos socráticos de Platão chega a definir realmente o conceito moral que nele se investiga; mais ainda, existiu por muito tempo a opinião geral de que nenhum destes diálogos chega realmente a um resultado.”

O conhecimento do bem, que Sócrates descobre na base de todas e cada uma das chamadas virtudes humanas, não é uma operação da inteligência, mas antes, como acertadamente Platão compreendeu, a expressão consciente de um ser interior do Homem.”

a idéia socrática contém implícita a premissa de que não pode existir a ilegalidade consciente, porque isso implicaria a existência de ilegalidades voluntárias.”

a natureza do bem implica que cada um o reconheça como quiser. A vontade humana situa-se, assim, no centro das nossas considerações.”

A verdadeira essência da educação é dar ao Homem condições para alcançar o fim autêntico da sua vida. Identifica-se com a aspiração socrática ao conhecimento do bem, com a phronesis. E esta aspiração não se pode restringir aos poucos anos de uma chamada cultura superior. Só pode alcançar seu objetivo ao longo de toda a vida do Homem” “O Homem, assim concebido, nasceu para a paideia. Esta é o seu único patrimônio verdadeiro. Como todos os socráticos são unânimes nesta concepção, o seu autor deve ter sido Sócrates, ainda que ele afirmasse de si próprio que não sabia <educar os homens>.”

É certo que Sócrates, ao contrário de Platão, não parece partir fundamentalmente da idéia de que os Estados atuais não têm remédio.”

Quantas vezes ele insiste em que não é ele, Sócrates, mas sim o logos quem diz isto ou aquilo! (…) No fundo, o conflito com o Estado nasce para a filosofia e para a ciência a partir do momento em que a investigação se exerce sobre a natureza das <coisas humanas>, i.e., sobre o problema do Estado e da arete e surge em face desta questão como razão normativa. É o instante em que a filosofia troca a herança de Tales pelo legado de Sólon.”

Foi nem mais nem menos Hegel quem negou à razão subjetiva o direito de criticar a moral do Estado, que é por si a fonte e a concreta razão de ser de toda a moral sobre a Terra. Eis um pensamento totalmente inspirado na Antiguidade e que nos ajuda a compreender a atitude do Estado ateniense para com Sócrates.”

Platão era o único que se sentia, como ateniense e como político, à altura de compreender Sócrates plenamente. Indica no Górgias como a tragédia se vem aproximando.”

Pessoalmente, Sócrates está muito longe das conseqüências que Platão deriva da sua morte. E mais longe ainda da valorização e da interpretação histórico-espiritual que se dá ao acontecimento de que foi vítima. A inteligência histórica, se tivesse existido naquele tempo, teria destruído o sentido trágico deste destino. (…) É um privilégio muito duvidoso o de ver à luz da história a própria época e mesmo a própria vida.” “Platão afirma o homem político no domínio da Idéia, mas por isso mesmo afasta-se da realidade política, ou procura realizar o seu ideal em outra parte qualquer do mundo, em que existam melhores condições para ele.”

O pouco apreço pela ciência e pela erudição, o gosto pela dialética e pelos debates em torno aos problemas do valor são características atenienses, tanto quanto o sentido do Estado, dos bons costumes, do temor de Deus, se deixar para trás a charis espiritual que paira sobre tudo.”

O mais provável é não ter Platão escrito estas palavras em Atenas. Por certo, deve ter fugido para Mégara, com os demais discípulos de Sócrates, após a morte deste, e foi ali ou nas suas viagens que escreveu as suas primeiras obras socráticas.”

3.4 A imagem de Platão na história

É só a partir da cultura antiga que se pode compreender uma figura como a de Santo Agostinho, que traçou a fronteira histórico-filosófica da concepção medieval do mundo, por meio da sua Cidade de Deus, tradução cristã da República de Platão. A própria filosofia aristotélica, com a recepção da qual a cultura dos povos medievais do Oriente e do Ocidente, no seu apogeu, assimilou o conceito universal do mundo da filosofia antiga, não era senão uma outra forma do platonismo.”

COISA MAIS BIZA…RRA! “O Platão que o teólogo e místico bizantino Gemistos Plethon transmitiu aos italianos do quattrocento e cujas doutrinas Marsílio Ficino professava na Academia platônica de Lourenço de Médici, em Florença, era um Platão visto pelos olhos de Plotino (…) Para aqueles tempos, Platão era acima de tudo o profeta e o místico religioso

Até agora tentara-se reconstruir a filosofia à maneira do séc. XVIII, esforçando-se por abstrair dos seus diálogos o conteúdo dogmático, quando o tinham. Depois, com base nas teses assim estabelecidas e tomando como modelo as filosofias posteriores, procurava-se penetrar na metafísica e na ética platônicas, e edificar com todas estas disciplinas um sistema, já que só se concebia a existência de um pensador sob esta forma. O mérito de Schleiermacher consiste em ter visto bem, com certeiro golpe de vista que os românticos tinham para desentranhar a forma como expressão da individualidade espiritual, que aquilo que a filosofia platônica tinha de característico era precisamente não tender para a forma de um sistema fechado, mas sim manifestar-se por meio do diálogo filosófico inquisitivo.”

podemos até afirmar que, assim como na Antiguidade a filosofia alexandrina foi desenvolvendo os seus métodos à luz da investigação da obra de Homero, também a ciência histórica do espírito alcançou no séc. XIX o seu máximo apuro, com a luta para conseguir compreender o problema platônico.”

Tanto a explicação pormenorizada do texto como a investigação da autenticidade das diversas obras chegadas até nós sob o nome de Platão abriram o caminho a um estudo concreto que se ia especializando sem cessar, de modo que o problema platônico parecia ir afundando cada vez mais nesta direção. Foi então que, a partir de C.F. Hermann, os intérpretes se foram habituando a encarar as obras deste filósofo como a expressão de uma evolução progressiva e gradual da sua filosofia”

É certo que, após alguns êxitos iniciais, este caminho da investigação acabou por se desacreditar, em consequência dos seus exageros, pois veio cair na ilusão de que seria possível situar no tempo todos e cada um dos diálogos, através de uma estatística filológica perfeitamente mecanizada. Seria ingratidão, porém, esquecer que foi uma descoberta puramente filológica que determinou a maior reviravolta operada, desde Schleiermacher, nos estudos platônicos.” “é possível distinguir três grupos principais de obras, onde se podem distribuir com boa verossimilhança os diálogos mais importantes. § Este resultado das investigações filosóficas da 2ª metade do séc. XIX tinha, por força, de abalar a imagem schleiermacheriana de Platão, já considerada clássica, uma vez que se verificou serem obras maduras, correspondentes a sua senectude, vários diálogos platônicos por ele tidos como primeiros e introdutórios, e que versavam sobre problemas metódicos. (…) Agora eram rapidamente puxados para o centro da discussão os diálogos <dialéticos>, como o Parmênides,¹ o Sofista² e o Político,³ nos quais o Platão do último período parece discutir com a sua própria teoria das idéias.” Confrontar com o que diz Azcárate. Missão para depois.

¹ https://seclusao.art.blog/2018/09/14/parmenides-ou-das-ideias/

² https://seclusao.art.blog/2018/09/09/o-sofista-ou-do-ser/

³ https://seclusao.art.blog/2019/05/27/o-politico-ou-da-soberania/

Não é, pois, nada estranho que este neokantismo se tenha sentido surpreendido e fascinado por tão inesperada projeção dos seus próprios problemas na evolução dos últimos anos de Platão” Aqui: revigoramento do ceticismo em oposição ao ultra-romantismo.

nesta nova concepção de conjunto, a importância de Platão para a filosofia moderna assentava no aspecto metódico, com a mesma unilateralidade com que para a filosofia metafísica do meio século anterior assentava no apoio que a metafísica platônica e aristotélica lhe dava, na sua luta contra a crítica de Kant.” “A nova forma de conceber este filósofo culminava na tentativa de infirmar, como falsas, as objeções de Aristóteles à teoria platônica das idéias, tentativa que vinha mostrar indiretamente que essa nova forma se deixava guiar por Aristóteles, mesmo sem aceitar o seu modo de ver, pois concentrava no mesmo ponto a sua interpretação da doutrina platônica.”

as Leis, que representa mais da quinta parte de toda a obra escrita de Platão e onde a teoria das idéias não desempenha o menor papel.”

IRONIAS DE FERRO: Enquanto bilhões vivem sem uma metafísica, certos indivíduos têm o privilégio de viver ativamente 2 ou 3 projetos destas. Onde quer que o sol nasça e bata, Platão é que ri de nós.

Foi de novo uma descoberta filológica que permitiu um passo fundamental e que, sem pretensões filosóficas de nenhum tipo, levou a derrubar os limites demasiado estreitos em que estava encerrada esta concepção da obra platônica. Desta vez, não foi a cronologia a afetada pela descoberta, mas sim a crítica da autenticidade dos textos. Já desde a Antiguidade sabia-se que a coleção dos escritos platônicos transmitida pelos séculos continha muitas coisas inautênticas, mas foi a partir do séc. XIX que a crítica textual atingiu o máximo grau de intensidade. É certo que no seu cepticismo visava muito além do alvo e acabou por ficar paralisada. (…) as suspeitas caíram apenas, essencialmente, sobre escritos de qualidade duvidosa. Julgavam-se falsas também as cartas de Platão: a existência indubitável de peças e fragmentos falsos na coleção de cartas que chegou até nós sob o seu nome levava os críticos a repudiar a coleção em bloco; e, como era indiscutível que algumas destas cartas continham um material histórico valioso acerca da vida de Platão e das suas viagens à côrte do tirano Dionísio de Siracusa, recorria-se à hipótese do autor destes documentos apócrifos ter utilizado na sua redação informes muito apreciáveis. Historiadores como Eduard Meyer, levando em conta o grande valor das cartas como fonte histórica, advogaram a sua autenticidade, e logo o seu exemplo foi seguido pelos filólogos, a partir do momento em que Wilamowitz confirmou a autenticidade das cartas sexta, sétima e oitava, i.e., das peças mais importantes da coleção.”

COMPELIDOS À MISANTROPIA: “O patético relato de Platão sobre suas repetidas tentativas de intervenção ativa na vida política dava ao seu biógrafo a possibilidade de pintar algumas cenas ricas de colorido, que vinham quebrar dramaticamente o recolhimento da vida do filósofo no seio da Academia e descobriam, além disso, o complicado fundo psicológico desta vida, cuja atitude contemplativa, como agora se mostrava, tinha sido imposta pela trágica pressão das condições desfavoráveis de seu tempo a um caráter inato de dominador. Vistas por este prisma, as repetidas vezes que Platão tentou uma carreira de estadista não apareciam de modo nenhum como episódios infelizes de uma vida puramente intelectual, nos quais Platão procurara concretizar certos princípios éticos da sua filosofia. Todavia, a convicção de que é o Platão autêntico e real o homem que na Carta VII nos fala da sua própria evolução espiritual e dos objetivos da sua vida, a partir dos quais adota uma posição diante da sua própria filosofia, tem também uma importância decisiva para a concepção de conjunto da sua obra filosófica.” “A esta concepção da filosofia platônica chegara eu em longos anos de esforço incessante dirigido à captação da sua verdadeira essência, sem prestar grande atenção às cartas, uma vez que desde a juventude partilhava o preconceito filológico contra a sua autenticidade.”

podem reunir-se em grupo à parte os diálogos menores; (I) mas as obras extensas como o Protágoras, o Górgias, o Mênon, o Banquete e o Fedroonde estão contidas as idéias platônicas essenciais sobre a educação, merecem ser examinadas separadamente e uma a uma (II) (…) A República e as Leis são, naturalmente, as obras que devem formar o verdadeiro nervo central deste estudo. (III)”

¹ https://seclusao.art.blog/2018/03/17/fedro-ou-da-beleza-ou-ainda-do-caralho-voador/

A sua filosofia, encarada como o apogeu de uma cultura (paideia) tornada já histórica, deve ser focada, mais do que geralmente se costuma fazer, na sua função orgânica dentro do processo total do espírito grego e da história da tradição helênica, e não como um mero sistema de conceitos com existência própria.”

A história da paideia, encarada como a morfologia genética das relações entre o homem e a polis, é o fundo filosófico indispensável no qual se deve projetar a compreensão da obra platônica.” “A sua obra de reformador está animada do espírito educador da socrática, que não se contenta em contemplar a essência das coisas, mas quer criar o bem.”

3.5 Diálogos socráticos menores de Platão

São muito reduzidas as proporções exteriores destas obras, que correspondem pouco mais ou menos a uma conversa travada por casualidade.” “o dialeto ático neles usado não tem paralelo na literatura grega, pela sua graça natural, espontaneidade e genuína vivacidade de colorido.” “estes diálogos, do tipo do Laques, do Eutífron e do Cármides, revelar-se-iam pelo seu brilho e pelo seu frescor, como as obras de juventude de Platão.”

Já no Eutífron fala-se do processo movido contra Sócrates, e como a Apologia e o Críton, ambos tratando do desenlace de Sócrates, se encaixam no mesmo grupo é provável que todas as obras reunidas neste grupo tivessem sido escritas logo depois da morte do mestre.”

<Petulância juvenil> é a rubrica sob a qual WILAMOWITZ agrupa estas obras alegres, que considera as mais antigas de todas.”

Já na velhice Platão escreveu um diálogo, o Filebo,¹ onde Sócrates aparece como figura central, apesar de nas demais obras da velhice, nos chamados diálogos dialéticos, o Parmênides, o Sofista e o Político, e no diálogo sobre a filosofia da natureza intitulado Timeu,² Sócrates desempenhar um papel secundário e ser nas Leis substituído pela figura do estrangeiro ateniense.”

¹ https://seclusao.art.blog/2020/01/07/filebo-ou-dos-prazeres-da-inteligencia-e-do-bem/

² https://seclusao.art.blog/2019/06/08/timeu-ou-da-natureza/

Não foi da dúvida que os primeiros diálogos platônicos nasceram. Que não é assim já o indica a soberana segurança com que é vincada a linha interior daquelas conversas, não tanto em cada obra de per si, mas principalmente no conjunto delas.” Opinião distinta da de Azcárate.

É preciso ser muito ingênuo para, do fato de nenhum destes diálogos terminar com a definição didática do tema discutido, tirar a conclusão de que estamos diante de um principiante que arrisca os primeiros passos, falhados, num campo ainda inexplorado teoricamente.” “O nosso pensamento, associando-se ao dos outros, procura adiantar-se ao andamento da discussão (…) Se se tratasse de uma conversa real a que tivéssemos assistido, poderíamos atribuir ao acaso este resultado negativo.” “A falta de saída, que era para Sócrates um estado permanente, converte-se para Platão no estímulo que o impele à resolução da aporia.”

Sobre a história da interpretação moderna de Platão, cf. o livro (já antiquado mas ainda útil para certos pormenores) de F. UEBERWEG, Untersuchungen über die Echtheit und Zeitfolge platonischer Schriften, etc. (Viena, 1861)

A ciência política apresenta-se já no Cármides, como no Górgias, em paralelo com a ciência médica.”

A maior censura que se pode fazer a muitos representantes do método histórico-evolutivo, tanto no que se refere a sua defeituosa concepção artística como quanto a sua deficiente concepção filosófica, é partirem da hipótese de que, em todas e cada uma das suas obras, Platão diz tudo o que sabe e pensa.”

Platão e seus irmãos Glauco e Adimanto, que ele, de modo muito significativo, apresenta precisamente na República como discípulos e interlocutores de Sócrates, pertenciam evidentemente, como Crítias e Alcibíades, àquela juventude da antiga nobreza ática que, de acordo com as tradições familiares, sentia-se chamada a dirigir o Estado e buscava em Sócrates o mestre da virtude política.” “Mas, enquanto para homens como Alcibíades e Crítias esta doutrina não fazia mais do que atiçar a fogueira dos seus ambiciosos planos de golpes de Estado, para Platão, que o seu tio Crítias convidou a colaborar no novo Estado autocrático, após a derrocada da constituição democrática vigente, era visível a incompatibilidade daquele regime com as idéias de Sócrates, e foi por isso que ele se negou a cooperar.”

A duplicidade deste acontecimento gerou a certeza de que não foram a constituição democrática ou oligárquica, como tais, mas sim única e exclusivamente a degenerescência moral do Estado vigente, fossem quais fossem as suas formas, o que o arrastou a um conflito mortal com o mais justo dos seus cidadãos.”

profunda resignação” “Chegara à convicção de que para um homem como ele, plenamente possuído da vontade educacional de Sócrates, seria um absurdo esbanjamento de si próprio imiscuir-se ativamente na vida política de Atenas, pois lhe parecia que o Estado existente, e não só o ateniense mas todos eles, estava condenado a desaparecer, se não o salvasse um milagre divino. E que esta concepção não é precisamente resultado da sua evolução posterior, mas sim que já vivia nele desde o princípio, prova-o a Apologia, 31E, e a recapitulação dos mesmos pontos em Apol., 36B.”

a pretensão de tornar os filósofos reis ou os governantes filósofos, para que o Estado possa ser melhorado.” “Enquanto a Carta Sétima foi tida por apócrifa, considerou-se este indício evidente da sua falsidade; o falsificador, pensava-se, quisera dar-lhe um cunho de autenticidade e para isso reproduzira uma das idéias mais conhecidas de Platão; mas incorrera no descuido de apresentar como já existente na década de 90 a República, obra donde a frase procede e que, segundo os resultados da moderna investigação, não fôra escrita antes da década de 70 do séc. IV. (…) Não havia a mínima dúvida de que se tratava de uma citação de si próprio feita por Platão, e ele, naturalmente, não podia ignorar quando escrevera aquela obra.” “ora, o mais verossímil é que as idéias proclamadas nos seus diálogos tenham sido expostas e discutidas muitas vezes no seu ensinamento oral, antes de serem dadas a conhecer por escrito ao mundo exterior”

Julius STENZEL, Plato’s Method of Dialectic (barato na Amazon)

O SEGUNDO MUNDO: SENSÍVEL, ETERNO

Aristóteles já assimila com toda a clareza teórica os métodos lógicos da abstração. A pergunta socrática o que é o bom?, o que é o justo?, não implicava de modo nenhum o conhecimento teórico do que eram logicamente os conceitos universais. Portanto, quando Aristóteles diz que Sócrates ainda não chegara a hipostasiar, como algo distinto da realidade sensível, os conceitos universais que investigava (o que Platão faz), essa afirmação não se deve interpretar no sentido de que Sócrates já teria chegado à teoria aristotélica do universal e de que Platão cometeu mais tarde o erro inconcebível de duplicar de certo modo esses conceitos gerais, já antes conhecidos por Sócrates na sua natureza abstrata, e de colocar ao lado do conceito do justo uma idéia do justo existente em si mesma. (…) as idéias platônicas (…) representam para Aristóteles uma duplicação inútil do mundo sensível. Ele é supérfluo para Aristóteles, pois este já atingiu a natureza abstrata do conhecimento universal.”


Aristóteles:
“o universal está no devir. Eu sou a síntese de Sócrates, Heráclito e Parmênides.”

Quando Platão aponta dentro do múltiplo o uno, que o método dialético procura captar como forma ou, dito em grego, como idéia ou eidos, apóia-se na terminologia da Medicina do seu tempo” “Partindo daqui, vemos como o movimento dialético se vai elevando já nos primeiros diálogos até chegar à virtude em si, na unidade da qual Sócrates sintetizava as várias virtudes particulares. A investigação da virtude particular leva constantemente, não a distingui-la das outras, como a princípio poderia parecer, mas sim àquela unidade superior a tudo o que é virtude, ao bem em si e ao seu conhecimento.” “Rep., II, 537C: o verdadeiro dialético é o sinóptico, capaz de abarcar as coisas no conjunto. A mesma descrição do dialético aparece no Fedro, 265D. A síntese do diverso na unidade da idéia.”

O cotejo do emprego dos conceitos eidos e idea nos diálogos de Platão, para chegar a resultados concludentes, teria de abarcar também outras palavras e expressões usadas para descrever o uno no múltiplo”

Nenhuma das suas obras contém uma completa exposição da teoria das idéias, neste sentido, nem sequer na época em que a existência desta teoria se pode comprovar por meio de repetidas referências a ela.” “São poucas as passagens em que Platão entra no exame dos problemas mais espinhosos da teoria das idéias. Pelas informações pormenorizadas de Aristóteles sobre a chamada fase matemática da teoria das idéias, na qual Platão procura explicar as idéias com a ajuda dos números, verificamos com assombro que ele e os seus discípulos elaboraram na Academia uma doutrina de cuja existência os diálogos daquele período nem sequer nos permitem suspeitar”

Aliás, nem é certo que as primeiras obras de Platão não contivessem qualquer alusão à existência da teoria das idéias, pois já no Eutífron, que todos os autores classificam entre os diálogos da primeira fase, fala-se do objeto da investigação dialética como de uma idéia

CRITER, Neue Untersuchungen über Platon (Munique, 1910)

Os diálogos menores surgem assim como uma introdução ao problema central do pensamento platônico, nos seus dois aspectos: o intrínseco e o formal.”

O que se pode assegurar, sim, porque é evidente, é que a tendência histórico-evolutiva do séc. XIX liga pouco demais para as numerosas linhas de conexão que Platão traça entre umas e outras obras, e por meio das quais nos dá a entender que todas elas vão gradualmente cobrindo um grande problema de conjunto e formam uma grande unidade em que o primeiro passo só é plenamente explicado pelo último. (…) SHOREY, The Unity of Plato’s Thought (Chicago, 1904)

O repetido fracasso dos esforços empregados em descobrir a verdade e presenciados pelo leitor faz com que este compreenda pouco a pouco, com clareza cada vez maior, a dificuldade de chegar a um conhecimento real e adquira a consciência das premissas que até então admitia como evidentes e que constituem o fundamento da sua própria existência.”

A ETERNIZAÇÃO DA LINGUAGEM ESCRITA: “O poder educador de Sócrates (…) iria (…) conquistar o mundoPlatão como o proporcionador de uma grande maiêutica, de uma vida inteira, como se reproduzira então o “diálogo da vida”. Transmitindo para o futuro as sementes da oralidade original mas restrita no tempo de Sócrates. Neste escopo, Aristóteles devia julgar-se o “aluno perfeito”, que Sócrates e Platão sempre haviam procurado.

3.6 O Protágoras

Permitimo-nos, por razões de brevidade, conservar a tradução tradicional das palavras gregas arete e episteme por <virtude> e <saber>, respectivamente, apesar de serem ambas equívocas porque têm as conhecidas acepções concomitantes modernas, que as palavras gregas não possuíam. (…) não dar à palavra <saber> o sentido que tem presentemente a palavra <ciência>, em vez do significado espiritual dos valores, daquilo a que os gregos chamam phronesis

Protágoras, o diálogo, está envolto num esplendor de alegria juvenil, de engenho e finura espiritual, que não encontramos em nenhuma outra obra platônica.”

Um jovem discípulo e amigo de Sócrates, Hipócrates, desperta-o, alta madrugada, batendo com força a sua porta e rogando-lhe que o deixe entrar. É que ao regressar a Atenas, na noite do dia anterior, ouviu dizer que Protágoras se encontra na cidade; e tão grande acontecimento emociona-o. (…) E vem ter com Sócrates tão cedo, para lhe rogar que o apresente ao mestre. Como prelúdio do diálogo principal surge agora, no ambiente do pátio da casa onde os 2 personagens passeiam até despontar o dia, uma conversa de puro estilo socrático, na qual Sócrates tenta sondar a firmeza da decisão do jovem Hipócrates e fazer-lhe compreender a aventura em que se vai meter.”

Neste diálogo, Sócrates não é um ancião venerável como o sofista Protágoras, mas sim um homem na força da idade, o que contribui para acentuar a falta de respeito que inspira. Hipócrates vê nele apenas o conselheiro e o amigo encarregado de lhe facilitar o aceso a Protágoras. (…) se o jovem se quisesse tornar médico, diz-lhe, devia receber o ensino do mais importante dos médicos de seu tempo, o seu homônimo Hipócrates de Cós; se desejasse ser escultor, o de Policleto ou Fídias; portanto, ao dirigir-se a Protágoras para se fazer seu discípulo, parece disposto a abraçar a carreira de sofista. Hipócrates, porém, repele decididamente esta insinuação e é aqui que se acusa uma diferença essencial entre a educação sofística e o ensino dos profissionais: os discípulos particulares do sofista são os únicos que estudam a sua arte com o intuito de mais tarde a exercerem como profissão; os mancebos atenienses de famílias distintas que se juntam a sua volta não têm em vista outra finalidade que não a de o escutarem para <se cultivarem>. O que o jovem do diálogo não sabe dizer é em que consiste esta cultura (paideia), e fica-se com a sensação de que a sua atitude é típica da juventude do seu tempo, ansiosa por se cultivar.”

NÃO ACEITAMOS DEVOLUÇÕES! “Protágoras (…) considerado com realismo, assemelha-se, pois, como fenômeno social, ao mercador e vendedor ambulantes que oferecem ao comprador, por dinheiro, as mercadorias importadas.”

É claro que Sócrates não se apresenta, de modo nenhum, como um médico desse tipo; mas, uma vez que afirma que para a alimentação do corpo se devem consultar em caso de dúvida, na qualidade de peritos, o médico ou o mestre de ginástica, por si mesma desponta a interrogação de quem será o perito chamado a sentenciar sobre o alimento adequado à alma, quando isso for necessário.”

Preocupados com o problema da essência do verdadeiro educador, ambos os personagens se põem a caminho para a residência de Cálias, pois fez-se dia e têm de se apressar para visitar o sofista, assediado por visitantes de manhã à noite. O porteiro daquela casa rica já está em estado de irritação, sinal de que não são Hipócrates e Sócrates os primeiros a chegar.”

profiteri, donde é derivado o termo professor, empregado no Império Romano para designar o sofista dedicado ao ensino.”

Circus comes to town.

Saber é lucrar. Arquétipo: Agostinho.

Parece contraditório que Platão, por sua vez fundador de uma escola, manifeste-se tão violentamente contra o profissionalismo dos sofistas. A sua escola, porém, baseava-se no princípio socrático da amizade e pretendia continuar, através da sua dialética, a velha forma da educação por meio do trato pessoal.”

Acostumado a apoiar-se no prestígio educacional dos grandes poetas da Antiguidade, desde Homero até Simônides, e na herança da sua sabedoria, que os sofistas se esforçavam por transformar numa sabedoria escolar sensata e moralizadora, Protágoras inverte os papéis e vê os antecessores da sua arte naqueles heróis do espírito, que sob o manto da poesia queriam ocultar à desconfiada sociedade do seu tempo a sua (de todos e de cada um deles) qualidade de sofistas.”

Sócrates repara que Protágoras sente-se orgulhoso dos seus novos admiradores, e sugere que se convidem também Pródico e Hípias para a conferência, o que Protágoras acolhe com satisfação.”

Se um jovem entrasse para aluno de Zêuxis e este prometesse torná-lo melhor, todo mundo saberia em quê: na pintura. Se com o mesmo propósito acorresse a Ortágoras de Tebas, ninguém tampouco ignoraria que neste caso o progresso se referiria à sua instrução como tocador de flauta. Pois bem, em que campo progredirá para o melhor quem receber o ensino de Protágoras?” “À pergunta feita Protágoras não pode responder em nome de todos os que exibem o nome de sofistas, pois entre eles também não existe unanimidade de critério quanto a este ponto. P.ex., Hípias, ali presente é representante das <artes liberais>, sobretudo do que mais tarde se chamaria quadrivium: aritmética, geometria, astronomia e música. Estes ramos do ensino sofístico eram os que melhor podiam fazer jus à pergunta de Sócrates, pois apresentavam o desejado caráter técnico; mas na sua educação Protágoras dá preferência incondicional aos ramos sociais do saber. Entende que os jovens que passaram pelo habitual ensino de tipo elementar e agora aspiram a completá-lo por meio de uma cultura superior que os prepare, não para uma profissão determinada, mas para a carreira política, não desejam entregar-se a novos estudos técnicos determinados, porque é de outra coisa que necessitam, e é isto que ele lhes quer ensinar: a capacidade de se orientarem retamente a si próprios, de orientarem os outros sobre o melhor processo de administrarem a sua casa, e de dirigirem com êxito, em palavras e ações, os assuntos do Estado.”

Sócrates reconhece que esta é uma elevada finalidade, mas expõe as suas dúvidas acerca da possibilidade de estimular por meio do ensino esta virtude” “Os homens que mais se salientam pelas suas qualidades espirituais e morais não dispõem de meios para transmitirem aos outros as qualidades que os distinguem, a sua arete. Péricles, pai dos dois jovens aqui presentes, deu-lhes uma educação excelente em tudo aquilo para que existem professores, mas naquilo em que a sua própria grandeza se firma ele não os educa nem os entrega a outro para que os eduque, antes os deixa andar à solta, para <instruírem-se livremente>, como se a arete fosse por si própria pousar sobre eles.” O bom nobre à nobreza torna.

Recolhe, assim, sob forma filosófica, uma idéia fundamental da aristocracia, que Píndaro apresentara e que a pedagogia racionalista dos sofistas preferia deixar de parte, em vez de se deter para refutá-la. Parecia não conhecer limites o otimismo pedagógico dos sofistas; a sua vigorosa concepção intelectual do objetivo da educação contribuía para alentar este otimismo, que parecia, aliás, corresponder à tendência geral do tempo, sobretudo à evolução da maioria dos Estados para a democracia.”

É evidente que, ao procurar encontrar assim um processo moderno que substituísse, em bases racionais, a antiga e rigorosa educação dada à nobreza, Protágoras demonstrava um sentido muito arguto para captar as necessidades do presente e a mudança operada na situação; mas era precisamente neste ponto que melhor se revelava a falha da paideia sofística.”

A objeção de Sócrates tem tal caráter de objeção de princípio que obriga Protágoras, desde logo, a desviar a conversa do campo meramente técnico-didático para um plano espiritual superior. Nem todos os sofistas teriam sido capazes de seguir neste terreno o crítico da sua pedagogia, mas Protágoras era o homem indicado para isso. Nas intervenções em que responde a Sócrates detidamente, Platão apresenta-nos com mão de mestre um adversário nada desprezível. Teria sido um mau representante da época pedagógica se não tivesse tomado posição diante daquele problema fundamental de toda a educação ou não estivesse em condições de lutar por ela. A dúvida suscitada sobre a possibilidade de educar o homem partia de experiências individuais contra as quais não havia nada a alegar. É por isso que Protágoras desloca habilmente o ponto de partida e examina o problema sob o ponto de vista dos seus novos conhecimentos sociológicos” “sem aceitar como premissa a possibilidade de educar a natureza humana, todas estas instituições, que de fato existiam, perderiam o sentido e a razão de ser.”

Esta vasta exposição de princípios permite a Platão fazer com que o grande sofista – que é ao mesmo tempo um mestre da forma – brilhe em todas as modalidades da retórica. Sócrates confessa-se arrebatado e vencido” “A força de Sócrates não está na graça com que narra mitos ou faz longas exposições doutrinais, mas antes na tensão dialética das suas perguntas certeiras, às quais é forçoso retorquir. Esta arte dialética de Sócrates revela-se triunfalmente na tentativa seguinte de atrair o adversário ao seu próprio terreno.”

não é à luz de uma virtude concreta que Sócrates aponta aqui as relações entre a parte e o todo, mas sim por meio da comparação integral de todas as virtudes entre si, com o que se propõe demonstrar a unidade delas. Que ele, ao fazer isto, proceda, em certos aspectos concretos, de modo mais sumário que nos diálogos menores, não obedece apenas à circunstância de o seu propósito de estabelecer uma comparação completa obrigá-lo precisamente a percorrer um caminho mais longo, e a encurtar, portanto, as etapas; é importante ver também que uma minúcia maior o faria incorrer em repetições, já por si inevitáveis, aliás.”

Sócrates procura arrancar ao seu interlocutor a concessão de que a justiça e a piedade são essencialmente a mesma coisa ou, pelo menos, coisas muito semelhantes e afins, o que Protágoras aceita, embora contra [a] vontade. Sócrates pretende aduzir a mesma prova a respeito das outras parelhas de virtudes mencionadas, deixando para o fim a valentia, por esta ser de todas as virtudes a que mais se diferencia psicologicamente das outras.”

A crescente indisposição de Protágoras obriga Sócrates a interromper aqui a conversa, antes de ser ter atingido o seu objetivo” “Protágoras (…) se aproveita para desviar a conversa sobre a virtude e a possibilidade de ensiná-la para outro terreno, o da explicação poética, uma das formas essenciais da paideia sofística.”

ele tira dos versos de Simônides um sentido congruente com a sua conhecida tese de que nenhum homem pratica voluntariamente o mal.” Diante do fascismo, é mera questão semântica de somenos importância: que em sua cabeça o fascista esteja fazendo o bem, tanto faz. Deve ser execrado e neutralizado da mesma forma que se a tese contrária fosse prevalente (a de que o malvado têm ciência da própria maldade e liberdade de escolha).

Sócrates interroga a multidão em profundidade, para averiguar a razão por que considera neste caso que o prazer procurado é nocivo, em última instância. E obriga-a a reconhecer que não sabe dar outra razão a não ser que o prazer desfrutado acarreta como conseqüência um mal maior. Por outras palavras: a meta final (TELOS), em relação à qual a multidão reconhece diferenças de valor entre umas e outras sensações de prazer, é, por sua vez, o prazer e só o prazer. É nesta passagem que o conceito fundamental da finalidade aparece pela primeira vez em Platão.” “Pelo fato de isso ser certo é que o <deixar-se arrastar pelo prazer>, que a multidão invoca como motivo, significa apenas que se cometeu um erro de cálculo escolhendo o prazer menor em vez do maior, pela simples razão de ser o que estava mais perto no momento da opção.”

Investigaremos em outra ocasião, continua Sócrates, qual é esta arte da medida e em que consiste a sua essência; mas o que desde já podemos assegurar é que são um saber e um conhecimento tais que nos podem fornecer a pauta para a nossa conduta, bastando para isso demonstrar o ponto de vista defendido por Protágoras e por mim (Prot., 357). O conceito da medida e da arte de medir (metretike), que se emprega aqui repetidamente e com grande insistência, tem uma importância fundamental para a concepção platônica da paideia e do saber. Aqui aparece primeiramente como simples postulado e, além disso, aplicado para determinar o bem supremo, o qual não pode ser concebido, de modo nenhum, em sentido socrático.”

Sócrates sublinha expressamente a sua concordância com a tese de que o bom é o agradável e de que isto é, portanto, o critério da vontade e da conduta do Homem. O próprio Protágoras, animado pelo consenso geral, também adere agora, tacitamente, à tese que antes via com certo receio (Qui tacet, consentire videtur [Quem cala consente]). Deste modo, todas as sumidades em educação ali agrupadas sob o mesmo teto acabam por se harmonizar, unânimes, ao nível dos polloi, de que Sócrates partira. Sócrates tem-nos todos presos na armadilha.”

Com isto, Sócrates obriga os sofistas a aceitarem o seu conhecido paradoxo de que ninguém <procede mal> voluntariamente (…) Partindo dessa concepção é fácil, para ele, resolver o problema, não resolvido ainda, das relações entre a valentia e o saber, acrescentando assim o último elo que faltava a sua cadeia demonstrativa da unidade da virtude, ainda incompleta.”

Pois bem, se definimos o medo como o pressentimento de um mal, a conseqüência será que Protágoras, ao conceber a valentia como o não-retroceder perante aquilo sobre que incide o temor, incorre em contradição com a tese que todos acabam de assinar, e que afirma que ninguém avança conscientemente para o que considera um mal.” “Chegamos assim à conclusão de que a valentia é essencialmente o mesmo que sabedoria: o conhecimento do que na realidade se deve ou não temer.”

Sócrates, que não achava a virtude suscetível de ser ensinada, agora busca provar por todos os meios que a virtude é, sob todas as formas, um saber; e Protágoras, que a considerava matéria apta para ensino, faz, ao contrário, grandes esforços para demonstrar que ela é tudo menos um saber (…) O drama finda com o espanto mostrado por Sócrates em face deste resultado aparentemente contraditório”

Suspeitamos de que Sócrates, dada a descontração com que se manifesta no Protágoras, troça de todos os sofistas e de nós mesmos. E por fim exigimos que nos fale a sério de um problema de tanta seriedade. É isto que ele faz no Górgias, que é, sob muitos pontos de vista, o perfeito irmão gêmeo do Protágoras e o indispensável complemento sério do humor travesso vazado neste.” Velhos não podem sorrir (obra mais tardia de Platão)

3.7 O Górgias

O ponto de vista extremo nesta questão é o aplicado por WILAMOWITZ, no seu Platon t. I, aos diferentes diálogos. Uma obra como o Fedro, p.ex., onde se investigam as relações entre a retórica e a dialética, é exposta por esta autor sob o lírico título de <Um venturoso dia de Verão>. Não se pode passar por alto da relação entre o ponto de vista de Wilamowitz e o livro de Dilthey intitulado Vida e poesia. A fórmula <vida e poesia>, tirada da lírica moderna, não serve para interpretar os diálogos de Platão.”

a seriedade do Górgias não se deve exatamente ao fato de nele se refletir um estado de ânimo momentaneamente ensombrado, e a proximidade temporal da morte de Sócrates não é necessária para explicar o pathos grandioso que esta obra respira, como não o é para explicar o fúnebre dramatismo do Fédon, que os mesmos intérpretes situam, no tempo, muito longe da morte de Sócrates e bem perto do jovial Banquete.”

Górgias de Leontinos, criador da retórica, na forma em que ela havia de pautar os últimos decênios do séc. V, é para Platão a personificação desta arte, tal como Protágoras é da sofística no diálogo que tem o seu nome.” Existe sofística sem retórica e retórica sem sofística?

UMA RETÓRICA AINDA ÉTICA: “a sofística, que é um fenômeno meramente pedagógico (…) Rhetor continua ainda na época clássica a ser o nome para designar o estadista, que num regime democrático precisa sobretudo ser orador. A retórica de Górgias propõe-se formar retóricos neste sentido da palavra.”

Górgias cita até casos em que a palavra do retórico convenceu um enfermo da necessidade de tomar um remédio ou de se submeter a uma operação, depois de o médico competente ter fracassado nesse intento.”

É a sua arte que aponta para todo tipo ao qual deverão submeter o seu saber. Não foram os arquitetos e engenheiros navais, cujo saber Sócrates enaltece como modelo, quem levantou as fortificações e os portos de Atenas, mas sim Temístocles e Péricles, que, apoiados no poder da retórica, convenceram o povo da necessidade de realizar estas obras.” “Se um atleta usar a sua força para estrangular pai e mãe, não haverá motivo para disso tornar responsável o seu mestre, pois este lhe transmitiu a sua arte, para que fizesse bom uso dela.” “Quando Górgias afirma que o retórico transmite aos seus discípulos a sua arte para que eles façam <bom uso> dela, parece pressupor que o mestre nesta arte sabe o que é bom e justo e que os seus discípulos já albergam neles, ou recebem do mestre, um saber igual.”

A descrição deste antagonismo entre o sentimento de poder, ainda meio envergonhado e tingido de moral, da velha geração inventora da retórica e o consciente e cínico amoralismo da nova geração revela a grande arte de Platão para desenvolver dialeticamente, por meio de uma gradação de cambiantes, um tipo espiritual, em todas as suas formas características. (…) três formas fundamentais (…) o aparecimento de cada tipo novo recrudesce a luta (…) Às figuras de Górgias e do seu discípulo Polo vem juntar-se mais tarde, como terceiro e mais coerente representante do <homem retórico>, o estadista Cálicles, que proclama abertamente o direito do mais forte como moral suprema.”

FALAR É CRIAR PODER: “A crítica da segunda parte do Górgias parte da tese que afirma ser a retórica uma techne. O nosso conceito de arte não reflete adequadamente o sentido da palavra grega. Esta tem em comum com a arte a tendência à aplicação e ao aspecto prático. Por outro lado, em oposição à tendência individual criadora não submetida a nenhuma regra (para muitos implícita hoje na palavra arte), acentua o fator concreto do saber e da aptidão, que para nós estão ligados ao conceito de especialidade. [um anti-saber platônico]” “Designa toda profissão prática baseada em determinados conhecimentos especializados e, portanto, não só a pintura, a escultura, a arquitetura e a música, mas também, e talvez com maior razão ainda, a medicina, a estratégia militar ou a arte da navegação.” “neste sentido, o grego techne corresponde freqüentemente, na terminologia filosófica de Platão e Aristóteles, à moderna palavra teoria (…) Techne, por sua vez, distingue-se, como teoria, da <teoria> no sentido platônico de <ciência pura>, já que aquela teoria (a techne) é sempre concebida em função de uma prática.”

Conforme os contextos, pode acontecer em Platão a palavra episteme em vez da palavra techne, quando lhe interessa destacar o fato de esta <arte> política ter como base um verdadeiro <saber>.”

Sócrates (…) divide a lisonja em 4 classes: a sofística, a retórica, a <arte> da perfumaria e a <arte> culinária.” Paladar, olfato, tato (social!)… só faltaram a <arte> de ler ou contemplar esculturas e a <arte> de ouvir música.

A vida do Homem divide-se em vida da alma e vida do corpo, e ambas requerem uma arte especial para velar por elas. Os cuidados da alma incumbem à política ou arte do Estado (e esta correlação, surpreendente para nós, lança uma luz esplendorosa sobre o objetivo final de Platão, ou seja, a arte do Estado, e sobre o sentido completamente novo que ele dá a este conceito) [uma sociedade em que a psicologia se tornou um ramo epistemológico é uma sociedade falida, a necrose da política]; a arte destinada a velar pelo corpo carece de nome especial. E ambas as artes – a que consiste em velar pela alma e a que versa sobre os cuidados do corpo – subdividem-se por sua vez em duas espécies, das quais uma corresponde à alma sã ou ao corpo são e a outra vela pelo corpo ou alma enfermos. O ramo da política chamado a velar pela alma sã é a legislação, enquanto a alma enferma reclama os cuidados da administração prática da justiça. Dos cuidados do corpo sadio se encarrega a ginástica; os do corpo doente são matéria da Medicina. As 4 artes encaminham-se para a consecução do melhor (…) Como variantes da lisonja, correspondem-lhes 4 imagens ilusórias: à legislação, a sofística; à justiça, a retórica; à ginástica, a <arte> da perfumaria; e à Medicina, a <arte> culinária. [!] Estas já não visam à consecução do melhor no Homem, mas aspiram somente a lhe agradar. Para isso, agem à base da mera experiência e não, como as verdadeiras artes, sobre o fundamento de um princípio firme e do conhecimento”

As características essenciais do conceito de techne são: primeira, é um saber baseado no conhecimento da verdadeira natureza do seu objeto; segunda, é capaz de dar conta das suas atividades sempre que tem consciência das razões

O modelo que Platão apresenta nesta análise da essência de uma verdadeira techne é a Medicina. (…) A <arte política>, que é a meta da filosofia e da cultura novas que se procuram fundar, é concebida como uma medicina da alma.”

Tal como no Protágoras, Platão pretende aqui demonstrar que os sofistas e retóricos, embora tenham aperfeiçoado até o requinte os meios técnicos de cultura e de influência sobre os homens, continuam a dar guarida às idéias mais primitivas (…) Platão opõe um novo humanismo ao humanismo dos sofistas e retóricos.”

Polo (…) não consegue compreender como Sócrates pode não julgar apetecível o poder do tirano. E resta-lhe ainda o último trunfo, que ele joga, ao perguntar se porventura não se deve julgar ditoso o rei dos persas. E, como Sócrates responde: Não sei, pois ignoro qual é a sua paideia e a sua justiça, [sua formação e adestramento, sua criação e seu autofreio] Polo, sem se poder conter, atira-lhe esta pergunta surpreendente: Como? É nisso que se baseia toda a felicidade?

Temos de optar entre a filosofia do poder e a filosofia da educação.”

Rep., 444C-E. A arete é a saúde da alma; é portanto, o estado normal, a verdadeira natureza do Homem.”

Sempre se suspeitou que por trás de Cálicles se ocultava uma certa personagem histórica da alta sociedade ateniense daquele tempo. Essa hipótese é muito verossímil e tem até certa probabilidade psicológica. (…) É, sem dúvida, uma figura tão histórica como Anito, inimigo de Sócrates e adversário dos sofistas, que aparece no Mênon; no caso, é indiferente que Cálicles fosse o nome real do personagem ou simplesmente um pseudônimo.”

Cálicles é o 1º dos defensores da retórica que ao ataque moral de Sócrates contra ela opõe um pathos de verdade própria. Reata desse modo a discussão sobre a retórica, encarada como instrumento da vontade de poder, discussão que Sócrates, com a inversão dialética do conceito de poder, fizera derivar, em seu favor, para o ético.”

No conceito de Cálicles, poder defender-se a si próprio constitui o critério do verdadeiro homem e uma espécie de justificação ética da tendência ao poder, como se o Estado primitivo se prolongasse até o presente. Quem não puder defender-se quando sofrer uma injustiça, mais lhe valerá morrer. Cf. Górg., 483B.” “As leis, a massa é quem faz, quer dizer, os fracos, que são os que concedem louvores e censuras segundo o padrão das suas conveniências.”

quando entra em cena um homem verdadeiramente forte, pisa em todo aquele amontoado de letras que são as nossas leis e instituições contrárias à natureza, e imediatamente volta a brilhar a chama do direito natural.” No caso de ser um homem verdadeiramente fraco, ídolo e ícone dos lumpen, chegou-se à desintegração máxima. É o direito natural não de uma casta legisladora na verdadeira acepção da palavra, mas o direito natural das bestas-feras.

Cálicles vê na educação apenas adestramento orientado no sentido de extraviar e iludir sistematicamente as naturezas fortes e a manter de pé o poder dos fracos. [Suma do Capital: pedagogia moderna] A formação começa na infância, como com os animais selvagens que se quer domesticar.” “Na concepção da lei como uma prisão contrária à natureza, Cálicles coincide com o sofista Antifonte e com a sua teoria do nomos e da physis.”

como cairá no ridículo sempre que pretender agir como pessoa privada ou pública, cada vez irá refugiando-se mais nos seus estudos, pois só neles se sentirá seguro. De tudo isto se depreende que, para fins de formação de paideia, é conveniente não se dedicar à filosofia senão durante certo tempo, pois, se o prazo deste estudo se prolonga, uma pessoa liberal torna-se servil, num estudo que agrilhoa o espírito e rouba totalmente a garra ao Homem. Esta maneira de encarar a paideia como uma simples fase da formação, para a qual se requerem só uns tantos anos, manifesta um perfeito antagonismo em relação ao elevado conceito de Platão, para quem ela abarca toda a vida do Homem.”

De que lhe adiantaria – diz – a sua filosofia da resignação perante a injustiça, se um belo dia o sepultassem na prisão e o acusassem injustamente de qualquer delito? Poderia acontecer que o acusassem de crime de morte, sem que ele <pudesse defender-se>. Podia acontecer que o esbofeteassem e que o autor da injúria se retirasse impune. A alusão à morte de Sócrates realça a força das palavras do cru realista aos olhos do leitor desta cena, que se supõe ocorrida muito tempo antes da condenação de Sócrates à morte.¹

Sócrates está satisfeito por ter enfim encontrado um adversário que diz abertamente o que pensa. Se conseguir fazê-lo incorrer também em contradição, já ninguém poderá objetar que Cálicles não exprimiu a sua verdadeira opinião, como Górgias e Polo.”

¹ Ao leitor cristão é inevitável também a associação com Cristo: sua altíssima e exigente moral demanda que a bofetada não seja paga nem defendida. Ninguém é digno de seguir esta elevada moral. Não há, no caso de Cristo, sentimento interno de injúria, nem ressentimento pela impunidade daquele que esbofeteia. Desde a bofetada já há uma corrupção: o não-nobre não está no lugar de esbofetear o nobre. Sequer passa pela sua cabeça – não se trata de sanção judicial ao ato vil. Isso, claro, numa República. Está errado bater como também está errado apanhar. É como a situação da mendicância na contemporaneidade: o princípio do justo caminho já foi perdido. Diante deste quadro, e somente deste quadro, tudo é permitido, nobres e vilões estão em equanimidade. Era do chorume.

Os modernos intérpretes de Platão fizeram muitas vezes da contradição entre esta maneira de definir o telos e a definição hedonística que dele se dá no Protágoras o ponto de partida para toda a sua concepção da evolução platônica, dando por certo que, até o Górgias, Platão não se elevou à altura moral do Fédon, com cuja tendência ao ascetismo e à positiva valoração ética da <morte> aquele coincide também.”

basta substituir, como norma, o prazer pelo bem, que é considerada a mais exata de todas as medidas por Platão, no Filebo, e por Aristóteles no Político, obra de juventude ainda acentuadamente platonizante.” O Político aristotélico não deve ser confundido com a sua Política, muito menos com o Político platônico.

E, como inequivocamente o Górgias nos ensina, a arete é aquilo cuja parousia faz os bons serem bons: quer dizer, é a Idéia, o protótipo de tudo o que é bom.”

Se o prazer e o desprazer não podem servir de norma à nossa conduta, a retórica tem de abandonar o posto diretivo que os seus representantes lhe atribuíam nos mais importantes assuntos da vida do Homem” “A escolha acertada do agradável e do desagradável, que só tenha a preocupação de saber se é bom ou mau: eis a missão decisiva da vida humana. Isto, porém, como o próprio Cálicles concede laconicamente a Sócrates, não incumbe a qualquer um.”

É agora que ganha significado pleno a interrogação de Sócrates sobre o caráter da retórica como saber, com que o Górgias principia. (…) dois tipos de vida (bioi) diferentes. Um baseia-se nas artes da lisonja, que na realidade não são artes, mas simples imagens enganosas delas. Atentando para a modalidade principal deste gênero, nós a chamamos de ideal retórico da vida.” “Em face dele aparece o tipo de vida filosófico. (…) trata-se, portanto, de uma verdadeira techne no pleno sentido da palavra (…) Esta terapêutica não existe só para o indivíduo, mas também para a coletividade. Por conseguinte, também a lisonja pode incidir sobre o indivíduo e sobre a massa. Platão aduz como exemplos da 2ª vários gêneros de poesia e de música, a música de flauta, a poesia coral e ditirâmbica e a tragédia. Todos eles visam exclusivamente [a]o prazer e, se neles descontarmos o ritmo, o metro e a melodia, ficará só a pura demegoria e a eloqüência pública (para a atitude negativa de Platão contribui, pois, a degeneração virtuosista da arte, na sua época). Esta concepção da poesia como parte da eloqüência, que mais tarde, adiantada já a Antiguidade, se generalizaria, aparece aqui pela 1ª vez, e tem em Platão um sentido francamente pejorativo.” “A análise da poesia segue a mesma linha que a da sofística e a da retórica, no Protágoras e no Górgias (…) O demos perante o qual o poeta aparece como retórico não é somente a parte masculina da cidade, mas uma massa mista de crianças, mulheres e homens, de livres e de escravos. No entanto, a retórica de primeiro plano, a que se dirige aos homens da cidade, ou seja, a retórica política, também não é melhor que o gênero por nós denominado poesia”

Se a grandeza de um estadista consiste realmente em satisfazer os seus próprios apetites e os da massa, então é indubitável que tais políticos merecem a fama que a História lhes confere. Porém, se a missão do estadista é infundir às suas obras determinada forma, um eidos tão perfeito quanto possível, para em seguida se orientar por ele, como fazem o pintor, o arquiteto, o construtor naval e todo e qualquer técnico, ordenando de modo lógico as partes do todo para que se ajustem bem, então chegaremos à conclusão de que aqueles estadistas não passaram de uns incompetentes. Assim como toda a produção de arte tem a sua forma e a sua ordem, de cuja realização depende a sua perfeição, e assim como o corpo humano tem o seu próprio cosmos, que chamamos de saúde, também na alma existe um cosmos e uma ordem.”

É certo que antes de Platão a língua grega não usa o termo cosmos neste sentido de ordem legal interior da alma; conhece, porém, o adjetivo kosmios, para exprimir uma conduta refletida e disciplinada. Também a lei de Sólon falava da eukosmia da conduta pública dos cidadãos e principalmente da juventude.”

devendo recordar-se que, no grego, a palavra <bom> não tem apenas o estrito sentido <ético> que hoje se dá a ela, mas é o adjetivo correspondente ao substantivo arete, e portanto designa toda a classe de virtude ou excelência.” “quando a língua grega designa o bem-estar com a expressão <fazer bem>, esta expressão encerra, para Platão, uma sabedoria mais profunda que a advertida por aqueles que a empregam: (…) <fazer bem> assenta pura e exclusivamente no <agir bem>.”

O que entre os deuses e os homens tem vigor não é a pleonexia, a ambição por mais; é a proporção geométrica. Mas de geometria nada entende Cálicles.”

Se se tratasse de se proteger contra as injustiças sofridas, não haveria outro caminho senão o de submeter-se incondicionalmente ao sistema político vigente na sua época. Quando um tirano furioso e desprovido de paideia domina o Estado, não tem outro remédio senão temer todo aquele que esteja espiritualmente acima dele. Jamais se poderá, pois, tornar seu amigo, e desprezará, ao mesmo tempo, os que forem piores do que ele. Por conseguinte, o tirano não poderá ter por amigos senão os que lhe sejam semelhantes, os que louvem e censurem o mesmo que ele louva e censura, e estejam, além disso, dispostos a se deixarem dominar por ele.”

Ambos aparecem colocados diante do mesmo problema: o de como se devem comportar para com o <tirano> do seu Estado – o demos ateniense – que exige sejam (sic) incondicionalmente respeitados os seus desejos. Sócrates mostrou que não ignora as conseqüências que a sua franqueza lhe pode acarretar e que está disposto a afrontá-las pelo bem da pátria. É Sócrates, o representante da virtude, quem é o herói. Cálicles, o defensor da moral do senhor, do direito do mais forte, é na realidade o homem fraco, que se adapta exteriormente para dominar, mediante a hábil flexibilidade do homem de palavras.”

Cálicles e Sócrates aparecem agora como a mais perfeita encarnação destes dois tipos de homem: o adulador e o lutador.”

É Platão quem, seguindo correntemente o hábito socrático da indagação dialética, introduz o conceito de exame na educação superior. Na República edifica totalmente sobre esta base a cultura do governante. Trata-se de um conceito tirado das technai dos especialistas: do médico, do arquiteto, etc., como o próprio Platão nos dá a entender pelos exemplos.”

Pelo que os seus críticos dizem dele, Péricles tornou os atenienses ociosos, covardes, tagarelas e ambiciosos, quando introduziu o pagamento de gratificações. Recebeu-os relativamente sossegados das mãos dos seus predecessores para convertê-los num povo revoltado, como a sua própria sorte o prova. Címon e Temístocles foram por esse povo enviados para o exílio, e Milcíades esteve para ser lançado no Hades.”

PRINCÍPIO DA ARETE DO S-H: “Ainda não existiu um estadista no sentido socrático da palavra. Os estadistas famosos de Atenas foram meros servidores do Estado, em vez de serem educadores do povo. Converteram-se no instrumento das fraquezas da natureza humana, que procuraram explorar, em vez de as superarem por meio da persuasão e da coação.”

Ninguém fale, porém, de ingratidão do povo que derrubar e expulsar os seus governantes. É o velho subterfúgio dos sofistas que têm a pretensão de educar os homens na virtude e se queixam de ingratidão quando os discípulos se portam mal para com eles e se recusam a pagar-lhes os honorários. Entre o sofista e o retórico não há diferença essencial, a não ser que por ela entendamos ser o retórico, que com tão grande desdém olha o sofista, muito inferior a ele na realidade, exatamente como o juiz o é em relação ao legislador e o médico em relação ao ginasta. Quando o retórico ou o sofista acusam quem dizem ter <educado>, é a si próprios e a sua educação que na realidade acusam.”

A opção pré-existencial da sorte da vida no além, que Platão pinta no final da República (617B-620D), serve de fundo metafísico a esta opção terrestre. A passagem do Górgias é, por sua vez, o desenvolvimento do tema da Apologia (29D) em que Sócrates opta também, ante o perigo iminente que ameaça a sua vida, pela conservação do seu bios filosófico.”

creio que somos pouquíssimos os atenienses (para não dizer que sou eu só) que nos esforçamos por praticar a verdadeira arte do Estado; talvez seja eu o único a defender a causa do Estado entre os homens deste tempo.”

É no Górgias que Platão abandona pela 1ª vez a simples atitude de exame e investigação predominante nos diálogos anteriores; apresenta ali o filósofo, na época em que esta investigação, de aparência meramente intelectual, e à qual ele atribui um tão alto valor para uma conduta reta, desvenda toda a sua profundidade, e em que o jogo, que ele veio seguindo de modo tão inexplicavelmente apaixonado, se transforma em luta contra o mundo inteiro, luta que exige o sacrifício da própria vida. Nos primeiros diálogos de Platão, a partir do Críton, soam de preferência os arpejos claros e alegres desta música filosófica, os quais atraem todos os amantes das musas. Mas quem não treme quando de repente ouve ressoar no Górgias as vozes profundas e brônzeas da sinfonia socrática e por trás daquela perfeita alegria capta o motivo da resignação diante da morte? Pela 1ª vez desde a Apologia aparecem aqui fundidas num todo a vida e a doutrina de Sócrates. Por entre a aparente indecisão lógica dos diálogos de Sócrates resplandece aqui a resolução incondicional da existência socrática, certa da sua meta final, uma existência, portanto, que já de algum modo deve possuir aquele saber tão ardentemente desejado e que exclui qualquer possibilidade de uma opção errônea da vontade.”

Platão expõe-no com a certeza – adquirida na unidade da palavra e da realidade na pessoa do seu mestre – de isto ser pura e simplesmente o autêntico Ser. O Górgias desvenda ao nosso olhar uma nova valoração da vida.”

Não é fácil considerar o Sócrates histórico o autor destas livres adaptações literárias dos mitos religiosos, mesmo que de vez em quando neles prendesse a atenção. Mas também não se pode aceitar, por corresponder a uma concepção excessivamente tosca da verdade espiritual, a hipótese tão difundida de que foi nas suas viagens ou de outro modo qualquer que Platão assimilou a influência dos mistérios órficos ou outros mitos parecidos, e os combinou, na sua concepção, com a ética socrática. [talvez se refira principalmente a Nietzsche? Pouco provável, haja vista a nota de rodapé a seguir.] Os mitos platônicos sobre o destino da alma no além-morte não são produtos dogmáticos de nenhum sincretismo histórico-religioso.(*) Interpretá-los assim seria menosprezar completamente a capacidade poética criadora de Platão, que neles atinge um dos seus pontos culminantes.

(*) Neste erro incorre a maioria dos investigadores que abordam o elemento órfico de Platão, movidos pelo interesse do historiador das religiões. O que vai mais longe neste sentido é Macchioro, que faz derivar do orfismo a maior parte da filosofia de Platão.”

Há 3 mundos e 4 reinos aquáticos no mais inferior deles (Fédon), mas quem liga, se somos apenas homens da segunda caverna que irão parar no Hades ou não? Nossa integridade ética ou a falta dela não se alterarão por causa disso.

SOBRE O VALOR DOS VALORES DE UM PONTO DE VISTA EXTRA-MORAL: “Sem um tal ponto de apoio num mundo invisível, a existência do homem que vive e pensa como Sócrates perderia o equilíbrio, pelo menos se for vista pelos olhos de seres limitados ao mundo dos sentidos. A verdade da valoração socrática da vida só se podia compreender se referida a um <além>, tal como o descrevia a linguagem vigorosa e sensível das representações órficas da vida post-mortem: uma morada onde se podia emitir um juízo definitivo sobre o valor e o desvalor, a felicidade e a ruína do Homem, onde a <própria alma> era julgada pela <própria alma>, sem o invólucro protetor e enganoso da beleza, da posição social, da riqueza e do poder. Este <juízo>, que a imaginação religiosa transpõe para uma 2ª vida, situada para além da morte, torna-se para Platão uma verdade superior, quando procura desenvolver até o fim o conceito socrático da personalidade humana como um valor puramente interior, baseado em si próprio.”

as injustiças passadas perduram na alma e formam a essência dela.”

As incuráveis – na maioria almas de tiranos e homens de poder, que já não é possível salvar com nenhuma terapêutica – são erigidas em exemplos eternos, paradeigmata,¹ para benefício das outras.”

¹ Paradigma e também arquétipo, norma.

Platão põe agora na pessoa do seu mestre a sua própria convicção apaixonada de ser Sócrates o verdadeiro educador de que o Estado precisa, e faz com que Sócrates, cheio de um sentimento da própria personalidade e com um pathos nada socrático, mas inteiramente platônico, denomine-se, baseado na sua pedagogia, o único estadista do seu tempo.”

Enquanto na Apologia este conflito podia ainda aparecer aos olhos de certos leitores como uma catástrofe isolada, o Górgias põe a descoberto que o pensamento de Platão gira sem cessar em torno daquele conflito.” “A Carta Sétima esclarece com precisão a perene importância filosófica que esta experiência vivida tem para Platão, e o faz com tal brilho que a obra e o testemunho pessoal se completam do modo mais perfeito.”

A crítica do Górgias dirige-se de maneira tão exclusiva contra os estadistas atenienses do presente e do passado, que há a aparência de que a vontade reformadora de Platão admitiria ainda a possibilidade de uma transformação política na sua própria pátria. No entanto, a Carta Sétima prova que já naquela época Platão não admitia tal possibilidade. Como é que o espírito socrático podia penetrar num Estado refratário até a medula, como o ateniense? Por trás do Górgias ergue-se já a idéia do Estado dos filósofos. A crítica demolidora do Estado histórico, contida nesta obra, não tende para a revolução violenta nem é a explosão de um fatalismo sombrio, de um estado de espírito calamitoso, o qual teria sido compreensível depois da bancarrota interna e externa de Atenas, subseqüente à guerra do Peloponeso.” O que é então? Um ligeiro escapismo que duraria 3 mil anos.

Para a maneira moderna de sentir confundem-se aqui duas missões distintas que, pelo menos até há pouco, era costume separarmos com rigor. A nossa política é política realista, a nossa ética individual, idealista.” “Foi no tempo de Sócrates que esta unidade sofreu o primeiro abalo sério. As razões do Estado e o sentimento moral dos indivíduos começaram a divorciar-se cada vez mais abertamente, à medida que se embrutecia a vida política e se tornava independente e mais afinado o sentimento moral dos melhores indivíduos. Esta ruptura da 1ª harmonia entre a virtude humana e a virtude cívica (…) constitui a premissa histórica do pensamento platônico sobre a filosofia do Estado. Era agora revelado que o poder do Estado de submeter os espíritos ao seu império – poder evidente na antiga cidade-Estado – tinha o seu reverso perigoso. Com o tempo, forçosamente levaria os indivíduos de cultura superior a enveredarem por atalhos e a afastarem-se do Estado ou a aplicarem-lhe a sua norma ética ideal, gerando desse modo um conflito insolúvel entre o seu modo de ver e o Estado real.”

A Idéia de Ser do Filho de Deus não é animada, mas um quadro na parede.

segundo o modo de ver de Platão, o Estado não pode ficar para trás em face desta evolução moral e tem de encetar o caminho de se converter em educador e médico de almas ou então resignar-se, caso não queira assumir esta missão, a ser considerado um organismo degenerado e indigno da sua autoridade.”

Longe de se opor ao saber profissional, é deste que ele tira o seu ideal.” “É precisamente ao chegar ao ponto da evolução em que esperamos deparar com o moderno conceito de consciência pessoal e de livre decisão moral do indivíduo que nós vemos este conceito ser de novo eliminado e em seu lugar instaurada uma verdade filosófica objetiva que reivindica para si o direito de dominar toda a vida da comunidade humana e, portanto, do indivíduo.”

Aquela brincadeira de infância: o último a chegar é a mulher do tirano.

3.8 O Mênon

No Protágoras, Sócrates procurara ganhar os sofistas para a sua causa. Mas quanto mais tentava aprofundar a sua tese de que a virtude só podia ser, em última instância, um saber, afastando-se assim da sua primitiva negação da possibilidade de a virtude ser ensinada, mais Protágoras resistia a aceitar que a sua pretensão de passar por mestre da virtude só podia ser salvaguardada mediante a aceitação do axioma socrático de que a virtude é um saber.”

uma vez estabelecida a equivalência entre a virtude e o saber e esclarecida a importância deste saber-virtude para toda a educação, tornava-se urgentemente necessária uma investigação especial do problema do que era o saber assim concebido. Pois bem, o Mênon é o primeiro diálogo em que se aborda esta investigação. Esta é, aliás, a obra mais chegada no tempo ao grupo de diálogos que anteriormente comentamos, e constitui, portanto, a resposta mais imediata de Platão ao problema colocado no Protágoras: que espécie de saber é aquele que Sócrates considera fundamental para a arete?” “Em nenhum momento poderia haver um programa da sua escola que limitasse a filosofia ao problema do saber, principalmente se esta palavra se concebe com a generalidade abstrata da moderna teoria do conhecimento e da lógica moderna.”

Segundo Platão, é em começar por inquirir primeiro o que é a arete em si, antes de se aventurar a dizer como se entra na posse dela, que se baseia a nova formulação do problema por Sócrates. Quando Sócrates condiciona a aquisição da arete à solução do problema da sua essência, ou seja, a um difícil e complexo processo intelectual, isto significa que a arete passou a ser algo problemático para ele e para a sua época.”

Mênon aprendeu com Górgias, seu mestre, a distinguir a virtude do homem e a da mulher, a do adulto e a da criança, a do homem livre e a do escravo.”

Este algo, a partir de cujo ponto de vista as virtudes não aparecem múltiplas e distintas, mas, ao contrário, são todas uma e a mesma virtude, é o que Platão denomina eidos. (…) A locução <olhando para> aparece com freqüência na pena de Platão e exprime plasticamente a essência do que ele entende por eidos ou idea.” O Ser grego é acessível através da visão, e não da reflexão cartesiana da representação. O olho reflete a luz (as cores, a forma) assim como na era moderna a ‘mente’ reflete a própria ‘idéia’ (o próprio olho refletindo a forma)!

o eidos platônico se elabora de maneira absolutamente concreta, com base no problema da virtude (arete). Se queremos saber o que é a saúde, não vamos averiguar se ela se manifesta de modo diverso no homem, na mulher, etc., mas procuramos, sim, captar o eidos, sempre e em todas as partes idêntico, da saúde.”

Precisamente, o eidos do bem ou da arete, do qual Platão fala, não é outra coisa senão esta concepção do bem <em totalidade>. O característico disso é que este bem <em totalidade> é ao mesmo tempo designado por Platão como o verdadeiro real e existente, o que repugna a uma equiparação com o nosso <conceito> lógico, com o universal. No Mênon, tal como nos diálogos anteriores, não deparamos nunca com uma verdadeira definição da arete, e é evidente, aliás, que semelhante definição não tem de momento nada que ver com o problema da virtude em si, quer dizer, da idéia. O <que é> é explicado como idéia e não como definição.”

É Aristóteles quem, de certo modo, rompe a marcha por este caminho errado, ao sustentar que foi Sócrates quem primeiro procurou definir os conceitos universais, que Platão hipostasiou em uma realidade ontológica e assim inutilmente duplicou.” “A maioria dos lógicos modernos segue os passos de Aristóteles nesta reconstituição do processo interior que levou Platão a estabelecer a teoria das idéias. A <escola de Marburgo>, que durante algum tempo preconizou com grande insistência e em numerosas publicações uma nova interpretação platônica, declarou-se energicamente contrária à concepção aristotélica. Veja-se principalmente Paul NATORP, Platos Ideenlehre (Marburgo, 1910). Esta reação não levou diretamente a esclarecer a compreensão da verdadeira posição histórica dos dois grandes filósofos, porque pecava em sentido contrário. (…) Julius STENZEL, no seu primeiro livro, Studien zur Entwicklung der platonischen Dialektik (Breslau, 1917, trad. inglesa de D.J. Allan, Oxford, 1940 [op. cit. em negrito]), foi quem soube tirar as conclusões acertadas desta tentativa frustrada da escola de Marburgo e aprofundar a verdadeira situação histórica da lógica platônica do Ser.”

Este conceito lógico universal parece tão evidente aos olhos de um moderno que se considera simples apêndice fastidioso e problemático aquilo em que a idéia platônica ultrapassa este conceito (…) ainda que nós distingamos claramente em Platão os 2 aspectos – o do lógico universal e o do ontológico real –, o certo é que para ele formam absolutamente uma unidade.”

os equívocos dos intérpretes modernos não provêm tanto de se interpretarem mal as palavras do próprio Platão, coisa dificilmente concebível em si mesma, como do fato de para elas terem transferido certas noções lógicas de origem posterior.” “Na opinião de Aristóteles, Platão fizera dos conceitos universais entidades metafísicas, atribuindo-lhes uma existência independente, separada das coisas captadas pelos sentidos. A verdade é que Platão nunca deu o segundo passo (o de <hipostasiar> os conceitos), simplesmente porque também não dera o primeiro, ou seja, a abstração dos conceitos universais como tais. Longe disso: para ele, o conceito lógico aparece ainda completamente envolto na roupagem da idéia.”

A relação destes esforços dialéticos comuns com o ato de visão intelectual que aparece no fim deste caminho esclarece-se na Carta VII, por meio da comparação com o ato de friccionar 2 pedaços de madeira até fazerem fogo.”

Além do alto grau de consciência lógica que Platão revela constantemente neste diálogo, é eloqüente neste sentido principalmente a grande quantidade de termos técnicos que ele usa para designar os seus diferentes passos metódicos. Para fazer um <exercício>, como Platão faz aqui, é necessário dominar as regras que se querem tomar como base. Neste sentido, é muito instrutiva a arte consciente da ilustração dos processos lógicos por meio de exemplos (paradigmas), cuja função Platão põe continuamente em relevo.”

a essência não admite, como p.ex. o Fédon ensina, um mais e um menos, e nenhuma figura o é em maior ou menor grau que outra qualquer. O círculo não é figura em grau mais alto do que o retângulo. Cf. Fédon, 93B-D et Mênon 74E.” // Geometria aristotélica: círculo é a figura por excelência.

arte experimental x a priori autocontido em si mesmo

Enquanto o Górgias, para traçar o esboço de uma nova techne ético-política, tomava antes a Medicina por modelo, o Mênon segue principalmente o exemplo das matemáticas.”

A transposição acima, da arte médico-hipocrática às matemáticas, obriga a entrada da reminiscência no arcabouço platônico. A idéia de reminiscência se torna uma necessidade filosófica (reminiscência como visão interior preexistente):

Para se aproximar da natureza desta intuição interior, Platão recorre ao mundo de idéias do mito religioso. E como os gregos não podem representar-se nenhuma intuição sem objeto real, e por outro lado o espírito do Homem – p.ex., o do escravo da investigação geométrica anterior – não viu nem conhece ainda nada de semelhante, Platão interpreta a existência potencial do conhecimento matemático na alma como uma visão comunicada a esta numa vida anterior.”

Interessa menos a Platão a idéia da imortalidade, como base necessária para o seu conceito da personalidade moral, do que a possibilidade de essa idéia servir de fundo a sua nova teoria de um saber de certo modo inato na alma do Homem. Sem aquele fundo, este saber ficará reduzido a uma idéia pálida e vaga. Em contrapartida, em conexão com a preexistência, abrem-se perspectivas inimagináveis em várias direções, e o conhecimento do Bem em si, que se investiga, alcança a completa independência em relação a qualquer experiência exterior e uma dignidade quase religiosa.”

Sócrates sempre se detivera no não-saber. Platão, ao contrário, sente-se impetuosamente impelido a ir avançando até alcançar o saber [impossível por definição, caso em que nos tornaríamos deuses, cf. O Banquete]. Apesar disso, é na ausência de saber que ele vê o sinal da verdadeira grandeza de Sócrates, pois Platão interpreta-a como as dores do parto de um tipo completamente novo de saber, que Sócrates trazia nas entranhas. Trata-se daquele conhecimento interior da alma que o Mênon procura captar com precisão e descrever pela 1ª vez: a intuição das idéias. (…) E não foi porque só a partir desse momento Platão tivesse sido capaz de vê-la assim; é que ele só a julgou possível de assim ser explicada aos outros a partir do momento em que abordou a tarefa de expor a natureza maravilhosa deste saber, que descobria dentro de si próprio a raiz da sua certeza.” “Platão demonstra logo, à luz do exemplo matemático do episódio do escravo, que a aporia é precisamente a fonte do conhecimento e da compreensão.” “A digressão matemática do Mênon serviu para pôr em destaque a fecundidade educadora das aporias e para as apresentar como a primeira fase na senda do conhecimento positivo da verdade.” “No Mênon não faz mais do que indicar a teoria de que o saber socrático é reminiscência, bem como a teoria da imortalidade e da preexistência, que haviam de ser desenvolvidas mais tarde, no Fédon, na República, no Fedro e nas Leis. (…) A aspiração à verdade não é outra coisa senão a expansão na alma do conteúdo que por natureza ela contém.” “Não é por alguém lhe ensinar, mas sim por tirar do seu próprio espírito o saber, que o escravo descobre a verdade da regra matemática.”

A coragem de investigar aparece aqui como a característica da verdadeira virilidade. Trata-se, evidentemente, de explicar as censuras de críticos como Cálicles, segundo os quais a entrega permanente à filosofia produzia efeito deprimente e tirava a virilidade ao homem.”

Fica, todavia, sem determinação plena a relação entre a justiça e a virtude por antonomásia e vemos que a essência desta não fica esclarecida por aquela definição, em que se comete o erro lógico de querer explicar a essência da virtude mediante uma parte dela, que é a justiça.” Só o sábio (detentor do valor dos valores) pode arbitrar. Não se arbitra sobre o valor dos valores, apenas sobre os valores, com base no valor dos valores.

a experiência parece demonstrar que não existem professores de virtude, e que até hoje nem os homens mais importantes do passado e do presente de Atenas foram capazes de transmitir aos próprios filhos as suas virtudes e o seu caráter. Sócrates está disposto a admitir que aqueles homens possuíam a arete, mas, se esta consistisse num saber, teria por força de se ter manifestado como força educadora.”

EU SEI, MAS NÃO SEI COMO SEI: “Assim, ao terminar o Mênon, continuamos, aparentemente, no mesmo lugar em que estávamos no Protágoras. Mas isto é só aparência, pois na realidade o novo conceito do saber que com o auxílio dos exemplos matemáticos adquirimos na parte central do Mênon abre-nos as perspectivas para um tipo de conhecimento que não é suscetível de ser ensinado do exterior, mas nasce na própria alma de quem o inquire com base numa orientação correta do seu pensamento. Em Platão, o encanto da arte socrática do diálogo consiste em que nem sequer aqui, quando estamos tão próximos de alcançar o resultado, ele nos serve por suas mãos, mas faz com que o encontremos nós próprios.” “Com efeito, a nova paideia não é suscetível de <ensino>, tal como os sofistas o concebiam, e deste ponto de vista Sócrates tinha razão ao negar a possibilidade de educar os homens pelo simples fato de instruí-los.”

uma vez que o ensino dos sofistas não conduz à arete e a arete que os estadistas possuem por natureza não pode transmitir-se a outros, parece que só por obra do acaso divino a arete pode existir no mundo, a não ser que se encontre um estadista capaz de converter em estadista um outro homem. Todavia, esta expressão <a não ser que>, que facilmente poderia passar despercebida, contém na realidade a solução do dilema, pois já sabemos pelo Górgias que, segundo a paradoxal tese de Platão, é Sócrates o único verdadeiro estadistas que torna os homens melhores.”

um talento e um dom naturais que não saibam dar razão de si próprios.”

Já antes de abandonar o corpo, o espírito de Sócrates paira no Fédon, como o cisne apolíneo sobre as pradarias do Ser puro; no Banquete, em contrapartida, Platão apresenta o filósofo como a forma suprema do homem dionisíaco e o conhecimento da beleza eterna, a cuja visão ele se eleva, como a satisfação suprema do primitivo impulso humano, do eros, do grande daimon que mantém coeso, interior e exteriormente, o cosmos. Na República, finalmente, o saber do filósofo revela-se como a fonte, na alma, de toda a força legisladora e criadora de comunidades.”

o conhecimento do <sentido> é a força criadora que tudo dirige e tudo ordena.”

3.9 O Banquete

Já no Lísis, um dos seus mais graciosos diálogos menores, Platão colocara o problema da essência da amizade, frisando com isso um dos temas fundamentais da sua filosofia, que mais tarde desenvolveria em toda a sua plenitude, nas grandes obras da sua maturidade que tratam do eros: o Banquete e o Fedro.”

A sua teoria da amizade constitui o nervo de um modo de considerar o Estado, no qual vê primordialmente uma força educadora. Na República e na Carta Sétima, Platão fundamenta o seu afastamento de qualquer atividade política na carência total de amigos e camaradas certos que o pudessem ajudar na empresa da renovação da polis.¹ Quando a comunidade sofre de uma doença orgânica que lhe afeta o conjunto ou é destruída, a obra da sua reconstrução só pode partir de um grupo reduzido, mas fundamentalmente são, de homens com idênticas idéias, o qual sirva de célula germinal para um novo organismo”

¹ Eis o mal de todo “bom filosófo”!

É, portanto, um problema que ultrapassa em muito o âmbito que nas modernas sociedades, extremamente individualizadas, chamamos amizade. Para compreendermos claramente o verdadeiro alcance do conceito grego da philia, precisamos apenas seguir o desenvolvimento posterior deste conceito até chegarmos à teoria da amizade, sutilmente matizada, da Ética a Nicômaco.”

A psicologia trivial que em tempos de Platão se esforçava, com pouco êxito, por encontrar uma explicação para a amizade atribuía-a quer à semelhança de caráter quer à atração dos contrários. Elevando-se acima deste campo exterior de simples comparações psicológicas, o Lísis de Platão, em audacioso avanço, descobre o novo conceito de <primeiro amado>, que Platão exige e pressupõe como fonte e origem de toda a amizade entre os homens.” “por trás daquele <primeiro amado>, em virtude do qual amamos tudo o mais, estava o supremo valor, que o Bem encerra em si. A data do Lísis e a sua significação para o problema da evolução filosófica de Platão foram objeto de uma interessante polêmica entre M. POHLENZ (em Göttinger Gelehrte Anzeigen, 1916, núm. 5) e H. VON ARNIM (em Rheinisches Museum, Nova Série, t. LXXI, 1916, p. 364). A minha opinião coincide com a de Arnim quanto à origem mais antiga do Lísis.”

Com o próprio título da obra Platão indica já que, ao contrário do que ocorre na maioria dos seus diálogos, ela não gira em torno de uma figura central. Não estamos diante de um drama dialético como o Protágoras ou o Górgias. E ainda menos a podemos comparar a obras puramente científicas do tipo do Teeteto¹ ou do Parmênides, onde se expõe sobriamente o esforço realizado para resolver determinado problema.”

¹ https://seclusao.art.blog/2018/08/24/teeteto-ou-da-natureza-do-saber-ou-do-conhecimento-ou-acerca-da-nocao-de-silaba-e-sobre-narizes-achatados/

À volta da mesa do poeta trágico Ágaton, congregam-se representantes de todos os tipos de cultura espiritual da Grécia. Aquele poeta acaba de alcançar no agon dramático um brilhante triunfo e é ao mesmo tempo o festejado e o anfitrião. Mas é Sócrates quem, dentro de um círculo restrito, alcança o triunfo no agon dos discursos, um triunfo mais poderoso que o aplauso das 30 mil ou mais pessoas que no dia anterior aclamaram Ágaton no teatro. (…) Além do trágico, está presente Aristófanes, o melhor comediógrafo da época; e, dado que os discursos destas figuras marcam indubitavelmente o ponto culminante de todo o diálogo, antes de Sócrates, como último de todos, começar a falar, o resultado é o Banquete se tornar a encarnação visível do primado da filosofia sobre a poesia, primado que Platão postula na República. Para alcançar esta dignidade, a filosofia teve de converter-se também em poesia, ou pelo menos criar obras poéticas de 1ª grandeza, que, graças a sua força imortal e independentemente de toda a luta de opiniões, patenteassem ao nosso olhar a sua essência.”

A combinação da paideia aristocrática de Teógnis com o amor do poeta pelo distinto jovem Cirno, a quem dirige as suas exortações, ilumina a relação existente entre o banquete e o eros educacional que inspirou o Banquete platônico. (…) os banquetes (…) figuravam entre as formas fixas de sociabilidade de mestres e alunos”

Entre os títulos das obras perdidas de Aristóteles e outros discípulos de Platão aparecem mencionadas leis minuciosas destinadas a regulamentar os banquetes, semelhantes às que Platão preconizava nas Leis.(*) No início desta obra dedica um livro inteiro ao valor educacional do beber e das reuniões de bebedores, defendendo estas práticas contra os ataques de que eram alvo.

(*) Segundo ATENEU, V, Xenócrates, discípulo e segundo sucessor de Platão, escreveu as Leis para o banquete, destinadas à Academia; e outro tanto fez Aristóteles para a escola peripatética.”

A escola de Isócrates adota a atitude contrária. Reflete-se nela a sobriedade do mestre, que via no excesso de bebida a ruína da juventude ateniense. E nem sobre o eros pensava diferentemente. Mas Platão obriga as duas forças, Eros e Dioniso, a se colocarem a serviço da sua idéia. (…) Ele julga que, sem o impulso e o entusiasmo inesgotáveis e incessantemente renovados das forças irracionais do Homem, jamais será possível atingir o cume daquela transfiguração suprema que atinge o espírito, quando este contempla a idéia do Belo. A união do eros e da paideia, eis a idéia central do Banquete.”

Desconhecemos as experiências pessoais vivas que serviram de base a este processo de purificação. Sabemos que inspiraram uma das maiores obras poéticas da literatura universal.”

Censura os poetas, porque tendo por missão cantar em hinos os deuses, esqueceram-se de Eros, e propõe-se, em conseqüência, preencher esta lacuna, cantando em prosa o panegírico deste deus.”

Pausânias, sem abandonar o tom mitologizante do discurso de Fedro e firmando-se na dupla natureza de Afrodite, a serviço da qual se encontra Eros, distingue o Eros Pândemos e o Eros Urânios.” “O eros usual e corrente, o instinto irrefletido e vulgar, é vil e repudiável, porque tende à mera satisfação dos apetites sensuais; em contrapartida, o outro é de origem divina e o impulsiona o zelo de servir ao verdadeiro bem e à perfeição do amado.”

Na Élida e na Beócia, i.e., nas regiões da Grécia espiritualmente menos desenvolvidas e estagnadas numa fase de cultura arcaica, considera-se o eros como algo simplesmente intocável. Sucede o contrário na Jônia, quer dizer, de acordo com a interpretação de Pausânias, na parte do mundo helênico mais afim da maneira de ser asiática, onde o eros é rigorosamente castigado. O orador explica o fato pela influência dos bárbaros e das suas concepções políticas.” “Também não se pode negar que, segundo a lenda histórica, a democracia ateniense foi fundada por uma dupla de tiranicidas, Harmódio e Aristogeíton, unidos pelo eros para a vida e para a morte.” “Ao contrário da atitude de outros Estados que se citam, a atitude de Atenas e de Esparta não é de aprovação nem de condenação, mas antes equívoca e complexa.”

a opinião defendida por Pausânias procede essencialmente da própria Esparta, como também acontece com a prática da pederastia como tal. Este costume, derivado da vida nos acampamentos militantes da época das migrações das tribos – época muito mais próxima entre os dórios que entre os demais gregos e que se prolongava no modo de vida da casta guerreira espartana (…) Quando Esparta caiu e a sua influência específica desapareceu, o que sucedeu pouco depois da época em que nasceu o Banquete, a pederastia declinou rapidamente, pelo menos como ideal ético, e só perdurou nos séculos posteriores da Antiguidade como prática viciosa e desprezível dos cinaedi.” Werner escreve de uma perspectiva inevitavelmente homofóbica. Mas estes cinaedi com certeza são depravados sadomasoquistas da decadente Roma, como a palavra indica: usavam chicotes para torturar e lacerar suas vítimas, i.e., interesse libidinal e amoroso, assim como o doentio Ultra-Romantismo vai idealizar em obras como Venus in Furs.

A Platão, acontece-lhe com o eros o mesmo que com a polis e com a fé da velha Grécia, na qual se baseava: como poucos espíritos daquela época de transição, sente de maneira forte e pura todas aquelas idéias, mas transmite ao novo mundo, em cujo centro metafísico a projeta, apenas a imagem transfigurada da essência ideal delas.” Amizade platônica: essência ideal da pederastia. O gozo do professor em ensinar e do aluno em aprender.

Uma terceira forma de tradição espiritual é a que se manifesta no discurso de Erixímaco. Como médico, parte da observação da natureza, sendo que o seu horizonte visual não se limita ao Homem” “Erixímaco defende sistematicamente o poder gerador de Eros como princípio do devir de todo o mundo físico (…) À primeira vista, parece impossível estabelecer, do ponto de vista da physis, qualquer divisão entre as diferentes formas ou modalidades do eros, por um critério de valor moral, como Pausânias procurara fazer, partindo do nomos vigente na sociedade humana. (…) Na sua opinião, o denominador comum a que aquela distinção de ordem moral deve reduzir-se é a distinção entre o são e o enfermo.” “Compreendemos agora por que Platão escolheu um médico para representante da concepção naturalista. Ele o fez precisamente em vista desta distinção, que conduz à submissão do eros a um critério valorativo.” “O seu conceito da concórdia harmônica baseia-se na teoria heracliteana dos contrários, que aliás desempenhava também considerável papel no pensamento médico da época, como revela principalmente a obra pseudo-hipocrática Da Dieta.” Littré pende mais para “hipocratizar” ambos os livros “hipocráticos” sobre dieta alimentar.

Devem conceder-se todos os favores ao homem casto e conservar o seu eros; mais ainda, é preciso empregá-lo como meio para transplantar esse recato e essa moral para os homens que ainda os não possuem. Tal é o eros uranios, o amor pela musa Urânia. Em contrapartida, deve ser aplicado com cautela o eros pandemos, a inclinação para a musa Polímnia. (…) algo assim como o médico usa e fiscaliza as artes do cozinheiro.

Na sua intervenção, Erixímaco faz do eros uma potência alegórica tão universal, que a sua substância corre o risco de desaparecer no seio do geral. Em contrapartida, o comediógrafo Aristófanes volta, no seu engenhoso e genial discurso, a orientar-se para os fenômenos humanos concretos do amor”

Este impulso nostálgico todo-poderoso que em nós palpita só pode ser compreendido pela especial natureza do gênero humano. No grotesco mito da forma esférica do homem primitivo (…) vemos expressos, com a profundidade da fantasia cômica de Aristófanes, a idéia que até agora buscamos em vão nos discursos dos outros. O eros nasce do anseio metafísico do Homem por uma totalidade do Ser, inacessível para sempre à natureza do indivíduo.” “O amor por outro ser humano é aqui focalizado à luz do processo de aperfeiçoamento do próprio eu. Esta perfeição só é atingível na relação com um tu (…) Aristófanes focaliza o problema em toda a sua extensão, não só como amor entre 2 seres do mesmo sexo, mas sob todas as formas em que se apresenta. (…) Não é, evidentemente, a união física que faz com que um sinta um prazer tão grande com a presença do outro e a ela aspire com tanta força, mas é indubitavelmente uma coisa diferente o que a alma de ambos quer”

Assim como o saber era concebido no Mênon como um voltar a recordar o ser puro contemplado na preexistência, assim o eros aparece agora como a nostalgia da totalidade da natureza primitiva do Homem, tal como numa era anterior do mundo existiu, e portanto como orientação estimuladora em direção a algo que eternamente devia ser.” Um quê já de desembocadura no niilismo.

se pusermos este mito diante do espelho do discurso de Diotima, veremos bem que já se entrevê de maneira vaga, através dele, a norma do Bem, na qual encontram realização plena todo verdadeiro amor humano e toda amizade autêntica.

O último discurso antes daquele de Sócrates, reverso consciente da franca e expressiva pintura burlesca do poeta cômico, é o panegírico do jovem Ágaton (…) o mito de Aristófanes elevara o tema do eros acima da amizade masculina e convertera-o no problema da essência do amor em geral; na subseqüente declamação do poeta trágico em moda, tão aplaudido, a quem a comédia coeva [daquele tempo] motejava por ser amigo das mulheres, o tema da pederastia passa completamente para o segundo plano¹ (…) A imagem do eros traçada por Ágaton é a menos psicológica do mundo, coisa surpreendente, sobretudo se a compararmos com o discurso imediatamente anterior de Aristófanes, baseado inteiramente na ação exercida pelo eros sobre a alma humana. Ao contrário, o relato de Ágaton tem forte tendência para o idealismo.”

¹ Podemos dizer com confiança: como na obra de Jaeger inteira.

É a sua própria imagem refletida num espelho que ele nos pinta com enleio narcisista, na sua descrição de Eros.” “É este discurso que Platão escolhe para fundo imediato do discurso de Sócrates. Põe o esteta, sensualmente refinado e conhecedor, em contraste com o asceta filósofo”

Todo o eros representa um anseio por qualquer coisa que não se tem e se deseja ter. Por conseguinte, se Eros aspira ao Belo, é porque não é ele próprio o Belo (…) É a partir desta base dialética negativa que Platão desenvolve a teoria de Sócrates e de Diotima. Não é, contudo, em forma didática que ele a desenvolve, mas sim sob a forma do mito em que Eros aparece como descendente de Poros (riqueza) e de Penia (pobreza)”

Sócrates deixa Ágaton em paz assim que este, após as primeiras perguntas, lhe confessa, alardeando amável fraqueza, que já se sente como se não soubesse absolutamente nada de tudo o que acabava de falar. Assim se atam os pés à ânsia de saber mais que os outros, ânsia malsoante em boa sociedade. Mas a conversa é levada dialeticamente ao seu termo pelo recurso da sua deslocação para um passado remoto e da conversão de Sócrates, de interrogador molesto e temido que era, em ingênuo interrogado. Põe-se a contar aos convidados uma conversa que teve há muito tempo com a profetisa de Mantinéia, Diotima, acerca do eros.”

No domínio da religião grega, a forma dos mistérios era a forma mais pessoal da fé e Sócrates descreve aqui, como visão por ele vivida pessoalmente, a ascensão do filósofo até o mais alto cume, onde se conserva a nostalgia do eternamente belo, que palpita no fundo de todo o eros.”

Também não é um ser moral; é, sim, algo intermediário entre o moral e o imoral, um grande daimon que age como intérprete entre os deuses e os homens.”

Os deuses não filosofam nem aprendem, porque estão na posse de toda a sabedoria. Por sua vez, os tolos e os ignorantes não aspiram a adquirir conhecimento, pois o verdadeiro mal da incultura reside precisamente em que, sem nada saber, julga saber muito. Só o filósofo aspira a conhecer, pois sabe que não conhece e sente necessidade de conhecer. O filósofo ocupa um lugar intermediário entre a sabedoria e a ignorância; é por isso que só ele está apto para a cultura e se esforça sincera e seriamente por adquiri-la.”

À imagem do Eros traçada por Ágaton, a qual era simplesmente uma representação do ser amável e amado, Platão opõe, por conseguinte, uma imagem que tira os seus traços da essência do amante.”

O fato de que, apesar de tudo, a linguagem não chame de eros ou eran toda a vontade, mas reserve aquele nome e aquele verbo para exprimir certos anseios, tem, segundo Platão, o seu paralelo em outras palavras, como poiesis, ‘poesia’, a qual, embora signifique apenas ‘criação’, foi no entanto reservada pelo uso para um determinado tipo de atividade criadora. Na realidade, esta nova consciência de quanto há de arbitrário nesta ‘delimitação’ do significado de termos como eros ou poiesis não é senão um fenômeno concomitante do alargamento deste conceito, por obra de Platão e da operação pela qual ele procura enchê-lo de um conteúdo universal.”

São as palavras de Diotima o melhor e mais conciso comentário deste platonizante conceito aristotélico [?] do amor de si próprio.”

Por outro lado, esta transmutação parece privar o eros do seu sentido finito, verdadeiro e imediato, que é o desejo de algo concretamente belo. É por isso que Platão lhe faz justiça na parte seguinte do discurso de Diotima.” “A vontade física da procriação ultrapassa amplamente a esfera humana. Se partirmos do fato de que todo o eros é ânsia de ajudar o eu próprio autêntico a realizar-se, o impulso à procriação e perpetuação dos animais e dos homens aparecerá como a expressão do impulso de deixar no mundo um ser igual a eles próprios.”

Todo o eros espiritual é procriação, ânsia de cada um eternizar a si próprio numa façanha ou numa obra amorosa de criação pessoal que perdure e continue a viver na recordação dos homens. Todos os grandes poetas e artistas foram procriadores deste tipo e o são igualmente, no mais alto grau, os criadores e modeladores da comunidade estatal e doméstica.”

Para ele só é digna de se viver uma vida que decorra na constante contemplação desta beleza eterna. Não se trata portanto de um ato de contemplação a partir de um momento especial, de um momento estético de deslumbramento. A exigência de Platão só pode ser satisfeita por uma vida humana inteira projetada para esta meta (TELOS).”

O belo e o bom não passam de dois aspectos gêmeos de uma única realidade, que a linguagem corrente dos gregos funde numa unidade, ao designar a suprema arete do Homem como <ser belo e bom> (KALOKAGATHIA).” “Ora, para Platão existe absoluta harmonia entre o cosmos físico e o cosmos moral.”

já no amor pela beleza corpórea, fala-se dos ‘formosos discursos’ que provoca.”

Não é no afastamento do mundo daquele que conhece que se deve traduzir na prática esta separação da idéia universal do Belo das suas manifestações finitas.”

O sentido e razão de ser de toda a paideia é fazer triunfar o Homem dentro do homem. A distinção entre o homem-individualidade-fortuita e o homem superior serve de base para todo humanismo. Foi Platão quem tornou possível a existência do humanismo com esta concepção filosófica consciente, e o Banquete é a obra em que pela 1ª vez se expõe esta doutrina.”

Platão não deixa a obra terminar pelo afastamento do véu que cobre a idéia do Belo e pela interpretação filosófica do eros. A obra culmina na cena em que Alcibíades, à cabeça de um bando de companheiros ébrios,¹ irrompe casa adentro e em audacioso discurso aclama Sócrates como mestre do eros (…) A sua paixão pedagógica impele-o para todos os jovens belos e bem-dotados, mas no caso de Alcibíades é a profunda força de atração espiritual, que irradia de Sócrates, que surte efeito e que, invertendo a relação normal de amante e amado, faz com que seja o próprio Alcibíades a aspirar em vão pelo amor de Sócrates”

¹ O coro.

A tragédia do amor de Alcibíades por Sócrates, a quem procura e de quem ao mesmo tempo quer fugir, pois Sócrates é a consciência que o acusa a ele mesmo, é a tragédia de uma natureza filosófica esplendidamente dotada” “É a instintiva veneração do forte por aquilo que compreende ser a força (…) e a aversão que a debilidade do ambicioso e do invejoso sente contra a grandeza moral da verdadeira personalidade” “É indubitável que Alcibíades queria ser discípulo de Sócrates, mas a sua natureza não o deixa separar-se de si próprio. Alcibíades encarna o tipo que melhor podia servir a Platão para ilustrar que era aquele tipo que realmente Sócrates queria: é o jovem de aspirações geniais que toma nas suas mãos os assuntos dos atenienses, sem contudo preocupar-se consigo mesmo, embora isso lhe fosse tão necessário (Banq., 216 A). (…) Alcibíades queria trabalhar na edificação do Estado antes de edificar o <Estado dentro de si mesmo> (cf. Rep. IX, final).

Afinal de contas – flashback –: a virtude pode ser ensinada?

R: Não para alces!

3.10 A República – I

R.L. NETTLESHIP, The Theory of Education in the Republic of Plato (Chicago, 1906).

Nem o próprio Aristóteles, a quem costumamos chamar o sistemático por antonomásia, emprega ainda a palavra <sistema> com este significado.”

A criação de um tipo elevado de Homem, de que nos fala o Estado platônico, nada tem a ver com o povo em conjunto, concebido como raça.”

Os idiotas do Hades ou fundo oceânico.

ocupam livros inteiros (os livros 2 e 3) os debates sobre a música e a poesia; o problema do valor das ciências abstratas é colocado num lugar central (livros 5 a 7), e no livro 10 volta a ser examinado o problema da poesia, a partir de novos pontos de vista. Uma aparente exceção ao que foi dito é a investigação das formas de governo nos livros 8 e 9.”

Grandioso tema para os juristas, não só do nosso tempo, mas também da época de Platão, que pela primeira vez fez surgir a ciência comparada do Estado! Mas nem sequer sob este ponto de vista a atenção do filósofo incide sobre a vida jurídica real; é na teoria das ‘partes da alma’ que desemboca a investigação do problema do que é justo.”

O intérprete neoplatônico Porfírio sublinhava acertadamente que a teoria das partes da alma em Platão não é psicologia no sentido corrente, mas sim psicologia moral. Aristóteles não a adota na sua obra de psicologia, mas usa-a nos trabalhos éticos. O seu significado é pedagógico. Veja-se o meu Nemesios von Emesa (Berlim, 1913), p. 61.”

Cf. GOMPERZ, Griechische Denker, t. II. Gomperz defende que a descrição da educação dos governantes da República (livros 6-7) é apenas um pretexto para expor a epistemologia e a ontologia próprias de Platão. No mesmo sentido, Gomperz vê na educação dos guardiões, nos livros 2-3, outro pretexto que torna possível para Platão examinar extensamente toda a espécie de problemas nos diferentes campos da mitologia, da religião, da música, da poesia e da ginástica. Como se mostrará com a nossa análise da República, a essência da paideia platônica requer todos os elementos que Gomperz enumera, e teria sido impossível fazer a sua exposição sem a relacionar com eles num sentido filosófico. A paideia não é um simples elo externo que faz da obra um todo; constitui a sua verdadeira unidade interna.”

esta atitude (…) é típica da incompreensão do séc. XIX por esta obra de Platão. A ciência, que se elevava a uma orgulhosa altura a partir da sabedoria acadêmica do humanismo, já era (…) incapaz de compreender a sua própria origem. Este ideal científico desenvolveu-se nas ciências naturais, onde o foi buscar a filologia, com um desconhecimento total da sua própria essência.”

Um século antes, Jean-Jacques Rousseau soubera aproximar-se bem mais do Estado platônico, ao declarar que a República não era uma teoria do Estado, como pensavam aqueles que só julgavam os livros pelos títulos, mas sim o mais formoso estudo jamais escrito sobre educação.”

Hipódamo e Faleas, cujas utopias ainda conhecemos, nas suas linhas gerais, pela Política de Aristóteles, apresentam, como é próprio do espírito da época do racionalismo, esboços de uma ordem social justa e duradoura, cuja forma esquemática recorda, de certo modo, a geometria dos planos arquitetônicos traçados para a cidade pelo mesmo Hipódamo.

Veja-se o ‘Anônimo de Jâmbico’ em DIELS, Vorsokratiker, t. II 5ª.ed.”

Para o discípulo de Sócrates, já não pode significar a mera obediência às leis do Estado a legalidade que tinha sido outrora o baluarte protetor do Estado jurídico, perante um mundo de poderes feudais anárquicos e revolucionários.” “A lei, que fôra calculada para uma vigência longa e até eterna, mostrou-se necessitada de reformas ou ampliações.” “O direito torna-se uma simples função do poder.”

Como representante da filosofia da força de Cálicles, é escolhido na República o belicoso sofista Trasímaco; além disso, apesar da lúcida arte platônica da variação, deparamos também com algumas repetições da cena do Górgias.”

Glauco e Adimanto, em dois discursos que se sucedem um ao outro, expõem belicosamente o problema, numa forma rigorosa, a única que pode satisfazer a juventude da sua geração: é a justiça um bem que se deva buscar por si próprio ou apenas um meio que acarreta determinada utilidade? Ou figurará entre as coisas que amamos tanto por elas mesmas como pelos seus benéficos resultados?”

Quem dentre nós, na posse de um tal anel, teria na alma a firmeza adamantina necessária para resistir ao poder da tentação? (…) Já mencionamos a importância que tem o problema de o Homem, na presença de testemunhas, agir com tanta freqüência diferentemente de quando está só. (…) O conto do anel de Giges é em Platão símbolo genial desta concepção naturalista do poder e das aspirações humanas. Se queremos conhecer o verdadeiro valor da justiça para a vida do Homem, não temos outro caminho senão comparar a vida de uma pessoa completamente injusta, mas cujo verdadeiro caráter permaneça oculto, e a vida de um homem que, sendo verdadeiramente justo, não saiba ou não queira guardar sempre com o maior cuidado as aparências externas do direito, tão importantes.” “Porventura não exaltaram igualmente este ideal apenas pela recompensa que os deuses concedem ao justo?”

Adimanto fala impelido visivelmente por uma verdadeira angústia interior e, sobretudo para o final do discurso, as suas palavras respiram a sua experiência pessoal. Platão o faz representante da geração a que ele próprio pertencia. É assim que se tem de interpretar a escolha dos seus irmãos como interlocutores chamados a impulsionar a investigação e a formular em termos exatos, perante Sócrates, o problema que ele procura resolver.”

cada palavra sua é um golpe de crítica vibrado contra a educação até ali misturada, precisamente à base daqueles velhos poetas clássicos e daquelas famosíssimas autoridades morais, que na alma da juventude, tão reta no seu pensar, deixam cravado o espinho da dúvida. Platão e os seus irmãos eram o produto daquela antiga educação e consideravam-se vítimas dela.” “Adimanto insiste em que ao avaliar a justiça se prescinda completamente da utilidade social que traz consigo (…) A expressão que corresponde à utilidade social da arete é doxa. Na ética grega antiga, esta palavra corresponde sempre à arete e é equivalente a esta. Um bom exemplo de doxa neste sentido (reputação) está em SÓLON (frag. 1,4 Diehl). Portanto, Platão pretende aqui desligar a arete da sua vinculação a esta doxa.”

As pequenas censuras da voz interior, diz Adimanto, são facilmente abafadas pela experiência de que a injustiça permanece quase sempre ignorada; e a consciência religiosa de que o olhar de Deus nos vê pode ser contrariada com um pouquinho de ateísmo ou com as fórmulas rituais de qualquer religião de mistérios que permita ao Homem purificar-se das suas culpas.” “Formulado assim o problema da justiça, a investigação eleva-se a uma altura contemplativa a partir da qual todo o sentido da vida – tanto o valor moral como a felicidade – aparece deslocado exclusivamente para a vida interior do Homem. (…) não há outro caminho senão este, para se fugir ao completo relativismo implícito na teoria do direito do mais forte.”

A julgar pelo título da obra, pensar-se-á que o Estado será finalmente proclamado como a verdadeira e fundamental finalidade da longa investigação sobre a justiça. Mas Platão trata esse tema pura e simplesmente como um meio para um fim, e o fim é pôr em relevo a essência e a função da justiça na alma do Homem.”

A conseqüência inevitável desta elefantíase dos Estados, que se conservam tanto mais saudáveis quanto menores forem as suas proporções, é a ânsia territorial, pelo desmembramento e anexação de pedaços dos Estados vizinhos. Desvendamos assim a origem da guerra, que sempre nasce de causas econômicas. Platão refere-se aqui à guerra como um fato dado, reservando expressamente para outra investigação o problema de saber se a guerra é boa ou má. Como é natural, o passo imediato é a criação do ofício de guerreiro.” “O fato de lhes dar o nome de ‘guardiões’ já tem implícita a limitação das suas funções à defesa.”

logo nos vemos convertidos em escultores, aos quais é entregue a missão de formar, por assim dizer, com mão de artista, através da seleção dos caracteres mais adequados e da sua educação, o tipo de ‘guardião inteligente e valoroso’.”

Para o guerreiro ser um bom guardião dos seus, a sua alma tem de reunir, como os bons cães, duas qualidades aparentemente contraditórias: doçura para com os seus e agressividade contra os estranhos. E a ironia de Platão vê nesta qualidade um traço filosófico, já que tanto os cães como os ‘guardiães’ avaliam a diferença entre as pessoas conhecidas e as desconhecidas, como critério do que julgam seu e do que reputam estranho.”

quanto mais entramos nos pormenores da paideia dos ‘guardiões’, tanto mais nos penetra a sensação de irmos perdendo completamente de vista a chamada investigação fundamental sobre a justiça. É certo que, numa obra que se apresenta na forma de um diálogo tão ramificado, temos de aceitar como impostas de certo modo pelo tipo de composição muitas coisas que submetem a dura prova o nosso sentido sistemático da ordem

A educação dos ‘guardiões’ de acordo com um sistema legalmente estabelecido pelo Estado é uma inovação revolucionária de alcance histórico incalculável. É a ela que em última instância remonta a exigência do Estado moderno sobre a regulamentação autoritária da educação dos cidadãos, defendida principalmente desde o Século das Luzes e a época do absolutismo por todos os Estados, qualquer que fosse a sua forma de governo.” “em nenhum lado, fora de Esparta, existia, segundo testemunha Aristóteles, uma educação organizada pelo próprio Estado e pelas autoridades.”

Para ele, a solução do duplo problema da formação do corpo e da alma é a paideia da Grécia Antiga, com a sua divisão em ginástica e música, paideia que, portanto, ele conserva como base.”

o que é decisivo assenta precisamente na fecunda tensão entre o seu radicalismo conceitual e o seu sentido conservador a respeito da tradição espiritualmente plasmada. Por isso, antes de darmos ouvidos à sua crítica, é importante deixar claro que é sobre a paideia da antiga Grécia (por mais reformas que nela se introduzam) que a sua nova concepção filosófica repousa.” “Este debate não é, por conseguinte, um problema filosófico acessório, como o crítico moderno costuma pensar, mas tem para Platão uma importância filosófica absoluta.”

não há nada mais despropositado que o à-vontade com que nos pomos a contar às crianças histórias sobre qualquer tipo de homens. (…) aqueles que contam histórias e lendas devem ser vigiados, pois deixam na alma da criança um traço mais duradouro que as mãos dos que lhe cuidam do corpo. (…) É certo que um fundador de Estados não pode ser, como tal, um poeta, mas deve, sim, ter uma consciência clara dos tipos gerais que os poetas tomam como base das suas narrações. (…) Diante do olhar do leitor atual de Homero ou de Hesíodo aparecem imediatamente numerosas cenas que ele não julgaria diferentemente de Platão, se as medisse pela tabela do seu próprio sentimento moral.”

Só se pode recomeçar do zero porque o zero absoluto se chama Heleno.

Ser belo ou não? Eis o dilema do atraente.

Há uma continuidade ininterrupta que vai destes antiquíssimos testemunhos de condenação religiosa e moral de Homero até os Padres cristãos da Igreja, os quais não poucas vezes tiram das obras destes filósofos pagãos os seus argumentos e até as suas palavras contra o antropomorfismo dos deuses gregos. No fundo, a série começa logo com o próprio poeta da Odisséia, visivelmente preocupado em atribuir aos seus deuses, e de modo especial a Zeus, uma atitude mais digna do que a manifestada na Ilíada.”

É por isso que esta atitude se torna de tão difícil compreensão para o homem atual, visto não haver muito tempo que a ‘arte’ moderna teve de libertar-se, entre dores ingentes, do moralismo do Século das Luzes. Aqui está por que razão é para muitos de nós inabalável a tese de que o gozo de uma obra de ‘arte’ é moralmente indiferente. Não é que seja nosso propósito inquirir aqui da verdade ou falsidade desta teoria; a única coisa que nos interessa é deixar claro uma vez mais que ela não corresponde à maneira de sentir dos gregos.”

O EVANGELHO DE ENTÃO: “Na realidade, a chamada lei não-escrita encontra-se edificada na poesia. À falta de fundamentação racional, um verso de Homero é sempre o melhor argumento de autoridade, que nem os próprios filósofos desdenham. Esta autoridade só se pode comparar à da Bíblia e à dos Padres da Igreja, nos primeiros tempos do Cristianismo. § Só esta vigência universal da poesia como suma e compêndio de toda a cultura permite-nos compreender a crítica a que Platão a submete (…) O mundo que os poetas nos descrevem como real degrada-se em mundo de mera aparência, quando medido pelo conhecimento do Ser puro” Platão inimigo do moralismo, não da espontaneidade, como sempre é o filósofo. Jeane e o anel de Giges (mulher de César sem a substância, a mulher-contorno).

Nas apreciações modernas, nem sempre se dá conta, com a devida clareza, da relação existente entre a crítica platônica da poesia e a peculiar posição que o poeta ocupava entre os gregos, como educador do povo. O pensamento ‘histórico’ do séc. XIX também não foi em absoluto capaz de, no seu modo de encarar o passado, sobrepor-se às premissas ideológicas do seu próprio tempo. Buscávamos argumentos para desculpar Platão ou para apresentar os seus preceitos como mais inocentes do que na realidade são. Eram psicologicamente interpretados como a rebelião das forças racionais da alma do filósofo contra a sua própria natureza poética, ou explicava-se o seu desprezo dos poetas pela decadência cada vez mais acentuada da poesia, no próprio tempo dele.” A mesma posição intrincada em que se encontra hoje o crítico da ciência, porque não se pode fazer entender por virtualmente ninguém! Passa por místico, negacionista e charlatão aquele que é o mais científico de todos, na boa acepção. A mediatriz de Popper e Kuhn, tão abaixo de si, é sua nêmese, é a força gigantesca da ralé e do rebotalho dos reprodutores irrefletidos. Dos comunicólogos e formadores de opinião!

Encarava-se o problema com uma tendência excessiva a situar-se no ponto de vista da liberdade da arte. (…) retocava-se o quadro para evitar que Platão caísse na vizinhança da polícia artística da burocracia moderna.”

supondo que o tirano Dionísio se tivesse resolvido a pôr em prática o Estado platônico, teria fracassado neste ponto, ou então seria preciso proibir antes de mais nada os seus próprios dramas, caso fosse atendida a sentença judicial de Platão. No Estado platônico, a reforma da arte poética tem um alcance puramente espiritual e só é política na medida em que toda a finalidade espiritual encerra, em última instância, uma força de formação política.”

Essa poesia não tem cabimento no Estado seco e cheio de nervo que ele procura edificar, mas só em outros mais ricos e suntuosos. § É assim que a dignidade ímpar com que os gregos tinham envolvido a poesia converte-se na perdição dela.”

Como na realidade, porém, a poesia e o Estado não mudarão, fica aparentemente de pé, como único resultado visível aos olhos da crítica platônica, o abismo insuperável que daí por diante dividirá a alma grega.”

Mas por que é que Platão não declara sem rodeios que são as suas obras que se devem pôr nas mãos dos educadores e educandos como verdadeira poesia? É exclusivamente a ficção do diálogo falado que o impede. Na obra da senectude já abandona esta ilusão e pede que as Leis se propaguem no mundo degenerado, como o tipo de poesia de que ele necessita. E desta forma a poesia agonizante afirma uma vez mais o seu primado na obra do seu grande acusador.”

A sua crítica e seleção dos mitos, segundo a tabela do conteúdo de verdade moral e religiosa que contêm, pressupõem um princípio irrefutável.”

Rep., 379A (…) é a passagem onde a palavra teologia aparece pela primeira vez na história do espírito humano. Platão é o seu criador.”

Foda-se, eu sou o Poeta (a lei)!

A aspiração ideal do Homem culmina na arete heróica, mas sobre ela impera a moira, com a sua inelutável necessidade, e é a ela que também se acham submetidos, em última instância, a vontade e o êxito dos mortais. O espírito da poesia helênica é ‘trágico’, porque professa a conexão de tudo, mesmo das supremas aspirações do Homem, com o governo do sobre-humano em todos os destinos mortais. E nem a consciência da própria responsabilidade do indivíduo atuante pelos seus atos e desditas, consciência que foi crescendo à medida que se ia racionalizando a vida no séc. VI, pôde diminuir, no sentido moral de um Sólon, um Teógnis, um Simônides ou um Ésquilo, aquele último núcleo indestrutível da antiga fé na moira, que vive na tragédia do séc. V”

O conflito entre este ponto de vista religioso e a idéia moral da responsabilidade do homem que age mantém-se latente ao longo de toda a obra poética dos gregos.¹ Tinha necessariamente que instalar [sic – estalar] em ruptura aberta no momento em que o postulado ético radical de Sócrates fosse aplicado como pauta à interpretação da vida inteira. O mundo da arete em que Platão constrói a sua nova ordem fundamenta-se na premissa da autodeterminação moral do próprio eu sobre a base do conhecimento do bem. (…) se a divindade fosse tal que enredasse o homem ambicioso nas malhas da culpa, viveríamos todos num mundo em que a paideia careceria de toda razão de ser.²”

¹ O verdadeiramente trágico é que o cristianismo está do lado da responsabilidade demasiado humana, e é como um ateísmo quando comparado ao poder consolatório do politeísmo olímpico. Desta feita, a balança pende apenas para a culpa e um ideal inatingível, do mesmo lado, sem qualquer contrapeso. Um híbrido repulsivo de livre-arbítrio e destino manifesto ao qual o indivíduo moderno não pode se subtrair.

² Cristianismo.

No mundo visto pelos olhos de Demócrito, em que impera a lei da causalidade, não se concebe uma paideia como a platônica.”

Toda a crítica da antiga paideia se fundamenta, como princípio de divisão, na teoria platônica das 4 virtudes cardeais: a piedade, a valentia, o domínio de si próprio e a justiça. Esta última não é aqui levada em conta, o que expressamente se explica no final, alegando em abono disso o fato de ainda não se ter esclarecido o que é na realidade a justiça e o que significa para a vida e para a felicidade do Homem.”

A espantosa descrição que Homero faz do mundo infernal educaria no medo da morte os ‘guardiões’. Platão não pretende, naturalmente, desterrar Homero totalmente, mas submete-o a mutilações” “Ao zeloso guarda filológico da tradição parecerá isto, e é lógico, a mais terrível congeminação da arbitrariedade e da tirania. Para este, é intangível a palavra original do poeta.” “Mas, se atentarmos bem, veremos que a época em que a poesia era ainda coisa viva mostrava já certas tentativas curiosas e passos preliminares desta exigência platônica de recriação poética, os quais nos fazem ver com outros olhos aquela sua pretensão, considerada arbitrária. A necessidade de recriar poeticamente um verso já plasmado, nós a vemos, p.ex., sustentada por Sólon diante de um poeta do seu tempo, Mimnermo, o qual defendera, com sereno pessimismo, que o homem devia morrer quando atingisse os 60 anos. Sólon convida-o a modificar o sentido da poesia, fixando aos 80 anos o limite da idade.” Homero mesmo nunca foi Homero, convenhamos.

Essa eparnothosis [figura de linguagem; nesse sentido, aplicar interpretações mais atenuadas ou enfáticas, conforme o espírito do tempo exige] é aplicada generalizadamente pelos filósofos antigos na sua interpretação dos poetas, e deles se transmite mais tarde aos escritores cristãos. (…) É por isso que a censura de incompreensão racionalista dos poetas do passado, feita a Platão, não deixa de revelar, por sua vez, uma certa incompreensão histórica da parte dos críticos modernos, a respeito do que a tradição poética do seu povo significava para ele e para os seus contemporâneos. Quando, p.ex., Platão sustenta nas Leis que é preciso recriar poeticamente o antigo poeta espartano Tirteu – que enaltecia a bravura como a cúpula das virtudes cívicas e cuja obra continuava a ser a Bíblia do povo espartano – para em lugar da bravura pôr a virtude da justiça, capta-se diretamente a grandeza da força de persuasão que o verso de Tirteu devia ter alcançado na alma de quem só por meio de uma recriação poética julgava poder cumprir ao mesmo tempo o seu dever para com o poeta e para com a verdade.”

quanto mais intenso é o prazer, maior é a eficácia formativa de uma obra de arte sobre quem a contempla. Compreende-se, pois, que esta idéia da formação surgisse precisamente no seio do povo mais artístico do mundo, os gregos, onde a capacidade do prazer estético alcançou um grau mais elevado do que em nenhum outro povo da História.”

Aquiles, que aceita de Príamo um resgate pelo cadáver de Heitor e indenização monetária da parte de Agamemnon, lesa o sentimento moral dos séculos posteriores, como lesa o seu mestre Fênix, que o aconselha a reconciliar-se com Agamemnon, por uma compensação material. [?] As provocadoras palavras de Aquiles contra Esperqueu, o deus-rio, o ultraje que faz ao deus Apolo, a profanação do cadáver do nobre Heitor e a matança dos prisioneiros nas fogueiras de Pátroclo não merecem que se lhes dê crédito.”

O Inferno deveria ser só para incutir o medo de não ter vivido como se podia.

Esta verdade é a mais completa inversão do que nós entendemos por realismo artístico e do que já existia como tal na geração anterior a Platão.” Quem inverte apenas tem de se haver com o problema mais adiante.

a raivosa tenacidade com que ele trata o combate tem a sua mais profunda razão de ser na convicção de que a força educadora das imagens poéticas e musicais provadas pelos séculos é insubstituível. Segundo Platão, mesmo que a filosofia fosse capaz de descobrir o conhecimento redentor de uma norma suprema de viver, a sua missão educacional só seria cumprida pela metade

Não é só no conteúdo, mas sobretudo na forma, que se apóia o efeito da obra das musas.” Que alguém demonstrasse a verdade num tratado insípido, nada estaria provado – a não ser que se pode ser insípido até nas ações mais grandiosas!

Na maioria dos casos, nem sequer um ator trágico é capaz de representar bem a comédia, e um recitador de epopéias raras vezes está em condições de desempenhar um papel dramático.”

Não era[m] bons especialistas, mas apenas bons cidadãos em geral que a antiga paideia se propunha a formar.” “Constitui fenômeno raro, mas psicologicamente compreensível, a nítida predileção pela purificação das profissões especializadas, num gênio universal como o de Platão.”

O conceito platônico da mimesis dramática, no sentido da renúncia de si mesmo, é um conceito paidêutico; o da imitação da natureza, pura e simplesmente um conceito técnico.”

Aos artistas desse gênero moderno e cheio de encantos são prestadas no Estado platônico todas as honras e toda a admiração, ungem-lhes a cabeça e a adornam com fitas de lã; mas, uma vez honrados, acompanham-nos a outra cidade, visto que não há lugar para eles no Estado puramente educador. Nesse Estado admitem-se unicamente poetas mais secos e menos geradores de prazer.” “Platão, que no seu período pré-socrático tinha um grande fraco pela tragédia, teria seguramente conhecido por experiência própria, na sua pessoa e na de outros, o lado negativo destas paixões.”

as melodias ou harmonias como tais, desligadas da palavra, essas, sim, exigem a nossa atenção.” “Assim como no palco o espetáculo domina a poesia e criou o que Platão chama de teatrocracia, nos concertos a poesia era serva da música. (…) A música emancipada torna-se demagoga do reino dos sons.”

Não podemos escrever em detalhe a ginástica ou a música gregas, os fundamentos em que assentava a paideia do período antigo e do clássico, porque nisso não consente o legado da tradição. É por isso que na nossa exposição esses temas não são tratados em capítulo à parte, mas nos ocupamos deles onde quer que a sua imagem se apresente nos monumentos e discussões da Antiguidade”

Igualmente se reprovam as melodias lânguidas, quer jônicas quer lídias, boas para as orgias, mas inaceitáveis aqui, porque nem a embriaguez nem a languidez ficam bem aos ‘guardiões’. (…) Glauco (…) dá-se conta de que, nessas condições prevalecerão só as melodias dórica e frígia, mas Sócrates não se deixa arrastar a tais pormenores. Platão pinta-o assim, conscientemente, como o homem de verdadeira cultura, cujo olhar mergulha na essência das coisas, mas a quem não compete rivalizar com os especialistas. A precisão, que é no perito exigência natural, seria no homem culto pedantismo e não seria julgada digna de um homem livre. (…) E tal como as melodias ricas também a riqueza de instrumentos musicais se abandona. (…) São inteiramente suprimidas as flautas, as harpas e os címbalos, [grosso modo, a bateria ancestral] e conservam-se só a lira e a cítara [outro tipo de lira; curiosamente, porém, a harpa é outra lira, mais complexa que a lira e a cítara, talvez – isso é especulação – mais antiga que ambas], instrumentos adequados a melodias simples; no campo deverão soar apenas as gaitas dos pastores. Recordamos a este propósito a narração de que as autoridades espartanas proibiram a atuação do genial inovador Timóteo, mestre da música moderna daquele tempo, porque ele não utilizava a cítara de 7 cordas de Terpandro, santificada pela tradição, mas sim um instrumento com mais cordas e maior riqueza harmônica.”

Já acima dissemos que, pela sua origem, o termo grego ‘ritmo’ não implica a acepção de movimento, mas exprime em numerosas passagens o ‘momento’ de uma posição ou ordenação fixa de objetos [capítulo 1.6]. O olhar do grego descobre-o tanto no estado de quietude como no de movimento, no compasso da dança, do canto ou do discurso, principalmente se for em verso. Conforme o número de longas e breves de um ritmo e o seu nexo mútuo, produz-se uma ordenação distinta no passo ou na voz.”

a teoria do ethos na harmonia e no ritmo. É desta teoria que deriva o que Platão ensina sobre a seleção das harmonias

O DAIMON DA MÚSICA: “também na Poética de Aristóteles e na de Horácio a maneira de tratar os metros da poesia parte do mesmo ponto de vista, a saber: quais são os métodos mais indicados para cada conteúdo. Assistimos aqui a uma continuidade da tradição anterior a Platão, embora exista a tendência para identificar com ele este modo paidêutico de abordar o problema da música.”

Mas até o simples fato de esta teoria ser tirada de Dámon, o maior teórico musical do tempo de Sócrates, prova que não estamos diante de algo especificamente platônico, mas que é, antes, uma concepção da música peculiar aos gregos, a qual (…) foi desde o início decisiva para a posição dominante que a harmonia e o ritmo desempenhavam na cultura grega. § Aristóteles continua a desenvolver a teoria do ethos na música, no esboço sobre educação, contido no livro VIII da sua Política. Segue para isso na esteira de Platão, mas, como costuma acontecer-lhe em maior grau ainda que ao seu mestre, é intérprete da maneira de pensar do conjunto da Grécia.Uma espécie de sintetizador, jamais criador. Aristóteles, o Primeiro Enciclopedista.

Mas não concede nenhum ethos, em geral, às impressões transmitidas pela visão através das artes plásticas. Entende que este tipo de efeitos se limita a certas figuras pictóricas e escultóricas, e mesmo nestas só o reconhece em proporções restritas. Aliás, segundo Aristóteles, também não é de verdadeiros reflexos de um ethos que se trata, mas de meros sinais dele, expressos em cores e figuras. Nenhum ethos, p.ex., transparece nas obras do pintor Pauson, mas ele existe, em contrapartida, nas de Polignoto e nas de certos escultores. As obras musicais, pelo contrário, são imitações diretas de um ethos. O admirador da arte plástica dos gregos sentir-se-á inclinado a negar ao filósofo olhos de artista, e assim explicará a sua maneira diferente de julgar o conteúdo ético da música e o da pintura e escultura. Talvez com isso se pudesse relacionar a sua tese de que, nos sentidos humanos, é o ouvido o órgão espiritual por excelência, ao passo que Platão atribuía aos olhos a suprema afinidade com o espírito. [quanta contradição! se Platão privilegia a visão e ainda assim a música é hierarquicamente superior às artes plásticas – a-sonoras – em seu corpus!] Mas apesar de tudo fica de pé o fato de nenhum grego jamais se ter lembrado de reservar na paideia um lugar para as artes plásticas e a sua contemplação”

As palavras correspondentes, <educação> e <nutrição>, que a princípio tinham um significado quase idêntico, continuam a ser sempre termos gêmeos.”

Platão reconhece que a cultura do espírito exige também certos pressupostos de clima e certas condições de desenvolvimento. (…) O Estado é necessário como meio ambiente, como a atmosfera que o indivíduo respira. (…) É necessário que desde a mais tenra infância todo mundo respire neste ambiente qualquer coisa como o ar de uma região saudável.”

Uma pessoa corretamente educada na música, pelo fato de a assimilar espiritualmente, sente desabrochar dentro de si, desde a sua mocidade, e numa fase ainda inconsciente do desenvolvimento, uma certeza infalível de satisfação pelo belo e de repugnância pelo feio, a qual a habilita mais tarde a saudar elegantemente, como algo que lhe é afim, o conhecimento consciente, quando ele se apresenta.” “Esta educação adquire um novo significado, como fase prévia irrecusável para o conhecimento filosófico puro, que sem a base da cultura musical ficaria flutuando no ar.”

Segundo a teoria de Platão, por mais arguta que seja a inteligência, não tem acesso direto ao mundo dos valores, que, em última instância, é o que interessa à filosofia platônica. Na Carta Sétima, o processo de conhecer é descrito como um processo gradual que faz a alma parecer-se cada vez mais com a essência dos valores que aspira a conhecer.” “Para Platão, a educação do caráter é a via que conduz à educação dos olhos da inteligência, e modifica de tal maneira a sua natureza que lhe é possível alcançar o princípio supremo

Platão não toma de forma alguma por modelo as regras que os atletas têm de observar quanto à alimentação; estas regras tornam os atletas excessivamente sensíveis e sujeitam-nos em demasia à sua dieta; e principalmente o seu hábito de dormir muito não é o mais indicado para quem deve ser a vigilância em pessoa. Os ‘guardiões’ devem poder adaptar-se a todas as mudanças de comida, de bebida e de clima, sem que por causa disso corra perigo a sua saúde. Platão reclama para eles um tipo de ginástica totalmente diferente e mais simples”

Há duas coisas que para Platão constituem sintomas infalíveis de má paideia: os tribunais de justiça e os estabelecimentos de saúde. O grande desenvolvimento destas instituições é tudo, menos o orgulho da civilização. O objetivo do educador deve ser conseguir que se tornem supérfluas dentro do seu Estado.” “como é que um carpinteiro que adoece poderia entregar-se durante muito tempo a um tratamento que o impedisse de exercer a sua profissão? Não tem outro remédio senão trabalhar ou morrer.” E no entanto hoje o motorista de aplicativo não tem qualquer noção da verdadeira saúde. É tão aniquilado como cada um de nós, os “servos legalizados”. Sequer tem um pressentimento da possibilidade da consciência sobre seu grande problema.

existe uma natural afinidade eletiva entre a filosofia platônica e um corpo ao qual uma educação rigorosa põe na posse de uma saúde perfeita. (…) É certo que Platão postula no Fédon a necessidade de a alma voltar as costas ao mundo do corpo e dos sentidos, para se poder concentrar no exame das verdades puramente abstratas, mas o espírito que na República inspirava a paideia ginástica é um perfeito complemento deste quadro.”

ASPIRINAS PARA AQUILES: “Foi para os homens sãos, cujo corpo sofria passageiramente algum dano local, e com o fim de eliminar esse dano, que Asclépio inventou a arte da medicina. Em contrapartida, nunca nos poemas homéricos este deus ou os seus filhos se ocupam dos corpos minados pela doença. [o que é até objeto de uma famosa tragédia]” “Em contrapartida, o médico deve deixar morrer os corpos totalmente enfermos, como o juiz mata os homens cuja alma está incuravelmente enferma à força de crimes.” “Heródico¹ foi pondo obstáculos à morte, à força de prolongá-la artificialmente”

¹ “Herodicus was a 5th century BC Greek physician, dietician, sophist, and gymnastic-master. He was born in the city of Selymbria, a colony of the city-state Megara, and practiced medicine in various Greek cities including Selymbria, Megara, Athens, and Cnidos.”

O princípio da seleção rigorosa e consciente tem também a sua importância, do ponto de vista político, para a estrutura do Estado platônico, pois é sobre ela que assenta a possibilidade de manter de pé o sistema da diferenciação por escalões.”

Neste Estado não existe a mínima garantia de tipo constitucional contra o abuso dos poderes extraordinários e quase ilimitados que põe nas mãos daqueles que o regem. A única garantia efetiva de que de guardiões do Estado não se converterão em donos e senhores dele, de que não degenerarão de cães de guarda em lobos que devoram o rebanho que lhes cumpre guardar, reside, segundo o filósofo, numa boa educação.” “ele não se interessa aqui pelo Estado como problema técnico ou psicológico, mas o aborda simplesmente como delimitação e como fundo de um sistema perfeito de educação.”

NO MUNDO DA INOVAÇÃO JURÍDICA, DAMOS UM TAPA NA TESTA E GEMEMOS: “A idéia de um Estado ideal tem implícita a idéia de que tudo o que dele difere é necessariamente pior do que ele próprio. O que é simplesmente perfeito não deixa margem a nenhum desejo de progresso, mas apenas à vontade de conservá-lo. E para conservá-lo, não se dispõe de outros meios que não sejam os empregados para criá-lo. Depende tudo apenas de não se inovar nada na educação.”

O desprezo pela maquinaria administrativa e legislativa do Estado moderno, a substituição da legislação concreta pela força do costume e por um sistema público educacional que presidisse à vida inteira, a instituição de refeições coletivas para os ‘guardiões’, a supervisão governamental da música e a concepção dela como firme cidadela do Estado, são todos traços genuinamente espartanos. Mas só um filósofo da época da degenerescência da democracia ateniense e formado em oposição a ela podia oferecer esta interpretação de Esparta como o tipo de Estado em que se conseguia evitar com êxito o individualismo extremista.”

A renúncia de Platão a estas conquistas constitui, naturalmente, um extremo só explicável pela desesperada situação espiritual da Atenas daquele tempo. Platão chegou à trágica convicção de que até as leis e as constituições não passam de meras formas, que só têm valor quando no povo existe uma substância moral que as alimenta e conserva. Espíritos conservadores julgavam notar precisamente na democracia que aquilo que mantinha coeso esse Estado era, no fundo, uma coisa diferente daquilo que a sua ideologia própria fazia passar por tal.”

A perduração ininterrupta dessa lei não-escrita é que tinha sido o forte da democracia ateniense na sua época heróica; foi a sua decadência que, apesar de todas as leis em vigor, converteu em arbitrariedade a liberdade dela. Segundo Platão, uma educação do tipo daquela de Licurgo era o único caminho para restaurar, não a aristocracia de nascimento pela qual suspiravam muitos dos seus companheiros de classe, mas sim os antigos costumes e, por meio destes, consolidar de novo o Estado.”

ao atingirmos a meta da verdadeira educação, teríamos realizado também a verdadeira justiça”

Visto que, à exceção da justiça, se atribuiu a cada uma das 4 virtudes cardeais da antiga política o respectivo lugar dentro do Estado, pela sua localização numa classe especial da população, já não resta à justiça nenhum lugar especial nem classe nenhuma da qual seja patrimônio; e então surge intuitivamente perante o nosso olhar a solução do problema: a justiça consiste na perfeição com que cada classe dentro do Estado abraça a sua virtude específica e cumpre a missão especial que lhe cabe.

Lembramos, todavia que, na realidade, este estado de coisas não é a justiça no verdadeiro sentido da palavra, mas simplesmente a sua imagem refletida e ampliada na estrutura da comunidade; procuremos, pois, a essência e a raiz dela no próprio interior do Homem.”

Não é, pois, na ordem orgânica do Estado, em virtude da qual o sapateiro deve trabalhar como sapateiro e o carpinteiro desempenhar o seu ofício próprio, que a justiça consiste. Ela consiste na conformação interior da alma, de acordo com a qual cada uma das partes faz o que lhe compete e o Homem é capaz de se dominar e de congraçar numa unidade a multiplicidade contraditória das suas forças internas.”

Assim como a saúde é o bem supremo do corpo, a justiça é o bem supremo da alma. Com isto se vota ao mais completo ridículo a pergunta sobre se ela será saudável e útil para a vida (…) Não merece ser vivida a vida sem justiça, tal como não vale a pena viver uma vida sem saúde.”

se só existe uma forma de justiça, existem, em contrapartida, muitas formas de degenerescência dela, com o que desperta de novo em nós a recordação da medicina e da saúde.”

Não há no Estado platônico nenhum traço que tenha produzido nos contemporâneos e na posteridade uma sensação tão grande como a digressão sobre o regime da comunidade de mulheres e de prole, entre os ‘guardiões’. O próprio Platão tem de vencer certa resistência para exprimir na República o seu paradoxal critério sobre este ponto, pois teme a tempestade de indignação que irá levantar.” Note-se que se diz da comunidade de prole dos guardiães. A ralé segue sendo ralé, e portanto seus núcleos familiares, que são indiferentes à máxima coesão deste Estado, não sofrem interferência em relação ao costume tradicional. Tradicional ou contemporâneo a Platão e à história conhecida da Antiguidade? Pois temos muitas razões para inferir que a civilização provém de castas em que tudo era estruturado comunalmente.

Quem como ele é educado para se devotar completamente ao serviço da coletividade, quem não tem casa própria nem propriedade alguma nem vida privada, como poderá possuir e governar uma família? Se toda a acumulação de propriedade particular é reprovável, por fomentar o egoísmo econômico e familiar e entorpecer, dessa forma, a realização da verdadeira unidade entre os cidadãos, é natural que nem sequer diante da família, como instituição jurídica e ética, Platão se detenha, mas tal como o resto a sacrifique também.”

Em Esparta, onde o homem da classe dominante vivia entregue quase por inteiro ao cumprimento de seus deveres cívicos e militares, durante a vida inteira, a vida de família desempenhava só um papel secundário e os costumes da mulher, neste estado tão severo em tudo o mais, tinham na Grécia fama de licenciosos.” Esparta eram os Cantões Suíços daquele tempo. Atenas, uma Paris ou Berlim.

É bem significativo que a sua comunidade de mulheres e de filhos se limite à classe dos ‘guardiões’, que estão a serviço direto do Estado, e não se torne extensiva à massa da população trabalhadora. A Igreja resolveria mais tarde este problema, pela imposição do dever de celibato aos sacerdotes, que nela representam a classe dominante. Mas Platão, que pessoalmente era celibatário, não acreditava que esta forma se pudesse levar em consideração dentro do seu Estado” Pois compreendia a força do instinto mesmo diante do Estado ideal. “O lema da exclusão de toda a propriedade individual, incluindo a da mulher, combinado com o princípio da seleção da raça, leva à exigência da comunidade de mulheres e de filhos para os ‘guardiões’.” Um sistema ainda menos hereditário que a democracia moderna, para não dizer da monarquia eurocêntrica, uma vez que hoje basta com ter Kubitschek ou Brizola no sobrenome para estar virtualmente eleito. Perversão da meritocracia platônica, nada platônica, se é que me faço entender.

Não partilha a opinião dominante no seu país, segundo a qual a mulher é destinada pela natureza exclusivamente a conceber e a criar filhos e a governar a casa. É certo que reconhece que a mulher é em geral mais fraca do que o homem, mas não crê que isto seja obstáculo para ela participar nas funções e nos deveres de ‘guardiões’.”

Platão prevê com toda a clareza as conseqüências a que esta lei se expõe e que parecem ameaçar com a maldição do ridículo as suas revolucionárias inovações. As mulheres deverão, nuas, alternar com os homens na palestra, e não só as jovens, mas também as enrugadas mulheres de idade, do mesmo modo que nos ginásios é freqüente ver muitos homens já idosos praticando os seus exercícios. Mas Platão não acredita que esta norma ponha a moral em perigo; e que se pense disto o que se quiser, o certo é que o mero fato de ele poder formular tal proposição demonstra a mudança imensa de sensibilidade que se operara em relação à posição do homem perante a mulher, desde a época anterior a Péricles, em que Heródoto escrevia, na sua narração sobre Giges e Candaules, que ao despojar-se do vestido a mulher despojava-se também do poder. Platão observa que os bárbaros consideravam a nudez desonrosa também para o homem e que o sentimento moral dos gregos da Ásia Menor, influenciado por aqueles, tinha certa afinidade com tal maneira de pensar. O sentimento moral dos gregos da Ásia Menor revela-se na sua arte do séc. VI, que, sob este aspecto, é muito diferente da arte do Peloponeso.”

A figura do corpo nu do atleta varão convertera-se há muito em tema fundamental das artes plásticas, sob a influência da ginástica e do seu ideal de arete física e também sob a ação do seu sentimento do moralmente decente e decoroso.” “há quanto tempo a implantação da ginástica nua entre os homens levantou a mesma tempestade de troça e indignação que hoje levanta a proposta de tornar esta prática extensiva à mulher?”

não existem profissões só acessíveis ao homem ou à mulher.”

IVO BRUNS, Vorträge und Aufsätze [Conferências e ensaios] (Munique, 1905) (sobre a emancipação da mulher em Atenas)

o conceito de ‘os melhores’ não se pode definir no seu sentido pleno, enquanto não se explicitar o princípio da seleção” “É na melhor educação que se deve basear o governo dos melhores; aquela, por sua vez, exige como terreno de cultura as melhores aptidões naturais. Esta idéia era corrente no tempo de Platão e provinha principalmente da teoria pedagógica dos sofistas.”

Já Teógnis, nos seus poemas exortativos, profetizara à nobreza arruinada da sua cidade pátria, ansiosa por se restaurar financeiramente por meio de casamentos com filhas de plebeus ricos, as desastrosas conseqüências que esta mistura de raças traria à conservação da antiga arete dos nobres.” “O velho Teógnis não sonhara sequer chegar a tais conseqüências. Entre a moral racional de Teógnis e o sistema platônico de ‘controle’ estatal, cabia como solução intermediária a paideia espartana, preocupada em velar pela procriação de uma descendência saudável, no caso da camada senhorial da sociedade.”

Estas medidas eugenésicas de Platão, baseadas nas suas intenções educacionais, seguem as normas da medicina grega”

O cuidado dos recém-nascidos deve subtrair-se absolutamente à jurisdição das mães.” “As mães só terão acesso às crianças para amamentá-las, mas nem sequer conhecerão os próprios filhos, pois deverão querer a todos por igual.” “O objetivo supremo de Platão era conseguir que as alegrias e as dores de cada um fossem as alegrias e dores de todos.”

Devem eles ser iniciados na guerra logo desde a infância, tal como os filhos dos oleiros aprendem a arte da olaria, vendo o pai trabalhar ou dando-lhe uma ajuda na sua tarefa.” “Poder-se-ia pensar que a mera contemplação das batalhas é menos eficaz, como meio de educação bélica, do que o adestramento regular da juventude em jogos guerreiros, onde ela possa participar ativamente. (…) Trata-se de um processo de enrijecimento espiritual, por meio do contato com a espantosa mecânica da guerra autêntica.”

Tirteu e Platão são os psicólogos da batalha e vêem o verdadeiro problema que ela implica para um ser humano.”

ele proíbe a devastação dos campos e o incêndio das casas, fatos que também não são habituais nas guerras civis de um Estado civilizado do séc. IV, mas atraem sobre a cabeça dos culpados a maldição dos deuses” “Despojar por mera sede de lucro os caídos no campo de batalha é punido como indigno de um homem livre, bem como impedir que se levantem do campo os mortos. As armas são a única coisa que um guerreiro pode arrebatar ao inimigo caído.”

Ainda na obra De iure belli ac pacis, escrita no séc. XVI pelo grande humanista e pai do direito internacional Hugo Grócio, reconhecia-se como não-contrário à natureza o direito de escravizar os inimigos, em caso de guerra.” “na opinião de Grócio só sob o cristianismo se conseguiu o que o Sócrates platônico em vão pregara aos gregos como um preceito do instinto nacional de autoconservação. Mas o próprio Grócio observa que também os maometanos seguiam esta mesma regra de direito internacional, nas lutas contra povos da sua religião. Devemos, portanto, generalizar a sua tese no sentido de que não foi o Estado antigo nem a idéia nacional do séc. IV, mas sim a comunidade de fé das religiões universais, a qual se estendia a povos diversos, que assentou os fundamentos que possibilitaram a realização parcial dos postulados de Platão.”

a grande verdade educacional que a República ilustra plasticamente é a estrita correlação entre a forma e o espaço. Não é só de um princípio artístico que se trata, mas sim de uma lei do mundo moral. O homem perfeito só num Estado perfeito se pode formar”

É sobre estes 2 conceitos procedentes da Grécia primitiva, o de paradigma e o de mimesis, modelo e imitação, que toda a paideia grega assenta. A República de Platão representa uma nova etapa dentro dela.”

É certo que os Estados atuais, como o Górgias punha em relevo, fazem da aspiração ao poder um fim em si, e por isso não estão habilitados a cumprir a missão educacional na qual Platão vê a essência do Estado. Enquanto o poder político e o espírito filosófico não coincidirem, Platão julga impossível uma solução construtiva do problema grego da formação do Homem, em sentido socrático, e portanto da superação dos males da sociedade presente. Surge assim a famosa tese platônica segundo a qual não acabará a miséria política do mundo enquanto os filósofos não se tornarem reis ou os reis não começarem a investigar de forma verdadeiramente filosófica. É este postulado que ocupa o lugar central da República. Não se trata de uma engenhosa frase incidental, mas da fórmula que oferece a solução ideal para aquele trágico divórcio entre o Estado e a educação filosófica que vimos em obras anteriores de Platão.” Enunciado perene, ainda vigente no “pós-Marx” e no “pós-Nietzsche”!

E assim, na República, a Filosofia aparece pela primeira vez no primeiro plano da atenção.”

Platão não condena o poder como uma coisa ‘má em si’; submete apenas o seu conceito a um esclarecimento dialético radical, que o limpa da mancha do egoísmo. Liberta-o da arbitrariedade e volta a reduzi-lo à vontade pura, cuja meta inamovível é, por natureza, o Bem. Nenhum ser humano pode voluntariamente enganar-se naquilo que considera bom e salutar. O verdadeiro poder só pode consistir na capacidade de realizar a aspiração natural que lança o Homem para aquela meta. A sua premissa é, portanto, o conhecimento real do Bem. E é assim que a filosofia torna-se paradoxalmente o caminho para o verdadeiro poder.”

a economia artística da República solicita a ilusão de, por assim dizer, ser aqui a 1ª vez que o leitor se vê obrigado a meditar sobre a filosofia” “No seu isolamento atual, ela própria tem dificuldade em compreender que foi só batalhando com aqueles problemas que conseguiu forjar o grandioso caráter que na sua 1ª fase criadora a distinguiu. A resignada frase de Hegel, dizendo que a coruja de Atena só se levanta ao entardecer, contém sem dúvida uma certa verdade e a consciência dela estende a sua sombra trágica sobre o esforço heróico que o espírito humano se dispõe a realizar à última hora, com a tentativa platônica de salvação do Estado.”

ele [o filósofo] pode dizer o que é justo e belo por si; as opiniões da massa a respeito destas e das demais coisas oscilam na penumbra entre o não-ser e o verdadeiro Ser. E nisto não diferem da massa os estadistas.” “os caprichos da massa tornam-se a pauta suprema da conduta política e o espírito desta adaptação vai pouco a pouco se infiltrando em todas as manifestações da vida. Este sistema de adaptação exclui a possibilidade de uma autêntica educação do Homem, orientada de acordo com a pauta dos valores imutáveis.” “É o conhecimento da verdade que deve ocupar o trono do Estado reconstruído.” “O conhecimento da norma suprema, que o filósofo abriga na sua alma, é o fecho da cúpula do sistema do Estado educacional platônico.”

Platão não parece subscrever o clamor dos sofistas e humanistas contra o profissionalismo da cultura. Parece paradoxal esta atitude, num homem que como ele tem em tão alto apreço o saber pelo próprio saber.” “Platão volta ao conceito de techne política que formulara no Górgias, e isso nos lembra ao mesmo tempo as dúvidas iniciais apontadas por Sócrates no Protágoras sobre a possibilidade de ensinar a virtude política. (…) Na República, Platão já não deixa Sócrates albergar nenhuma dúvida.”

Platão não leva muito a sério as dúvidas formuladas sobre a missão política do filósofo. O exame destas dúvidas serve-lhe de pretexto para se desvencilhar de muitos daqueles que se arrogam o nome de filósofos. Mas a par disto defende com o máximo rigor a verdadeira filosofia e considera qualquer concessão feita aos críticos como uma acusação contra o mundo. A imagem por ele traçada do destino do filósofo converte-se numa tragédia impressionante. Se nas obras de Platão há alguma página escrita com o sangue do seu coração, é esta. Já não é só o destino de Sócrates, feito símbolo, o que move a sua pena. Mistura-se a ele, aqui, a história da sua própria ambição suprema e o ‘fracasso’ das suas forças ante a missão que outrora se julgara especificamente chamado a cumprir.”

dá-nos uma definição filosófica, indispensável para a compreensão da sua tese sobre os governantes-filósofos, principalmente para o leitor atual, que facilmente pode associar à palavra grega incorporada aos nossos idiomas a idéia de erudito. O seu ‘filósofo’ não é exatamente um professor de Filosofia, que se arrogue um título destes, baseado nos conhecimentos que tem da sua especialidade. E ainda menos é um ‘pensador original’, pois não seria possível existirem simultaneamente tantos pensadores quanto os ‘filósofos’ de que Platão precisa para governar o seu Estado.”

amante da cultura” “a personalidade humana altamente cultivada”

QUANDO CULTURA ERA SABER, E NÃO UM “SABER NÃO-TÉCNICO”: “Platão concebe o filósofo como um homem de grande memória, de percepção rápida e sedento de saber. Um tal homem despreza tudo o que é minúsculo, o seu olhar eleva-se sempre ao aspecto global das coisas e abarca, de uma vigia altíssima, a existência e o tempo. Não tem a vida em grande apreço nem sente grande apego aos bens exteriores. É estranho a ele tudo o que seja gabolice. É grande em tudo, mas sem por isso deixar de possuir um certo encanto.” Comparar com os atributos dos últimos homens e de Zaratustra.

Vivemos a Era da Crítica (Sofística 2.0).

o representante da arete perfeita (…) O filósofo platônico não é senão a forma do kaloskagathos, quer dizer, a forma do ideal supremo de cultura do período grego clássico, renovada num sentido socrático.”

DE TALES A SCHOPENHAUER: “A censura da incapacidade destes homens recai, na realidade, sobre aqueles que não sabem usar a sua capacidade. (…) Cada um dos dotes, se é desenvolvido de forma unilateral e desligado dos outros, torna-se um obstáculo a uma formação verdadeiramente filosófica. (…) O desenvolvimento são do Homem é condicionado por uma boa alimentação, pela estação do ano e pela região; esta norma geral, que vigora para todas as plantas e animais, afeta de maneira especial os temperamentos melhores e mais vigorosos. (…) Um temperamento filosófico, que em terreno propício é chamado a florescer maravilhosamente, produz como fruto o contrário dos seus magníficos dotes, se for semeado ou plantado no solo de uma má educação” O caso do tirano erudito.

Platão defende a idéia deste destino inapreensível para a inteligência humana e que as mentes religiosas não consideram fruto do mero acaso, mas antes obra de um poder miraculoso.”

da maneira como os temperamentos filosóficos se salvam milagrosamente de todos os obstáculos com que o ambiente corrupto ameaça desde o primeiro instante a trajetória da sua formação. Segundo Platão, o que infunde caráter trágico à existência do homem filosófico neste mundo é o fato de só pelo influxo de uma graça ou tyche divina especial ele poder sobrepujar os obstáculos” O leão na caverna (Z4)

Os que culpam os sofistas da degenerescência da juventude é que são os piores sofistas. Na realidade, é a influência do Estado e da sociedade que educa os homens e faz deles o que quer.” “Nenhum caráter, nenhuma personalidade se pode formar senão de acordo com esta paideia exercida pela massa, e não ser que venha em seu auxílio a graça especial dos deuses.” “professores e educadores só podem educar as pessoas naquilo que a massa lhes ordena e que impera na opinião pública.” “Os educadores que melhor entendem as palavras e o tom mais de agrado da ‘grande besta’. São os homens que fazem profissão da adaptação.”

a salvação dos temperamentos filosóficos pode acontecer neste mundo. Aqui, aparece tacitamente aos olhos do leitor o nexo causal entre a salvação pessoal de Platão e o fato de ter encontrado em Sócrates o verdadeiro educador. Estamos na presença do caso excepcional em que uma personalidade individual pode transmitir aos discípulos bens de valor eterno. Longe, porém, de receber qualquer recompensa, este educador de educadores teve de pagar com a vida a sua independência em relação à educação da massa.” Um Sócrates pode ensinar a outro Sócrates a virtude. Singularidade radical e extrema.

O conhecimento do que é bom em si é uma característica essencial do filósofo. Falar de uma massa filosófica constitui para Platão uma contradição em si. É precisamente a hostilidade mútua a relação natural entre a massa e a Filosofia’

missão interior”

caracteres como os de Alcibíades e Crítias, cujos defeitos se haviam tentado imputar a Sócrates e ao seu sistema educacional.” “logo foram corrompidos pelo meio ambiente” “têm um grande ímpeto e um fulgor espiritual que os levam a se distinguirem da massa.”

São raríssimos os caracteres espirituais que conseguem furtar-se à corrupção. Talvez o consiga um homem muito culto e de caráter nobre, que se veja obrigado a viver no exílio como um estranho e a quem este isolamento involuntário sirva de tábua de salvação para não cair sob a influência corruptora, uma grande alma que tenha nascido numa cidade pequena e que, por se desinteressar dela, se volte para o mundo espiritual; ou então o representante de uma especialidade, que com razão compreenda a mesquinhez dela e lhe vire as costas para enveredar pela senda da Filosofia. (cf. Rep. 496 B-C)”

a mais profunda das resignações”

E quando vê os outros viverem no meio da impureza, sente-se satisfeito por se ver limpo da injustiça e poder viver a trabalhar no que é seu e deixar um dia este mundo no final da sua carreira”

Bem longe da crença de poder transformar o Estado real do seu tempo, e rebelde também à idéia de se lançar na arena da luta política, volta a ser aqui o que era lá: o verdadeiro homem desconhecido para a opinião do mundo.” “É o seu afastamento de toda a atuação pública que constitui a sua verdadeira força. Platão já na Apologia descrevera Sócrates como o homem que sabia perfeitamente por que é que o seu daimon o desviara sempre, ao longo de toda a sua vida, de atuar na política.” “Quem realmente quiser lutar em prol da justiça é na vida privada que tem de fazê-lo” “foi a morte de Sócrates que gerou a grande crise na vontade política de Platão.” “O filósofo faz da necessidade da minoria uma virtude.”

Professores e alunos sempre tinham existido, mas seria um anacronismo histórico considerar escolas do tipo platônico as coletividades deste gênero que conhecemos da filosofia pré-socrática. (…) as circunstâncias de Platão ter fundado a Academia logo após a sua primeira viagem ao Ocidente grego, na qual teve ocasião de estabelecer um contato bastante estreito com os pitagóricos, indica que existia entre estes fatos uma íntima relação.”

J.L. Stocks fez uma tentativa para salvar a historicidade da tradição contida em CÍCERO, Tusc. Disp., V, 3, 8, segundo a qual foi Pitágoras quem empregou a reivindicou para si a palavra filósofo. Eu, porém, nunca pude aceitar os argumentos do meu excelente amigo cuja morte prematura foi uma perda considerável para os estudos clássicos.”

Apesar da especulação platônica sobre o Estado, a escola de Platão não agia como grupo político na vida da sua cidade natal, como agiam os pitagóricos, antes da destruição da sua Ordem.”

Na realidade, a Academia não teria podido existir senão no seio da democracia ateniense, que deixava Platão falar, ainda quando criticava o seu próprio Estado. Havia já muito tempo que nela se considerava um erro grave ter condenado Sócrates, e via-se no seu herdeiro principalmente o homem que aumentava o renome espiritual da cidade, que, apesar de vacilar na sua posição externa de poder, se ia tornando cada vez mais o centro espiritual do mundo helênico.”

Depois de o filósofo baixar à resignação da grandeza ignorada e do retraimento perante o mundo, é difícil voltar à idéia do que representa o homem chamado a dominar o Estado futuro.” “O filósofo é uma planta divina que necessariamente irá degenerar ou adaptar-se, quando transplantada para o solo árido dos Estados atuais.” “Na penúria em que Platão vive, a sua filosofia é unicamente formação de si mesmo, e não cultura.”

Persevera na sua disposição permanente e de certo modo escatológica de se entregar como força auxiliar ao mundo divinamente perfeito que pertence ao ‘porvir’.” “protege o conceito de ‘porvir’, para o qual o filósofo se forma, do perigo de escorregar para o imaginário” “É esta posição intermediária – que ele ocupa entre a pura investigação, desligada de todo o fim ético e prático, e a cultura meramente pragmática, política, dos sofistas – que faz o humanismo platônico ser realmente superior a ambos.”

3.11 A República – II

Platão não procura, no que se segue, definir em sentido rigoroso a natureza do Bem-em-si. Em nenhuma das suas obras o faz, apesar da freqüência com que elas, no final da investigação, conduzem a este ponto. O Filebo é dentre as obras de Platão aquela em que se investiga de forma mais sistemática o problema aqui proposto: se é o prazer ou a razão o bem supremo. Mas nem sequer ali se chega no fim a qualquer definição do que é o Bem. O que se faz é apenas deduzir 3 das suas características: a beleza, a simetria e a verdade”

recusando tudo o que seja excessivamente técnico-filosófico e exemplificando em vez disso, por meio de uma analogia plástica, a posição e a ação do Bem no mundo. Uma alegoria, em que a máxima força poética conjuga-se com a sutileza plástica do traçado lógico, descobre repentinamente o lugar e o sentido da idéia do Bem, como princípio supremo da filosofia platônica, lugar e sentido que até agora se tinham conservado deliberadamente obscuros nas obras de Platão, ou então como um ponto esboçado na distância.”

A ‘contemplação’ era na dialética platônica a expressão da função espiritual em virtude da qual se vê no múltiplo a unidade da idéia e que o próprio Platão caracteriza por vezes com o nome de synopsis. Mas como, ao chegar ao seu último pedaço, já se não pode exarar por escrito o caminho dialético que conduz à contemplação da idéia do Bem, substitui-o pela contemplação sensível do seu ‘análogo’ no mundo visível.”

Podemos dizer que a visão é o mais solar dos nossos sentidos, mas a capacidade de ver provém principalmente da luz que o Sol difunde e que banha aquela, do exterior.”

O SER-DO-ENTE: “Ao mundo do visível não dá o Sol apenas a visibilidade, mas o nascimento, o crescimento e a nutrição. (…) também o mundo do cognoscível não recebe da idéia do bem só a cognoscibilidade, mas ainda o ser, embora o Bem em si não seja o Ser, mas algo superior a ele pela sua posição e pelo seu poder.” “O mesmo se diz de Deus em ARISTÓTELES (Dial. frag., edição WALZER, P. 100, frag. 49 ROSE) (…) As vacilações (…) implicam (…) uma alternativa, ou seja, duas afirmações coincidentes com a verdade.” O melhor discípulo de Parmênides.

JAEGER, The Theology of the Early Greek Philosophers (La teología de los primeros filósofos griegos, FCE, 1952)

No livro VIII da Cidade de Deus, que elaborou conscientemente para enfrentar a República de Platão, Santo Agostinho entrega a este o cetro de toda a teologia anterior ao Cristianismo.”

Karl STUMPF, Verhältnis des platonischen Gottes zur Idee des Guten (Halle, 1869)

Hermann Lotze, pai da moderna teoria filosófica do <valor>”

SOLMSEN, Plato’s Theology, 1942

BOVET, Le Dieu de Platon (Tese de Genebra), 1902

A pergunta socrática sobre qual é a natureza e unidade da arete revela-se finalmente como problema do Bem divino, a ‘medida de todas as coisas’ (como se define Deus nas Leis).”

já alguns dos filósofos pré-platônicos evitavam a palavra THEOS ou preferiam falar de <o divino>”

Platão parece deter-se apenas no aspecto metafísico da idéia do Bem. Parece ter perdido completamente de vista a relação que ela tem com a missão da cultura do Homem. É isto que leva constantemente os intérpretes a arrancarem a comparação do solo em que está enraizada e a encará-la como um símbolo auto-suficiente da metafísica ou da teoria do conhecimento de Platão, sobretudo quando têm em conta que ela forma o final do livro VI, aparecendo assim (contra a intenção platônica) como o remate da sua exposição e desligada do que vem a seguir.” “Uma antologia que culmina na idéia do Bem: eis a metafísica da paideia. O ser de que Platão fala não está desligado do Homem e da sua vontade.”

Mas a meta fica além do mundo dos fenômenos diretamente dado e está oculta ao olhar do homem sensorial por um múltiplo invólucro. Romper estes invólucros impeditivos é o primeiro passo que se tem de dar para que a luz do Bem jorre no olhar da alma e lhe faça ver o mundo da verdade.” O mundo-verdade de Nietzsche é uma ficção; o mundo da verdade platônico é, dessa mesma perspectiva, ainda o aquém, “aparência”. Platão entendido corretamente nega o platonismo.

Só ao chegarmos ao segundo segmento principal da linha saímos do campo das meras opiniões para entrarmos no do conhecimento e da investigação científica, no reino da verdade, quer dizer, na esfera em que se processará a educação platônica dos governantes-filósofos.”

Só quando entramos na segunda e última fase do mundo inteligível alcançamos um tipo de conhecimento que, embora parta de hipóteses também, não as aceita, à maneira das matemáticas, como princípios, mas simplesmente como o que a própria palavra indica, ou seja, como premissas e degraus, para a partir deles erguer-se logo a seguir até o absoluto, até o princípio universal. É este método de conhecimento que é o verdadeiro logos, o logos puro.” “Mas é visível que Platão não pretende explanar aqui, numa página, os últimos segredos da sua teoria do método e da sua lógica, como parecem pensar a maioria dos intérpretes, que sempre aqui viram o seu paraíso”

meras conjeturas” (1)

percepção sensorial dos objetos reais (…) simples imagem refletida” (2)

uma esfera de madeira” (3)

(a esfera em si)” (4)

Platão não afirma que o Ser sobre o qual versa o conhecimento matemático seja um reflexo do que a dialética concebe. Mas é algo semelhante a isto que ele parece pensar quando diz que as teses mais gerais que o matemático aceita como princípios são meras hipóteses para o filósofo, que delas parte para se elevar (…) A proporção matemática que ilustra as 4 fases vai desde a alegoria do Sol, que constitui o final e ponto culminante do livro VI, até a alegoria da caverna, com que o VII começa; e a ascensão do conhecimento até a idéia do Bem, que até aqui apenas de maneira abstrata fôra exposta, aparece neste livro plasmada como símbolo, com uma força poética insuperável.”

OS 4 NÍVEIS:

(1) Sombras;

(2) Reflexos;

(3) Imagens;

(4) e a imagem-em-si. RAZÃO (mas não é a Verdade ou o Absoluto).

Um quinto nível, inatingível, SOL, seria, portanto, a Idéia no sentido de Além.

A princípio não poderia ver senão sombras, em seguida já conseguiria ver as imagens dos homens e das coisas refletidas na água, e só por fim estaria apto a ver diretamente as próprias coisas. Contemplaria depois o céu e as estrelas da noite e a sua luz (…) considera-se feliz pela mudança ocorrida e lamenta os seus antigos irmãos de cativeiro. (…) preferiria ser o mais humilde jornaleiro do mundo da luz do espírito a ser o rei daquele mundo de sombras. E se por acaso voltasse outra vez ao interior da caverna e se pusesse, como antigamente, a rivalizar com os outros cativos, cairia no ridículo, pois já não conseguiria ver nada nas sombras e lhe diriam que arruinara os olhos ao sair para a luz. E se procurasse libertar qualquer dos outros e arrancá-los das trevas, correria o risco de o matarem, caso pudessem apoderar-se da sua pessoa.”

O conceito de esperança é aqui empregado com especial referência à expectativa que o iniciado nos mistérios experimenta em relação ao além. A idéia da passagem do terreno à outra vida é aqui transferida para a passagem da alma do reino do visível ao reino do invisível.”

A repugnância do verdadeiro filósofo em se ocupar dos assuntos humanos e a sua ânsia de permanecer nas alturas nada tem de surpreendente, se esta comparação corresponde à realidade; e é perfeitamente compreensível que o filósofo tenha de cair por força no ridículo, ao regressar deste espetáculo divino às misérias do mundo dos homens (…) os transtornos desorientadores da visão que afetam os olhos da alma, quando ela desce da luz às trevas, são diferentes dos que se produzem ao passar das sombras da ignorância para a luz, e quem chegar ao fundo do problema não se rirá, mas considerará, num caso, feliz a alma, e no outro a lamentará.”

Diante das profundas comparações contidas nesta passagem, que desde a Antiguidade foi inúmeras vezes interpretada nos mais diversos sentidos, estamos nós em situação extraordinariamente favorável, porque o próprio Platão encarregou-se de comentá-la e esclarecê-la, de maneira suficientemente clara, completa e concisa.”

A comparação do Sol e da caverna, agrupadas numa unidade, como vimos pela proporção matemática das 4 gradações do Ser, representam uma só encarnação simbólica da essência da paideia.”

no primeiro parágrafo do livro VII (…) Platão aponta a caverna expressamente como uma alegoria da paideia. Para falar mais exatamente, apresenta-a como uma alegoria da natureza humana e da sua atitude perante a cultura e a incultura, a paideia e a apaideusia. Para o leitor capaz de compreender de uma só vez o encadeamento lógico de mais de uma tese, está implícita nela uma dupla referência para trás e para frente.”

Novo Protágoras: o Sol é a medida de todas as coisas.

A paideia não é focalizada aqui do ponto de vista do absoluto, como na alegoria do Sol, mas antes do ponto de vista do Homem: como transformação e purificação da alma para poder contemplar o Ser supremo. Ao desviar a nossa atenção da meta para o pathos deste processo interior de cultura, Platão aproxima-nos ao mesmo tempo da verdadeira exposição da sua trajetória metódica, no ensino das matemáticas e da dialética.”

No fundo, é logo desde as primeiras obras que Platão se esforça por fazer compreender a ignorância socrática como a aporia de um homem que caminha para a superação e aprofundamento do saber até então dominante. O que se diz na República sobre este problema não pode, naturalmente, ser comparado, quanto à precisão, com os diálogos especialmente consagrados ao tema do saber, mas limita-se a ordenar os seus resultados.”

CONTRA A INOCUIDADE DO DISCURSO <LEIAM LIVROS>: “A verdadeira educação consiste em despertar os dotes que dormitam na alma. Põe em funcionamento o órgão por meio do qual se aprende e se compreende; e conservando a metáfora do olhar e da capacidade visual poderíamos dizer que a cultura do Homem consiste em orientar acertadamente a alma para a fonte da luz, do conhecimento. Assim como os nossos olhos não poderiam voltar-se para a luz a não ser dirigindo o corpo inteiro para ela,¹ também nos devemos desviar <com toda a alma> do corpo do devir, até que ela esteja em condições de suportar a contemplação das camadas mais luminosas do Ser.

[¹ O “falso” desprezo pelo corpo (o cristianismo como inversão do Platonismo, e não sua consumação).]

Portanto, é numa <conversão>, no sentido original, espacialmente simbólico, desta palavra que a essência da educação filosófica consiste. É um volver ou fazer girar <toda a alma> para a luz da idéia do Bem, que é a origem de tudo.(*) Este processo distingue-se, por um lado, do mesmo fenômeno na fé cristã, para o qual mais tarde foi transposto este conceito filosófico da conversão, porque este conhecer radica num ser objetivo; por outro lado, tal como Platão o concebe, está completamente isento do intelectualismo¹ que sem qualquer razão se censura nele.

(*) Cf. A. NOCK, Conversion (Oxford 1933). Este autor procura no helenismo clássico os antecedentes do fenômeno religioso cristão da conversão e menciona, entre outros, o passo platônico.”

¹ op. cit.

(*) “entre a alma do Homem e Deus interpõe-se, segundo a concepção platônica, o longo e duro caminho da perfeição. Sem perfeição não pode existir a arete. A ponte que Platão estende entre a alma e Deus é a paideia. Esta é incremento do verdadeiro Ser.”

O Estado das Leis é um Estado teônomo, não em oposição ao Estado da República, mas pelo contrário a sua imagem e semelhança. Guarda este princípio supremo, ainda que ele apareça nas Leis aplicado de maneira diferente e não deixe ao conhecimento filosófico senão a margem que corresponde ao grau inferior do Ser, sobre o qual assenta. Platão diz no Fédon que a descoberta do Bem e da causa final constitui a encruzilhada histórica dos caminhos da concepção da natureza, onde se separam o mundo pré-socrático e o mundo pós-socrático.”

Não pode haver a menor dúvida de que os discípulos viram na proclamação platônica do Bem como causa última do mundo – e assim o prova a elegia do altar de Philia, em Aristóteles – a fundação de uma religião nova e, ao menos uma vez neste mundo, viram realizada na pessoa do seu mestre, à guisa de exemplo, a fé platônica na identidade do bem e da felicidade.”

Platão é o criador do conceito de teologia, e a obra em que pela 1ª vez na História universal aparece este conceito revolucionário é a República, onde, com vistas a aplicar à educação o conhecimento de Deus (concebido como bem) são traçadas as linhas fundamentais da Teologia. A Teologia, i.e., o estudo dos problemas supremos pela inteligência filosófica, é um produto especificamente grego. É um fruto da suprema audácia do espírito, e os discípulos de Platão bateram-se contra o preconceito pan-helênico, na realidade um preconceito popular, segundo o qual a inveja dos deuses negava ao Homem a possibilidade de compreender estas coisas tão elevadas. Não eram apoiados na autoridade de uma revelação divina, na posse da qual julgassem se encontrar, que lutava contra eles, mas sim em nome do conhecimento da idéia do Bem, que Platão lhes ensinara e cuja essência é a total ausência de inveja.”

Podemos muito bem adotar o título de Spinoza e chamar à República – a obra fundamental de Platão, na qual se assentam as bases ideais da paideiaTractatus Theologico-Politicus.”

A imagem das ilhas da bem-aventurança, escolhida para caracterizar o paraíso da vida contemplativa, é tão feliz que conseguiu impor-se para sempre. Voltaremos a encontrá-la no Protréptico do jovem Aristóteles, obra em que o discípulo de Platão apregoa o seu ideal de vida, de onde aquela fórmula passa à literatura da Antiguidade e se difunde para além dela.”

É precisamente no momento da sua tensão máxima que o sentido político originário de toda a paideia grega triunfa no conteúdo ético e espiritual que Platão lhe infunde de novo.”

o filósofo deve descer outra vez à caverna.” Base do Zaratustra.

É este forte sentimento de responsabilidade social que distingue da filosofia dos pensadores pré-socráticos o ideal platônico da suprema cultura espiritual. O paradoxo histórico é que estes sábios, mais preocupados com o conhecimento da natureza do que com o Homem, tiveram uma ação política prática mais intensa do que Platão, apesar de todo o pensamento deste girar em torno dos problemas práticos.” “uma parte dos antigos historiadores da Filosofia apresentava os pensadores mais antigos precisamente como modelos da devida associação da ação e da idéia, ao passo que os filósofos posteriores se foram consagrando cada vez mais à teoria pura.”

Não sente nenhum dever de gratidão ativa para com o Estado degenerado da realidade, porque, embora também nele possam nascer filósofos, não é pelo fato de a opinião pública ou os órgãos deste Estado os estimularem que eles nascem lá.”

* * *

3.11.a. As matemáticas como propaideia

A lenda atribui a paternidade desta ciência ao herói Palamedes, que combateu em frente de Tróia e de quem se diz que ensinou ao chefe supremo Agamemnon o uso da nova arte para fins estratégicos e táticos. Platão ri daqueles que assim pensam, pois segundo isto Agamemnon não teria sido capaz até então sequer de contar os dedos, e muito menos os contingentes do seu exército e da sua frota.” “é sabido que o desenvolvimento da ciência da guerra no séc. IV requeria um conhecimento cada vez maior das matemáticas.” “É um estudo humanístico, pois sem ele o Homem não seria Homem.”

Não devemos esperar da sua maneira de enfocar o assunto que ele entre a fundo no conteúdo dos problemas matemáticos e muito menos que exponha todo um curso didático desta ciência.¹ Exatamente como faz ao tratar da música e da ginástica, Platão limita-se a traçar as linhas diretivas mais simples, segundo o espírito das quais se devem estudar estes problemas.”

¹ Não, por Zeus! Só um pouquinho de matemática já está ótimo…

A senda através da Filosofia, que Platão prescreve a esta cultura, exige dos futuros ‘governantes’ um anelo tão puro de cultura, que a referência à importância prática que estes conhecimentos possam vir a adquirir para eles quase pode ser considerada um perigo para a verdadeira fundamentação dos estudos matemáticos. Diz-nos a tradição que Platão levou a sério este problema quando lhe pediram que educasse o tirano Dionísio II para governar segundo as suas concepções. PLUTARCO, Díon, c. 13, informa que o príncipe e toda a côrte dedicaram-se durante certo tempo ao estudo das matemáticas e que o ar ficava cheio do pó que a multidão levantava ao traçar as figuras geométricas no chão. É principalmente a geometria que lhe fornece ocasião para polemizar contra os matemáticos que desenvolvem ridiculamente as suas demonstrações, como se as operações geométricas implicassem um fazer (praxis) e não um conhecer (gnosis).”

(*) “W.A. HEIDEL, ‘The Pythagoreans and Greek Mathematics’, em American Journal of Philology, 61 (1940), pp. 1-33, traça o desenvolvimento dos estudos matemáticos na Grécia mais primitiva, tanto quanto lhe permitem as provas que existem, em círculos não-pitagóricos, especialmente na Jônia.” Visão corroborada pelo recentíssimo (e excelente) trabalho de Tatiana Roque, História da Matemática.

Os pitagóricos medem as harmonias e os tons audíveis entre si e buscam neles o número, mas a sua missão termina onde começam os ‘problemas’, cuja investigação o nosso filósofo considera a verdadeira meta da sua cultura e que põe igualmente em relevo, ao tratar da geometria e da Astronomia.”

a regularidade matemática dos fenômenos celestes pressupõe a existência de agentes dotados de consciência racional.” No astrônomo/observador!

(*) “Timeu, 38 D. Repele-se aqui o exame pormenorizado da teoria das esferas, dizendo-se que este método daria maior importância ao secundário que à finalidade que deve servir. De modo diferente procede ARISTÓTELES na sua Metafísica, 8, onde critica as razões que dão os astrônomos para fixar o número exato das esferas embora se equivoquem ao fazer o cálculo.” Aristóteles dá sempre a impressão, em sua Metafísica, de não reconhecer qualquer diferença entre a Academia (platonismo, com que rompeu) e os pitagóricos (entre o Número e a Idéia enquanto entidades).

Sócrates aparece sempre como o homem que tudo sabe, seja qual for o ponto que se focalize, e embora só lhe interesse o que ele considera fundamental, quando a ocasião se apresenta revela um domínio assombroso em campos de conhecimento que, parece, deveriam ser-lhe estranhos.” “Nesse ponto, temos de controlar muito bem a liberdade soberana com que nos seus diálogos Platão faz de Sócrates o advogado dos seus próprios pensamentos.”

O Sócrates histórico¹ não teria repreendido severamente o seu interlocutor, como o Sócrates platônico, ao ouvi-lo justificar o valor da Astronomia pela sua utilidade para a agricultura, para a navegação e para a arte da guerra.”

¹ Reza a lenda (assim digo porque nunca o li) que Xenofonte é a melhor fonte. Xeno ‘é a melhor’ fonte!

O olhar para o alto em que a Astronomia estudada matematicamente educa a alma é perfeitamente diverso de voltar os olhos para o céu, como fazem os astrônomos profissionais.” Perfeitamente como meu próprio desenvolvimento cognitivo: a física teórica era o que me interessava porque eu desconhecia a metafísica e o ético, mas já queria olhar para dentro de mim mesmo mais do que olhar para um ponto espacial elevado.

A introdução da estereometria constitui uma surpresa e permite a Platão variar um pouco esta parte do seu estudo. A influência da prática de ensino na Academia transparece aqui, indubitavelmente. A tradição da história das matemáticas, que data da baixa Antiguidade e sobe até a obra fundamental de Eudemo, discípulo de Aristóteles, considera autor da estereometria o notável matemático Teeteto de Atenas, em memória do qual Platão escreveu, poucos anos depois da República, o diálogo que tem o seu nome. SUIDAS, Escol., em EUCL., Elem., XIII (t. 5, p. 654, 1-10, Heilberg). A atribuição do descobrimento dos 5 poliedros regulares a Pitágoras por Proclo (no índice geométrico) é lendária, como o provaram de modo irrefutável as recentes investigações de G. Junge, H. Vogt e E. Sachs.”

O conteúdo do último livro (o XIII, dedicado à estereometria dos Elementos de Euclides, a obra fundamental e imorredoura das matemáticas gregas, a qual apareceu uma só geração depois, devia ter essencialmente como base as descobertas de Teeteto.” Cf. T.L. HEATH, A Manual of Greek Mathematics (Oxford, 1931), p. 134.

Como nos encontramos separados por mais de 2 mil anos da época em que as matemáticas gregas receberam de Euclides a forma científica consagrada como clássica, a qual ainda hoje se conserva em vigor dentro dos limites então traçados, não se torna fácil para nós retroceder até a situação espiritual em que esta forma se encontrava ainda em gestação ou tendia a consumar-se. Se levarmos em conta que foi obra de poucas gerações, compreenderemos como o labor concentrado de um punhado de investigadores geniais, empenhados em impulsionar o seu progresso, criou uma atmosfera de confiança, mais ainda, de certeza na vitória”

Nem a filosofia platônica nem qualquer outra grande filosofia poderia ser concebida sem a influência fecundante dos novos problemas levantados e das novas soluções apresentadas pela ciência daquele tempo. Ao lado da Medicina, cuja influência podemos constantemente verificar, foram principalmente as matemáticas que a impulsionaram.” “O mais antigo contato de Platão com as matemáticas deve ter sido anterior às suas relações com os pitagóricos, uma vez que diálogos como o Protágoras e o Górgias, os quais revelam já um nítido interesse pelas matemáticas, foram escritos antes da 1ª viagem do filósofo à Sicília.”

As obras platônicas contemplam um Teodoro velho (Teodoro de Cirene, matemático de uma geração anterior a Teeteto) e um Teodoro jovem (não-matemático).

a tradição assenta numa reduplicação errônea acerca do que aconteceu na 3ª viagem; porém, quem Platão ia visitar na 1ª viagem à Itália, antes de ir a Siracusa (no ano de 388), senão os pitagóricos? É certo que DIÓGENES LAÉRCIO, III, 6, que dá informações sobre o caso, só menciona Filolau e Eurito, mas não Arquitas, como motivo da 1ª viagem.”

Há um dado da antiga biografia de Aristóteles que afirma ter ele cursado a escola de Platão ‘sob Eudoxo’. deste dado concluímos que houve um estreito contato da Academia com o grande matemático deste nome e com a sua escola; esse contato transparece por todas as vias na nossa tradição e nas relações pessoais de Aristóteles com ele, referidas na Ética, e as quais remontam a uma longa permanência de Eudoxo na escola platônica, cuja data se poderia fixar com precisão no ano em que Arist. entrou para a Academia (ano 367).”

Estes fatos indicam-nos insistentemente que nunca devemos perder de vista que o que se desdobra perante os nossos olhos nas obras literárias de Platão é apenas a fachada do edifício científico e das atividades docentes da Academia, cuja estrutura interna ele esboça.” “O fato de as críticas dirigidas a Platão versarem precisamente sobre a hipertrofia das matemáticas prova que era nestas que se via a pedra angular do seu sistema de cultura.”

PLATÃO PRECAVIDO CONTRA O DESPONTAR DO NIILISMO: “O moderno conceito da ciência, que traça a esta limites tão vastos como aqueles que a experiência humana pode alcançar, faz com que a hegemonia exclusiva das matemáticas na paideia platônica nos pareça, se bem que grandiosa, unilateral; isso nos inclina, talvez, a vermos também nesse fenômeno o efeito da supremacia temporal das matemáticas da sua época. Todavia, por mais que a consciência do progresso que irradiava dos seus grandes descobridores houvesse necessariamente de contribuir para a posição de predomínio que as matemáticas desfrutavam na Academia, a verdadeira razão disso deve ser buscada, em última instância, no caráter da própria filosofia platônica e no seu conceito do saber, que excluía da cultura os ramos puramente empíricos do saber. (…) O fato de depararmos, nos fragmentos conservados da comédia ática daquele tempo, com motejos às intermináveis disputas sustentadas por Platão e seus discípulos em torno da determinação do conceito das plantas e dos animais, e sua divisão, não contradiz em nada a imagem projetada diretamente pelos diálogos platônicos.”

* * *

o pensamento está para as opiniões como o Ser está para o devir”

o dialético é o homem que compreende a essência de cada coisa e sabe dar conta dela.”

O nome de ‘guardiões’ – em si estranho –, dado por Platão à classe dominante, foi escolhido, ao que parece, na previsão da virtude filosófica deste supremo estado de vigilância espiritual em que se trata de educá-los.”

Deverão ficar aborrecidos consigo próprios, quando se demonstrar para eles que trabalham em erro, em vez de se rebolarem como os porcos no esterco da sua própria incultura.”

Todas essas idéias são totalmente novas no tempo de Platão e encontram-se em oposição à fé cega no saudável senso comum daqueles que não aprenderam nada além do seu trabalho diário. Desde então têm aparecido no mundo escolas e exames em grande abundância e todavia, se Platão vivesse hoje entre nós, é muito duvidoso que ele pudesse concluir que as exigências estavam cumpridas em todos os requisitos.”

toda a iniciação prematura na cultura espiritual tropeça com um obstáculo enorme: a falta de interesse da criança em aprender. Esta falta de interesse não se pode combater pela coação, pois não há nada de mais oposto à essência profunda da cultura livre que o aprender pelo medo servil a um castigo.” Quem mais se aproxima deste legado pedagógico platônico na modernidade é Rousseau.

A educação espiritual descansará completamente durante este prazo, pois as fadigas e o cansaço são incompatíveis com o estudo.” “O princípio de que a educação espiritual deve reatar-se aos 20 anos tem esse corolário: aquela formação gímnica, que Platão trata de distinguir bem da participação voluntária, mais adiantada ou mais tardia, em outros exercícios de ginástica, deve preencher o período dos 17 aos 20 anos. É a idade em que Atenas instruía como efebos os moços varões aptos para o serviço das armas. O seu tempo de serviço durava 2 anos e começava aos 18.”

A longa duração da formação dialética, que na sua totalidade abrange 15 anos, e nem sequer neste período alcança o seu verdadeiro fim, põe em relevo, melhor do que outra coisa qualquer, o conceito platônico do saber e a essência desta trajetória nas suas diversas fases. A exigência deste plano de estudos parece à 1ª vista o sonho e o anseio de um especialista a quem os planos de ensino da sua disciplina não deixam nunca a margem de tempo que ele julga precisar para a consecução perfeita dos seus objetivos e que, pondo-se a ruminar uma utopia pedagógica, reclama para o estudo das suas matérias tantos anos de ensino quantos os meses que lhe são dedicados ao plano real.” “de um estudo da Filosofia limitado a alguns anos, como era habitual na sua época e ainda hoje continua a ser, nada havia a esperar, nem quanto à formação filosófica nem quanto à educação dos governantes.” Interessante. Quem sabe a completa marginalização da filosofia pelo Estado não seja o melhor que poderia acontecer?

A formação dialética de 15 anos que vai dos 20 aos 35 é, neste plano, o fundamento intelectual sobre o qual assenta a cultura dos governantes. E é extraordinariamente elucidativo que este ensino finde, como parecia natural, com o conhecimento da idéia do Bem: entre o período de formação dialética e esta base suprema, Platão intercala um 2º período de estudos de 15 anos, que vai dos 35 aos 50.”

Platão vê o perigo da dialética criar um sentimento de pretensa superioridade que leve os adeptos a usarem a arte recém-adquirida para refutar os outros e a fazerem deste jogo um fim em si.”

Platão esforça-se sempre por fazer compreender a diferença existente entre a paideia e a paidia, quer dizer entre a cultura e o mero passatempo.” “palavras que em grego têm, além do mais, a mesma raiz, já que ambas se relacionam originariamente com os atos da criança, do pais. (…) É curioso que os gregos tenham encontrado o problema do jogo na época em que aspiravam a penetrar de um modo filosófico mais profundo na paideia, matéria que eles levavam tão a sério. Contudo, a passagem do jogo para a máxima seriedade foi desde sempre o autenticamente natural”

a dialética conduz à refutação das idéias dominantes sobre o justo e o belo, i.e., das leis e costumes em vigor, sob os quais os jovens se criaram como se fossem seus pais.”

Platão entende que a garantia fundamental contra a anarquia reside na trajetória da cultura dialética acabar o mais tarde possível – é por isso que fixa seu final aos 50 anos”

O problema do número não é importante, uma vez que não afeta a própria essência da constituição. Podemos caracterizá-la como uma aristocracia no verdadeiro sentido da palavra. A cultura grega tivera por ponto de partida a nobreza de sangue; agora, no final de toda a evolução reaparece na visão platônica o princípio seletivo de uma nobreza do espírito, quer ela governe quer não.”

Não é um novo Estado, como nas Leis, que Platão toma como ponto de partida, mas sim uma polis já existente, que importa transformar.” Curiosamente o estereótipo é contrário (Leis como programa mais pragmático e, portanto, como se usara outra base). E isso porque a geografia ou formalidade da polis nada tem que ver: espiritualmente, o povo que migra já tem as condições mínimas (não ideais, mas satisfatórias mundanamante) para a instituição das Leis; já a República se fará aos poucos, como dito acima, não importa que no mesmo território, erradicando de tijolo em tijolo a moral corrompida dos pais dos primeiros guardiães, até consolidar-se o Estado ideal, e transformar a Filosofia numa crisálida, o que não significa tornar-se estanque: se é a melhor das Filosofias, ela justamente não decai nem corrompe, nem é substituída, por ser autêntica e dinâmica a cada florescer de uma nova gerações de guardiães. Na forja do Estado ideal não tem-se uma colônia desabitada para povoamento, mas tem-se todo o tempo do mundo. Se apenas a Europa moderna soubesse o verniz do primeiro…

3.11.b. A doutrina das formas de Estado como patologia da alma humana [Aristóteles como “o psiquiatra”]

só existe um Estado perfeito, ao passo que são numerosíssimas as variedades do Estado defeituoso.”

Também Aristóteles, na sua Política, enlaça numa unidade a teoria do Estado perfeito com a das formas falsas do Estado. O fato de que uma só ciência se encarrega destas 2 missões, aparentemente tão distintas, é considerado por ele um problema, que trata a fundo. [Aí seria necessária uma Ciência (da Grande) Política] Arist. (…) começa a investigar uma a uma todas as formas de Estado existentes, algumas das quais reconhece como acertadas, para finalmente expor o que entende por Estado perfeito [estudo de caso, mera observação empírica do que estava-ali]. É exatamente ao contrário de Platão que procede: este parte do problema da justiça absoluta e do Estado ideal em que ela se realiza, apresentando a seguir todas as demais formas do Estado como desvios da norma, e portanto como fenômenos de degenerescência.” Deus é a medida.

Podemos dar a questão por perdida quando a Política passa a ser um problema político, e não mais educacional. Neste mundo, não há “medicinas alternativas”!

O fato de existirem poucos homens, animais ou plantas perfeitamente sãos não converte a enfermidade em saúde nem faz da média deficiente, acusada na experiência, a norma.”

As formas reais do Estado são todas fenômenos de enfermidade e degenerescência.”

O DEVIR E O BEM: “Toda a teoria de Platão e de Arist. sobre as transformações do Estado não é senão uma teoria da stasis, palavra que tem em grego um significado mais vasto que o nosso conceito de ‘revolução’.”

Ainda na patologia vegetal de Teofrasto, que tem a forma clássica na sua obra Das Causas das Plantas, vemos claramente refletida a luta entre o conceito rigorosamente platônico da norma como a forma melhor e mais conveniente da planta, i.e., como a sua arete, e o conceito puramente estatístico do normal.”

É talvez pelo seu realismo e pela maneira como capta os pontos fracos, que a análise que Platão faz do tipo democrático se distingue da glorificação de Atenas feita na oração fúnebre de Péricles; e distingue-se também do panfleto crítico Constituição de Atenas, pela ausência de qualquer ressentimento oligárquico.”

O Estado real que mais se aproxima do Estado perfeito é o espartano” “A exposição deste sistema, para o qual Platão cria o conceito novo da timocracia, atendendo ao lado de que se ajusta por inteiro à pauta da honra, apresenta o encanto especial da individualização histórica, ao contrário das outras formas de Estado”

é conveniente estabelecer um paralelo entre a sua imagem de Esparta e o seu ideal de Estado, para ver o que no Estado platônico difere conscientemente do Estado espartano. Ainda mais importante, a este respeito, é a crítica direta do Estado espartano, nas Leis, livros I-II. É a falsa liga dos ‘metais’ que determina a composição contraditória do tipo espartano de homem. O elemento de ferro e de bronze nele existente impele-o ao lucro, à aquisição de dinheiro e de bens imóveis. Esse elemento, que é um elemento pobre da alma, tende a equilibrar-se por meio da riqueza exterior. Em contrapartida, o elemento de ouro e de prata impulsiona-o para a arete e o reconduz ao estado originário.” “Desta forma os elementos fundidos no caráter espartano entrechocam-se, até que por fim chegam a um compromisso entre a aristocracia e a oligarquia.” “os membros das classes inferiores, que antes gozavam da proteção daquela [a aristocracia] e eram chamados amigos e sustentáculos dos governantes, vêem-se reduzidos à escravidão e são doravante considerados periecos e hilotas. Vigiá-los torna-se para a camada dominante, em que se convertem os governantes, uma tarefa não menos importante que a de salvaguardar militarmente o Estado contra os perigos do exterior.” Vigiar é diferente de guardar.

Esparta inclina-se para o tipo de homem simples e corajoso, mais apto para a guerra do que para a paz.” “No exterior ostenta máxima sobriedade, mas as habitações privadas são verdadeiros tesouros e ninhos de luxo e dissipação.” “como crianças às escondidas dos pais, entregam-se voluptuosamente e em segredo aos prazeres proibidos, à margem da lei, que o Estado se glorifica de personificar.” “Esta hipocrisia é o produto inevitável da educação espartana, que não se baseia na convicção interior do Homem, mas numa rotina imposta à força. É a seqüela da carência de uma cultura verdadeiramente musical, que vem sempre unida à razão e à ânsia de saber.”

MÉTODO ANTI-HISTÓRICO: “Em toda esta parte da República, Platão invoca de novo o princípio fundamental a que o filósofo da paideia se deve ater: o método de fazer ressaltar o típico. O homem espartano (…) é, por isso, uma invenção platônica.”

TODO VALOR-BASE (VALOR DOS VALORES) IMPLICA UMA HIERARQUIA, E UMA HIERARQUIA, A ASSUNÇÃO DE UMA PERSPECTIVA: “Para Platão, o tipo representa a personificação de um valor ou de uma determinada fase de valor.” Enquanto, inversamente, na modernidade, o tipo-ideal de Weber, p.ex., pretende-se axiologicamente neutro.

autárquico, amigo das musas, embora de per si bem pouco musical; amigo de ouvir, mas perfeitamente incapaz de falar. É áspero para os escravos: ‘em vez de ser indiferente para com os escravos, como é o homem realmente culto.’ (Rep., 549 A 2)”

é obediente aos superiores, mas cobiçoso de poder e desejoso de se distinguir.” “Talvez despreze o dinheiro na juventude, mas, à medida que envelhece, vai nele se instalando a avareza.” “Talvez tenha um pai excelente que vive num estado mal-governado, o que o leva a se conservar o mais afastado possível das honras e dos cargos, e a velar um pouco o seu brilho, para não atrair sobre si atenções demais. Mas a mãe é uma mulher ambiciosa, que se sente insatisfeita com a posição ocupada na sociedade pelo marido. (…) Aborrece-a também que ele não a tenha em maior estima, e se limite a prestar-lhe a atenção estritamente necessária. Tudo isso a leva a inculcar no filho a idéia de que o pai é pouco viril e é preguiçoso, e todas aquelas coisas que as mulheres sempre dizem dos maridos deste tipo.¹ Também os escravos ganham suas simpatias, dizendo-lhe ao ouvido que o seu pai não é tão respeitado como devia ser, porque as pessoas como ele são consideradas palermas. Deste modo, a alma do filho é seduzida e arrastada, pois, enquanto o pai ‘rega’ e fortalece nele a parte racional da alma, as demais pessoas que o cercam estimulam nele a parte ambiciosa e impulsiva”

¹ Preconceito sexista?

O que essencialmente interessa a Platão, no seu estudo comparativo das diversas constituições, é captar estas diferenças típicas de estrutura do homem individual em cada uma das diferentes formas de Estado.”

O mais provável é que a sua análise do homem espartano fosse escrita um pouco antes da bancarrota do poder de Esparta, que ninguém esperava.”

seu Estado educacional, longe de representar o ponto culminante do império espiritual do ideal espartano, é de fato o golpe mais rude vibrado neste ideal.” “em Platão (…) a Esparta real desce das alturas de um ideal absoluto para a categoria da melhor das formas imperfeitas do Estado.”

É pela tirania que Platão sente a aversão mais profunda. Mas este sentimento fundamental, que parece ligá-lo à democracia clássica, separa-o, na realidade, desta forma de regime do seu tempo.” “Entre a liberdade e a escravidão não é só uma antítese que existe, pois os extremos às vezes se tocam”

A oligarquia é, por assim dizer, uma aristocracia baseada na crença materialista de que é a riqueza que constitui a essência da distinção.”

a falta de disposição dos ricos de contribuírem para os encargos da guerra.”

Ao chegar aqui, deparamos com uma reflexão muito detalhada sobre questões econômicas, a que não se deu importância nenhuma ao traçar a estrutura do Estado perfeito, porque este se preocupava exclusivamente com a missão educacional e deixava de lado todo o resto. Platão estabelecerá mais tarde nas Leis, de modo positivo e de forma legal, o que aqui expõe de forma crítica e de passagem, no plano dos princípios.”

a evolução operada no jovem” “Mata na alma a ambição em que o pai o educara e com ela a parte egoísta e impulsiva da qual brotam todos os atos ambiciosos. Humilhado pela pobreza, dedica-se à poupança e ao trabalho, e vai juntando moeda após moeda.”

“‘democratas moderados’, chamados de ‘oligarcas’ pelos democratas radicais.”

Platão domina maravilhosamente a arte de evitar a repetição pedante das mesmas idéias fundamentais em cada nova metabasis, ocultando-as por detrás de imagens que exprimem com grande força plástica as três partes da alma e as relações normais que entre elas devem existir.”

o homem oligárquico: homem poupador, trabalhador, eficiente, que em sóbria disciplina submete todos os outros anseios à ânsia única de acumular dinheiro, que desdenha as formas belas e não tem o mínimo sentido para a cultura, para a paideia, como o prova o fato de ele eleger um cego, Plutos, para chefe do coro. A sua incultura (apaideusia) estimula nele os impulsos do zangão, os instintos do pobre e do delinqüente, nascidos da mesma raiz da cobiça de dinheiro.” “sabe comedir-se (…) por medo” “visto de fora, o homem de dinheiro aparece como um tipo extraordinariamente belo e correto, mas há nele muito de fariseu, pois essa classe de homens não conhece o que é a verdadeira virtude e a harmonia interior.”

A existência de uma camada cada vez mais vasta de pessoas empobrecidas, exploradas pelos ricos, e o predomínio da usura e do juro acabam por se converter em causa de mal-estar e de perturbações sociais.” Quanta diferença para os tempos do “mercantilista” Montesquieu!

Nunca o realismo platônico se eleva a tão grande altura como quando descreve a psicologia do homem simples que, queimado pelo sol, nervoso e musculado, luta na guerra ao lado de um daqueles homens ricos, a quem vê debater-se, impotente, sob a gordura inútil”

Num abrir e fechar de olhos o Estado oligárquico desaparece e se instala a democracia.”

NASCE O LUGAR DE FALA: “Todos os cidadãos alcançam direitos iguais e os cargos são preenchidos por sorteio. É este traço, para Platão, a verdadeira característica essencial da democracia”

De um ponto de vista histórico, confunde-se aqui um fenômeno degenerativo com a própria essência da coisa, pois os próprios criadores da democracia ateniense coincidiram na crítica à mecanização da idéia de igualdade, tal como ela se manifesta na provisão de cargos por sorteio.”

No Menexeno,¹ seguindo a velha prática das orações fúnebres dos guerreiros, Platão exalta os méritos da democracia, por ter salvo a nação nas guerras pérsicas; mas na República não se faz nenhuma alusão a eles.”

¹ https://seclusao.art.blog/2019/12/01/menexeno/.

a idéia do dever de prestar contas, que é, segundo Os Persas de Ésquilo, o que distingue a forma de Estado ateniense do despotismo asiático.”

O indivíduo triunfa no seu caráter fortuito, naturalista; mas é precisamente isto que faz com que ‘o Homem’ e a sua verdadeira natureza sejam preteridos. Esta emancipação do indivíduo prejudica tanto o Homem como o sistema da coação e da disciplina exagerada que oprime o indivíduo. O que Platão descreve como o homem democrático é o que hoje chamaríamos de tipo individualista, que, tal como o tipo ambicioso, o avarento e o tirânico, surge efetivamente em todas as formas de Estado, mas constitui um perigo especial para a democracia.”

Platão acha duvidoso o valor desta liberdade porque todo mundo a goza.”

essa é a tua opinião, mas a minha é outra. Ao chegar aqui, o educador, que nesta atmosfera de incontrolabilidade sente-se como poderia sentir-se o peixe na terra seca, entra em choque com a tolerância política, que prefere escutar uma opinião insensata a reprimi-la pela violência.”

Aquele que se vir destituído do seu cargo pela lei ou por uma decisão judicial, continua apesar disso a governar,(*) [pelo dinheiro] sem que ninguém lhe impeça. O espírito da tolerância impera aqui sobre a justiça.

(*) Rep. 557 E.”

Por sua vez, são os próprios patrióticos guardas desta constituição ateniense que mais tendem a censurar estes defeitos do sistema, embora não se mostrem dispostos por isso a renunciar a suas vantagens.”

Enviam para o exílio o respeito (aidos), o qual chamam de tolice, e procedem à troca de nomes de todos os conceitos de valor. À prudência chamam agora falta de virilidade, à moderação e à ordem, mesquinhez inculta; e desterram dali todas as virtudes. Sob roupagens sedutoras, entronizam entre gritos de louvor tudo o que é contrário ao que elas representam, e chamam a anarquia de liberdade, a dilapidação dos bens do Estado de magnanimidade, e a desvergonha de valentia.”

TUCÍDIDES, III, 82, 4. Tal como aqui Platão, também ISÓCRATES no Areopagítico, 20, está evidentemente influenciado pela análise das crises políticas e dos seus sintomas em Tucídides. Esta teoria das crises adaptava-se magnificamente à concepção médica que Platão tinha dos fenômenos que se processavam no Estado e na alma dos indivíduos. Já acima, p. 452s., mostramos, à luz do exemplo do problema da causa da guerra, quanto estava o próprio pensamento de Tucídides fortemente influenciado pelo modelo da Medicina. Um novíssimo rebento do ponto de vista de Tucídides é a teoria das crises políticas que Jacob BURCKHARDT sustenta nas suas Weltgeschichtlichen Betrachtungen.”

Fiel a sua premissa, atribui ao homem democrático como tal a culpa exclusiva do que o historiador apresenta para a Grécia inteira como conseqüência deplorável da guerra do Peloponeso.”

Tão cedo viverá entre canções e vinho, como beberá água e emagrecerá; tão cedo se dedicará ao esporte como se sentirá mole e inativo ou entregue apenas aos interesses espirituais. Às vezes lança-se na política, levanta-se e fala, outras vezes retira-se para o campo, por achar formosa a vida rural, ou então dedica-se à especulação. A sua vida carece de ordem, mas ele a chama de vida formosa, liberal e feliz. Este homem é uma antologia de diversos caracteres e alberga um tesouro de idéias que se excluem uns aos outros.

A valorização platônica do homem democrático é absolutamente determinada pela conexão psíquica direta entre este tipo e as origens da tirania. É certo que a tirania é aparentemente a forma que mais se aproxima do Estado que Platão considera melhor. Tal como a monarquia do sábio e justo assenta no império de uma só pessoa.”

é apenas a forma da concentração e da unidade suprema de uma vontade, que tanto pode ser justa como absolutamente injusta. A injustiça é o princípio em que se baseia a tirania. Este antagonismo que se encerra sob uma forma exteriormente semelhante converte a tirania na caricatura do Estado ideal, para Platão, e a aproximação dela é o critério do mal. A tirania se caracteriza por um máximo de falta de liberdade. E é precisamente isso que explica que ela provenha da democracia, um regime que outorga um máximo de liberdade, visto que a exaltação extrema de qualquer estado de coisas, ao tornar-se um exagero, faz com que ele se transforme no contrário.” “Esta explicação médica do processo político baseia-se, naturalmente, na experiência do último quarto de século transcorrido desde a guerra do Peloponeso. A tirania antiga surgira com a passagem da aristocracia à democracia; a chamada tirania nova, do tempo de Platão, era a forma típica de liquidar a democracia, na altura em que esta chegava à fase mais radical e já irreversível da sua evolução.”

a experiência histórica posterior parece dar-lhe razão”

Para impedir esta passagem, a República romana chegou até, em épocas difíceis, a realizar a tentativa vitoriosa de converter em instituição legal da democracia o império de um único indivíduo, durante um período limitado: era este, com efeito, o significado do cargo de ditador.”

É certo que a teoria platônica das passagens de umas formas de Estado para outras não pretende apresentar nenhuma sucessão histórica; mas, pela maneira como apresenta a crise da liberdade, é o futuro de Atenas que Platão encara nos anos da última reintegração aparente que estava reservada a sua cidade. Talvez a história tivesse realmente seguido este caminho durante mais ou menos tempo, se o Estado ateniense pudesse continuar a se desenvolver, sujeito a meras leis internas. A tirania, porém, não surgira no próprio seio da democracia, mas seria imposta a ela por uma potência externa.”

Os pais adaptam-se ao nível da idade infantil e têm medo dos filhos; estes portam-se como adultos prematuros e pensam como velhos. Não sentem o mínimo respeito pelos pais nem dão guarida a nenhum sentimento de pudor, já que ambas as coisas chocariam o seu sentimento da verdadeira liberdade. Pessoas estranhas e estrangeiras arrogam-se a mesma posição que se fossem cidadãos do Estado, e os cidadãos vivem dentro do Estado desinteressados dele, como se fossem estrangeiros.” “Entre os jovens reina um espírito de maturidade próprio da velhice, ao passo que entre os velhos está na moda o espírito juvenil e nada se evita com tanto cuidado como a aparência de dureza e de rigor ‘despótico’.” Nada parece resumir com mais franqueza a impressão que tenho dos meus anos 2005-2016.

Parece-lhe que em nenhum lugar como no Estado democrático os cães, os burros e os cavalos andam com tanta liberdade, com tanto desembaraço e com tão grande sentimento de si próprios. Parecem querer dizer a todos os que encontram na rua: se você não sair da frente, não sou eu que vou lhe dar passagem.” O acabamento da Antropologia pede a supremacia da Veterinária.

Os zangões, cujo efeito pernicioso já pudemos observar no Estado oligárquico, são igualmente na democracia os germes das doenças que põem em perigo a vida coletiva. Um sábio apicultor elimina-os a tempo, do povo, a fim de salvar o conjunto da colméia. Os zangões são os demagogos que falam e atuam na tribuna, enquanto a massa zumbe a sua volta e não consente que ninguém exteriorize uma opinião diferente. O mel é a fortuna dos ricos e constitui o verdadeiro alimento dos zangões. A massa da população politicamente inativa, que vive do trabalho das suas mãos, não possui nada de grande, mas é chamada a decidir nas assembléias, e os demagogos pagam-lhe com um pouco de mel, quando ela se decide a confiscar a fortuna dos ricos; mas é para si próprios que os zangões guardam a maior parte dessa fortuna. Os abastados lançam-se na política para se defenderem com as únicas armas eficazes dentro do Estado. [as palavras] Por outro lado, porém, a sua resistência é interpretada como um grito de combate e a massa confere ao seu chefe poderes ilimitados. E assim nasce a tirania.” Perfeito.

Para proteger a vida, cerca-se de uma guarda pessoal que deliberadamente lhe entrega a multidão, a qual é suficientemente tola para se preocupar mais com ele do que consigo própria.”

Começa a agir como amigo do povo e seduz todo mundo com o seu trato afável. Nega que o seu governo tenha algo de comum com a tirania e faz ao povo grandes promessas” “Mas, para se tornar indispensável como chefe, vê-se forçado a procurar pretextos contínuos para realizar empreendimentos bélicos. Isto vai pouco a pouco atraindo sobre ele o ódio cada vez maior do povo, e as críticas sobem mesmo aos lábios dos seus sequazes mais fiéis e dos conselheiros mais chegados, os quais o ajudaram a subir ao poder e hoje ocupam elevados postos. E não tem outro remédio senão afastá-los todos, se quiser manter o seu poder. Os homens mais valentes, os mais puros e os mais sábios vêem-se obrigados a tornarem-se seus inimigos”

E para poder sustentar um séquito tão grande, precisa praticar mais um desacato: o confisco dos bens sagrados para o Estado. Finalmente o povo repara no que criou. Para fugir da sombra da escravidão que receava da parte de homens livres, caiu num despotismo entregue em mãos de escravos.”

Platão é o pai da psicanálise. É ele o primeiro que desmascara a monstruosidade do complexo de Édipo, a volúpia de se unir sexualmente à própria mãe, como sendo parte do eu inconsciente, que ele traz para a luz por meio da investigação das experiências dos sonhos; e apresenta ainda toda uma série de recalcados complexos de desejos análogos a este, que vão até o comércio sexual com os deuses,¹ a sodomia e o simples desejo de matar. Rep. 571 C-D” O leitor do século XX é mesmo um imbecil! O lado esclerosado de Platão, no que se refere à homofobia de um ateniense. (!!) Chega a ser incrível cunhar a frase. Curioso, aliás, como a sodomia faz Grécia e “Israel” confluírem.

¹ Ao quê isso hoje se equipara? Ex-Big Bosta Brasil, Anitta?…

LEI SOCIOLÓGICA: Quanto mais homofobia, mais gays. A sina LGBT.

SÓCRATES NA CELA (FÉDON): “Assim como, na sua opinião, é no irracional que se preforma o racional, também é no inconsciente que o irracional se forma. Da descoberta platônica das conexões existentes entre a vida dos sonhos e os atos do homem desperto tira Aristóteles sugestões importantes para as suas investigações sobre os sonhos; mas as investigações aristotélicas têm mais um caráter de ciências naturais” Não diga! E por isso não chegam a conclusão alguma. Bom, pelo menos ele tampouco inventa conclusões, como Freud!

Esta pedagogia do sono teve grande influência nos últimos tempos da Antiguidade.” “Não é moral, mas dietética, a receita que Platão dá à alma para o sono.”

O exemplo que nos 4 casos apresenta para pôr em destaque a deterioração da fase seguinte é o de um jovem que forma as suas opiniões e os seus ideais em oposição com os do pai.” “À medida que o pai exagera unilateralmente a sua tendência para o ideal que persegue, tendência legítima dentro de certos limites, a resistência natural da juventude perante os velhos, a qual se agita na alma do filho, vê alimentada a sua repugnância contra a adaptação integral ao tipo paterno da arete.”

tanto na alma como no Estado, o que fomenta a anarquia é o problema dos desempregados.”

A experiência mostra que a essência do tirânico está sempre associada principalmente a 3 forças psíquicas de destruição: o erotismo, o alcoolismo e a depressão maníaca. É quando o homem se torna, por predisposição, por hábito ou pelas duas coisas ao mesmo tempo, alcoólico, erótico ou melancólico, que a alma tirânica surge.”

Eros, o grande tirano, arrasta-o a todas as loucuras”

o tirânico existe em todos os tamanhos, desde o pequeno ladrão e salteador até o homem que as pequenas almas de tirano conseguem elevar ao poder supremo do Estado (…) Finalmente, repete-se numa fase superior o mesmo espetáculo de violência que a princípio o pequeno tirano dava em relação ao pai e à mãe e que agora o tirano grande faz contra a sua pátria-mãe e pai.”

Dáimon é o deus na sua ação e significado voltados para o Homem.”

Existem em grego várias palavras para exprimir o que nós chamamos ‘vida’: aion designa a vida como duração e tempo delimitado de viver; zoe significa antes o fenômeno natural da vida, o fato de estar vivo; bios é a vida considerada como unidade de vida individual, a que a morte põe termo, e também como subsistência: é, por conseguinte, a vida enquanto qualitativamente distinta daquela de outros seres humanos.”

São como os gregos que, às portas de Tróia lutavam pela recuperação de Helena sem saberem que a Helena de Tróia não passava de uma imagem enganosa e que, como conta Estesícoro, a verdadeira Helena se encontrava no Egito.” “E Platão leva tão longe o seu jogo irônico que determina as distâncias relativas a que os tipos de Homem correspondentes às diversas formas de Estado se encontram do verdadeiro prazer, calculando que o tirano vive 729 vezes menos agradavelmente que o homem platônico.”

O leão é o Homem considerado como ser temperamental, com os seus sentimentos de cólera, de pudor, de coragem, de entusiasmo. Mas o verdadeiro Homem, ou o Homem no homem, como este novo conceito é maravilhosamente explicado na alegoria platônica, é a parte espiritual da alma.”

Platão pediu-nos que o acompanhássemos na descoberta do Estado, e em vez dele descobrimos o Homem. Quer o Estado ideal seja realizável no futuro, quer seja irrealizável, podemos e devemos construir sem cessar o ‘Estado em nós’.” “este é o maior de todos os paradoxos forjados pelo pensamento de Platão.”

Na luta pela renovação da polis, esta renovação do próprio indivíduo era originariamente concebida como o germe de uma nova ordem universal. Porém, a interioridade da alma revela-se por fim como o último refúgio da inquebrantável vontade normativa do antigo homem da polis grega, que soubera construir outrora a cidade-Estado, mas que agora já não encontra no mundo nenhuma pátria.”

A seriedade com que nos tempos primitivos e no período clássico do Helenismo tinham sido concebidas as relações entre o indivíduo e a comunidade pareceu durante muito tempo traduzir-se num entrelaçamento sem par da vida do indivíduo com o espírito da polis. Do ponto de vista de Platão, contudo, compreendemos que precisamente este entrelaçamento total, caso se leve a cabo coerentemente, nos faz sair fora da esfera terrestre do Estado e nos eleva ao único mundo onde real e verdadeiramente pode imperar: o mundo divino.”

3.12 A República – III

como costuma acontecer em Platão, o problema da forma implica um profundo problema filosófico”

Na educação posterior dos governantes, baseada já num saber puramente filosófico, a poesia e a cultura musical não desempenham papel importante, razão pela qual Platão não teve até agora ocasião de dizer a sua última palavra acerca da missão educativa da poesia, do ponto de vista da Filosofia, i.e., do puro conhecimento da verdade. (…) Portanto, justifica-se absolutamente que Platão examine uma vez mais, sobre esta base, a questão da poesia.”

esta última batalha decisiva entre a Filosofia e a poesia. (…) Do ponto de vista ‘moderno’, que encara a poesia como simples literatura, é difícil de compreender esta exigência, que parece uma ordem tirânica, uma usurpação de direitos alheios. Mas, à luz da concepção grega da poesia como representante principal de toda a paideia, o debate entre a Filosofia e a poesia tem necessariamente de recrudescer no momento em que a Filosofia ganha consciência de si própria como paideia e por sua vez reivindica para si o primado da educação.

Este problema converte-se forçosamente num ataque a Homero, entre outras coisas porque todos amam este poeta, e portanto se compreenderá melhor quanto é sério o problema levantado, se o ataque incidir sobre ele, o poeta por antonomásia. (…) Dissuadiram-no até agora de professar publicamente estas opiniões uma timidez e um respeito santos para com o poeta, sentidos desde criança.”

É contra a poesia trágica que é dirigida a força principal do ataque, pois é nela que se manifesta mais vigoroso o elemento ‘patético’ impulsionador da ação que a poesia exerce sobre a alma.”

(*) “A descrição que em Íon, 531 C, Sócrates faz do conteúdo tão complexo do mundo das idéias homéricas parece muito com a de Rep., 598 E.”

Ainda na obra de Plutarco sobre a vida dos poetas, pertencente à época imperial, deparamos com igual feição realístico-escolar de considerar a poesia homérica a fornte de toda a sabedoria.”

Encontramo-nos aqui numa viragem da história da paideia grega. A luta trava-se em nome da verdade contra a aparência. (…) E como nunca nem em parte alguma, talvez, se poderá vir a realizar o Estado ideal, como Platão acaba de declarar, o repúdio da poesia não significa tanto o seu afastamento violento da vida do Homem, como uma delimitação nítida da sua influência espiritual para quantos aderirem às conclusões de Platão. A poesia estraga o espírito dos que a ouvem, se eles não possuírem o remédio do conhecimento da verdade. Isto quer dizer que se deve fazer descer a poesia para degrau mais baixo. Continuará sempre a ser matéria de gozo artístico, mas não lhe será acessível a dignidade suprema: a de se converter em educadora do Homem.” Terá sido fortuito meu gosto pela poesia ter despertado apenas mais tarde?

ATRÁS DO FILÓSOFO E DO MÚSICO: “a relação que existe entre a poesia e a verdade e entre a poesia e o Ser.” “Tal como alguém que pretendesse criar um segundo mundo, colocando a imagem deste no espelho, assim o pintor se limita a traçar a simples imagem refletida das coisas e da sua realidade aparente.” “O pintor é, assim, o criador imitativo de um produto que, à luz da verdade, ocupa o terceiro lugar. O poeta pertence à mesma categoria”

só lhe interessa saber se possuía a arte política e se era realmente capaz de educar os homens. Pergunta ao poeta, como num exame com todas as regras, se alguma vez melhorou uma cidade ou aperfeiçoou as suas instituições, como os antigos legisladores, ou se ganhou uma guerra, ou se, como Pitágoras e os seus discípulos, ofereceu aos homens, na vida privada, o modelo de uma vida nova (bios). Mas é indubitável que nunca chegou a congregar em redor de si, como os sofistas, os mestres da educação contemporâneos, discípulos e seguidores dedicados a cantar-lhe a fama. Isso era, sem dúvida, uma sátira manifesta aos sofistas, que consideravam Homero e os poetas antigos como seus iguais” Séculos nos separam como se fosse ontem!

A poesia é como o esplendor juvenil de um rosto humano, que em si não é belo e cujos encantos, por isso, desaparecem com a juventude.” Atribui à Poesia a crítica que Cálicles atribui à Filosofia.

É a consciência profunda de que a poesia não é uma planta que floresça em qualquer estação, idéia que pela 1ª vez começa a desenhar-se no espírito grego.”

A elevação do eu moral acima do Estado em decomposição, a substituição do espírito criador pela forma poética da criação, o retorno da alma a si própria, tudo isso são rasgos que só um gênio de primeira grandeza, como Platão, podia captar como visão de uma nova realidade.”

A sua obra é o reflexo dos preconceitos e ideais dominantes, mas falta-lhe a verdadeira arte da medida, sem a qual não é possível sobrepor-se à aparência. Em todo este diálogo é notável a ironia de Sócrates, que veste as suas profundas reflexões com a conhecida roupagem pedante e deixa ao leitor muita coisa em que pensar, com a escolha dos exemplos das mesas e das cadeiras.”

Mas a poesia coloca-se na fase infantil e, à semelhança da criança, que, ao sentir uma dor, leva a mão à parte dolorosa do corpo e chora, também ela acentua ainda mais o sentimento de dor que representa, imitando-a.”

Oh, I can no more!” – quão insuportável se tornou ler Dumas Filho e Eça de Queirós!

a parte passional da alma está sempre excitada e aparece sob múltiplas formas e, portanto, é mais fácil de imitar.” Um ator mediano não seria capaz de imitar o “ébrio contido”, tal qual Sócrates no Banquete. Já Alcibíades é um tipo muito simples e acessível!

Interessa-lhe um aspecto da alma diferente do psicofísico, interessa-lhe a alma como receptáculo de valores morais.”

Tal como o Estado, também a alma do Homem não se mostra nunca sob a sua forma perfeita, quando encarnada na realidade terrena. Só a vemos no estado em que Glauco a pinta, no emergir da ressaca da vida, coberta de algas e de conchas, alquebrada e gerida aqui e ali, estragada pelas ondas, mais semelhante a um bicho do que ao seu verdadeiro ser.”

A estrela polar do homem platônico já não pode ser a fama alcançada entre os seus concidadãos, como o fôra durante todos aqueles séculos de esplendor da antiga polis grega, mas apenas a fama perante Deus.” O Homem ou representantes da arete.

Faz uma tentativa audaciosa para conciliar a consciência moral do dever, que vive em nós, com a antiga e oposta fé grega no daimon, que encadeia magicamente todos os atos do Homem, desde o princípio até o fim. § A idéia da paideia pressupõe a liberdade de opção;(*) mas a ação do daimon pertence à esfera da ananke.

(*) (…) O conceito de opção em sentido ético, aparece desde muito cedo em Platão, relacionado com o problema da reta conduta (…) É sobre esta base que depois Arist. constrói na Ética a sua teoria da vontade.”

O único saber com valor é saber escolher, pois dá ao Homem a capacidade de adotar a verdadeira decisão. É este o sentido do mito, que o próprio Platão explica.”

LIVRO QUARTO: O CONFLITO DOS IDEAIS DE CULTURA NO SÉCULO IV

Este livro parte do mesmo ponto do que o precede, mas segue uma linha de desenvolvimento intelectual diferente. (…) O livro regressa na 2ª parte a Platão e estuda a fase posterior da sua carreira como filósofo.

4.1 A Medicina como paideia

Pode-se afirmar sem exagero que sem o modelo da Medicina seria inconcebível a ciência ética de Sócrates, a qual ocupa o lugar central nos diálogos de Platão.”

Apesar de tão evoluída, a Medicina dos nossos dias, fruto do renascimento da literatura médica da Antiguidade clássica na época do humanismo, é, pela sua especialização rigorosamente profissional, algo de totalmente distinto da ciência médica antiga.”

(*) “Anteriormente, ao contrário, era de Tales que se fazia partir a história da Medicina grega, de acordo com a teoria de CELSO (I Proem., 6), segundo a qual a filosofia onicientífica abarcava primitivamente todas as ciências. Isto é uma construção histórica romântica da época helenística.”

A Medicina jamais teria conseguido chegar a ciência, sem as investigações dos primeiros filósofos jônicos da natureza”

(*) “J.H. BREASTED, The Edwin Smith Surgical Papyrus published in Facsimile and Hieroglyphic Transliteration with Translation and Commentary (2 vols, Chicago, 1930). Cf. Abel REY, La Science Orientale avant les Grecs (Paris, 1930) (…) MEYERHOF, ‘Über den Papyrus Edwin Smith, das älteste chirurgiebuch der Welt’ in Deutsche Zeitschrift für Chirurgie, t. 231 (1931), pp. 545-90. »

Aos médicos egípcios não faltava por certo especialização, muito acentuada entre eles, nem empirismo. A solução do enigma não pode ser mais simples: reside pura e simplesmente no fato de aqueles homens não terem do conjunto da natureza o ponto de vista filosófico que os jônios tinham. Sabemos hoje que a Medicina egípcia já era bastante forte para superar a fase de magia e de bruxaria que a metrópole grega ainda conheceu no mundo arcaico que rodeava Píndaro.”

Quando um médico [todos os profissionais eram peripatéticos, ambulantes] chegar a uma cidade desconhecida para ele, deve determinar, antes de mais nada, a posição que ela ocupa em relação às várias correntes de ar e ao curso do Sol … assim como anotar o que se refere às águas … e à qualidade do solo … Se conhecer o que diz respeito à mudança das estações e do clima, e o nascimento e o ocaso dos astros … conhecerá antecipadamente a qualidade do ano … Pode ser que alguém julgue isto demasiadamente orientado para a ciência, mas quem pensar assim pode convencer-se, se alguma coisa for capaz de aprender, que a Astronomia pode contribuir essencialmente para a Medicina, pois a mudança nas doenças do homem está relacionada com a mudança do clima.” Hipócrates, Dos Ventos, Águas e Regiões

É o mesmo espírito da filosofia milesiana da natureza que inspira as memoráveis palavras do ensaio Da Doença Sagrada (a epilepsia), as quais asseveram que a dita enfermidade sagrada não é nem mais nem menos divina que outra qualquer e depende de causas naturais, como as restantes. Todas as doenças são divinas e humanas. (ver especialmente caps. I e XXI).”

As mais recentes investigações científicas a eles consagradas provaram em grande parte que os escritos que formam esta coleção – os quais se contradizem mutuamente em muitos trechos e até se combatem – não podem provir do mesmo autor, conclusão a que já a filologia hipocrática da Antiguidade havia chegado. Esta filologia, tal como a dedicada a Aristóteles, surgiu como fenômeno concomitante do renascimento espiritual daqueles dois grandes mestres do período helenístico e existiu enquanto permaneceram de pé a cultura grega e a ciência médica, como parte integrante dela. Os extensos e eruditos comentários de Galeno às obras de Hipócrates e todo o resto que nos chegou fragmentado ou na integridade – contribuições lexicográficas e outros escritos acerca daquele autor – e que é proveniente de uma etapa posterior da Antiguidade, põem-nos diante dos olhos uma imagem daquelas investigações eruditas que infunde respeito pela sua ciência e pela sua capacidade; mas ao mesmo tempo ficamos céticos perante a sua confiança excessiva em poder tornar a descobrir o autêntico Hipócrates, entre a massa dos escritos hipocráticos.”

É o mesmo fenômeno com que deparamos quando se trata de pôr em ordem a herança literária dos chefes de grandes escolas filosóficas, como Platão(*) e Arist., embora em menor grau do que no caso de Hipócrates.

(*) (…) Henri ALLINE, Histoire du Texte de Platon (Paris, 1915)

O ‘juramento’ hipocrático, que deviam prestar os que queriam ingressar na agremiação, continha entre outras a obrigação solene de guardar o segredo da doutrina. Era geralmente de pais a filhos que ela se transmitia, uma vez que estes podiam suceder àqueles no exercício da profissão. As pessoas estranhas, ao serem aceitas como discípulos, eram equiparadas aos filhos. Em troca, obrigavam-se a transmitir gratuitamente a arte médica aos filhos que o seu mestre deixasse ao morrer. Outro traço muito típico era também o de os discípulos se casarem, tal como os aprendizes, dentro da corporação. Do genro de Hipócrates, Polibo, expressamente se nos diz que era médico. Por acaso é o único membro da escola de Cós de quem Arist. cita nominalmente uma pormenorizada descrição do sistema circulatório.”

na profissão médica é tão forte ainda a solidariedade grupal que na prática profissional não é corrente frisar a paternidade individual de determinadas idéias e doutrinas. Era evidentemente na exposição oral dos ensinamentos perante o grande público que o médico investigador expunha em seu próprio nome as suas idéias pessoais.”

está comprovada pelas investigações do século passado a existência de uma escola médica em Cnido (Ásia Menor) e de outra escola grega ocidental, siciliana.”

…a progressiva tecnicização da vida e a diferenciação em profissões mais especializadas, para as quais se requer uma formação especial com altas exigências espirituais e éticas, mas só acessível a um reduzido número de pessoas. É significativo que as obras dos médicos falem muito de leigos e de profissionais. É uma distinção prenhe de conseqüências, que encontramos pela 1ª vez. A palavra leigo provém da linguagem da Igreja medieval e nas suas origens servia para designar os não-clérigos e mais tarde, em sentido lato, os não-professos; em contrapartida, o termo grego idiotes, que exprime a mesma idéia, tem origem político-social. Designa o indivíduo que não está enquadrado no Estado e na comunidade humana, mas vive a seu bel-prazer. Em oposição a ele, o médico sente-se um demiurgo, i.e., um homem de ação pública, nome também dado, aliás, a qualquer artífice que se dedique a produzir roupas ou ferramentas para o povo. Os leigos, encarados como objeto da atividade demiúrgica do médico, costumam também ser designados por membros do demos.”

O médico grego partilha com o artista a carência de um nome que diferencie das atividades do artífice, em sentido moderno, a sua alta capacidade.”

Quanto ao resto, as palavras citadas indicam desde logo que se sentia como problema a posição isolada, ainda que altíssima, que o novo tipo de médico ocupava no conjunto da comunidade.”

Surge uma literatura médica especial, destinada a pessoas estranhas à profissão. Felizmente chegaram até nós os 2 gêneros de literatura, a profissional e a destinada ao grande público. É à 1ª que pertence a grande massa das obras médicas conservadas. Estas obras não podem ser aqui apreciadas, porque o nosso interesse incide primordialmente na 2ª classe.”

(*) “Importa distinguir as conferências iatro-sofistas sobre temas genéricos, em prosa retórica, dos escritos redigidos em forma sóbria e objetiva, dirigidos igualmente ao grande público, como as obras Da Medicina Antiga, Da Doença Sagrada e Da Natureza do Homem. Os 4 livros Da Dieta são também obra literária. Esta literatura destina-se ao ensino dos leigos e à própria propaganda, necessária num mundo onde ainda não existia uma profissão médica autorizada pelo Estado. Cf. De Vet. Med., 1 e 12; De Arte, 1; De Victu ac., 8.”

É no jovem Eutidemo, que mais tarde se converteria em ardente partidário de Sócrates, que Xenofonte pinta este novo tipo de culto. Só tem interesses espirituais e já comprou uma biblioteca inteira. Compõem-na obras de Arquitetura, de Geometria, de Astronomia, e principalmente muitos livros de Medicina.”

também dentro dos campos especiais existe indubitavelmente uma forma de homem culto que corresponde àquele tipo de homem de cultura geral.” ARIST., Part. An., I, 1, 639 a 1

O conceito aristotélico de homem culto em matéria de Medicina ou de ciência natural é menos confuso que o tipo descrito por Platão e Xenofonte.”

O aparecimento dessa esfera intermediária entre a ciência profissional e o campo do profano integral é um fenômeno característico da história da cultura grega do período pós-sofístico.”

Hipócrates – diz-nos – ensina a perguntar sempre em 1º lugar se é simples ou multiforme a natureza do objeto acerca do qual queremos adquirir um verdadeiro saber e uma verdadeira capacidade e, no caso de ser simples, a continuar a investigar até que ponto é capaz de exercer influxo sobre outro objeto determinado ou de lhe sofrer a influência; se, pelo contrário, apresenta múltiplas formas ensina-nos a enumerar estas formas ou tipos e a verificar para cada uma delas o que verificaríamos se se tratasse de um objeto simples: como influi sobre os outros ou como é suscetível de por eles ser influenciado.”

Arist. distingue essencialmente entre a educação individual e a coletiva, apoiando-se para isso no exemplo da Medicina.”

bastará lembrar que para Arist. a ética versa sobre a regulação dos impulsos humanos do prazer e da dor.” “Por conseguinte, o comportamento moral é a tendência a concentrar-se no justo meio que para cada qual existe entre o excesso e o defeito. Os termos aqui usados por Ar., o conceito de excesso e de defeito, de ponto médio e de justa medida (…) e o do tato seguro, a recusa de uma regra absoluta e a exigência de uma norma adequada às características de cada caso concreto, são tudo termos e critérios tirados diretamente da [pior parte da] Medicina” “Ao tomarem por fundamento uma fase de conhecimento alcançada já num terreno paralelo, Platão e Ar. infundem a sua doutrina uma autoridade maior. Tudo está relacionado na estrutura da vida grega e uma pedra assenta sobre outra.”

Ainda não se fez até hoje nenhuma tentativa sistemática para definir o conceito de natureza na antiga literatura médica dos gregos, apesar da importância que isso teria para toda a história do espírito no mundo de então e na posteridade.”

Platão censura no Fédon a antiga filosofia da natureza, por não ter tido em conta o fator, imanente no cosmos, da adequação a um fim, fator relacionado da forma mais estreita com o método orgânico de investigação. O que nos filósofos da natureza faltava encontrava-o ele na ciência médica.” Acabo de ler (não há nem 5 dias!) a mesma observação na HISTÓRIA DA FILOSOFIA de Hegel (também no Seclusão: https://seclusao.art.blog/2021/10/04/historia-das-ideias-2-hegelianismos-o-pensamento-unico-que-falhou/; https://seclusao.art.blog/2021/08/12/lecciones-sobre-la-historia-de-la-filosofia-vol-ii-iii-hegel-trad-wenceslao-roces-fondo-de-cultura-economica-1833-1955-mexico/).

W. THEILER, Geschichte der Teleologischen Naturbetrachtung bis auf Aristoteles (Zurich, 1925)

A. BIER, ‘Beiträge Zur Heikunde’, in Münschener Medizinische Wochenschrift, 1931, nos. 9ss.

Em oposição a Galeno, Hipócrates era considerado um empirista puro, e com isto julgava-se estabelecida a incompatibilidade do ponto de vista teleológico com Hipócrates. Este era reputado um dos grandes representantes antigos da atitude puramente mecânico-causal em face da natureza. (cf. GOMPERZ, Griechische Denker, t. I)”

não nos espanta depararmos também com a palavra arete nas obras que condensam o pensamento médico antigo. Não é sob a influência de Platão que este termo penetra na Medicina. Pelo contrário (…) É especialmente nas doenças que na ação da natureza se revela a adequação a um fim. [que frase porcamente traduzida!] (…) Os sintomas da doença, e sobretudo a febre, representam já de si o início do processo de restabelecimento do estado normal. (…) o médico limita-se a averiguar onde pode intervir para ajudar o processo natural encaminhado à cura. A natureza a si própria se ajuda. O apressuramento da psyche em acudir à parte do corpo ferida – que Heráclito, frag. 67a, compara à precipitação da aranha em correr para o local da teia rasgada pela mosca – recorda a precipitação da natureza em acudir em auxílio do corpo, contra as doenças, segundo a doutrina dos hipocráticos. Este passo dá mais a impressão de uma teoria médica que de um aforismo de Heráclito.”

É neste ponto que o moderno vitalismo introduz, como nível intermédio entre o consciente e o inconsciente, o conceito fisiológico de estímulo[,] fonte das reações teleológicas do organismo. Em Hipócrates este conceito não aparece ainda.”

a edição de Hipócrates por Littré (pouco satisfatória de um ponto de vista crítico, [!] mas extraordinariamente meritória para o seu tempo e que ainda hoje temos de utilizar, à falta de outras edições melhores de muitas das obras daquele autor)” Cf. https://seclusao.art.blog/2021/04/07/les-oeuvres-completes-dhippocrate-tome-premier-trad-classica-de-littre/.

Embora a Medicina tentasse a princípio invadir o campo da ginástica, as obras dietéticas que se conservam atestam que não tardou a estabelecer-se uma divisão de jurisdições, em que o médico se submetia para certas coisas à autoridade do ginasta.”

Perderam-se as obras mais antigas sobre higiene. Se o critério cronológico vigente fosse certo, disporíamos para a época dos fins do séc. V e começos do IV, em que se principiou a desenvolver este aspecto da cultura física grega, de 2 testemunhos, além do breve escrito De um Regime de Vida Saudável e 4 livros Da Dieta, obra famosa na baixa Antiguidade; e ainda os extensos fragmentos, conservados por escritores posteriores, da obra perdida do importante médico Díocles de Caristo.”

Caráter totalmente diverso tem a obra verdadeiramente enciclopédica Da Dieta, que o autor empreendeu com o propósito de resumir e completar onde fosse preciso toda a literatura sobre o assunto, que já era muito copiosa na sua época. O autor é um filósofo e um sistemático, e caracterizá-lo-íamos com pouca justiça se o qualificássemos de simples compilador. É mais que duvidoso que as tentativas de análise desta obra, que até agora se fizeram e a retalharam para atribuir uns pedaços a um sofista heraclitizante, outros a um discípulo de Anaxágoras e outros ao dietético Heródico, representem a solução do enigma.” “Temos de nos decidir a situar Da Dieta não mais antes de começos do século, mas sim bem dentro, do séc. IV.”

Um conhecido fragmento do dramaturgo Epícrates, procedente desta época, fala de algumas tentativas de classificação de todo o mundo animal e vegetal feitas na Academia, na presença de um médico siciliano, entre outros.” “Foi mais tarde, nas obras de Espeusipo e Aristóteles, que vieram à luz da publicidade as investigações da Academia sobre a classificação do reino animal e vegetal. O sistema do dietético apresenta certas semelhanças com os daqueles dois.”

Os numerosos pontos de contato da sua interpretação casuística dos vários tipos de imagens projetadas nos sonhos com os livros de sonhos hindus e babilônicos de época anterior e posterior levaram já outros investigadores à conclusão de que estamos perante uma influência direta do Oriente na ciência médica dos gregos. Essa influência oriental pode ter-se produzido por si mesma também em época anterior. Mas em nenhuma época se enquadra melhor do que no séc. IV, na Jônia de Eudoxo de Cnido” “Os gregos não podiam ser acessíveis à sabedoria e superstição orientais sobre a vida dos sonhos, antes que a alma se convertesse para eles próprios no centro do pensamento, o que nesta forma científico-teórica não sucedeu antes do séc. IV.” “O escrito de Arist. ‘Da Profecia dos Sonhos’, chegado até nós, prova que o problema do valor de realidade dos sonhos reaparece no séc. IV já numa fase científica.”

Também a linguagem Da Dieta encaixa melhor nos meados do que no começo do séc. IV ou em período anterior. Ainda se continuou a escrever em dialeto jônico ao longo de todo este séc., e os períodos construídos aqui e além, corretamente longos, antitéticos e isocóricos [simétricos, de dimensão e ênfase paralelas], indicam mais a época de Isócrates e da sua retórica que a de Górgias. Um estilo como o do dietético é inconcebível ao lado da redação perfeitamente despida de retórica e simplista das obras de medicina profissional que com certa segurança podemos situar na época de Hipócrates ou na geração posterior a ele. Diferem também consideravelmente das obras de uma época anterior, dirigidas a um vasto público e fortemente influenciadas pela prosa sofística.”

Observamos primeiro a influência da antiga filosofia da natureza sobre a Medicina do séc. V e em seguida a repercussão da nova Medicina empírica sobre a filosofia de Platão e Aristóteles. Em Díocles, autor que se encontra visivelmente influenciado pelas grandes escolas filosóficas de Atenas, a Medicina volta a ser a parte que recebe, embora seja certo que não recebe nada sem contribuir por sua vez com alguma coisa.”

a mais rigorosa de todas as ciências em matéria de provas, a Matemática, tem necessariamente que pressupor como fatores dados certas qualidades das grandezas ou dos números.”

não estranha que os gregos, como todos os testemunhos o indicam, fossem grandes madrugadores. Não convém levantar-se logo depois do despertar, mas deve esperar-se que a lassidão do sono se dissipe dos membros, e em seguida friccionar a cabeça e o pescoço nos locais em que estiverem expostos à pressão da almofada. Antes de defecar, recomenda-se que se esfregue o corpo inteiro com um pouco de azeite misturado com água, no Verão. [!] Friccionar-se-á o corpo, de maneira suave e uniforme, fazendo funcionar ao mesmo tempo todas as articulações. O banho imediatamente após o levantar não é indicado. [!] Deve-se esfregar o rosto e olhos com água fria e límpida, lavando previamente as mãos. Segue-se a isto uma série de pormenores precisos sobre o cuidado dos dentes, do nariz, dos ouvidos, do cabelo e do couro cabeludo. Este último deve ser conservado elástico e limpo, para a transpiração, e ao mesmo tempo rijo. [?] Realizadas todas estas operações, aquele que tiver o que fazer dirigir-se-á ao seu trabalho, depois de ter comido alguma coisa. Quem dispuser de tempo para isso, deve dar um passeio, quer antes quer depois do desjejum, passeio cujo caráter e duração devem ajustar-se à constituição física e à saúde do indivíduo.”

a pessoa deverá sentar-se para resolver seus assuntos domésticos ou para outras ocupações suas até à hora do exercício físico. Para a prática deste, os jovens irão ao ginásio e as pessoas idosas ou fracas aos banhos ou a qualquer outro local ensolarado para se friccionarem.” “É preferível que a própria pessoa se friccione a que se deixe massagear por outra, pois os próprios movimentos substituem a ginástica.” Curioso como terceirizaram tudo – da massagem à malhação!

Aos cuidados matinais do corpo segue-se o almoço que deve ser muito leve e não-flácido, para que possa ser digerido antes da ginástica da tarde. [A sabedoria espanhola!] Para logo e depois do almoço está indicada uma breve sesta em local escuro, fresco e sem correntes de ar; em seguida, alguns trabalhos caseiros e um passeio e, por fim, após breve repouso, os exercícios físicos da segunda parte do dia. Este finda com a refeição principal. Díocles não fala dos diversos exercícios; e a literatura dietética não nos informaria acerca deste ponto, o mais importante da cultura física grega, se não fosse por intermédio do autor da obra Da Dieta, que, coerente com o seu método diferente de todos os outros, faz seguir a classificação das comidas e bebidas de uma enumeração de todos os tipos de esforços físicos e psíquicos, incluindo entre eles os exercícios gímnicos. [!] Díocles, por seu lado, exclui da dieta a ginástica, que deixa inteiramente a cargo do ginasta. Edifica, porém, todo o seu plano médico diário sobre os 2 pilares dos exercícios matinais e vespertinos, no ginásio.” Até mesmo o sr. Abílio Diniz leva uma vida de escravo!

Filosofar queima calorias?, eis a questão.

Díocles, no entanto, repara naturalmente que não vive num mundo médico abstrato e por conseguinte não procede como se todos os homens vivessem exclusivamente preocupados com a conservação da saúde. O autor da obra Da Dieta compreende também este problema social e a necessidade de chegar a um acordo entre os princípios ideais do método e as condições materiais de vida do paciente.” “Em seguida, vai descontando coisas para os que também têm de trabalhar e dispõem de pouco tempo para dedicar aos cuidados do corpo. Não se deve, porém, pensar que os médicos gregos só escreviam para os ricos. Isto seria falso. Também os filósofos de então pressupunham um ócio total para o seu bios, deixando que cada qual descontasse deste ideal a parte necessária.”

O exemplo da cultura física médica revela precisamente que a polis grega era, mesmo na sua forma democrática, uma aristocracia socialUma Águas Claras pensante, sem carros, todos “tabeliães” de meio-período. Todos, i.e., 10% da população.

Nenhum dos grandes tipos de vida profissional do nosso tempo, nem o comerciante nem o político, nem o cientista, o operário ou o camponês se enquadraria no âmbito deste estilo de vida da Grécia.”

Seria um erro pensar que os kaloi kagathoi passavam todo o dia no ginásio, friccionando-se e fazendo exercícios, depilando-se e colorindo-se de areia, para voltarem a se lavar, devotados a uma atividade que até o agon livre convertia em febril trabalho especializado.”

o conceito de são é ampliado até formar um conceito normativo universal aplicável ao mundo” “A Medicina grega é simultaneamente raiz e fruto desta concepção do mundo, que constitui o seu alvo constante” “Se a Medicina pôde conquistar uma posição tão representativa da cultura grega, foi por ter sabido proclamar no campo mais próximo ao da experiência imediata do Homem a vigência inviolável desta idéia fundamental da alma grega.” Ah, a barbárie!

4.2 A retórica de Isócrates e o seu ideal de cultura

Isócrates, como mais destacado representante da retórica, personifica a antítese clássica do que Platão e a sua escola representam. A partir de então ressoa como nota fundamental através da história da cultura antiga o pleito da Filosofia e da retórica, cada uma das quais pretendendo ser a melhor forma de educação.”

(*) “H. Von ARMIN, Leben und Werke des Dion von Prusa (Berlim, 1898), pp. 4-114, faz um resumo histórico bastante completo da evolução desta polêmica.”

Nas suas fases subseqüentes, o antagonismo degenera por completo, a espaços, numa luta puramente acadêmica, uma vez que ambas as partes carecem de autêntico conteúdo vital; na época em que o debate principia, elas representam ainda as forças e necessidades verdadeiramente motoras da nação grega e é no centro do palco da vida política que o seu diálogo se trava. É isto que lhe dá o colorido dos verdadeiros acontecimentos históricos e o grande estilo que lhe assegura o interesse permanente da posteridade; mais ainda: olhando para trás, reparamos que nesta luta ganham expressão os problemas verdadeiramente decisivos da história grega daquele tempo.

Tal como Platão, também Isócrates encontrou nestes últimos tempos admiradores e expositores; e a partir do Renascimento imperou, indiscutivelmente, mais que qualquer outro mestre da Antiguidade, na prática pedagógica do humanismo. Do ponto de vista histórico, é perfeitamente legítimo que o seu nome seja destacado nas capas dos livros modernos como o pai da ‘cultura humanística’, na medida em que não são os sofistas os que têm direito a reivindicar este título.”

(*) “Cf. o livro do discípulo de E. Drerup, August BURK, Die Pädagogik des Isokrates als Grundlegung des Humanistischen Bildungsideals (Würzburg, 1923), especialmente os capítulos sobre a ‘Sobrevivência da pedagogia isocrática’, pp. 199 ss., e ‘Isócrates e o humanismo’, pp. 221 ss.. Posteriormente publicaram-se 4 conferência de Drerup, com o título Der Humanismus in seiner Gecshichte, seinem Kulterwerten und seiner Vorbereitung in Unterrichtswesen der Griechen (Paderborn, 1934). Estudiosos britânicos como Burnet [op. cit.] e Ernest Barker chamam Isócrates de pai do humanismo.” Werner e esses autores seus contemporâneos devem ter influenciado Heidegger. Um assunto deveras simples, tratado em menos de 1500 páginas!

(*) “Isto visa igualmente àqueles que numa história da paideia exigem que se comece por definir o que se entende por tal. Era o mesmo que pedir ao historiador da Filosofia que se cingisse à definição de Platão, ou à de Epicuro, à de Kant ou à de Hume, cada um dos quais entendia por Filosofia uma coisa totalmente diferente. A missão de um livro de história sobre a paideia é descrever com a maior fidelidade possível, tanto na sua peculiaridade individual como na sua ligação histórica, os diversos significados, formas de manifestação e camadas espirituais da paideia grega.”

Não deixa de ter importância saber que o que os educadores atuais consideram muitas vezes a essência do ‘humanismo’ é substancialmente a continuação da linha retórica da cultura antiga e que, na realidade, a história do humanismo chega infinitamente mais longe, pois abrange a totalidade das repercussões da paideia grega e, portanto, a ação universal da Filosofia e da ciência helênica.(*) Encarada desta forma, a consciência da autêntica paideia dos gregos converte-se diretamente na autocrítica do humanismo erudito dos tempos modernos.(**)

(*) Cf. sobre isso o meu ensaio ‘Platos Stellung in Aufbau der Griechischen Bildung‘ (Berlim, 1928), publicado pela 1ª vez em Die Antike, vol. IV, 1928, nos 1-2.

(**) (…) A habitual construção histórica do humanismo com as rígidas divisões de Idade Média e Renascimento, escolasticismo e humanismo torna-se insustentável (…) Non datur saltus in historia humanitatis.”

O antigo dualismo helênico da educação gímnica acabou por descer finalmente para um nível inferior.”

UM POLEMISTA EXTEMPORÂNEO: “É possível que o amargor e o sarcasmo lacerante com que Platão a persegue sejam em parte explicáveis pelo peculiar sentimento do vencedor, quando se vê forçado a lutar contra um inimigo que, dentro dos seus limites, parece indomável. Torna-se difícil compreender a apaixonada atitude de Platão, se pensarmos que seus ataques se dirigem exclusivamente contra os grandes sofistas da geração de Sócrates, nos quais ele vê personificado aquele tipo de cultura: Protágoras, Górgias, Hípias e Pródico. Estes homens já estavam mortos e meio esquecidos, quando Platão escreveu os seus diálogos, pois vivia-se depressa naquele século; e era necessária toda a arte de Platão para arrancar ao reino das sombras, como por encanto, a ação exercida sobre os contemporâneos por aquelas figuras, outrora célebres.”

(*) “O Protágoras e o Górgias de Platão datam da 1ª década do séc. IV; em contrapartida, a fundação da escola de Isócrates não pode ser anterior ao ano 390, pois os discursos chegados até nós permitem-nos seguir as suas atividades de redator de discursos forenses por conta de outros até fins da referida década. E talvez até a devamos situar mais próximo de nós, na década de 80.”

(*) “Em Antídosis, 270, Isócrates reivindica o título de PHILOSOPHIA só para a sua obra, entendendo que os restantes educadores, dialéticos, matemáticos e os ‘tecnógrafos’ retóricos não têm direito a usá-lo.”

Hoje, depois de se ter imposto, desde há bastantes séculos, o sentido platônico da palavra filosofia, parece pura arbitrariedade aquela inversão” “Era Isócrates quem se cingia à linguagem usual, ao incluir na categoria dos sofistas Sócrates e os seus discípulos, assim como Protágoras ou Hípias, empregando por outro lado o termo filosofia para designar todas as modalidades da formação geral do espírito, que é, p.ex., o sentido que também Tucídides lhe dá.” “Atenas fundou a cultura (PHILOSOPHIA), diz aqui Isócrates, referindo-se evidentemente, ao exprimir-se assim, ao caráter da coletividade e não ao punhado de sutis dialéticos que se agrupavam ao redor de Sócrates ou de Platão.”

(*) “BLASS assinala justamente que no tempo de Isócrates a palavra filosofia ainda significava cultura, razão pela qual nada tem de ridícula a sua pretensão de ensinar filosofia. Acha, porém, arrogância a pretensão de Isócrates a ser o único representante da verdadeira filosofia, i.e., da verdadeira cultura. Mas, no fim de contas, igual pretensão, de serem os únicos a ensinar a verdadeira cultura, tinham Platão e todas as outras escolas. Cf., p.ex., PLATÃO, Carta VII, 326 A; Rep., 490 A, etc.”

Os retóricos e os sofistas dos diálogos de Platão carecem, logo de início, de razão contra Sócrates, pelo simples fato de serem estrangeiros e por não compreenderem de modo nenhum o verdadeiro problema deste Estado e dos seus habitantes. Aparecem, sempre, no mundo ateniense, tão fechado em si mesmo, com o seu saber já definido e importado de fora. (Cf. Platão Prot., 313 C ss.) É certo que falam uma espécie de linguagem internacional que qualquer homem culto pode compreender, mas falta-lhes o tom ateniense e a graça e a espontânea facilidade do trato, sem as quais é impossível conseguir um êxito completo neste solo.”

(*) “É duvidoso até que ponto merece crédito histórico a exposição de Platão no Fedro, quando põe na boca de Sócrates uma profecia sobre o grande futuro de Isócrates. Pode ser que não tivesse mais fundamento que uma impressão passageira causada ao velho Sócrates pelo jovem retórico. Não é forçoso que tal observação correspondia a um conhecimento íntimo, e muito menos a uma relação de discípulo a mestre. No entanto encontramos em Isócrates numerosos pontos de contato com o pensamento socrático, pontos que H. GOMPERZ, em ‘Isokrates und die Socratik’ (Wiener Studien, 27, 1905, p. 163 e 28, 1906, p. 1), estudou mais profundamente que ninguém. É com razão que sugere a hipótese de Isócrates dever os seus conhecimentos à literatura socrática, o que é abonado pelo fato de não se bater contra estas idéias antes da 2ª década do séc. IV, quando já ele próprio atuava como teórico da educação. Parece-me todavia que Gomperz exagera a influência de Antístenes sobre Isócrates.”

Ele próprio conta que era um homem de constituição física fraca. Não só não tinha voz potente, mas sentia uma timidez invencível sempre que tivesse que falar em público. A massa como tal assustava-o. É evidente que, ao falar sem qualquer escrúpulo desta agorafobia, Isócrates não pretende desculpar apenas a sua abstenção completa de toda a atividade política, mas tem ainda a consciência de que esta disposição de espírito constitui um traço original, enraizado nas camadas profundas do seu ser. Tal como no caso de Sócrates, o seu afastamento da política não provém da falta de interesse, mas de uma problemática que, ao mesmo tempo, dificulta e aprofunda a sua compreensão da verdadeira missão do kairos. (…) é de outro ponto (…) que a obra de renovação deve partir.”

Habitava-o um político sonhador, cujo pensamento, no fundo, seguia os mesmos trâmites do dos políticos de fato, guiado por idéias feitas de desejos, como as de poder, fama, prosperidade, expansão.”

Platão censurava a retórica por ensinar apenas meios de persuasão, sem ser capaz de apontar nenhuma finalidade, razão pela qual só servia para fornecer aos homens armas espirituais para a consecução dos seus objetivos contrários à moral. Era um defeito inegável e constituía, além disso, para a retórica, uma fonte de perigos, numa época como aquela em que a consciência dos melhores se tornava cada vez mais sensível. Na sua orientação para a idéia pan-helênica viu Isócrates o caminho por onde se podia resolver também este problema. Tratava-se, por assim dizer, de encontrar um meio-termo (…) A nova retórica tinha de encontrar um objetivo que fosse eticamente defensável e suscetível, além disso, de aplicação política prática. Na sua opinião, era com uma nova ética nacional que isto se conseguiria.” A decadência e os nacionalistas. Ex: pan-eslavismo, etc.

Não é raro que idéias, que o mestre concebe nos seus últimos anos e com as quais entusiasma os discípulos, definam para estes a orientação de toda a sua atividade.”

Graças ao seu programa, os defeitos da sua própria natureza, tanto os do corpo como os do espírito e caráter, e ainda os da própria retórica, tornam-se quase virtudes ou pelo menos ganham a aparência de tais. Nunca o retórico, ideólogo e panfletista político voltaria a encontrar-se numa situação tão favorável nem a poder gabar-se de exercer uma influência semelhante sobre a nação inteira”

Felizmente não foram poucas as vezes que ele se exprimiu acerca da sua arte e dos seus objetivos como educador, com aquele jeito consciente que lhe era próprio e que a cada passo se interrompia para refletir em voz alta sobre o que dizia e como e por que dizia; mais ainda, no início da sua carreira escreveu várias obras de caráter programático, para esclarecer bem a posição por ele ocupada entre os outros representantes da cultura do seu tempo.”

Nada sabemos das razões nem da data da sua passagem da atividade de escritor de discursos (logógrafo, como p.ex. Lísias e Demóstenes, equivalente em certos aspectos à de um advogado, nos nossos dias) à de mestre de retórica.”

(*) “Os ‘discursos’ de Isócrates nunca foram pronunciados como tais. É pura ficção a sua forma oratória.”

(*) “Que o discurso Contra os Sofistas se deva situar no início da sua atividade docente o próprio Isócrates é quem o afirma em Antíd., 193. (…) julgo impossível evitar a conclusão de que o discurso Contra os Sofistas também ataca violentamente Platão, além de outros socráticos. Como obras suas anteriores pressupõe já o Protágoras e o Górgias, e talvez também o Mênon (…) A concepção de Muenscher, expressa na Realenziklopädie de Pauly-Wissowa (…) segundo a qual Isócrates, na época do discurso Contra os (…), se achava ainda identificado com Platão quanto ao essencial, não se fundamenta no próprio discurso (…) Esse falso ponto de vista deriva exclusivamente da localização demasiado remota do Fedro, onde Platão vê com melhores olhos Isócrates do que os retóricos do tipo de Lísias. A hipótese de sua origem imediatamente posterior ao discurso Contra os (…) levar-nos-ia necessariamente a interpretar este discurso como pró-Platão, o que forçaria a verdade.”

E tinha de fato de parecer necessariamente estranha a mudança da atitude socrática de dúvida acerca da existência de algo que se pudesse chamar educação para o pathos pedagógico dos primeiros diálogos platônicos.” “Ele próprio pretende, naturalmente, ser um educador, mas mostra certa compreensão pelos profanos que preferem não ouvir falar de educação para nada, a confiarem nas promessas dos ‘filósofos’.”

(*) “Segundo a maior probabilidade, foi a confusão entre a sua dialética e a erística – que na polêmica de Isócrates era firmemente mantida – que levou Platão a traçar no Eutidemo uma linha divisória nítida entre Sócrates e os espadachins erísticos. (…)”

Todos os traços característicos do platonismo que são evidentes para uma inteligência mediana são aqui habilmente resumidos em pouco espaço: o estranho método polêmico das perguntas e das respostas; a importância quase mística atribuída à phronesis, i.e., ao conhecimento dos valores, qual órgão especial da razão; o vigoroso intelectualismo, que espera toda a salvação do saber, e a quase religiosa transcendência da promessa de eudaimonia feita pelo filósofo. Isócrates refere-se, evidentemente, às características terminológicas do novo estilo filosófico, características que ele sabe captar com a fina intuição do conhecedor da língua para descobrir o que deverá chocar ou parecer ridículo à maioria das pessoas cultas”

os regulamentos da Academia exigem que os honorários sejam de antemão depositados num banco ateniense.” “É um argumento [isocrático] que parece de mau gosto mas que não deixa de ser engenhoso. Também Platão no Górgias argumentava maliciosamente e em termos parecidos contra os retóricos que se queixavam de que os seus discípulos abusavam da arte oratória, sem verem que com isso era na realidade a si próprios que acusavam, pois, se fosse certo que a retórica tornava os discípulos melhores, seria inconcebível que estes abusassem do que tinham aprendido.”

(*) “(…) O Górgias é agora unanimemente situado, e por motivos convincentes, na segunda metade da 1ª década do séc. IV (…)”

(*) “Devia ser mais aplicável a Antístenes do que a Platão a censura referente aos escassos honorários que os filósofos recebiam dos seus alunos; é, porém, muito pouco o que sabemos acerca destas coisas, para podermos emitir um juízo seguro. (…) Sobre os honorários dos socráticos, veja-se DIÓGENES, II, 62, 65, 80 e IV, 14.”

Nenhum domínio da vida tolera menos do que este a redução de todos os casos concretos a uma série de esquemas e formas fundamentais fixas. Platão dá o nome de idéias a estas formas fundamentais no campo das manifestações lógicas. Como vimos, foi da Medicina do seu tempo que ele tirou esse tipo de intuição plástica e o transpôs para a análise do Ser.”

(*) “É no Crátilo, no Teeteto, no Político e nas Leis que Platão compara as suas ‘idéias’ às letras do alfabeto.”

Em princípio, Isócrates não repele, nem de longe, a possibilidade de uma teoria retórica das idéias: as suas obras revelam que se ia aproximando cada vez mais dela e que edificava a sua oratória, em todos os aspectos, nas linhas do domínio destas formas fundamentais da oratória.”

Numa palavra: a arte oratória é criação poética. Não pode prescindir [d]a técnica, mas tampouco se pode deixar absorver por ela. E assim como os sofistas se julgavam os verdadeiros continuadores dos poetas e adaptaram o gênero deles a sua prosa, também Isócrates tem consciência de continuar a obra dos poetas e de assumir o papel que eles desempenhavam, até há pouco, na vida da nação.” “E quanto menos Isócrates espera ou deseja percorrer o caminho do estadista prático, mais ele necessita do sopro da poesia para a sua missão puramente espiritual”

É ele próprio que, como Píndaro, estabelece também o paralelo entre as suas criações e as dos artistas plásticos e orgulhosamente se equipara a Fídias. Em Ant., 2. Isócrates compara-se ao escultor Fídias e aos pintores Zêux[is] e Parrásio, os maiores artistas da Grécia; Platão procede da mesma forma na RepúblicaTodo escritor chega independentemente a este juízo!

Também ser escultor era para o sentimento social dos gregos da época clássica um conceito que ainda estava ligado a algo de ofício e de rotina. E no entanto este ofício englobava toda a série de cambiantes que iam desde o modesto canteiro até o genial criador do Partenon.”

É com muita cautela que Isócrates se pronuncia acerca da utilidade da educação. Reconhece que o fator decisivo são os dons naturais e confessa francamente que as pessoas de talento e sem cultura chegam freqüentemente mais longe que as pessoas cultas mas sem talento, isso supondo que se possa realmente falar de cultura sem algo que realmente valha a pena cultivar.” “Mais tarde, na República, Platão fará depender da coincidência de qualidades que raramente coexistem na realidade a consecução do supremo objetivo da cultura.”

Platão aspira a formar a alma por meio do conhecimento das idéias como normas absolutas do bom, do justo, do belo, etc., de acordo com a lei da sua estrutura imanente à própria alma, até conseguir realizar nela um cosmos inteligível que abarque a totalidade do Ser. Isócrates, ao contrário, não admite este saber universal. O órgão da cultura retórica é a simples opinião, embora admita no espírito, como ele próprio acentua repetidas vezes, uma capacidade prática para alcançar com certeza o objetivo, a qual, sem possuir um verdadeiro saber, em sentido absoluto, lhe permite optar pela solução acertada.” O <excêntrico discípulo de Parmênides>.

também Isócrates não é capaz de descrever mais que os elementos e as fases do processo cultural, por trás das quais continua a ser um mistério a formação, como tal, do Homem. (…) É portanto unicamente da justa combinação entre natureza e arte que a cultura depende.”

Os redatores de discursos trabalhavam para ganhar o pão, pois o seu artigo era, na prática, o mais procurado. Conhecemos esse gênero de trabalho pelos discursos-modelo publicados por Antifonte, Lísias, Iseu, Demóstenes e pelo próprio Isócrates nos seus primeiros tempos. Esse gênero é uma das flores mais curiosas do jardim da literatura grega, um produto específico do solo ático. A mania de litigar dos atenienses, tão ridicularizada na comédia, é o reverso do Estado jurídico, do qual tão orgulhosos se sentiam. A ela se devia o interesse geral que os debates judiciais e as competições agonísticas despertavam. Os discursos-modelo dos logógrafos servem ao mesmo tempo de propaganda dos seus automotores, [?] de modelo proposto à imitação dos discípulos e da matéria de entretenimento para o público leitor.” “Não se deve pôr em dúvida a sinceridade desta repugnância, que basta para explicar a razão por que Isócrates renunciou a esta atividade.”

Isócrates segue, pois, Platão na crítica, mas não na construção positiva. Não acredita na possibilidade de ensinar a virtude, como não acredita na possibilidade de ensinar o senso artístico, e como Platão só reserva o nome de techne para uma educação capaz de fazer isto, Isócrates julga impossível que ele exista.”

Isócrates deve ter ficado com a mesma impressão dos primeiros diálogos de Platão que era gerada na maioria dos leitores modernos até há pouco: a de tratar apenas de problemas de iniciação moral, que estranhamente apareciam em íntima relação com a dialética. Em contrapartida, a retórica tem a vantagem de ser uma cultura inteiramente política. Precisa apenas encontrar um novo caminho, uma nova atitude, para neste campo alcançar um posto espiritual diretivo. A antiga retórica não conseguira grande coisa, porque se ofereceu como instrumento à política diária, em vez de se elevar acima dela. Já se revela aqui a certeza de poder infundir à vida política da nação um pathos mais elevado. Infelizmente falta a parte principal do fragmento do discurso Contra os Sofistas que chegou até nós (…) A diversificação de Isócrates em relação ao objetivo educacional de Platão deve ter tido que mudar, necessariamente, quando aquele adquiriu consciência prática do princípio da filosofia platônica. De fato, esse princípio já se anunciava na declaração expressa no Górgias platônico de que era Sócrates o único estadista autêntico do seu tempo, visto que aspirava a tornar melhores os cidadãos. Esta declaração podia ser facilmente interpretada como simples paradoxo, sobretudo por Isócrates, que via na ânsia de originalidade e na caça aos paradoxos inéditos a motivação fundamental de todos os escritos contemporâneos e temia, com razão, que neste terreno lhe fosse difícil rivalizar com Platão e com os filósofos. Mais tarde, no Filipe, voltando os olhos para trás, a fim de abarcar a obra de Platão, pouco depois de sua morte, já o considera o grande teórico do Estado, embora, infelizmente, o seu pensamento não seja realizável. Levanta-se, assim, o problema de saber quando teria surgido nele este novo ponto de vista sobre Platão. A resposta ele nos dá em Helena, modelo de encômio, que incide sobre um tema mítico e cujo louvor nos tem de parecer, por força, tanto mais paradoxal quanto ela é, em geral, alvo de censuras.”

O HIMENEU DE PÃ E HELENA:Panegírico (380): o programa da unificação dos Estados gregos através de uma guerra nacional comum contra os bárbaros. Na 1ª década, Isócrates move-se ainda por inteiro nas águas de Górgias.”

(*) “(…) É o próprio ARISTÓTELES quem afirma, em Ret., III, 14, 1414 b 26, que não é necessário, precisamente no gênero literário dos discursos epidícticos, que o prólogo esteja organicamente ligado ao corpo principal da obra. Como exemplo, dá a Helena de Isócrates e compara o prólogo do encômio ao prelúdio (proaulion) de um concerto de flauta, unido por laços muito frouxos ao próprio concerto.”

(*) “(…) A respeito de Antístenes, cf. ARISTÓTELES, Metaf. n 29, 1204 b 33, e ainda o comentário de Alexandre de Afrodísia a esta passagem; e PLATÃO, Sofista, 251 B.”

Dessa vez, Isócrates já distingue os socráticos dos simples erísticos, que não se propõem educar ninguém, mas pretendem apenas colocar outros homens em dificuldades. Censura a todos quererem refutar outros, quando eles próprios já se encontram há muito refutados”

Isócrates exprime a sua posição perante o ideal platônico da precisão e solidez científicas, na fórmula de que o mínimo avanço no conhecimento das coisas verdadeiramente importantes deve ser preferido à maior superioridade espiritual imaginável em matérias mesquinhas e sem importância, que não têm nenhuma utilidade para a vida. Naturalmente, como psicólogo que é, compreende a predileção da juventude pela arte polêmica da dialética, pois não tem o menor interesse pelos assuntos sérios, quer públicos, quer privados, mas quanto mais inútil for o jogo mais a diverte. Merecem, porém, censura os pretensos educadores que incitam os discípulos a este passatempo, pois incorrem com isso na mesma falta que eles próprios censuram aos representantes da eloqüência forense: a de corromper a juventude.” Inconciliável com o Platonismo. O que é o mesquinho e o que é o importante? Pergunte ao Ser!

a ala radical dos socráticos: Antístenes e Aristipo.”

É por isso que a repulsa de Isócrates pelo amplo ‘rodeio’ teórico de Platão cresce à medida que ambos mais parecem coincidir no tocante ao fim prático da educação. Isócrates só reconhece o caminho direto. A sua educação nada sabe da tensão interior que existe no espírito de Platão entre a vontade propulsora que o incita a agir e o retraimento proveniente da longa preparação teórica. É certo que Isócrates está suficientemente afastado da política cotidiana e dos manejos dos estadistas do seu tempo para compreender as objeções que Platão formula contra eles. O que ele, homem do meio-termo, não compreende é a radical exigência ética da socrática, que se intromete entre os indivíduos e o Estado. Procura melhorar a vida política por um caminho diferente do da utopia. Sente indubitavelmente a arraigada repugnância do cidadão culto e abastado contra as selvagens degenerações tanto do domínio das massas como da tirania dos indivíduos (…) Não partilha, porém, o radical espírito reformador de Platão e nada está mais longe do seu espírito que o consagrar a vida inteira a tal missão.” Desconhece a arte do sacrifício.

A guerra pusera em evidência que o anterior estado de coisas era insustentável e urgia abordar uma reconstrução dos Estados gregos.”

DA HIPOCRISIA COMO NECESSIDADE FENOMÊNICA QUE INTEGRA O ABSOLUTO

Há mais semelhança entre o mundo antigo e o nosso do que pode medir qualquer vã filosofia sob o Sol! A certeza íntima que temos de que nossas utopias calarão fundo no coração de uma humanidade que sequer veremos… Porém, enquanto indivíduos deste mundo, mesmo sabendo que “já vivemos para a posteridade”, resta-nos uma máscara protetora e conciliadora: somos intelectuais de esquerda. Sem nosso lado panfletário que nos serve de mola nosso eu-ideal fica sem esteio.

4.3 Educação política e ideal pan-helênico

Em nenhuma parte a tendência a l’art pour l’art tem menos razão de ser do que na arte da expressão espiritual.”

O significado etimológico da retórica, para o bem ou para o mal, a polis.”

O problema da retórica é ser retórica demais.

A falência do Estado de Péricles colocava um problema: saber se Atenas, depois da sua lenta recuperação, devia enveredar de novo pelo mesmo caminho de expansão imperialista (que já uma vez a levara à beira do abismo).” Síndrome de Vasco da Gama. Vencer absolutamente é tombar – vide Roma.

Estava muito longe de comungar a fé numa paz eterna.”

Que o imperialismo, caso fosse inevitável, se dirigisse contra os outros povos, de nível cultural inferior e inimigos naturais dos gregos”

(*) “É por necessidade que se expõem de maneira sintética as tendências pan-helênicas surgidas antes de Isócrates; não escasseiam as investigações de detalhe. Limita-se a Isócrates o escudo (sic) de J. KESSLER, ‘Isokrates und die panhellenische Idee’ in: Studien Zur Geschichte und Kultur des Altertums, t. IV, CADERNO 3 (Paderborn, 1911). (…)“

Nas celebrações olímpicas e píticas, interrompia-se, sob a imposição da paz divina, o estrépito das armas esgrimidas entre gregos”

Trata-se de reconciliar Esparta com Atenas, para em seguida estes 2 Estados, os mais fortes, compartilharem a hegemonia sobre a Grécia.”

Isócrates traça um quadro da grandeza de Atenas que remonta até a pré-história mítica.” “Este quadro histórico baseia-se inteiramente nos princípios segundo os quais a política ateniense se interpreta a si mesma. É uma política intrinsecamente semelhante, muito semelhante mesmo, à que inspira a política externa inglesa dos tempos modernos. Por outro lado, este processo de interpretação retroativa da história antiga de Atenas à luz das pretensões políticas de agora tem um paralelo próximo na interpretação que Treitschke dá da história antiga da Prússia-Brande[m]burgo, do ponto de vista do papel diretivo nacional mais tarde assumido por este Estado. Os tempos primitivos pseudo-históricos são sempre mais próprios do que quaisquer outros posteriores e mais bem-conhecidos para se deixarem moldar neste tipo de construções.” Hitler sabia-o muito bem.

Todo o mito nacional e cultural traz consigo esta estreiteza de horizontes e esta exaltação absolutista da sua própria raça. Quer ser aceito mais como artigo de fé que como fria verdade científica. É por isso que diante dele não se podem alegar dados históricos.”

O que domina a sua filosofia da História, e sobretudo a sua construção da história primitiva de Atenas, é a sua fé na missão peculiar da cultura ateniense.” “Em oposição com o caráter exclusivista de Esparta, a cultura ateniense caracteriza-se por atrair os estrangeiros, em vez de os repudiar.” “Aos combates de força física e de destreza, desde remotos tempos característicos da Grécia inteira, juntam-se em Atenas os agones da oratória e do espírito. Estes torneios converteram as fugazes festas nacionais olímpicas e píticas numa grande panegyris ininterrupta.” “A imagem esplendorosa que Isócrates tem diante dos olhos não deixa margem para a problemática trágica em que Platão, com grande sutileza, penetra os perigos do meio.”

O logos, no duplo sentido de linguagem e espírito, converte-se para Isócrates no symbolon da paideusis.”

Segundo a tese de Isócrates, o resultado da obra espiritual de Atenas foi o nome dos gregos não designar no futuro uma raça, mas antes um grau supremo do espírito.”

À primeira vista, parece um imenso paradoxo Isócrates proclamar esta missão supranacional da cultura do seu povo, movido precisamente por um insuperável sentimento de orgulho nacional; mas esta aparente contradição desaparece logo que relacionamos a idéia supranacional do Helenismo, a sua paideia de âmbito universal, com o objetivo da conquista e colonização da Ásia pelos gregos.” “Há uma forma de sentimento nacional que se manifesta como exclusão dos outros povos: é fruto da fraqueza e do separatismo, pois nasce da consciência de que só através do isolamento artificial se poderá afirmar.”

Com base em analogias atuais poderíamos sentir-nos tentados a designar isto pelo nome de propaganda cultural e a comparar a retórica à imprensa e à publicidade modernas, precursoras da conquista econômica e militar. Contudo, a fórmula de Isócrates nasce de uma profunda visão da estrutura real do espírito e da paideia gregas, e a História prova que era algo mais (…) Sem a vigência universal da paideia grega que ele aqui proclama pela 1ª vez, não teria sido possível a existência de um império universal greco-macedônico nem a da cultura helenística universal.” Alexandre, o Isócrates prático.

Esta parte do discurso termina com uma defesa contra a crítica dos métodos do imperialismo ateniense da primeira liga marítima, crítica utilizada por Esparta, depois de ganhar a guerra, para manter Atenas em permanente sujeição, o que constituía um obstáculo moral no caminho da restauração do poder marítimo ateniense.”

O Panegírico foi definido como o programa da segunda liga marítima de Atenas.(*) Esta concepção exagera as relações existentes entre esta obra e a política real e não avalia com exatidão o elemento ideológico contido nela. É, no entanto, exata no sentido de que Isócrates exige o restabelecimento do poder de Atenas, como meio indispensável para a consecução do seu fim, que é a sujeição do reino da Pérsia.

(*) Assim pensam Wilamowitz e Drerup. Cf. também G. MATHIEU, Les idées politiques d’Isócrate (Paris, 1925). »

(*) “Já no Plataico de Isócrates vemos que o domínio marítimo ateniense apresenta um aspecto muito menos pan-helênico e muito mais particularista. Acerca da data deste opúsculo, cf. o meu Demóstenes, O Estadista e a sua Evolução, pp. 199-203 (Berlim, 1939).”

A exigência de submeter a política a valores eternos tinha de parecer exagerada a alguns; mas esta exigência de que ela fosse moldada por um princípio superior era geral, e a ética nacional de Isócrates tinha que parecer a muitos de seus discípulos uma saída feliz e oportuna, entre os extremos do ceticismo moral e da retirada filosófica para o Absoluto.” “O seu objetivo transcende a forma do Estado historicamente dada e entra no reino do ideal. Isto implicava a confissão do seu divórcio da realidade política circundante.” “Já não está por trás dele uma classe nobre superior ou todo um povo; está o círculo escolhido de um movimento espiritual ou uma escola fechada, que só pode esperar exercer uma influência mediata na vida da comunidade”

e-Sócrates

4.4 A educação do príncipe

Nicocles, filho de Evágoras (…) era discípulo de Isócrates, de cuja escola saiu, como do cavalo de Tróia, toda uma série de governantes, segundo a famosa frase de Cícero.” “O orgulho que Isócrates sente pelos discípulos, que também se manifesta abundantemente na Antídosis, é um dos aspectos amáveis da sua vaidade”

As 3 obras do grupo do Nicocles são modelos da arte pedagógica praticada na escola de Isócrates. Enquanto no Panegírico ressoa, por assim dizer, o acorde pan-helênico, o tom fundamental da intenção política em que esta educação se inspira, nas obras cipriotas surge mais claramente o ponto em que apóia, na prática, a paideia de Isócrates.” “estas obras abrem-nos os horizontes de um problema que (…) tinha forçosamente de ser de suma importância: o de a possibilidade de a cultura influir no Estado através da educação dos governantes. Este problema surge-nos na literatura do século IV, em escritores e pensadores da mais variada orientação: em toda a filosofia de Platão e nas suas tentativas práticas de influenciar o tirano Dionísio, as quais o próprio Platão descreve na Carta Sétima como a tragédia da paideia; em Isócrates, nas suas obras sobre Nicocles, na mensagem a Dionísio de Siracusa, no Arquidamo, no Filipe, e sobretudo nas relações com o seu discípulo Timóteo; na grande novela pedagógica de Xenofonte, a Ciropedia; na amizade filosófica de Aristóteles com o tirano Hermias de Atarneu, e principalmente nas relações pedagógicas daquele com o futuro dominador do mundo, Alexandre. Também o Protréptico de Arist. era um discurso exortativo dirigido a um tirano de Chipre, Témison.”

Nem todos os poetas que circulavam pelas côrtes dos tiranos do séc. IV eram simples parasitas e aduladores, que logo se punham a cantar a democracia, quando os tiranos caíam, como Platão censura aos poetas do seu tempo.”

A encarnação da verdadeira arete na imagem de uma personagem histórica individual, tal como Isócrates a traça aqui, pode comparar-se à fusão da pessoa e coisa na descrição platônica de Sócrates”

dois discursos, Nicocles e A Nicocles

Ao enquadrar assim num esquema absoluto a tirania, que os gregos de resto consideravam a suma e compêndio da arbitrariedade, legaliza-a de certo modo e insinua no tirano a vontade de governar o povo de acordo com uma lei fixa e uma norma superior. No séc. IV deparamos repetidas vezes com o problema de saber como converter a tirania numa constituição mais suave.” Como transformar o cobre em ouro.

chamamos retóricos aos homens em condições de falar diante de muitos e denominamos homens de bom juízo os que são capazes de refletir com acerto no seu foro íntimo.”

ao contrário de Platão, Isócrates não considera como missão de Estado a educação do cidadão e o seu aperfeiçoamento pessoal” “É com facilidade que Isócrates transforma em ideologia de despotismo esclarecido a sua fé fortemente materialista no bem-estar.” “Teoricamente é pessimista em face do paradoxo filosófico da possibilidade de ensinar a virtude; praticamente, porém, a sua vontade educativa permanece intacta.” “Enquanto Platão relutava em empreender o caminho de Siracusa e só o fez a instâncias e rogos insistentes dos amigos e do próprio soberano, Isócrates não espera que o convidem.

O seu sentido do direito natural exige sempre a verdadeira arete como justificação do poder sobre o Estado, e não instituições que funcionem de modo automático, mas sem personalidade. Isto, porém, não deve confundir-se, como prova ostensivamente o testemunho de Isócrates, com a glorificação do poder à margem de qualquer lei.” “O soberano deve reunir no seu caráter o amor pelo Estado. Deve, por assim dizer, unir em si a Antígona e Creonte.”

(*) “(…) Já AULO GÉLIO, Noct. Att., XIII, 7, emitia a este respeito um juízo correto ao distinguir humanitas – paideia. O conceito de filantropia não tem qualquer acepção central em Isócrates; o fulcro do seu pensamento é o conceito de paideia, que serve de base ao seu ‘humanismo’. (…)”

O trabalho deve ser lucrativo, mas a mania de pleitear deve infligir ao culpado danos sensíveis. As palavras de Isócrates refletem neste aspecto a existência do povo ateniense e a fúria processual nele desencadeada.”

Faz que a tua palavra seja mais certa que as juras dos outros. (…) Porta-te para com os Estados mais fracos como desejarias que os Estados mais fortes se portassem para contigo. (…) Não tenhas por grande o soberano que estenda a mão para coisas maiores do que as que pode alcançar, mas sim quem, aspirando a coisas elevadas saiba levar a cabo o que empreende (…) Não conceda a tua amizade a todos quantos desejem ser teus amigos, mas só a quem for digno da tua natureza. Não escolhas, para tal, os homens cujo convívio mais te agrade, mas antes os que te ajudem a governar melhor o Estado.”

o rei é o espelho do caráter da polis inteira. Aqui, como em Platão, reaparece em fase superior a idéia de modelo da antiga paideia da nobreza grega, idéia que é transposta do problema da educação individual para a educação de toda a cidade. Mas, enquanto Platão desloca o paradigma para o absoluto, para a idéia do Bem e, portanto, para Deus, medida de todas as coisas, Isócrates confina-se à idéia do modelo pessoal.” “a idéia da paideia é no seu tempo o verdadeiramente vivo e o sentido supremo da existência humana.”

A dignidade é real, mas faz o povo retrair-se. A amabilidade torna fácil e agradável o trato com os homens, mas tende a rebaixar a categoria do rei.” “Baseia a formação do monarca não no conhecimento dos supremos conceitos universais teóricos das matemáticas e da dialética, como Platão, mas sim no conhecimento da História. Aparece neste traço pela 1ª vez a influência espiritual direta da historiografia sobre o pensamento político e a cultura da época. Mesmo sem precisarmos recordar os múltiplos conhecimentos soltos que, como provamos, Isócrates deve a Tucídides, também aqui somos forçados a pensar sobretudo nele, no novo gênero de historiografia política que este historiador criou.”

A paideia de velho estilo, que se conservava dentro do âmbito da ginástica e da música, ainda não reconhecia nem o pensamento nem o saber históricos. O passado não faltava totalmente, já que que era inseparável da poesia; mas só revestia nela a forma da narração dos feitos heróicos de certas personagens ou do próprio povo, e o histórico ainda não se diferenciava claramente do mítico.”

A VERDADEIRA FILOSOFIA É ATEMPORAL: “Nos esboços platônicos de um vasto sistema de paideia científica são tomados em consideração até os ramos mais recentes das matemáticas, da Medicina e da Astronomia; mas a grande e nova criação da historiografia política fica totalmente na sombra. Aparentemente, isto poderia justificar a impressão de que a verdadeira influência de Tucídides se limitou aos círculos estritamente profissionais, i.e., aos seus imitadores isolados, que se esforçavam por escrever outro fragmento da História, segundo as orientações do mestre. Mas não devemos perder de vista, para este efeito, a outra grande representante da paideia grega do seu tempo, a retórica. Assim como o poder formativo das matemáticas só foi plenamente reconhecido, como era lógico, pela paideia filosófica, assim o novo poder educativo do saber histórico, que se revela na obra de Tucídides, encontra o seu lugar no âmbito do sistema da cultura retórica.”

Na retórica posterior, perdura este interesse pela História na forma de paradigma histórico, o qual recorda as origens paidêuticas desta atitude em face da História. Mas a eloqüência verdadeiramente política já morreu nesta época tardia, por ter perdido a base com o desaparecimento da cidade-Estado grega. Por essa razão, o emprego dos exemplos históricos passou a ser nela uma coisa morta e puramente ornamental. O sistema retórico de cultura de Isócrates, nascido ainda de debates verdadeiramente políticos e de grande estilo, é o único da Antiguidade grega em que cabe seriamente o estudo histórico. Temos paralelo disso em Roma principalmente em Cícero”

Prefere-se a pior comédia às sentenças escolhidas dos poetas mais profundos.” “Transparece aqui o sentimento de que a nova arte da retórica, posta ao serviço das concepções educativas, representa uma desvantagem decisiva em relação à poesia. Os verdadeiros mestres na direção das almas (psicagogia) são aqueles velhos poetas, aos quais todos têm de regressar constantemente depois de ouvirem as novas teorias, e isto pela simples razão de serem mais agradáveis.”

O triunfo posterior da cultura retórica sobre a filosófica, ao menos entre as camadas mais amplas da gente culta, deriva em parte da superioridade da forma, que era sempre o primordial para a retórica (…) a Filosofia e a Ciência deixaram mais tarde de rivalizar com a retórica neste campo e cederam conscientemente ao desleixo da forma, desleixo que chegaram até a equiparar à cientificidade.Nota curiosa: Heráclito, Parmênides, Platão, Kierkegaard, Nietzsche, Deleuze, Baudrillard: Os reis-filósofos são também poetas. Kant, Hegel, Sartre (nos escritos técnicos), Heidegger: estilistas inábeis.

4.5 Autoridade e liberdade na democracia radical

Da desintegração causada pelas guerras pérsicas se levantou Atenas e se converteu em guia da Hélade, pois o medo fez com que todas as suas forças espirituais se concentrassem na meta da recuperação. Mas, em seguida, do cume do poder assim conseguido de novo se precipitou subitamente na guerra do Peloponeso, pouco faltando para se ver agrilhoada à servidão. Os espartanos, por seu lado, deveram o seu antigo poderio à sóbria vida de guerreiros, em virtude da qual se foram elevando dos começos insignificantes de sua história até o domínio sobre o Peloponeso. Mas este poderio impeliu-os à soberba, até que por fim, depois de conseguirem a hegemonia por terra e por mar, se viram reduzidos à mesma situação de penúria que Atenas. Isócrates alude aqui à derrota de Esparta em Leuctra, que tão profunda impressão causou nas pessoas da época, sem excluir os admiradores incondicionais de Esparta; prova-o a mudança sofrida pelos juízos acerca de Esparta e das suas instituições estatais, na literatura política do séc. IV. Platão, Xenofonte e Aristóteles, tal como Isócrates, citam repetidas vezes o desmoronamento da hegemonia espartana na Hélade, que explicam dizendo que os espartanos não souberam usar sabiamente o seu poder.”

Sob o comando de Cononte, e principalmente sob o de seu filho Timóteo, [seria o mesmo de acima?] logramos a hegemonia sobre toda a Grécia; mas não tardamos a perdê-la outra vez, por não termos a constituição de que precisávamos para defendê-la.”

Segundo a conclusão a que Isócrates chega, os homens eram diferentes nos tempos de Sólon ou de Clístenes; portanto, o único meio de livrá-los do seu individualismo exagerado é restaurar a constituição do Estado que vigorava naquele século.” Só homens restaurados restauram códigos deteriorados.

A tarefa de formar os homens desloca-se, assim, do campo da existência espiritual para o da educação exterior, em que o Estado se converte autoritariamente em agente externo da missão educativa. Desta forma, a paideia torna-se mecânica, e este defeito ressalta com maior força do contraste entre o modo puramente técnico como Isócrates pretende realizá-la e a concepção romântica do passado, que ele assim aspira a fazer ressurgir.” Mas ao menos ele recuou de sua oposição diametral a Platão, revalorizando o papel do Estado.

É elucidativo reparar como a imagem ideal do passado que Isócrates traça para caracterizar o espírito da educação a que aspira se vai inadvertidamente convertendo num sonho utópico, em que se esfumam todas as cores do presente e se resolvem todos os problemas. Esta estranha maneira de encarar a História só se compreende quando se vê que todos os louvores tributados ao passado são simplesmente concebidos como a negação de um mal correlativo do presente.”

No tempo dos pais da democracia ateniense, Sólon e Clístenes, ainda não se confundia o desenfreio com a democracia, a arbitrariedade com a liberdade, a licenciosidade da palavra com a igualdade, a absoluta falta de domínio do comportamento com a suprema felicidade; ao contrário, os indivíduos deste jaez eram castigados e existia a preocupação de tornar melhores os homens.¹ (…) A época da decomposição da forma só conhece a paideia no sentido negativo da corrupção que se transmite do conjunto a cada um dos membros. Isócrates apresenta em termos semelhantes a paideia negativa que nasce da ambição de poder da polis e faz variar o espírito dos cidadãos. (De Pace, 77). (…) é característico da época o fato de a paideia em sentido positivo só ser possível na forma de reação consciente dos indivíduos isolados contra as tendências gerais da evolução.”

¹ O dito se aplica completamente ao presente, é só pensar na licenciosidade boçal com que uma Damares se arroga o direito de “falar o que quiser” quando pisa numa igreja com fins políticos. Uma liberdade que o texto da Constituição não lhe deu, mas que o afrouxamento dos costumes democráticos e o descaso de um Supremo Tribunal Federal, que só agora e lentamente vem revendo sua conduta, decerto semearam.

(*) “…é interessante que este mesmo lema trabalhar e poupar (…) apareça em PLATÃO, Rep., 553 C, para caracterizar o homem oligárquico. Dificilmente Isócrates teria tirado desta caricatura as cores para pintar a sua imagem ideal: é por isso que é tanto mais interessante a sua coincidência com Platão”

O restabelecimento do Areópago fez-se no 1º período dos Trinta, altura em que Teramenes e a ala moderada dos conservadores tinham uma influência decisiva na política. O regresso dos democratas após a expulsão dos Trinta anulou evidentemente estas medidas legislativas; e o fato de Teramenes, autor do lema constituição dos maiores, ter sido morto por Crítias e pelos elementos oligárquicos radicais também não contribuiu para que este grupo moderado e a sua herança espiritual fossem vistos com mais simpatia no período seguinte de restauração do governo do povo. Compreende-se, assim, que Isócrates evite intencionalmente a expressão constituição dos maiores ou a transcreva sob outras formas, para não causar escândalo.

(*) “…Contra a opinião dos que pretendiam dissuadir o autor de publicar esta obra, por acharem incurável a situação de Atenas e perigosa a hostilidade dos dirigentes radicais contra os moderados, devem naturalmente ter-se levantado vozes aconselhando a publicação, pois de outra forma jamais se teria resolvido a isso um homem tão prudente [medroso] como Isócrates….”

(*) “De modo semelhante, PLATÃO, Carta VII, 326 A, indica-nos que concebera e expusera oralmente vários decênios atrás, antes da sua 1ª viagem à Sicília, as idéias publicadas mais tarde na República….”

Os atenienses tão depressa acorrem com 300 bois para o sacrifício como deixam cair no mais completo esquecimento as festas consagradas pelos seus maiores.”

Antiquitates Rerum Humanarum et Divinarum de Varrão, obra gigantesca de erudição histórico-cultural e teológica. Esta obra nasceu de uma situação interna análoga à da época isocrática. (…) Para poder escrever coisas como as que se citaram acima, tinha de ter estudado com certa precisão as práticas religiosas e as festas da antiga Atenas”

Os pobres não conheciam ainda a inveja da classe abastada, mas os sem-fortuna partilhavam a felicidade dos outros e era com razão que olhavam a riqueza daqueles como a fonte do seu próprio sustento.” Eis o espírito contido no Coriolano de Shakespeare. Já hoje vivemos o dilema de uma “elite” que é invejosa do pobre em ascensão, incapaz de reconhecer que a felicidade desta classe emergente é e deve ser reflexo da sua própria na partilha nacional. Não se reconhecem absoluto como imbuídos da missão de sustentar essa massa, embora se jactem em dizer que criam riqueza, que portanto seriam a fonte do crescimento econômico, sem se dar conta que sem a integração pobre-rico por meio do trabalho ninguém propriamente enriquece, na competição canibal internacional. O país fica apenas mais fraco e mais isolado, e a maior riqueza do rico às expensas de explorar o trabalhador, despido de seus direitos fundamentais, converte-se numa falsa riqueza, ou pelo menos numa riqueza relativamente parca comparada a outras nações em que há maior justiça social.

períodos de industrialização e crescimento do capital” “investia-se produtivamente o dinheiro” Eu é que contextualizo para o presente; mas Jaeger, como sempre, vê essas categorias ainda não-nascentes na própria Grécia Antiga, tão antepassada do Capital! Se há uma crítica severa a fazer a sua magnum opus, sempre achei e acharei que seria esta.

Era a confiança mútua que presidia à vida dos negócios e os pobres davam tanta importância como os possuidores de grandes fortunas à segurança das relações econômicas. Ninguém escondia a própria fortuna nem temia que ela se tornasse do domínio público, mas todos a empregavam praticamente, com a convicção de que isto não só era vantajoso para a situação econômica da cidade, mas até aumentava a própria fortuna.” Exatamente o que falei acima sobre o Brasil contemporâneo! Foi com a decomposição da oligarquia ateniense que Atenas caiu. É com a decomposição ainda mais abrupta da nossa elite do atraso cada vez mais atrasada que o Brasil está sendo jogado para a periferia da periferia das lideranças mundiais.

O defeito do sistema vigente reside em se limitar em Atenas a paideia ao pais, isto é, à infância. (Areop., 37). Desde a época dos sofistas, todas as cabeças da paideia grega, Platão e Isócrates principalmente, concordavam em que a paideia não se limitava ao ensino escolar. Para eles, era cultura, formação da alma humana. É isto que distingue a paideia grega do sistema educacional das outras nações. Era um ideal absoluto. (…) no passado (…) se velava pelos adultos ainda com maior cuidado do que pelas crianças.”

Este organismo só era acessível a pessoas escolhidas pelo nascimento e que na vida tivessem dado provas de caráter irrepreensível. Este princípio de seleção fazia do Areópago a mais distinta corporação da sua classe existente na Grécia.” Talvez extremamente corporativista; nobre, todavia.

O que importa, portanto, é infundir à polis um ethos bom e não dotá-la de um amontoado cada vez maior de leis especiais para cada setor da existência. (…) Platão acreditava poder renunciar por completo a uma legislação especializada no seu Estado ideal, pois supunha que nele a educação atuaria automaticamente” A Inglaterra e sua Constituição enxuta como eterna miragem moderna. Como ser enxuto, p.ex., em legislação tributária?

Isócrates considera irrecusável que a paideia se adapte à situação de fortuna de cada indivíduo. Este ponto de vista teve certa importância na teoria dos gregos sobre a juventude” “Só na República de Platão ele é eliminado: toda a educação superior fica a cargo do Estado e da elite por ele supervisada.” “A concentração da educação no Estado devia ser encarada por Isócrates como uma exigência totalmente irreal de um radicalismo pedagógico que não serviria de fato para criar uma elite espiritual” Mas se é que o Estado tem condições de cuidar da educação, seria somente de um seletíssimo número. A educação de viés ultrapopular e abrangendo cem por cento da população, mesmo a elite, mesmo os despolitizados, vivendo de fazer concessões em prol da inclusão, seria hipócrita ou semeadora de desastres e desestabilizações futuras do governo.

A equiparação estabelecida entre a educação do espírito e as diversas modalidades do esporte é característica da concepção da paideia como um jogo distinto, concepção que Isócrates partilha com o aristocrata Cálicles do Górgias de Platão.”

o Areópago mantinha os cidadãos dentro dos limites, palavra que já em Sólon aparece e que desde então se repete com freqüência em declarações sobre a disciplina legal dos cidadãos.” “As pessoas comportavam-se com seriedade e não tinham o prurido de passar por excêntricas ou espirituosas.”

aidos, aquele sentimento respeitoso de santo temor” “não é fácil definir este sentimento de pejo ou de temor: é um fenômeno inibitório de grande complexidade espiritual, formado por múltiplos motivos sociais, morais e éticos, ou antes o sentimento de onde brota esse fenômeno.”

o seu conceito de democracia é substancialmente mais amplo do que o da maioria dos democratas do tempo.”

* * *

Ninguém repetiu este ataque à demagogia tirânica e ao materialismo da massa com maior força de convicção do que Demóstenes, campeão da liberdade democrática contra os seus opressores estrangeiros.”

Finalmente, ao afirmar que os atenienses estavam obrigados, não só para consigo mesmos, mas também pela sua missão como salvadores e protetores de toda a Grécia, a se sobreporem à presente situação economicamente ruim e de indolência e a sujeitarem-se a uma educação rigorosa, capaz de habilitar outra vez o povo a cumprir o seu destino histórico, Demóstenes fez sua também a idéia com que culmina o discurso sobre o Areópago.

A tragédia da renúncia à força reside nisto: quando as idéias de Isócrates começavam assim a lançar raízes no coração da juventude, já o seu autor abandonara definitivamente a fé no ressurgimento de Atenas como poder independente e como guia de uma grande federação de Estados. No discurso de Isócrates sobre a paz, assistimos à abdicação de todos os seus planos que visavam ressuscitar no interior do país a criação política de Timóteo e erguer o império renovado da 2ª liga marítima ateniense. Hoje não podemos ler o programa educativo contido no discurso sobre o Areópago sem pensar na renúncia que no Discurso sobre a Paz, redigido no final da guerra perdida, Isócrates recomenda ao povo ateniense em relação aos antigos confederados separados” “Isócrates aconselha agora a que se conserve a paz não só com os confederados apóstatas, mas ainda com o mundo inteiro, com o qual Atenas se encontra em litígio.”

A zona de domínio da liga ficou reduzida à terça parte do território que possuía no tempo da sua máxima expansão, sob o comando de Timóteo. E o número dos confederados baixou em proporção, uma vez que os mais importantes foram voltando as costas à liga. A situação financeira era catastrófica.”

Este programa apresenta grande afinidade com o escrito de Xenofonte sobre receitas públicas, que apareceu na mesma época e pretendia apontar uma saída à crítica situação. A direção efetiva do Estado passou para as mãos do grupo conservador, encabeçado pelo político Eubulo, cujas idéias se orientavam na mesma direção.” “é evidente (…) que os 2 discursos não podem provir da mesma época.” “isso vem também confirmar a nossa conclusão de que o discurso sobre o Areópago tem necessariamente que datar de época anterior ao agudo rebentar da crise”

UM GRANDE XADREZ ENTRE DOIS IMPÉRIOS: “No Areopagítico não há a mínima dúvida acerca da excelência do domínio marítimo nem da sua importância histórica tanto para Atenas como para a Grécia” “O Discurso sobre a Paz, levado pelo seu pessimismo, tende, pelo contrário, a provar que o princípio de todos os males foi precisamente o começo do domínio naval.” “É a completa mudança diante do problema da força operada desde o Panegírico até o Discurso sobre a Paz, que explica a apreciação antagônica da paz de Antálcidas, nas 2 obras. O Panegírico condena-a do modo mais severo, considerando-a símbolo da vergonhosa submissão dos gregos aos persas, vergonha só possível após a ruína do domínio marítimo ateniense. (…) a paz de Antálcidas aparece agora como a plataforma desejável a que importa voltar para reorganizar a quebrantada vida política da Grécia. (…) e compreende-se que os sentimentos antipersas do nosso autor voltassem a se avivar mais tarde no Filipe, assim que com o rei da Macedônia surgiu um novo campeão da causa grega.”

No Panegírico, o imperialismo é justificado pela relação que tem com o bem-estar do conjunto da nação grega; no Discurso sobre a Paz, o domínio e a tendência à expansão do poder são pura e simplesmente repudiados, afirmando-se expressamente a validade da moral privada, mesmo nas relações entre Estados. [!]” Admissão tácita de que Atenas não tinha mais vocação para liderar o mundo. No máximo, estaria já muito em vantagem, dada a situação precária vigente, se conseguisse se tornar uma polis entre iguais.

A tendência ao poder e ao domínio é apresentada como a fonte de todos os males da história grega. Isócrates considera que esta tendência é por essência análoga à tirania e, portanto, intrinsecamente incompatível com a democracia.” Muito interessante e precursor do ângulo do anti-imperialismo e constitucionalismo modernos, porém trágico para os atenienses de então.

Com efeito, a tendência ao poder está profundamente enraizada no interior do homem e é necessário um gigantesco esforço do espírito para arrancá-la pela raiz. (…) E, assim como no Areopagítico são apresentados como escola de tudo quanto é bom a legalidade e a severidade da ordem de vida dos antepassados, assim no Discurso sobre a Paz se atribui à educação do povo e dos seus dirigentes, corrompida por obra do poder, tudo o que há de mau e desregrado no presente.”

O verdadeiro modelador das almas humanas é a ânsia de poder, a aspiração a mais. Esta, quando domina o Estado e a sua ação, não tarda a converter-se também em lei suprema da conduta individual.” “A democracia converte-se, pois, como se vê, na renúncia à tendência de poder. Mas isto não equivalerá, talvez, à eliminação voluntária da única democracia importante que ainda existia, na sua luta com as outras formas de governo, que buscam o mesmo objetivo por caminho direto, sem tropeçarem nos obstáculos constitucionais das liberdades cívicas? Eis um problema realmente sugestivo. Na realidade, devemos reconhecer que a exigência de Isócrates de se renunciar ao poder arbitrário do domínio ateniense era proclamada numa época em que aquele poder já desaparecera de fato pela força dos acontecimentos. A fundamentação moral através da vontade livre não passava de uma justificação a posteriori, que de certo modo facilitava a tarefa dos impotentes herdeiros do antigo esplendor, aliviando a consciência dos patriotas cuja mentalidade discorresse ainda pelos trâmites da tradicional política de força.”

E quase parece inconcebível que o Estado ateniense, relegado por ele ao papel de funcionário aposentado, tenha podido erguer-se de novo, sob a direção de Demóstenes, para a derradeira luta, uma luta em que já não se buscava a conquista de um poder maior, mas sim a defesa da última coisa que lhe restava, após a perda do seu império: a liberdade.”

4.6 Isócrates defende a sua paideia

Isócrates fala muito de si próprio nas suas obras, mas esta necessidade encontra a sua expressão mais pura numa das suas últimas criações (…) o discurso sobre as trocas de fortuna, a Antídosis, que é o nome que este conceito tem na língua ática.”

(*) “Em Antíd., 9, indica uma idade de 82 anos. Este discurso perdera-se na sua maior parte; só o princípio e o fim dele se conservaram, até que em 1812 o grego Mistoxides descobriu a parte principal (72 a 309).

Cada uma das pessoas sobrecarregadas com o imposto da trierarquia tinha direito, se considerasse o gravame injusto, a dar o nome de um cidadão mais rico a quem se pudesse com maior razão exigir o cumprimento do mesmo dever; e para demonstrar que a riqueza desse cidadão era maior que a sua podia pedir que trocasse de fortuna consigo. Em razão deste costume foram dirigidos à pessoa e à atividade docente de Isócrates diversos ataques que, embora não rigorosamente relacionados com o fundo da questão, tinham certa relação com a sua fama de ter juntado uma grande fortuna, com as suas atividades publicitárias e educativas.”

O processo por causa da troca de fortunas é apenas o motivo para redigir uma obra em que, a pretexto de ter sido publicamente argüido, defende, i.e., situa sob o ângulo que lhe parece adequado a sua vida, o seu caráter e as suas atividades didáticas. Na mesma obra, disserta pormenorizadamente sobre a estranha mistura de discurso forense, de autodefesa e da autobiografia que a Antídosis representa e pretende que esta mescla de idéias seja apreciada como uma sutileza especial da sua arte retórica. (…) Foi Platão, na Apologia de Sócrates, o 1º a converter o discurso forense de defesa em forma literária de confissão, em que uma personalidade destacada no plano espiritual procura prestar contas dos seus atos. Esta nova forma de auto-retrato literário deve ter causado funda impressão na mentalidade egocêntrica de Isócrates, que dela se serve no discurso sobre a troca de fortunas.” “1º monumento autêntico da autobiografia que possuímos, ou antes, como 1º relato do seu espírito e da sua vida, a Antídosis interessa-nos ainda de maneira especial, por ser a exposição mais ampla que ele nos deixou sobre os objetivos e os resultados da sua paideia.”

Na Antídosis, Isócrates toma, indubitavelmente, posição perante ataques como os de Aristóteles.” “É a grandeza do seu objetivo que distingue os seus discursos de todos os outros, pois se ventilam neles os interesses da nação grega e não os deste ou daquele indivíduo.” “É por isso que a sua arte congrega a sua volta numerosos discípulos, ao passo que os redatores empíricos de discursos são incapazes de formar realmente uma escola.”

imitação, conceito que tende cada vez mais a tornar-se a verdadeira medula do seu sistema educativo.”

já no fim da vida (…) Isócrates apresenta-se à opinião literária como um clássico consumado, que propõe como modelo as suas próprias obras. É aqui que tem as suas raízes o classicismo posterior. A todas as suas obras antepõe ele o Panegírico, tanto pela exemplaridade da forma como pelo testemunho do seu sentir patriótico, nas quais não se destaca tanto o pan-helenismo como o seu consciente sentimento de ateniense. É certo que os seus concidadãos punham este último em dúvida. No entanto, depois de ter apresentado 2 anos antes a talassocracia ateniense como a raiz de todos os males, era evidente que não podia publicar sem qualquer retoque o Panegírico

Isócrates tem certeza que com este discurso voltará agora a ser calorosamente aplaudido pelos círculos patrióticos de Atenas, mas não deixa de ser significativo que, para contrabalançar essa glorificação de Atenas e da sua grandeza histórica, insira de seguida um fragmento da sua obra mais recente, o Discurso sobre a Paz, e precisamente aquela parte do discurso em que prega uma paz duradoura e a renúncia ao domínio de Atenas sobre os mares.”

Seria interessante saber se, quando fala dos legisladores, Isócrates quer se referir também a Platão, que naquela época andava entregue à redação das suas Leis. Este fato devia ser conhecido nos círculos espirituais de Atenas interessados nestas questões e jorrava uma nova e derradeira luz sobre a vontade educativa de Platão.”

das leis se louvam as mais antigas e dos discursos os mais modernos.” Antíd., 82

E a sua obra de educador tem também uma importância superior à dos filósofos ou sofistas que exortam o homem à virtude da justiça e ao autodomínio, pois é só aos indivíduos que o seu apelo à phronesis, ao conhecimento moral e a uma conduta de acordo com ele, se dirige, dando-se eles por satisfeitos quando conseguem atrair alguns homens. A atuação de Isócrates, ao contrário, dirige-se à polis inteira e procura incitá-la a realizar ações que a tornem feliz e libertem os outros gregos das suas dores.”

Para o leitor moderno, o essencial é a sua herança literária, através da qual continua a nos falar. Mas para o ateniense, sobretudo para aquele que não conhecesse com precisão a longa série de estadistas e de outras eminentes personalidades da vida pública saídos da escola de Isócrates, tal enumeração tinha de significar forçosamente mais que a mera palavra escrita.”

(*) “Hemipo, discípulo de Calímaco, compôs a obra Sobre os Estudiosos de Filosofia que se tornaram Governantes, baseando-se nas listas dos estóicos e acadêmicos de Filodemo, que haviam sido descobertas. (…) É natural que o tirano Hermias de Atarneu desempenhasse nela um papel importante, juntamente com os seus conselheiros políticos Erasto e Corisco, discípulos de Platão. (…) Por certo que em tais listas figuravam ainda Díon e alguns platônicos mais jovens, como Eudemo de Chipre e os seus correligionários, mortos em Siracusa na luta contra a tirania. Mas era também discípulo de Platão o assassino de Díon, Calipo, que a seguir se fez tirano. Em Heracléia, no Ponto, foi ainda um discípulo de Isócrates e Platão – Clearco – que se entronizou como tirano depois de derrubar e assassinar o platônico Quíon. Cf. MEYER, Geschichte des Altertums, t. V, p. 980.”

Crítias e Alcibíades. Os socráticos tinham-se esforçado naquela época por absolver o seu mestre de qualquer responsabilidade no futuro papel desempenhado por aqueles homens na história da sua pátria, durante os mais difíceis tempos da provação de Atenas.”

a tragédia da sua carreira como educador (apesar de tão cheia de êxitos, vista de fora), tragédia que é para ele, ao mesmo tempo, a do Estado ateniense. Esta tragédia radica no velho problema das relações entre as grandes personalidades e a massa, na vida da democracia grega.”

Não era um temperamento vigoroso, endurecido nos trabalhos, mas sim um homem de nervos sensíveis e de saúde delicada. Comparado com Cares, o militarão cheio de cicatrizes, o deus da guerra do partido radical, a quem Isócrates se quer evidentemente referir nesta narração, embora sem lhe mencionar o nome, Timóteo representa o ideal do estratego moderno.”

Timóteo não era inimigo do povo nem inimigo do Homem; não era soberbo nem sofria de nenhuma outra má qualidade deste gênero. O sentimento da sua própria grandeza, que lhe era tão útil como chefe militar, é o que o tornava difícil no trato diário e lhe dava uma certa aparência de homem altivo e brusco.”

É impossível contemplar esta imagem, sem pensar no exemplo de Homero, que Isócrates deve ter tido presente, ao escrever estas páginas, em que se entretecem verdade e poesia: referimo-nos ao discurso exortativo de Fênix a Aquiles, no livro IX da Ilíada. O problema que se colocava aqui era o mesmo: moderar o sentimento da megalopsychia, da grandeza de alma, pela sua inserção na estrutura de uma comunidade humana freqüentemente rebelde ao reconhecimento e à gratidão.”

Timóteo, muito embora me desse razão quando eu assim falava, era incapaz de modificar a sua natureza. Era kaloskagathos, digno da cidade e da Grécia, jamais comparável àquela classe de homens a quem incomoda tudo quanto os ultrapasse.” Antíd., 138.

a ficção de um concidadão ter solicitado judicialmente trocar com ele de patrimônio o obriga a focar também este aspecto material da sua profissão.”

Àquela data, a sua riqueza despertava quase inevitavelmente a inveja e a cobiça da massa; e, enquanto antigamente quem possuía uma grande fortuna sentia orgulho em exibi-la, no tempo de Isócrates todos procuravam ocultar o que possuíam, com medo de perdê-lo, ainda que tivesse sido adquirido por meios lícitos. Isócrates, porém, não pretende furtar-se ao problema da sua fortuna; ao contrário, este problema é visivelmente para ele um ponto cardeal para o qual pretende dirigir a atenção do leitor, uma vez que o êxito material das suas atividades docentes é, aos seus olhos e aos da maioria dos seus contemporâneos, o critério supremo para ajuizar das suas obras. Considera injusto pretender-se medir os ordenados dos professores pelos dos comediantes – que no entanto eram considerados exorbitantemente altos – e aconselha a compará-los aos de pessoas da mesma categoria e profissão. Entre estas menciona o seu mestre Górgias, que ensinou na Tessália, numa época em que os tessálios eram os homens mais ricos de toda a Grécia; e ele era tido pelo mais rico de todos os retóricos. Pois bem: quando morreu, Górgias não deixou mais de 1100 estateres.” “E não foi dos seus concidadãos que recebeu o dinheiro, mas sim de estrangeiros atraídos a Atenas pela fama do seu nome, contribuindo desta forma para a prosperidade econômica da sua cidade natal. O sólido caráter burguês de Isócrates e da sua formação ressalta neste ponto com a maior clareza, se o compararmos, p.ex., com a atitude aristocrática de Platão, que nunca explorou como negócio a educação filosófica.” “A regulamentação dos honorários era em uns e outros, bem como nos médicos, absolutamente individual. Não esqueçamos que a atitude de Platão perante estes problemas representa a exceção.”

(*) “Esta substituição da ginástica e da música pela ginástica e a filosofia (isto é, pela retórica) indica claramente que Isócrates se eleva acima da antiga paideia dos gregos, e à velha educação, baseada na poesia, substitui uma nova e mais bela forma de educação do espírito. Contudo a sua ‘filosofia’ pressupõe o adestramento ‘musical’ de estilo antigo, tal como o faz o sistema educativo ideal de Platão para os governantes filósofos, na República. Na idade avançada (Panat., 34), Isócrates acalentava o desejo de tratar a fundo a posição que a poesia ocupava no reino da cultura.” Não só na Rep. de Platão, como também no Fédon.

Assim como até o corpo mais frágil se fortalece, quando por ele se vela cuidadosamente, e os animais se podem amestrar e mudam de caráter por meio da domesticação, assim também existe uma disciplina que forma o espírito do Homem. Os profanos tendem a desdenhar a importância que o fator tempo tem aqui, e ficam céticos se não apalpam os resultados dos esforços ao cabo de poucos dias ou, quando muito, ao fim de um ano. Isócrates repete aqui a sua teoria dos diversos graus de eficiência da paideia. Mas, embora reconhecendo esta diversidade, continua a defender sem vacilar que a eficiência pode ser comprovada em todos os seres mais ou menos dotados. Todos exibem em maior ou menor medida o selo da mesma formação espiritual.”

Cita-se até, segundo uma paródia livre de Eurípides, um verso das suas lições de retórica, o qual reza assim, transcrito para prosa: Seria deplorável guardar silêncio e deixar falar Isócrates. Aristóteles propunha-se satisfazer com estes cursos a necessidade que os seus discípulos sentiam de uma cultura formal. O ensino retórico tendia a completar o estudo da dialética.”

(*) “…A mim o que parece mais verossímil é o Fedro ser posterior ao Grilo de Aristóteles (pouco depois de 362), ainda que não muito posterior. Tanto no Grilo como no Górgias, a retórica não é considerada techne, ao passo que no Fedro pode-se converter em tal. (…) Em todo caso, creio que o Fedro deve ser considerado anterior à Antídosis (ano 353).”

Ambas as coisas tinham forçosamente de atentar contra a Escola de Isócrates e provocar a sua indignação. Um dos seus discípulos, Cefisodoro, compôs contra Arist. uma extensa obra em 4 livros (…) O caráter irônico de Arist. leva-nos a pensar que a sua inovação deve por força ter originado uma polêmica mordaz, embora na sua Retórica citasse freqüentemente os discursos de Isócrates como modelos de oratória.”

Platão, apesar de todas as suas reservas, não tinha outro remédio senão compreender a diferença profunda que existia entre Isócrates e outros retóricos do tipo de Lísias. Quando põe na boca de Sócrates a profecia de que Isócrates saberá desenvolver um dia os seus dons naturais de ordem mais filosófica e criar algo de pessoal, põe-nos o problema de vermos até que ponto a trajetória posterior do retórico satisfez realmente aquelas esperanças.”

(*) “Em Antíd., 258, Isócrates afirma cautelosamente que são certos filósofos erísticos os que o difamam; estabelece, pois, distinção entre o próprio Platão e o seu discípulo Arist..”

É certo que não se pode dar o nome de Filosofia a esta cultura meramente lógica e conceitual, visto que não dá normas nem para bem falar nem para bem agir. É, no entanto, um exercício da alma e uma iniciação à verdadeira Filosofia, à cultura político-retórica.” Vd. o Político: o Jovem Sócrates, um matemático ateniense, e o Estrangeiro em busca da definição do Homem Político.

(*) “…Platão julga ter refutado no Górgias estas censuras de Cálicles, mas Isócrates volta a colhê-las na sua totalidade, prova de que este antagonismo entre os 2 ideais de cultura é eterno….”

antigos sofistas (termo com que se refere aos que hoje designamos por pré-socráticos).”

(*) “Já na Helena, 2-3, Isóc. atacara os filósofos pré-socráticos, Protágoras, Górgias, Zenão e Melisso,¹ como simples rebuscadores de paradoxos, e prevenira contra a sua imitação. Na Antídosis critica Empédocles, Íon [não se sabe se é o Íon de Quio já citado], Alcmeôn, Parmênides, Melisso e Górgias. É claro que não critica Górgias como retórico, mas sim como inventor do famoso argumento o ser não é, que foi uma exageração dos paradoxos tão do gosto dos filósofos eleatas.” Não poupava o próprio mestre – mas, mais grave, não devia saber puxar muita coisa de proveito do que lia, para atirar a torto e a direito assim e ver qualidade tão-só em si.

¹ Provavelmente um campeão da irrelevância. Só citado agora; bastante superficialmente discorrido na História da Filosofia hegeliana. Um péssimo discípulo de Zenão, caso o tenha realmente sido.

as especulações metafísicas sobre o Ser e a natureza, ligadas aos nomes de Empédocles, Parmênides, Melisso e outros são por ele consideradas pura insensatez e provocam a sua indignação. No Parmênides e no Teeteto de Platão discutem-se vivamente os problemas da escola eleata, de Heráclito e de Protágoras. Nas listas das obras de Arist. são especialmente citadas obras de Xenófanes, Zenão, Melisso, Alcmeôn, Górgias e os pitagóricos. Estes estudos nasceram do contato intensivo da Academia com os pensadores antigos e os seus frutos já se manifestaram nas partes mais antigas da Metafísica de Arist., sobretudo no livro I, que trata dos pensadores anteriores a ele.” “Isóc., involuntariamente, já não consegue mais exprimir o seu pensar discrepante senão na forma da negação do ponto de vista platônico.” O início da “síndrome” que já dura +2000 anos.

De modo esquemático:

Parmênides ——(V)—– Sócrates —– Platão

Parmênides ——(O)—– Górgias —– Isócrates,

onde (V) = Verdade e (O) = Opinião, conforme desmembrados do Um de Parm..

Segundo Isóc., a censura que Platão dirige no Górgias aos grandes estadistas do passado cai sobre aquele mesmo que a formula, pois, ao aplicar aos homens uma pauta sobre-humana, o que faz é precisamente praticar uma injustiça contra os melhores dente eles. (…) opinião acertada (…) concedida como dom divino)” DV

Ad infinitum a mesma crítica ao Übermensch

Enquanto para Platão a fase superior da arete e da paideia começa para além deste êxito baseado no instinto e na inspiração, o sistema educativo de Isócrates, sujeitando-se por si mesmo a uma limitação consciente e levado pelo seu ceticismo de princípio, move-se exclusivamente na fase do simples critério pessoal e da mera opinião. A opinião certa não é para ele um problema de conhecimento exato, mas sim de gênio, e como tal inexplicável e refratário a ser transmitido por meio do ensino.”

Em parte alguma as limitações espirituais de Isócrates ressaltam com maior clareza do que na crítica à teoria platônica da paideia.” Um aristocrata é um aristocrata, crendo num Homem ou não (somente homens).

(*) “Antíd., 274-5: uma techne do tipo da que exigem os dialéticos nunca existiu antes, tampouco existe agora. Mas antes de inventar tal paideia conviria abster-se de prometê-la aos outros….”

À essência da pleonexia (desejo de mais), profundamente enraizada na natureza do Homem, como instinto de posse, dedica ele aqui uma investigação especial, em que procura dar a este conceito um sentido positivo. É neste ponto que Isócrates traça uma nítida linha divisória entre si próprio e o Cálicles de Platão. Esta linha divisória é a da moral.”

(*) “De Pace, 33. Já nesta obra (…) se vê claramente que Isócrates é contrário ao amoralismo do Cálicles platônico e à sua teoria do direito do mais forte (…) Na Antídosis, Isó. procura separar nitidamente as duas coisas.” Sempre haverá “duas” Vontades de Potência: a do Bom (Melhor) e a dos maus. Todo mestre será malversado. E embora separáveis, sempre terão o mesmo nome. Não se trata de contestar o “princípio natural” da “sobrevivência do mais forte”, mas de estabelecer: o que é o mais forte?

(*) “Antíd., 282 e 285. Em 283, Isó. censura o abuso das palavras em que incorremos filósofos, ao transpô-las das coisas supremas para as coisas piores e mais reprováveis. Na realidade, ele próprio muda o sentido do termo pleonexia, de algo moralmente repugnante em algo ideal. Ao fazê-lo, segue sensivelmente o exemplo de Platão, que no Banq., 206 A define o eros idealizado como o impulso para a assimilação do mais belo e do melhor…”

Isócrates aceita a moral prática dos socráticos, embora sem a dialética nem a ontologia platônicas” Isócrates quer as vantagens da Filosofia sem seus efeitos colaterais! Hipertrofia que se repetiu na Alemanha: quando o culto se torna o bárbaro. E, no fundo, Caetano Veloso filosofa em alemão. Somos seus continuadores.

Não é próprio do ateniense desprezar o logos nem sentir ódio à cultura do espírito, ódio freqüente agora entre os políticos poderosos e entre a massa, e que constitui um sintoma de degenerescência do Estado ático.” “é ao espírito ático que se deve a fama da cidade no mundo inteiro.” “Ao perseguirem os representantes da cultura espiritual, os atenienses procedem como procederiam os espartanos se punissem as atividades guerreiras, ou os tessálios se anatematizassem a criação de cavalos e a equitação.”

MUDA BRASIL”, MBL, etc.: “A tendência mais extremista da democracia foi adotando uma atitude cada vez mais hostil para com a cultura, à medida que se ia definindo a ligação entre a cultura e a crítica política.” “O que revoltava a massa, a criação de uma nova aristocracia espiritual em vez da antiga nobreza de sangue, que já tinha definitivamente perdido a sua importância, era o ideal consciente da educação isocrática.”

Finge-se pronunciar estas palavras perante um tribunal, mas na realidade brotam do refúgio de um recanto, a partir do qual já não se apresenta a mínima possibilidade de influir no andamento das coisas, porque já se tornou insondável o abismo entre o indivíduo e a massa, entre a cultura e a incultura.”

Na nova estrela ascendente do rei Filipe da Macedônia, na qual os defensores da polis viam um signo funesto, viu Isó. totalmente o contrário, a luz de um futuro melhor; e no seu Filipe saudou o adversário de Atenas como o homem a quem a tyche conferira a missão de realizar o seu ideal pan-helênico.” “Dos homens que eram, em Atenas, a alma da resistência contra a Macedônia, mesmo de Demóstenes, falava só como de homens incapazes de fazerem qualquer bem à polis.”

O ancião de 97 anos [!] (…) espalha-se em considerações históricas sobre a melhor forma de governo, que consiste, segundo Isó., numa combinação correta dos 3 tipos fundamentais de constituição.” “Esta teoria influenciou os estadistas peripatéticos e através deles informou a obra do historiador Políbio – sobretudo no modo de expor o espírito do Estado romano – e ainda o ideal de Estado de Cícero, no seu De Republica.”

4.7 Xenofonte: o cavaleiro e o soldado ideais

Se deixarmos de lado (…) Platão (…) só um homem dentre os escritores do círculo socrático, Xenofonte, chegou até nós através de numerosos escritos. Em contrapartida, discípulos como Antístenes, Ésquines e Aristipo, preocupados apenas com imitar as diatribes morais do seu mestre, dificilmente representam para nós mais do que simples nomes.” Com efeito, os dois últimos estão citados apenas duas vezes nesse amplo resumo, contando com a menção acima.

Mesmo que não seja lido como o primeiro prosador grego, pela transparente simplicidade da sua linguagem (e ainda hoje assim é considerado nas nossas escolas); mesmo que o julguemos através da leitura dos grandes autores do seu século, de um Tucídides, de um Platão ou de um Demóstenes; muitas coisas que hoje nos poderiam parecer espiritualmente banais ganham, pelo encanto da sua pena, um aspecto diferente.”

Xenofonte, que nascera num dos demos atenienses, o mesmo de que Isócrates descendia, passou pelas mesmas experiências infelizes deste e de Platão, na última década da guerra do Peloponeso, época em que se tornou adulto.” “Não foi Sócrates, porém, quem marcou o destino da sua vida, mas sim a ardente inclinação para a guerra e para a aventura” “o mais brilhante dos seus livros, a Anábase ou Expedição de Ciro

ao regressar da campanha da Ásia, uniu-se diretamente aos espartanos que sob o comando de Agesilau combatiam em prol da liberdade dos gregos da Ásia Menor e voltou à Grécia com o rei”

Alfred CROISET, Xenophon, son charactère et son talent (Paris, 1873)

E teve que pagar com a extradição para fora da sua cidade as inapreciáveis experiências militares, etnográficas e geográficas adquiridas na sua campanha asiática.”

O gosto pelas variadas atividades de agricultor, juntamente com a recordação de Sócrates e a inclinação para tudo quanto fosse histórico e militar, é uma das principais características da personalidade de Xenofonte”

Xenofonte permaneceu longe da pátria durante os decênios do novo apogeu ateniense, com a 2ª liga marítima; não voltou a ser chamado a sua cidade antes da decadência desta liga, a última grande criação política de Atenas, data em que procurou contribuir com alguns pequenos escritos de caráter prático para a obra de reorganização do exército e da economia. (…) A sua vida abrange, pois, pouco mais ou menos, o mesmo período da de Platão.”

Quando redigiu o seu escrito em defesa de Sócrates, que figura agora como livro primeiro, à cabeça das suas Memoráveis, escritas muito depois – motivadas principalmente pela polêmica literária que ao final da década de noventa provocou o livro difamatório do sofista Polícrates contra Sócrates e os socráticos –, era a uma razão predominantemente política que obedecia a sua incorporação no círculo dos defensores de Sócrates: ao desejo de provar, lá do exílio, que Sócrates não devia ser identificado com as tendências de Alcibíades ou de Crítias, os quais as escolas concorrentes lhe pretendiam atribuir como discípulos, a fim de desacreditarem como suspeito de espírito antidemocrático tudo quanto tivesse qualquer relação com Sócrates. Nem sequer os acusadores do mestre se tinham atrevido a tanto, no seu processo.”

sentimentos antidemocráticos, misodemia

A redação de um capítulo como a conversa entre Sócrates e Péricles o Moço, Mem., III, 5, em que se parte do pressuposto que o principal inimigo de Atenas são os tebanos (…) só se pode conceber na altura em que Atenas e Esparta eram aliadas contra Tebas, após o início do novo apogeu desta cidade, i.e., nas décadas de 60 ou 50 do século IV.”

Embora transpareça constantemente em Xenofonte o orgulho nacional e a fé na superioridade da cultura e do talento gregos, ele está muito longe de pensar que a verdadeira arete seja um dom dos deuses depositado no berço de qualquer burguesinho helênico.” [!]

Entre os persas considerava-se incorreto cuspir e assoar o nariz”

Na imagem de Ciro traçada por Xen. aparecem intimamente associadas a helenofilia e a alta arete persa. Ciro é o Alexandre dos persas e só difere do macedônio pela sua tyche. A lança que o trespassou podia ter derrubado também Alexandre. [?] Cf. An., I, 8, 27. Alexandre professava a mesma idéia de Ciro acerca da bravura pessoal do chefe, idéia que os gregos do séc. IV consideravam romântica. Expunha-se ao perigo sem qualquer finalidade e era ferido com freqüência.” Agamemnon não podia ser um protótipo do ateniense clássico? Péricles não combatia?

[?] Já entendemos que Alexandre não era um imortal – é necessária toda essa ênfase?!

PAN-PAN-HELENISMO: “Estes gregos vislumbraram agora, embora sem terem percebido claramente, a possibilidade e as condições de uma influência da cultura grega para além das fronteiras da própria raça.”

De outra forma não teria podido surgir um livro como a Ciropedia, que apresenta aos gregos o ideal da verdadeira virtude de um monarca, encarnado na pessoa de um rei persa.

Esta obra, em cujo título figurava a palavra paideia, é para nós decepcionante, no sentido de que é só no seu começo que trata realmente da educação de Ciro.(*) Não estamos na presença de uma novela cultural da Antiguidade, mas sim de uma biografia completa, ainda que muito romanceada, do rei que fundou o império persa.

(*) (…) Também a Anábase tira o título do 1º capítulo da obra, apesar da parte principal se consagrar à narração da retirada dos gregos, i.e., da katabasis. Não faltam exemplos deste tipo de títulos na literatura grega.”

O mero fato de os gregos do séc. IV poderem entusiasmar-se com tal figura atesta como os tempos tinham mudado (…) Entramos na era da educação dos príncipes.”

O guerreiro de Xen. é o homem que confia singelamente em Deus. Na sua obra sobre os deveres do capitão de cavalaria, há uma passagem onde diz que se algum leitor se espantar de todos os seus atos começarem com Deus, é porque nunca se viu forçado a viver em perigo constante.”

O centro da sua educação é a praça pública diante do palácio real, rodeada também por outros edifícios públicos. Deste lugar estão banidos comerciantes e lojistas, para que o seu bulício não se misture à eukosmia da gente culta. É patente o contraste com o que acontecia em Atenas e na Grécia. Aqui, a praça e as imediações dos edifícios viam-se cercadas de tendas de comércio e cheias de azáfama ruidosa e agitada dos negócios.” “Os diretores da educação infantil saem das fileiras dos velhos escolhidos como mais aptos para esta função; os educadores dos jovens capazes de pegar em armas, dos <efebos>, são distintos representantes dos homens de idade madura. As crianças, como na Grécia os adultos, têm uma espécie de tribunal perante o qual podem apresentar suas queixas e agravos, contra os gatunos, assaltantes e autores de atos violentos, de fraude ou de injúria. Os autores de um desacato são disciplinarmente castigados; mas também o são aqueles que acusam inocentes. Xenofonte salienta como peculiar atributo dos persas o grave castigo com que sancionam a ingratidão. Esta é considerada a raiz de todo o impudor e, portanto, de todo o mal.”

O regime de vida das crianças é o mais simples que se possa imaginar. Trazem de casa para a escola um pedaço de pão e uma salada, bem como uma caneca para tirarem e beberem água, e todos comem juntos sob a vigilância do mestre. Este sistema de educação chega até os 16 ou 17 anos; nessa idade, o jovem ingressa no corpo dos efebos, onde permanece durante 10 anos.”

O alto apreço que se tem pelo exercício de caça é, segundo Xen., um sintoma de saúde do sistema persa. O nosso autor celebra as virtudes desta prática que enrijece o homem, e tanto aqui como na sua obra sobre o Estado dos espartanos e no Cinegético, concebe-a como um dos elementos essenciais de toda a paideia correta.”

Só ingressam na classe dos efebos as crianças cujos pais disponham de recursos para enviar os filhos a esta escola de kalokagathia, em vez de fazerem-nos trabalhar, e só alcançam a categoria de adultos e a seguir a dignidade de anciãos os efebos que completam o tempo de serviço militar.” Do contrário permanecem presos em Neverland.

Aos cidadãos espartanos com plenitude de direitos tinha, contudo, de parecer estranho que até o rei dos persas e a alta nobreza se entregassem fervorosamente à agricultura. Em Esparta eram considerados banais estes trabalhos”

Tudo isto tinha que parecer muito estranho ao público grego, se excetuarmos talvez o de Esparta (…) Isto recordará ao leitor moderno as escolas de cadetes dos Estados militares do tipo do antigo Estado prussiano, chamadas a fornecer ao exército o material humano e, assim, a formarem os seus pupilos desde a infância.” “apesar de Xen. entender que a linhagem é aqui substituída pela norma da independência financeira dos pais das crianças que se pretende educar, o mais provável é que esta categoria coincidisse quanto ao essencial com a nobreza dos proprietários de terras do Estado persa.”

No prólogo da Ciropedia volta resolutamente as costas aos persas do seu tempo e explica as razões da sua decadência. E igual atitude adota para com a Esparta dos seus dias, no final da sua obra sobre o Estado espartano. Não teria procedido assim, sem dúvida, em vida do rei Agesilau, a quem exaltou numa apologia, escrita quando a sua morte (360), como a personificação da autêntica virtude espartana.”

A exuberante vida oriental, que muitos consideram típica da Pérsia, é para ele característica da Média [país de nascimento de Parysatis, mãe de Ciro]. Foi esta a principal razão do império medo ter caído nas mãos dos persas, logo que estes tiveram consciência da sua superioridade. Este povo persa, o do tempo de Ciro, não era um povo de escravos, mas de homens livres e iguais em direitos

Em tempos de Xen. e de Platão, e com certeza muito antes, este cosmos espartano já aparecia aos olhos do mundo como uma formação acabada. Contudo, devemos exclusivamente ao interesse destes pensadores e escritores pela paideia dos espartanos o ter-se conservado algum conhecimento de Esparta digno de nota.”

Os escritos de Platão sobre o Estado são o melhor comentário ao que a mentalidade grega entendia por imitação. Os gregos tendiam menos do que nós a encarar na sua individualidade única uma criação coerente consigo própria, mesmo quando determinada pelas condições de sua essência” “É o princípio da educação como função pública que constitui a verdadeira contribuição de Esparta para a história da cultura, contribuição cuja importância é impossível exagerar.”

pela 1ª vez na literatura ganhou caráter agudo o problema do campo e da cidade.” “Este amor ao campo está tão distante do bucolismo sentimental dos poetas idílicos gregos como do espírito rústico e burlesco das cenas campestres de Aristófanes.”

Para justificar o interesse pela agricultura em geral e apresentá-la como um tipo de atividade merecedora do respeito social, Sócrates [o Sóc. xenofôntico, i.e.] lembra o exemplo dos reis persas, que só consideravam digna de se associar aos deveres militares uma única paixão: o cultivo da terra

Para velar pelos frutos da terra é mais indicada a alma tímida da mulher do que a coragem do homem, a qual é, em contrapartida, indispensável para evitar que no trabalho do campo se cometam transgressões ou desacatos. São inatos à alma feminina o amor às crianças e a abnegada devoção para cuidar delas. O homem está mais apto a suportar o calor e o frio, a percorrer caminhos longos e penosos ou a defender as terras de armas na mão.” Blablablá de capataz.

SEMENTINHA DA REV. INDUSTRIAL: “Se a presença pessoal do fazendeiro não faz os trabalhadores retesarem voluntariamente os músculos [ih, negócio meio estranho!] e trabalharem a um ritmo preciso e harmonioso, é porque o patrão carece da capacidade indispensável para o desempenho da sua missão”

Também Platão nas Leis atribui à caça um lugar na sua legislação educativa. É no final, depois das leis sobre o ensino matemático-astronômico, muito distante das normas sobre a ginástica e a instrução do soldado e bastante desligada delas, que esta seção figura. Talvez isto permita chegar à conclusão de que se trata de uma adição posterior à redação da obra. É possível que tenha sido precisamente o aparecimento da obra de Xen. que chamou a atenção de Platão para esta lacuna do seu sistema educativo. Em todo caso, a publicação do Cinegético coincide mais ou menos com os anos em que Platão trabalhava nas Leis.”

Platão não se resolve absolutamente a reconhecer como paideia tudo quanto no seu tempo se chamava caça. Não quer, porém, estabelecer nenhuma lei sobre isso e, como com tanta freqüência faz nas Leis, limita-se a misturar louvores e censuras no tocante a certos gêneros de caça. Condena severamente toda sorte de pesca de rede e de anzol, por entender que não fortalece o caráter do homem. Só autoriza, portanto, a caça a quadrúpedes e ainda por cima praticada abertamente e em pleno dia, não durante a noite ou valendo-se de redes ou armadilhas.”

Como argumento para provar o caráter apócrifo do Cinegético quis-se aduzir o fato do autor não indicar que a caça devia ser feita a cavalo, pois era esta a forma como os atenienses distintos a praticavam.” “O que deve figurar indiscutivelmente num livro sobre a caça é, isso sim, a maneira de adestrar os cães. E Xen. condensa no Cinegético a sua experiência nesta arte com inúmeros pormenores cheios de encanto, que o definem como grande conhecedor destes animais.” “ao reivindicar o reconhecimento da caça como meio e caminho para a formação da personalidade, vai contra a corrente da evolução da sua época” “a caça a feras, como o leão, o leopardo, a pantera e o urso só se praticava naquele tempo na Macedônia, na Ásia Menor e no interior da Ásia.”

A obra vem citada na relação dos escritos de Xen. por Diógenes Laércio, relação que remonta aos trabalhos de catalogação dos filólogos alexandrinos do séc. III a.C..”

É interessante notar que também em matéria de paideia existem agora peritos e leigos, ainda que neste campo o leigo exerça com maior vigor que em nenhum outro a sua crítica.”

4.8 O Fedro de Platão: filosofia e retórica

Constituía o compêndio mais resumido das idéias platônicas acerca da relação entre a palavra escrita e falada e o pensamento, e conseqüentemente era o pórtico por onde todos entravam no templo da filosofia de Platão. O entusiasmo ditirâmbico pelo qual no Fedro Sócrates se deixa arrastar nos discursos sobre o eros – entusiasmo que ele próprio ironicamente faz notar – era tido por indício seguro das origens remotas deste diálogo. Já a crítica antiga caracterizara, em parte, como mau ou ‘juvenil’ o estilo destes discursos, o que indubitavelmente equivalia a primitivo, não em sentido biológico, mas no sentido de valoração artística, i.e., de censura a um estilo excessivamente redundante.” “A condenação intrínseca do Fedro como um problema juvenil é, a meu ver, uma improvisação digna da ignorância de Diógenes Laércio. É evidente que este pensava que o verdadeiro problema do diálogo era o tema do discurso de Lísias, que figura no começo do Fedro e é, sem dúvida, um tema pueril.”

Parecia lógico que Platão fornecesse logo no início da sua carreira literária uma explicação sobre a sua atitude perante a obra de escritor em geral e sobre o valor da palavra escrita para a filosofia” “E foi precisamente com a ajuda do Fedro que Schleiermacher descobriu esta nova interpretação formal, que viria a fornecer a pauta para todo o resto. (…) Mas à medida que as investigações sobre Platão foram assimilando, no decorrer do séc. XIX, a idéia de evolução histórica (…) descobriram-se indícios que sugeriam uma origem mais tardia” “Esta viragem foi feita sobretudo por Karl Friedrich HERMANN, Geschichte und System der platonischen Philosophie (Heidelberg, 1839).”

Finalmente, via-se que a riqueza do vocabulário e a complexidade de composição com que nesta obra se expõe o pensamento platônico traíam a sua proveniência da época da sua maturidade (…) Depois de situarem durante certo tempo o Fedro na época do Banquete, i.e., no período intermédio (após a fundação da escola platônica), os intérpretes viam-se agora obrigados a deslocar de novo este diálogo para a última fase da vida do filósofo. Hermann situa o Fedro, ao lado de obras como o Menexeno, o Banquete e o Fédon, na época por ele designada como 3º período da obra escrita de Platão, antes da República, do Timeu e das Leis. Usener e Wilamowitz defendiam ainda, contra Hermann, a primitiva cronologia de Schlei.; Wilamowitz, contudo, abandonou mais tarde este ponto de vista. Mais longe ainda que Hermann foi H. von ARNIM, ao situar o Fedro entre as últimas obras de Platão, no seu livro Platos Jugenddialogue und die Entstehungzeit des Phaidros (Leipzig, 1914).”

STENZEL, Plato’s Method of Dialectic, 1940

(*) “…Isto confirma o testemunho de CIC., Or., 13, tirado dos eruditos helenísticos que classifica o Fedro como obra de velhice de Platão.”

É certo que grande parte das dificuldades que a composição da obra apresenta ao leitor deriva apenas do paralelismo, explicável mas falso, com o Banquete. Se o compararmos com esta obra, que trata toda ela do problema do eros, é fácil vermos no Fedro o 2º grande diálogo erótico de Platão.”

É nas suas relações com o problema da retórica que reside a unidade do Fedro. As 2 partes da obra dedicam-se em igual medida a este problema.” “A chamada parte erótica, ou seja, a 1ª, começa com a leitura e a crítica de um discurso de Lísias, apresentado como o dirigente da mais influente escola retórica de Atenas, e que no tempo de Sócrates estava no apogeu do seu prestígio. (…) como, a partir das falsas premissas de Lísias sobre o eros se pode tratar melhor do que ele o mesmo tema ou como deve esta questão ser exposta, quando se sabe verdadeiramente o que ela é.”

autêntica retórica” “deixa sem solução o problema de saber se alguma vez chegará a existir este tipo de retórica. Apesar disso, Platão faz Sócrates dizer que deposita grandes esperanças no jovem Isócrates, e o diálogo termina com as elogiosas palavras do mestre a este novo retórico. § Estes elogios tributados a Isóc. formam um contraste consciente com as mesmas censuras dirigidas a Lís., que encabeçam tanto a parte I como a parte II”

MESTRE DA ANACRONIA: “Embora seja difícil dizer a priori a que época da atuação de Isóc. pode corresponder este episódio, é evidente que a profecia sobre a grandeza futura deste homem não teria tido qualquer sentido na juventude de Platão, quando ainda não existia nenhuma escola sua nem nada que permitisse distingui-lo dos outros redatores de discursos. É preciso que a nova retórica já tenha apresentado provas decisivas da potência de espírito de seu autor, para que Platão pudesse pensar em cingir com o laurel daquela profecia socrática(*) a fronte do homem da mais importante das escolas de Atenas suas opositoras.

(*) CIC.: <haec de adolescentes Socrates auguratur at ea de seniore scribit Plato et scribit aequalis.>

O Fedro só pode ser compreendido como nova fase da atitude de Platão para com a retórica. Essa atitude é ainda de franca recusa no Górgias, onde a retórica é a suma de uma cultura que não se baseia na verdade mas sim na mera aparência. É certo que, separando bem, já se descobrem de vez em quando neste diálogo certas referências ao que poderíamos chamar a própria consciência retórica de Platão.”

O que é decisivo é que o ponto de partida desta obra seja a leitura de um discurso-modelo de Lís., dado por este aos discípulos para o aprenderem de cor. (…) A escolha do eros como tema do discurso obedece à freqüência com que os exercícios dos retóricos se valiam deste tema. Entre os títulos das obras perdidas de Arist. encontramos citada toda uma coleção deste tipo de teses retóricas sobre o eros.” “Também no Banquete o problema do eros, concretamente no início do duelo oral e no discurso de Fedro, aparece como um tema nitidamente retórico.”

A juventude ateniense andava muito preocupada com saber se e em que circunstâncias era lícito ceder à exigências do amante, aludindo com isto fundamentalmente à entrega física. [dar o cu] Já conhecemos este problema, pelo discurso de Pausânias contido no Banquete. Lísias vence os que consideravam lícito, com a tese perversa de que era sempre melhor para o amado entregar-se a um amigo que não se encontrasse dominado pelo eros, mas conservasse o sangue-frio. Este amigo não se deixava arrastar pelas turbulências sentimentais do amor nem prejudicaria o seu jovem amigo, isolando-o egoistamente, à força, de todos os outros homens, para prendê-lo exclusivamente a ele. No seu 1º discurso, que pronuncia de cabeça descoberta, pois não lhe passa despercebido o caráter blasfemo da tese, Sócrates reforça estes argumentos com uma rigorosa classificação e definição das diversas classes de apetites. Coincide plenamente com Lís. em considerar o eros uma modalidade do apetite sensual, edificando sobre esta premissa a sua argumentação.”

Nada é mais contrário ao alto conceito do caráter de um eros como o proclamado no discurso de Diotima (…) Mas é esta maneira forçada de abordar dialeticamente o problema que torna imprescindível que a discussão, arrastada pela força de uma necessidade interna, transcenda este tema concreto do eros e se eleve às verdadeiras alturas da contemplação filosófica.”

O eros é aqui situado no mesmo plano dos dotes poéticos e proféticos e a inspiração apresentada como sua essência comum.”

MITO DA CAVERNA II: “O discurso vai subindo àquela região supraceleste em que a alma, impelida pelo eros e seguindo o deus que lhe é afim por essência, já é digna de contemplar o Ser puro. Sócrates justifica o estilo poético do seu discurso, recorrendo a Fedro, em atenção ao qual emprega este recurso. Nem de outro modo se pode falar a um discípulo e admirador da cultura retórica. Mas Sócrates prova-lhe que o filósofo com facilidade sabe ultrapassar a sua arte, caso o pretenda. O vôo entusiástico das suas palavras não é um frio artifício como tão freqüentemente o é o estilo sublime dos retóricos”

É possível ensinar a virtude?” Só sendo virtuoso.

É possível ensinar a falta de virtude?” Não.

Tautologia, enfim: só aprende a virtude quem é virtuoso. Dormente, desencaminhado, jovem e inexperiente demais… Inconsciente… Ou apenas um virtuoso que finalmente pode abrir o coração diante de outro virtuoso. A sina do virtuoso, de ambos os lados.

É principalmente com os recursos da comparação que a argumentação dos retóricos opera.” “É o conhecimento do díspar e do semelhante que serve de base a qualquer definição lógica de um objeto. E supondo que o objetivo fosse enganar o auditório, i.e., levá-lo a conclusões falsas a partir de meras aparências, também isto pressupunha um conhecimento exato do método dialético de classificação, pois só assim se poderia penetrar nos diversos graus de semelhança das coisas.”

É importante para nós sabermos que foi da filosofia, e não da teoria artística da retórica ou dos poetas, que a exigência da unidade orgânica de uma obra literária partiu, e que ela teve de ser proclamada por um artista-filósofo, admirador da integridade orgânica da natureza e, ao mesmo tempo, um gênio da lógica.”

o que impeliu Platão a escrever o Fedro foi a clareza cada vez maior com que via a ligação entre os problemas teóricos aparentemente difíceis e abstratos da sua posterior teoria das idéias e as mais simples exigências que que se colocavam à capacidade de falar e de escrever, que, naquela época, constituíam um tema muito procurado e muito debatido.” “Em vez de se deixar arrastar pelo tom antipático ou desdenhoso da polêmica, que Isóc. gostava de usar também contra Platão, no início das suas atividades, este sabe combinar os elogios ao adversário, que respeita, com a referência às profundas conexões espirituais existentes entre os 2 campos.”

O resto da retórica, tudo o que Lísias e outros como ele ensinam aos seus alunos, não pode nunca constituir, por si, uma técnica.¹ Forma, por assim dizer, a parte pré-técnica da retórica. Platão vai enumerando de um modo deliberadamente cômico toda a terminologia das várias partes do discurso que os retóricos distinguem nos seus manuais. Todos os representantes da antiga retórica aparecem neste quadro com os seus nomes, e alguns deles com as suas invenções pessoais, que revelam certa tendência para uma crescente complicação.”

dotes naturais” X “prática”, “conhecimento”

¹ “a sua crítica da retórica anterior vai-se transformando nas suas mãos num ideal perfeitamente pessoal dessa arte, ideal cuja realização, unicamente, lhe permite converter-se de fato em techne, no verdadeiro sentido da palavra.”

A grandeza de Péricles como orador devia-se a sua profunda cultura de espírito. Era a concepção filosófica do mundo do seu amigo e protegido Anaxágoras que dava forma a todo o seu pensamento” “Estes heróis da arete da verdadeira eloquência, no mito e na história pátria, não só se citam como figuras paradigmáticas para apoiar e ilustrar o conceito platônico de retórica, mas ainda como o contrário da secura e da penúria escolasticista¹ dos técnicos e especialistas modernos da arte oratória.”

¹ Novamente, esperamos que Jaeger não esteja usando o termo escolasticista no – indiretamente associável ao, mas incabíbel, anacrônico – sentido católico do termo, e sim no sentido de doutrina ou escola, mais universal.

Quem julgar que com qualquer rotina pode ir avante achará este caminho desmedidamente longo e trabalhoso.”

É claro que, como Platão reconhece no final, a verdadeira finalidade da retórica não consiste em falar para agradar aos homens, mas sim em agradar a Deus.(*) (…) Todas as aporias das suas obras anteriores vêm agora desembocar na atitude rigorosamente teocêntrica que caracteriza a paideia da sua última fase.

(*) (…) Portanto, é naquele ponto da retórica em que transparece a concepção do mundo própria do relativismo de Protágoras e dos sofistas que se apóia um novo ideal da arte oratória, cuja norma é o Bem eterno. [Quase a prova cabal da cronologia tardia do Fedro.]

O ANTI-COMPILADOR (FALSO SABER): “Platão mostra-se muito inclinado a aceitar a arte de escrever dos retóricos profissionais. Mas nem por ser uma invenção genial se deve considerar agradável a Deus. O mito da invenção da arte da escrita, i.e., dos sinais escritos, pelo deus egípcio Toth serve para esclarecer isso. Quando o deus acorreu a Thamos de Tebas com a sua nova descoberta, gabando-se de com ela oferecer aos homens um recurso salvador para a sua memória e portanto para o seu saber, Thamos retorquiu-lhe que a invenção da escrita serviria, ao contrário, para desleixo da memória e para levar o esquecimento às almas” Uma instância em que um homem sábio ensina um deus. Este Thamos é só uma máscara para Sócrates, que anteviu o problema do “discurso charmoso”.

Toda a grandeza de Platão se revela nesta posição soberana por ele adotada ante a palavra escrita, posição que tanto o afeta, nas suas atividades de criação literária, como a produção dos retóricos.”

A posição paralela adotada no Fedro foi desde muito cedo relacionada com a forma platônica dos escritos filosóficos, ou seja, com o diálogo socrático; e viu-se nela uma razão fundamental para considerar esta obra uma exposição programática. Na realidade, é difícil de conceber que, com este ceticismo em relação à palavra escrita, o Platão da 1ª fase pudesse enfrentar a sua gigantesca obra de escritor. Em contrapartida, esta atitude perante a obra já realizada podia explicar-se psicologicamente, a posteriori, como um meio de preservar a sua liberdade mesmo em relação à própria obra escrita.” E das malversações de um futuro distante.

As suas produções caem em todas as mãos, tanto nas de quem as compreende como nas de gente falha de compreensão, [Kikuchis] e a palavra escrita é incapaz de se explicar ou defender, quando injustamente atacada. Precisa de outrem, como advogado. A verdadeira escrita é a que se grava na alma do que aprende (…) o único proveito do escrito com tinta é recordar o que já se sabe.” Ah, tantas ressonâncias… Ou diria reminiscências…

Quem se interessar pela verdadeira cultura do espírito não se contentará com os escassos frutos temporãos cultivados como desfastio no horto retórico, mas terá a necessária paciência para deixar amadurecer os frutos da autêntica cultura filosófica do espírito. [frase redundante] Já pela República e pelo Teeteto conhecemos esta defesa da cultura filosófica: o seu pressuposto é o princípio do longo rodeio, é importante ver como Platão sempre volta a ele. A semeadura da paideia platônica só pode frutificar em regime de longo convívio, como diz a Carta Sétima, e não em poucos semestres de regime escolar.”

Uma vez filósofo, sempre filósofo. Ou, posto que sempre filósofo, no arremate de uma biografia, pode finalmente declarar: foi filósofo. Princípio do anti-gracismo ou dos “filósofos por um tempo”, estagiários prostitutos do saber.

4.9 Platão e Dionísio: a tragédia da paideia

Quando a crítica filológica destes últimos decênios logrou reivindicar como testemunhos autênticos do próprio Platão as cartas sétima e oitava, durante muito tempo consideradas apócrifas, acrescentou com isso um importante capítulo à história da paideia.(*) É certo que fatos exteriores referentes às relações entre o filósofo e o mais poderoso tirano do seu tempo ficariam de pé, mesmo que estas cartas, a sétima em especial, não fossem documentos autobiográficos de 1ª categoria, mas apenas uma ficção sensacionalista de qualquer requintado falsário literário, que tivesse querido explorar como rendoso tema novelesco o contato do grande Platão com a política do tempo.

(*) (…) Sobre a autenticidade das Cartas VII e VIII, cf. WILAMOWITZ, Platon/Platão, vol. II, e recentemente G. PASCUALI, Le Lettere di Platone (Florença, 1938). Há eruditos que reconhecem a autenticidade de todas as cartas em bloco, mas tal hipótese esbarra com dificuldades insuperáveis.”

O observador histórico descobre, porém, um encanto insuperável em poder ler aqui a tragédia de Siracusa; e a maneira como Plutarco, na sua vida de Díon, adorna os acontecimentos para convertê-los em drama, não agüenta em nenhum sentido a comparação com a vida que extravasa do âmago da principal fonte de informação destes acontecimentos: a Carta VII de Platão.”

Platão insistia sempre na ação, no bios, apesar de o campo de ação tender a restringir-se cada vez mais do Estado exterior para o Estado dentro de nós.”

Os seus irmãos Adimanto e Glauco aparecem diretamente na República como a personificação da juventude ateniense apaixonada pela política. Glauco pretende enveredar pela carreira política logo aos 20 anos e Sócrates tem de se esforçar muito para o fazer desistir do seu propósito. Crítias, tio de Platão, é o célebre oligarca e cabecilha revolucionário do ano 403. Platão coloca-o mais de uma vez em seus diálogos como interlocutor e tencionava, além disso, dedicar-lhe o diálogo que traz o seu nome, obra que não chegou a acabar e que havia de encerrar a trilogia encabeçada pela República.”

ano 388: (…) empreendeu, cerca dos 40 anos, a sua viagem a Siracusa, onde a sua teoria arrebatou por completo a alma ardorosa e nobre de Díon, parente próximo e amigo do poderoso senhor de Siracusa. A tentativa de Díon para ganhar para o seu ideal o próprio Dionísio I estava, naturalmente, condenada ao fracasso. A grande confiança humana que este político realista, de cálculo frio, depositava no seu parente Díon, homem todo entusiasta (…) baseava-se mais na absoluta lealdade e pureza de caráter de Díon que na sua capacidade para contemplar o mundo do estadista de ação com os olhos do tirano. Platão diz na carta que Díon esperava que o seu parente desse a Siracusa uma constituição e governasse o Estado de acordo com as melhores leis.”

Este episódio é o prelúdio da tragédia que mais tarde se desencadearia entre Platão, Díon e Dionísio II, filho e sucessor de Dionísio I. Platão regressou a Atenas, enriquecido com uma grande experiência, e ali fundou, pouco depois, a sua escola. No entanto, as relações com Díon sobreviveram ao fracasso que havia de fortalecer Platão na sua decisão de se abster de toda a política ativa, decisão proclamada já na Apologia.”

A República de Platão saíra (…) na década de 70. Esta obra deve ter constituído um novo incitamento para as idéias de Díon, pois nela apareciam formulados em forma clássica os pensamentos que tempos atrás ouvira exprimir ao seu autor. Poucos anos depois de publicado, este livro ocupava o centro das discussões.”

certos sábios (…) pretenderam descobrir no Estado de regime de castas dos egípcios ou no Estado hierárquico-teocrático de Moisés o protótipo da paideia platônica ou algo de semelhante a ela. (…) cf. meu ensaio ‘Greeks and Jews’ in: Journal of Religion, 1938.”

O Estado perfeito é um mito, Rep. 501 E. Mas um príncipe filósofo podia torná-lo realidade, 502 A-B.” Mais do que um príncipe, uma casta inteira.

Neste plano de Díon, o único fato real intangível era o poder ilimitado do tirano, e esse fato não poderia prometer nada de bom, pois ninguém sabia o uso que seria feito do poder. Mas a fé de Díon era suficientemente audaciosa para especular com a juventude de Dionísio. Juventude queria dizer maleabilidade e, conquanto ao inexperiente jovem tivesse faltado até agora aquela amadurecida visão moral e intelectual que Platão exige do seu príncipe ideal, outro ponto de apoio não parecia surgir para converter em realidade a idéia platônica.”

Os planos de educação do tirano, iniciados após a subida deste ao trono, tinham fracassado após 2 tentativas. O poderoso Estado dos Dionísios igualmente se afundara, pois, uma vez frustrados os seus esforços educativos, Díon, desterrado pelo tirano, acabou por fazer uso da violência. Foi também de curta duração a sua vitória sobre o tirano. Após breve domínio, sucumbiu às mãos de assassinos, vítima das dissensões surgidas no seu próprio campo. A chamada carta de Platão, escrita depois do assassinato do amigo, constitui um esclarecimento e uma justificação dos seus atos perante a opinião pública, embora revista a forma de um conselho dirigido ao filho e partidários de Díon na Sicília, exortando-os a permanecerem fiéis ao ideal do falecido.”

Só a tyche divina podia tornar o governante filósofo ou o filósofo governante. (…) Quando Díon pôs Platão em contato com Dionísio, a tyche divina pareceu estender a mão. E foi ela também que guiou a um fim trágico a cadeia das causas e efeitos quando o soberano não reconheceu aquela mão e a afastou.”

No fundo, é a primitiva concepção grega da natureza humana”

Na República ainda parecia existir um largo abismo entre o princípio divino do todo, o princípio do Bem, e a vida humana autêntica. Mas o interesse de Platão dirige-se em grau crescente à forma e ao modo de executar a sua ação no reino do visível, i.e., na História, na vida, no campo do concreto.” Se foi isso, Platão ficou bastante senil; não só pelo conteúdo das Leis, o que é óbvio, mas diante da própria idéia de escrever o livro não como um tratado filosófico moral qualquer, mas como um panfleto-para-a-ação, segunda metade da conduta platônica na qual não acredito, daí sublinhar em verde este trecho de Jaeger.

O significado deste episódio ultrapassa em muito o puramente biográfico. Ganha o valor de ilustração direta da teoria da República, 2º a qual a universal experiência da inutilidade dos filósofos neste mundo equivale, realmente, a uma declaração da miséria do mundo e não diz nada contra a Filosofia.”

Díon aceitava a pessoa do soberano como um fato dado, do qual se tinha de partir, pelo que, em vez de tirar Dionísio, por seleção, da classe dos guardiões, era preciso prepará-lo a posteriori para o desempenho de uma função que na realidade já exercia. Isto representava uma limitação muito séria aos postulados estabelecidos por Platão.” “Na República, Platão apontava como condição mais importante para a educação poder prosperar a atmosfera ou meio ambiente em que se processava.” “Fala a seguir do medo que nele infundia o aventuroso empreendimento a que Díon o arrastava e justifica esse medo por meio da sua experiência pedagógica, a qual lhe dizia que a gente nova se entusiasma facilmente, mas carece de constância nos seus anseios. Estava convencido de que o caráter provado e a idade já madura de Díon eram o único ponto de apoio firme, em todas as circunstâncias.”

agia (…) pelo receio de parecer um homem só de palavras. A resignação que tão comoventemente se espelha na República já tinha implícito, no fundo, uma resposta negativa a este esforço para arrancá-lo ao seu isolamento. Platão arriscava agora a fama na tentativa de refutar com a própria conduta o seu pessimismo, bem-justificado. Como ele próprio conta, abandonou a sua atividade docente em Atenas, atividade absolutamente digna dele, para se entregar à pressão de uma tirania que de modo nenhum se harmonizava com as suas concepções filosóficas. Mas julgava conservar, assim, limpo de culpa o seu nome perante o Zeus da hospitalidade e também, em última análise, perante a sua vocação filosófica, que não lhe consentia escolher o caminho mais cômodo.”

Dionísio, o Velho, embora confiasse humanamente em Díon, e com razão, procurou subtraí-lo à influência do filósofo, mandando este embora. Seu filho, mais fraco, deu ouvidos aos inimigos invejosos de Díon, desejosos de conquistarem autoridade sobre ele próprio, os quais insinuavam que, sob o manto das suas idéias filosóficas reformadoras, Díon conspirava para derrubá-lo e tornar-se tirano. (…) Dionísio, no entanto, não abrigava suspeitas contra as intenções do filósofo e sentia-se, além disso, lisonjeado pela sua amizade com ele; nestas condições, fez precisamente o contrário do que seu pai teria feito na mesma situação: exilou Díon e procurou conquistar a amizade de Platão.”

Platão regressou, pois, a Atenas, embora tivesse que prometer que voltaria, uma vez terminada a guerra que entretanto rebentava. Evitava romper de todo com o tirano, pensando principalmente em Díon e esperançoso em ver o seu amigo voltar do exílio à pátria.” “Não é fácil compreender o que levou Platão a aceitar um novo convite de Dionísio, poucos anos depois de ter fracassado a sua 1ª missão junto dele. Como razões para justificar a sua conduta alega os incessantes pedidos dos seus amigos de Siracusa, principalmente dos pitagóricos do sul da Itália e do grande matemático Arquitas (que governava Tarento) e seus partidários. Antes de deixar Siracusa, Platão estabelecera laços políticos entre estes elementos e Dionísio; se agora recusasse o novo convite do tirano, esses laços poderiam perigar. Este mandou um barco de guerra a Atenas buscar Platão (…) prometeu-lhe além disso que o seu amigo seria chamado do exílio, caso aceitasse o convite.” “Desta vez a narração platônica passa pura e simplesmente por alto tudo quanto se refere ao seu acolhimento e à situação política com que deparou ao chegar a Siracusa, para se fixar exclusivamente no estado da educação que ali encontrou.”

Um espírito animado do verdadeiro amor ao saber sente-se fortalecido no seu desejo pela consciência dos obstáculos que se erguem diante dele, e põe em ação todas as suas forças e as do seu guia espiritual para alcançar a almejada meta; ao contrário, o homem rebelde à cultura retrocede, atemorizado, perante o esforço e o severo regime de vida que lhe é imposto, e sente-se incapaz de enveredar por este caminho.”

Pretende a tradição que Dionísio, após a queda do seu regime, se dedicou ao ensino em Corinto. Platão, aliás, menciona a existência daquele livro em que, parece, a sua doutrina era plagiada, só por ter ouvido falar, pois nunca chegou a lê-lo. Contudo, isto dá-lhe ensejo para um esclarecimento da sua obra de escritor e da relação entre ela e a sua teoria, o que não pode surpreender-nos muito, depois do que nos diz no Fedro (…) Nada tem de estranho que seja precisamente nos derradeiros anos da sua vida que se multipliquem estas declarações sobre a impossibilidade de plasmar satisfatoriamente em forma escrita a verdadeira essência dos seus conhecimentos.”

Sobre a certeza suprema que serve de ponto de apoio ao seu pensamento, nada existe nem existirá jamais escrito pelo seu punho. A teologia de Arist. é, no pensar deste pelo menos, matéria de ensino, a disciplina suprema entre outras disciplinas. É indubitável que Platão julga possível e necessário operar, através da gradação do saber que na República pinta como paideia filosófica, a catarse do espírito, a fim de purificá-lo dos elementos sensíveis apegados a ele e encaminhá-los cada vez mais para o Absoluto.” Palavra ironicamente poluída pelo mau uso sistemático.

É nesta passagem que Platão emprega a metáfora da faísca que salta e se prende à alma de quem passa por tal processo.”

a contemplação, que é finalidade da semelhança com Deus, continua a ser para Platão um arrheton. Já o Banquete pintava em termos semelhantes, como uma mistagogia, a ascensão da alma à contemplação do eternamente belo; e diz no Timeu: é difícil descobrir o criador e pai deste todo e, uma vez descoberto, é impossível declarar publicamente a sua essência.

Platão, que viveu algum tempo como prisioneiro no palácio do rei, acabou por ser alojado no quartel da guarda pessoal, que era hostil ao filósofo e constituía uma ameaça para a sua vida, até que por fim Arquitas de Tarento, secretamente informado do sucedido, consegue que o tirano consinta no regresso de Platão. Na viagem de volta encontra-se nas festas de Olímpia com o desterrado Díon. O amigo dá-lhe parte do plano que elaborou para se vingar, mas Platão nega-se a participar nos preparativos.” “Deixava, no entanto, a Díon a liberdade para recrutar adeptos entre os seus partidários, alguns dos quais se alistaram como voluntários no seu corpo de liberdade. E embora a tirania de Siracusa dificilmente pudesse vir a ser derrubada sem o apoio ativo da Academia, Platão sempre encarou o sucedido como uma tragédia e, depois da queda dos 2 beligerantes, aplicou-lhes a palavra de Sólon: foram eles próprios os culpados da sua ruína.

a diferente atitude adotada pelos 2 homens, e revelada neste episódio, só leva a separar nitidamente o idealismo de Díon, puro e otimista, mas ligeiro e superficial, da heróica resignação de Platão, baseada num instinto infalível.” “Platão recusa, por princípio, a revolução como processo político.”

constitui um importante sinal dos tempos o fato de ambos, Isóc. e Platão, se julgarem na obrigação de comparecer perante o público com o seu querer e destino pessoal.”

4.10 As Leis

Um homem tão erudito como Plutarco sentia-se orgulhoso por figurar entre o reduzido número de conhecedores das Leis; e na época bizantina a transmissão da obra esteve por um fio, como o revela o fato de provirem de um único exemplar todos os manuscritos que nos chegaram.(*) Já em pleno séc. XIX os autores não sabiam o que fazer das Leis e o mais representativo dos historiadores da filosofia neste período, Eduard Zeller, chegou mesmo a declarar, num trabalho do seu 1º período, que se tratava de uma obra apócrifa.

(*) Sobre a tradição documental das Leis, cf. L.A. POST, The Vatican Plato and its Relations (Middletown, 1934).”

E como as Leis representavam mais que 1/5 da obra escrita de Platão (…) um tal estado de coisas indica como ainda se tomava pouco a sério (…) [a sua] filosofia (…) como as Leis não eram, pelo seu conteúdo, nem lógica nem ontologia, esta obra era considerada secundária pelos filósofos.”

Tal como a República, obra em que culmina a 1ª fase literária de Platão, as Leis são uma exposição universal do bios humano. É curioso, porém, que depois de terminar aquela obra, o filósofo tenha sentido a necessidade de traçar de novo e sob outra forma aquela imagem de conjunto, erguendo um 2º Estado junto ao Estado perfeito da República. Como dizem as Leis, trata-se ali de um Estado feito só para deuses e filhos de deuses.” “o divino e perfeito do qual se aproxima, sem (…) com ele coincidir (…) se deduz (…) que (…) não significa de forma alguma o abandono do seu ideal de Estado anterior. (…) é, pois (…) no diferente grau de paideia pressuposto que a diferença entre as 2 obras reside.”

Filipe de Opunte, secretário e confidente de Platão, que depois da morte do mesmo editou e dividiu em 12 livros as Leis

(*) “…A tradição sobre a redação da Epínomis por Filipe não deve ser separada da informação segundo a qual foi ele que editou as Leis, com base nas tábuas de cera legadas por Platão (…) E esta notícia devia proceder de uma fonte antiga muito boa, provavelmente da primitiva Academia. O estilo da Epínomis confirma cabalmente o teor da informação. A.E. TAYLOR, ‘Plato and the authorship of the Epinomis’ (in Proceed. Brit. Acad., vol. XV) e H. RAEDER, ‘Platons Epinomis’ (in Danske Videnskab. Selskab., Hist.-phil. Medd., 26, 1) (…) F. MUELLER, Stilistische Untersuchüng der Epinomis (Berlim, 1927) (…) A minha investigação acerca da Epínomis (premiada em 1913 pela Academia de Berlim) está inédita.”

Nem sequer seria fácil ir traçando, como fizemos com a República, as linhas gerais deste volumoso estudo, visto que a composição das Leis e a sua unidade levantam um problema dificílimo”

Do ponto de vista da história da filosofia as Leis estão, quanto ao método, sob muitos aspectos, mais próximas de Arist.. O velho Platão procura, com os seus princípios, aprofundar uma matéria cada vez mais ampla, em lugar de ir tornando mais insondável o abismo entre a idéia e o fenômeno, como fizera nos anos anteriores.” Parmênides, Platão, Nietzsche: o caminho da opinião, o caminho da verdade. não-Um, Leis, VdP; Um, República, Zaratustra.

é demasiado tarde que a ação do legislador intervém, pois a sua missão mais importante não consiste precisamente em castigar as transgressões, mas em evitar que elas sejam praticadas. Ao dizer isto, Platão segue o exemplo da ciência médica, cuja tendência cada vez mais nítida daquele tempo era encarar como verdadeiro objeto da sua ação não o homem enfermo, mas o homem são. Daqui deriva a importância tão grande, decisiva até, que a Medicina do tempo concedia à dietética.”

(*) “O próprio Platão nos fornece diversas indicações para a compreensão do estilo, solene e lento, retorcido por vezes. Nada o repugna tanto quanto aqueles homens incultos e seguros de si, conhecidos pelo seu veloz ritmo psíquico, os intelectuais….”

Platão converte-se em legislador. Em tudo se pode comparar os grandes representantes da legislação grega; só difere deles em se elevar ao princípio modelador fundamental que as suas obras potencialmente continham: a idéia de que o legislador é o protótipo do educador.”

Foi neste conceito platônico do ‘ethos’ das Leis que se originou o famoso ensinamento de Montesquieu, L’Esprit des Lois, o qual tão grande importância haveria de ter para a vida do Estado moderno.” E ainda assim, quão pouco filosófico e limitado no alcance!

Ao lado destas 2 típicas personagens dóricas que no espiritual procedem como irmãos gêmeos, introduz Platão no seu diálogo, como 3ª personagem e principal interlocutor, o estrangeiro de Atenas, personagem misteriosa e soberanamente superior, que as outras reconhecem e respeitam de bom grado, apesar da sua marcada aversão por todo ateniense médio.”

As Leis revelam, numa forma mais concreta do que qualquer das suas outras obras, a tendência, em que Platão se inspira desde o início, a fundir numa unidade superior a essência dórica e a ática.” “Segundo Platão, o pior que podia acontecer seria misturarem-se e confundirem-se entre si todas as estirpes gregas. Isto seria para ele um mal comparável à mistura de gregos e bárbaros.” “a iminência da fundação de uma colônia. Trata-se de dar à polis cretense que vai ser fundada a melhor constituição, dentro das circunstâncias.” “É certo que na República mal se menciona a Esparta histórica, a propósito da edificação do Estado perfeito; é que Platão move-se ali totalmente no reino do ideal. Mas, na série das constituições degeneradas, a timocracia espartana figura como o tipo de constituição da realidade empírica que mais se aproxima do ideal.” “Nenhum aspecto da obra platônica oferece uma base para se falar de um espartanismo unilateral; nisto, as Leis constituem o melhor comentário à República.”

meu ensaio Tyrtaios Über die Wahre Arete, 1932

é no poeta, supremo legislador da vida humana, que deve buscar-se a idéia primordial da arete humana” “Os poetas surgem sempre como representantes clássicos dos valores vigentes. Mas, desta forma, são ao mesmo tempo referidos a uma forma suprema, e é a comprovação dialética desta norma que constitui a contribuição da filosofia para a obra da paideia.”

Para quem considera a vitória o único sentido da existência é a coragem, necessariamente, a única virtude. Seguimos acima a polêmica travada em torno da aceitação das virtudes, desde os dias em que Tirteu anunciou ao mundo a primazia do ideal varonil espartano, como um dos temas mais grandiosos que ressoam através da poesia grega. Platão retoma de novo este problema filosófico: e o velho litígio entre Tirteu, que celebrava a bravura, e Teógnis, para quem toda a arete se condensava na justiça, é decidido por Platão a favor do segundo. O passo decisivo que supera o antigo ideal dórico é a fundação do Estado jurídico.”

Os legisladores dóricos nos ensinam que se deve partir conscientemente de um determinado conceito de arete. É nisto que estes legisladores devem realmente servir de modelo”

Como já Teógnis dizia da justiça, os bens superiores têm sempre implícitos os bens ou virtudes inferiores. E a verdadeira unidade que os engloba todos, os divinos e os humanos, é a phronesis, a arete do espírito. Com este declaração Platão supera todos os conceitos de virtude que os primeiros poetas gregos (…) estabeleceram.”

o beber, tal como outros tantos chamados bens da vida, não é em si nem bom nem mau. Platão exige que nos banquetes impere severa disciplina, cujo instrumento deve ser um bom presidente de mesa, que refreie os elementos caótico e selvagens, e os encaminhe para o verdadeiro cosmos. Por trás da prolixa investigação sobre o valor dos banquetes nas Leis está o costume da celebração de banquetes na Academia platônica.” O Banquete responde todas as perguntas neste tocante: todos os convidados são refinados, exceto Alcibíades, e o modelo de conduta é Sócrates.

O estilo da sua velhice caracteriza-se pela tendência quase filosófica a dar importância a um certo problema particular, a partir do qual o autor abre em seguida caminho para considerações mais gerais.”

O problema da decadência da cultura ocupa inteiramente o seu espírito, desde o 1º instante. A decadência dos Estados, de que fala com freqüência e que lhe servia de ponto de partida, não é mais do que uma parte do problema.” “Recuperar para a sua época esta totalidade da arete, que é o mesmo que dizer a totalidade do homem e da vida, era a mais difícil das missões, a qual, pela sua importância, não sofria comparação com qualquer contribuição de conhecimentos especiais que o espírito filosófico pudesse dar.”

É característico nesta obra, como em todas as posteriores à República, falar muito do <divino> ou Deus; isto explica-se ou por Platão ter mais tarde abandonado a primitiva prevenção contra o uso desta palavra para designar o seu princípio, [de sempre, a Idéia e nada mais – sim, a Idéia é a medida de todas as coisas; a perfeição é o modelo de todas as condutas] ou pela sua aplicação sem reservas indicar outra fase de conhecimento mais próxima da doxa [muito aquém da capacidade dos guardiães da Repúblicadeus como a certeza dos ainda titubeantes, pré-requisito necessário para alçar vôos mais altos, i.e., o limite dos “pré-socráticos”, que ainda não sabem que não sabem]. No entanto, neste passo, como em geral em toda a obra, Platão mostra-se muito interessado na concatenação psicológica através da qual o princípio supremo atua na alma do homem.”

A obediência da alma ao logos é o que denominamos domínio de si. Com isto fica também esclarecido o que é a paideia: é a direção da vida humana pelo fio do logos, manejado por Deus. Platão não explana por si próprio em detalhe estas conclusões derivadas das suas premissas, mas limita-se a dizer que o leitor pode agora ver claramente o que são a arete e a maldade”

A embriaguez intensifica as sensações de prazer e debilita as energias espirituais. É como se o homem voltasse à infância. Esse estado é a pedra-de-toque para comprovar a força dos fatores inibitórios do pudor e da timidez, que atuam inconscientemente.”

a alma deve igualmente expor-se à tentação do prazer, para se fortificar contra ele. Platão não chega a explorar a casuística dos tipos de prazer para os quais esse meio de verificação foi concebido.” Estar tentado é muito melhor que estar logrado.

Na 1ª infância, a educação tem de se preocupar exclusivamente com as sensações de prazer e dor e a respectiva orientação. São elas o verdadeiro material sobre o que versa, nessa idade, a educação. Assim concebida, a paideia converte-se em pedagogia.”

Platão faz agora depender cada vez mais a educação superior da sorte que caiba na alma da criança a este precoce tratamento do ethos. Era uma descoberta inevitável para quem, como ele, fizera da equação socrática entre a vontade e o saber o ponto de partida da sua paideia.”

A ação do próprio logos só pode frutificar, numa fase posterior, com a condição do logos de outrem, do educador ou dos pais, lhe ter aberto o caminho na fase inconsciente. Toda a arete, na medida em que arete é ethos, formação moral no atual sentido da palavra, assenta na sinfonia da razão e do hábito. (…) Platão chega aqui ao ponto donde parte também a Ética de Arist.” Quem foi o meu educador? O maior mistério. Eu sou Nicômaco, mas quem foi meu Aristóteles?

Na chamada Grande Ética, nascida na antiga escola peripatética e pela tradição falsamente atribuída ao próprio Arist. [Hegel caiu], esta evolução leva a pôr totalmente em dúvida a essencial ligação da ética com o espírito e a sua cultura, e a não mais lhe reconhecer outra missão que a de educar os impulsos.” A ética a-histórica é o apequenamento da Ética. Psicanálise é o homem menor, último. Ultimado e boçal. Adorno (Minima moralia), p.ex., desespera completamente de qualquer possibilidade de arete no séc. XX.

<DE MARX A NIETZSCHE>: “Vem 1º um período em que Platão considerava como meta suprema aprofundar cada vez mais a visão e o conhecimento consciente, levado pela fé na ação que sobre toda a cultura moral da personalidade esta exaltação e este aprofundamento exerciam; depois, no fim da vida, a obra de Platão volta a colocar em 1º plano a antiga idéia grega da formação do Homem,¹ e o filósofo vê agora a sua verdade à nova luz.”

¹ Um Übermensch, neste caso! O homem com “h” maiúsculo é a medida…

aparente regresso do ideal ao histórico. Depois de atingir o ponto máximo, na sua caminhada para o puro ideal, sente a necessidade de, na medida do possível, realizar este ideal e plasmá-lo em vida, necessidade que o puxa de novo para o mundo [como com todo bom educador] e faz dele [P.] um prometéico forjador de homens.”

Trata aqui de formação no mais estrito sentido da palavra, da maneira de andar e de se comportar, e de todas as manifestações do ethos interior da alma.”

Ao contrário dos outros animais, o homem possui o sentido da ordem e da desordem nos movimentos, o que chamamos ritmo e harmonia.” Merece questionamento. Na verdade este é o erro, a separação mente-corpo promovida pelo Iluminismo de todas as épocas. Ademais, não seria a criança ainda um animal, que depois regride?

QUEM NÃO APRECIA A MÚSICA (CORRETAMENTE!) E NÃO SABE DANÇAR… “Quem não tiver passado pela escola do prazer nos movimentos rítmicos e na harmonia das canções corais é um homem inculto.” Sinto-me como um animal na pista de dança, diria o clubber nietzschiano.

Esta unidade do ético e do estéticomal existia na arte do seu tempo. É por meio da corêutica, que tem presente como modelo, que o filósofo se propõe a restaurá-la.¹ Isto pressupõe uma norma absoluta do belo e constitui o maior dos problemas para o educador que pretenda edificar tudo sobre uma base artística.”

¹ Origem da Tragédia: o Coro de Eurípides como décadence [ironia: de-cadência: falta de cadência].

Platão amplia a vista à procura de um país onde existam formas sagradas e fixas da arte, libertas de toda a ânsia de inovação e de toda a arbitrariedade. E só as encontra no Egito, onde a arte não sofre, aparentemente, evolução e conserva com todo o rigor um sentido espantoso para o que a tradição já consagrou.(*) A partir do seu ponto de vista, o filósofo julga adquirir uma nova compreensão deste estado de coisas” Paradoxal: impossível repetir Platão – ou Homero ou Sófocles –, sobretudo porque conseguir imitá-lo seria criar.

(*) “A arte egípcia tinha por força de causar aos gregos, povo de sensibilidade desperta e fugaz, a impressão de não haver nela qualquer mudança ou evolução.”

Na sua opinião, o destino da arte depende da sua capacidade para se manter independente do gosto hedonístico e materialista do público. Cícero disse uma vez que o requintado gosto do público de Atenas era tabela para apreciar a elevação do nível artístico, e atribui à ausência de tal critério a sensaboria da arte em outras terras.” A decadência de uma grande nação é, ainda, mais majestosa do que a opulência de uns bem-aventurados temporários, sortudos nanicos.

a comissão instituída por Atenas para atribuir os maiores prêmios às melhores obras apresentadas em público”

O leitor da nossa exposição não terá dificuldade em compreender o que Platão quer dizer. A discussão da arete suprema e sobre os supremos bens da vida corre ao longo de 2 séculos, através da poesia antiga. É a ela que se liga a posição conscientemente adotada por Platão nas Leis. As odes dos poetas são para ele epodos, exortações dirigidas à alma de quem as escuta, para que sob o encanto da forma assimile docilmente, como um remédio açucarado, o conteúdo sério que encerram.”

Para Platão, o que chamamos tradição histórica não é muito mais recuado do que ontem ou anteontem, comparado com as sombrias épocas pré-históricas, em que a evolução da raça humana avançava a passo de caracol. Só uma pequena parte dos homens da época anterior se salva, de cada vez, das grandes inundações da superfície da Terra, das pestes e outras calamidades semelhantes, a fim de entrar na idade seguinte”

Guiado por Homero, narra a passagem do estado ciclópico, desprovido de leis, para a submissão sistemática a normas e para o regime patriarcal.” Para fora do regime patriarcal, diria o ingênuo Hegel!

Na época em que Platão escreveu as Leis, na década 4ª ou 5ª do séc. IV, erguia-se aos olhos das pessoas reflexivas do mundo grego, como um imenso problema, o destino dos povos dóricos – a imagem da sua passada grandeza e do alto nível espiritual que outrora haviam tido, seguidos da tragédia da sua decadência, selada pela aniquilação de Esparta em Leuctra.” “Acontecia no passado, com os dórios do Peloponeso, o mesmo problema que o presente parecia pôr ao conjunto dos Estados gregos” “o que ditou a ruína dos reinos dóricos?”

ARISTÓTELES diz (…) que teriam conseguido o domínio do mundo, se se tivessem unido dentro de um só Estado. É difícil não ver nisto a influência do ideal pan-helenístico de Isócrates. (…) (cf. o final da Helena).”

A imaginação histórica de Platão via nestes acontecimentos dos sécs. VIII e VII, que no seu tempo eram quase míticos, a verdadeira e irremediável tragédia.”

Quando Platão escreveu as Leis, ainda Isóc. não pensara em Filipe da Macedônia como chefe potencial dos Estados gregos contra a Pérsia. De fato, o seu Filipe foi escrito depois da morte de Platão.”

sete axiomas de governo” “premissa que não pode ser demonstrada, da qual partimos numa dedução científica, principalmente em matemática. Segundo o testemunho de Arist., é neste campo que esta terminologia aparece pela 1ª vez.” “fundamentação geral da política (o que não exclui necessariamente a sua 1ª acepção de exigência de governo).” “Também o nº fixo dessas regras fundamentais que Platão vai enumerando (de 1 até 7) põe em destaque o seu sentido axiomático; com o nº, assinala-lhes Platão o caráter restrito, como também faz a geometria de Euclides.”

NÓS, DA ERA DO AQUÁRIO OU ERA DO AZAR: “1) os pais devem governar os filhos; 2) os nobres devem governar os não-nobres; 3) os velhos os jovens; 4) os senhores os escravos; 5) os melhores os piores; 6) os homens cultos e sensatos os incultos. O 7º axioma é o princípio democrático que diz: o que é eleito por sorte deve imperar sobre aquele em que a eleição não tenha recaído. Nesta passagem, como nas Leis em geral, Platão aceita a sorte como decisão divina e não vê nela um mecanismo sem-sentido, o que freqüentemente fazia ao criticar a democracia nas obras anteriores.”

nas Leis ele mostra-se resolutamente contrário à unificação do poder (…) O exemplo de Esparta prova que uma constituição mista é mais duradoura. A instituição da monarquia é limitada em Esparta tanto pelo regime dos reis como pela intervenção dos gerontes e dos éforos.”

os 2 homens realmente superiores que criaram este império, Ciro e Dario, não souberam educar os filhos.(*) Era nas mãos de rainhas ambiciosas, de novas ricas, que estava a paideia dos príncipes persas. Assim se explica que Cambises e Xerxes tenham em tão pouco tempo dilapidado tudo quanto seus pais conquistaram.

(*) desde então não apareceu mais na Pérsia nenhum grande rei; 695 E.”

Platão risca também a Ciropedia de Xenofonte. Nada encontra na Pérsia que possa servir de modelo aos gregos. É evidente que foi a existência de uma obra em que se louvava a paideia dos persas que deu pretexto a Platão para se deter tão demoradamente nela. (…) Platão confronta a Pérsia com Atenas, os 2 Estados politicamente antagônicos, e prova que ambos se desmoronaram pelo mesmo vício: a ausência de uma autêntica paideia. Com isto rouba à crítica o seu ferrão político partidário.”

Na descrição deste aidos, que era o que efetivamente mantinha a coesão interna do edifício social, coincide com o Areopagítico de Isóc., obra escrita na mesma época das Leis.”

faz derivar esta evolução de Atenas da decadência da música e da poesia e da sua degeneração numa indisciplina amusical.” “O quadro que Platão traça da evolução da música grega é integralmente focado do ponto de vista da sua concepção da paideia. Poderia pensar-se que os teóricos da música posteriores a ele se emanciparam deste critério, para exporem a evolução desta arte de acordo com idéias puramente artísticas, mas na obra do Pseudo-Plutarco, c. 27, a evolução da histórica da música segue uma trajetória que parte do seu primitivo caráter propedêutico para se aproximar cada vez mais do teatral, acabando, por fim, por se entregar completamente a este. O testemunho de Platão é várias vezes invocado em apoio da tese. Examinando o assunto com cuidado, vê-se que a imagem por ele traçada da história da música é tirada de Aristoxeno, historiador peripatético da música.”

Os peritos na paideusis podiam escutar até o final sem interrupções, e a multidão conservava-se ordeira, sob a batuta do mantenedor da ordem. Mas veio a seguir outra época em que os indivíduos de grandes dotes poéticos, mas sem nenhum discernimento quanto ao conteúdo normativo da arte, impelidos por um êxtase dionisíaco e arrastados pelas simples sensações, confundiam os ditirambos com os peanes e os hinos com os trenos, procurando imitar com a cítara os efeitos ruidosos da música de flauta. (…) Impunha-se assim no reino das musas a ausência de leis e incitava-se a multidão à loucura de julgar estas coisas e de exteriorizar os seus juízos com estrepitosas manifestações. O silencioso sossego do teatro transmutou-se em algaraviada e a distinção que até ali reinara neste campo foi substituída pela teatrocracia, pelo império do público inculto. Se realmente fosse uma democracia de homens livres, nada teria havido a objetar: mas era apenas a petulância e o desenfreamento de todos em tudo, desenfreamento e petulância que se não detinham perante nada.”

Por um instante pareceu que iria aqui brotar da crítica do processo histórico a estrutura do Estado ideal, uma vez que Platão estabelecia os axiomas de governo, dos quais devia partir qualquer tentativa desta natureza. Abriam-se de novo, cada vez mais vastos, os horizontes históricos, para assegurar a correta aplicação destes axiomas. Interpretados em sentido platônico, estes horizontes conduzem à idéia de uma constituição mista, que o filósofo vê realizada na antiga Esparta. A Pérsia e Atenas, ao invés, representam, na sua forma de Estado atual, os extremos exagerados da tirania e da arbitrariedade, que nascem de uma ausência de paideia.”

A conversação toma assim um rumo prático, que é o mesmo que dizer sistemático, pois a partir de agora vemos um filósofo influir na estruturação da polis.” “o 1º preceito, de acordo com o qual a cidade a fundar não deverá ser marítima, se relaciona com o critério fundamental da educação platônica. Na Constituição de Atenas, é à evolução desta cidade como potência marítima que Arist. atribui a radicalização da democracia ateniense num governo de massas. Era uma idéia originária do grupo conservador, moderado, dos democratas atenienses, que voltava à luta para impor a sua influência, precisamente na altura em que Platão escrevia as Leis e Arist. forjava na Academia as suas concepções, após a derrota da 2ª liga marítima. Platão coincide com Arist. e com o velho Isóc. tanto na atitude negativa em face do domínio marítimo ateniense como na fé numa constituição mista.” “enquanto Platão vê encarnado em Esparta o ideal da constituição mista (Leis, 629), Isóc. transplanta este ideal para a antiga Atenas”

A aversão da nobreza pelas tendências ao domínio marítimo e pelo armamento naval transparece já na crítica que os velhos elementos conservadores do Conselho de Estado fazem à política do jovem rei Xerxes, em Os Persas de Ésquilo. (…) Platão vai ainda mais longe e nega importância decisiva à batalha naval de Salamina, que constituía o título de glória nacional dos atenienses. Para ele, foi o esmagamento das forças terrestres dos persas em Maratona e Platéia que salvou a Grécia da escravidão.”

É Deus quem manda mais, a seguir vêm a tyche e o kairos e, como 3º fator, a indústria humana, a techne, que lhes acrescenta o que a arte do timoneiro faz no meio da tempestade, ajuda por certo nada desprezível.”

Segundo Platão, é só em grau, e não por essência, que as restantes formas de regime político diferem da tirania. Todas são despotismos, e a lei que nelas vigora é a expressão da vontade da classe dominante a cada momento. Contudo, não é a própria essência da lei que a torna o direito do mais forte. Platão aplica os seus axiomas a este problema e chega à conclusão de que os mais aptos para governar são os que obedecem mais rigorosamente à verdadeira lei.”

Outros pensadores gregos anteriores a Platão haviam apregoado como o divino a inesgotável unidade-totalidade, a força motriz primordial ou o espírito formador do mundo. A partir do seu ponto de vista filosófico, que parte do ético ou do educacional, Platão considera-o antes a norma das normas, a medida das medidas. Assim concebido, o conceito de Deus converte-se em centro e fonte de toda a legislação, e esta na sua expressão imediata e realização terrena.”

A sua filosofia da natureza é o fundo necessário sobre o qual se projetam a sua paideia e a sua teoria do Estado, tais quais estão expostas nas suas obras políticas mais importantes, a República e as Leis. Em rigor, seria falta de integridade excluir da exposição da sua paideia o Timeu ou outra qualquer obra platônica”

NE PLUS ULTRA: “Devemos ter presente que a Idéia é, em Platão, a mais alta realidade do que existe e que, portanto, a idéia do Bom representa o grau de bem mais poderoso, e superior a qualquer outra coisa do mundo.”

Não é a 1ª vez que vemos um poeta ou pensador grego proclamar a sua medida suprema dos valores, sob forma de correção de um antecessor famoso. (…) Em vez dos antigos deuses individuais da polis aparece Deus <medida de todas as coisas>, o agathon de Platão, forma primordial de toda a arete. O cosmos torna-se uma conexão teleológica e Deus passa a ser o pedagogo universal.” “o legislador é o homem divino que no seu íntimo alberga o verdadeiro logos e convence a polis a convertê-lo em lei; e a lei é o fio por meio do qual Deus move o seu joguete, o homem.” O Destino tem de querer o homem nobre.

…os livros X e XII das LeisA parte chata! Infelizmente nosso mundo não é digno nem de uma ciência dos astros. Efetivamente cumprimos a profecia de transformar estrelas em pó.

O preâmbulo torna-se muito mais longo do que a própria lei.”

A idade matrimonial do homem é fixada entre os 30 e os 35 anos. Os que permanecerem celibatários depois de atingirem esta idade são obrigados a pagar uma multa anual em dinheiro, processo destinado a impedir que o celibato fosse explorado como meio para enriquecer. Os celibatários estão, além disso, excluídos das honras que na polis os mais jovens tributam aos anciãos. Nunca são <anciãos> em sentido social.”

A instituição dos cargos públicos e a definição das atribuições a eles inerentes deve preceder o corpo das leis, de acordo com as quais os funcionários irão governar.”

Ivo BRUNS, Platos Gesetze, pp. 189s., considera 734 E 6 – 735 A 4 um fragmento erradio do 1º projeto de Platão.”

Um dos encantos principais das Leis consiste precisamente em elas se ocuparem a fundo de um problema que não só a República omite por completo, mas que, além disso, nunca fôra seriamente abordado nas discussões sobre a verdadeira educação, desde que o movimento sofístico principiara.”

paideia do povo” “É o último passo para a realização plena do programa do movimento socrático, um passo chamado a ter uma importância incalculável, apesar de nenhum legislador do seu tempo se ter sentido tentado a tornar realidade o ideal platônico de uma educação geral da massa do povo. Como se pôs em evidência, foi quando a educação pretendeu ser mais do que uma aprendizagem meramente técnica e profissional, com o primitivo ideal aristocrático de formação da personalidade humana no seu conjunto, que, como sempre sucede, a história da paideia grega começou.” “mas, mesmo na democracia ateniense, esta missão estava inteiramente confiada à iniciativa privada individual. O passo revolucionário que Platão dá nas Leis e que constitui a sua última palavra sobre o Estado e a educação consiste em instituir uma verdadeira educação popular a cargo do Estado.”

(*) “A aceitação da existência de uma casa e de uma família no Estado das Leis já representa uma aproximação da realidade vigente. Os fundamentos desta ordem social são assentes na parte da obra que trata da distribuição da propriedade territorial (735 B s.). (…) a consagração da propriedade privada é por sua vez, como Platão observa (740 A), a expressão de uma determinada fase da educação de cultura: a do presente

No atual estado de coisas, a educação privada segue em direções contrárias conforme as diversas famílias, sem que o legislador possa opor-se a estas contradições, que as mais das vezes se manifestam em coisas pequenas, quase imperceptíveis. Se, porém, atentarmos nos seus efeitos de conjunto, veremos que estas diferenças na concepção do que deve ser uma educação acertada chegam mesmo a pôr em questão a obra da legislação escrita.”

TESTEMUNHAS DE DIANA: “Não é uma seleção dos esposos a cargo do Estado, como faz na República para os ‘guardiões’ (…) Mas recomenda aos cônjuges que dediquem a estes problemas uma atenção especial e cria uma comissão de mulheres que devem instalar-se no templo de Ilithya, deusa dos partos. Têm neste templo as suas horas de serviço, em que realizam as suas deliberações. Outorga-se-lhes um direito de inspeção sobre os matrimônios, como o período de procriação, extensivo aos 10 anos subseqüentes a sua celebração. Esta comissão de mulheres intervém quando os cônjuges são incapazes de procriar. No 2º caso, dissolve-se o matrimônio.”

Estatui-se um sistema penal bastante desenvolvido, sobretudo no tocante à honra, para castigar os que de maneira consciente e obstinada agirem contra o que os bons conselhos e a razão indicam.”

Ao prescrever a necessidade de a criança se mover ainda antes de sair do seio materno, não faz mais do que estender a este campo o sistema de exercícios físicos a que a Medicina do seu tempo dedicava um interesse primordial. Platão lembra o exemplo dos galos de briga ou outras aves pequenas criadas para a luta, às quais os donos treinam para a sua missão, levando-as consigo no braço ou sob a axila, em longos passeios.” “Platão não quer que as crianças andem antes dos 3 anos, com medo de que fiquem canejas [parecidas com cães!]. As amas têm de ser suficientemente fortes para as carregarem no colo até aquela idade. Exagera-se sem dúvida”

da teoria do tratamento físico do recém-nascido passa diretamente à teoria do caráter.”

O descontentamento e o mau humor contribuem para a sensação de medo. Platão preconiza o justo meio-termo entre a brandura e a opressão. A primeira torna a criança hipersensível e excessivamente caprichosa, a 2ª mata nela a liberdade e torna-a hipócrita¹ e misantropa. O educador deve evitar com o maior cuidado criar na criança o que hoje denominaríamos um complexo de inferioridade, resultado a que facilmente conduz uma educação opressiva. O objetivo deve ser educar a criança na alegria

¹ Em que sentido? De que emulará o pai ruim quando for pai, oprimindo os outros e alegando que “foi assim que fui criado”? Se assim for, é outra superestimação da psicologia da infância de Platão.

O hábito tem grande força, a ponto de Platão derivar a palavra caráter de hábito em grego.” “Não é como leis, mas como usos não-escritos que Platão encara estas normas.”

ANTROPOLOGIA ANTIGA: “Está por trás desta obra, como o atestam as muitas e interessantes citações de costumes de povos estrangeiros nas Leis, um estudo dos nomina gregos e bárbaros suficientemente extenso para poder estabelecer uma comparação com as próprias leis. Platão menciona e dá como exemplos os costumes dos espartanos, celtas, iberos, persas, cartagineses, citas, trácios, saurômatas, cretenses e muitas outras cidades e regiões gregas.”

PEDAGOGIA AINDA MUITO AVANÇADA:Dos 3 aos 6 anos (…) Nesta idade, são as crianças, quando se juntam, que devem inventar os seus jogos, sem que estes lhes sejam prescritos. Platão quer que estas reuniões de crianças se efetuem nos lugares sagrados de cada bairro da cidade. Precede deste modo a moderna aquisição dos jardins de infância.” “A educação dos meninos e meninas deve estar entregue às mulheres, em regime de co-educação, até os 6 anos. A partir dos +6 anos, Platão estabelece a separação dos 2 sexos. A formação da criança deve adestrar tanto a mão esquerda como a direita e não uma só.”

O serviço militar obrigatório de todos os cidadãos não era originariamente apenas uma instituição espartana; era também a base jurídica em que assentava a existência civil da democracia ateniense. Não só não era considerada antidemocrática, mas, ao contrário, via-se nela o pressuposto evidente das liberdades que todo cidadão deste Estado desfrutava. Dadas a freqüência das guerras que Atenas se viu obrigada a travar no séc. V, a época do seu maior poder, impunha-se como evidente por si próprio o cumprimento deste dever. Com o aparecimento do regime de mercenários no séc. IV, começam as queixas universais contra a decadência da capacidade e do espírito militar dos cidadãos. Subsistiu, contudo, o serviço militar obrigatório de 2 anos para os efebos, o qual, à vista daquilo, foi considerado uma exigência de maior importância que anteriormente para a educação da juventude.” “Mas nessa altura a liberdade já se perdera para sempre. O remédio aplicou-se tarde demais para poder surtir efeito; é que a grande massa dos cidadãos só compreendeu a necessidade de reforçar a sua capacidade militar quando se viu perante o fato consumado da derrota que acabou definitivamente com a democracia ateniense.”

A palavra antigo não tem qualquer sentido depreciativo, como acontece na era atual, em que tanto mudam as modas. Novos jogos significam um novo espírito na juventude, o qual, por seu turno, exige novas leis. Toda mudança (a não ser que se trate de mudar o que está mal) é, em si, perigosa, quer se processe no tocante ao clima, quer se refira à dieta corporal, ou ao caráter da pessoa.”

as Leis proíbem tudo o que não sejam canções e danças oficiais. O termo nomos tem em grego a dupla acepção de lei e de canção.” “As normas dadas aos poetas vivos, que devem ter sempre presente, como pauta, o espírito das leis, estão sem dúvida concebidas somente para a época subseqüente à fundação do novo Estado, uma vez que depois não se deve introduzir nem a mínima alteração nas canções admitidas.”

Quando tentamos imaginar o edifício educativo de Platão como um Estado, ele nos parece surpreendente; quando, porém, pensamos na maior instituição educativa do mundo pós-clássico, a Igreja Católica, vemos que a obra de Platão é uma espécie de antecipação profética de muitos traços da essência do Catolicismo.(*) O que hoje aparece desdobrado em Estado e Igreja constituía ainda para Platão uma unidade, dentro do conceito da polis. Mas nada contribuiu tanto para desfazer esta unidade e criar um reino espiritual, ao lado do terrestre e acima dele, como as imensas exigências que Platão faz à potência espiritual educativa da sociedade humana.

(*) Platão castiga com a pena de morte os que negarem a verdade do sistema e duvidarem da existência de Deus [do seu sistema, da Constituição; portanto, não há nada de medieval nisso]: cf. Leis, liv. X, 907 D – 909 D.” Essa tese é completamente absurda: Platão antecipa o sistema universal de educação pública, moderno, laico, porém com tolerância religiosa.

a escolaridade geral obrigatória; a equitação para a mulher; a construção de escolas e ginásios públicos; a educação para os 2 sexos, que na República Platão reservava aos ‘guardiões’; a rigorosa divisão do tempo nas tarefas diárias; o trabalho noturno (totalmente ignorado dos gregos) para as pessoas com postos diretivos na vida pública e privada; a fiscalização dos professores; e a criação, no Estado, de uma autoridade suprema em matéria de instrução, com um ministro da educação à frente.” “todos os funcionários se reúnem no Santuário de Apolo e, em votação secreta, elegem o membro do conselho secreto do Estado, o guardião da lei que cada qual julgar mais capaz para dirigir os assuntos da educação. Os seus colegas mais chegados não participam na prova para verificação da dignidade da pessoa eleita. A duração do cargo é de 5 anos, no termo dos quais não se pode reeleger o titular do posto. Ao abandonar, porém, as suas funções, incorporar-se-á como membro ao conselho noturno do Estado, ao qual pertencerá, natural e automaticamente, em 1º lugar, como inspetor-geral da paideia.”

Aprendiam-se de cor poemas inteiros, como outras fontes da mesma época confirmam (XENOFONTE, Banq., IV, 6), tendência que obedecia à concepção da poesia como enciclopédia de todo o saber e que Platão combate na República.” “Para não sobrecarregar a memória em demasia, pensa que só se devem assimilar trechos soltos de obras poéticas.” “No fundo vemos espreitar, naturalmente, o perigo de muitos elogiarem esta obra unicamente com a intenção de ocuparem um cargo.” A Bíblia como única leitura da vida de um enorme contingente de pessoas parece o descalabro supremo. Li hoje mesmo (18/11/21) em Memórias da Casa dos Mortos, Dosto., que na prisão na Sibéria este era o único livro permitido.

A introdução legal das próprias obras de Platão como objeto de ensino, em vez dos poetas antigos, nas escolas e orquestras do seu Estado do futuro, é o último passo lógico e coerente dado neste caminho.” Aqui, Nietzsche 2 milênios depois, foi bastante mais humilde, reconhecendo que sua obra era mera destruição, o negativo do que adviria…

É elucidativo ver como o filósofo que na República fundava sobre a dialética e as matemáticas a cultura dos governantes, se põe a cogitar nas Leis sobre se este tipo de saber é realmente aconselhável para a cultura do povo.” “O que Platão exige da matemática no livro VII das Leis corresponde ao nível popular de cultura. Cf. 735 A 4.” Infelizmente o mundo moderno acrescentou muito conhecimento teórico inútil a esta disciplina. E o nível popular de cultura sabe, tragicamente, menos que os gregos.

O que Platão expõe aqui corresponde, evidentemente, a uma informação mais recente sobre o nível de conhecimento das matemáticas egípcias. Este conhecimento devia-o, provavelmente, a Eudoxo, que vivera e fizera observações no Egito, durante muito tempo. (DIÓGENES LAÉRCIO, VIII, 87) [Compilador suspeito. De toda forma, isso vai contra o palpite nietzschiano do “estágio egípcio” de Sócrates ou Platão.]” “Que deve ter sido Eudoxo o veículo da informação confirma-o quase com caráter de certeza o fato de Platão relacionar esta referência com a introdução de outra teoria desconhecida também dos gregos daquele tempo e que tinha a maior importância para o culto divino. Referimo-nos à teoria astronômica segundo a qual os planetas ostentam o seu nome sem qualquer razão, pois, ao invés do que parece à 1ª vista, não se movem no firmamento 1º para diante e depois em sentido inverso: descrevem, sim, um movimento de translação sempre no mesmo sentido. Esta teoria fôra estabelecida por Eudoxo e a ela se devia o conhecimento – que neste ponto Platão menciona concretamente – de o planeta Saturno, que parecia mover-se mais lentamente, ser na realidade o mais rápido de todos e o que percorria uma órbita maior. T.L. HEATH, op. cit., p. 188 … sistema ‘filolaico’” “Daqui, a exigência do ensino matemático e astronômico na escola primária desemboca diretamente na peculiar teologia das Leis, que vê na contemplação do ciclo matemático eterno dos astros uma fonte essencial da sua fé em Deus.” Se é verdade que quanto menos sabemos dos astros menos temos uma cultura, como explicar nosso estágio atual, de uma Física hipertrofiada e cultura estanque? Existe uma justa medida? PARADOXO: Querendo instituir o monoteísmo (o reconhecimento de uma norma absoluta), Platão acaba por exaltar e reacalorar o entusiasmo e a devoção aos deuses do Olimpo (na forma dos planetas conhecidos). O importante é o eterno retorno das órbitas do sistema solar, que um dia reseta, recomeça, não os corpos celestes em separado.

MAIS UM PRECEDENTE PERIGOSO: “Mas também no campo espiritual se deve isolar contra todas as influências ocasionais do exterior que possam desviar a ação das suas leis perfeitas. As viagens ao estrangeiro só serão autorizadas aos mensageiros, embaixadores e theoroi. (…) [estes eram] ‘observadores’ da cultura e das leis de outros homens [nasce a antropologia institucional] (…) Sem um conhecimento dos homens, bons e maus, nenhum Estado pode tornar-se perfeito nem conservar as suas leis. A finalidade principal destas viagens de estudo ao estrangeiro é levar os theoroi a travarem relações com as poucas personalidades superiores, homens divinos, que existem no meio da multidão e com os quais vale a pena falar e chegar a um entendimento. [Metalinguagem – formato escolhido para as Leis!]” “a tyche divina torna também possível, excepcionalmente, o aparecimento destes homens num meio hostil. [Ou já não possuiríamos nenhum sábio.] O próprio Platão viveu muito tempo ausente de Atenas e a lei sobre as viagens ou missões ao estrangeiro dos homens espiritualmente mais notáveis provém, segundo todos os indícios, das suas experiências pessoais.” “Depois de deixar o seu cargo, Sólon fez uma viagem através da Ásia e do Egito para se informar por si mesmo“Só a homens experientes, com os 50 anos já completos, se encomenda uma tal missão. Ao regressarem à pátria é-lhes facultado livre acesso ao órgão supremo da autoridade, o conselho secreto e noturno do Estado.” “Os que regressam do estrangeiro, depois de terem observado de perto as instituições dos outros homens, devem dar parte de todas as sugestões que dos outros tenham recebido em matéria de legislação e educação, bem como das suas próprias observações. Os seus conselhos devem, todavia, ser submetidos a uma crítica severa, para que a sua aplicação não sirva de veículo a influências perturbadoras.”

(*) “O órgão do Estado que deve conhecer o objetivo é o conselho noturno 962 C 5. Os governantes são definidos na República, no mesmo sentido, como aqueles que possuem o conhecimento do paradigma, a Idéia do Bem.”

#Pesquisa futura: a relação entre o Um parmenídeo e o Bem em Platão.

Hoje, relendo, creio que nem é necessário ou possível efetuar tal pesquisa! Ambos são indistinguíveis ou um o dégradé do outro.

a conhecida hipótese moderna, segundo a qual Platão abandonou a teoria das idéias, nos últimos anos da sua vida. Cf. Jackson, Lutoslawki e outros [homens que estão errados].” Jamais ouvira falar disso!

VALOR, O ALFA E O ÔMEGA DA VIDA SÁBIA

no livro XII, Platão remete para a dialética, dando por suposto que se trata de algo conhecido dos seus leitores; voltar a tratar do seu valor cultural seria apenas repetir o que já expusera“Neste ponto capital, o pensamento de Platão mantém-se inabalável desde a 1ª à última das suas obras.” “No que se refere à formação filosófica, os componentes do conselho noturno não ficam atrás dos guardiões da República.” “A verdade que os governantes devem possuir é o conhecimento dos valores, i.e., das coisas de que vale a pena preocuparem-se na ação.” “Para poderem aplicar praticamente esta pauta nas leis e na vida, o legislador e os órgãos do governo devem possuir o conhecimento de Deus como ser e valor supremo.”

A uma história da paideia grega não lhe interessa entrar numa análise pormenorizada da estrutura conceitual desta teologia. É uma questão que compete a uma história da teologia filosófica dos gregos e que nesta perspectiva trataremos em outro lugar. A paideia e a teologia filosófica dos gregos foram as 2 formas principais por cujo meio o helenismo influiu na História Universal, durante os sécs. em que praticamente nada se conservava da ciência e da arte gregas. Ambas as coisas, a arete humana e o ideal divino, aparecem primitivamente ligadas em Homero. Platão restaura esta ligação, num grau diferente.” Efetivamente hoje entendo de forma menos crítica (menos discordante e rabugenta, quero dizer) que quando li as Leis pela 1ª vez: a palavra deus e o que implica não podem estar ausentes de uma discussão sobre a formação e o valor dos valores. Não Jeová, mas outra abstração… Nesse sentido, também é talvez precipitado chamar de teologia o estudo desses valores gregos – até que se entenda que teologia filosófica nada tem a ver com as religiões monoteístas hoje em voga.

O ponto culminante desta trajetória é o final das Leis, a que devemos juntar o livro X, inteiramente consagrado ao problema de Deus. O prolongamento histórico da metafísica platônica na teologia de Arist. e de outros discípulos de Platão vem confirmar que por trás das soluções esboçadas no final desta criação plat. se esconde nada mais nada menos que o projeto desta ciência das coisas supremas (…) Não se acusa aqui nenhuma diferença entre um simples saber cultural e um supremo saber, contra o que ultimamente se procurou estabelecer (MAX SCHELER, Die Formen des Wissens und die Bildung)” A quem caberia o cetro do ministério na modernidade: o sacerdote, o legislador, o pedagogo ou o filósofo? Nós não podemos reconciliar as especialidades.

Desde Arist., que das Leis de Platão encaminhou para a sua teologia estas 2 fontes da certeza de Deus,(*) até a Crítica da Razão Prática, de Kant, que, no fim de todas as suas idéias teóricas destinadas a derrubá-lo, voltou outra vez a desembocar praticamente nele, nunca a humanidade logrou, com a filosofia, erguer-se acima deste conhecimento. Estes fatos, dignos de sobre eles se meditar, foram reunidos e apreciados no meu Aristóteles, pp. 187 s.

(*) “corpos celestes”, “alma”

Kant reduziu a fé no conhecimento a um mínimo na Crítica da Razão Pura, mas deu uma volta de 180º logo depois. A Faculdade do Juízo pode ser considerada um anexo, pois não retoma o ceticismo moral do 1º volume, apenas estabelece, em que pese Deus, a autonomia do artista. Deleuze faz escândalo da pretensa “revolução de fim da vida” de Kant – mas bem conhecemos Deleuze! Meu máximo respeito: Kant, assim como Nietzsche e Platão, buscava o máximo conhecimento, num nível tremendamente superior aos empreendimentos de Aristóteles e Hegel, p.ex. E foi íntegro nas suas fases tão distintas durante a “trilogia”: como Platão, detectou o niilismo moral-epistemológico passível de nascer da crítica acabada da Razão pura; não só seu imperativo categórico atacou o problema, mas o ceticismo foi revisado da ótica “sobrenatural” do dom estético anos mais tarde…

EPÍLOGO – TRANSIÇÃO

E.1 Demóstenes: agonia e transformação da cidade-Estado

(*) “Georges CLEMENCEAU, Démosthène (Paris, 1926). Acerca das vacilações e diferenças nacionais que nos tempos modernos se notam nos juízos sobre Demóstenes, cf. Charles Darwin ADAMS, Demosthenes and his influences (Londres, 1927) na série ‘Our Debt to Greece and Rome’. O autor mostra claramente a predileção que os democratas do séc. XVIII sentiam por Demóstenes e a repulsa que esta figura desperta nos modernos historiadores alemães.”

Engelbert DRERUP, Imagens de uma Antiga República de Advogados / Demosthenes um Urteil des Altertums, 1923

O mais erudito representante da ortodoxia demosteniana de velho estilo é Arnold SCHAEFER, Demosthenes und Seine Zeit, 3 vols. (Leipzig, 1856).”

GLOTZ & CLOCHÉ, Démosthène, 1937

P. TREVES, Demostene e la libertà Grega, 1933

meu livro, Demóstenes: O Estadista e a sua Evolução.”

mundos que até há poucos decênios pareciam hermeticamente fechados e independentes, como a história do Estado e da filosofia, do jornalismo e da retórica, aparecem agora como membros vivos de uma unidade orgânica, participando no mesmo grande processo vital da nação.”

A polis, considerada como forma definitiva da vida política e espiritual, é o dado fundamental da história grega nos sécs. que vão de Homero a Alexandre.” “O melhor livro recente sobre a polis é o de G. GLOTZ, La Cité Grecque, 1928.”

O problema da autonomia da polis não mais acalmou desde a sua 1ª transgressão pela política imperial ateniense de Péricles, que rebaixou os confederados ao plano de simples súditos.” “o abandono do Estado autônomo da polis era tão incompatível com a mentalidade política dos gregos como até hoje o tem sido, praticamente, com a nossa própria mentalidade política, a renúncia ao princípio dos Estados nacionais para adotarmos formas de Estado mais amplas na Europa.”

Enquanto com Platão o espírito filosófico da época se vira com todas as suas forças para o problema espiritual do Estado e aborda a missão da sua reconstrução moral, independentemente das condições de tempo e de espaço, o Estado ateniense real vai, pouco a pouco, se sobrepondo a seu abatimento e recupera uma liberdade de movimento que lhe abre perspectivas para um lento fortalecimento do seu poder.” “Atenas, apoiada pelos que anteriormente tinham sido aliados de Esparta, por Tebas e Corinto, conseguiu reconquistar gradualmente a sua posição no mundo dos Estados gregos e reconstruir, com dinheiro persa, as fortificações que tinha sido obrigada a destruir depois da guerra. Depois veio o 2º passo: Tebas desligou-se de Esparta, o que brindou Atenas com a possibilidade de fundar a 2ª liga marítima, a qual, evitando a política excessivamente centralizada da 1ª liga, soube estreitar os vínculos de Atenas com os seus aliados. A sua cabeça destacaram-se políticos e soldados de verdadeira grandeza, como Timóteo, Cabrias, Ifícrates e Calístrato; e o abnegado impulso do sentimento patriótico dos anos que se seguiram à fundação da nova liga marítima deu, na guerra dos 7 anos contra Esparta, travada ao lado de Tebas, o magnífico fruto da paz do ano 371, que conferiu a Atenas a indiscutível primazia no mar e legalizou definitivamente a nova liga, mediante tratados internacionais.”

esta nova juventude sente-se atraída para o turbilhão do movimento político; e são os jovens metecos estrangeiros das pequenas cidades e de países vizinhos da Grécia, como Aristóteles, Xenófanes, Heráclides e Filipe de Opunte aqueles que se consagram inteiramente à vida platônica de uma pura investigação.”

Foi o florescimento outonal da vida do Estado ateniense na época de Demóstenes que desenvolveu a eloqüência política como gênero admiradíssimo de arte literária.”

PLUTARCO, Demóstenes

Os discursos de Péricles como estadista, tal como realmente tinham sido pronunciados por ele, não puderam servir de modelo ao jovem Demóstenes, pois não tinham sido publicados literariamente nem se conservam. Com efeito, o único eco da eloqüência política de Atenas na época do seu esplendor eram os discursos reproduzidos na obra de Tucídides, cujo perfil artístico e espiritual e cuja profundidade de pensamento sobrepujavam toda a prática da oratória política, tal como a realidade a oferecia.”

Sobre a análise da forma oratória em Demóstenes deve consultar-se principalmente a obra de F. BLASS, Geschichte der Attischen Beredsamkeit, t. III, parte I.” “os seus discursos não são mera ficção literária, como a crítica moderna muitas vezes julga”

Atenas, que estivera 1º ao lado de Tebas contra Esparta, separou-se dos seus aliados tebanos na paz de 371, para guardar a tempo nos seus celeiros a colheita da guerra.” “Neste momento a política ateniense de Calístrato mudou de quadrante e firmou abertamente aliança com Esparta, para contrabalançar o poder da sua antiga aliada (…) Nascia assim a idéia do equilíbrio, que deu forma à política ateniense das décadas seguintes e com a qual se procurou estabelecer um novo sistema no mundo dos Estados gregos.”

Demóstenes teve de pôr-se desde muito cedo em contato com os tribunais, forçado pela própria experiência da sua vida: a dilapidação da grande fortuna que lhe legara seu pai, levada a cabo pelos seus autores; e depois de ter comparecido pessoalmente ante os juízes, como orador em defesa da sua própria causa, escolheu a carreira de redator de discursos forenses e de conselheiro jurídico. (DEMÓSTENES, Contra Afobo e Contra Onetor)” + Contra Andrócio, Contra Timócrates e Contra Leptines.

a coerência sistemática da sua conduta se revela a principal força de Demó., ainda que naquela altura fosse para outros e sob a direção de outros que ele trabalhasse.” “É sobre o problema de política externa que o seu interesse incide logo desde o início”

A concepção política, representada no campo literário por Isóc., e no campo da política efetiva por Eubulo, principal dirigente da corrente de oposição da classe opulenta, rejeitava conseqüentemente toda a atividade política externa por parte do Estado enfraquecido, e via o seu futuro na sua limitação consciente aos problemas de uma prudente política interna e econômica.”

Desde o surpreendente aparecimento de Tebas como 3ª potência ao lado de Esparta e Atenas, este plano de equilíbrio tinha que se impor necessariamente como o testamento e a herança clássica do mais eficiente período da política ateniense, depois de Péricles.”

Desde a perda de Anfípolis, cidade marítima macedônica, cuja posse se discutia desde tempos remotos, que o rei Filipe se encontrava em guerra com Atenas, que reivindicava para si este antigo ponto de apoio do seu comércio e da sua frota.” “Interveio em seguida na guerra entre Tebas e a Fócida, derrotou os focenses e já se dispunha a penetrar na Grécia central pelas Termópilas, para aí se impor como árbitro, quando os atenienses se ergueram e enviarem àquele desfiladeiro, fácil de defender, um corpo de exército que barrou o caminho a Filipe (Arnaldo MOMIGLIANO, Filippo il Macedone (Florença, 1934). Este não procurou forçar a passagem: dirigiu-se para o norte; marchou através da Trácia sem encontrar resistência séria e, de súbito, ameaçou Atenas nos Dardanelos, onde ninguém o esperava. Todos os cálculos de Demóstenes quanto à proteção dos estreitos contra os trácios se tornaram inúteis de um só golpe: o quadro mudara por completo e o perigo macedônio revelava-se fulminantemente em toda a sua grandeza.” “Agora já não se tratava de uma luta de princípios entre a intervenção e a não-intervenção.” “O não ter tomado a sério a guerra de bloqueio colocava Atenas, inesperadamente, na defensiva.”

É um problema de difícil solução saber se Demóstenes, em condições mais favoráveis, teria podido converter-se num desses estadistas construtivos e criadores cuja existência pressupõe um país de energias em crescimento. O que se pode afirmar é que, na Atenas do seu tempo, teria sido inconcebível sem um adversário como Filipe da Macedônia, que o obrigou a pôr em ação a sua profunda e ampla visão, a sua decisão e tenaz coerência.”

A ciência do séc. XIX excede não raras vezes, na aplicação do seu ceticismo, os limites do suscetível de ser provado, e foi o que também neste caso aconteceu. (…) Já os antigos reuniram estes discursos numa categoria especial, sob o nome de Filípicas, mas não é unicamente o terem sido pronunciados contra o mesmo adversário que os caracteriza e distingue dos discursos anteriores. É na grandiosa idéia da educação do povo que a sua unidade se baseia, idéia que foi expressa de maneira concisa e lapidar na tese do discurso sobre o armamento.”

Nos povos governados democraticamente, a decisão de lutar não dimana das ordens do <governo>: é, sim, do íntimo do cidadão que ela deve brotar, pois todos tomam parte na decisão. As Filípicas de Demó. são todas dedicadas à formidável tarefa de preparar o povo para tomar esta decisão, para a qual faltava à maioria desse povo clareza de visão e capacidade de sacrifício.” “só por uma completa ausência de capacidade espiritual de distinção se poderia confundir com a demagogia corrente o dom de Demóstenes para se servir ocasionalmente desta linguagem.” Jaeger exagera? Só lendo Demóstenes para descobrir!

D. tinha 31 anos quando subiu à tribuna com o seu programa de ação.”

E assim como em Sólon o problema da participação dos deuses no infortúnio do Estado anda ligado à idéia da tyche, assim também esta idéia reaparece, sob novas variantes, nos discursos em que D. põe em guarda contra Filipe. (…) O adiantado processo de individualização desta época faz com que os homens, na sua ânsia de liberdade, sintam com maior intensidade a sua submissão efetiva ao curso exterior do mundo. O séc. que se inicia com as tragédia de Eurípides encontra-se, mais que nenhum outro, penetrado pela idéia de tyche, e tende cada vez mais a abandonar-se à resignação.”

Isto confere uma especial importância ao fator ético nos discursos de D. procedentes desta época, fator sem paralelo nos discursos de política externa de outros autores, que a literatura grega conservou.” “É precisamente aqui, na forma como aprofunda a psicologia e a moral do simples cidadão, que D. se revela um verdadeiro educador.”

(*) “A obra de Virgínia (sic) WOODS, Types of Rulers in the Tragedies of Aeschylus (tese de doutoramento pela Universidade de Chicago, 1941), contém uma análise completa do ethos político dos governantes, no drama ateniense do 1º período. Este estudo foi feito por sugestão minha.”

É no estilo que o sentido trágico desta época deixa sua marca. As suas profundas sombras patéticas reaparecem nos rostos das mais grandiosas obras de arte plástica do mesmo período, modeladas por Escopas

GREECE – CIRCA 2002: Head of Atalanta, by Skopas (420-340 BC), sculpture from the Athena Alea Temple in Tagea, (Greece). Greek Civilization, 4th Century BC. Athens, Ethnikó Arheologikó Moussío (National Archaeological Museum) (Photo by DeAgostini/Getty Images)

D. não teria conseguido tornar-se o maior dos clássicos da época helenística, em que se integrava mal o seu ideal político, se não tivesse sabido dar uma expressão perfeita ao tom das suas emoções espirituais.” “O orador e o estadista confundem-se e formam nele uma unidade. A forma oratória pura não seria nada sem o peso específico do espírito do homem de Estado, que força por se exprimir nela.”

A queda de Olinto e a destruição das numerosas e florescentes cidades da península da Cálcida, as quais formavam a Liga Olíntica, obrigaram Atenas a negociar a paz com Filipe da Macedônia. Esta paz foi firmada no ano 346 e Demóstenes encontrava-se também entre aqueles que a desejavam por razões de princípio. Opôs-se, contudo, à aceitação das condições propostas pelo adversário, pois lhe entregavam, sem proteção, os territórios da Grécia central e deixavam Atenas à mercê de um cerco cada vez mais apertado. Não pôde, porém, impedir que a paz se firmasse nestas bases e, no seu Discurso sobre a Paz, teve até que se pronunciar contra a resistência armada, quando já era um fato a ocupação pelo macedônio do território da Fócida e das Termópilas, tão importantes para o domínio da Grécia central.”

O Discurso sobre as Simorias e o que defende a liberdade dos ródios são testemunhos clássicos da sua contínua e vigilante disposição de acalmar a mera verborréia da embriaguez sentimental chauvinista.” “Até hoje, nem os seus críticos nem os simples políticos sentimentais que se lhe seguiram souberam compreendê-lo, e é isso que explica que tenham atribuído a vacilações de caráter o que não é senão rigorosa coerência de pensamento, expressa numa conduta elasticamente variável.”

A unificação da Hélade não podia ser levada a cabo sob a forma de absorção dos diversos Estados autônomos num Estado nacional unitário, ainda que o progressivo enfraquecimento dos Estados já estivesse adiantado como o estava agora. Só de fora podia vir. A resistência contra o inimigo comum era o único fator que poderia fundir todos os gregos, unificando-os como nação. O fato de Isóc. considerar como inimigo o império persa, cujo ataque fizera, há 50 anos, esquecer aos gregos as suas dissensões internas, e não a Macedônia, que era no presente o único perigo sério e real, podia explicar-se pela força da inércia, visto que Isóc. já vinha pregando havia várias décadas a idéia desta cruzada.(*) Todavia, era um erro político imperdoável pensar que podia afastar o perigo macedônio, aclamando Filipe, o inimigo da liberdade de Atenas e de todos os gregos, como chefe predestinado desta futura guerra nacional.

(*) U. WILCKEN, ‘Philip II von Makedonien und die Panhellenische Idee’, in Ber. Berl. Akad., 1929.”

Filipe soube compreender com perspicácia que era possível vencer um povo como o grego com as suas próprias armas, pois onde imperam a cultura e a liberdade existem sempre a desunião e a discrepância quanto ao caminho a seguir nos problemas mais importantes. A multidão é demasiado míope para descobrir logo o caminho certo. D. fala muito da agitação a favor da Maced., explorada em todas as cidades gregas.” “D. não se propunha a persuadir nenhum conselho secreto da coroa, mas um povo desinteressado e mal-dirigido”

Os seus discursos proferidos em tempo de paz são uma série ininterrupta de tentativas destinadas a opor este seu pan-helenismo ao pan-helenismo pró-macedônio de Isóc.”

e agora Tebas, que teria sido naquela ocasião mais importante para Atenas que a própria Esparta, sentia-se mais estreitamente ligada a Filipe do que lhes aconselhava o seu próprio interesse; a isso fôra forçada pela política de Atenas e de Esparta, que apoiavam os seus adversários da Fócida. D. considerou sempre má política aquele apoio dado aos focenses somente por ódio contra Tebas. E eis que agora o rei da Fócida oferecia a Filipe a ocasião para intervir na Grécia central.”


“Mas a aliança com Tebas só à última hora, antes da
batalha de Queronéia, foi levada a efeito: cf. o Discurso da Coroa, 174-9. Foi um triunfo trágico para D.. No meio de uma Grécia como esta, dividida e desintegrada, parecia trabalho de Sísifo formar uma frente pan-helênica de combate contra Filipe. E mesmo assim D. conseguiu-o, após longos anos de esforço. Esta sua evolução até se tornar paladino da liberdade grega é tanto mais surpreendente quanto a realização política da idéia do pan-helenismo parecia um sonho, mesmo depois de ter sido proclamada pela retórica.”

nenhuma contradição irredutível medeia entre a atitude política realista dos primeiros discursos e o programa da luta pan-helênica da última fase de D., assim como não há contradição entre o Bismarck da 1ª fase, defensor dos interesses puramente prussianos, e o fundador da unidade política dos alemães em 1870.”

Na grande batalha espiritual de rompimento que são o Discurso do Quersoneso e a Terceira Filípica, pouco antes do começo da guerra, D. reaparece a nossos olhos como o dirigente popular dos primeiros discursos contra Filipe, anteriores à paz do ano 346.” “Mas os gregos continuam inativos diante da expansão aniquiladora da potência de Filipe, como diante de uma tempestade ou uma catástrofe elementar da natureza, que o homem contempla passivamente, dominado pelo sentimento de total impotência, esperando que o raio caia, talvez, na casa do vizinho.”

Olinto, Erétria, Oreos reconhecem hoje: se o tivéssemos visto antes, não teríamos sido aniquiladas; mas agora é tarde.” Fil., III

Quando as vagas podem mais que o leme, já todo o esforço é vão.”

O sentido de lucro da massa e a corrupção dos oradores têm de se render e render-se-ão em face do espírito heróico daquela Grécia que outrora venceu a guerra contra os persas.”

Muitos anos atrás D. já se tinha perguntado inevitavelmente, face desse paralelo histórico, se os atenienses do seu tempo não seriam uma raça degenerada, diferente da do passado. Ele, porém, não é nem um historiador, nem um teórico da cultura, unicamente preocupado em verificar fatos. Neste campo é também, forçosamente, o educador que vê diante de si uma missão a cumprir. Por muito desfavoráveis que os sinais pareçam, não acredita na degenerescência do caráter do povo. Um homem como ele jamais seria capaz de renunciar ao Estado ateniense e de lhe voltar as costas como a um doente incurável. É certo que os atos deste povo se converteram em atos mesquinhos e lucrativos, mas como poderia ser outra a mentalidade destes homens? O que é que lhes poderia infundir um sentido mais elevado da existência, um ímpeto mais audacioso? Isóc. só sabe tirar do paralelo histórico com o passado uma conclusão: a de que este passado desapareceu para sempre. Mas um estadista ávido de ação não podia aceitar esta conclusão, enquanto restasse na sua fortaleza um baluarte para defender.”

K. JOST, Das Beispiel und Vorbild der Vorfahren bei den attischen Rednern und Geschichtschreibern bis Demosthenes (Paderborn, 1936)

Mesmo que o abismo entre o ontem e o hoje fosse ainda mais profundo, Atenas não poderia separar-se da sua história sem renunciar a si mesma. Quanto maior a grandeza da história de um povo, mais ela se lhe impõe como destino nas épocas de decadência, mais trágica é a possibilidade de se furtar ao seu dever, ainda que este seja irrealizável.(*) É indubitável que D. não se enganava conscientemente, nem empurrava levianamente os atenienses para uma aventura.

(*) <Que havia, pois, de fazer a polis, ó Ésquines, quando viu que como Filipe tentava estabelecer o seu império e a sua tirania sobre a Hélade? Ou que havia de dizer ou propor o homem que, como eu, se sentia conselheiro do povo de Atenas, e que desde os seus começos até o dia em que subiu à tribuna dos oradores não fez outra coisa senão lutar pela pátria e pelos supremos lauréis da sua honra e da sua fama?> Discurso da Coroa”

a arte do possível” “político realista” “existência ideal”

Até o mais sábio dos estadistas se vê aqui diante de um mistério da natureza que a razão humana é incapaz de resolver de antemão. Logo que os fatos se verificam, sucede com bastante freqüência aparecerem como verdadeiros estadistas pessoas para quem isto não era mais que um novo problema de cálculo e para quem, portanto, não era fácil fugir a um risco que não se sentiam interiormente obrigados a correr nem pela fé no seu povo, nem pelo sentimento da sua própria dignidade, nem pela intuição de um destino inelutável. Neste momento decisivo foi D. o homem em quem a feição heróica do espírito da polis grega encontrou esta grave expressão. Basta-nos contemplar o seu rosto toldado por sombrias preocupações, sulcado de rugas, tal como a obra do artista o conservou, para compreendermos que também ele não era por natureza nem um Aquiles nem um Diomedes, mas simplesmente, como os demais, um filho do seu tempo. Mas quem não vê precisamente que a luta parece tanto mais nobre quanto mais sobre-humanos parecem os deveres por ele pregados a uma geração de nervos tão sensíveis e com uma vida interior individualista?” “Já Tucídides dissera que os atenienses só eram capazes de enfrentar um perigo com plena consciência dele, e não como outros, cuja valentia nascia não raras vezes da ignorância do perigo.”

D. pensa que Atenas estará perdida, se aguardar que o inimigo penetre no país. (…) Já antes forcejara por atrair a Pérsia a sua causa; e, à vista da queda deste império logo após Filipe da M. ter conseguido submeter os gregos, a neutralidade da Pérsia perante a sorte de Atenas revelou-se uma enganosa ilusão. D. acreditara que a força da sua lógica de estadista conseguiria convencer o grande rei do que aguardava a Pérsia, se Filipe derrotasse os gregos.”

Na Quarta Filípica faz pressão para se chegar a um acordo, a um compromisso pelo menos, a uma desintoxicação da atmosfera.”

Os antigos Estados, apesar de se terem agrupado para travar a última batalha pela liberdade, já não foram capazes de fazer frente ao poder militar organizado do reino macedônio. A sua história desembocou no grande império que Alexandre, depois da súbita morte violenta do rei Filipe em mãos assassinas, fundou na sua irresistível campanha de conquistas que realizou através da Ásia, sobre as ruínas do império persa. Com a colonização, a economia e a ciência gregas viram abrir-se novos e imprevistos horizontes de desenvolvimento, mesmo depois da desintegração do império de Alexandre, nos Estados dos diádocos, logo a seguir à morte prematura do seu fundador.”

A morte poupou a Isóc. a dor de ter de reconhecer demasiado tarde que a vitória, sobre um inimigo imaginário, de um povo que perdeu a sua independência não representa nunca uma verdadeira exaltação do sentimento nacional, e que a unidade imposta de fora não pode nunca solucionar o problema da desintegração dos Estados. Todos os verdadeiros gregos teriam preferido durante a campanha de Alexandre receber a notícia da morte do novo Aquiles, a implorá-lo (sic) como deus, obedecendo a ordens supremas. A espera febril dessa notícia por todos os patriotas, com as suas alternativas de sucessivos desenganos e de precipitadas tentativas de insurreição, constitui por si só uma tragédia.”

Ainda que as suas armas tivessem triunfado, os gregos não teriam mais futuro político, nem fora do domínio estrangeiro nem sob o seu jugo. A forma histórica de vida do seu Estado já havia caducado e nenhuma nova organização artificial podia substituí-la. É falso medir a sua evolução pela pauta do moderno Estado nacional.”

Só uma vez, na batalha de D. em prol da independência da sua pátria, se produziu na história da Grécia uma onda de sentimento nacional, traduzido na realidade política pela existência comum, frente ao inimigo exterior. Foi neste instante do seu derradeiro esforço para manter a sua existência e o seu ideal que o Estado agonizante da polis alcançou nos discursos de D. a imortalidade.”

Demóstenes confessa com espírito verdadeiramente trágico a verdade dos seus atos e exorta o povo a não desejar ter tomado outra decisão senão a que o passado lhe impunha.”

TIMON OF ATHENS

ACT I

SCENE I. Athens. A hall in Timon’s house.

You see how all conditions, how all minds,

As well of glib and slippery creatures as

Of grave and austere quality, tender down

Their services to Lord Timon: his large fortune

Upon his good and gracious nature hanging

Subdues and properties to his love and tendance

All sorts of hearts; yea, from the glass-faced flatterer

To Apemantus, that few things loves better

Than to abhor himself: even he drops down

The knee before him, and returns in peace

Most rich in Timon’s nod.”

When Fortune in her shift and change of mood

Spurns down her late beloved, all his dependants

Which labour’d after him to the mountain’s top

Even on their knees and hands, let him slip down,

Not one accompanying his declining foot.”

TIMON

Painting is welcome.

The painting is almost the natural man;

or since dishonour traffics with man’s nature,

He is but outside: these pencill’d figures are

Even such as they give out. I like your work;

And you shall find I like it: wait attendance

Till you hear further from me.”

Painter

You’re a dog.

APEMANTUS

Thy mother’s of my generation: what’s she, if I be a dog?

TIMON

Wilt dine with me, Apemantus?

APEMANTUS

No; I eat not lords.

TIMON

An thou shouldst, thou ‘ldst anger ladies.

APEMANTUS

O, they eat lords; so they come by great bellies.

TIMON

That’s a lascivious apprehension.

APEMANTUS

So thou apprehendest it: take it for thy labour.

TIMON

How dost thou like this jewel, Apemantus?

APEMANTUS

Not so well as plain-dealing, which will not cost a

man a doit.

TIMON

What dost thou think ‘tis worth?

APEMANTUS

Not worth my thinking. How now, poet!

Poet

How now, philosopher!

APEMANTUS

Thou liest.

Poet

Art not one?

APEMANTUS

Yes.

Poet

Then I lie not.

APEMANTUS

Art not a poet?

Poet

Yes.

APEMANTUS

Then thou liest: look in thy last work, where thou

hast feigned him a worthy fellow.

Poet

That’s not feigned; he is so.

APEMANTUS

Yes, he is worthy of thee, and to pay thee for thy

labour: he that loves to be flattered is worthy o’

the flatterer. Heavens, that I were a lord!

TIMON

What wouldst do then, Apemantus?

APEMANTUS

E’en as Apemantus does now; hate a lord with my heart.

TIMON

What, thyself?

APEMANTUS

Ay.

TIMON

Wherefore?

APEMANTUS

That I had no angry wit to be a lord.

Art not thou a merchant?

Merchant

Ay, Apemantus.

APEMANTUS

Traffic confound thee, if the gods will not!

Merchant

If traffic do it, the gods do it.

APEMANTUS

Traffic’s thy god; and thy god confound thee!”

Enter ALCIBIADES, with the rest

Most welcome, sir!”

First Lord

What time o’ day is’t, Apemantus?

APEMANTUS

Time to be honest.

First Lord

That time serves still.

APEMANTUS

The more accursed thou, that still omitt’st it.

Second Lord

Thou art going to Lord Timon’s feast?

APEMANTUS

Ay, to see meat fill knaves and wine heat fools.

Second Lord

Fare thee well, fare thee well.

APEMANTUS

Thou art a fool to bid me farewell twice.

Second Lord

Why, Apemantus?

APEMANTUS

Shouldst have kept one to thyself, for I mean to

give thee none.

First Lord

Hang thyself!

APEMANTUS

No, I will do nothing at thy bidding: make thy

requests to thy friend.

Second Lord

Away, unpeaceable dog, or I’ll spurn thee hence!

APEMANTUS

I will fly, like a dog, the heels o’ the ass.

Exit

First Lord

He’s opposite to humanity. Come, shall we in,

And taste Lord Timon’s bounty? he outgoes

The very heart of kindness.

SCENE II. A banqueting-room in Timon’s house.

VENTIDIUS

Most honour’d Timon,

It hath pleased the gods to remember my father’s age,

And call him to long peace.

He is gone happy, and has left me rich:

Then, as in grateful virtue I am bound

To your free heart, I do return those talents,

Doubled with thanks and service, from whose help

I derived liberty.

TIMON

O, by no means,

Honest Ventidius; you mistake my love:

I gave it freely ever; and there’s none

Can truly say he gives, if he receives:

If our betters play at that game, we must not dare

To imitate them; faults that are rich are fair.

VENTIDIUS

A noble spirit!”

TIMON

O, Apemantus, you are welcome.

APEMANTUS

No;

You shall not make me welcome:

I come to have thee thrust me out of doors.

TIMON

Fie, thou’rt a churl; ye’ve got a humour there

Does not become a man: ‘tis much to blame.

They say, my lords, ‘ira furor brevis est;’ but yond

man is ever angry. Go, let him have a table by

himself, for he does neither affect company, nor is

he fit for’t, indeed.

APEMANTUS

Let me stay at thine apperil, Timon: I come to

observe; I give thee warning on’t.

TIMON

I take no heed of thee; thou’rt an Athenian,

therefore welcome: I myself would have no power;

prithee, let my meat make thee silent.

APEMANTUS

I scorn thy meat; ‘twould choke me, for I should

ne’er flatter thee. O you gods, what a number of

men eat Timon, and he sees ‘em not! It grieves me

to see so many dip their meat in one man’s blood;

and all the madness is, he cheers them up too.

I wonder men dare trust themselves with men:

Methinks they should invite them without knives;

Good for their meat, and safer for their lives.

There’s much example for’t; the fellow that sits

next him now, parts bread with him, pledges the

breath of him in a divided draught, is the readiest

man to kill him: ‘t has been proved. If I were a

huge man, I should fear to drink at meals;

Lest they should spy my windpipe’s dangerous notes:

Great men should drink with harness on their throats.

This and my food are equals; there’s no odds:

Feasts are too proud to give thanks to the gods.

Apemantus’ grace.

Immortal gods, I crave no pelf;

I pray for no man but myself:

Grant I may never prove so fond,

To trust man on his oath or bond;

Or a harlot, for her weeping;

Or a dog, that seems a-sleeping:

Or a keeper with my freedom;

Or my friends, if I should need ‘em.

Amen. So fall to’t:

Rich men sin, and I eat root.”

TIMON

Captain Alcibiades, your heart’s in the field now.

ALCIBIADES

My heart is ever at your service, my lord.

TIMON

You had rather be at a breakfast of enemies than a

dinner of friends.

ALCIBIADES

So the were bleeding-new, my lord, there’s no meat

like ‘em: I could wish my best friend at such a feast.

APEMANTUS

Would all those fatterers were thine enemies then,

that then thou mightst kill ‘em and bid me to ‘em!”

Enter Cupid

Cupid

Hail to thee, worthy Timon, and to all

That of his bounties taste! The five best senses

Acknowledge thee their patron; and come freely

To gratulate thy plenteous bosom: th’ ear,

Taste, touch and smell, pleased from thy tale rise;

They only now come but to feast thine eyes.”

Music. Re-enter Cupid with a mask of Ladies as Amazons, with lutes in their hands, dancing and playing

APEMANTUS

Hoy-day, what a sweep of vanity comes this way!

They dance! they are mad women.

Like madness is the glory of this life.

As this pomp shows to a little oil and root.

We make ourselves fools, to disport ourselves;

And spend our flatteries, to drink those men

Upon whose age we void it up again,

With poisonous spite and envy.

Who lives that’s not depraved or depraves?

Who dies, that bears not one spurn to their graves

Of their friends’ gift?

I should fear those that dance before me now

Would one day stamp upon me: ‘t has been done;

Men shut their doors against a setting sun.”

FLAVIUS

(…)

‘Tis pity bounty had not eyes behind,

That man might ne’er be wretched for his mind.”

Servant

My lord, there are certain nobles of the senate

Newly alighted, and come to visit you.

TIMON

They are fairly welcome.

FLAVIUS

I beseech your honour,

Vouchsafe me a word; it does concern you near.

TIMON

Near! why then, another time I’ll hear thee:

I prithee, let’s be provided to show them

entertainment.

FLAVIUS

[Aside] I scarce know how.”

How now! what news?

Third Servant

Please you, my lord, that honourable

gentleman, Lord Lucullus, entreats your company

to-morrow to hunt with him, and has sent your honour

two brace of greyhounds.

TIMON

I’ll hunt with him; and let them be received,

Not without fair reward.”

FLAVIUS

[Aside] What will this come to?

He commands us to provide, and give great gifts,

And all out of an empty coffer:

Nor will he know his purse, or yield me this,

To show him what a beggar his heart is,

Being of no power to make his wishes good:

His promises fly so beyond his state

That what he speaks is all in debt; he owes

For every word: he is so kind that he now

Pays interest for ‘t; his land’s put to their books.

Well, would I were gently put out of office

Before I were forced out!

Happier is he that has no friend to feed

Than such that do e’en enemies exceed.

I bleed inwardly for my lord.”

TIMON

I take all and your several visitations

So kind to heart, ‘tis not enough to give;

Methinks, I could deal kingdoms to my friends,

And ne’er be weary. Alcibiades,

Thou art a soldier, therefore seldom rich;

It comes in charity to thee: for all thy living

Is ‘mongst the dead, and all the lands thou hast

Lie in a pitch’d field.

ALCIBIADES

Ay, defiled land, my lord.”

Exeunt all but APEMANTUS and TIMON

APEMANTUS

What a coil’s here!

Serving of becks and jutting-out of bums!

I doubt whether their legs be worth the sums

That are given for ‘em. Friendship’s full of dregs:

Methinks, false hearts should never have sound legs,

Thus honest fools lay out their wealth on court’sies.

TIMON

Now, Apemantus, if thou wert not sullen, I would be

good to thee.

APEMANTUS

No, I’ll nothing: for if I should be bribed too,

there would be none left to rail upon thee, and then

thou wouldst sin the faster. Thou givest so long,

Timon, I fear me thou wilt give away thyself in

paper shortly: what need these feasts, pomps and

vain-glories?

TIMON

Nay, an you begin to rail on society once, I am

sworn not to give regard to you. Farewell; and come

with better music.”

O, that men’s ears should be

To counsel deaf, but not to flattery!”

ACT II

SCENE I. A Senator’s house.

Senator

(…)

If I want gold, steal but a beggar’s dog,

And give it Timon, why, the dog coins gold.

If I would sell my horse, and buy twenty more

Better than he, why, give my horse to Timon,

Ask nothing, give it him, it foals me, straight,

And able horses. No porter at his gate,

But rather one that smiles and still invites”

Senator

(…) I love and honour him,

But must not break my back to heal his finger;

Immediate are my needs, and my relief

Must not be toss’d and turn’d to me in words,

But find supply immediate. Get you gone:

Put on a most importunate aspect,

A visage of demand; for, I do fear,

When every feather sticks in his own wing,

Lord Timon will be left a naked gull,

Which flashes now a phoenix. Get you gone.

CAPHIS

I go, sir.”

SCENE II. The same. A hall in Timon’s house.

All Servants

What are we, Apemantus?

APEMANTUS

Asses.

All Servants

Why?

APEMANTUS

That you ask me what you are, and do not know

yourselves. Speak to ‘em, fool.

Fool

How do you, gentlemen?

All Servants

Gramercies, good fool: how does your mistress?

Fool

She’s e’en setting on water to scald such chickens

as you are. Would we could see you at Corinth!

APEMANTUS

Good! gramercy.”

Fool

I think no usurer but has a fool to his servant: my

mistress is one, and I am her fool. When men come

to borrow of your masters, they approach sadly, and

go away merry; but they enter my mistress’ house

merrily, and go away sadly: the reason of this?”

TIMON

You make me marvel: wherefore ere this time

Had you not fully laid my state before me,

That I might so have rated my expense,

As I had leave of means?

FLAVIUS

You would not hear me,

At many leisures I proposed.

TIMON

Go to:

Perchance some single vantages you took.

When my indisposition put you back:

And that unaptness made your minister,

Thus to excuse yourself.”

TIMON

To Lacedaemon did my land extend.

FLAVIUS

O my good lord, the world is but a word:

Were it all yours to give it in a breath,

How quickly were it gone!”

What heart, head, sword, force, means, but is

Lord Timon’s?

Great Timon, noble, worthy, royal Timon!

Ah, when the means are gone that buy this praise,

The breath is gone whereof this praise is made:

Feast-won, fast-lost; one cloud of winter showers,

These flies are couch’d.

TIMON

Come, sermon me no further:

No villanous bounty yet hath pass’d my heart;

Unwisely, not ignobly, have I given.

Why dost thou weep? Canst thou the conscience lack,

To think I shall lack friends? Secure thy heart;

If I would broach the vessels of my love,

And try the argument of hearts by borrowing,

Men and men’s fortunes could I frankly use

As I can bid thee speak.”

TIMON

And, in some sort, these wants of mine are crown’d,

That I account them blessings; for by these

Shall I try friends: you shall perceive how you

Mistake my fortunes; I am wealthy in my friends.

Within there! Flaminius! Servilius!”

That had, give’t these fellows

To whom ‘tis instant due. Ne’er speak, or think,

That Timon’s fortunes ‘mong his friends can sink.

FLAVIUS

I would I could not think it: that thought is

bounty’s foe;

Being free itself, it thinks all others so.

Exeunt”

ACT III

SCENE I. A room in Lucullus’ house.

Draw nearer, honest Flaminius. Thy lord’s a

bountiful gentleman: but thou art wise; and thou

knowest well enough, although thou comest to me,

that this is no time to lend money, especially upon

bare friendship, without security. Here’s three

solidares for thee: good boy, wink at me, and say

thou sawest me not. Fare thee well.

FLAMINIUS

Is’t possible the world should so much differ,

And we alive that lived? Fly, damned baseness,

To him that worships thee!

Throwing the money back

LUCULLUS

Ha! now I see thou art a fool, and fit for thy master.

Exit”

Has friendship such a faint and milky heart,

It turns in less than two nights? O you gods,

I feel master’s passion!”

SCENE II. A public place.

First Stranger

We know him for no less, though we are but strangers

to him. But I can tell you one thing, my lord, and

which I hear from common rumours: now Lord Timon’s

happy hours are done and past, and his estate

shrinks from him.”

LUCILIUS

What a strange case was that! now, before the gods,

I am ashamed on’t. Denied that honourable man!

there was very little honour showed in’t. For my own

part, I must needs confess, I have received some

small kindnesses from him, as money, plate, jewels

and such-like trifles, nothing comparing to his;

yet, had he mistook him and sent to me, I should

ne’er have denied his occasion so many talents.”

SERVILIUS

Has only sent his present occasion now, my lord;

requesting your lordship to supply his instant use

with so many talents.

LUCILIUS

I know his lordship is but merry with me;

He cannot want fifty five hundred talents.”

Commend me bountifully to his good lordship; and I

hope his honour will conceive the fairest of me,

because I have no power to be kind: and tell him

this from me, I count it one of my greatest

afflictions, say, that I cannot pleasure such an

honourable gentleman. Good Servilius, will you

befriend me so far, as to use mine own words to him?”

True as you said, Timon is shrunk indeed;

And he that’s once denied will hardly speed.”

First Stranger

Do you observe this, Hostilius?

Second Stranger

Ay, too well.

First Stranger

Why, this is the world’s soul; and just of the

same piece

Is every flatterer’s spirit. Who can call him

His friend that dips in the same dish? for, in

My knowing, Timon has been this lord’s father,

And kept his credit with his purse,

Supported his estate; nay, Timon’s money

Has paid his men their wages: he ne’er drinks,

But Timon’s silver treads upon his lip;

And yet–O, see the monstrousness of man

When he looks out in an ungrateful shape!–

He does deny him, in respect of his,

What charitable men afford to beggars.”

SCENE III. A room in Sempronius’ house.

SEMPRONIUS

Must he needs trouble me in ‘t,–hum!–‘bove

all others?

He might have tried Lord Lucius or Lucullus;

And now Ventidius is wealthy too,

Whom he redeem’d from prison: all these

Owe their estates unto him.

Servant

My lord,

They have all been touch’d and found base metal, for

They have all denied him.”

Must I be his last refuge! His friends, like

physicians,

Thrive, give him over: must I take the cure upon me?

Has much disgraced me in’t; I’m angry at him,

That might have known my place: I see no sense for’t,

But his occasion might have woo’d me first;

For, in my conscience, I was the first man

That e’er received gift from him:

And does he think so backwardly of me now,

That I’ll requite its last? No:

So it may prove an argument of laughter

To the rest, and ‘mongst lords I be thought a fool.

I’ld rather than the worth of thrice the sum,

Had sent to me first, but for my mind’s sake;

I’d such a courage to do him good. But now return,

And with their faint reply this answer join;

Who bates mine honour shall not know my coin.

Exit”

The devil knew not what he did when he made man politic; he crossed himself by ‘t: and I cannot think but, in the end, the villainies of man will set him clear.”

This was my lord’s best hope; now all are fled,

Save only the gods: now his friends are dead,

Doors, that were ne’er acquainted with their wards

Many a bounteous year must be employ’d

Now to guard sure their master.

And this is all a liberal course allows;

Who cannot keep his wealth must keep his house.”

SCENE IV. The same. A hall in Timon’s house.

PHILOTUS

(…)

You must consider that a prodigal course

Is like the sun’s; but not, like his, recoverable.

I fear ‘tis deepest winter in Lord Timon’s purse;

That is one may reach deep enough, and yet

Find little.”

HORTENSIUS

I’m weary of this charge, the gods can witness:

I know my lord hath spent of Timon’s wealth,

And now ingratitude makes it worse than stealth.

Varro’s First Servant

Yes, mine’s three thousand crowns: what’s yours?

Lucilius’ Servant

Five thousand mine.

Varro’s First Servant

‘Tis much deep: and it should seem by the sun,

Your master’s confidence was above mine;

Else, surely, his had equall’d.”

FLAVIUS

Ay,

If money were as certain as your waiting,

‘Twere sure enough.

Why then preferr’d you not your sums and bills,

When your false masters eat of my lord’s meat?

Then they could smile and fawn upon his debts

And take down the interest into their

gluttonous maws.

You do yourselves but wrong to stir me up;

Let me pass quietly:

Believe ‘t, my lord and I have made an end;

I have no more to reckon, he to spend.

Lucilius’ Servant

Ay, but this answer will not serve.

FLAVIUS

If ‘twill not serve,’tis not so base as you;

For you serve knaves.

Exit”

Second Servant

No matter what; he’s poor, and that’s revenge

enough. Who can speak broader than he that has no

house to put his head in? such may rail against

great buildings.”

FLAVIUS

O my lord,

You only speak from your distracted soul;

There is not so much left, to furnish out

A moderate table.

TIMON

Be’t not in thy care; go,

I charge thee, invite them all: let in the tide

Of knaves once more; my cook and I’ll provide.

Exeunt”

SCENE V. The same. The senate-house. The Senate sitting.

ALCIBIADES

(…)

Who cannot condemn rashness in cold blood?

To kill, I grant, is sin’s extremest gust;

But, in defence, by mercy, ‘tis most just.

To be in anger is impiety;

But who is man that is not angry?

Weigh but the crime with this.”

ALCIBIADES

I say, my lords, he has done fair service,

And slain in fight many of your enemies:

How full of valour did he bear himself

In the last conflict, and made plenteous wounds!”

ALCIBIADES

Hard fate! he might have died in war.

My lords, if not for any parts in him–

Though his right arm might purchase his own time

And be in debt to none–yet, more to move you,

Take my deserts to his, and join ‘em both:

And, for I know your reverend ages love

Security, I’ll pawn my victories, all

My honours to you, upon his good returns.

If by this crime he owes the law his life,

Why, let the war receive ‘t in valiant gore

For law is strict, and war is nothing more.

First Senator

We are for law: he dies; urge it no more,

On height of our displeasure: friend or brother,

He forfeits his own blood that spills another.”

ALCIBIADES

Banish me!

Banish your dotage; banish usury,

That makes the senate ugly.

First Senator

If, after two days’ shine, Athens contain thee,

Attend our weightier judgment. And, not to swell

our spirit,

He shall be executed presently.

Exeunt Senators”

“…Banishment!

It comes not ill; I hate not to be banish’d;

It is a cause worthy my spleen and fury,

That I may strike at Athens. I’ll cheer up

My discontented troops, and lay for hearts.

‘Tis honour with most lands to be at odds;

Soldiers should brook as little wrongs as gods.

Exit”

SCENE VI. The same. A banqueting-room in Timon’s house.

Enter TIMON and Attendants

TIMON

With all my heart, gentlemen both; and how fare you?

First Lord

Ever at the best, hearing well of your lordship.”

“…Gentlemen, our dinner will not

recompense this long stay: feast your ears with the

music awhile, if they will fare so harshly o’ the

trumpet’s sound; we shall to ‘t presently.”

Second Lord

My most honourable lord, I am e’en sick of shame,

that, when your lordship this other day sent to me,

I was so unfortunate a beggar.

TIMON

Think not on ‘t, sir.

Second Lord

If you had sent but two hours before,–

TIMON

Let it not cumber your better remembrance.

The banquet brought in”

Third Lord

Alcibiades is banished: hear you of it?

First Lord, Second Lord

Alcibiades banished!

Third Lord

‘Tis so, be sure of it.

First Lord

How! how!

Second Lord

I pray you, upon what?

TIMON

My worthy friends, will you draw near?

Third Lord

I’ll tell you more anon. Here’s a noble feast toward.

Second Lord

This is the old man still.

Third Lord

Will ‘t hold? will ‘t hold?

Second Lord

It does: but time will–and so–

Third Lord

I do conceive.

TIMON

Each man to his stool, with that spur as he would to

the lip of his mistress: your diet shall be in all

places alike. Make not a city feast of it, to let

the meat cool ere we can agree upon the first place:

sit, sit. The gods require our thanks.

You great benefactors, sprinkle our society with

thankfulness. For your own gifts, make yourselves

praised: but reserve still to give, lest your

deities be despised. Lend to each man enough, that

one need not lend to another; for, were your

godheads to borrow of men, men would forsake the

gods. Make the meat be beloved more than the man

that gives it. Let no assembly of twenty be without

a score of villains: if there sit twelve women at

the table, let a dozen of them be–as they are. The

rest of your fees, O gods–the senators of Athens,

together with the common lag of people–what is

amiss in them, you gods, make suitable for

destruction. For these my present friends, as they

are to me nothing, so in nothing bless them, and to

nothing are they welcome.

Uncover, dogs, and lap.

The dishes are uncovered and seen to be full of warm water”

Some Speak

What does his lordship mean?

Some Others

I know not.

TIMON

May you a better feast never behold,

You knot of mouth-friends I smoke and lukewarm water

Is your perfection. This is Timon’s last;

Who, stuck and spangled with your flatteries,

Washes it off, and sprinkles in your faces

Your reeking villany.

Throwing the water in their faces

Live loathed and long,

Most smiling, smooth, detested parasites,

Courteous destroyers, affable wolves, meek bears,

You fools of fortune, trencher-friends, time’s flies,

Cap and knee slaves, vapours, and minute-jacks!

Of man and beast the infinite malady

Crust you quite o’er! What, dost thou go?

Soft! take thy physic first–thou too–and thou;–

Stay, I will lend thee money, borrow none.

Throws the dishes at them, and drives them out

What, all in motion? Henceforth be no feast,

Whereat a villain’s not a welcome guest.

Burn, house! sink, Athens! henceforth hated be

Of Timon man and all humanity!

Exit”

First Lord

He’s but a mad lord, and nought but humour sways him.

He gave me a jewel th’ other day, and now he has

beat it out of my hat: did you see my jewel?

Third Lord

Did you see my cap?

Second Lord

Here ‘tis.

Fourth Lord

Here lies my gown.

First Lord

Let’s make no stay.

Second Lord

Lord Timon’s mad.

Third Lord

I feel ‘t upon my bones.

Fourth Lord

One day he gives us diamonds, next day stones.

Exeunt”

ACT IV

SCENE I. Without the walls of Athens.

Enter TIMON

TIMON

Let me look back upon thee. O thou wall,

That girdlest in those wolves, dive in the earth,

And fence not Athens! Matrons, turn incontinent!

Obedience fail in children! slaves and fools,

Pluck the grave wrinkled senate from the bench,

And minister in their steads! to general filths

Convert o’ the instant, green virginity,

Do ‘t in your parents’ eyes! bankrupts, hold fast;

Rather than render back, out with your knives,

And cut your trusters’ throats! bound servants, steal!

Large-handed robbers your grave masters are,

And pill by law. Maid, to thy master’s bed;

Thy mistress is o’ the brothel! Son of sixteen,

pluck the lined crutch from thy old limping sire,

With it beat out his brains! Piety, and fear,

Religion to the gods, peace, justice, truth,

Domestic awe, night-rest, and neighbourhood,

Instruction, manners, mysteries, and trades,

Degrees, observances, customs, and laws,

Decline to your confounding contraries,

And let confusion live! Plagues, incident to men,

Your potent and infectious fevers heap

On Athens, ripe for stroke! Thou cold sciatica,

Cripple our senators, that their limbs may halt

As lamely as their manners. Lust and liberty

Creep in the minds and marrows of our youth,

That ‘gainst the stream of virtue they may strive,

And drown themselves in riot! Itches, blains,

Sow all the Athenian bosoms; and their crop

Be general leprosy! Breath infect breath,

at their society, as their friendship, may

merely poison! Nothing I’ll bear from thee,

But nakedness, thou detestable town!

Take thou that too, with multiplying bans!

Timon will to the woods; where he shall find

The unkindest beast more kinder than mankind.

The gods confound–hear me, you good gods all–

The Athenians both within and out that wall!

And grant, as Timon grows, his hate may grow

To the whole race of mankind, high and low! Amen.”

SCENE II. Athens. A room in Timon’s house.

First Servant

Hear you, master steward, where’s our master?

Are we undone? cast off? nothing remaining?

FLAVIUS

Alack, my fellows, what should I say to you?

Let me be recorded by the righteous gods,

I am as poor as you.”

Enter other Servants

FLAVIUS

All broken implements of a ruin’d house.

Third Servant

Yet do our hearts wear Timon’s livery;

That see I by our faces; we are fellows still,

Serving alike in sorrow: leak’d is our bark,

And we, poor mates, stand on the dying deck,

Hearing the surges threat: we must all part

Into this sea of air.”

O, the fierce wretchedness that glory brings us!

Who would not wish to be from wealth exempt,

Since riches point to misery and contempt?

Who would be so mock’d with glory? or to live

But in a dream of friendship?

To have his pomp and all what state compounds

But only painted, like his varnish’d friends?

(…)

I’ll follow and inquire him out:

I’ll ever serve his mind with my best will;

Whilst I have gold, I’ll be his steward still.”

SCENE III. Woods and cave, near the seashore.

The senator shall bear contempt hereditary,

The beggar native honour.

It is the pasture lards the rother’s sides,

The want that makes him lean. Who dares, who dares,

In purity of manhood stand upright,

And say ‘This man’s a flatterer?’ if one be,

So are they all; for every grise of fortune

Is smooth’d by that below: the learned pate

Ducks to the golden fool: all is oblique;

There’s nothing level in our cursed natures,

But direct villany. Therefore, be abhorr’d

All feasts, societies, and throngs of men!”

Ha, you gods! why this? what this, you gods? Why, this

Will lug your priests and servants from your sides,

Pluck stout men’s pillows from below their heads:

This yellow slave

Will knit and break religions, bless the accursed,

Make the hoar leprosy adored, place thieves

And give them title, knee and approbation

With senators on the bench: this is it

That makes the wappen’d widow wed again;

She, whom the spital-house and ulcerous sores

Would cast the gorge at, this embalms and spices

To the April day again. Come, damned earth,

Thou common whore of mankind, that put’st odds

Among the route of nations, I will make thee

Do thy right nature.”

ALCIBIADES

What art thou there? speak.

TIMON

A beast, as thou art. The canker gnaw thy heart,

For showing me again the eyes of man!

ALCIBIADES

What is thy name? Is man so hateful to thee,

That art thyself a man?

TIMON

I am Misanthropos, and hate mankind.

For thy part, I do wish thou wert a dog,

That I might love thee something.”

Religious canons, civil laws are cruel;

Then what should war be? This fell whore of thine

Hath in her more destruction than thy sword,

For all her cherubim look.

PHRYNIA

Thy lips rot off!

TIMON

I will not kiss thee; then the rot returns

To thine own lips again.

ALCIBIADES

How came the noble Timon to this change?

TIMON

As the moon does, by wanting light to give:

But then renew I could not, like the moon;

There were no suns to borrow of.

ALCIBIADES

Noble Timon,

What friendship may I do thee?

TIMON

None, but to

Maintain my opinion.

ALCIBIADES

What is it, Timon?

TIMON

Promise me friendship, but perform none: if thou

wilt not promise, the gods plague thee, for thou art

a man! if thou dost perform, confound thee, for

thou art a man!

ALCIBIADES

I have heard in some sort of thy miseries.

TIMON

Thou saw’st them, when I had prosperity.

ALCIBIADES

I see them now; then was a blessed time.

TIMON

As thine is now, held with a brace of harlots.

TIMANDRA

Is this the Athenian minion, whom the world

Voiced so regardfully?

TIMON

Art thou Timandra?

TIMANDRA

Yes.

TIMON

Be a whore still: they love thee not that use thee;

Give them diseases, leaving with thee their lust.

Make use of thy salt hours: season the slaves

For tubs and baths; bring down rose-cheeked youth

To the tub-fast and the diet.”

TIMON

I prithee, beat thy drum, and get thee gone.

ALCIBIADES

I am thy friend, and pity thee, dear Timon.

TIMON

How dost thou pity him whom thou dost trouble?

I had rather be alone.

ALCIBIADES

Why, fare thee well:

Here is some gold for thee.

TIMON

Keep it, I cannot eat it.

ALCIBIADES

When I have laid proud Athens on a heap,–

TIMON

Warr’st thou ‘gainst Athens?

ALCIBIADES

Ay, Timon, and have cause.

TIMON

The gods confound them all in thy conquest;

And thee after, when thou hast conquer’d!

ALCIBIADES

Why me, Timon?

TIMON

That, by killing of villains,

Thou wast born to conquer my country.

Put up thy gold: go on,–here’s gold,–go on;

Be as a planetary plague, when Jove

Will o’er some high-viced city hang his poison

In the sick air: let not thy sword skip one:

Pity not honour’d age for his white beard;

He is an usurer: strike me the counterfeit matron;

It is her habit only that is honest,

Herself’s a bawd: let not the virgin’s cheek

Make soft thy trenchant sword; for those milk-paps,

That through the window-bars bore at men’s eyes,

Are not within the leaf of pity writ,

But set them down horrible traitors: spare not the babe,

Whose dimpled smiles from fools exhaust their mercy;

Think it a bastard, whom the oracle

Hath doubtfully pronounced thy throat shall cut,

And mince it sans remorse: swear against objects;

Put armour on thine ears and on thine eyes;

Whose proof, nor yells of mothers, maids, nor babes,

Nor sight of priests in holy vestments bleeding,

Shall pierce a jot. There’s gold to pay soldiers:

Make large confusion; and, thy fury spent,

Confounded be thyself! Speak not, be gone.

ALCIBIADES

Hast thou gold yet? I’ll take the gold thou

givest me,

Not all thy counsel.

TIMON

Dost thou, or dost thou not, heaven’s curse

upon thee!

PHRYNIA TIMANDRA

Give us some gold, good Timon: hast thou more?”

“…Hold up, you sluts,

Your aprons mountant: you are not oathable,

Although, I know, you ‘ll swear, terribly swear

Into strong shudders and to heavenly agues

The immortal gods that hear you,–spare your oaths,

I’ll trust to your conditions: be whores still;

And he whose pious breath seeks to convert you,

Be strong in whore, allure him, burn him up;

Let your close fire predominate his smoke,

And be no turncoats: yet may your pains, six months,

Be quite contrary: and thatch your poor thin roofs

With burthens of the dead;–some that were hang’d,

No matter:–wear them, betray with them: whore still;

Paint till a horse may mire upon your face,

A pox of wrinkles!”

“…Crack the lawyer’s voice,

That he may never more false title plead,

Nor sound his quillets shrilly: hoar the flamen,

That scolds against the quality of flesh,

And not believes himself: down with the nose,

Down with it flat; take the bridge quite away

Of him that, his particular to foresee,

Smells from the general weal: make curl’d-pate

ruffians bald”

That your activity may defeat and quell

The source of all erection. There’s more gold:

Do you damn others, and let this damn you,

And ditches grave you all!

PHRYNIA, TIMANDRA

More counsel with more money, bounteous Timon.

TIMON

More whore, more mischief first; I have given you earnest.”

ALCIBIADES

(…)

If I thrive well, I’ll visit thee again.

TIMON

If I hope well, I’ll never see thee more.

ALCIBIADES

I never did thee harm.

TIMON

Yes, thou spokest well of me.

ALCIBIADES

Call’st thou that harm?

TIMON

Men daily find it. Get thee away, and take

Thy beagles with thee.

ALCIBIADES

We but offend him. Strike!”

Go great with tigers, dragons, wolves, and bears;

Teem with new monsters, whom thy upward face

Hath to the marbled mansion all above

Never presented!–O, a root,–dear thanks!–

Dry up thy marrows, vines, and plough-torn leas;

Whereof ungrateful man, with liquorish draughts

And morsels unctuous, greases his pure mind,

That from it all consideration slips!

Enter APEMANTUS

More man? plague, plague!

APEMANTUS

I was directed hither: men report

Thou dost affect my manners, and dost use them.

TIMON

‘Tis, then, because thou dost not keep a dog,

Whom I would imitate: consumption catch thee!”

Thy flatterers yet wear silk, drink wine, lie soft;

Hug their diseased perfumes, and have forgot

That ever Timon was. Shame not these woods,

By putting on the cunning of a carper.

Be thou a flatterer now, and seek to thrive

By that which has undone thee: hinge thy knee,

And let his very breath, whom thou’lt observe,

Blow off thy cap; praise his most vicious strain,

And call it excellent: thou wast told thus;

Thou gavest thine ears like tapsters that bid welcome

To knaves and all approachers: ‘tis most just

That thou turn rascal; hadst thou wealth again,

Rascals should have ‘t. Do not assume my likeness.”

A madman so long, now a fool. What, think’st

That the bleak air, thy boisterous chamberlain,

Will put thy shirt on warm? will these moss’d trees,

That have outlived the eagle, page thy heels,

And skip where thou point’st out? will the

cold brook,

Candied with ice, caudle thy morning taste,

To cure thy o’er-night’s surfeit? Call the creatures

Whose naked natures live in an the spite

Of wreakful heaven, whose bare unhoused trunks,

To the conflicting elements exposed,

Answer mere nature; bid them flatter thee;

O, thou shalt find–

TIMON

A fool of thee: depart.

APEMANTUS

I love thee better now than e’er I did.

TIMON

I hate thee worse.

APEMANTUS

Why?

TIMON

Thou flatter’st misery.

APEMANTUS

I flatter not; but say thou art a caitiff.

TIMON

Why dost thou seek me out?

APEMANTUS

To vex thee.

TIMON

Always a villain’s office or a fool’s.

Dost please thyself in’t?

APEMANTUS

Ay.

TIMON

What! a knave too?

APEMANTUS

If thou didst put this sour-cold habit on

To castigate thy pride, ‘twere well: but thou

Dost it enforcedly; thou’ldst courtier be again,

Wert thou not beggar. Willing misery

Outlives encertain pomp, is crown’d before:

The one is filling still, never complete;

The other, at high wish: best state, contentless,

Hath a distracted and most wretched being,

Worse than the worst, content.

Thou shouldst desire to die, being miserable.”

“…But myself,

Who had the world as my confectionary,

The mouths, the tongues, the eyes and hearts of men

At duty, more than I could frame employment,

That numberless upon me stuck as leaves

Do on the oak, hive with one winter’s brush

Fell from their boughs and left me open, bare

For every storm that blows: I, to bear this,

That never knew but better, is some burden:

Thy nature did commence in sufferance, time

Hath made thee hard in’t. Why shouldst thou hate men?

They never flatter’d thee: what hast thou given?

If thou wilt curse, thy father, that poor rag,

Must be thy subject, who in spite put stuff

To some she beggar and compounded thee

Poor rogue hereditary. Hence, be gone!

If thou hadst not been born the worst of men,

Thou hadst been a knave and flatterer.”

That the whole life of Athens were in this!

Thus would I eat it.

Eating a root”

APEMANTUS

What wouldst thou have to Athens?

TIMON

Thee thither in a whirlwind. If thou wilt,

Tell them there I have gold; look, so I have.

APEMANTUS

Here is no use for gold.

TIMON

The best and truest;

For here it sleeps, and does no hired harm.

APEMANTUS

Where liest o’ nights, Timon?

TIMON

Under that’s above me.

Where feed’st thou o’ days, Apemantus?

APEMANTUS

Where my stomach finds meat; or, rather, where I eat

it.

TIMON

Would poison were obedient and knew my mind!

APEMANTUS

Where wouldst thou send it?

TIMON

To sauce thy dishes.

APEMANTUS

The middle of humanity thou never knewest, but the

extremity of both ends: when thou wast in thy gilt

and thy perfume, they mocked thee for too much

curiosity; in thy rags thou knowest none, but art

despised for the contrary. There’s a medlar for

thee, eat it.

TIMON

On what I hate I feed not.

APEMANTUS

Dost hate a medlar?

TIMON

Ay, though it look like thee.

APEMANTUS

An thou hadst hated meddlers sooner, thou shouldst

have loved thyself better now. What man didst thou

ever know unthrift that was beloved after his means?”

APEMANTUS

What things in the world canst thou nearest compare

to thy flatterers?

TIMON

Women nearest; but men, men are the things

themselves. What wouldst thou do with the world,

Apemantus, if it lay in thy power?

APEMANTUS

Give it the beasts, to be rid of the men.”

TIMON

A beastly ambition, which the gods grant thee t’

attain to! If thou wert the lion, the fox would

beguile thee; if thou wert the lamb, the fox would

eat three: if thou wert the fox, the lion would

suspect thee, when peradventure thou wert accused by

the ass: if thou wert the ass, thy dulness would

torment thee, and still thou livedst but as a

breakfast to the wolf: if thou wert the wolf, thy

greediness would afflict thee, and oft thou shouldst

hazard thy life for thy dinner: wert thou the

unicorn, pride and wrath would confound thee and

make thine own self the conquest of thy fury: wert

thou a bear, thou wouldst be killed by the horse:

wert thou a horse, thou wouldst be seized by the

leopard: wert thou a leopard, thou wert german to

the lion and the spots of thy kindred were jurors on

thy life: all thy safety were remotion and thy

defence absence. What beast couldst thou be, that

were not subject to a beast? and what a beast art

thou already, that seest not thy loss in

transformation!

APEMANTUS

If thou couldst please me with speaking to me, thou

mightst have hit upon it here: the commonwealth of

Athens is become a forest of beasts.

TIMON

How has the ass broke the wall, that thou art out of the city?

APEMANTUS

Yonder comes a poet and a painter: the plague of

company light upon thee! I will fear to catch it

and give way: when I know not what else to do, I’ll

see thee again.

TIMON

When there is nothing living but thee, thou shalt be

welcome. I had rather be a beggar’s dog than Apemantus.”

TIMON

Would thou wert clean enough to spit upon!

APEMANTUS

A plague on thee! thou art too bad to curse.

TIMON

All villains that do stand by thee are pure.

APEMANTUS

There is no leprosy but what thou speak’st.

TIMON

If I name thee.

I’ll beat thee, but I should infect my hands.

APEMANTUS

I would my tongue could rot them off!

TIMON

Away, thou issue of a mangy dog!

Choler does kill me that thou art alive;

I swound to see thee.

APEMANTUS

Would thou wouldst burst!

TIMON

Away,

Thou tedious rogue! I am sorry I shall lose

A stone by thee.

Throws a stone at him

APEMANTUS

Beast!

TIMON

Slave!

APEMANTUS

Toad!

TIMON

Rogue, rogue, rogue!

I am sick of this false world, and will love nought

But even the mere necessities upon ‘t.

Then, Timon, presently prepare thy grave;

Lie where the light foam the sea may beat

Thy grave-stone daily: make thine epitaph,

That death in me at others’ lives may laugh.”

APEMANTUS

Live, and love thy misery.

TIMON

Long live so, and so die.

Exit APEMANTUS

I am quit.

Moe things like men! Eat, Timon, and abhor them.

Enter Banditti

First Bandit

Where should he have this gold? It is some poor

fragment, some slender sort of his remainder: the

mere want of gold, and the falling-from of his

friends, drove him into this melancholy.”

Banditti

Save thee, Timon.

TIMON

Now, thieves?

Banditti

Soldiers, not thieves.

TIMON

Both too; and women’s sons.

Banditti

We are not thieves, but men that much do want.”

First Bandit

We cannot live on grass, on berries, water,

As beasts and birds and fishes.

TIMON

Nor on the beasts themselves, the birds, and fishes;

You must eat men. Yet thanks I must you con

That you are thieves profess’d, that you work not

In holier shapes: for there is boundless theft

In limited professions. Rascal thieves,

Here’s gold. Go, suck the subtle blood o’ the grape,

Till the high fever seethe your blood to froth,

And so ‘scape hanging: trust not the physician;

His antidotes are poison, and he slays

Moe than you rob: take wealth and lives together;

Do villany, do, since you protest to do’t,

Like workmen. I’ll example you with thievery.

The sun’s a thief, and with his great attraction

Robs the vast sea: the moon’s an arrant thief,

And her pale fire she snatches from the sun:

The sea’s a thief, whose liquid surge resolves

The moon into salt tears: the earth’s a thief,

That feeds and breeds by a composture stolen

From general excrement: each thing’s a thief:

The laws, your curb and whip, in their rough power

Have uncheque’d theft. Love not yourselves: away,

Rob one another. There’s more gold. Cut throats:

All that you meet are thieves: to Athens go,

Break open shops; nothing can you steal,

But thieves do lose it: steal no less for this

I give you; and gold confound you howsoe’er! Amen.”

What an alteration of honour

Has desperate want made!

What viler thing upon the earth than friends

Who can bring noblest minds to basest ends!

How rarely does it meet with this time’s guise,

When man was wish’d to love his enemies!

Grant I may ever love, and rather woo

Those that would mischief me than those that do!

Has caught me in his eye: I will present

My honest grief unto him; and, as my lord,

Still serve him with my life. My dearest master!

TIMON

Away! what art thou?

FLAVIUS

Have you forgot me, sir?”

I never had honest man about me, I; all

I kept were knaves, to serve in meat to villains.

FLAVIUS

The gods are witness,

Ne’er did poor steward wear a truer grief

For his undone lord than mine eyes for you.”

TIMON

What, dost thou weep? Come nearer. Then I

love thee,

Because thou art a woman, and disclaim’st

Flinty mankind; whose eyes do never give

But thorough lust and laughter. Pity’s sleeping:

Strange times, that weep with laughing, not with weeping!”

TIMON

Had I a steward

So true, so just, and now so comfortable?

It almost turns my dangerous nature mild.

Let me behold thy face. Surely, this man

Was born of woman.

Forgive my general and exceptless rashness,

You perpetual-sober gods! I do proclaim

One honest man–mistake me not–but one;

No more, I pray,–and he’s a steward.

How fain would I have hated all mankind!

And thou redeem’st thyself: but all, save thee,

I fell with curses.

Methinks thou art more honest now than wise;

For, by oppressing and betraying me,

Thou mightst have sooner got another service:

For many so arrive at second masters,

Upon their first lord’s neck. But tell me true–

For I must ever doubt, though ne’er so sure–

Is not thy kindness subtle, covetous,

If not a usuring kindness, and, as rich men deal gifts,

Expecting in return twenty for one?”

That which I show, heaven knows, is merely love,

Duty and zeal to your unmatched mind,

Care of your food and living; and, believe it,

My most honour’d lord,

For any benefit that points to me,

Either in hope or present, I’ld exchange

For this one wish, that you had power and wealth

To requite me, by making rich yourself.

TIMON

Look thee, ‘tis so! Thou singly honest man,

Here, take: the gods out of my misery

Have sent thee treasure. Go, live rich and happy;

But thus condition’d: thou shalt build from men;

Hate all, curse all, show charity to none,

But let the famish’d flesh slide from the bone,

Ere thou relieve the beggar; give to dogs

What thou deny’st to men; let prisons swallow ‘em,

Debts wither ‘em to nothing; be men like

blasted woods,

And may diseases lick up their false bloods!

And so farewell and thrive.”

ACT V

SCENE I. The woods. Before Timon’s cave.

Painter

Good as the best. Promising is the very air o’ the

time: it opens the eyes of expectation:

performance is ever the duller for his act; and,

but in the plainer and simpler kind of people, the

deed of saying is quite out of use. To promise is

most courtly and fashionable: performance is a kind

of will or testament which argues a great sickness

in his judgment that makes it.”

First Senator

O, forget

What we are sorry for ourselves in thee.

The senators with one consent of love

Entreat thee back to Athens; who have thought

On special dignities, which vacant lie

For thy best use and wearing.

Second Senator

They confess

Toward thee forgetfulness too general, gross:

Which now the public body, which doth seldom

Play the recanter, feeling in itself

A lack of Timon’s aid, hath sense withal

Of its own fail, restraining aid to Timon;

And send forth us, to make their sorrow’d render,

Together with a recompense more fruitful

Than their offence can weigh down by the dram;

Ay, even such heaps and sums of love and wealth

As shall to thee blot out what wrongs were theirs

And write in thee the figures of their love,

Ever to read them thine.”

TIMON

Well, sir, I will; therefore, I will, sir; thus:

If Alcibiades kill my countrymen,

Let Alcibiades know this of Timon,

That Timon cares not. But if be sack fair Athens,

And take our goodly aged men by the beards,

Giving our holy virgins to the stain

Of contumelious, beastly, mad-brain’d war,

Then let him know, and tell him Timon speaks it,

In pity of our aged and our youth,

I cannot choose but tell him, that I care not,

And let him take’t at worst; for their knives care not,

While you have throats to answer: for myself,

There’s not a whittle in the unruly camp

But I do prize it at my love before

The reverend’st throat in Athens. So I leave you

To the protection of the prosperous gods,

As thieves to keepers.

FLAVIUS

Stay not, all’s in vain.”

TIMON

I have a tree, which grows here in my close,

That mine own use invites me to cut down,

And shortly must I fell it: tell my friends,

Tell Athens, in the sequence of degree

From high to low throughout, that whoso please

To stop affliction, let him take his haste,

Come hither, ere my tree hath felt the axe,

And hang himself. I pray you, do my greeting.”

TIMON

Come not to me again: but say to Athens,

Timon hath made his everlasting mansion

Upon the beached verge of the salt flood;

Who once a day with his embossed froth

The turbulent surge shall cover: thither come,

And let my grave-stone be your oracle.

Lips, let sour words go by and language end:

What is amiss plague and infection mend!

Graves only be men’s works and death their gain!

Sun, hide thy beams! Timon hath done his reign.

Retires to his cave”

SCENE II. Before the walls of Athens.

.

.

.

SCENE III. The woods. Timon’s cave, and a rude tomb seen.

Soldier

(…)

Timon is dead, who hath outstretch’d his span:

Some beast rear’d this; there does not live a man.

Dead, sure; and this his grave. What’s on this tomb

I cannot read; the character I’ll take with wax:

Our captain hath in every figure skill,

An aged interpreter, though young in days:

Before proud Athens he’s set down by this,

Whose fall the mark of his ambition is.

Exit”

SCENE IV. Before the walls of Athens.

First Senator

All have not offended;

For those that were, it is not square to take

On those that are, revenges: crimes, like lands,

Are not inherited. Then, dear countryman,

Bring in thy ranks, but leave without thy rage:

Spare thy Athenian cradle and those kin

Which in the bluster of thy wrath must fall

With those that have offended: like a shepherd,

Approach the fold and cull the infected forth,

But kill not all together.”

Second Senator

Throw thy glove,

Or any token of thine honour else,

That thou wilt use the wars as thy redress

And not as our confusion, all thy powers

Shall make their harbour in our town, till we

Have seal’d thy full desire.

ALCIBIADES

Then there’s my glove;

Descend, and open your uncharged ports:

Those enemies of Timon’s and mine own

Whom you yourselves shall set out for reproof

Fall and no more: and, to atone your fears

With my more noble meaning, not a man

Shall pass his quarter, or offend the stream

Of regular justice in your city’s bounds,

But shall be render’d to your public laws

At heaviest answer.

Both

‘Tis most nobly spoken.

ALCIBIADES

Descend, and keep your words.

The Senators descend, and open the gates

Enter Soldier

Soldier

My noble general, Timon is dead;

Entomb’d upon the very hem o’ the sea;

And on his grave-stone this insculpture, which

With wax I brought away, whose soft impression

Interprets for my poor ignorance.

ALCIBIADES

[Reads the epitaph] ‘Here lies a

wretched corse, of wretched soul bereft:

Seek not my name: a plague consume you wicked

caitiffs left!

Here lie I, Timon; who, alive, all living men did hate:

Pass by and curse thy fill, but pass and stay

not here thy gait.’

(…) Dead

Is noble Timon: of whose memory

Hereafter more. Bring me into your city,

And I will use the olive with my sword,

Make war breed peace, make peace stint war, make each

Prescribe to other as each other’s leech.

Let our drums strike.

Exeunt

The End”

S&S EM 3 ATOS

SIMULACROS & SIMULAÇÃO 1.0

Jean Baudrillard – Ed. Relógio D’Água, omite-se o tradutor.

subtítulo imaginário:

A TROCAÇÃO SIMBÓLICA E A MORTE – DO LUTADOR DE M&MA

HISTÓRIA

P. 17: “a pretexto de preservar o original, se proíbe o acesso de visitantes às grutas de Lascaux [aí lascô], mas que se construiu a réplica exata a 500m de distância, para que todos possam vê-las (dá-se uma olhadela à gruta autêntica pelo postigo e depois visita-se o todo reconstruído).”

toda a ciência e a técnica se mobilizaram recentemente para salvar a múmia de Ramsés II, depois de a terem deixado apodrecer durante algumas dezenas de anos no fundo de um museu. O Ocidente foi tomado de pânico, perante a idéia de não poder salvar o que a ordem simbólica tinha sabido conservar durante 40 séculos, mas longe do olhar e da luz. Ramsés não significa nada para nós, apenas a múmia é de um valor incalculável, pois é ela que garante que a acumulação tem um sentido.” “Estamos fascinados com Ramsés como os cristãos da Renascença estavam com os índios da América, esses seres (humanos?) que nunca tinham conhecido a palavra de Cristo.” “Então das 2 1: ou se admitia que essa lei não era universal ou se exterminavam os índios para apagar as provas. (…) Deste modo terá bastado exumar Ramsés para o exterminar ao museificar”

COMUNISMO

a esquerda dá muito bem conta de si própria e faz espontaneamente o trabalho da direita.”

Todas as hipóteses de manipulação são reversíveis num torniquete sem fim.”

Makarius, A estratégia da catástrofe (em francês)

Com o esgotamento da esfera política, o presidente torna-se cada vez mais parecido com esse manequim de poder que é o chefe nas sociedades primitivas (Clastres).”

Por uma ironia é da morte do social que surgirá o socialismo, como é da morte de Deus que surgem as religiões.” Deus morreu, e finalmente obedeceu-o o judeu.

Acabou o valor de uso ou o prestígio do automóvel (use menos gasolina, cuide da sua segurança, ultrapassou a velocidade, etc.), ao qual as características dos automóveis fingem adaptar-se. É pelo mesmo deslizar do <direito> de voto para <dever> eleitoral que se assinala o desinvestimento da esfera política.” Ter carro é uma boa idéia, o ruim é ter o carro!

Pp. 51-2: “Que sentido teve esta guerra, e a sua evolução não terá sido a de consolidar o fim da história no acontecimento histórico fulminante e decisivo da nossa época? Por que motivo esta guerra tão dura, tão longa, tão feroz, se dissipou de um dia para o outro como por encanto? Por que esta derrota americana (o maior revés da história dos EUA) não teve qualquer repercussão interna na América? (…) Nada aconteceu.” “normalização das relações Pequim-Washington: era isso a questão fulcral da guerra do Veitname e os EUA abandonaram o Veit. mas ganharam a guerra.”

Desassinei CartaCapital e nada mudou…

Os comunistas atacam os socialistas como se quisessem quebrar a união da esquerda. Dão crédito à idéia de que estas resistências viriam de uma exigência política mais radical. De fato, é porque não querem o poder. [Paradigma PCO] Mas não o querem nesta conjuntura, desfavorável para a esquerda em geral, ou desfavorável para eles no interior da União da Esquerda – ou já não o querem por definição? Quando Berlinguer declara: <Não há que ter medo de ver os comunistas tomar o poder na Itália>, isto significa ao mesmo tempo:

  • que não há que ter medo porque os comunistas, se chegarem ao poder, não mudarão nada ao seu mecanismo capitalista fundamental;

  • que não existe qualquer risco de eles alguma vez chegarem ao poder (pela razão de eles não o quererem);

  • e mesmo se o alcançarem nunca farão mais que exercê-lo por procuração;

  • que, de fato, o poder, o verdadeiro poder, já não existe e portanto não há qualquer risco de que alguém o tome ou o retome;

  • mais ainda: eu, Berlinguer, não tenho medo de ver os comunistas tomar o poder na Itália – o que pode parecer evidente mas não tanto como isso já que

  • isso pode querer dizer o contrário (não é preciso psicanálise para tal): tenho medo de ver os comunistas tomar o poder (e existem boas razões para isso, mesmo para um comunista).

Tudo isto é verdade simultaneamente. (…)

E esta lógica não é nem de um partido nem de outro. Ela atravessa todos os discursos independentemente da sua vontade.”

só o capital goza, dizia Lyotard, antes de pensar a partir de agora que nós gozamos no capital.”

O poder pode encarnar a sua própria morte para reencontrar um vislumbre de existência: os Kennedy morriam por terem ainda uma dimensão política. Os outros, Johnson, Nixon, Ford, não tiveram direito senão a atentados-fantoches, a assassínios simulados.”

CINEMA

#semiofftopic Chinatown, Os Três Dias do Condor (Three Days of The Condor), Barry Lyndon, 1900, Os Homens do Presidente (All The President’s Man), Last Picture Show, China Syndrome, “Mulholland Drive, the masterpiece of David Lynch”, Dr. Mabuse (jetrotal), Nosferatu, Nashville.

RESCALDO DAS RECOMENDAÇÕES:

Guépard [The Leopard] (1); Senso [Sedução da Carne] (2).

(1) retrato da aristocracia decadente;

(2) quando affairs internacionais afetam na política interna.

Diretor: Visconti, Luchino

Filme relacionado: Sunset Boulevard (Crepúsculo dos Deuses) (1950)

Fala-se de voltar a fazer filmes mudos, melhores, sem dúvida também eles que os da época. Ergue-se uma geração de filmes que são, para os que conhecemos, o que o andróide é para o homem: artefatos maravilhosos, sem falhas, simulacros geniais aos quais não falta senão o imaginário, e esta alucinação própria que faz o cinema. A maior parte dos que vemos hoje [1980!] (os melhores) são já dessa categoria. Barry Lindon é o melhor exemplo: nunca se fez melhor, nunca se fará melhor… em quê?”

Prazer cool, frio, nem sequer estético no sentido rigoroso do termo: prazer funcional, prazer equacional, prazer de maquinação.”

Em Visconti há sentido, história, uma retórica sensual, tempos mortos, um jogo apaixonado, não só nos conteúdos históricos mas na encenação. Nada disto em Kubrick, que manobra o seu filme como um jogo de xadrez, que faz da história um cenário operacional.”

Já desconfiava da notoriedade sobre-comum de Sergio Leone

O cinema plagia-se, recopia-se, refaz os seus clássicos, retroativa os mitos originais, refaz o mudo mais perfeito que o mudo de origem, etc.: tudo isto é lógico, o cinema está fascinado consigo próprio como objeto perdido, tal como está (e nós estamos) fascinado(s) pelo real como real em dissipação.”

A “economicidade” do discurso é, então, boa? – Prof. Marco Aurélio, CEUB

HOLOCAUSTO

A televisão. Verdadeira solução final para a historicidade de todo o acontecimento. O esquecimento, o aniquilamento alcança assim, por fim, a sua dimensão estética (…) a partir de agora <toda a gente sabe>, toda a gente vibrou e choramingou perante a exterminação – indício certo de que <isso> nunca mais ocorrerá. (…) não ocorrerá de fato nunca mais porque desde sempre tem vindo (…) E querem-nos fazer crer que a televisão vai levantar a hipoteca de Auschwitz fazendo irradiar uma tomada de consciência coletiva”

O RESTO

As pessoas têm vontade de tomar tudo, pilhar tudo, comer tudo, manipular tudo. Ver, decifrar, aprender não as afeta. (…) Nunca esperam esse fascínio ativo, destruidor, resposta brutal e original”

O próprio cenário da cidade subterrânea – versão chinesa [X-Men; Teenage Mutant] de enterro das estruturas – é ingênuo.”

Nós éramos uma cultura da violência libertadora (a racionalidade). (…) Uma outra violência completamente diferente que não sabemos analisar aparece hoje: violência implosiva “Esta violência é-nos ininteligível porque todo o nosso imaginário está centrado na lógica dos sistemas em expansão.” “Os sistemas estelares também não deixam de existir, uma vez dissipada sua energia de radiação” “Deve-se evitar tomar a implosão por um processo negativo, inerte, regressivo, como a língua no-lo impõe ao exaltar os termos opostos de evolução, de revolução. (…) O Maio de 68 foi sem dúvida uma primeira reação violenta à saturação social (…) de resto em contradição com a ideologia dos próprios participantes, que pensavam ir mais longe no domínio do social (…) esta implosão tem conseqüências mais sérias que a própria revolução.”

Talvez hoje notássemos a diferença entre os homens se todos andassem com uniformes iguais. Mas como estão, individualizados, são não as vestimentas, é lógico, mas a carne e o espírito todos iguais.

Un livre, ma oeuvre!, appellé « Provérbios de Cila ou Sentenças de Caribde », avec tous mes jeux de mots de ces derniers ans au blog!

Ninguém se suicida pelo passado vergonhoso que tem nas costas; mas pelo futuro vergonhoso que sabe que terá.

a pornografia é ficção hipertrofiada de sexo consumido na sua irrisão, para a sua irrisão, espetáculo coletivo da inanidade do sexo na sua assunção barroca”

Uma sociedade de que o sexo fosse banido e só houvesse clones de clones de clones da última geração de humanos nascidos sexuadamente.

ser filho de si próprio é ainda ser o filho de alguém”

O homem é o câncer do homem.

Ballard, Crash

Philip Dick, Simulacres

Spinrad, Jack Barron ou L’éternité

Brunner, Stand on Zanzibar

(póst. a este livro) Viviane Forrester, O horror econômico (~20% nos favoritos: google books)

P. 173: “Os animais não têm inconsciente, porque têm um território. Os homens não têm um inconsciente senão desde que já não têm território. O território e as metamorfoses foram-lhes tiradas ao mesmo tempo – o inconsciente é a estrutura individual de luto onde se volta a representar, sem cessar e sem esperança, esta perda – os animais são a sua nostalgia.” [negrito meu]

SOBRE BAUDRILLARD: Seria preciso uma 3ª perspectiva. A 1ª é ele mesmo; a 2ª a “wikipedianesca”: que ele é um pensamento datado, tão incorreto quanto as escolas anteriores e as próximas, pertencente aos pós-estruturalistas, como um quadrinho na sucessão imagética do gibi. E então… sejamos IMPARCIAIS? Eis que o câmbio engancha e trava na troca de march…ops!

Eu sou um dado de 6 lados e você só acessa uma face…

O ISMO DO TERROR

E em seguida virá o CAOSISMO

O ACASISMO

O CONTINGENCIALISMO

A violência teórica é o único recurso que nos resta.”

niilismo chapa branca como a névoa

um niilista na conferência da UnaSul

tudo vermelho

Lipovetski, A Era do Vazio

Sexo e morte são os dois grandes temas reconhecidos pela sua capacidade de desencadear a ambivalência e o riso. (…) por que nos rimos? Só nos rimos da reversibilidade das coisas, e o sexo e a morte são figuras eminentemente reversíveis.”

Todo o real é residual, e tudo o que é residual está destinado a repetir-se indefinidamente no fantasmal.”

Mas quando tudo é recalcado já nada o é. Não estamos longe desse ponto absoluto do recalcamento (…) ponto de saturação crítica (…) então as energias já não têm de ser libertadas, gastas, economizadas, produzidas: é o próprio conceito de energia que se volatilizará por si próprio. (…) É preciso levar ao consumo insensato da energia para lhe exterminar o conceito. É preciso chegar ao recalcamento máximo (…) Quando o último litro de energia tiver sido consumido (pelo último ecologista), quando o último indígena tiver sido analisado (pelo último etnólogo), (…) quando a última fantasia tiver sido elucidada pelo último analista (…) dar-nos-emos conta de que esta gigantesca espiral da energia e da produção é apenas uma metafísica do resto e será resolvida de repente”

S&S REVISITED CONTRA O HOMEM QUE CONTRARIOU A DIALÉTICA [entreato]

Simulacra & Stimulation

estimulaxante

I can’t retreat all this meat from my teeth.

Reluctant as though you(r) may be…

trance&dance

transe&dane-se

The east, at least.

viragem voraz

virose rosa as a rose

whip! zás-trás

la vie en… zéro

varo a noite vingada

da traição armada

inútil escapar da fenda

There in the sun a dead start,

cogumelo rosa venenoso de Hiroshimario

postumo póst-humor, pós-tumor

* * *

aos-cílios de cuscuzteio para a mulher mulamanca máquiada

com quiabo

et laquê

o’melet’e me be an egg!

Eu sou Bill Microsoft, ou Windows Gate? Todos os portões se abrem, mas um vírus entra em Tróia. Juíndous do Mundo MicroSolar. Ploft! Versão Final 0.0

O dia que o mais miserável banguela chinês será mais rico que todas as ações da Nike. Corre atrás do tênis!

sou dinâmica e velocidade tão puras que inerciam… Na vida do artista tudo é glacial e nunca muda.

O futuro do mundo é um grande Já(la)pão. Do mundo, i.e., deste mundo. Velho e negativo. Fraturado e sorridente; e, pensando bem, não há engraxates, e os sapatos permanecem limpos! Ah, deixa eu me esticar na minha quase-cama…

uh, a garota tem cílios

man também tem cílios

se eu não tivesse olhos eu não veria os cílios

os filhos das filhas

só o cego extirpa sua própria linhagemfamília

sou cego no sossego?

ou morcego das noites atribuladas sigo na agitação dos mares broncos?

rumo a novos continentes negrotons

trabalho demente do operário trabalho elementar do operário trabalho demente do elemento trabalho de mão de mente do erário demento ele mente

O capitalismo irá acabar quando eu todos os meus livros resolver queimar retardado a fazer elucubrações braçais embaraçosas

poços viçosos de muita angústia

preto poço do conhecimento

A fala é uma falta, a escrita é uma estria. A cirurgia foi um sucesso, a marca é atroz e produz orgulho, será mostrada e demonstrada para todo o sempre no corpo anti-perene do ser-sendo comendo e sendo comido devorado pelas próprias estrias magnetiquespirituais subliminares de primeira plana. Chama que arde poética sem cicatrizar nem ferir morais preexistentes e quentes.

Doidivanitas subsolus

O papel do dólar não deixa nunquinha de ser uma expressão assaz irônica!

O nada do papel & o papel do nada

a flutuação e afogamento das moedas veladas pelos fardas-pretas

* * *

SIMULACRA & SIMULATION (S&S 2.0)

Anotações de 31/01/16 a 14/10/16

Tradução inglesa de Sheila Faria Glaser – an effort to fulfill the trilogy of the 2015 Baudrillard&Deleuze-thematic posts on this blog! A linguistical and comparative work, also. Maria de Costa Pereira havia sido a tradutora portuguesa que lemos acima!

DIC:

shred: pedaço; rasgo; traço.

Overwhelming versatility of desire in Deleuze, an enigmatic reversal that brings desire ‘revolutionary in itself, and as if involuntarily, wanting what it wants’, to desire its own repression and to invest in paranoid and fascist systems? A malign torsion that returns this revolution of desire to the same fundamental ambiguity as the other, the historical revolution.”

this fable has now come full circle for us, and possesses nothing but the discrete charm of 2nd order simulacra.”

It is all of metaphysics that is lost.”

it is genetic miniaturization that is the dimension of simulation.” “The real no longer needs to be rational, because it no longer measures itself against either an ideal or negative instance.” “Never will again the real have the chance to produce itself” “the orbital recurrence of models and the simulated generation of differences.”

One can see that the iconoclasts, whom one accuses of disdaining and negating images, were those who accorded them their true value, in contrast to the iconolaters [who – oh! – arrive so late!] who only saw reflections in them and were content to venerate a filigree God.”

This was the approach of the Jesuits, who founded their politics on the virtual disappearance of God and on the worldly and spectacular manipulation of consciences – the evanescence of God in the epiphany of power – the end of transcendence.

Whereas representation attempts to absorb simulation by interpreting it as a false representation, simulation envelops the whole edifice of representation itself as a simulacrum.” “no longer a Last Judgement to separate the false from the true, the real from its artificial resurrection, as everything is already dead and resurrected in advance.”

Carlos Castaneda, The Teachings of Don Juan: A Yaqui Way of Knowledge & the 2 sequences…

They no longer walk, but they go jogging, etc.”

O conceito de eterno no que tem limite ou de contível ou contável no que na verdade não tem fim: transfinito. Conceito meramente pós-euclidiano?

Sinu-site não vai, vai no papel mesmo!

I lea(r)n (fr)on(n) you

FLÁVIO & OS ECO-CHATOS DO ÚLTIMO BARRIL DE PETRODÓLARES: “it is the social itself that is organized along the lines of a disaster-movie script.” Dois idiotas bebendo no bar.

TRANS-TRANSLATION

META-TRANS-ACTION

TRANS-ITO

TRANS-CADO EM CASA

UMA TRANSMA ELABORADA

Sou imanentossexual!

Saturno Toguro Sartori Saqueio fumo e trago anéis de Saturno. Disco platinado. Efeito foguesfumaçado mato italiano cópia do renasço.

the only weapon of power is to reinject the referential everywhere, to persuade us of the reality of the social, of the gravity of the economy and the finalities of production. To this end it prefers the discourse of crisis, but also, why not? that of desire. ‘Take your desires for reality!’ can be understood as the ultimate slogan of power since in a non-referential world even the confusion of the reality principle and the principle of desire is less dangerous than contagious and hyperreality [here we are now, entertain us].” Nothing is real but pain now… Donnez-moi mon pain. bagueta baqueta é a lights out of tie tá?! QUE DEDÊ! Sai, R.! Beleuze… Paraneud & eud. Para n’ode to victory zero.

Quem eu estou lendo mesmo??? “Capital was the first to play at deterrence (…) deterritorialization (…) exterminating all use value, all real equivalence of production and wealth (…) disastrous spiral”

Mansão Engendrar de Amigos Imaginados

What every society looks for in continuing to produce, and to overproduce, is to restore the real that escapes it.”

Maquinaquiavel

Quem procura a crise na verdade assume a roupagem da crise da procuração. Eu escrevo é para esquecer, se eu escrevesse para lembrar este blog seria mínimo. E bem polido.

in a society that cannot terminate its mourning.”

Madil Boo Rousseff

the new presidents are nothing but caricatures and fake film” Não há um segundo Collor, macaco marionete do poder. Oozaru de cauda cortada.

annual annulation

Nirvanaxon “Nixon arrived at the goal of power: to be taken seriously enough to be denounced, and liquidated.”

Ford is immunized by his impotence, which infuriates him.” which in fury eats him

Bill Clinton paga a conta do clitóris não perfeitamente redondo ou elíptico ou branco ou limpo. Pagar boquete para o homem mais poderoso do mundo – todos os canais de TV e audiência chupando, na verdade, o sêmen e o gérmen da Terra – parece conosco mesmo, foi menos que uma compulsão ao auto-sexoral. …An(d) oral(B)for all…

before all the breakfasts…

legitimate mating

Então fica entalada na garganta a pergunta: Monica Lewinsky engoliu ou não a porra toda? Bill gozou? Hillary já se masturbou pensando nisso, imaginando a cena? Cada americano agiu na cabecinha da secretária – em nome de todos, ela não podia recusar.

Um homem da sua posição não pode…”

Não pode ser um homem.

Tem que ser um manequim, sem pau…

Para que não cheguem a quebrar o pau…

E especular sobre a impotência e a infelicidade do sonho americano…

No Texas e aposentado, Bush pode ser o depravado…

Que situação chata! superação da crise…

&fall

fomentou a fome no mundo, já dizia Mastruz.

TRANSCAMAERATURA

FhC é um coxinho, porque todas as suas viúvas são coxinhas.

a typical ideal American Family, California home, 3 garages, 5 children, assured social and professional status, decorative housewife, upper-middle-class standing. In a way it is this statistical perfection that dooms it to death, it is, as in ancient sacrifices, chosen in order to be glorified and to die beneath the flames of the medium, a modern fatum. Because heavenly fire no longer falls on corrupted cities, it is the camera lens that, like a laser, comes to pierce lived reality in order to put it to death. ‘The Louds: simply a family who agreed to deliver themselves into the hands of television, and to die by it’, the director will say.” “sacrificial spectacle offered to 20,000,000 Americans.”

You no longer watch TV, it is TV that watches you” “A switch from the panoptic mechanism of surveillance (Discipline and Punish) to a system of deterrence, in which the distinction between the passive and the active is abolished.”

YOU are the model!” “YOU are the majority!”

We are no longer in the society of the spectacle, of which the situationists spoke, nor in the specific kinds of alienation and repression that it implied.”

That discourse ‘circulates’ is to be taken literally: that is, it no longer goes from one point to another, but it traverses a cycle that without distinction includes the positions of transmitter and receiver, now unlocatable as such.”

power is something that circulates and whose source can no longer be located” “an endless reversion that is also the end of power in its classical definition.” “one can always ask of the traditional holders of power where they get their power from. Who made you duke? The king. Who made you king? God. Only God no longer answers. But to the question: who made you a psychoanalyst? the analyst can well reply: You.

power is resolved in perfect manipulation.”

HORIZON AT DUSK:Anti-Copernican revolution: no transcendental instance either of the sun or of the luminous sources of power and knowledge – everything comes from the people and everything returns to them.”

dissolution of TV in life, dissolution of life in TV – indiscernible chemical solution”

a collapse of the 2 traditional poles into each other: implosion (…) That is where simulation begins.

Atomic war, like the Trojan War, will not take place”

EGG-SMASHING… A SALAD OF IDEAS

A vida ou o DNA, qual é o preeminente?

A balança do terror é o terror da balança.

Um reality show com a Família Silva não daria muito certo…

Quem te fez Deus? Meu procurador, o mendigo.

Pra infelicidade das bandas punk, nada sucederá…

A sacola plástica tampouco irá nos assassinar…

Mas O PNB armamentista sem hesitar se multiplicará…

Daqui, na selva, até o extra-civilizado Japão – o jornalista é o único bobinho crente no final das contas. O resto pode se entregar à flutuação dos juros e ao sexo de cada dia; é o que conta no último dia do mês: estar com tudo em dia.

changed, change the world

(chan)ta(ge)m d(o) (mundo)

No longer can any revolt, any story be deployed according to its own logic because it risks annihilation.” “Because if the law, with its aura of transgressions, if order, with its aura of violence, still taps a perverse imaginary, the norm fixes, fascinates, stupefies, and makes every imaginary involute.” “The vertigo of a world without <<f>>laws.”

all bombs are clean”

misfortunes are even more numerous (…) But, subtly, they no longer have any meaning, they are no longer anything but the duplex effect of simulation at the summit.”

A bomba. A ilha. A bomba. Um mundo. Deterrência. A song. Uma música. Uma música… Estouro d’Os Tímpanos.

all ‘newsreel’ footage thus gives the sinister impression of kitsch, of retro and porno at the same time – doubtless everyone knows this, and no one really accepts it. The reality of simulation is unbearable – crueler than Artaud’s Theater of Cruelty.”

precisely only the Americans, as they did in Hiroshima, have a right to this ‘use value’ of the bomb: all of those who have acquired it since will be deterred from using it by the very fact of possessing it.” “Responsibility, control, censure, self-deterrence always grow more rapidly than the forces or the weapons at our disposal: this is the secret of the social order.” “the whole myth of the total and revolutionary strike crumbles at the very moment when the means are available – but alas precisely because those means are available. Therein lies the whole process of deterrence.”

Energies freeze in their own fire, they deter themselves.”

The illusion would be to congratulate oneself on this ‘awareness of history on the part of cinema’, as one congratulated oneself on the ‘entrance of politics into the university’.” “at least there was history, at least there was violence (albeit fascist) (…) this void, the leukemia of history and of politics

it is naïve to conclude that the evocation of fascism signals a current renewal of fascism (…) it is for this reason that fascism can again become fascinating in its filtered cruelty”

History is a strong myth, perhaps, along with the unconscious, the last great myth.”

Fascism itself, the mystery of its appearance and of its collective energy, with which no interpretation has been able to come to grips (neither the Marxist one of political manipulation by dominant classes, nor the Reichian one of the sexual repression of the masses, nor the Deleuzian one of despotic paranoia)”

Harrisburg is a sort of 2nd-order simulation. There is certainly a chain reaction somewhere, and we will perhaps die of it, but this chain reaction is never that of the nuclear, it is that of simulacra, and of the simulation where all the energy of the real is effectively swallowed” “an explosion is always a promise, it is our hope: (…) the whole world waits for something to blow up” “unhappiness is when there is no nuclear spectacle (Hiroshima is over) (…) substantial food for our messianic libido.” “But that is precisely what will never happen. No more energy in its spectacular and pathetic form – all the romanticism of the explosion which had so much charm, being at the same time that of revolution – but the cold energy of the simulacrum and of its distillation in homeopathic doses in the cold system of information.” “In the film, also, real fusion would be a bad argument: the film would regress to the level of a disaster movie – weak by definition (China Syndrome, 1979)”

in its inspired moments, it is God who through his cataclysms unknots the equilibrium of terror in which humans are imprisoned. Closer to us, this is what terrorism is occupied with as well: making real palpable violence surface in opposition to the invisible violence of security.”

the Molochian joy of filming the sacrificial joy of so many millions spent, of such a holocaust of means”

the war in Vietnam ‘in itself’ perhaps in fact never happened, it is a dream, a baroque dream of napalm and of the tropics” “perhaps waiting for nothing but consecration by a superfilm” “this is the brutal quality of this film – not being rotten with the moral psychology of war.”

clownish effect in overdrive”

how is such a horror possible?”

if the Americans (seemingly) lost the other one, they certainly won this one. Apocalypse Now is a global victory.”

the film is a phase of this war without end”

One has not understood nothing, neither about the war nor about cinema, if one has not grasped the reversibility of both destruction and production, of the immanence of a thing in its very revolution, of the organic metabolism of all the technologies.”

Simulados & Liaisons

Sila und siLa

careforbde the entrance

Homecaribde medical centre of eternity

Vaginaltura

momento pelado vendo a crueza do momento-estátua nádega

nada a negar às danadas nadadeiras p/ q. +- ñ qro v.

na adega a gnt vê

agarradinho

sa(liv)at(e)

the pizza

eu te (de)texto no meu jogo de Romeu

rogo a Deus

louco rasga dinheiro mas são rasga bilhete azul

receitazul

a veritable cultural mourning for which the masses are joyously gathered”

any operation meant to put an end to culture only serves, as one knows, to resurrect it.”

O meio é a massagem do ego.

O mundo moderno, sólido como é, é convexo, e não côncavo, porque somos o eterno “deslizar da maçaneta da descoberta”, encarnamos a queda do centro para a periferia, de dentro para fora, somos expulsos do paraíso e não quaisquer escravos da gravidade, de um miolo magnético. Cada vez mais expansivos e claros, rolando sobre nós mesmos. Não há buraco ou mistério. A borda do precipício é o horizonte infinito. Não investigamos, escorregamos.

O jogo da batata cada vez mais gelada.

eu não repouso eu redecolo

inertia e sóbrinha violenta e rápida ao mesmo tempo

Não querendo ser freudiano, mas como não ver sexo na descida de um toboágua? cupidez estupidez 10 estampidos de cupins despe o cu no caixão

Talião tal filho

Tal leão tal simbazinho

fetishy não se mostra fácil

Fat’n’roll

Shynese democracy

Me tira de dentro do espelho, eu que te coloquei aí.

The dream of seeing all that explode by dint of contradictions is precisely nothing but a dream. What is produced in reality is that the institutions implode of themselves, by dint of ramifications, feedback, overdeveloped control circuits. Power implodes, this is its current mode of disappearance.” This text

all the philosophies of the release of energy, of the irradiation of intensities and of the molecularization of desire [!] go in the same direction, that of a saturation as far as the interstitial and the infinity of networks. The difference from the molar to the molecular is only modulation, the last perhaps, in the fundamental energetic process of expanding systems.”

CREMATÍSTICA SOLAR: “the solar myth of an inexhaustible radiation, on which Bataille founds his sumptuary anthropology: it is the last explosive and radiating myth of our philosophy.”

where everybody conceal their interests, the aggreegate!

conscious zeal

im-plant a new forestal order

Nem só de perucas brancas se faz a aristocracia.

Monod, Chance and necessity (a monadologia em xeque)

CAMINHO DO DESTINO

Cada um escolho seu caminho

cada um tem um destino

apesar do mau-olhado

eu não desafino

mesmo rouco entoo o hino

talvez que meu destino

seja a desafinação

seguir torto é o meu caminho

* * *

information produces meaning (…) We are all complicitous in this myth. It is the alpha and omega of our modernity”

the integrated circuit of the negative”

Myth exists, but one must guard against thinking that people believe in it”

VICENTES & FAZENDAS: “media are producers of the implosion of the social and this is only the macroscopic extension of the implosion of meaning at the level of the sign.”

CAMPAINHA DA LIQUIDARIEDADE: Descrição de uma crise de pânico no trabalho

Eu sou o ponto da minha sala onde a comunicação se perde e o chiado aparece. O mudo sabe-tudo. Aquele que mais pode e menos muda o mundo. O único que vai fundo e ainda assim não pesca nada, só dissabores de garganta. Baque–teria como desligar o ar?–do coração engasgadopusoprimido. Me dói muito saber. “O homem que derruba o café” “O ateu que suja a mesa” “O excêntrico que irá se casar” “O músico que não dá espetáculo” “O gênio que não quer trabalhar” “O esforçado que vive doente” O subjugado arrogante. A quina da minha cela. Sente na minha sela – cavalo que dá coice e come doce.

24/07/16

But it would be useful to posit the opposite hypothesis”

the term catastrophe itself only signifies the curvature, the winding down to the bottom of a cycle that leads to what one could call the <horizon of the event>

B., Requiem for The Media

O TÍTERE MANIPULADOR:¹ “the media make themselves into the vehicle of the moral condemnation of terrorism and of the exploitation of fear for political ends, but simultaneously, in the most complete ambiguity, they propagate the brutal charm of the terrorist act, they are themselves terrorists, insofar as they themselves march to the tune of seduction.”

¹ Nome alternativo: Paradoxo de Eddie – para denotar a posição intermediária de Satã na capa do Number of The Beast (1982).

insoluble double bind”

the practices of the masses – that we bury under the derisory terms of alienation and passivity.”

the current argument of the system is to maximize speech, the maximum production of meaning. Thus the strategic resistance is that of the refusal of meaning and of the spoken word – or of the hyperconformist simulation of the very mechanisms of the system

See what surplus value of the social each advertisement tries to produce: Werben werben (advertise advertise) – the solicitation of the social everywhere, present on walls, in the hot and bloodless voice of female radio announcers, in the accents of the sound track” “If at a given moment the commodity was its own publicity (there was no other) today publicity has become its own commodity.” “The social as a script, whose bewildered audience we are.”

since today advertising has escaped the social and moral dramaturgy that it still represented 20 years ago.” this excerpt is from 40 years ago – o que houve? precessão da implosão?! somos muito mais moralistas, embora a formula siga relativamente inalterada…

It is information that is putting an end to the reign of advertising. That is what inspires fear, and what is thrilling.”

miniaturization of everyday life by computer science.”

the autoerotic index of a system that does nothing but designate itself – whence the absurdity of seeing in it an <alienation> of the female body.”

the social must be saved just as nature must be preserved: the social is our niche” “it has fallen into the register of supply and demand”

Folklore dances in the metro, innumerable campaigns for security, the slogan <tomorrow I work> accompanied by a smile formerly reserved for leisure time”

<I don’t let anyone choose for me> an Ubu-esque slogan, one that rang so spectacularly falsely, with a mocking liberty, that of proving the social while denying it.”

Disaffected, but saturated. Desensitized, but ready to crack.”

Everywhere there are 3 or 4 paths, and you are at the crossroads.”

the stupefied hyperreal euphoria that we would not exchange for anything else, and that is the empty and inescapable form of seduction.” “it is useless to analyze advertising as language, because something else is happening there: a doubling of language (and also of images), to either linguistics nor semiology correspond”

fixing the disappearance of the religious in the orgasm of statues.”

The commodity is buried, like information is in archives, like archives are in bunkers, like missiles are in atomic silos.” “a culture that chose to bury itself in order to definitely escape its own shadow, to bury its seductions and its artifices”

heimlich/umheimlich

Monocellular utopia which, by way of genetics, allows complex beings to achieve the destiny of protozoas.”

GEG (GÊNESE DA ESPIRAL GENÉTICA)

Eu fui meu pai. Eu me eduquei. Eu fui Édipo, eles me cegaram. Minha mãe me levou ao médico. Não me arrependi. Não estou sereno. Ou será que meus pais são meus avós, ou será que meus avós são meus pais? Não é essa a questão mas eu senhor e bebê, adulto e escravo? Que responsável abominável e inocente?

a sacred fascination of the Two” “The individual is no longer anything but a cancerous metastasis of its base formula.”

Richard Pinhas, ‘Notes synoptiques à propos d’un mal mystérieux’

The closer one gets to the perfection of the simulacrum the more evident it becomes how everything escapes representation” “there is no real: the 3rd dimension is only the imaginary of a 2-dimensional world, the 4th that of a 3-dimensional universe… Escalation in the process of a real that is more and more real through the addition of successive dimensions.” “only what plays with 1 less dimension is true, is truly seductive.” “What is exact is already too exact.”

A sombra do holograma.

as if all truths swallowed its own criteria of truth as one <swallows one’s birth certificate> and lost all its meaning.” “Meaning, truth, the real cannot appear except locally, in a restricted horizon” “even the exact sciences come dangerously close to pataphysics.”

pathosphysics

Kafka, Colônia Penal

Death, wounds, mutilations are no longer metaphors of castration, exactly the opposite – not even the opposite.”

Kafka’s machine is still puritan, repressive, <a signifying machine>, Deleuze would say”

THE WHOLE HOLE

Tatuados são pan-sexuais. Fura-fura-dores. Costura o apêndice, engole o bandeide e a camisinha. Alça. Metal coçante, marca d’água marca-passo-na-rocha. Umbigo foradentro e do avesso. Ombroburacomanchagrande – pintassilgo. Pêlos pelos ê mais pelos. Semifinalmose. Cútis vermelha do cu. Ouro derretido na saliva lírica. Pino e(x)torsões. Tirar titica fresco de inseto galinha. Bafo antes do café da manhã – abafa. Faca. Manteiga. Tragar cocô frito. Tosse tuberculosa. Fiapo. Desdém. Dor ósseo-muscular. Espasmo. Alergorítimo do alergorritmo. Dança caipira pira pora nossa senhora roxa que xoxa. Organograma fungacional. A meretriz e a filial da putaria.

a work of death that is never a work of mourning”

Não se chega a lugar nenhum – felizmente, que PARADA mas s a critica….

The functionalism of Crash devours its own rationality, because it does not know dysfunction.” “Few books, few films reach this resolution of all finality or critical negativity, this dull splendour of banality or of violence, Nashville, Clockwork Orange.”

caerotic care and rot errático aero arroto carrot ambulância ambivalente

The most likely answer is that the good old imaginary of science fiction is dead and that something else is in the process of emerging (not only in fiction but in the theory as well)”

1. “transcendent sphere” dream is still the individualized form of utopia, in which transcendence is outlined in depth, even in unconscious structures” “the island”

2. “unbounded projection” “speed, and power increase to the nth power” “metallurgy, etc. Projected hypostasis of the robot.” “science fiction adds the multiplication of its own possibilities.”

3. “The models no longer constitute either transcendence or projection” “they’re immanent” “The field opened is that of simulation in the cybernetic sense” “(scenarios, the sitting up of simulated situations, etc.)” “there is no more fiction.”

Reality could go beyond.” “The imaginary was the alibi of the real in a world dominated by the reality principle. Today, it is the real that has become the alibi of the model, in a world controlled by the principle of simulation.” “fiction will never again be a mirror held toward the future, but a desperate re-hallucination of the past.” “The conquest of space that follows that of the planet is equal to de-realizing (dematerializing) human space”

HALO-SE-NAÇÃO

Dragon Ball Z implode em Supernova, recidiva de velhos problemas, sensação de vazio, reciclagem noutra cor. Vilões divertidos – Goku trabalhador. Supermáquina dourada de tempos opacos-sombrios, dancinha e docinho da careta. Gordos em multiversos paralelo-integrados do combate zerozenal vital – tudo pretexto para fugir da mulher. A conveniência de Goten. Fusão de kis discrepantes e mimados. Só namekusei que nada rosazul eu sinto que, divino, eu sei. Super-shang tsung, hello, desire, long long time no see. I long for this re-visit.

A outra dimensão te deixa intacto no mesmo lugar.

Parar é que é voar.

simulation is insuperable, unsurpassable, dull and flat” – Alice trancada no quarto sem [se] toca[r e] sem espelho.

<One cannot simply do whatever one wants with nature.> The problems having become serious enough to damage the profitability of business, this drop in profitability may lead the breeders to return the animals to more normal living conditions.”

In the same way one rediscovers psychology, sociology, the sexuality of prisoners as soon as it becomes impossible to purely and simply incarcerate them (1)

(1) Thus, in Texas, 400 men and 100 women experiment with the sweetest penitentiary in the world. A child was born there last June and there were only 3 escapes in 2 years. The men and women take their meals together and get together outside of group therapy sessions. Each prisoner possesses the only key to his individual room. Couples are able to be alone in the empty rooms. To this day, 35 prisoners have escaped, but for the most part they have returned of their own accord.”

Animals somatize! Extraordinary discovery! Cancers, gastric ulcers, myocardial infarction in mice, pigs, chickens!”

The worker also needs responsibility, self-management, in order to better respond to the imperative of production.”

Once animals had a more sacred, more divine character than men.” “Only the animal is worth being sacrificed; as a god, the sacrifice of man only comes afterward, according to a degraded order.” “The structural opposition is diabolic, it divides and confronts distinct identities” “the cycle, itself, is symbolic” “(Does Deleuze envision something like that in his becoming-animal and when he says <Be the rose panther!>?)”

must not be confused with the status of the domestic pet – the only type of animals that are left to us outside reserves and breeding stations – dogs, cats, birds, hamsters, all packed together in the affection of their master.” “In particular, our sentimentality toward animals is a sure sign of the disdain in which we hold them. It is proportional to this disdain. It is in proportion to being relegated to irresponsibility that the animal becomes worthy of the human ritual of affection and protection” “Sentimentality is nothing but the infinitely degraded form of bestiality, the racist commiseration, in which we ridiculously cloak animals to the point of rendering them sentimental themselves.”

The violence of sacrifice, which is one of <intimacy> (Bataille), has been succeeded by the sentimental or experimental violence that is one of distance.” “Making animals speak, as one has made the insane, children, sex (Foucault) speak.” “It is not the ecological problem of their survival that is important, but still and always that of their silence. In a world bent on doing nothing but making one speak, in a world assembled under the hegemony of signs and discourse, their silence weighs more and more heavily on our organization of meaning.” “Thus spoke the moral discourses of man in fables. They supported structural discourse in the theory of totemism. Every day they deliver their <objective> – anatomical, physiological, genetic – message in laboratories. They served in turns as metaphors for virtue and vice, as an energetic and ecological model, as a mechanical and formal model in bionics, as a phantasmatic register for the unconscious and, lastly, as a model for the absolute deterritorialization of desire in Deleuze’s <becoming-animal> (paradoxical: to take the animal as a model of deterritorialization when he is the territorial being par excellence).” “…animals maintain a compulsory discourse.” “One never escapes the reversion that follows any kind of exclusion.” “Such was the silence of madmen that it forced us to the hypothesis of the unconscious – such is the resistance of animals that it forces us to change hypotheses. For if to us they are and will remain unintelligible, yet we live in some kind of understanding with them.”

(3) That animals wander is a myth, and the current representation of the unconscious and of desire as erratic and nomadic belongs to the same order. Animals have never wandered, were never deterritorialized (…) freedom to <fulfill all needs>, today <of realizing all his desires> – because modern Rousseauism has taken the form of the indeterminacy of drive, of the wandering of desire and of the nomadism of infinitude (…) free, virgin nature, without limits or territory, where each wanders at will, never existed, except in the imaginary of the dominant order of which this nature is the equivalent mirror. We project the very schema of deterritorialization that is that of the economic system and of capital as ideal savagery. Liberty is nowhere but in capital, it is what produced it, it is what deepens it. (…) the radicality of <desire>, one sees this in current theories, increases at the same rate as civilized abstraction, not at all antagonistically, but absolutely according to the same movement, that of the same form always more decoded, more decentered, <freer>, which simultaneously envelops our real and our imaginary. (…) they dream of total deterritorialization where the system never imposes anything but what is relative: the demand of <liberty> is never anything but going further than the system, but in the same direction.”

[territory is] the morsel of space in immediate contact with the organism” “the notion of territory is also opposed in some way to that of the unconscious. The unconscious is a <buried> repressed, and circumscribed structure. The territory is open and circumscribed. The unconscious is the site of the indefinite repetition of subjective repression and fantasies. The territory is the site of a completed cycle of parentage and exchanges”

O MUNDO DO NÃO-DESEJO: “The obligations are absolute therein – total reversibility – but no one knows death there, since all is metamorphosed.” “don’t we live now and already, beyond the effects of the linearity and the accumulation of reason, beyond the effects of the conscious and unconscious, according to this brute, symbolic mode? (…) don’t we dream of implosion rather than of explosion, of metamorphosis rather than energy, of obligation and ritual defiance rather than of liberty?”

O TEMA DA SOMBRA E DO REFLEXO DO EU:

Peter Schlemihl, The Man Who Lost his Shadow

The Student from Prague (movie)

Hans Christian Andersen, The Shadow

Psychoanalysis itself is the first great theorization of residues (lapses, dreams, etc.). It is no longer a political economy of production that directs us, but an economic politics of reproduction” “the return of the repressed as a powerful moment, of the return of the remainder as surplus of meaning

VÃ PIRO DOIDÃO

Não agüentou meus detritos! Ou amo-os só como detritos.

It is the Left that secretes and desperately reproduces power, because it wants power, and therefore the Left believes in it and revives it precisely where the system puts an end to it. The system realizes one by one all the objectives of the historical and revolutionary Left that sees itself constrained to revive the wheels of capital in order to lay siege to them one day.”

Diplomas are worthless: why would it [academia] refuse to award them? in any case it is ready to award them to everybody!”

By rotting, the university can still do a lot of damage. But for this to be the case it is necessary to start with this very rotting, and not to dream of resurrection. (…) the death of university as a model of decomposition of the whole of society, a contagious model of the disaffection of a whole social structure, where death would finally make its ravages, which the strike tries desperately to avert, in complicity with the system, but succeeds, on top of it all, only in transforming the university into a slow death, a delay that is not even the possible site of a subversion” “the challenge of a deterritorialization even more intense than the one that came from the system (…) this total lack of a need to gather in a given place (…) not the crisis of the university, that is not a challenge, on the contrary, it is the game of the system, but the death of the university – to that challenge, power has not been able to respond, except by its own dissolution in return”

They were not there to save the Sorbonne, but to brandish its cadaver in the face of the others, just as black people in Watts and in Detroit brandished the ruins of their neighborhoods to which they had themselves set fire.” Thus, there are no buses.

1968 is dead, repeatable only as a phantasm of mourning.” “All around us there are nothing but dummies [manequins; chupeta(!)] of power, but the mechanical illusion of power still rules the social order” “Yet it is there that one must fight, if even fighting has any meaning anymore.” “it is in this tactical universe of the simulacrum that one will need to fight – without hope, hope is a weak value, but in defiance and fascination.”

The challenge capital directs at us in its delirium – liquidating without shame the law of profit, surplus value, productive finalities, structures of power – must be raised to an insanely higher level. Capital, like value, is irresponsible, irreversible, ineluctable.” “only the vertiginous seduction of a dying system remains, in which work buries work, in which value buries value” “Surrounded by the simulacrum of value and by the phantom of capital and of power, we are much more disarmed and impotent than when surrounded by the law of value and of the commodity” “This supreme ruse [astúcia; falcatrua; estratagema] of the system only a superior ruse can stop, only a pataphysics of simulacra can remove us from the system’s strategy”

This is why there are still good days left to fascist and authoritarian methods, because they revive something of the violence necessary to life. The violence of ritual, the violence of work, the violence of knowledge, the violence of blood, the violence of power and of the political is good! This is lacking today, and the need for it makes itself felt.”

it is necessary to recreate the professor either as a mannequin of power and knowledge, or to invest him with a modicum of legitimacy derived from the ultra-Left – if not the situation is intolerable for everyone.” “it is based on the phantom scenario of pedagogy that things continue and this time can last indefinitely. Because there is an end to value and to work, there is none to the simulacrum of value and of work. The universe of simulation is transreal and transfinite: no test of reality will come to put an end to it”

let the world get evil and get old

get hOLD of it

I always kNEW

niilismo do teoria da niilismo

When God died, there was still Nietzsche to say so (God is not dead, he has become hyperreal)” “in a bizarre fashion, nihilism has been entirely realized no longer through destruction, but through simulation and deterrence.”

Não em vão, mas num vão, por um vão! Vão!

there is no longer an apocalypse”

Alice nunca vai acabar de desaparecer.

Betaform

Now, fascination is a nihilistic passion par excellence” “He who strikes with meaning is killed by meaning.” “revenge of speed on inertia.”

it would be our own mode of destroying finalities: going further, too far in the same direction” “is it not the obscene secret of cancer?”

O MUNDO EM CANTADO DO BARULHO

impermeável a terapias

irreversibilidade irreversível

there is no longer even pathos – that mythical energy that is still the force of nihilism (…) dramatic anticipation. It is no longer even disenchantment, with the seductive and nostalgic, itself enchanted”

P. 162: o papel crucial de Benjamin & Adorno no “3º niilismo”.

melancholia is the fundamental tonality of functional systems, of current systems of simulation, of programming and information.”

Against this hegemony of the system, one can exalt the r[e]uses of desire, practice revolutionary micrology of the quotidian, exalt the molecular drift or even defend cooking. This does not resolve the imperious necessity of checking the system in broad daylight.”

NIETZSCHE’S SELF-EVALUATION AS THE DESTINY OF PHILOSOPHY AND HUMANITY (ECCE HOMO, WHY I AM A DESTINY) – Werner Stegmaier (University of Greifswald), translated by Lisa Marie Anderson.

(*) “Martin Heidegger especially insisted upon this; he saw Ecce Homo not as the ‘apotheosis of uninhibited self-presentation and boundless self-mirroring’ nor as ‘the harbinger of erupting madness’, nor even simply as a ‘biography’, but rather in fact as ‘a <destiny>, the destiny not of an individual but of the history of the era of modern times, of the end of the West.’ (Martin Heidegger, Nietzsche. Volumes Three and Four, ed. David Farrell Krell, San Francisco: Harper & Row, 1987, 3). Following Heidegger, Rodolphe Gasché interpreted EH as a ‘Gestalt’ in the sense of the form of a being (ιδέα in the Platonic sense, ειδος in the Aristotelian sense), in the sense of the mature form of Nietzsche’s life to be sure, but nonetheless as a Gestalt that, contrary to Heidegger, obliterates ‘the metaphysical duality of being and becoming’ (275) through the idea of the eternal recurrence of the same (Rodolphe Gasché, ‘Autobiography as Gestalt: Nietzsche’s Ecce Homo’, in Daniel O’Hara, ed., Why Nietzsche Now?, Bloomington, 271-290). Nevertheless, even such a keen Nietzsche interpreter as Eric Blondel could see in Ecce Homo only ‘an accumulation of lies, apotheoses, falsifications’, in other words, ‘selfishness’ (293) – to which Nietzsche himself explicitly confessed (EH, Why I Am So Clever 9) (Eric Blondel, ‘Nietzsches Selbstsucht in Ecce Homo’, Perspektiven der Philosophie 20, 1994, 291-300). Peter Sloterdijk confirms Nietzsche’s ‘<selfishness>’ (45) or ‘<megalomania>’ (40), both of which he places in quotation marks: ‘The light values of Nietzsche’s most exposed statements about himself are so excessive that even the most benevolent and freethinking readers, even those who, in their intoxication, are agreeable to him, avert their eyes at these moments’ (40). But Sloterdijk also legitimizes this selfishness in describing ‘the event of Nietzsche as a catastrophe in the history of language’ (8) and his ‘obscene abundance of self-praise’ as the unleashing of the ‘eulogistic power of language’ or of ‘speaking well [Gutreden]’ – of speaking well not for Nietzsche’s own sake, but in order to overcome the ressentiment-laden ‘speaking-poorly-systems [Schlechtredesysteme]’ of metaphysics and morality (28f.). Sloterdijk writes that Nietzsche pursued ‘the revaluation of all embarrassments [Peinlichkeiten]’ with the ‘cynicism’ of a Diogenes of Sinope (46) and offered his readers a new innocence of extravagant speaking well through the ‘gift-giving virtue’ with which he has his Zarathustra speak (51). Of course, in the end Sloterdijk counts Nietzsche only as a ‘trend designer’ of the ‘individualistic wave’, as a ‘life-style-brand’: ‘Only a fool, only a poet, only an ad writer’ (54, 57). And not a philosopher? (Peter Sloterdijk, Über die Verbesserung der guten Nachricht. Nietzsches fünftes ‘Evangelium’. Rede zum 100te Todestag von Friedrich Nietzsche, gehalten in Weimar am 25. August 2000 (Frankfurt, 2001).”

No philosopher before Nietzsche spoke in this way; none declared himself the destiny of philosophy and of humanity. We must confront even this unheard-of claim and ask why he spoke in this way.”

JOGO DE ESPELHOS: “But this claim could also be ironic – in the sense of Socrates, whose assertion that he knew nothing could likewise only appear presumptuous in the face of his superior knowledge. Yet only under the protection of this presumption could Socrates question his interlocutors in such a presumptuous way as he did, thereby exposing all their knowledge as groundless.” “He presumed the right to subject a divine oracle to philosophical examination, invoking his own god who spoke only to him and remained unknown and foreign to others, his δαιμόvιov.” “and then the intention was not to elevate his own revaluation into the divine realm, but rather to bring the Socratic and the Christian revaluation, both of which invoked a god, back into the human, all-too-human realm.”

To will one’s destiny is thus to make yet another paradox of the already paradoxical concept of destiny. It then contains not only the uncontainable, but also both the unwilled and the willed.” Querer o inquerível.

if one does not want to succumb to destiny, one must be hard and inexorable like destiny – by accepting that which is beyond his control as his own will”

1. I know my fate

In professing to know a fate, one speaks as a prophet. But prophets (at least those of the Hebrew Bible) do not foretell destinies so much as they primarily ‘see’ – despite the resistance of common foolishness – and then proclaim what has already happened (in the case of the biblical prophets, primarily the turning away of the chosen people from God) and what the consequences must be.”

Eu sei quais serão as conseqüências de meus atos – com bastantes detalhes, no Ocidente. A continuação – ou definhação – da Primeira filosofia.

A transmutação é necessária; a existência da existência garante sua inexorabilidade. A fé no fenômeno e a recusa de outro mundo – obrigatória desde a morte de Deus – avalizam suas conclusões.

2. One day my name will be associated with the memory of something tremendous

Even the name, then, is a destiny that one makes his own. Everything that happens to the ‘bearer’ of a name crystallizes around that name, which becomes the ‘concept’ that one has of him, and it is this concept that outlives him – for as long as someone remembers him.”

A evidenciação de uma compulsão. Mas nada diz sobre o ‘something tremendous’.

(*) “Conway’s pugnacious essay targets the idolatry that he believes Alexander Nehamas and Richard Rorty have committed with Nietzsche and especially with Ecce Homo, which he thoroughly excoriates.”

(*) “Derrida says that Nietzsche was the first philosopher to treat, with such decisiveness, ‘philosophy and life, the science and the philosophy of life with his name and in his name’, and that, in the sign of this name, he bound a ‘logic of the dead’ to the ‘logic of the living’

3. a crisis without equal on earth, the most profound collision of conscience, a decision that was conjured up against everything that had been believed, demanded, hallowed so far

Habermas judges Nietzsche to be just as dangerous as Nietzsche judged himself to be. And yet

Nietzsche had only ‘uncovered’ that the reason of European philosophy was a ‘counterfactual’ justification that did not take the factual as its standard – that it was, in other words, the object of a belief that is now, as Habermas also notes, no longer self-evident.”

(*) “He says that Nietzsche promoted a ‘heightening of the subjective to the point of utter self-oblivion’, that he ‘upset’ ‘the categories of intelligent doing and thinking,’ thus robbing modernity of its ‘emancipatory content’ and ‘shov[ing] it into the realm of metaphysically transfigured irrationality’. On this reading, Nietzsche carried out the ‘destruction of reason’, as Georg Lukács called it. Nietzsche critiqued the metaphysical concept of reason (see primarily Twilight of Idols), but also developed a new, quite differentiated concept of reason, which has yet to be explored in its contexts by Nietzsche researchers. For a critique of Lukács’s Nietzsche-critique, see Henning

Ottmann, ‘Anti-Lukács. Eine Kritik der Nietzsche-Kritik von Georg Lukács,’ Nietzsche-Studien 13 (1984), 570-586, and Ottmann, Philosophie und Politik bei Nietzsche (Berlin/New York 1999), 429-433. For a discussion of Habermas’s Nietzsche-critique, see, most recently, Peter Sedgwick, ‘Nietzsche, Normativity, and Will to Power,’ Nietzsche-Studien 36 (2007), 210-229.”

the critique of reason had arrived at a crisis and now demanded a reorientation from the ground up, especially in Europe, which had believed so firmly in one, timeless reason. But as Nietzsche noted in his Lenzer Heide note, this reorientation would lead initially to a massive disorientation, to the liberation of forces that can, in their desperation, only destroy and thus also want to destroy; and this ‘crisis’ would erupt in a ‘paroxysm’, a ‘blind raging’ ‘of nihilism and delight in destruction’. The ‘dangerous consequences’ became a prophecy: the world wars, totalitarianisms, genocides and terrorisms that characterized the twentieth century could be understood (at least in part) as the outcomes of the intellectual crisis that had befallen the fundamental convictions of European thought, in particular the conviction in the beneficial effects of a reason that was common to all. From that time on, we can never again be sure of European reason.”

4. I am no man, I am dynamite

ideas can develop explosive power. When opposed to other ideas, they can explode relationships between ideas – even those relationships in which the firmest belief has been held. Even the idea of the ‘equality of souls before God’ was, as Nietzsche says in The Antichrist 62, an ‘explosive of a concept which eventually became revolution, modern idea, and the principle of decline of the whole order of society – [was] Christian dynamite’.”

(*) “Nietzsche repeated the metaphor on a number of occasions in his letters. See Nietzsche to Paul Deussen, November 26, 1888, KSB 8, No. 1159, p. 492; to Georg Brandes, early December 1888, KSB 8, No. 1170, p. 500f.; to Helen Zimmern, December 8, 1888, KSB 8, No. 1180, p. 512; and to Heinrich Köselitz, December 9, 1888, KSB 8, No. 1181, p. 513 (‘highest superlative of dynamite’).”

5. Yet for all that, there is nothing in me of a founder of a religion

A revaluation of all values like the one Nietzsche proclaims had to trigger a strong impetus for new religions – an impetus that we are also experiencing today.” “Unlike other critics of religion, Nietzsche does not replace religion with truth; he was also the harshest critic of truth.”

Philosophers operate in dangerous proximity to founders of religion, only philosophers are less successful.”

(*) “GS 149: ‘Pythagoras and Plato […] had souls and talents that fitted them so obviously for the role of religious founders that one can scarcely marvel enough that they should have failed. Yet all they managed to found were sects.’ (…) : ‘None of the great Greek philosophers was a leader of the people: attempted most consistently by Empedocles (after Pythagoras), but also not with pure philosophy, but instead with a mythicized version of it. Others reject the people from the outset (Heraclitus). Others have a wholly refined circle of educated people as their public (Anaxagoras). Socrates displays the strongest democratic-demagogic tendency: the result is the establishment of sects, in other words, counterevidence. How could lesser philosophers ever be successful where philosophers of this sort were not? It is not possible to base a popular culture on philosophy. Thus, with regard to culture, philosophy never can have primary, but always only secondary, significance. How is it significant?’ Unpublished Writings, p. 119 (…) ‘But first build one’s circle, chase others away.’ Aurora” – Um Clube da Luta avant la lettre. Mas a situação de Zaratustra no Livro I é uma paródia desta época.

6. religions are affairs of the rabble

O PROBLEMA DO LUMPEN

In philosophy too there is the rabble, people who follow the prevailing truths and valuations in order to find approval and acclamation.”

7. I find it necessary to wash my hands after I have come into contact with religious people

8. I want no “believers” (…) I think I am too malicious to believe in myself; I never speak to masses.”

Quem acredite inteiramente no que diz se torna logo uma referência popular.

Mesmo que eu fosse uma unanimidade, eu não seria (por mim mesmo).

9. I have a terrible fear that one day I will be pronounced holy

To be ‘holy’ is to be inviolable and therefore also inviolably certain.” “With his Antichrist, Nietzsche wanted to enlighten and thus to overcome the values of Christianity. So he had to be apprehensive that, if he were successful, he himself would be pronounced holy by those who can only abandon an old belief for a new one”

Sandro Barbera, Paolo D’Iorio and Justus H. Ulbricht (eds.), Friedrich Nietzsche. Rezeption und Kultus (Pisa 2004);

Michael Hertl, Der Mythos Friedrich Nietzsche und seine Totenmasken. Optische Manifeste seines Kults und Bildzitate in der Kunst (Würzburg 2007).

(*) “And countless half-moral, half-religious ‘movements’ have invoked Nietzsche, including vegetarianism, [?!] feminism [?!?] and Zionism. [?!?!] Indeed, this kind of thing has happened to no other philosopher to date.”

10. I do not want to be a holy man; sooner even a buffoon… Perhaps I am a buffoon…

the holy man where thought becomes inviolable and passes over into belief; the buffoon where it passes over into unbelief, where it becomes unbelievable and absurd and loses all seriousness. One must either believe the holy man or deny his holiness; the holy man constrains one to an either-or. But one is free before the buffoon; one can believe him one time and then laugh at him another time. This is the freedom that is important to Nietzsche, given the seriousness of the ‘destiny’ of the ‘task’ that he has taken on as his destiny.”

11. Yet in spite of that – or rather not in spite of it, because so far nobody has been more mendacious than holy men – the truth speaks out of me.

The tension of this text – the loftiest in Nietzsche’s oeuvre – is now heightened to the extreme, evincing the agitation, passion and anger of a great prophet and thereby calling into question all objectivity. Nietzsche is now writing, speaking, breathlessly: with ellipses (‘…’), as if there were not enough time to utter the words; with insertions (parentheses), as if interrupting himself; with breaks marked by dashes (‘—’), as if there were no space for logical conjunctions.” “instinctively the reader himself takes responsibility for filling in the ellipses and the missing conjunctions. Without wanting to, the reader reads himself into the text, reads himself as well as the author.”

Rudolf Fietz, Medienphilosophie. Musik, Sprache und Schrift bei Friedrich Nietzsche (Würzburg 1992), 380-382;

Werner Stegmaier, ‘Nietzsches schriftstellerische Methoden’ in Nietzsches Befreiung der Philosophie. Kontextuelle Interpretation des V. Buchs der Fröhlichen Wissenschaft (Berlin/Boston 2012).

(*) “Heinz Schlaffer interprets this as a fascistic temptation: ‘He [the reader] waits longingly for the Führer, who can read the signs correctly because he himself has laid them out.’ According to Schlaffer, a literary scholar, Nietzsche’s style is responsible for the unfettering of German prose and, consequently, of German history (…) What must the condition of an intelligence and a politics have been, that they were so confused by a literary style?”

12. for so far one has called lies truth

O século XX não pôde prescindir de Nietzsche, encarando-o como mentiroso, hipócrita, errado ou… verdadeiro. Girando a mesma moeda sobre a mão. O que quer que ainda tenhamos a coragem de chamar de verdade parte do confronto com Nietzsche.

13. formula for an act of supreme self-examination on the part of humanity

Vale a pena seguir o projeto iluminista?, etc.

truth has become self-evident, and because it has become self-evident it is difficult to break open. Whoever has the freedom to do that, Nietzsche says, must have faced the exceptional hardships in life that make such freedom possible”

A genius is simply someone who, in his own hardship, rather randomly finds new and far reaching possibilities for others (see HH I 231)”

14. in opposition to the mendaciousness of millennia

Millennia are Nietzsche’s philosophical measure of time: he has in mind primarily the two millennia that have passed since the founding of philosophy and Christianity, but also the fact that Europe must ‘cast its goals millennia hence’, that it stands under the ‘compulsion to great politics’ (BGE 208). This is the measure of time that measures up to his revaluation.”

Clearly, ‘opposition’ is in this case not a conceptual opposition like truth and lie, but rather an existential opposition precisely to such supposedly self-evident conceptual oppositions. One does not bother to contradict them anymore, but rather stumbles into opposition to them by living differently, experiencing differently, thinking differently”

15. My genius is in my nostrils…

Nostrils are the olfactory organs of horses: Nietzsche is likely alluding to Plato’s famous myth of the soul as a chariot (Phaedrus, 246 a-b), in which reason directs the horses but is also dragged along by them.”

16. I contradict as has never been contradicted before and am nevertheless the opposite of a No-saying spirit.

O ANTI-SCHOPENHAUER

Todos disseram “não” antes, veladamente ou não.

17. I am a bringer of glad tidings like no one before me

Zaratustra como o Quinto Evangelho

18. when truth enters into a fight with the lies of millennia, we shall have upheavals, a convulsion of earthquakes, a moving of mountains and valleys, the like of which has never been dreamed of.

In this crisis Christian morality, as dogmatized by the Greeks, will manifest its deep rootedness in the thought of Europeans and will thus determine the politics whose most extreme means is war”

They are, [the ideological wars] as the twentieth century sufficiently demonstrated, the most dangerous dynamite, further and literally employed by terrorism in the twenty-first century, as well.”

(*) “The word ‘ideology’ does appear in Nietzsche, though he seldom uses it.”

(*) “Nietzsche wrote to the Paris journalist Jean Bourdeau, to whom he sent his ‘proclamation’ against the Hohenzollern dynasty: ‘I honestly think it possible to bring order to the whole absurd situation of Europe by means of a kind of world-historical laughter, without even a drop of blood having to flow. In other words: the Journal des Débats is enough…’ (Nietzsche to Jean Bourdeau, presumably January 1, 1889, KSB 8, No. 1232, p. 570). (…) According to Balke, Nietzsche is only drawing the consequences from that which Michel Foucault would call ‘biopolitics’, and which had been immanent in European politics for ages, as Peter Sloterdijk then pointed out.”

Nietzsche used the phrase ‘great politics’ early on, at first (and ironically) for the new German Empire. In his later work ‘great’ means not that which towers over other things, but rather that which is not negated by its opposition, does not perish by it, but rather can make it fruitful for himself and grow from it. In this way the ‘great reason of the body’ makes the ‘little reason’, pure reason, its ‘instrument and toy (Z 1); a ‘great health’ can ‘give itself up’ to grave sickness and thus become more robust (GS 382); ‘the great life’ itself lives off of war (TI, Morality as Anti-Nature 3); ‘great tolerance’ can, with ‘magnanimous self-mastery’, tolerate intolerance and grow from it (AC 38); and ‘great style’ can unite the highest pathos with sobriety and cheer (EH, Why I Write Such Good Books 4).”

(*) “The National Socialists, with their nationalism, socialism and anti-Semitism, would have been an abomination to Nietzsche, whose writings they found ‘too anti-nationalistic, too anti-German, too anti-philistine, too anti-revanchist, too anti-collectivist, too anti-militaristic, too anti-anti-rational, too anti-anti-Semitic, […] too irreconcilable with all politics of ressentiment’ (Sloterdijk, Über die Verbesserung der guten Nachricht, 59), so that they could not have invoked those writings without falsifying them. It was the National Socialists who first used the concepts of the degenerate and the parasitic in this manner. And Nietzsche did not publish these notes, which he composed at the same time as the drafts for the introductory aphorism of ‘Why I Am a Destiny’. In the notes to EH, Why I Am a Destiny 1, there follows another paragraph which he likewise did not publish:¹ ‘I know nothing that would be more opposed to the noble meaning of my task than this execrable incitement to the egoism of a nation [Volk] or a race that now lays claim to the name <great politics>; I have no words to express my contempt for the intellectual standard that now, in the form of the German Reich Chancellor and with the Prussian officer-attitudes of the Hohenzollern house, believes itself called to be the ruler of the history of humanity […]. There is more dynamite between heaven and earth than is dreamt of by these bloodstained idiots…’ (Nachlass 1888/89, 25[6]2, KSA 13, 640f.).”

¹ O que significa? Que a versão que temos ainda é forjada? Realmente não lembro de nada parecido no pacato Aurora, mas cabe bem como parágrafo do próprio EH.

In Nietzsche’s time, the absolute (i.e., detached from life and its fortunes) value of an absolute truth – which was supposed to recognize adequately, and moreover give meaning to, all of life’s sufferings – had plainly become unbelievable. Since, in the European tradition, all other values were based on this value, a ‘revaluation of all values’ was inevitably called for. According to Nietzsche, it was his ‘lot’ and ‘calamity’ to have to see that unmistakably, to have to articulate it with incorruptible decency, and thus to have to become the ‘destiny’ of European humanity and, to the extent that all the world falls under European influence, the destiny of all humanity”

Thus can one take even this unheard-of aphorism philosophically seriously and at its word.”

SPEECH AND WRITING ACCORDING TO HEGEL – Derrida, 1971 (in: W.F. Hegel, Critical Assessments, ed. Robert Stern, 1993).

INTRODUCTION TO HEGEL’S SEMIOLOGY

For the moment let us see here the indication or the incitation to recognise that the essential place of semiology is at the centre, not on the margin or as an appendix to Logic.”

metaphysics could only consider the sign as a passage, a place of passage, a passage-way (passerelle) between two moments of presence, the provisional reference from one presence to the other. The passage-way can be lifted.” Suspensa ou levantada, um dos problemas centrais da tradução da terminologia hegeliana para o Português: de preferência deve-se usar suspensão; ao mesmo tempo que um elemento “des-aparece”, isso não implica que ele suma da representação fenomênica ou seja aniquilado para não-mais-voltar. A suspensão mantém o vetor de lift (elevador, idéia de ascensão, subida, erguida, alavancagem) e ao mesmo tempo a noção do objeto da representação que fica em suspenso, i.e., desaparece para depois eventualmente re-aparecer (ascende, mas pode descender na seqüência, após momentos da representação).

time itself is but the referring of presence to itself. As such signification, the sign procedure is, to be sure, the moment of presence lost; but it is a presence lost by the very time that engages it in the movement of its reappropriation.” A suspensão é um momento necessário da dialética hegeliana.

The ‘in view’ designates the theoretical pre-eminence of the gaze, as well as the authority of the final aim, the telos of reappropriation of full presence, the ordination of the theory of signs to the light of parousia.” Parousia (grego): presença, aterrissagem (descida, chegada, retorno no sentido de reapropriação, no sentido mítico de Ulisses voltando à sua casa e também do passageiro que parte em viagem mas retorna, arrive back home, o contrário de arise, erguer-se, levantar-se, partir, que bem podia ser usado no lugar de lift). Ousia, sem par-, é Ser.

It could be shown that this very general necessity governs metaphysics in its essence and in its totality – which is one with its history, and, I would even go so far as to say: with history as such.

We should then expect Hegelianism, which is so generally said to represent the completion of metaphysics, both in the sense of accomplishment and in the sense of end, to give the most systematic and powerful, the most ingathered, ingathering, assembled, assembling form to this metaphysical gesture. We should find a primary index of this in an architectonic reading that aims to locate the place Hegel assigns to the theory of signs in the system. For such an architectonic reading it would doubtless be best to consult here the Encyclopaedia of Philosophical Sciences (1817).”

The theory of signs is inscribed in the 3rd part of the Encyclopaedia, that is in the Philosophy of Mind, following the Science of Logic (Lesser Logic) and the Philosophy of Nature. What does this division answer to? To briefly collect its meaning it is enough that we refer to what Hegel himself says at the end of the Introduction to the Encyclopaedia, § 18: [Os parentêses na citação são de Derrida]

As the whole science, and only the whole, can exhibit what the Idea or system of reason is, it is impossible to give in a preliminary way (or precursorily) a general impression of a philosophy. Nor can a division ( distribution) of philosophy into its parts be intelligible, except in connection with the system. A preliminary division, like the limited conception from which it comes, can only be an anticipation (something anticipated). Here, however, it is premised that the Idea turns out to be the thought which is completely (simply) identical with itself, and not identical simply in the abstract, but also in its action of setting itself over against itself, so as to gain a being of its own, and yet a being in full possession of itself while it is in this other.¹”

¹ Não só em potência, essência (em-si) mas também em ato, aparência (para-si), e conseqüentemente ao mesmo tempo em e para si, unidade sujeito-objeto (consciência em Hegel).

Em seguida H. divide a Filosofia em 3 momentos, esclarecendo que é uma divisão didática e nunca um momento subsiste ):

1. Lógica, o conhecimento da essência isolada, em-si, a Idéia.

2. Filosofia da Natureza, o conhecimento da aparência isolada, para-si, o Outro. (momento provisório da separação sujeito-mundo)

3. Filosofia da Mente (consciência), o conhecimento da descida ou chegada da Idéia ou essência ao se manifestar (do em si que se acopla ao para si, da etapa ou processo consumado descrito acima). Identidade final da diferença (Idéia e Outro no Um).

Grosso modo: ESSÊNCIA CARENTE OUTRO SER (ESSÊNCIA PERFEITA ou O ABSOLUTO).

A Filosofia da Mente pode ser subdividida em 3 momentos:

3.1. A mente subjetiva: abstração da auto-relação, a liberdade absoluta da Idéia consigo mesma (no arbitrário), mas falsa, pois “fora do mundo”.

3.2. A mente objetiva: a abstração da objetividade material do mundo, enquanto algo alheio à Idéia. A liberdade é entendida como necessidade, pura causalidade cega.

3.3 A menta absoluta: a unidade realmente existente, concreta, da consciência como objetividade e idealidade, a liberdade como tal. A “verdade” em sua dinamicidade, como compreendida por Hegel.

Por que o momento 3.1 está negritado acima? Porque Derrida entende a teoria do signo lingüístico como o equivalente a esta etapa. Um “modo” ou “determinação finita”, “transição ou etapa necessária da auto-superação”. Derrida chama o 3.1 ou signo de “transição da transição”. A Idéia auto-suficiente é negada, suprimida pelo Outro (próxima etapa afirmativa).

Derrida subdividirá, ainda, o 3.1, seu objeto de interesse neste texto, em:

3.1.1. O imediato: o Espírito-na-natureza (Naturgeist), o objeto do ponto de vista da Antropologia (do tempo de Hegel, mero modo de expressar a relação de alteridade homem vs. natureza, não a Antropologia científica que estuda a diferença cultural entre culturas ou homens diferentes – está muito mais para ciência exata que para um campo social, pois abarca até a fisiologia humana, como teremos a oportunidade de ver mais abaixo).

3.1.2. O mediato: reflexão no sentido comum. A consciência abstraída, tratando-se como objeto exterior (o objeto do ponto de vista da Fenomenologia da Mente).

3.1.3. Objeto-de-si-mesmo: o objeto do ponto de vista da Psicologia (hegeliana), reconhecendo-se idêntico ao que era outro (reincorporando-se).

Para Derrida, a teoria do signo pertence em sua delimitação, mais precisamente, ao momento da Psicologia (3.1.3), “definida como ciência da Mente determinando a si mesma em si mesma como objeto para si mesma”.

A semiologia, como parte da ciência do objeto para si mesmo, não pertence à ciência da consciência, isto é, à fenomenologia [3.1.2].” “Esta psicologia está divorciada da natureza. Estamos não só referidos aqui a todas as tentativas semiológicas do séc. XVIII, que eram todas psicologizantes, mas referidos, em última instância, a Aristóteles, o patrono que Hegel invoca em sua Psicologia da Mente quando, na Introdução acima, descreve:

Os livros de Aristóteles Da Alma (Peri Psychis) … são por isso e ainda, de longe, o trabalho especulativo de valor mais admirável, talvez o único de valor, neste tópico. A principal meta de uma filosofia da mente só pode ser reintroduzir o conceito no conhecimento-da-mente, o que quer dizer redescobrir a lição destes livros de Aristóteles.

Define Aristóteles, em outro livro:

A palavra falada (ta en tiphoni) é o símbolo de afecções ou estados da alma, e a palavra escrita é o símbolo da palavra falada. Assim como nem todo homem tem a mesma escrita, nem todo homem tem o mesmo som da voz, mas os estados da alma, de que essas expressões são o signo imediato ou primário (semeia protos) são os mesmos para todos, assim como as coisas, de que esses estados são apenas a imagem.”

Mas quando afirmo [Derrida] que é tradicional fazer da semiologia dependente da psicologia, não penso apenas no Hegelianismo do passado, mas no que se revela como além do Hegelianismo, isto é, superação do Hegelianismo, e não só algo derivativo e compreendido no Hegelianismo. Porque essa é uma tradição metafísica, ininterrompida pelas ciências humanas contemporâneas. Nos seus Cursos de Lingüística Geral, Saussure traça duas vezes o plano para uma semiologia geral juridicamente [?] dependente da psicologia.”

A Lingüística é só uma parte da ciência geral da semiologia; as leis descobertas pela semiologia serão aplicáveis à lingüística, e esta última será circunscrita em limites bem-definidos dentro da massa de fatos antropológicos.” Saussure

Uma observação: hoje entendo a Lingüística como uma Semiologia no sentido saussureano, e a lingüística de Saussure como uma subdivisão desta. Isto é, entendo que nunca houve esta expansão desejada por Ferdinand de Saussure.

Hjelmslev, apesar de reconhecer a importância da herança saussureana, levantou a questão da crítica aos pressupostos dessa mesma herança, i.e., criticou a autoridade atribuída à psicologia e o privilégio acordado à ‘substância expressiva’ sonora ou fônica.” Nesse tocante, creio que Saussure ainda siga atual e não procede a crítica hjelmsleviana: a lingüística segue sendo o estudo do signo psíquico, em clara antecipação à consideração de que surdos-mudos aprendem a língua sem prejuízo (o processo mental incorpora a questão da escuta e da fala, não havendo quebra epistemológica dos pressupostos de Saussure).¹ Por outro lado, a fala continua sendo a instância privilegiada em detrimento da escrita, como se vê no princípio da arbitrariedade das mudanças lingüísticas (sobre as quais a literatura não têm nenhum controle, uma vez que a língua se desenvolve organicamente no cotidiano do universo dos falantes totais daquela língua).

¹ Muitos estudantes de lingüística de nosso tempo querem desqualificar Saussure no trecho em que ele se refere ao ‘signo acústico’, porém o sentido mais correto do que ele quis expressar em sua época teria de ser retraduzido nas atuais edições de sua obra clássica como ‘psíquico’ no lugar de acústico, porque se refere a um processo interior, mental.

Veremos como a excelência psíquica e a preeminência fônica andam juntas também em Hegel, por razões que são histórica e essencialmente metafísicas.”

A psicologia estuda as faculdades ou modos gerais da atividade mental enquanto atividade mental – intuição, representação, rememoração, etc., desejos, etc.” H.

A teoria dos signos, consistindo essencialmente numa teoria da fala e da escrita, está contida em duas notas de rodapé bastante extensas de H., notas estas mais longas que os próprios parágrafos aos quais estão subordinadas, no sub-tópico intitulado ‘Imaginação’ [na Enciclopédia]. A Semiologia seria, portanto, um desenvolvimento pertencente à teoria da imaginação, e mais especificamente, à Fantasiologia ou Fantástica¹ [Phantasiology ou Phantastics] hegeliana.”

¹ Ainda não li o original (a Enciclopédia). Talvez Fantasística ou mesmo Phantasística, com ‘ph’, sejam traduções mais acertadas.

O que é imaginação? Representação (Vorstellung) é intuição relembrada-interiorizada (erinnerte). Pertence à inteligência (Intelligenz), que consiste em interiorizar a imediatidade sensível, ‘para apresentar a si mesmo como possuidor da intuição de si mesmo’ (in sich selbst anschauend zu setzen) – para suspender e conservar, no duplo movimento da negação (Aufhebung), a subjetividade pertencente à interioridade,¹ para que seja exteriorizada em si mesma e ‘esteja em si mesma em sua própria exterioridade’ (in ihrer eigenen Ausserlickhkeit in sich zu sein). Na lembrança temos o movimento decisivo da representação em que a inteligência é chamada de volta a si, e está em si mesma em sua exterioridade. Na lembrança o conteúdo da intuição se torna uma imagem – está livre da imediatidade e individualidade a fim de permitir a transição para a representação conceitual objetiva. E a imagem lembrada e interiorizada na memória não é mais uma ‘existência’, i.e., presente, na memória, mas depositada fora da consciência (bewusstlos aufbewahrt), retida numa morada inconsciente. A inteligência pode ser concebida como essa reserva, essa capa escura no fundo da qual as imagens enterradas são escavadas.² Hegel também chama essa instância ou reserva de ‘abismo noturno’ ou ‘abismo inconsciente’.”

¹ O texto em inglês de Derrida traz “inferiority”, inferioridade. Pode ser um jogo semântico de Hegel sobre ascender e baixar, também; mas como está em oposição a exterioridade aqui, acho mais provável que seja só erro de digitação.

² Fuck Freud!

Que a rota que vamos percorrer seja circular e que esse abismo seja em verdade uma pirâmide é um enigma sobre o qual devemos perguntar se ele deve ser suspendido como uma verdade que estava no fundo de um poço e devemos trazer à luz ou então decifrado como inscrição que adorna o monumento.” Os próprios verbos interiorizar e recordar em alemão têm a mesma raiz. Sobre a pergunta retórica de Derrida, veremos que é um pouco dos dois.

A síntese dessa imagem interna com a existência relembrada é ela mesma o conceito de representação: mediante esta síntese o interno agora tem a qualificação para aparecer diante da inteligência e existir propriamente, estar-aí (Dasein)” H. § 454

Esta explicação de H. serve para a memória re-produtiva, passiva, que não cria suas próprias memórias, apenas recebe dados do exterior. É só a primeira etapa da explicação da faculdade da memória.

O que é produzido e exteriorizado no momento seguinte (a segunda etapa da faculdade da memória) e espelhado (simétrico, contrário) é o signo. Ele é emitido pela imaginação produtiva ou criativa. Nossa capacidade de fantasiar, no sentido hegeliano.

Uma existência imaginada é uma imagem existenciada.

O que é internalizado se torna universal para si mesmo, e logo é expelido como intuição concreta (“an affirmation that may appear abusive or unintelligible”, D.) ou coisa. Nesse esquema H. não omite que é tributário de Kant.

Finalmente, notemos que a imaginação transcendental é também o movimento de temporalização que Heidegger repetiu tão admiravelmente em seu Kant e o Problema da Metafísica

A união dos contrários e a semio-poiesis. “Productive imagination is the MittelpunktH.

Ao final do texto vamos finalmente entender o que significam essas aspas!

O signo em si mesmo não é nada.

A imaginação, quando percebida como a agência dessa unificação, é razão (Vernunft), mas só razão formal, porque a matéria ou o tema que encapsula é para a imaginação enquanto (qua) imaginação uma matéria indiferente; ao passo que a razão enquanto (qua) razão determina também o conteúdo com vistas à verdade.” § 457

O signo só é um ponto-médio do caminho para a verdade da consciência (fica a meio caminho), e no entanto ele não é um acidente (arbitrário), no sentido de ser um momento, embora abstrato (nisso, ele é arbitrário), necessário no desenvolvimento da racionalidade e da aparição da verdade.

Por que a verdade independe do, ou melhor, depende da ausência do, signo?”

Por que o signo é só um momento inferior, um conceito metafísico menor?” (Neste sentido talvez o ‘interior’ lá em cima fosse mesmo inferior!)

Por que a verdade não se expressa (em signos)?”

Then ‘Why’ (Pourquoi) here no longer indicates a question about the in-view-of-what? (pour quoi), about the telos or the eschaton of the movement of signification; nor does it indicate a question about an origin: ‘Why?’ taken as ‘because of what?’ ‘Starting with what?’ etc. ‘Why’ is then the still metaphysical name for a question about the metaphysical system that links the sign to the concept and to truth. But this question can break through and penetrate only in freeing itself from even this Why-form, undetermined as it may seem.”

O signo só é o que é hoje no campo do conhecimento porque a metafísica foi encerrada ou arrematada – ele se beneficiou disso.”

O signo é, na definição de Hegel, portanto, a unidade de uma ‘representação independente’ e de uma ‘intuição’. Porém, na identidade da representação e da intuição, algo excepcional sucede: essa intuição não é uma simples intuição, como a intuição em geral. Um ser é dado, uma coisa é apresentada, apresentada para imediata recepção no presente. Exemplo: a cor dum chapéu está-lá para a intuição. Porém, como é indissociável da representação (Vorstellung) essa presença representa, i.e., reapresenta algo que não é em si mesmo, ou não é o mesmo, mesmidade, mas diferença. É colocada (a cor) no lugar de algo outro (etwas anderes vorstellend), um representativo representacional de algo mais (aqui Vorstellung não é só apresentação, é representação no sentido literal, pois indica o papel de mediação). O quê representa? Do quê o significante apresentado à intuição é significante? Como H. determina o representado ou o significado? É claramente uma idealidade contrastada com a real corpo-realidade (ou corporeidade) do significante. H. chama esse significado do signo, o Bedeutung (geralmente traduzido como ‘significação’; eu, por outro lado, prefiro traduzir como content de vouloir-dire).¹”

¹ O conteúdo-significado; seguindo a estranha expressão francesa, o conteúdo do querer-dizer.

Corpo-significante e alma/idealidade-significado

O signo é, pois, uma encarnação.” “Isso segue válido em Saussure e Husserl. Para este último o signo é animado pela intenção de significações como corpo (Körper) tornando-se ou devindo corpo-próprio (Leib) animado por Geist (alma, espírito). Para Husserl a palavra viva é uma espiritualidade corporificada.”

Mas Hegel enfatiza não só a aquisição do corpo-próprio, mas o lado inerte e inanimado, tumba.” Há um trocadilho em grego, usado por Platão, entre soma e sema (corpo e tumba, o corpo é uma prisão da alma).

O corpo do signo é aquele monumento no qual a alma vai ser silenciada e confinada, guardada, mantida, conservada, tornada presente.” pirâmide-embalsamamento-monumento-inscrição

trabalho da morte”

H. usa deliberadamente o signo pirâmide, ou diríamos o símbolo piramidal, para designar ou para significar o signo.” “H. vê no hieróglifo egípcio uma espécie de paralisia da dialética.”

O “algo mais” acima é justamente o negativo. Todas as cores que não são a cor do chapéu. A intuição-do-ausente.

A alma consignada na pirâmide é estrangeira. Se a alma é transposta, transferida, transplantada no monumento-significado, é de outra ordem que a pedra-significante, do intuitivo dado. E essa heterogeneidade é, primeiro, a irredutibilidade da alma e do corpo, do inteligível e sensível, do conceito (idealidade-significado) e do corpo sensível do significante. (representação) H.

Há um abismo ou alteridade intransponível aí. Para H., essa é a distinção entre signo e SÍMBOLO. Um símbolo simboliza naturalmente algo que se lhe assemelha. Um signo é totalmente convencionado, não há ligação natural entre significante e significado.

Essa teoria da natureza arbitrária do signo e essa distinção entre signo e símbolo é retomada em extenso e de modo mais claro na Introdução à primeira seção da Estética (‘Do símbolo em geral’).”

Se ainda havia alguma dúvida de que todo o sistema conceitual que domina a assim chamada revolução da lingüística – quero dizer, a lingüística saussureana – usa como modelo explícito a metafísica, precisamente a metafísica que opõe conceitos entre si, a da semiologia hegeliana, creio que agora essa dúvida não pode mais se colocar.”

A palavra símbolo foi utilizada por vários autores para designar o signo lingüístico, ou mais especificamente o que aqui se chama significante. O princípio da arbitrariedade do signo que acabo de explicitar é totalmente contrário à persistência desse uso. Uma característica do símbolo é que ele nunca é inteiramente arbitrário; não é inócuo, porque há indícios de uma conexão natural entre significante e significado. O símbolo da justiça, um par de balanças, não pode ser substituído impunemente, p.ex., por um tanque.” Saussure

the production of arbitrary signs manifests the freedom of mind.” O telos da Psicologia hegeliana, a aquisição da liberdade.

Na atribuição de significados, portanto, a inteligência manifesta uma liberdade e uma maestria incomparáveis no uso de intuições que não são nunca manifestas nas simbolizações.” H., § 458

Aí vemos concluída a pirâmide de Hegel.” É como se o ‘espaço arquitetônico’ escolhido por H. para representar a aquisição de, por um lado, uma razão vazia (ainda uma razão incompleta) e, por outro, uma liberdade irrestrita pela consciência, em uma de suas etapas, fosse exatamente a parte que cabe deixar oca nas construções, para que a distensão dos metais e outros sólidos não comprometesse todo o esqueleto da construção.

This sign-creating activity may be distinctively named ‘<productive> memory’ (produktive Gedächtnis) (the primarily abstract ‘Mnemosyne’); and since ‘memory’ (Gedächtnis), which in ordinary life is often used as interchangeable and synonymous with ‘remembrance’ (recollection) (Erinnerung), and even with ‘conception’ and ‘imagination’, has always to do with signs only.” (Remark, § 458)

In his fine essay on Proust, G. Deleuze has shown very well that the Remembrance of Things Past was less an exercise of memory than a semiotic activity or experience. You see that Hegel does not distinguish between the two, and that there is here another occasion to underline an affinity between Proust and Hegel.”

ONDE GERALMENTE OS MATEMÁTICOS PARAM DE TENTAR DESAFIAR HEGEL: “É a minha tese [Derrida] a do privilégio do sistema lingüístico – que é fônico – sobre todos os demais sistemas semióticos. Um privilégio, destarte, também da fala sobre a escrita; e da escrita fonética sobre qualquer outro sistema de notação ou qualquer outro tipo de inscrição, em particular os hieróglifos ou a escrita ideográfica. Mas também da escrita fonética perante a escrita matemática formal (qualquer que seja ela), a álgebra, a pasigrafia [uma espécie de Esperanto taquigráfico] e outros projetos de escritura universal do tipo leibniziano (fracassados), sobre o qual Leibniz gabou-se de ‘não necessitar, por princípio, referir-se à voz (vox) ou à palavra’.”

That is if one accepts, and in the measure that one accepts considering Hegelianism as the completion of Western metaphysics, the pre-eminence of the phoni is one with the essence of metaphysics. And thus whatever in certain modern sciences – for example in a certain work of glossematics carried out by Hjelmslev, but this is but one example – scientifically questions this privilege of the vox, both as voice and as word, in some measure trangresses the metaphysical closure itself.”

no signo a intuição sensível-espacial é sublimada temporariamente” Mas o que entra no lugar do espaço ao ser negado é o tempo, que em si é (o lado oculto do) espaço. O signo como temporalização em Heidegger (acima).

a fase mais verdadeira da intuição usada como signo é a existência no tempo (Dasein – o sendo-aí em intuição – in der Zeit: uma fórmula que devemos considerar ao mesmo tempo como dizendo que o tempo é o Dasein do conceito).” “Por que é a da intuição sublimada a sua fase mais verdadeira? Porque o tempo é o espaço sublimado.” O MEIO É A MENSAGEM: É a única forma do corpo (significante) desaparecer conservando-se a si mesmo na forma da idealidade (significado, conceito), ou seja, como outro. “But what is the signifying substance, what glossematicians call the expressive substance, most proper to be thus produced as time itself? It is sound, sound lifted from its naturalness and bound to the mind’s relation with itself, to the psychi as subject for itself and auto-affecting itself – the animated sound, the phonic sound, the voice, the Ton.” O homem é o único animal que vive-no-tempo porque ele fala (e compreende a fala).

The voice is what unites the anthropological naturalness of the (natural) sound with the psychic-semiotic ideality, what consequently joins the Philosophy of Mind to the Philosophy of Nature, and within the Philosophy of Mind joins anthropology to psychology between which, I recall, phenomenology, the science of consciousness, is inscribed.”

This means, in Hegelian language, that it is the essence of time as existence of the concept. But at the same time (so to speak) language, inasmuch as it interiorises and temporalises Dasein as it was in the given of sensible-spatial intuition, elevates existence itself, sublates (relève) it in its truth, at its highest level. It makes the sensible existence pass to representational or intellectual existence, to the existence of the concept. And this transition is precisely the moment of articulation that transforms the sound into voice and noise into language – a theme that would also merit a whole comparison with De Saussure.” O pensamento se materializa e a vida (fenomênica) fica em suspenso. Pode-se dizer que é a versão hegeliana da Idéia de Platão: acima do reino da Representação, no reino da representação, ao mesmo tempo, sem contradição, ou suportando a contradição (um em- como se não fosse em-, e sim num ‘além-tempo’: uma transcendência imanente).

But he contents himself with this systematics or architectonics. He does not fill out the field whose limits and topography he delineates. There are, none the less, indications of the lineaments of such a linguistics. For example, he admits that linguistics must be distinguished into a formal (grammatical) element and a material (lexicological) element.”

Ideality in general is, in Hegelian terms, ‘the negation of the real, which is none the less at the same time conserved, virtually retained (virtualiter erhalten), even if it does not exist’. But ideality as an element of language since the sign is the sublation (relève) of the sensible intuition of the real – has its own sense organs, its own elements of sensibility. Two senses share physical ideality between them: the sense for light and the sense for sound. These two elements have a privilege to which Hegel devotes numerous and splendid analyses in the Encyclopaedia and in the Aesthetics.

In so far as sound is concerned, it is noteworthy that linguistics refers us from psychology to anthropology (psycho-physiology), and that this latter refers us to physics. It is the reverse route of the teleology and movement according to which the Idea is reappropriated to itself as mind by rising from and sublating the nature [en (se) relevant (de) la nature] in which it was lost while being betokened therein. But at the beginning of the Physics light is posited as the first but abstract manifestation, an undifferentiated identity of qualified prime matter. It is through the light that nature refers to itself, manifests itself to itself. As is said in the Aesthetics, ‘light is the first ideality, the first auto-affirmation of nature. In light nature for the first time becomes subjective.’E fez-se Luz, e fez-se o Verbo (a Voz).

Signs, Hegel reflects, are not consumed. And this is to be related to the fact that the signifying matter is for Hegel always sound or light. We should have to ask if there is no other, and even whether audible or visible signs are not in some way eaten or consumed.

In any case, if sight is ideal, hearing, Hegel notes, is even more so; it as it were sublates (relève) sight.” Espaço Tempo. As artes visuais em geral, e os túmulos e inscrições egípcias em particular, negam a negação, tentam paralisar a dialética.

Há uma interseção astuciosa entre consumar (a metafísica) e consumir (a luz e o som) aqui (pois comer, devorar é acabar, completar). Afinal essa construção hegeliana é eterna ou está sofrendo erosão? Derrida encerra o ensaio falando da possibilidade de outra metafísica se – e somente se – alguém for pelo caminho da diferença (e não pelo da indiferença totalizante hegeliana), ou seja, alguma tentativa no sentido do que Hjelmslev empreendeu por volta dos anos 50.

HEGEL & O ESPÍRITO DA MÚSICA (Como que para comprovar que, procurando bem, todos os grandes filósofos, mesmo se odiando e discordando uns dos outros, chegam a conclusões fundamentais em comum – sobre a música, Hegel, Schopenhauer e Nietzsche são o consenso em contínuo – uma faixa de música alemã bastante longa): “since the calm, disinterested contemplation of works of art, far from seeking to suppress objects, lets them subsist as they are and where they are, what is conceived by sight is not the ideal in itself, but on the contrary perseveres in its sensible experience. But the ear, on the contrary, without practically (praktisch) turning to objects, perceives the result of the interior trembling (innern Erzitterns) of the body by which not the calm material figure, but a first ideality coming from the soul is manifested and revealed. As, on the other hand, the negativity in which the vibrant matter (schwingende Materia) enters constitutes a sublation (Aufheben of the spatial state, which sublation is in its turn sublated by the reaction of the body, the exteriorisation of this double negation, the sound (Ton) is an exteriorisation which is in its upsurge annihilated again by its own being-there, and vanishes by itself. By this double negation of exteriority inherent in the principle of sound, sound corresponds to the internal subjectivity in that sonority (Klingen), which of itself already is more ideal than real corporeality, renounces even this ideal existence and thus becomes a mode of expression of pure interiority.”²

¹ Entender sublimação do modo mais físico-químico possível – sem a interferência da hedionda psicanálise! Por isso eu prefiro sempre traduzir sublimação como simples negação quando posso – já que em Hegel a negação é sempre transitória (toda evaporação de matéria sólida é cíclica – cf. o motto marxista mais famoso!).ª De fato quando se diz que o tempo é o espaço sublimado, é o espaço negado, sem mais, nem menos do que isso.

ª Nada obsta o capitalismo (o real mais real) evaporar no ar!

² Aqui de novo o texto traz inferiority: agora estou certo de que era erro tipográfico: há a simetria corporeidade real (espaço puro) – pura interioridade (negação total do espaço).

This decisive concept of vibration, of trembling (Erzittern) as a physical transition from space to time, as sublation of the visible in the audible, the real in the ideal, this teleological concept of sound as a movement of idealisation and of Aufhebung of natural exteriority, is also explicated in the Encyclopaedia in the Physics (§ 300). We must then come back to it if we wish to account for the material part of language, that is lexicology.”

Thus in the linguistic part of semiology Hegel can make the move he advises against in general semiology: he can make of the question of writing an accessory question treated as an appendix, an excursus, a supplement. This move, we know, was made by Plato and Rousseau; it will also be made by De Saussure.”

It is from the province of immediate spatial intuition to which written language proceeds that it takes and produces the signs.” H.

Alphabetic writing is in and for itself the most intelligent’, says Hegel. Inasmuch as it respects, conveys and transcribes the voice as idealisation and movement of mind relating itself to its own interiority, phonetic writing is the most historical element of culture, most open to infinite development. ‘Learning to write an alphabetic writing must be considered a means of infinite culture (unendliche Bildungsmittel).’Um meio de imagem infinito, ‘diz’-nos a língua alemã! Sobre o negrito: de fato nós definimos nossa História pela escrita (mesmo quando esquecemos de definir que é a escrita fonética): antes da escrita, era a pré-História. Resta a pergunta: abriremos mão da cultura, ou ainda viveremos dentro da História? Mesma pergunta, em roupagem diferente, sobre o fim da Metafísica em H..

History as history of mind, the development of the concept as logos, the onto-theological deployment of parousia, is not hindered, limited, interrupted by alphabetical writing, which, on the contrary, inasmuch as it better effaces its own spacing, is the highest, the most sublating mediation.” Através do registro escrito (e amplio: da notação musical) podemos trazer de volta à memória qualquer momento sublime, ou idealidade, negação do real, do espaço ao menos, enquanto sobrevivemos na nossa forma fundamental que é o tempo, e vivenciar o Absoluto (em Hegel). Podemos, em suma, transcender a mundanidade. A pós-modernidade não vem destruindo a cultura, mas apenas jogando no mesmo terreno. Agora entendo por que Jean Baudrillard levanta a hipótese de que essa condição pode durar indefinidamente…

In effect, as everyone knows, and as Hegel recognises with a lucidity very rare in this domain, there is no purely phonetic writing; the alphabetical system we use is not and cannot be completely phonetic. A writing can never be penetrated and sublated completely by the voice. And the non-phonetic functions, the so to speak – silences, of alphabetic writing are not factual accidents or by-products one might hope to eliminate (punctuation, numbers, spacing). Hegel recognises this in passing in a parenthesis he quickly closes, and in which we read, concerning hieroglyphic writing: ‘(and hieroglyphics are used even where there is alphabetic writing, as in our signs for the numbers, the planets, the chemical elements etc.)’.”

Speaking of the hieroglyphic or Chinese writing, Hegel notes (as he does in other texts, notably in the Logic): ‘this feature of hieroglyphic – the analytic designation of representations – which misled Leibniz to regard it as preferable to alphabetic writing is rather in antagonism with the fundamental desideratum of language – the name’.

In assigning limits to universal, that is mute writing, writing not bound to the voice and to natural languages, in assigning limits to the function of the mathematical symbolism and calculus, considered as the work of the formal understanding, Hegel wishes to show that such a reduction of speech would interrupt the movement of Aufhebung, which is the movement of idealisation, of the history of mind and the reappropriation of logos in the presence to itself and infinite parousia. What is most written, most spaced, least vocal and internal in writing is what resists dialectics and history. We then cannot question the Hegelian concept of writing without questioning the whole history of metaphysics. For it is not a question of returning to Leibniz, concerning whom I have endeavoured elsewhere to show that his project remained metaphysical, and is fundamentally accessory to the system on the basis of which Hegel addresses his objections to him.

The writing from which metaphysics is to be questioned in its closure is then not writing such as metaphysics had itself determined it, that is such as our history and our culture enable us to think it, in the most familiar evidence of what is obvious. This writing in which the outside of metaphysics is announced could have, among other names, that of difference.”

LA CRÓNICA UNIVERSAL DE ISIDORO DE SEVILLA: Circunstancias históricas e ideológicas de su composición y traducción de la misma – Jose Carlos Martín, 2002., Seguido de: CLÁSSICO É CLÁSSICO E VICE-VERSA, da autoria do Autor (e de quem mais?).

Isidoro, obispo de Sevilla desde el año 600 aproximadamente y hasta su muerte en abril de 636, fue autor de numerosas obras de carácter gramatical, espiritual, apologético, exegético, enciclopédico e histórico. Si nos centramos en estas últimas, Isidoro escribió una Crónica Universal desde la creación del mundo hasta su época y unas Historias de los godos, suevos e vándalos, especie de historia nacional de gran valor para los historiadores del período visigodo.”

CI fue editada por última vez hace ya más de 100 años (1894) por Th. Mommsen, MGH, cm 2, PP. 424-81. Apenas ha merecido un gran interés por parte de los estudiosos. Sobresale el magnífico trabajo que dedicó a esta obra Reydellet, Les intentions idéologique; cf. además Galán Sánchez, El género historiográfico, pp. 173-208. Recientemente he dado término a una nueva edición crítica de esta obra junto con un amplio estudio de la misma: J.C. Martín, La Chronique d’Isidore de Séville. Édition critique et commentaire, 2000, Tesis Doctoral dirigida por François Dolbeau (que se puede consultar en la Biblioteca de la École Pratique des Hautes Études, IVe Section, Sciences Historiques et Philologiques, de París). HG (la Historia de los godos) fue críticamente traducida en 1975 por Rodríguez Alonso, Las Historias. De esta última obra existe además una reciente traducción inglesa acompañada de notas: Wolf, Conquerors, pp. 79-109.”

se deduce que el reino de los godos ha durado, con el favor de Dios, 256 años” Menor que muitas tartartugas.

Mais nota de rodapé que dedo na mão

La Crónica de Isidoro no aporta apenas nada a la historiografía, ni desde el punto de vista formal, ni desde el punto de vista del contenido, ni desde el punto de vista ideológico.” Galán Sánchez

Desde el punto de vista ideológico, la Crónica de Isidoro no presenta tampoco ningún relieve especial. Políticamente hablando, es una historia ‘neutra’… Isidoro no se pone a escribir a raíz de ningún acontecimiento histórico extraordinario, ni para sustentar ninguna ideología política concreta. Fuera del providencialismo religioso típico del género, la obra de Isidoro presenta una rara y aséptica neutralidad ideológica.” ibid.

Isidore does not write national but royal history.” Sánchez Salor, El providencialismo

Ainsi unifiée et considérée dans son ensemble, l’Hispania est prête à devenir le territoire du regnum Gothorum. De fait, le regnum Gothorum se confond désormais avec le regnum Hispaniae… De cette fusion entre le regnum barbare et la grande province hispanique est né, la première en Europe, la ‘nation’ d’Espagne, l’Hispania.” Teillet, Des Goths

aunque provisigodo, Juan de Bíclaro no se muestra hostil hacia Bizancio, a diferencia de Isidoro.” Álvarez García, Tiempo

Los visigodos eran, probablemente, a los ojos de Isidoro, los bárbaros que habían sido conquistados por los vencidos, como antaño había ocurrido a los romanos al apoderarse éstos de Grecia. Así, los hispanorromanos habían conseguido conquistar a sus invasores gracias a su cultura, por un lado, pero sobre todo gracias a su religión, pues sin ninguna duda fue la conversión de los visigodos al catolicismo en 589 que hizo posible el nacimiento de la nueva nación hispanogoda.”

Isidoro y sus intelectuales cercanos, en su calidad de escritores y eruditos, eran conscientes del devenir histórico, del nacimiento y del fin de los imperios, como los de los persas, egipcios, griegos o romanos. Sabían asimismo como lectores que la gloria de los reinos continúa más allá del fin de éstos y que es mucho más perdurable si ha sido fijada por escrito. Por ello, me parece altamente verosímil que Sisebuto propusiese a Isidoro la redacción de las dos principales obras históricas del sevillano, y que éste pudo escribirlas a fin de dejar eterno testimonio del esplendor y de la grandeza del reino hispanovisigodo de comienzos del siglo VII.”

Así también parece que Casiodoro nada más finalizar la redacción de su Crónica hacia 519, concibió la idea de escribir su Historia de los godos, hoy perdida, y a la que acabó entregándose entre 519 a 523 y 533 a 537-8”

Parece evidente que Isidoro no pudo escribir su obra durante esas rápidas y turbulentas semanas que constituyen el efímero reinado de Recaredo II, el hijo de Sisebuto.”

Los historiadores se preguntan incluso por qué Sisebuto puso punto final en el año 615 a la campaña contra los últimos emplazamientos bizantinos en la Península cuando todo parecía indicar que iba a obtener una rápida y fácil victoria sobre éstos. Vid. García Moreno, Historia, p. 149; Vallejo Girvés, Bizancio.”

Sin duda, precisamente la muerte de Sisebuto en las sospechosas circunstancias aludidas decidió a Isidoro a difundir rápidamente manuscritos que contuviesen HG, y ello pese a que probablemente no había finalizado satisfactoriamente su redacción o no había podido, al menos, revisarla con esmero. El trabajo que por esas mismas fechas el hispalense había dedicado a las Etimologías, su enorme enciclopedia, que conoció una primera redacción en vida de Sisebuto, hacia 620, debe de haber retrasado la composición de HG.”

COMIENZA LA CRÓNICA DE ISIDORO (SEGUIDO DA HISTÓRIA DO MUNDO POR RAFAEL DE ARAÚJO AGUIAR QUANDO O TEXTO ORIGINAL COMEÇAR A FICAR MUITO CHATO)

Primera edad del mundo.”

[Ano do Mundo] 1454 – En esta generación nacieron los gigantes.”

Nasce também a Música e a Metalurgia, no mesmo ano – que coincidência!

2242 – Escrito está que el diluvio aconteció a los 600 años de edad de Noé, cuya arca cuenta Josefo que se halla en un monte de Armenia llamado Ararat.

(…)

Segunda edad del mundo.”

2643 – En tiempos de Falec se edificó la Torre y se produjo la división de las lenguas.”

3035 Tuvo entonces su principio el reino de los egipcios”

3114 (…) Reinó el primero entre los asirios Belo, a quien algunos consideran Saturno.

(…)

Tercera edad del mundo [¿??]”

3184 (…) Nino reinó como rey de los asirios, el cual inició las guerras el primero e inventó las armas.” Para desgosto de Hobbes, o Homem viveu 3184 anos em estado de natureza (e outros!!!) e não produziu uma só guerrinha…

Ainda neste GRANDE ANO! “Zoroastro, inventor de la magia, es asesinado por el rey Nino.”

3344 (…) En este tiempo comienza el reino de los griegos” Uau, como não mais se sentiam tão superiores os egípcios, só 300 anos mais velhos que estas crianças, conforme descobrimos que mentiu Platão!

A deusa Atena habitava entre os homens.

3434 (…) Serapis, hijo de Zeus [mais um dos adultérios que Hera teve de suportar, tsc!] y rey de los egipcios (…) muere.”

Atena inventa a costura – ó! E o escudo e o arco também!

3688 (…) Se dice que en estos tiempos vivió Prometeo, de quien cuentan (…) que formó a los hombres del lodo.” Bom pra ele, mas já não havia homens?

Algum grego doido inventa a astrología.

3688 Zzzzzzzz… Os judeus são escravizados no Egito e Deucalião sobrevive ao segundo Dilúvio… Já tá ficando repetitivo, Jeová! Ah, não foi Jeová, foi Poseidon (Posidônio)!

3915 Inventam a medicina (um MÚSICO inventa a medicina)

Nem os Irmãos Certos, nem Santos du Monte, mas Dédalo e Ícaro!

En esta época reina el primero entre los latinos Pico, hijo de Saturno.”

Já inventaram a harpa umas 30 vezes!

Acho que as Musas gostam é do Olvido, com o perdão do trocadilho!

3955 Funda-se Tiro (Porrada & Bomba)

4003 Primeiras Olimpíadas!

4009 Fred Flintstone come seu primeiro sauroburger

Burro! Diz que Tróia foi conquistada em 3 anos! Não leu Homero!

4044 Samson faz seu primeiro concerto – as primeiras divas pop!

/ Joyce escreve o Ulisses

Quarta idade, ronc, ronc….

Dildo manda construírem a cidade Pênis.

4221 O Retorno dos Reis

Sauron tá fodido!

A média de idade dos homens começa a cair porque ainda não inventaram a quiropraxia. Nem mesmo Quíron!

Nasce o Clube de Regatas Remo da Rômula

Ozéias faz seu primeiro gol contra.

Rômulo tanta eleger os homens mais dignos de sua cidade para fundar o Senado – mas, decepcionado, acaba mesmo nomeando 101 dálmatas.

4543 Governou Numa Pompílio esse ano – a fonte é Plutarco, pode confiar!

Agora os anos demoram mais para passar, porque antes só tinham 10 meses.

Mas ninguém fazia porra nenhuma nesses 2 meses, só orgia, carnaval e putaria! Enquanto Roma era Roma…

Sócrates nem tinha nascido e a República Romana já prosperava…

Mas como Isidoro me ouviu, agora ele começou a remediar o fato, já que não havia se prevenido, e colocou Tales na parada.

Safo meteu fogo em Babilônia

Retiram Desmond Prometeu de um poço, uma estória mal contada…

Pitágoras inventa Euclides e o Triângulo Isósceles das Bermudas (mais conhecido como Sunga).

Dario imperador uruguaio por 30 Copas.

Funda-se a Charrete Olímpica, mãe do Gol Olímpico.

Os primeiros dinossauros abandonam a Terra devido à poluição, surfando num cometa.

Ésquilo e Eurípedes são o primeiro casal gay da Grécia – Aristófanes faz bullying com eles.

Diz, por exemplo, que Ésquilo tem a voz muito fina. Vaticina que essa relação inominável terminará em Tragédia e que todos estão cegos por não se banharem uma vez no único rio.

Heródoto mata o Mito

Um Leão faminto ressuscita Zorastuto.

Wolverine é visto por alguns com a aparência de sempre (primeiro viajante do tempo, porque foi quem viajou mais para trás, mesmo não tendo criado a máquina).

Hipócrates manda Lísias calar a boca e funda a sofisteria.

Platão descobriu qual é o bronze e o fator de proteção solar ideais.

Artaxerxes, o Rei cabeça Oca da vila secreta, reina como Hokage por 26 anos.

Demóstenes engole várias pedras e finalmente aprende a gaguejar.

Aristóteles mata seu mestre com um golpe de dialética (nome mais feio para raquete de tênis).

O Immolation grava seu melhor álbum. Baal-DJbub o produziu.

Alexandre o Maconheiro morre de enfisema pulmonar aos 33 anos.

Lady Gaga grava seu clipe no local da morte.

Vasco da Gama descobre o continente asiático.

Não perca a conta, estamos no ano 7×1.

Ptolomeu transforma a Filadélfia na cidade de economia mais pujante do Meio-Oeste.

Inventam o jogo da cara ou coroa e a hiper-inflação dispara porque todos os plebeus ficam viciados.

Os gregos afundam Atlântida e se mudam para lá, cansados.

Ênio, meu professor da quinta série, funda a Geografia.

Sasuke Bruto Kun Uchiha vinga seu clã e funda um reino sanguinário no deserto da Tartária.

Não se vêem mais Trácios da peste bubônica.

Mustaine compõe Lucretia

Sai lava do estádio Cícero Pompeu de Toledo

Júlio César é capa da primeira G-magazine, editada, numa plot twist, por Aristófanes, agora defensor dos direitos LGB.

Jesus Cristo nasce na Virgínia. Anda pregando a Palavra: todos precisamos de armas para nos defender da Rainha Elizabeth II no final dos tempos que virá nos puxar pelo pé para o inferno ver jogos de críquete em câmera lenta.

Belmont inventa o crucifixo para invadir o castelo de Tepes.

O Rei Nero mija na cama.

Sêneca leva a arte pela arte longe demais…

Fazem um filme sobre ele que é censurado na parte em que seu arqui-inimigo Epicuro come apenas uma fatia de um enorme bolo. Hegemonia do cinema chinês.

Tite é demitido da seleção brasileira.

Reinado de Nerva Ótica. Começam a usar lentes transitions.

Galiano cura 3 epilépticos no CT do Palmeiras.

Constantine exorciza Roma para que parem de queimá-la.

Aproveita e converte logo todo mundo ao Cristianismo.

Cobra um cachê muito elevado e torna Roma presa fácil para os bárbaros bancários, enriquecidos.

Prisciliano funda uma seita herege que leva seu nome: queimado na fogueira por ousar fundar uma seita com um nome tão horrível.

Jerônimo Jackson é o principal artista do período. Canta em todas as línguas.

Agostinho larga o táxi e se converte num bom homem.

Os godos invadem a Itália, os vândalos picham todos os muros e os alanos se fixam nos álamos, engrandecendo um pouco seus nomes e etnia.

Em troca da Queda do Império Romano do Ocidente, os godos aceitam ter a letra ‘r’ inserida entre as duas sílabas de seus nomes.

Pelágio posa na G-magazine, ainda a revista mais lida do planeta.

Os vândalos migram para a África e arrancam-lhe todos os diamantes.

Maomé choca o mundo ao ser visto várias vezes com mulheres muito mais velhas.

Zenão finalmente atinge seu alvo com sua flecha.

Começam a fazer Igrejas quadradas com encanamento, porque o estilo anterior era muito feio e ostentatório.

Os longobardos são os primeiros a navegar em cima de seus próprios paus.

Lutero é internado no hospício antes que conseguisse chegar à Espanha e enlouquecer Sanho Pança com suas histórias de moinhos e rodas trituradoras.

Heráclito consegue calcular a área do delta do Nilo.

Heidegger fica famoso ao divulgar em panfletos que o mundo não acabará no ano 5900 porque como é sabido até lá ele não será, mas estará sendo, exceção que confirma a regra dos Ônticos (povo que migrou da Birmânia).

Spinoza e Will Smith prometem fazer uma turnê mundial gravando filmes e escrevendo livros, alternadamente.

David Lynch escreve um epílogo que ninguém entende mas todo mundo aplaude.

AFTER BABEL: Aspects of Language and Translation – George Steiner, 1975.

Noam Chomsky has been generous in expressing his disagreements in private communication (an exchange of views is included in my earlier book, Extraterritorial: Papers on Literature and the Language Revolution).”

Ningún problema tan consustancial con las letras y con su modesto misterio como el que propone una traducción.”

J.L. BORGES, Las versiones Homéricas, Discusión, 1957

La théorie de Ia traduction n’est donc pas une linguistique appliquée. Elle est un champ nouveau dans Ia théorie et Ia pratique de Ia littérature. Son importance épistémologique consiste dans sa contribution à une pratique théorique de l’homogénéité entre signifiant et signifié propre a cette pratique sociale qu’est l’écriture.”

HENRI MESCHONNIC, Pour la poétique II, 1973

I. UNDERSTANDING AS TRANSLATION

Shakespeare, Cymbeline, Ato II

Is there no way for man to be, but women

Must be half-workers? We are all bastards”

“Não poderia prosseguir a espécie humana sem

a cópula? Por que há de participar a mulher?”

REMÉDIO SECULAR

O chifre tem propriedades terapêuticas. Pois não é que cada cabra macho já nasce com o remédio de seus males autocriado(s)?

Corta teu chifre, queima-o e espalha as cinzas

Para se vingar…

Do chifre e do remédio.

O vengeance, vengeance!

Me of my lawful pleasure she restrain’d(*),

And pray’d me oft forbearance: did it with

A pudency so rosy, the sweet view on’t(*)

Might well have warm’d old Saturn(*); that I thought her

As chaste as unsunn’d snow(*). O, all the devils!

This yellow Iachimo, in an hour, was’t not?

Or less; at first? Perchance he spoke not, but

Like a full-acorn’d boar, a German one,

Cried <O!> and mounted; found no opposition

But what he look’d for should oppose and she

Should from encounter guard. Could I find out

That woman’s part in me–for there’s no motion

That tends to vice in man, but I affirm

It is the woman’s part: be it lying, note it,

The woman’s: flattering, hers; deceiving, hers:

Lust, and rank thoughts, hers, hers: revenges, hers:

Ambitions, coverings, change of prides, disdain,

Nice longing, slanders, mutability;

All faults that name, nay, that hell knows, why, hers

In part, or all: but rather all. For even to vice

They are not constant, but are changing still;

One vice, but of a minute old, for one

Not half so old as that. I’ll write against them,

Detest them, curse them: yet ‘tis greater skill

In a true hate, to pray they have their will:

The very devils cannot plague them better.”

“Ah, vingança, vingança!

Do meu direito natural ela me desposou,

E rogou ilimitadas vezes: Tem misericórdia,

Com uma pudicícia tão rósea-roseta,

Um olhar tão doce inocente

Que derreteria até o velho Tempo;

Até pensei nela casta como

neve tapada. Ah, pelos Diabos!

Juan O Íntegro, esse galinha, num instante

No primeiro encontro? Talvez tenha-

Lhe metido sem sequer trocarem cumprimentos

Como com um leitão alemão,

Montou em cima com um grito;

E a montaria não se rebelou,

E como foi que a porta ele arrombou

do celeiro? poderia eu entender o que se passa

na cabeça da mulher? — porque de homem se tratando

não há o que nos force a comer do fruto proibido,

a não ser uma Eva em nossas vidas, aquela

campeã na arte de mentir na horizontal;

bajular, enganar; ceder à luxúria, cobiçar,

coisa de mulher: ah, e se vingar;

Ambições, dissimulações, véus de orgulho e desdém,

Paciência para esperar o momento de pecar;

escândalo, volubilidade;

Todos os pecados que, só deus sabe, só recaem,

Ou maior parte, nelas: Porque nem no vício

São elas tão constantes, mas é tudo imprevisível;

Um vício, um capricho de um minuto,

logo é trocado, por um bem mais no-viço.

Deteste-as, amaldiçoe-as: qu’importa! se elas são

especialistas nesse tipo de rancor,

sempre se acham com a razão:

nem demônios praguejam como elas!”

COMENTÁRIOS DOS (*)

“Lawful pleasure” pode ter ou não uma conotação sexual. Mas decerto é patriarcal – e não seria menoscabar o problema tratá-la como “mera questão jurídica”?

Pudicícia, rosada, doce… Todo o sintagma é carnal, erótico… Uma rosa, um botão de rosa, é tão inocente… Até ser deflorado… A virgem é pueril, não mente, até enrubescer, e o que seria a rosa que não é pálida? Talvez alguém que se envergonha de si própria, que se percebe, finalmente, complexa, mentirosa… A mesma cor da paixão e do imprevisível. “Roseta” lembra buceta, quem vê cara não vê genital… Pau-dora, origem do mal. A etimologia da palavra não engana os portugueses, só os lúbricos brasucas… Pau-pra-toda-obra. Doce pode ser gosto ou cheiro, para o heterossexual a buceta emana olores eflúvios e é apetitosa, quanto mais inutilizada ela é. A pudica na verdade é uma piranha (inconsciente), é isso que William na boca de Póstumo (nome sugestivo) quer dizer.

O irônico é que se eu estivesse a ver coisas (safadeza) em cada versostrofe, Shakespeare não mexeria (shake) com o leitor e seus sentimentos com tanta freqüência, sem respiro: Zeus, o mulherengo do Olimpo, que destronou o Pai-Tempo, que era outro mulherengo, todos eles vira-e-mexe sacaneados por mulheres… A que vem essa citação aqui? Warm é tão ambíguo quanto o róseo, pode ser enternecer, amolecer, como justamente o oposto excitar, entesar. O fato é que a mulher quebra o deus, preferi o derreter. Curva-o, com suas curvas, e aquele olhar. E olha que ele é o próprio Cronos, que anda com o ponteiro, e já viu de tudo nesse mundéu… Que sensação cruel.

Já que ela é inocente, posso dizer que é uma tapada. Uma neve tapada, recoberta, sem acesso ao Sol (deus Apolo, um pouco de razão na vida de Zeus, digo, do Pai mulherengo). Mas só assim para ser fria e glacial, impiedosa na hora de machucar… De novo aquilo da neve branquinha. A rosácea não!

Iachimo é Giacomo, o James bíblico. Também significa “complementador”, “reparador”, daí o epíteto “íntegro”. Porém, como nesta estória ele vem para galantear a mulher dos outros, é Juan e não James! Amarelo quer dizer literalmente “galinha” em Inglês.

Quanto aos outros quatro quintos, foram muito mais fáceis; se não é Eva o protótipo de tudo o que Póstumo falou, mato-me eu!

* * *

O poder do editor é de Thor!

I am quoting from the Arden edition of the play by J.M. Nasworthy. His version of Posthumus’s speech embodies a sum of personal judgement, textual probability, and scholarly and editorial precedent. It is a recension which seeks to gauge the needs and resources of the educated general reader of the mid-twentieth century. It differs from the Folio in punctuation, line-divisions, spelling, and capitalization. The visual effect is markedly different from that achieved in 1623.” “A first step would deal with the meaning of salient words – with what that meaning may have been in 1611, the probable date of the play. Already this is a difficult step, because current meaning may not have been, or have been only in part, Shakespeare’s. In short how many of Shakespeare’s contemporaries fully understood his text? An individual and a historical context are both germane [pertinentes].”

One might begin with the expressive grouping of stamp’d, coiner, tools, and counterfeit. Several currents of meaning and implication are interwoven. They invoke the sexual and the monetary and the strong, often subterranean links between these two areas of human will.” “The meshing of adulteration with adultery would be characteristic of Shakespeare’s total responsiveness to the field of relevant force and intimation in which words conduct their complex lives.”

Seu destino está selado, e ele é uma carta prestes a ser entregue.

the O.E.D. and Shakespeare glossaries here direct us to Much Ado About Nothing. It soon becomes evident that Claudio’s damnation of women in Act IV, Scene I foreshadows the rage of Posthumus.”

Pudency is so unusual [?] a word that the O.E.D. gives Cymbeline as authority for its undoubted general meaning: <susceptibility to shame>. A <rosy pudency> is one that blushes; but the erotic associations are insistent and part of a certain strain of febrile bawdy [obscenidade] in this play.” Eu não disse?

Shakespeare uses chaste three lines later with the striking image of unsunn’d snow. This touch of unrelenting cold may have been poised in his mind once reference was made to old Saturn, god of sterile winter.” Dessa eu não sabia: Saturno, Deus dos Anéis e também do Inverno Estéril! Aquele que carrega a própria morte circular…

Yellow Iachimo is arresting. The aura of nastiness is distinct.” “Much later, and with American overtones, yellow will come to express both cowardice and mendacity – the <yellow press>.” “Shakespeare at times seems to <hear> inside a word or phrase the history of its future echoes.” [!!!]

– Estou em Constância! – e desligou o telefone o homem, voltando a afundar sua língua nos pêlos pubianos de sua camarada constantina.

The study of Shakespeare’s grammar is itself a wide field. In the late plays, he seems to develop a syntactic shorthand; the normal sentence structure is under intense dramatic stress. Often argument and feeling crowd ahead of ordinary grammatical connections or subordinations. The effects – Coriolanus is especially rich in examples – are theatrical in the valid sense.”

He [Póstumo] is quick to anger and to despair. Perhaps we are to detect in his rhetoric a bent towards excess, towards articulation beyond the facts.”

Posthumus’s philippicis [arenga, diatribe, discurso virulento], at almost every stage, conventional; his vision of corrupt woman is a locus communis. Close parallels to it may be found in Harrington’s translation of Ariosto’s Orlando Furioso (XVII), in Book X of Paradise Lost, in Marston’s Fawn, and in numerous Jacobean satirists and moralists.” “The nausea of Othello, moving from sexual shock to a vision of universal chaos, and the infirm hysteria of Leontes in The Winter’s Tale have a very different pitch [tom].”

We know little of internal history, of the changing proceedings of consciousness in a civilization. How do different cultures and historical epochs use language, how do they conventionalize or enact the manifold possible relations between word and object, between stated meaning and literal performance? What were the semantics of an Elizabethan discourse, and what evidence could we cite towards an answer? The distance between <speech signals> and reality in, say, Biblical Hebrew or Japanese court poetry is not the same as in Jacobean English. But can we, with any confidence, chart these vital differences, or are our readings of Posthumus’s invective, however scrupulous our lexical studies and editorial discriminations, bound to remain creative conjecture?” “No aspect of Elizabethan and European culture is formally irrelevant to the complete context of a Shakespearean passage. Explorations of semantic structure very soon raise the problem of infinite series. Wittgenstein asked where, when, and by what rationally established criterion the process of free yet potentially linked and significant association in psychoanalysis could be said to have a stop. An exercise in <total reading> is also potentially unending. We will want to come back to this odd truism. It touches on the nature of language itself, on the absence of any satisfactory or generally accredited answer to the question <what is language?>”

Indeed at the surface, Jane Austen’s prose is habitually unresistant to close reading; it has a lucid <openness>. Are we not making difficulties for ourselves? I think not, though the generation of obstacles may be one of the elements which keep a <classic> vital.” “No less than Henry James, she uses style to establish and delimit a coherent, powerfully appropriated terrain. What lies outside the code lies outside Jane Austen’s criteria of admissible imaginings or, to be more precise, outside the legitimate bounds of what she regarded as <life in fiction>.” “Entire spheres of human existence – political, social, erotic, subconscious – are absent. At the height of political and industrial revolution, in a decade of formidable philosophic activity, Miss Austen composes novels almost extraterritorial to history. Yet their inference of time and locale is beautifully established. The world of Sense and Sensibility and of Pride and Prejudice is an astute <version of pastoral>, a mid- and late eighteenth-century construct complicated, shifted slightly out of focus by a Regency point of view. No fictional landscape has ever been more strategic, more expressive, in a constant if undeclared mode, of a moral case.”

the <Chinese box> effect of dependent and conditional phrases make for subtle comedy.”

Nature, reason, and understanding are terms both of current speech and of the philosophic vocabulary. Their interrelations, implicit throughout the sentence, argue a particular model of personality and right conduct. The concision of Miss Austen’s treatment, its assumption that the <counters> of abstract meaning are understood and shared between herself, her characters, and her readers, have behind them a considerable weight of classic Christian terminology and a current of Lockeian psychology. By 1813 that conjunction is neither self-evident nor universally held. Jane Austen’s refusal to underline what ought to be commonplace, at a time when it no longer is, makes for a covert, but forceful didacticism. <Defects of education>, <inferior society>, and <frivolous pursuits> pose traps of a different order. (…) Only by steeping oneself in Miss Austen’s novels can one gauge the extent of Lucy Steele’s imperfections.” “How much pre-information do we need to parse accurately the notions of simplicity and of interesting character, and to visualize their relationship to Lucy Steele’s beauty?”

In a usage which the utilitarian and pragmatic vocabularies of Malthus and Ricardo exactly invert, interest can mean <that which excites pathos>, <that which attracts amorous, benevolent sympathies>.”

A remote sky, prolonged to the sea’s brim:

One rock-point standing buffetted alone,

Vexed at its base with a foul beast unknown,(*)

Hell-spurge of geomaunt and teraphim

A knight, and a winged creature bearing him,

Reared at the rock: a woman fettered there,

Leaning into the hollow with loose hair²

And throat let back and heartsick trail of limb.³

The sky is harsh, and the sea shrewd and salt.

Under his lord, the griffin-horse ramps blind

With rigid wings and tail. The spear’s lithe stem4

Thrills in the roaring of those jaws: behind,

The evil length of body chafes at fault.

She does not hear nor see – she knows of them.”

Dante Gabriel Rossetti, Angelica Rescued by the Sea-Monster, rendição escrita de um quadro de Ingres (abaixo)

PEQUENO GLOSSÁRIO DE INGRES-ROSSETTI:

brim: horizonte

buffeted: fincada

chafes at fault: dá um coice no vento; é obrigado a recuar

fettered: presa, atada à

foul: horrenda

geomaunt: – (geomante, esclarecido apenas por Steiner – cfr. abaixo)

griffin-horse: cavalo-quimera, grifo

lithe stem: haste flexível

ramp: galopa, cavalga, esvoaça, se aproxima…

shrewd: agitado, maroto

sky is harsh, the: o tempo está feio/fechado

spurge: –

teraphim: ídolo judeu (herético)

It has a markedly heathen ring and Milton used the word with solemn reprobation in his Prelatical Episcopacy of 1641.”

thrill: vibra

vexed: ameaçada

Linhas especialmente problemáticas assinaladas por números (e sugestões):

Angélica resgatada pelo Monstro Marinho”

¹ Como se fosse uma entidade do inferno, Cérbero montando guarda //

O brotar da geomancia e dos maus presságios //

O aparecimento de maus augúrios e sinais dos deuses

(essas duas versões grifadas só foram rascunhadas após ler os parágrafos abaixo, que definem o termo arcano geomancy, e geomant, raro na língua.)

² Inclinando-se à beira do abismo, os cabelos ao vento

³ Sem voz e com os pungentes braços ao léu //

Sem poder chamar, mas gesticulando em desespero //

A garganta para trás, os braços desconjuntados

4 Com asas e cauda tensas. A haste da seta, n’entanto, já curva

 

 

 

Hell-spurge is odd. Applied to a common genus of plants, the word may, figuratively, stand for any kind of <shoot> or <sprout>. One suspects that the present instance resulted from a tonal-visual overlap with surge [uma erupção infernal e caótica, poderia ser a rendição correta].”

Geomaunt and teraphim make a bizarre pair. The O.E.D. gives Rossetti’s sonnet as reference for <geomant> or <geomaunt>, one skilled in <geomancy>, the art of divining the future by observing terrestrial shapes or the ciphers drawn when handfuls of earth are scattered (geomancy occurs in Büchner’s Wozzeck when the tormented Wozzeck sees a hideous future writ in the shapes of moss and fungi [lama e lodo – o café do reino vegetal]). Rossetti’s source for this occult term may well have been its appearance in Dante:

quando i geomanti lor maggior fortuna

veggiono in oriente, innanzi all’alba,

surger per via che poco le sta bruna . . .

(Purgatorio, XIX. 4-6)

The occurrence of surger so close to geomanti makes it likely that a remembrance of Dante in fact underlies this part of Rossetti’s sonnet and may be more immediate to it than Ingres’ painting.”

Marcadamente, os elementos telúricos do poema rivalizam com a temática marinha do soneto! Outra curiosidade é que o cavaleiro da estória é Roger, que salva a donzela da besta-marinha, mas o título diz o contrário!

MOTIVOS PARA UMA ABSTRAÇÃO

In a way typical of Pre-Raphaelite verse, the linguistic proposition is validated by another medium (music, painting, textile, the decorative arts). Freed from autonomy, Rossetti’s evocative caption can go through its motions. What do these amount to? No firm doctrine of correspondence is operative: the sonnet makes no attempt to simulate the style and visual planes of the picture. It embodies a momentary ricochet: griffin, armoured paladin, the boiling sea, a swooning figure on a phallic rock [a parte que Freud adoraria] trigger a volley of <poetic> gestures.”

(*) “Indeed, the whole of line 3 foreshadows [prenuncia, remete a] the Pre-Raphaelite strain in Yeats.”

ZEITGEIST DA IGNORÂNCIA

To our current way of feeling, Rossetti’s poem is a hollow bauble [baboseira vazia]. In short, at this stage in the history of feeling and verbal perception, it is difficult to <read at all> the Sonnets for Pictures.” “We are, in the main, <word-blind> to Pre-Raphaelite and Decadent verse. This blindness results from a major change in habits of sensibility. Our contemporary sense of the poetic, our often unexamined presumptions about valid or spurious uses of figurative speech have developed from a conscious negation of fin de siècle ideals.” “We have for a time disqualified ourselves from reading comprehensively (a word which has in it the root for <understanding>) not only a good deal of Rossetti, but the poetry and prose of Swinburne, William Morris, Aubrey Beardsley, Ernest Dowson, Lionel Johnson, and Richard Le Gallienne. Dowson’s Cynara poem or Arthur Symons’s Javanese Dancers provide what comes near to being a test-case. Even in the cool light of the late 1960s, the intimation of real poetry is undeniable.” “Much more is involved here than a change of fashion, than the acceptance by journalism and the academy of a canon of English poetry chosen by Pound and Eliot. This canon is already being challenged; the primacy of Donne may be over, Browning and Tennyson are visibly in the ascendant. A design of literature which finds little worth commending between Dryden and Hopkins is obviously myopic. But the problem of how to read the Pre-Raphaelites and the poets of the nineties cuts deeper.”

No tone-values are more difficult to determine than those of a seemingly <neutral> text, of a diction which gives no initial purchase to lexicographer or grammarian.”

When reading any piece of English prose after about 1800 and most verse, the general reader assumes that the words on the page, with a few <difficult> or whimsical exceptions, mean what they would in his own idiom. In the case of <classics> such as Defoe and Swift that assumption may be extended back to the early eighteenth century. It almost reaches Dryden, but it is, of course, a fiction.”

We are growing year by year more introspective and self-conscious: the current philosophy leads us to a close, patient and impartial observation and analysis of our mental processes: we more and more say and write what we actually do think and feel, and not what we intend to think or should desire to feel.” Henry Sidgwick, 1869

VERBO & TEMPO

Language – and this is one of the crucial propositions in certain schools of modern semantics – is the most salient model of Heraclitean flux. It alters at every moment in perceived time. The sum of linguistic events is not only increased but qualified by each new event. If they occur in temporal sequence, no two statements are perfectly identical. Though homologous, they interact. When we think about language, the object of our reflection alters in the process (thus specialized or metalanguages may have considerable influence on the vulgate). In short: so far as we experience and <realize> them in linear progression, time and language are intimately related: they move and the arrow is never in the same place.” “certain cultures speak less than others; some modes of sensibility prize taciturnity and elision, others reward prolixity and semantic ornamentation. Inward discourse has its complex, probably unrecapturable history: both in amount and significant content, the divisions between what we say to ourselves and what we communicate to others have not been the same in all cultures or stages of linguistic development.”

R.B. Lees, The Basis of Glottochronology

the Indo-European paradigm of singular, dual, plural, which may go back to the beginnings of lndo-European linguistic history, survives to this day in the English usage better of two but best of three or more. Yet the English of King Alfred’s day, most of whose features are chronologically far more recent, is practically unintelligible.”

The conservatism, indeed the deliberate retention of the archaic, which marks several epochs in the history of Chinese has often been noted. Post-war Italian, despite the pressure of verismo and the conscious modernism of other media, such as film, has been curiously inert”

Both the French and the Bolshevik revolutions were linguistically conservative, almost academic in their rhetoric. The Second Empire, on the other hand, sees one of the principal movements of stress and exploration in the poetics and habits of sensibility of the French language. At most stages in the history of a language, moreover, innovative and conservative tendencies coexist.”

Some who have thought hardest about the nature of language and about the interactions of speech and society – De Maistre, Karl Kraus, Walter Benjamin, George Orwell – have, consciously or not, argued from a vitalist metaphor. In certain civilizations there come epochs in which syntax stiffens, in which the available resources of live perception and restatement wither. Words seem to go dead under the weight of sanctified usage; the frequency and sclerotic force of clichés, of unexamined similes, of worn tropes increases. Instead of acting as a living membrane, grammar and vocabulary become a barrier to new feeling. A civilization is imprisoned in a linguistic contour which no longer matches, or matches only at certain ritual; arbitrary points, the changing landscape of fact.”

Worn, threadbare, filed down, words have become the carcass of words, phantom words; everyone drearily chews and regurgitates the sound of them between their jaws.” Adamov

The totality of Homer, the capacity of the Iliad and Odyssey to serve as repertoire for most of the principal postures of Western consciousness – we are petulant as Achilles and old as Nestor, our homecomings are those of Odysseus – point to a moment of singular linguistic energy.”

Aeschylus may not only have been the greatest of tragedians but the creator of the genre, the first to locate in dialogue the supreme intensities of human conflict. The grammar of the Prophets in Isaiah enacts a profound metaphysical scandal – the enforcement of the future tense, the extension of language over time. A reverse discovery animates Thucydides; his was the explicit realization that the past is a language construct, that the past tense of the verb is the sole guarantor of history. The formidable gaiety of the Platonic dialogues, the use of the dialectic as a method of intellectual chase, stems from the discovery that words, stringently tested, allowed to clash as in combat or manoeuvre as in a dance, will produce new shapes of understanding. Who was the first man to tell a joke, to strike laughter out of speech (the absence of jokes from Old Testament writings suggests that purely verbal wit may be a fairly late, subversive development)?”

It is difficult to suppose that the Oresteia was composed very long after the dramatist’s first awareness of the paradoxical relations between himself, his personages, and the fact of personal death.”

We have histories of massacre and deception, but none of metaphor. We cannot accurately conceive what it must have been like to be the first to compare the colour of the sea with the dark of wine or to see autumn in a man’s face. Such figures are new mappings of the world, they reorganize our habitation in reality.” “No desolation has gone deeper than Job’s, no dissent from mundanity has been more trenchant than Antigone’s. The fire-light in the domestic hearth at close of day was seen by Horace; Catullus came near to making an inventory of sexual desire. A great part of Western art and literature is a set of variations on definitive themes. Hence the anarchic bitterness of the late-comer and the impeccable logic of Dada when it proclaims that no new impulses of feeling or recognition will arise until language is demolished. <Make all things new> cries the revolutionary, in words as old as the Song of Deborah or the fragments of Heraclitus.”

ethno-linguists tell us, for example, that Tarascan, a Mexican tongue, is inhospitable to new metaphors, whereas Cuna, a Panamanian language, is avid for them. An Attic delight in words, in the play of rhetoric, was noticed and often mocked throughout the Mediterranean world. Qiryat Sepher, the <City of the Letter> in Palestine, and the Syrian Byblos, the <Town of the Book>, are designations with no true parallel anywhere else in the ancient world.”

In numerous cultures blindness is a supreme infirmity and abdication from life; in Greek mythology the poet and the seer are blind so that they may, by the antennae of speech, see further.”

A true reader is a dictionary addict. He knows that English is particularly well served, from Bosworth’s Anglo-Saxon Dictionary, through Kurath and Kuhn’s Middle English Dictionary to the almost incomparable resources of the O.E.D. (both Grimm’s Wörterbuch and the Littré are invaluable but neither French nor German have found their history and specific genius as completely argued and crystallized in a single lexicon).”

Rossetti’s geomaunt will lead to Shipley’s Dictionary of Early English and the reassurance that <the topic is capped with moromancy, foolish divination, a 17th century term that covers them all>. Skeat’s Etymological Dictionary and Principles of English Etymology are an indispensable first step towards grasping the life of words. But each period has its specialized topography. Skeat and Mayhew’s Glossary of Tudor and Stuart Words necessarily accompanies one’s reading of English literature from Skelton to Marvell. No one will get to the heart of the Kipling world, or indeed clear up certain cruces in Gilbert and Sullivan without Sir H. Yule and A. C. Burnell’s Hobson-jobson. Dictionaries of proverbs and place-names are essential. Behind the façade of public discourse extends the complex, shifting terrain of slang and taboo speech. Without such quarries as Champion’s L’Argot ancien and Eric Partridge’s lexica of underworld usage, much of Western literature, from Villon to Genet is only partly legible.

Beyond such major taxonomies lie areas of relevant specialization. A demanding reader of mid-eighteenth-century verse will often find himself referring to the Royal Horticultural Society’s Dictionary of Gardening. The old Drapers’ Dictionary of S. William Beck clears up more than one erotic conundrum in Restoration comedy. Fox-Davies’s Armorial Families and other registers of heraldry are as helpful at the opening of The Merry Wives of Windsor as they are in elucidating passages in the poetry of Sir Walter Scott. A true Shakespeare library is, of itself, very nearly a summation of human enterprise. It would include manuals of falconry and navigation, of law and of medicine, of venery [caça] and the occult. A central image in Hamlet depends on the vocabulary of wool-dyeing [tecedura de lã] (wool greased or enseamed with hog’s lard over the nasty sty [quer dizer que a lã em comento foi banhada com gordura e resinas de intestino de porco]); from The Taming of the Shrew [A Megera Domada] to The Tempest, there is scarcely a Shakespearean play which does not use the extensive glossary of Elizabethan musical terms to make vital statements about human motive or conduct. Several episodes in Jane Austen can only be made out if one has knowledge, not easily come by, of a Regency escritoire and of how letters were sent. Being so physically cumulative in effect, so scenic in structure, the Dickens world draws on a great range of technicality. There is a thesaurus of Victorian legal practice and finance in Bleak House and Dombey and Son. The Admiralty’s Dictionary of Naval Equivalents and a manual of Victorian steam-turbine construction have helped clear up the meaning of one of the most vivid yet hermetic similes in The Wreck of the Deutschland.”

The complete penetrative grasp of a text, the complete discovery and recreative apprehension of its life-forms (prise de conscience), is an act whose realization can be precisely felt but is nearly impossible to paraphrase or systematize.” “To read Shakespeare and Hölderlin is, literally, to prepare to read them. But neither erudition nor industry make up the sum of insight, the intuitive thrust to the centre.” “yet more is needed: just literary perception, congenial intimacy with the author, experience which must have been won by study, and mother wit which he must have brought from his mother’s womb.” Houman

ainda mais (do que erudição e indústria) são necessários: percepção literária na medida, intimidade congênita com o autor, experiência esta ganha também por estudo, mas que em não poucos casos deriva de <inteligência de mãe> que deve haver desde o útero na pessoa.”

Ter crítica de conjectura, que permite emendar um autor que está sendo traduzido, é mais do que se pode esperar do gênero humano, sobretudo em se tratando de Shakespeare” Johnson

Ultimate connoisseurship is a kind of finite mimesis: through it the painting or the literary text is made new – though obviously in that reflected, dependent sense which Plato gave to the concept of <imitation>.”

Every musical realization is a new poiesis. It differs from all other performances of the same composition. Its ontological relationship to the original score and to all previous renditions is twofold: it is at the same time reproductive and innovatory. In what sense does unperformed music exist? But what is the measure of the composer’s verifiable intent after successive performances? There is a strain of femininity [?] in the great interpreter, a submission, made active by intensity of response, to the creative presence.”

Je est un autre

Literature is news that stays news” Ezra Pound

“Só a grande arte sobrevive a uma exaustiva e deliberada reinterpretação.”

Each time Cymheline is staged, Posthumus’s monologue becomes the object of manifold <edition>. An actor can choose to deliver the words of the Folio in what is thought to have been the pronunciation of Elizabethan English. He can adopt a neutral, though in fact basically nineteenth-century solemn register and vibrato (the equivalent of a Victorian prize calf binding). He may by control of caesura and vowel-pitch convey an impression of modernity. His – the producer’s – choice of costume is an act of practical criticism. A Roman Posthumus represents a correction of Elizabethan habits of anachronism or symbolic contemporaneity – themselves a convention of feeling which we may not fully grasp. A Jacobean costume points to the location of the play in a unique corpus: it declares of Cymheline that Shakespeare’s authorship is the dominant fact.”

When we read or hear any language-statement from the past, be it Leviticus or last year’s best-seller, we translate. Reader, actor, editor are translators of language out of time.”

The time-barrier may be more intractable than that of linguistic difference. Any bilingual translator is acquainted with the phenomenon of <false friends> – homonyms such as French hahit and English habit which on occasion might, but almost never do, have the same meaning, or mutually untranslatable cognates such as English home and German Heim.”

What material reality has history outside language, outside our interpretative belief in essentially linguistic records (silence knows no history)? Where worms, fires of London, or totalitarian régimes obliterate such records, our consciousness of past being comes on a blank space. To remember everything is a condition of madness. We remember culturally, as we do individually, by conventions of emphasis, foreshortening, and omission.”

The Middle Ages experienced by Walter Scott were not those mimed by the Pre-Raphaelites. The Augustan paradigm of Rome was, like that of Ben Janson and the Elizabethan Senecans, an active fiction, a <reading into life>. But the two models were very different. From Marsilio Ficino to Freud, the image of Greece, the verbal icon made up of successive translations of Greek literature, history, and philosophy, has oriented certain fundamental movements in Western feeling. But each reading, each translation differs, each is undertaken from a distinctive angle of vision. The Platonism of the Renaissance is not that of Shelley, Hölderlin’s Oedipus is not the Everyman of Freud or the limping [deficiente; muito debilitado] shaman of Lévi-Strauss.”

There is, today, a 1914-19 figura for those in their 70s; to a man of 40, 1914 is the vague forerunner of realities which only gather meaning in the crises of the late 1930s; to the <bomb-generation>, history is an experience that dates to 1945; what lies before is an allegory of antique illusions. In the recent revolts of the very young, a surrealistic syntax, anticipated by Artaud and Jarry, is at work: the past tense is to be excluded from the grammar of politics and private consciousness.”

This metaphysic of the instant, this slamming of the door on the long galleries of historical consciousness, is understandable. It has a fierce innocence. It embodies yet another surge towards Eden, towards that pastoral before time (there could be no autumn before the apple was off the branch, no fall before the Fall) which the eighteenth century sought in the allegedly static cultures of the south Pacific. But it is an innocence as destructive of civilization as it is, by concomitant logic, destructive of literate speech. Without the true fiction of history, without the unbroken animation of a chosen past, we become flat shadows. Literature, whose genius stems from what Éluard [um dos fundadores do surrealismo] called le dur désir de durer, has no chance of life outside constant translation within its own language. Art dies when we lose or ignore the conventions by which it can be read, by which its semantic statement can be carried over into our own idiom”

Languages that extend over a large physical terrain will engender regional modes and dialects. Before the erosive standardizations of radio and television became effective, it was a phonetician’s parlour-trick to locate, often to within a few dozen miles, the place of origin of an American from the border states or a north-country Englishman. The mutual incomprehensibility of diverse branches of Chinese such as Cantonese and Mandarin are notorious. There are dictionaries and grammars of Venetian, Neapolitan, and Bergamasque.”

Different castes, different strata of society use a different idiom. Eighteenth-century Mongolia provides a famous case. The religious language was Tibetan; the language of government was Manchu; merchants spoke Chinese; classical Mongol was the literary idiom; and the vernacular was the Khalka dialect of Mongol.”

Michel Leiris, La Langue secrète des Dogons de Sanga (Soudan Français) (Paris, 1948)

Upper-class English diction, with its sharpened vowels, elisions; and modish slurs, is both a code for mutual recognition – accent is worn like a coat of arms – and an instrument of ironic exclusion. It communicates from above, enmeshing the actual unit of information, often imperative or conventionally benevolent, in a network of superfluous linguistic matter.” “Thackeray and Wodehouse are masters at conveying this dual focus of aristocratic semantics. As analysed by Proust, the discourse of Charlus is a light-beam pin-pointed, obscured, prismatically scattered as by a Japanese fan beating before a speaker’s face in ceremonious motion. To the lower classes, speech is no less a weapon and a vengeance.”

William Labor, Paul Cohen & Clarence Robbins, A Preliminary Study of English, Used by Negro and Puerto Rican Speakers in New York City (New York, 1965)

White and black trade words as do front-line soldiers lobbing back an undetonated grenade.”

Competing ideologies rarely create new terminologies. As Kenneth Burke and George Orwell have shown in regard to the vocabulary of Nazism and Stalinism, they pilfer and decompose the vulgate. In the idiom of fascism and communism, peace, freedom, progress, popular will are as prominent as in the language of representative democracy. But they have their fiercely disparate meanings. The words of the adversary are appropriated and hurled against him. When antithetical meanings are forced upon the same word (Orwell’s Newspeak), when the conceptual reach and valuation of a word can be altered by political decree, language loses credibility. Translation in the ordinary sense becomes impossible. To translate a Stalinist text on peace or on freedom under proletarian dictatorship into a non-Stalinist idiom, using the same time-honoured words, is to produce a polemic gloss, a counter-statement of values. At the moment, the speech of politics, of social dissent, of journalism is full of loud ghost-words, being shouted back and forth, signifying contraries or nothing. It is only in the underground of political humour that these shibboleths [matizes, jargões, lugares-comuns] regain significance. When the entry of foreign tanks into a free city is glossed as <a spontaneous, ardently welcomed defence of popular freedom> (Izvestia, 27 August 1968), the word <freedom> will preserve its common meaning only in the clandestine dictionary of laughter.”

Japanese children employ a separate vocabulary for everything they have and use up to a certain age. More common, indeed universal, is the case in which children carve their own language-world out of the total lexical and syntactic resources of adult society.”

The scatological doggerels of the nursery and the alley-way may have a sociological rather than a psychoanalytic motive. The sexual slang of childhood, so often based on mythical readings of actual sexual reality rather than on any physiological grasp, represents a night-raid on adult territory. The fracture of words, the maltreatment of grammatical norms which, as the Opies have shown, constitute a vital part of the lore, mnemonics, and secret parlance of childhood, have a rebellious aim: by refusing, for a time, to accept the rules of grown-up speech, the child seeks to keep the world open to his own, seemingly unprecedented needs. In the event of autism, the speech-battle between child and master can reach a grim finality. Surrounded by incomprehensible or hostile reality, the autistic child breaks off verbal contact. He seems to choose silence to shield his identity but even more, perhaps, to destroy his imagined enemy. Like murderous Cordelia, children know that silence can destroy another human being. Or like Kafka they remember that several have survived the song of the Sirens, but none their silence.” “Diderot had referred to <l’enfant, ce petit sauvage>, joining under one rubric the nursery and the natives of the South Seas.”

The passage from the transitional into the exploratory model is visible in Lewis Carroll. Alice in Wonderland relates to voyages into the language-world and special logic of the child as Gulliver relates to the travel literature of the Enlightenment.”

Henry James was one of the true pioneers. He made an acute study of the frontier zones in which the speech of children meets that of grown-ups. The Pupil dramatizes the contrasting truth-functions in adult idiom and the syntax of a child. Children, too, have their conventions of falsehood, but they differ from ours. In The Turn of the Screw, whose venue is itself so suggestive of an infected Eden, irreconcilable semantic systems destroy human contact and make it impossible to locate reality. This cruel fable moves on at least four levels of language: there is the provisional key of the narrator (I), initiating all possibilities but stabilizing none, there is the fluency of the governess (II), with its curious gusts of theatrical bravura, and the speech of the servants so avaricious of insight (III). These three modes envelope, qualify, and obscure that of the children (IV). Soon incomplete sentences, filched letters, snatches of overheard but misconstrued speech, produce a nightmare of untranslatability. <I said things,> confesses Miles when pressed to the limit of endurance. That tautology is all his luminous, incomprehensible idiom can yield. The governess seizes upon <an exquisite pathos of contradiction>. Death is the only plain statement left. Both The Awkward Age and What Maisie Knew focus on children at the border, on the brusque revelations and bursts of static which mark the communication between adolescents and those adults whose language-territory they are about to enter.”

But for all their lively truth, children in the novels of James and Dostoevsky remain, in large measure, miniature adults. They exhibit the uncanny percipience of the <aged> infant Christ in Flemish art. Mark Twain’s transcriptions of the secret and public idiom of childhood penetrate much further. A genius for receptive insight animates the rendition of Huck Finn and Tom Sawyer.” “For the first time in Western literature, the linguistic terrain of childhood was mapped without being laid waste. After Mark Twain, child psychology and Piaget could proceed.

Sybil released her foot. <Did you read ‘Little Black Sambo’?> she said.

<It’s very funny you ask me that,> he said. <It so happens I just finished reading it last night.> He reached down and took back Sybil’s hand. <What did you think of it?> he asked her.

<Did the tigers run all around that tree?>

<I thought they’d never stop. I never saw so many tigers.>

<There were only six,> Sybil said.

<Only six!> said the young man. <Do you call that only?>

<Do you like wax?> Sybil asked.

<Do I like what?> asked the young man.

<Wax.>

<Very much. Don’t you?>

Sybil nodded. <Do you like olives?> she asked.

<Olives–yes. Olives and wax. I never go anyplace without ‘em.>

Sybil was silent.

<I like to chew candles,> she said finally.

<Who doesn’t?> said the young man, getting his feet wet.”

J.D. Salinger

Hence the argument of modern anthropology that the incest taboo, which appears to be primal to the organization of communal life, is inseparable from linguistic evolution. We can only prohibit that which we can name. Kinship systems, which are the coding and classification of sex for purposes of social survival, are analogous with syntax. The seminal and the semantic functions (is there, ultimately, an etymological link?) determine the genetic and social structure of human experience. Together they construe the grammar of being.”

AGE OF MASTURBATION

If coition can be schematized as dialogue, masturbation seems to be correlative with the pulse of monologue or of internalized address. There is evidence that the sexual discharge in male onanism is greater than it is in intercourse.”

Ejaculation [expelir com força; falar] is at once a physiological and a linguistic concept. Impotence and speech-blocks [gagueira], premature emission [ejaculação precoce – <gente que interrompe a fala do outro>, cof, cof…] and stuttering, involuntary ejaculation and the word-river of dreams are phenomena whose interrelations seem to lead back to the central knot of our humanity. Semen, excreta, and words are communicative products. They are transmissions from the self inside the skin to reality outside. At the far root, their symbolic significance, the rites, taboos, and fantasies which they evoke, and certain of the social controls on their use, are inextricably interwoven. We know all this but hardly grasp its implications.”

Semen

See, man

Seaman

Zimmerman

In what measure are sexual perversions analogues of incorrect speech? Are there affinities between pathological erotic compulsions and the search, obsessive in certain poets and logicians, for a <private language>, for a linguistic system unique to the needs and perceptions of the user? Might there be elements of homosexuality in the modem theory of language (particularly in the early Wittgenstein), in the concept of communication as an arbitrary mirroring? It may be that the significance of Sade lies in his terrible loquacity, in his forced outpouring of millions of words. In part, the genesis of sadism could be linguistic. The sadist makes an abstraction of the human being he tortures; he verbalizes life to an extreme degree by carrying out on living beings the totality of his articulate fantasies. Did Sade’s uncontrollable fluency, like the garrulousness [tagarelice] often imputed to the old, represent a psycho-physiological surrogate for diminished sexuality (pornography seeking to replace sex by language)?”

The formal duality of men’s and women’s speech has been recorded also in Eskimo languages, in Carib, a South American Indian language, and in Thai. I suspect that such division is a feature of almost all languages at some stage in their evolution and that numerous spoors of sexually determined lexical and syntactical differences are as yet unnoticed. But again, as in the case of Japanese or Cherokee <child-speech>, formal discriminations are easy to locate and describe. The far more important, indeed universal phenomenon, is the differential use by men and women of identical words and grammatical constructs.”

At a rough guess, women’s speech is richer than men’s in those shadings of desire and futurity known in Greek and Sanskrit as optative; women seem to verbalize a wider range of qualified resolve and masked promise. Feminine uses of the subjunctive in European languages give to material facts and relations a characteristic vibrato. I do not say they lie about the obtuse, resistant fabric of the world: they multiply the facets of reality, they strengthen the adjective. To allow it an alternative nominal status, in a way which men often find unnerving. There is a strain of ultimatum, a separatist stance, in the masculine intonation of the first-person pronoun; the <I> of women intimates a more patient bearing, or did until Women’s Liberation. The two language models follow on Robert Graves’ dictum that men do but women are.

In regard to speech habits, the headings of mutual reproach are immemorial. In every known culture, men have accused women of being garrulous, of wasting words with lunatic prodigality. The chattering, ranting, gossipping female, the tattle, the scold, the toothless crone her mouth wind-full of speech, is older than fairy-tales. Juvenal, in his Sixth Satire, makes a nightmare of woman’s verbosity:

The grammarians yield to her; the rhetoricians succumb; the whole crowd is silenced. No lawyer, no auctioneer will get a word in, no, nor any other woman. Her speech pours out in such a torrent that you would think that pots and bells were being banged together. Let no one more blow a trumpet or clash a cymbal: one woman alone will make noise enough to rescue the labouring moon (from eclipse).”

The alleged outpouring of women’s speech, the rank flow of words, may be a symbolic restatement of men’s apprehensive, often ignorant awareness of the menstrual cycle. In masculine satire, the obscure currents and secretions of woman’s physiology are an obsessive theme. Ben Jonson unifies the two motifs of linguistic and sexual incontinence in The Silent Woman. <She is like a conduit-pipe>, says Morose of his spurious bride, <that will gush out with more force when she opens again.> <Conduit-pipe>, with its connotations of ordure and evacuation, is appallingly brutal. So is the whole play. The climax of the play again equates feminine verbosity with lewdness: <O my heart! wilt thou break? wilt thou break? this is worst of all worst worsts that hell could have devised! Marry a whore, and so much noise!>”

The motif of the woman or maiden who says very little, in whom silence is a symbolic counterpart to chasteness and sacrificial grace, lends a unique pathos to the Antigone of Oedipus at Colonus or Euripides’ Alcestis.” “These values crystallize in Coriolanus’ salute to Virgilia: <My gracious silence, hail!> The line is magical in its music and suggestion, but also in its dramatic shrewdness.”

Women know the change in a man’s voice, the crowding of cadence, the heightened fluency triggered off by sexual excitement. They have also heard, perennially, how a man’s speech flattens, how its intonations dull after orgasm. In feminine speech-mythology, man is not only an erotic liar; he is an incorrigible braggart. Women’s lore and secret mock record him as an eternal miles gloriosus, a self-trumpeter who uses language to cover up his sexual or professional fiascos, his infantile needs, his inability to withstand physical pain.”

Taceat mulier in ecclesia is prescriptive in both Judaic and Christian culture.”

Like breathing, the technique is unconscious; like breathing also, it is subject to obstruction and homicidal breakdown. Under stress of hatred, of boredom, of sudden panic, great gaps open. It is as if a man and a woman then heard each other for the first time and knew, with sickening conviction, that they share no common language, that their previous understanding had been based on a trivial pidgin which had left the heart of meaning untouched. Abruptly the wires are down and the nervous pulse under the skin is laid bare in mutual incomprehension. Strindberg is master of such moments of fission. Harold Pinter’s plays locate the pools of silence that follow.”

Like no other playwright, Racine communicates not only the essential beat of women’s diction but makes us feel what there is in the idiom of men which Andromaque, Phèdre, or Iphigénie can only grasp as falsehood or menace. Hence the equivocation, central in his work, on the twofold sense of entendre [em francês, escutar antes que entender]: these virtuosos of statement hear each other perfectly, but do not, cannot apprehend. I do not believe there is a more complete drama in literature, a work more exhaustive of the possibilities of human conflict than Racine’s Bérénice. It is a play about the fatality of the coexistence of man and woman, and it is dominated, necessarily, by speech-terms (parole, dire, mot, entendre). Mozart possessed something of this same rare duality (so different from the characterizing, polarizing drive of Shakespeare). Elvira, Donna Anna, and Zerlina have an intensely shared femininity, but the music exactly defines their individual range or pitch of being. The same delicacy of tone-discrimination is established between the Countess and Susanna in The Marriage of Figaro. In this instance, the discrimination is made even more precise and more dramatically different from that which characterizes male voices by the <bisexual> role of Cherubino. The Count’s page is a graphic example of Lévi-Strauss’ contention that women and words are analogous media of exchange in the grammar of social life. Stendhal was a careful student of Mozart’s operas. That study is borne out in the depth and fairness of his treatment of the speech-worlds of men and women in Fabrice and la Sanseverina in The Charterhouse of Parma. Today, when there is sexual frankness as never before, such fairness is, paradoxically, rarer. It is not as <translators> that women novelists and poets excel, but as declaimers of their own, long-stifled tongue.”

“Não é como tradutoras que as mulheres que são novelistas e poetas sobressaem-se, mas como declamadoras de seu próprio eu, seu próprio sexo, seus discursos longamente interrompidos e abortados.”

The <aside> as it is used in drama is a naïve representation of scission: the speaker communicates to himself (thus to his audience) all that his overt statement to another character leaves unsaid. As we grow intimate with other men or women, we often <hear> in the slightly altered cadence, speed, or intonation of whatever they are saying to us the true movement of articulate but unvoiced intent. Shakespeare’s awareness of this twofold motion is unfailing. Desdemona asks of Othello, in the very first, scarcely realized instant of shaken trust, <Why is your speech so faint?>.”

Having kept the same word-signals bounding and rebounding between them like jugglers’ weights, year after year, from horizon to horizon, Beckett’s vagrants and knit couples understand one another almost osmotically. With intimacy, the external vulgate and the private mass of language grow more and more concordant. Soon the private dimension penetrates and takes over the customary forms of public exchange. The stuffed-animal and baby-speech of adult lovers reflects this take-over. In old age the impulse towards translation wanes and the pointers of reference turn inward. The old listen less or principally to themselves. Their dictionary is, increasingly, one of private remembrance.

The affair at Babel confirmed and externalized the never-ending task of the translator – it did not initiate it.”

Babel caiu e abandonei a comunhão com o cão dentro de mim.

II. LANGUAGE AND GNOSIS

Theories of semantics, constructs of universal and transformational grammar that have nothing of substance to say about the prodigality of the language atlas–more than a thousand different languages are spoken in New Guinea–could well be deceptive. It is here, rather than in the problem of the invention and understanding of melody (though the two issues may be congruent), that I would place what Lévi-Strauss calls le mystère suprême of anthropology.”

why does this unified, though individually unique mammalian species not use one common language? It inhales, for its life processes, one chemical element and dies if deprived of it. It makes do with the same number of teeth and vertebrae. To grasp how notable the situation is, we must make a modest leap of imagination, asking, as it were, from outside. In the light of anatomical and neurophysiological universals, a unitary language solution would be readily understandable. Indeed, if we lived inside one common language-skin, any other situation would appear very odd. It would have the status of a recondite fantasy, like the anaerobic or anti-gravitational creatures in science-fiction.”

Depending on which classification they adopt, ethnographers divide the human species into 4 or 7 races (though the term is, of course, an unsatisfactory shorthand). The comparative anatomy of bone structures and sizes leads to the use of 3 main typologies. The analysis of human blood-types, itself a topic of great intricacy and historical consequence, suggests that there are approximately half a dozen varieties. Such would seem to be the cardinal numbers of salient differentiation within the species though the individual, obviously, is genetically unique.”

We do not speak one language, nor half a dozen, nor twenty or thirty. Four to five thousand languages are thought to be in current use. This figure is almost certainly on the low side. We have, until now, no language atlas which can claim to be anywhere near exhaustive. Furthermore, the four to five thousand living languages are themselves the remnant of a much larger number spoken in the past. Each year so-called rare languages, tongues spoken by isolated or moribund ethnic communities, become extinct. Today entire families of language survive only in the halting remembrance of aged, individual informants (who, by virtue of their singularity are difficult to cross-check) or in the limbo of tape-recordings. Almost at every moment in time, notably in the sphere of American Indian speech, some ancient and rich expression of articulate being is lapsing into irretrievable silence. One can only guess at the extent of lost languages. It seems reasonable to assert that the human species developed and made use of at least twice the number we can record today. A genuine philosophy of language and socio-psychology of verbal acts must grapple with the phenomenon and rationale of the human <invention> and retention of anywhere between five and ten thousand distinct tongues.” “To speak seriously of translation one must first consider the possible meanings of Babel, their inherence in language and mind.”

Despite decades of comparative philological study and taxonomy, no linguist is certain of the language atlas of the Caucasus, stretching from Bzedux in the north-west to Rut’ul and Küri in the Tartar regions of Azerbeidjan.” “Arci, a language with a distinctive phonetic and morphological structure, is spoken by only one village of approximately 850 inhabitants.” “A comparable multiplicity and diversity marks the so-called Palaeosiberian language families. Eroded by Russian during the nineteenth century, Kamtchadal, a language of undeniable resource and antiquity, survives in only 8 hamlets [povoados – ‘hamlet’ seria um vilarejo tão pequeno que sequer possui paróquia] in the maritime province of Koriak.” “For Mexico and Central America alone, current listings reckon 190 distinct tongues.” “Tubatulabal was spoken by something like a thousand Indians at the southern spur of the Sierra Nevada as recently as the 1770s.” “Blank spaces and question marks cover immense tracts of the linguistic geography of the Amazon basin and the savannah. At latest count, ethno-linguists discriminate between 109 families, many with multiple sub-classes. But scores of Indian tongues remain unidentified or resist inclusion in any agreed category.” “Many will dim into oblivion before rudimentary grammars or word-lists can be salvaged. Each takes with it a storehouse of consciousness.” “The language catalogue begins with Aba, an Altaic idiom spoken by Tartars, and ends with Zyriene, a Finno-Ugaritic speech in use between the Urals and the Arctic shore. It conveys an image of man as a language animal of implausible variety and waste. By comparison, the classification of different types of stars, planets, and asteroids runs to a mere handful.”

ME WHITE MAN YOU TROUBLE M’AN MONEY KING WORLD ME OWN: “We have no sound basis [base sonora e base segura, belo trocadilho!] on which to argue that extinct languages failed their speakers, that only the most comprehensive or those with the greatest wealth of grammatical means have endured. On the contrary: a number of dead languages are among the obvious splendours of human intelligence. Many a linguistic mastodon is a more finely articulated, more <advanced> piece of life than its descendants. There appears to be no correlation, moreover, between linguistic wealth and other resources of a community. Idioms of fantastic elaboration and refinement coexist with utterly primitive, economically harsh modes of subsistence. Often, cultures seem to expend on their vocabulary and syntax acquisitive energies and ostentations entirely lacking in their material lives. Linguistic riches seem to act as a compensatory mechanism. Starving bands of Amazonian Indians may lavish on their condition more verb tenses than could Plato.”

With the simple addition of neologisms and borrowed words, any language can be used fairly efficiently anywhere; Eskimo syntax is appropriate to the Sahara. Far from being economic and demonstrably advantageous, the immense number and variety of human idioms, together with the fact of mutual incomprehensibility, is a powerful obstacle to the material and social progress of the species. We will come back to the key question of whether or not linguistic differentiations may provide certain psychic, poetic benefits.

It was before Humboldt that the mystery of many tongues on which a view of translation hinges fascinated the religious and philosophic imagination.”

Arno Borst, Der Turmbau von Babel: Geschichte der Meinungen über Ursprung und Vielfalt der Sprachen und Völker (Stuttgart, 1957-63).

O Cãos de Pã-Dora

Thus Babel was a second Fall, in some regards as desolate as the first. Adam had been driven from the garden; now men were harried, like yelping dogs, out of the single family of man. And they were exiled from the assurance of being able to grasp and communicate reality.”

Had there not been a partial redemption at Pentecost, when the gift of tongues descended on the Apostles? Was not the whole of man’s linguistic history, as certain Kabbalists supposed, a laborious swing of the pendulum between Babel and a return to unison in some messianic moment of restored understanding?” “Jewish gnostics argued that the Hebrew of the Torah was God’s undoubted idiom, though man no longer understood its full, esoteric meaning. Other inquirers, from Paracelsus to the 17th century Pietists, were prepared to view Hebrew as a uniquely privileged language, but itself corrupted by, the Fall and only obscurely revelatory of the Divine presence. Almost all linguistic mythologies, from Brahmin wisdom to Celtic and North African lore, concurred in believing that original speech had shivered into 72 shards, or into a number which was a simple multiple of 72.” “[Nota] The 6×12 component suggests an astronomical or seasonal correlation.” “The name of Esperanto has in it, undisguised, the root for an ancient and compelling hope.”

Gershom Scholem, Major Trends in Jewish Mysticism

Starting with Genesis 11:11 and continuing to Wittgenstein’s Investigations or Noam Chomsky’s earliest, unpublished paper on morphophonemics in Hebrew, Jewish thought has played a pronounced role in linguistic mystique, scholarship, and philosophy.”

the Talmud had said: <the omission or the addition of one letter might mean the destruction of the whole world.>

Elohim, the name of God, unites Mi, the hidden subject, with Eloh, the hidden object.”

in Hebrew, and particularly in Exodus with its 72 designations of the Divine name, magic forces were compacted.”

There was, as Coleridge knew, no deeper dreamer on language, no sensibility more haunted by the alchemy of speech, than Jakob Böhme (1575-1624). Like Nicholas of Cusa long before him, Böhme supposed that the primal tongue had not been Hebrew, but an idiom brushed from men’s lips in the instant of the catastrophe at Babel and now irretrievably dejected among all living speech (Nettesheim had, at one point, argued that Adam’s true vernacular was Aramaic).”

In the visionary musings of Angelus Silesius (Johann Scheffler), Böhme’s intimations are carried to extremes. Angelus Silesius asserts that God has, from the beginning of time, uttered only a single word. In that single utterance all reality is contained. The cosmic Word cannot be found in any known tongue; language after Babel cannot lead back to it. The bruit of human voices, so mysteriously diverse and mutually baffling, shuts out the sound of the Logos. There is no access except silence. Thus, for Silesius, the deaf and dumb are nearest of all living men to the lost vulgate of Eden.

In the climate of the eighteenth century these gnostic reveries faded. But we find them again, changed into model and metaphor, in the work of three modem writers. It is these writers who seem to tell us most of the inward springs of language and translation.”

Walter Benjamin’s Die Aufgabe des Übersetzers dates from 1923. An English translation of this essay, by James Hynd and E.M. Valk, may be found in Delos, A Journal on and of Translation, 2 (1968).”

The relevant proposition is this: if translation is a form, then the condition of translatability must be ontologically necessary to certain works.” W.B.

Translation is both possible and impossible – a dialectical antinomy characteristic of esoteric argument.” “At the <messianic end of their history> (again a Kabbalistic or Hasidic formulation), all separate languages will return to their source of common life. In the interim, translation has a task of profound philosophic, ethical, and magical import.”

Certain of Luther’s versions of the Psalms, Hölderlin’s recasting of Pindar’s Third Pythian Ode, point by their strangeness of evocatory inference to the reality of an Ur-Sprache in which German and Hebrew or German and ancient Greek are somehow fused.”

Marianne Moore’s readings of La Fontaine are thorn-hedges apart from colloquial American English. The translator enriches his tongue by allowing the source language to penetrate and modify it.” “As the Kabbalist seeks the forms of God’s occult design in the groupings of letters and words, so the philosopher of language will seek in translations – in what they omit as much as in their content – the far light of original meaning.”

His loyalties divided between Czech and German, his sensibility drawn as it was, at moments, to Hebrew and to Yiddish, Kafka developed an obsessive awareness of the opaqueness of language. His work can be construed as a continuous parable on the impossibility of genuine human communication, or, as he put it to Max Brod in 1921, on <the impossibility of not writing, the impossibility of writing in German, the impossibility of writing differently. One could almost add a fourth impossibility: the impossibility of writing>.” In the Penal Colony, perhaps the most desperate of his metaphoric reflections on the ultimately inhuman nature of the written word, Kafka makes of the printing press an instrument of torture. The theme of Babel haunted him: there are references to it in almost every one of his major tales. Twice he offered specific commentaries, in a style modelled on that of Hasidic and Talmudic exegesis”

As no generation of men can hope to complete the high edifice, as engineering skills are constantly growing, there is time to spare. More and more energies are diverted to the erection and embellishment of the workers’ housing. Fierce broils occur between different nations assembled on the site. <Added to which was the fact that already the second or third generation recognized the meaninglessness, the futility (die Sinnlosigkeit) of building a Tower unto Heaven – but all had become too involved with each other to quit the city.> Legends and ballads have come down to us telling of a fierce longing for a predestined day on which a gigantic fist will smash the builders’ city with five blows. <That is why the city has a fist in its coat of arms.>” “The Talmud, which is often Kafka’s archetype, refers to the 49 levels of meaning which must be discerned in a revealed text. [?!?!]”

A base de uma torre que chegasse ao céu teria de estar fincada nas profundezas do inferno, como o arquétipo de todas as árvores. O Minotauro-Cérbero alado aguarda na entrada cheio de respostas para nossos próprios enigmas anti-edipianos.

Gnostic and Manichaean speculation (the word has in it an action of mirrors) provide Borges with the crucial trope of a <counter-world>. [O Espelho de Enigmas]” Borges, o Confúcio do novo milênio: somos o sonho de uma lagartixa em sua “metempsicose”-rumo-à-borboleta de um paramundo.

the thrall of time

Borges moves with a cat’s sinewy confidence and foolery between Spanish, ancestral Portuguese, English, French, and German. He has a poets’ grip on the fibre of each. He has rendered a Northumbrian bard’s farewell to Saxon English, <a language of the dawn>. The <harsh and arduous words> of Beowulf were his before he <became a Borges>.”

The Library of Babel dates from 1941. Every element in the fantasia has its sources in the <literalism> of the Kabbala and in gnostic and Rosicrucian images, familiar also to Mallarmé, of the world as a single, immense tome. <The universe (which others call the Library) is composed of an indefinite, perhaps an infinite number of hexagonal galleries.> It is a beehive out of Piranesi [artista plástico italiano do séc. XVIII] but also, as the title indicates, an interior view of the Tower. <The Library is total and . . . its shelves contain all the possible combinations of the 20-odd orthographic symbols (whose number, though vast, is not infinite); that is, everything which can be expressed, in all languages. Everything is there: the minute history of the future, the autobiographies of the archangels, the faithful catalogue of the Library, thousands and thousands of false catalogues, a demonstration of the falsehood of the true catalogue, the Gnostic gospel of Basilides, the commentary on this gospel, the commentary on the commentary of this gospel, the veridical account of your death, a version of each book in all languages, the interpolation of every book in all books.> Any conceivable combination of letters has already been foreseen in the Library and is certain to <encompass some terrible meaning> in one of its secret languages. No act of speech is without meaning: <No one can articulate a syllable which is not full of tenderness and fear, and which is not, in one of those languages, the powerful name of some god.> Inside the burrow or circular ruins men jabber in mutual bewilderment; yet all their myriad words are tautologies making up, in a manner unknown to the speakers, the lost cosmic syllable or Name of God. This is the formally boundless unity that underlies the fragmentation of tongues.”

Arguably, Pierre Menard, Author of the Quixote (1939) is the most acute, most concentrated commentary anyone has offered on the business of translation. What studies of translation there are, including this book, could, in Borges’ style, be termed a commentary on his commentary. This concise fiction has been widely recognized for the device of genius which it obviously is. But – and again one sounds like a pastiche of Borges’s fastidious pedantry – certain details have been missed. Menard’s bibliography is arresting: the monographs on <a poetic vocabulary of concepts> and on <connections or affinities> between the thought of Descartes, Leibniz, and John Wilkins point towards the labours of the 17th century to construe an ars signorum, a universal ideogrammatic language system. Leibniz’s Characteristica universalis, to which Menard addresses himself, is one such design; Bishop Wilkins’s Essay towards a real character and a philosophical language of 1668 another. Both are attempts to reverse the disaster at Babel. Menard’s <work sheets of a monograph on George Boole’s symbolic logic> show his (and Borges’) awareness of the connections between the 17th century pursuit of an inter-lingua for philosophic discourse and the <universalism> of modem symbolic and mathematical logic. Menard’s transposition of the decasyllables of Valéry’s Le Cimetière marin into alexandrines is a powerful, if eccentric, extension of the concept of translation. And pace the suave authority of the memorialist, I incline to believe that <a literal translation of Quevedo’s literal translation> of Saint François de Sales was, indeed, to be found among Menard’s papers.” “(How many readers of Borges have observed that Chapter IX turns on a translation from Arabic into Castilian, that there is a labyrinth in XXXVIII, and that Chapter XXII contains a literalist equivocation, in the purest Kabbalistic vein, on the fact that the word no has the same number of letters as the word ?)” “to become Cervantes by merely fighting Moors, recovering the Catholic faith, and forgetting the history of Europe between 1602 and 1918 was really too facile a métier. Far more interesting was <to go on being Pierre Menard and reach the Quixote through the experiences of Pierre Menard>, i.e. to put oneself so deeply in tune with Cervantes’s being, with his ontological form, as to re-enact, inevitably, the exact sum of his realizations and statements. The arduousness of the game is dizzying. Menard assumes <the mysterious duty> – Bonner,(*) rightly I feel, invokes the notion of <contract> – of recreating deliberately and explicitly what was in Cervantes a spontaneous process. But although Cervantes composed freely, the shape and substance of the Quixote had a local <naturalness> and, indeed, necessity now dissipated. Hence a second fierce difficulty for Menard: to write <the Quixote at the beginning of the 17th century was a reasonable undertaking, necessary and perhaps even unavoidable; at the beginning of the 20th, it is almost impossible. It is not in vain that 300 years have gone by, filled with exceedingly complex events. Amongst them, to mention only one, is the Quixote itself> (Bonner’s <that same Don Quixote> both complicates and flattens Borges’ intimation). In other words, any genuine act of translation is, in one regard at least, a transparent absurdity, an endeavour to go backwards up the escalator of time and to re-enact voluntarily what was a contingent motion of spirit.”

(*) Tradutor anglo-saxônico deste clássico borgeano. Possivelmente, bancar uma missão desabonneradora!

<Repetition> is, as Kierkegaard argued, a notion so puzzling that it puts in doubt causality and the stream of time.”

Qual de nós 2 escreve esta página, eu ou meu tradutor? Pois, se não é o segundo, talvez este trecho sequer exista… Eu certamente nunca vim a escrevê-lo!

Singularidades estão na [MÔ]NA[DA].

Philology is the quintessential historical science, the key to the Scienza nuova, because the study of the evolution of language is the study of the evolution of the human mind itself.”Vico’s opposition to Descartes and to the extensions of Aristotelian logic in Cartesian rationalism made of him the first true <linguistic historicist> or relativist.” “a universal logic of language, on the Aristotelian or Cartesian-mathematical model, is falsely reductionist.”

Hamann throws out suggestions which anticipate the linguistic relativism of Sapir and Whorf.” “Herder was possessed of a sense of place. His Sprachphilosophie marks a translation from the inspired fantastications of Hamann to the development of genuine comparative linguistics in the early 19th century.” “An untranslated language, urges Herder, will retain its vital innocence, it will not suffer the debilitating admixture of alien blood.”

Sir William Jones’ celebrated Third Anniversary Discourse on the Hindus of 1786 had, as Friedrich von Schlegel put it, <first brought light into the knowledge of language through the relationship and derivation he demonstrated of Roman, Greek, Germanic and Persian from Indic; and through this into the ancient history of peoples, where previously everything had been dark and confused>. Schlegel’s own Über die Sprache und Weisheit der Indier of 1808, which contains this tribute to Jones, itself contributed largely to the foundations of modern linguistics. It is with Schlegel that the notion of <comparative grammar> takes on clear definition and currency. Not much read today, Mme. de Staël’s De L’Allemagne (1813) [de quem Nietzsche foi orgulhosamente um detrator] exercised tremendous influence.” “Expanding on suggestions already made by Hamann, she sought to correlate the metaphysical ambience, internal divisions, and lyric bias of the German national spirit with the gnarled weave and <suspensions of action> in German syntax. She saw Napoleonic French as antithetical to German, and found its systematic directness and rhetoric clearly expressive of the virtues and vices of the French nation.”

The play of intelligence, the delicacy of particular notation, the great front of argument which Humboldt exhibits, give his writings on language, incomplete though they are, a unique stature. Humboldt is one of the very short list of writers and thinkers on language–it would include Plato, Vico, Coleridge, Saussure, Roman Jakobson–who have said anything that is new and comprehensive.”

Werther, Don Carlos, Faust are supreme works of the individual imagination, but also intensely pragmatic forms. In them, through them, the hitherto divided provinces and principalities of the German-speaking lands could test a new common identity. Goethe and Schiller’s theatre at Weimar, Wieland’s gathering of German ballads and folk poetry, the historical narratives and plays of Kleist set out to create in the German mind and in the language a shared echo. As Vico had imagined it would, a body of poetry gave a bond of remembrance (partially fictive) to a new national community. As he studied the relations of language and society, Humboldt could witness how a literature, produced largely by men whom he knew personally, was able to give Germany a living past, and how it could project into the future great shadowforms of idealism and ambition.”

To Humboldt and his brother, this intimation of universality was no empty metaphor. The Humboldts were among the last Europeans of whom it may be said with fair confidence that they had direct professional or imaginative notions of very nearly the whole of extant knowledge. Ethnographers, anthropologists, linguists, statesmen, educators, the two brothers were a nerve-centre for humanistic and scientific inquiry. Their active interests, like Leibniz’s, ranged with authority and passionate curiosity from mineralogy to metaphysics, from the study of Amerindian antiquities to modern technology.”

H., Über die Verschiedenheit des menschlichen Sprachbaues und ihren Einfluss auf die geistige Entwicklung des Menschengeschlechts / On the Differentiation of the Structure of Human Language, and its Influence on the Spiritual Evolution of the Human Race (1835 [obra póstuma, editada por Steinthal somente em 1883]) (comparar textos Lorena) [?]

This organic evolutionism goes well beyond and, indeed, against Kant. In so doing, Humboldt arrives at a key notion: language is a <third universe> midway between the phenomenal reality of the <empirical world> and the internalized structures of consciousness. It is this median quality, this material and spiritual simultaneity, that makes of language the defining pivot of man and the determinant of his place in reality.” “Humboldt conjoins the environmentalism of Montesquieu and the nationalism of Herder with an essentially post-Kantian model of human consciousness as the active and diverse shaper of the perceived world.” “It may be that Humboldt derived from Schiller his emphasis on language as being itself the most comprehensive work of art.” “The entelechy, the purposeful flow of speech–we find in Humboldt a kind of romantic Aristotelianism–is the communication of ordered, perceived experience.”

A Linguagem é a unidade primordial.

Mas a unidade primordial não é unitária, que pena!

FALA PRA FORA!: “Man walks erect not because of some ancestral reaching out towards fruit or branch, but because discourse, die Rede, <would not be muffled and made dumb by the ground>.”

Humboldt clearly anticipates both C.K. Ogden’s theory of opposition and the binary structuralism of Lévi-Strauss.”

Even the noblest language is only ein Versuch and will remain ontologically incomplete. On the other hand, no language however primitive will fail to actualize, up to a point, the inner needs of a community. Humboldt is convinced that different tongues provide very different intensities of response to life; he is certain that different languages penetrate to different depths. He takes over Schlegel’s classification of <higher> and <lower> grammars. Inflection is far superior to agglutination. The latter is the more rudimentary mode, a Naturlaut.”

The Greek tone is light, delicate, nuancé. Attic civilization is incomparably inventive of intellectual and plastic forms. These virtues are engendered by and reflected in the precisions and shadings of Greek grammar. Few other languages have cast so finely-woven a net over the currents of life. At the same time, there is that in Greek syntax which helps explain the divisive quality of Greek politics, the excessive trust in rhetoric, the virtuosities of falsehood which sophisticate and corrode the affairs of the polis. Latin offers a grave contrast: the stern, masculine, laconic tenor of Roman culture is exactly correlate with the Latin language, with its sobriety, even paucity, of syntactic invention and Lautformung. The lettering of a Latin inscription is perfectly expressive of the linear, monumental weight of the language.”

The actual history of linguistic relativity leads via the work of Steinthal (the editor of Humboldt’s fragmentary texts) to the anthropology of Franz Boas.”

The first true Germany was that of Luther’s vernacular. Gradually the German language created those modes of shared sensibility from which the nation-state could evolve. When that state entered modem history, a late arrival burdened with myths and surrounded by an alien, partially hostile Europe, it carried with it a sharpened, defensive sense of unique perspective.”

This determination constitutes what Trier, in the early 1930s, called das sprachliche Feld. Thus, in a distinctly Leibnizian way, each tongue or language-monad constructs and operates within a total conceptual field (the imagistic correlation with quantum physics is obvious). This field may be understood as a Gestalt.”

Zwischenwelten: Entremundos

The gauchos of the Argentine know some 200 expressions for the colours of horses’ hides, and such discrimination is obviously vital to their economy. But their normal speech finds room only for 4 plant names.”

Anthropological study of American Indian cultures seemed to bear out Humboldt’s conjectures on linguistic determinism and Trier’s notion of the <semantic field>. The whole approach is summarized by Edward Sapir in an article dated 1929”

Whorf, Language, Thought and Reality (1956): “Whorf was an outsider. He had something of Vico’s philosophic curiosity, but was a chemical engineer with a distinctively modern awareness of scientific detail.”

Paper views acadêmicos

Spatialization, and the space-time matrix in which we locate our lives, are made manifest in and by every element of grammar. There is a distinctive Indo-European time-sense and a corresponding system of verb tenses. Different <semantic fields> exhibit different techniques of numeration, different treatments of nouns denoting physical quantity. They divide the total spectrum of colours, sounds, and scents in very diverse ways. Again, Wittgenstein’s use of <mapping> offers an instructive parallel: different linguistic communities literally inhabit and traverse different landscapes of conscious being.”

Unlike many universalists, Whorf had an obvious linguistic ear. But it is his work on the languages of the Hopis of Arizona that carries the weight of evidence. It is here that the notion of distinct <pattern-systems> of life and consciousness is argued by force of specific example. The key papers on <an American Indian model of the universe> date from circa 1936 to 1939, at which point Whorf extended his analyses to the Shawnee language.”

Hopi is better equipped to deal with wave processes and vibrations than is modern English. <According to the conception of modern physics, the contrast of particle and field of vibrations is more fundamental in the world of nature than such contrasts as space and time, or past, present, and future, which are the sort of contrasts our own language imposes upon us. The Hopi aspect-contrast . . . being obligatory upon their verb forms, practically forces the Hopi to notice and observe vibratory phenomena, and furthermore encourages them to find names for and to classify such phenomena.>” “The <metaphysics underlying our own language, thinking, and modern culture> necessarily imposes a static three-dimensional infinite space, but also a perpetual time-flow. These two <cosmic co-ordinates> could be harmoniously conjoined in the physics of Newton and the physics and psychology of Kant. They confront us with profound internal contradictions in the world of quantum mechanics and four-dimensional relativity. The metaphysical framework which informs Hopi syntax is, according to Whorf, far better suited to the world-picture of modern science. Hopi verb tenses and phrasings articulate the existence of events <in a dynamic state, yet not a state of motion>.” Ou é só o nosso olho que QUER VER quarks numa cultura antiocidental? A terra-natal de Heisenberg.

It is the study of such <cryptotypes> in different languages, urges Whorf, that will lead anthropology and psychology to an understanding of those deep-seated dynamics of meaning, of chosen and significant form, that make up a culture.” “Patently, they elude translation (we shall return to this point). Yet careful, philosophically and poetically disciplined observation does allow the linguist and anthropologist to enter, in some degree at least, into the <pattern-system> of an alien tongue. Particularly if he acts on the principles of ironic self-awareness which underlie a genuine relativist view.”

sânscrito é merda

Lévi-Strauss would fully endorse Whorf’s assertion that <many American Indian and African languages abound in finely wrought, beautifully logical discriminations about causation, action, result, dynamic or energic quality, directness of experience, etc., all matters of the function of thinking, indeed the quintessence of the rational. In this respect they far out-distance the European languages.>” “Whatever may be the future status of Whorf’s theories of language and mind, this text will stand.”

if the Humboldt-Sapir-Whorf hypothesis were right, if languages were monads with essentially discordant mappings of reality, how then could we communicate interlingually? How could we acquire a second tongue or traverse into another language-world by means of translation?”

N.S. Trubetskoy’s Grundzüge der Phonologie published in Prague in 1939. Comparing some 200 phonological systems, Trubetskoy set out those acoustic structures without which there cannot be a language and which all languages exhibit.”

It seems safe enough to assert that all languages on this earth have a vowel system. In fact, the proposition is true only if we take it to include segmented phonemes which occur as syllabic peaks – and even in that case, at least one known tongue, Wishram, poses problems. There is a Bushman dialect called Kung, spoken by a few thousand natives of the Kalahari. It belongs to the Khoisan group of languages, but is made up of a series of clicking and breathing sounds which, so far as is known, occur nowhere else, and which have, until now, defied transcription. Obviously, these sounds lie within the physiological bounds of human possibility. But why should this anomaly have developed at all, or why, if efficacious, should it be found in no other phonological system? A primary nasal consonant <is a phoneme of which the most characteristic allophone is a voiced nasal stop, that is, a sound produced by a complete oral stoppage (e.g. apical, labial), velic opening, and vibration of the vocal cords> (Ferguson).”

the plain statement that every human tongue has at least one primary nasal consonant in its inventory requires modification. Hockett’s Manual of Phonology (1955) reports a complete absence of nasal consonants from Quileute and two neighbouring Salishan languages. Whether such nasals once existed and have, in the course of history, become voiced stops, or whether, through some arresting eccentricity, Salishan speech never included nasal phonemes at all, remains undecided. Such examples can be multiplied.”

The pursuit of such a <fundamental grammar> is itself a fascinating chapter in the history of analytic thought. A considerable distance has been covered since Humboldt’s hope, that a generalized treatment of syntactic forms would be devised to include all languages, <from the rawest> to the most accomplished. The notion that certain fixed syntactic categories – noun, verb, gender – can be found in every tongue, and that all languages share certain primary rules of relation, became well established in 19th-century philology. That <same basic mould> in which all languages are cast came to be understood quite precisely: as a set of grammatical units, of markers which themselves denote nothing but make a difference in composite forms, and of rules of combination.”

No language has been found to lack a first- and second-person singular pronoun. The distinctions between I, thou, and he and the associated network of relations (so vital to kinship terms) exist in every human idiom.”

All speech operates with subject-verb-object combinations. Among these, the sequences verb-object-subject, object-subject-verb, and object-verb-subject are exceedingly rare.”

The most ambitious list of syntactic universals to have been established <on the basis of the empirical linguistic evidence> is that of J.H. Greenberg.” “If a language <has the category of gender, it always has the category of number>. Otherwise, there would be human aggregates trapped in eccentric chaos.” “Compared to the total of languages in current use, the number whose grammar has been formalized and thoroughly examined is absurdly small (Greenberg’s empirical evidence is drawn almost exclusively from 30 languages).”

One would expect all languages with a distinction of gender in the second-person singular to show this distinction in the third person as well. In nearly every known instance, this holds. But not in a very small cluster of tongues spoken in central Nigeria. The Nootka language provides an often-cited example of a grammatical system in which it is very difficult to draw any normal distinction between noun and verb. The alignment of genitive constructions looks like a primal typological marker according to which all languages can be classified into a small number of major groups. Araucanian, an Indian tongue spoken in Chile, and some Daghestan languages of the Caucasus do not fit the scheme. Such anomalies cannot he dismissed as mere curios. A single genuine exception, in any language whether living or dead, can invalidate the whole concept of a grammatical universal.” “Chomskian grammar is emphatically universalist (but what other theory of grammar – structural, stratificational, tagmemic, comparative – has not been so?). No theory of mental life since that of Descartes and the XVII-century grammarians of Port Royal has drawn more explicitly on a generalized and unified picture of innate human capacities, though Chomsky and Descartes mean very different things by <innateness>. Chomsky’s starting-point was the rejection of behaviourism. No simple pattern of stimulus and mimetic response could account for the extreme rapidity and complexity of the way in which human beings acquire language. All human beings. Any language. A child will be able to construct and understand utterances which are new and which are, at the same time, acceptable sentences in his language. At every moment of our lives we formulate and understand a host of sentences different from any that we have heard before. These abilities indicate that there must be fundamental processes at work quite independently of <feedback from the environment>.” “Here, as in the shared axiom that language <makes infinite use of finite means>, Chomskian universalism is congruent with the relativism of Humboldt.” “Chomsky contends that a search for universals at the phonological or ordinary syntactic level is wholly inadequate. The shaping centres of language lie much deeper. In fact, surface analogies of the kind cited by Greenberg may be entirely misleading: it is probable that the deep structures for which universality is claimed are quite distinct from the surface structure of sentences as they actually appear. The geological strata are not reflected in the local landscape.” “In the vocabulary of Wittgenstein, the transition from <surface grammar> to <depth grammar> is a step towards clarity, towards a resolution of those philosophic muddles which spring from a confusion of linguistic planes. Chomskian <deep structures>, on the other hand, are located <far beyond the level of actual or even potential consciousness>. We may think of them as relational patterns or strings of an order of abstraction far greater than even the simplest of grammatical rules. Even this is too concrete a representation.” Hm. É como se ele só tivesse formatado a teoria para não ser jamais validada ou refutada.

…DO SENHOR REITOR: “Vico’s suggestion that all languages contain key anthropomorphic metaphors. One of these, the comparison of the pupil of the eye to a small child (pupilla), has been traced in all Indo-European languages, but also in Swahili, Lapp, Chinese, and Samoan.”

i carries values of smallness in almost every Indo-European and Finno-Ugrian language. But English big and Russian velikij suffice to show that we are not dealing with anything like a universal semantic reflex.”

The white/black dichotomy is of particular interest, as it appears to convey a positive/negative valuation in all cultures, regardless of skin-colour. It is as if all men, since the beginning of speech, had set the light above the dark.” “All languages do subdivide the colour spectrum into continuous segments (though <continuous> begs difficult issues in the neurophysiology and psychology of perception)”

Tese (estudo de caso da Filosofia Grega (a ponta da ponta da ponta do iceberg)): Benveniste, Problèmes de linguistique generale (Paris, 1966)

Réplica: Auberique, Aristote et le language, note annexe sur les catégoeries d’Aristote. À propos d’un article de M. Benveniste, 1965 (avant? comment?)

Tréplica: Derrida, Marges de la philosophie (Paris, 1972)

Few grammarians would hold with Osgood that 11/12 of any language consist of universals and only 1/12 of specific, arbitrary conventions, but the majority would agree that the bulk and organizing principles of the iceberg belong to the subsurface category of universals.”

Translation is, plainly, the acid test. But the uncertainties of relation between formal and substantive universality have an obscuring effect on the relations between translation and universality as such. Only if we bear this in mind can we understand a decisive hiatus or shift in terms of reference in Chomsky’s Aspects of the Theory of Syntax” “Are we not back in a Whorfian hypothesis of autonomous language-monads? Could Hall be right when he polemicizes against the whole notion of <deep structures>, calling them <nothing but a paraphrase of a given construction, concocted ad hoc to enable the grammarian to derive the latter from the former by one kind of manipulation or another>?” “By placing the active nodes of linguistic life so <deep> as to defy all sensory observation and pragmatic depiction, transformational generative grammar may have put the ghost out of all reach of the machine.” Chomsky, O Obscuro – foi o que falei alguns parágrafos acima…

I.A. Richards, “Why Generative Grammar Does Not Help”

No true understanding can arise from synchronic abstraction. Even more than the linguists, and long before them, poets and translators have worked inside the time-shaped skin of human speech and sought to elucidate its deepest springs of being. Men and women who have in fact grown up in a multilingual condition will have something to contribute towards the problem of a universal base and a specific world-image. Translators have left not only a great legacy of empirical evidence, but a good deal of philosophic and psychological reflection on whether or not authentic transfers of meaning between languages can take place.”

Man weiss nicht, von wannen er kommt und braust

Schiller

O homem não sabe de onde eclodiu a língua”

III. WORD AGAINST OBJECT

SÓ SOCANDO CHOMSKY: “the seductive precedent of Euclidean geometry or classic algebraic demonstration, as each proceeds from axiomatic simplicities to high complexity, must not be invoked uncritically. The <elements> of language are not elementary in the mathematical sense. We do not come to them new, from outside, or by postulate. Behind the very concept of the elementary in language lie pragmatic manoeuvres of problematic and changing authority.”

does that <intertraffique of the minde>, for which Samuel Daniel praised John Florio, the great translator, inhibit or augment the faculty of expressive utterance?”

Certain experts in the field of simultaneous translation declare that a native bilingual speaker does not make for an outstanding interpreter. The best man will be one who has consciously gained fluency in his second tongue. The bilingual person does not <see the difficulties>, the frontier between the two languages is not sharp enough in his mind.” “In a genuinely multilingual matrix, the motion of spirit performed in the act of alternate choice – or translation – is parabolic rather than horizontal.”

Speaking to oneself would be the primary function (considered by L.S. Vygotsky in the early 1930s, this profoundly suggestive hypothesis has received little serious examination since).”

For a human being possessed of several native tongues and a sense of personal identity arrived at in the course of multilingual interior speech, the turn outward, the encounter of language with others and the world, would of necessity be very different, metaphysically, psychologically different, from that experienced by the user of a single mother-tongue. But can this difference be formulated and measured? Are there degrees of linguistic monism and of multiplicity or unhousedness that can be accurately described and tested?” “What records there are of a primary at-homeness in two or more languages may be found disseminated in the memoirs of poets, novelists, and refugees. They have never been seriously analysed. (Nabokov’s Speak Memory and the material ironized and inwoven in Ada are of the first importance.)”

Vildomec, Multilingualism (Leiden, 1963)

Dell Hymes (ed.), Pidginization and Creolization of Languages (Cambridge University Press, 1971)

Paul Pimsleur & Terence Quinn (eds.), The Psychology of Second Language Learning (Cambridge University Press, 1971)

Einar Hagen, Language Conflict and Language Planning: The Case of Modem Norwegian (Harvard, 1 966)

Leonard Forster, The Poet’s Tongues: Multilingualism in Literature (Cambridge University Press, 1970)

Language and death may be conceived of as the two areas of meaning or cognitive constants in which grammar and ontology are mutually determinant. The ways in which we try to speak of them, or rather to speak them, are not satisfactory statements of substance, but are the only ways in which we can question, i.e. experience their reality. According to the medieval Kabbalah, God created Adam with the word emeth, meaning truth, writ on his forehead. In that identification lay the vital uniqueness of the human species, its capacity to have speech with the Creator and itself. Erase the initial aleph which, according to certain Kabbalists, contains the entire mystery of God’s hidden Name and of the speech-act whereby He called the universe into being, and what is left is meth, he is dead.” Cf. Gershom Scholem, On the Kabbalah and its Symbolism

Jakobson, Child Language, Aphasia, and Phonological Universals (The Hague, 1968)

Work done with patients who have recovered eyesight after long periods of blindness or first acquire normal vision in mature age does suggest that we only see completely or accurately what we have touched.”

Quantitatively, the 26-letter alphabet is richer than the genetic code with its <3-letter words>. But the lettering analogy may, as Paul Weiss has put it, be <of intriguing pertinence>.”

The Vedantic precept that knowledge shall not, finally, know the knower points to a reasonable negative expectation; consciousness and the elucidation of consciousness as object may prove inseparable.” O preceito vedântico de que o conhecimento não deve (pode), em última instância, conhecer os pontos fulcrais, conhecer-se a si mesmo, pois do contrário frustraria todas as suas expectativas e recairia no pessimismo, de forma que o jogo do conhecimento apenas segue seu ritmo normal, constante e ininterrupto; a consciência e a elucidação da consciência como objetos talvez sejam inseparáveis.

The needed distance for reflexive cognition is lacking. Even, perhaps, at the physiological level.” O distanciamento necessário para fins de cognição reflexiva é falto. Mesmo no nível fisiológico. Fora do que o conhecimento estaria para julgar-se enquanto conhecimento?

Jacques Monod, From Biology to Ethics: “Le langage ne reste enigmatique que pour qui continue de l’interroger, c’est-a-dire d’en parler.”

Drugs, schizophrenic disturbances, exhaustion, hunger, common stress, and many other factors can bend, accelerate, inhibit, or simply blur our feeling and recording of time. The mind has as many chronometries as it has hopes and fears. During states of temporal distortion, linguistic operations may or may not exhibit a normal rhythm.” Cf. R. Wallis, Quatrième dimension de l’esprit (Paris, 1966)

it is a commonplace to insist that much of the distinctive Western apprehension of time as linear sequence and vectorial motion is set out in and organized by the Indo-European verb system.”

Does the past have any existence outside grammar? The notorious logical teaser – <can it be shown that the world was not created an instant ago with a complete programme of memories?> – is, in fact, undecidable. No raw data from the past have absolute intrinsic authority. Their meaning is relational to the present and that relation is realized linguistically. Memory is articulated as a function of the past tense of the verb.” “French knows a passé défini, a passé indéfini, a passé antérieur, a parfait (more properly, prétérit parfait), and an imparfait, to name only the principal modes.¹ No philosophic grammar has until now provided an analysis of the diverse logics, tonal values, semantic properties of past tenses and of the modulations between them to rival that of À La recherche du temps perdu – a title which is itself a pun on grammar. Proust’s minutely discriminated narrative pasts are reconnaissances of the <language-distances> which we postulate and traverse when stating memories. Proust’s control of grammar is so deeply felt, his collation of language with psychological stimuli so vital and examined, that he makes of the verb tense not only a precisely fixed location – at each moment of utterance we know where we were – but an investigation of the essentially linguistic, formally syntactic nature of the past. If the Abbé Sièyes could make of the laconic j’ai vécu a comprehensive reply to those who asked for an account of his life during the French Revolution, the reason is that the setting of the verb in the perfect preterite and the use of it without any prepositional adjunct, define a special <pastness>, an area of recall seemingly vague, yet made exact by inference of ironic judgement.”

¹ Bibliografia sugerida:

Gustave Guillaume, Temps et verbe (Paris, 1929)

______. L’Architectonique du temps dans les langues classiques (Copenhagen, 1946).

The most complete treatment of the whole topic of time in language is to be found in André Jacob, Temps et langage (Paris, 1967). This work includes an extensive bibliography.”

PSICANÁLISE DO PRETÉRITO INTERMINÁVEL IMPERFEITO: “Orpheus walking to the light but with his eyes resolutely turned back. (…) So far as it depends on identifying a <true past> with what are, in fact, word-strings in the past tense, so far as it seeks to exhume reality through grammar, psychoanalysis remains a circular process. Remembrance is always now. In my opinion, Paul Ricoeur’s De L’interpretation (Paris, 1965) will remain the classic statement of the ontological <fictions> in propositions about the past, and of the role of such <fictions> in psychoanalysis.”

Croce’s dictum <all history is contemporary history> points directly at the ontological paradox of the past tense.” TODO HISTORIADOR É UM TRADUTOR: “Looking at an oration by Pericles or an edict by Robespierre, he must determine <the whole range of communications which could have been conventionally performed on the given occasion by the utterance of the given utterance>. This is a handsome ideal, and it sharply illuminates the nature of the historian’s dilemma. But the solution offered is linguistically and philosophically naïve. There can be no determination of all <the functions words can serve> at any given time; <the whole range of communications that could have been conventionally performed> can never be registered or analysed. The determination of the dimensions of pertinent context (what are all the factors that may have genuine bearing on the meanings of this statement?) is very nearly as subjective, as bordered by undecidability in the case of the historical document as in that of the poetic or dramatic passage.”

In Warheit und Methode (Tübingen, 1960), pp. 370-83, H.-G. Gadamer argues the problematic status of all historical documentation at a level which is, philosophically, a good deal deeper than that touched on by Skinner. His conclusion is lapidary, <Der Begriff des ursprünglichen Lesers steckt voller undurschauten Idealisierung> (p. 373). Oddly enough, Gadamer does not point out how drastically Heidegger – who is so clearly the source of the current hermeneutic movement – commits errors of arbitrary recreation in his definitions of the supposedly <true, authentic> meaning of key terms in early Greek philosophyCf. in particular Heidegger’s Einführung in die Metaphysik of 1935 and 1953. See Richard E. Palmer, Hermeneutics (Evanston, Illinois, 1969) for an admirable introduction to the literature.”

¹ Tem certeza que o próprio Heidegger levou essas etimologias a sério?

scholars of Sanskrit suggest that the development of a grammatical system of futurity may have coincided with an interest in recursive series of very large numbers”

Stalinism has shown how a political system can outlaw the past, how it can determine exactly what memories are to be allowed to the living and what dose of oblivion to the dead. One can imagine a comparable prohibition of the future, the point being that tenses beyond the futur prochain necessarily entail the possibility of social change. What would existence be like in a total (totalitarian) present, in an idiom which limited projective utterances to the horizon of Monday next?” “The fact that young children begin by using verbs unmarked by tense may or may not tell us something regarding the genesis of language itself. Clearly, we have no history of the future tense.”

Mary R. Haas, The Prehistory of Languages (The Hague, 1969)

Richard M. Gale (ed.), The Philosophy of Time (London, 1968)

What then is time? If no one asks me, I know. If I want to explain it to a questioner, I do not know.” Augustine

CONCEPÇÕES CRISTÃS DO TEMPO: “The account of Aquinas’ and Ockham’s thought in Étienne Gilson, La Philosophie au Moyen Age (3rd ed., Paris, 1947) remains indispensable.”

McTaggart’s celebrated proof that time is unreal first appeared in 1908; Bergson’s Évolution créatrice a year later. Refutations of McTaggart and critiques of Bergson are at the source of the development of modem <tense-logic>. The questions asked are old.” “For an examination of McTaggart’s <proof> cf. G. Schlesinger, The Structure of McTaggart’s Argument (Review of Metaphysics, XXIV, 1971). The best history of <tense-logic> and the most thorough investigation of the issues involved are to be found in the two books by A.N. Prior, Past, Present, and Future (Oxford, 1967), and Papers on Time and Tense (Oxford, 1968).”

The relation of the genuine prophet (nabi) to the future is, in the classic period of Hebrew feeling, unique and complex. It is one of <evitable> certitude. In as much as he merely transmits the word of God, the prophet cannot err. His uses of the future of the verb are tautological. The future is entirely present to him in the literal presentness of his speech-act. But at the same moment, and this is decisive, his enunciation of the future makes that future alterable. If man repents and changes his conduct, God can bend the arc of time out of foreseen shape. There is no immutability except His being. The force, the axiomatic certainty of the prophet’s prediction lies precisely in the possibility that the prediction will go unfulfilled. From Amos to Isaiah, the true prophet does not announce an immutable decree. (…) It is from the inspired duplicity of the prophet’s task that the tale of Jonah derives its intellectual comedy.”

C.A. Skinner, Prophecy and Religion (London, 1922) (não é o psicólogo!!)

After the disaster at Megiddo in 609 BC, God’s will, says Buber [The Prophetic Fate], becomes an enigma. Jeremiah is a bachun (watch-tower) who seeks to resolve that enigma through moral perception.”

In ancient Judaism man’s freedom is inherent in a complex logical-grammatical category of reversibility.”

The oracle, at least during the early stages of Greek history, is never mistaken (during the Persian wars Delphi will prove to be erroneous and untrustworthy). Oracular uses of the future tense are severely deterministic. As in the grammar of malediction, the words cannot be called back or the fatality undone. But more often than not the phraseology of oracular pronouncements is susceptible of contrary interpretations. The language of the pythoness is forked as are the roads from Daulis. Frequently the questioner misreads the gnomic answer. Indeed the entire stance of those who consult the oracle is that of the unraveller [decifrador]. Such confrontation between deceptive message and code-breaker is characteristic of many aspects of Greek intellectual life.”

More vividly than any other cultural forms, Greek tragedy, Thucydidean history embody a coexistence, a dialectical reciprocity between that which is wholly foreseen and yet shatters the mind.”

Cicero’s version, in the De Divinatione and De Fato already lacks the tense paradoxality of the Greek source. Probably Yeats comes nearest, in Lapis Lazuli:

They know that Hamlet and Lear are gay;

Gaiety transfiguring all that dread.”

Evidence suggests that there was a relatively brief spell during which Christ’s coming was regarded as imminent, as an event occurring in time but bringing time to a stop. As normal sunrise persisted, this anticipation shifted to a millenary calendar, to the numerological and cryptographic search for the true date of His return. Very gradually this sense of speculative but exact futurity altered, at least within orthodox teaching, to a preterite. The Redeemer’s coming had happened already; that <pastness> being replicated and made present in each true sacrament. Even the most lucid of modern Christologists can do little more than state the paradox: <So it seems we must say that for the early Church the coming of Christ was both present and future, both at once.> [Dodd, The Coming of Christ (Cambridge, 1951)] Such coterminous duality could fit no available syntax. The event, formidably concrete as it was held to have been, <lies outside our system of time-reckoning>. The mystery of the transubstantiative rite, enacted in each mass, has its own tense-logic. It literally bodies forth, says Dodd, a <coming of Christ which is past, present and future all in one>.”

The paniques de l’an mille, analysed by Henri Focillon, the Adamite visionaries of the late Middle Ages, the men of the Fifth Monarchy in 17th-century England, the <doom churches> now proliferating in southern California, produce a similar idiom.”

Carnot’s Réflexions sur Ia puissance motrice du feu et les moyens propres à Ia developper (1824): “I can recall the queer inner blow I experienced when learning, as a boy, that in the future the thermodynamics of the sun would inevitably consume neighbouring planets and the works of Shakespeare, Newton, and Beethoven with them.”

C. von Orelli’s Die hebräischen Synonyma der Zeit und Ewigkeit genetisch und sprachvergleichend dargestellt of 1871 marks the beginning of methodical attempts to relate grammatical possibilities and constraints to the development of such primary ontological concepts as time and eternity. It had long been established that the Indo-Germanic framework of three-fold temporality – past, present, future – has no counterpart in Semitic conventions of tense. The Hebrew verb views action as incomplete or perfected. Even archaic Greek has definite and subtly discriminatory verb forms with which to express the linear flow of time from past to future. No such modes developed in Hebrew. In Indo-European tongues <the future is preponderantly thought to lie before us, while in Hebrew future events are always expressed as coming after us>.”

There can be spasms of despair in the individual and in the community, solicitations of <neverness> and of that last great repose which haunted Freud in Beyond the Pleasure Principle. Suicide is a recurrent option, as are resolutions of communal extinction, by sacrificial violence or a refusal to bear children. But these nihilistic temptations remain fitful and, statistically considered, rare. The language fabric we inhabit, the conventions of forwardness so deeply entrenched in our syntax, make for a constant, sometimes involuntary, resilience.”

Very probably, the self-perpetuation of animals takes place in the matrix of a constant present. Like the replication of molecular organisms, the generation and nurture of offspring does not, of itself, instance a concept of the future. The drive of human expectations or, as Bloch calls it, das Prinzip Hoffnung, relates to those probabilistic, partly Utopian reflexes which every human being displays each time he expresses hope, desire, even fear. We move forward in the slipstream of the statements we make about tomorrow morning, about the millennium.”

an animal not yet determined, not yet wholly posited”

ein noch nicht festgestelltes Tier” Nietzsche

it is only through language and music that man can make free of time, and overcome the presentness of his own death.”

The paradoxical possibility of the existence of private language has widely exercised modem logic and linguistic philosophy. It may be that a muddle [confusão] between <idiolect> and <privacy> has frustrated the whole debate. It may be also that only a close reading of actual cases of translation, particularly of poetry, will isolate and make concrete the elements of privacy within public utterance.” “the material leaves one with the sense of an impasse, with the suspicion that a subject of intense interest to philosophy at large and to the theory of language has been unduly narrowed and, perhaps, muddled. In part, this is a matter of mandarin idiom, of the strong inclination of logicians to deal more with each other’s previous papers and animadversions than with the intrinsic question. But it may well be that the trouble lies with Wittgenstein’s own handling of the private-language argument.” “Wittgenstein’s case conceals a reductio ad absurdum, for it can be made to demonstrate that no language at all is possible.”

To use language <in isolation> is like playing a game of solitaire. The names of the cards and the rules of manipulation are publicly given and the latter enable the player to play without the participation of other players. So, in a very important sense, even in a game of solitaire others participate, namely those who had made up the rules of the game.” Gershon Weiler

Cryptography provides a crude model. The practice of encoding information in hidden characters, which can be transmitted either orally or in writing, is probably as ancient as human communication itself, and certainly older than the coded hieroglyphics incised in circa 1900 BC in a nobleman’s tomb at Menet Khufu. It seems to be an inference from the private-language argument that all codes are based on a known public speech-system and can, therefore, be broken (i.e. understood, learned by at least one person beyond the original encoder). I am not certain whether there is a logical proof of this contention, or indeed whether there can be. But factually this appears to be the case. If certain texts – the Indus Valley script, the pictographs found on Easter Island, Mayan glyphs – have, until now, remained undeciphered, the reasons are contingent. They lie in human error or the lack of a critical mass of samples. Yet even here there are suggestive border-cases, puzzles which make of contingency a complex matter of degree. The so-called Voynich manuscript first turned up in Prague in 1666 (a date [and site!] with emphatic apocalyptic-numerological overtones). Its 204 pages comprise a putative code of 29 symbols recurring in what appear to be ordered <syllabic> units. The text gives every semblance of common non-alphabetic substitution. It has, up to the present time, resisted every technique of crypto-analysis including computer-simulation. We do not even know whether we are dealing with, as was formerly held, a 13th – or, as now seems probable, a late-16th – or 17th-century device.” “Cf. David Kahn, The Codebreakers (London, 1966) for a detailed discussion of the Voynich manuscript.”

But could there be any proof of nullity of meaning now that the original contriver is long dead? Would the absence of any such proof be evidence, however tenuous, towards the privacy of the <language> in question? And what of the <one-time pad> codes instituted by the German diplomatic service in the early 1920s? By its use of random non-repeating keys, this system makes of every message a unique, non-repeatable event. Does this undecipherable singularity throw any light on the logical paradigm of a language spoken only once, of a diary, in Wittgenstein’s model, whose rules of notation would apply only in and for the moment at which they were set down? It is the bizarre extremity of such cases which may help to point up, to elicit some of the untested assumptions in the private-language debate.”

As it happens, there is as yet no strong evidence in anthropology to demonstrate either a single and diffusive or a multiple origin of human speech. The transformational-generative postulate of innateness remains highly controversial and is thought by many to be the weakest aspect of the new linguistics. (…) So long as Chomsky does not specify what kind of innate mechanism he is adducing, it is difficult to imagine what would constitute evidence for or against the innateness of deep structures and transformational procedures.”

To a literate member of Western culture in the mid-20th century, the capital letter K is nearly an ideogram, invoking the presence of Kafka or of his eponymous doubles.”

Contrary to what logicians have asserted, numerals do not necessarily satisfy the condition of an identity and universality of associative content.”

At one pole we find a <pathology of Babel>, autistic strategies which attach hermetic meanings to certain sounds or which deliberately invert the lexical, habitual usage of words. At the other extreme, we encounter the currency of banal idiom, the colloquial shorthand of daily chatter from which constant exchange has all but eroded any particular substance. Every conceivable modulation exists between these two extremes. Even the sanest among us will have recourse, as does the deranged solipsist, to words and numerals, to phrases or sound-clusters, whose resonance and talismanic invocation are deeply personal. The cornered child will loose such signals on a deaf world. Families have their own thesaurus often irritatingly opaque to the newest member or outsider. So do priesthoods, guilds, professions, mysteries.”

There is no dictionary that lists even a fraction of the historical, figurative, dialectic, argotic, technical planes of significance in such simple words as, say, chaussée or faubourg; nor could there be, as these planes are perpetually interactive and changing. Where experience is monotonized, on the other hand, the associative content grows progressively more transparent. There is, currently, a stylistic and emotional esperanto of airport lounges, a vulgate identically inexpressive from Archangel to Tierra del Fuego.”

Harold Pinter and Peter Handke have strung together inert clichés, tags of commercial, journalistic idiom, to produce discourse which would show no indeterminacy, no roughage of personal reference. These satiric exercises have a direct bearing on the theory of language. The ego, with its urgent but vulnerable claims to self-definition, withers among hollow, blank phrases. Dead speech creates a vacuum in the psyche.” Comerciais de carro e desodorante que dão ânsia de vômito…

The enrichments of intimacy, of evocative excitement, that came from the use of taboo words, the sense of a uniquely shared access to a new and secret place, were real. Being, today, so loud and public, the diction of eros is stale; the explorations past silence are fewer.”

Under stress of radio and television, it may be that even our dreams will be standardized and made synchronic with those of our neighbours.”

It is almost intolerable that needs, affections, hatreds, introspections which we feel to be overwhelmingly our own, which shape our awareness of identity and the world, should have to be voiced – even and most absurdly when we speak to ourselves – in the vulgate. Intimate, unprecedented as is our thirst, the cup has long been on other lips. One can only conjecture as to the blow which this discovery must be to the child’s psyche. What abandonments of autonomous, radical vision occur when the maturing sensibility apprehends that the deepest instrumentalities of personal being are cast in a ready public mould? The secret jargon of the adolescent coterie, the conspirator’s password, the nonsense-diction of lovers, teddy-bear talk are fitful, short-lived ripostes to the binding commonness and sclerosis of speech. In some individuals the original outrage persists, the shock of finding that words are stale and promiscuous (they belong to everyone) yet wholly empowered to speak for us either in the inexpressible newness of love or in the privacies of terror. It may be that the poet and philosopher are those in whom such outrage remains most acute and precisely remembered; witness Sartre’s study of himself in Les Mots and his analysis of Flaubert’s <infantile> refusal to enter the matrix of authorized speech [?]. <O Wort, du Wort das mir fehlt!> cries Moses at the enigmatic climax of Schönberg’s Moses und Aron. No word is adequate to speak the present absence of God. None to articulate a child’s discovery of his own unreplicable self. None to persuade the beloved that there has been neither longing nor trust like this in any other time or place and that reality has been made new. Those seas in our personal existence into which we are <the first that ever burst> are never silent, but loud with commonplaces.”

The concept of <the lacking word> marks modern literature. The principal division in the history of Western literature occurs between the early 1870s and the turn of the century. It divides a literature essentially housed in language from one for which language has become a prison. Compared to this division all preceding historical and stylistic rubrics or movements – Hellenism, the medieval, the Baroque, Neo-classicism, Romanticism – are only subgroups or variants. From the beginnings of Western literature until Rimbaud and Mallarmé (Hölderlin and Nerval are decisive but isolated forerunners), poetry and prose were in organic accord with language. Vocabulary and grammar could be expanded, distorted, driven to the limits of comprehension. There are deliberate obscurities and subversions of the logic of common discourse throughout Western poetry, in Pindar, in the medieval lyric, in European amorous and philosophic verse of the 16th and 17th centuries. But even where it is most explicit, the act of invention, of individuation in Dante’s stile nuovo, in the semantic cosmography of Rabelais, moves with the grain of speech. The métier of Shakespeare lies in a realization, a bodying forth more exhaustive than any other writer’s, more delicately manifold and internally ordered, of the potentialities of public word and syntax. Shakespeare’s stance in language is a calm tenancy, an at-homeness in a sphere of expressive, executive means whose roots, traditional strengths, tonalities, as yet unexploited riches, he recognized as a man’s hand will recognize the struts and cornices, the worn places and the new in his father’s house. Where he widens and grafts, achieving reaches and interactions of language unmatched before him, Shakespeare works from within. The process is one of generation from a centre at once conventional (popular, historically based, current) and susceptible of augmented life. Hence the normative poise, [porte] the enfolding coherence which mark a Shakespearean text even at the limits of pathos or compactness. Violent, idiosyncratic as it may be, the statement is made from inside the transcendent generality of common speech. A classic literacy is defined by this <housedness> in language, by the assumption that, used with requisite penetration and suppleness, available words and grammar will do the job. There is nothing in the Garden or, indeed, in himself, that Adam cannot name. The concord between poetry and the common tongue dates back at least to the formulaic elements in Homer. It is because it is so firmly grounded in daily and communal speech, taught Milman Parry, that a Homeric simile retains its force. So far as the Western tradition goes, an underlying classicism, a pact negotiated between word and world, lasts until the second half of the 19th century. There it breaks down abruptly. Goethe and Victor Hugo were probably the last major poets to find that language was sufficient to their needs. The causes of this breakdown lie outside the scope of the argument. They are obviously multiple and complex. One would want to include consideration of the phenomenology of alienation as it emerges in the industrial revolution. The <discovery> of the unconscious and subconscious strata of the individual personality may have eroded the generalized authority of syntax. Conflicts between artist and middle class make the writer scornful of the prevailing idiom (this will be the theme of Mallarmé’s homage to Poe). <Entropy> effects could be important: the major European tongues, which are themselves offshoots from an Indo-European and Latin past, tire. Language bends under the sheer weight of the literature which it has produced. Where is the Italian poet to go after Dante, what untapped sources of life remain in English blank verse after Shakespeare? In 1902, Edmund Gosse will say of the Shakespearean tradition: <It haunts us, it oppresses us, it destroys us.> But the whole question of the aetiology and timing of the language-crisis in Western culture remains extremely involved and only partly understood. I have tried to deal with certain political and linguistic aspects of the problem in Language and Silence (1967) and Extraterritorial (1971).”

The poet no longer has or aspires to native tenure in the house of words. Established language is the enemy.” “Because it has become calcified, impermeable to new life, the public crust of language must be riven.”

Mallarmé, Un Coup de dés jamais n’abolira le hazard

The whole question of <difficulty> is more startling, nearer the heart of a theory of language, than is ordinarily realized. What is meant by saying that a linguistic proposition, a speech-act – verse or prose, oral or written – is <difficult>? Assuming the relevant language is known and the message plainly heard or transcribed, how can it be? Where does its <difficulty> lie? As Mauthner’s critique shows exhaustively, it is merely an evasion to affirm that the <thought> or <sentiment> in, behind the words is difficult.”

Raise me this beggar and deject that lord,

The senator shall bear contempt hereditary,

The beggar native honour” Shak.

It remains the case that our own sensibilities, our capacity to hear the full tonal range of speech fall drastically short of Shakespeare’s. As we re-read, we take in what we were too obtuse to grasp before. But such insufficiency is contingent. It is not a <difficulty> logically inherent in the text.” um onanista consciente “in the <complete library> all answers may be found” “This is still true of Ulysses, which is in this cardinal respect a classic work, no less responsible to a public grid and tradition than were the works of Milton and of Goethe. The fissure opens with Finnegans Wake.”

No <difficulty> in Browning’s Sordello, reputedly the most obscure of romantic poems, is of the same nature, of the same semantic purpose and meaning, as are the difficulties in Mallarmé’s”

semen-ouvintes

c’est

main

you are

or

20?

vingts

to: Wendy

[m]od[orra] (((móveis parados em Monte Mordor)))

forte Odor

sou forte

ou sinto dor?

douro

ou não sou flor?

mandioca, ora, oder?

odre de vidro?

cheio?

cavidade oca?

meio?

chora

maca-cheira

forte

som de (((soun-d)) sec

enxofree

the energies of concealment are of an entirely new species.” “They pivot inward and we follow as best we may. The process is, as Mallarmé, Khlebnikov, and Stefan George taught, one of calculated failure”

P. 181: o tal do Mallarmé que parece até comigo… interpretações

Une damme elle s’abolit

dans le douceur du jus supreme (awh!)

communes blasphemes

elle sent

éther

en elle-même

au lit.

de repos

le blanc flotte dehors du pennis

la vie très belle, qui-t-on blâme?

Il ne s’en veillit pas

Au creux est né un musicien

silence! bruit!! silence!

vuide

ui ui ui

ouais ouiais ouais

Houaiss

au-man-aqui

ao-homme-ici-

bàs, tché!

tresser track

tréc, bric-à-brac

honnoré de bâl

au rap, nê!

Paul Celan, almost certainly the major European poet of the period after 1945:

Das Gedunkelte Splitterecho,

himstrom—-

hin,

die Buhne über der Windung,

auf die es zu stehn kommt,

soviel Unverfenstertes dort,

sieh nur,

die Schütte

müssiger Andacht,

einen Kolbenschlag von

den Gebetssilos weg,

einen und keinen.”

These subversions of linearity, of the logic of time and of cause so far as they are mirrored in grammar, of a significance which can, finally, be agreed upon and held steady, are far more than a poetic strategy. They embody a revolt of literature against language – comparable with, but perhaps more radical than any which has taken place in abstract art, in atonal and aleatory music. When literature seeks to break its public linguistic mould and become idiolect, when it seeks untranslatability, we have entered a new world of feeling.”

REPRESENTAÇÃO SYMBOHLIKA DO GOVERN0 BOLSONARO (ver 20/03/2019 Seclusão)

peeling grammatical

pissing

phishing

auto_phy

shy

psyauto

chology

cholostomyanus

u@fool

cleansing racial chants

white blues of t[h]orpor

For the writer after Mallarmé language does violence to meaning, flattening, destroying it, as a living thing from the deeps is destroyed when drawn to the daylight and low pressures of the sea surface. But hermeticism, as it develops from Mallarmé to Celan, is not the most drastic of moves counter to language in modern literature. Two other alternatives emerge. Paralysed by the vacuum of words, by the chasm which has opened between individual perception and the frozen generalities of speech, the writer falls silent. The tactic of silence derives from Hölderlin or, more accurately, from the myth and treatment of Hölderlin in subsequent literature (Heidegger’s commentaries of 1936-44 are a representative instance).”

PROFISSÃO: … (niilista)

the poet’s personal collapse into mental apathy and muteness, could be read as exemplifying the limits of language, the necessary defeat of language by the privacy and radiance of the inexpressible.”

Vertigo assails him at the thought of the abyss which separates the complexity of human phenomena from the banal abstraction of words. Haunted by microscopic lucidity – he has come to experience reality as a mosaic of integral structures – Lord Chandos [Hofmannsthal] discovers that speech is a myopic shorthand. Looking at the most ordinary object with obsessive notice, Chandos finds himself entering into its intricate, autonomous specificity”

Es ist mir dann, als geriete ich seiher in Gärung, würfe Blasen auf, wallte und funkelte. Und das Ganze ist eine Art fieberisches Denken, aber Denken in einem Material, das unmittelbarer, flüssiger, glühender ist als Worte. Es sind gleichfalls Wirbel, aber solche, aber solche, die nicht wie die Wirbel der Sprache ins Bodenlose zu führen scheinen, sondern irgenwie in mich selber und in den tiefsten Schoss des Friedens.”

A good deal of what is representative in modern literature, from Kafka to Pinter, seems to work deliberately at the edge of quietness.”

It is as if, through becoming involved in literature, I had used up all possible symbols without really penetrating their meaning. They no longer have any vital significance for me. Words have killed images or are concealing them. A civilization of words is a civilization distraught. Words create confusion. Words are not the word (les mots ne sont pas la parole) . . . The fact is that words say nothing, if I may put it that way . . . There are no words for the deepest experience. The more I try to explain myself, the less I understand myself. Of course, not everything is unsayable in words, only the living truth.” Ionesco

the Russian <Kubofuturist>, Alexei Krucenyx, in his Declaration of the Word As Such (1913): <The worn-out, violated word ‘lily’ is devoid of all expression. Therefore I call the lily éuy…>”

Considering the innocent finality of Hebrew poetry and of Greek literature, the paradox of freshness combined with ripeness of form, thinkers such as Winckelmann, Herder, Schiller, and Marx argued that Antiquity and the Greek genius in particular had been uniquely fortunate. The Homeric singer, Pindar, the Attic tragedians had been, literally, the first to find shaped expression for primary human impulses of love and hatred, of civic and religious feeling. To them metaphor and simile had been novel, perhaps bewildering suppositions. That a brave man should be like a lion or dawn wear a mantle of the colour of flame were not stale ornaments of speech but provisional, idiosyncratic mappings of reality. No Western idiom after the Psalms and Homer has found the world so new. Presumably, the theory is spurious. (…) No techniques of anthropological or historical reconstruction will give us any insight into the conditions of consciousness and social response which may have generated the beginnings of metaphor and the origins of symbolic reference.”

The best analyses of the language of nonsense with special reference to English may be found in Emile Cammaerts, The Poetry of Nonsense (London, 1925), and Elizabeth Sewell, The Field of Nonsense (London, 1952).” “The grammar of nonsense consists primarily of pseudo-series or alignments of discrete units which imitate and intermingle with arithmetic progressions (in Lewis Carroll these are usually familiar rows and factorizations of whole numbers).” Muito que pensar (ou nem tanto): Platão, Pitágoras, Aristóteles, o Um… No fim, eu sou mais matemático do que sempre me cogito. A régua é a medida do homem. artes-anal. Picotear a lengua a nada lleva. Masturbação pura e simples travestida de vã-guarda. Parallax scrolling. Fausse sortie.

Um janota filosofando sobre o absurdo não consegue mais irreverência que um excêntrico mr. Kant.

PARECE QUE SUPERESTIMAMOS SHERLOCK HOLMES AQUI! “Bilingual and multilingual poetry, i.e. a text in which lines or stanzas in different languages alternate, goes back at least to the Middle Ages and to contrapunctal uses of Latin and the vulgate.”

there are combinations of Provençal, Italian, French, Catalan, and Galician-Portuguese in troubadour verse.”

Aime criaient-ils aime gravité

de très hautes branches tout bas pesait là

Terre aime criaient-ils dans le haut

(Cosí, mia sfera, cosí in me, sospesa, sogni: soffiavi, tenera,

[un cielo: e in me cerco i tuoi poli, se la

tua lingua è la mia ruota, Terra del Fuoco, Terra di Roubaud)

Naranja, poma, seno esfera al fin resuelta

en vacuidad de estupa. Tierra disuelta.

Ceres, Persephone, Eve, sphere

earth, bitter our apple, who at the last will hear

that love-cry?”

A good measure of the prose in Finnegans Wake is polyglot. Consider the famous riverrounding sentence on page one: ‘Sir Tristram, violer d’amores, fr’over the short sea, has passencore rearrived from North Armorica . . . .’ Not only is there the emphatic obtrusion of French in triste, violer, pas encore and Armoric (ancient Brittany), but Italian is present in viola d’amore and, if Joyce is to be believed, in the tag from Vico, ricorsi storici, which lodges partly as an anagram, partly as a translation, in ‘passencore rearrived’.”

Or take a characteristic example from Book II: ‘in deesperation of deispiration at the diasporation of his diesparation’. In this peal a change is rung on four and, possibly, five languages: English ‘despair’, French ‘déesse’, Latin dies (perhaps the whole phrase Dies irae is inwoven), Greek diaspora, and Old French or Old Scottish dais or deis meaning a stately room and, later, a canopied platform for solemn show.”

Thus ‘seim’ in ‘the seim anew’ near the dose of ‘Anna Livia Plurabelle’ contains English ‘same’ and the river Seine in a deft welding not only of two tongues but of the dialectical poles of identity and flux.”

PROFESSORES UNIVERSITÁRIOS, UNI-VOS! BUT NOT ESPERANTO, POUR THOMAS: “But even in Finnegan’s Wake, the multilingual combinations are intended towards a richer, more cunning public medium. They do not aim at creating a new language. Such invention may well be the most paradoxical, revolutionary step of which the human intellect is capable.”

FIE! FAIRY, FAIL! PHANTOM PHANTASY — ANTHEM

in-me-she-ate (initiate)

inseminate

ins eminate

eminent enemy is

insert mine ache

sem mim, hate

neither,

nay, name ‘h’

n’ hey!

This is not the place to go into the extensive, intricate literary aspects of Dada.¹ But it now seems probable that the entire modernist current, right to the present day, to minimalist art and the happening, to the <freak-out> and aleatory music [Jazz? Bebop?], is a footnote, often mediocre and second-hand, to Dada. The verbal, theatrical, and artistic experiments conducted first in Zurich in 1915-7 and then extended to Cologne, Munich, Paris, Berlin, Hannover, and New York, constitute one of the few undoubted revolutions or fundamental <cuts> in the history of the imagination.”

¹ “The field has reached an extension and complexity such that there is nearly need for a <bibliography of bibliographies>.”

Hans Richter, Dada-Kunst und Antikunst. Der Beitrag Dadas zur Kunst des 20. Jahrhunderts (Cologne, 1964);

Herbert S. Gershman, A Bibliography of the Surrealist Revolution in France (University of Michigan Press, 1969);

G. E. Steinke, The Life and Work of H. Ball, founder of Dadaism (The Hague, 1967).

Ball’s autobiographical novel Flametti oder vom Dandysmus der Armen;

Otto Flak’s roman à clef [“baseado em fatos reais”], Nein und Ja. Roman des Jahres 1917.

The slapstick and formal inventions of Hugo Ball, Hans Arp, Tristan Tzara, Richard Huelsenbeck, Max Ernst, Kurt Schwitters, Francis Picabia, and Marcel Duchamp have a zestful integrity, an ascetic logic notoriously absent from a good many of the profitable rebellions that followed. Many instigations, themselves fascinating, lie behind the Dada language-routines as they erupt at the Cabaret Voltaire in 1915. It seems likely that Ball chose the name of the cabaret in order to relate Dada to the Café Voltaire in Paris at which Mallarmé and the Symbolists met during the late 1880s and 1890s.” “The notion of automatic writing, of the generation of word groups freed from the constraints of will and public meaning, dates back at least to 1896 and Gertrude Stein’s experiments at Harvard. These trials, in turn, were taken up by Italian Futurism and are echoed in Marinetti’s call for parole in libertà.”

As Dada sprang up, <madness and death were competing . . . Those people not immediately involved in the hideous insanity of world war behaved as if they did not understand what was happening all around them . . . Dada sought to rouse them from their piteous stupor.> [Arp]”

Ball, Die Flucht aus der Zeit

Não “o fluxo do tempo”, mas um vôo ou salto para fora do tempo

nãotaxe

The result is a disturbing sensation of possible events and densities (Heidegger’s Dichtung) just below the visual surface. No signals, or very few apart from the title, are allowed to emerge and evoke a familiar tonal context.”

the very definition and perception of speech-pathology are themselves a social and historical convention. Different periods, different societies draw different lines between permissible and <private> linguistic forms. Cf. also B. Grassi, ‘Un contributo allo studio della poesía schizofrenica’ (Rassegna neuropsichiatrica, XV, 1961), David V. Forrest, Poiesis and the Language of Schizophrenia (Psychiatry, XXVIII, 1965), and S. Piro, Il linguaggio schizofrenico (Milan, 1967).”

The self-defeating paradox in private language, be it the trobar clus of the Provençal poet or the lettrisme of Isou, lies in the simple fact that privacy diminishes with every unit of communication.”

a dictionary is an inventory of consensual, therefore eroded and often <sub-significant> usages”

L. Couturat and L. Leau, Histoire de Ia langue universelle (Paris, 1903), with its investigation of 56 artificial languages, remains the standard work.” “Pansophia can be achieved only by means of panglottia.”

These 3 goals are already implicit in Bacon’s plea, in The Advancement of Learning (1605), for the establishment of a hierarchy of <real characters> capable of giving precise expression to fundamental <things and notions>. Some 20 years later Descartes, in his correspondence with Mersenne, welcomed the project but doubted whether it could be executed before the elaboration of a complete analytic logic and <true philosophy>.”

Urquhart’s interlingua contains 11 genders and 10 cases besides the nominative. Yet the entire edifice is built on <but 250 prime radices upon which all the rest are branches>. Its alphabet counts 10 vowels, which also serve as digits, and 25 consonants; together these articulate all sounds of which the vocal organs of man are capable. This alphabet is a powerful means of arithmetical logic: <What rational Logarithms do by writing, this language doth by heart; and by adding of letters, shall multiply numbers; which is a most exquisite secret.> The number of syllables in a word, moreover, is proportionate to the number of its significations. Urquhart kept his <exquisite secret> but the anticipation of his claim on modem symbolic logic and computer languages is striking.”

L. Couturat’s treatment of Leibnizian linguistics in La Logique de Leibniz (Paris, 1901) remains authoritative.”

Few of these confections have shown much vitality. Only Esperanto continues to lead a somewhat Utopian, vestigial existence.”

There are numerous treatments of the logical and linguistic aspects of computer languages. Several important papers are gathered in T.B. Steel (ed.), Formal Languages and Description Languages for Computer Programming (Amsterdam, 1961), and in M. Minsky (ed.), Semantic Information Processing (M.I.T. Press, 1968). Cf. also B. Higman, A Comparative Study of Programming Languages (London and New York, 1967).”

The history of <the linguistic turn> is itself a broad subject. Even if we consider only the argument on <truth>, we can make out at least 4 main stages. There is the early work of [Marianne?] Moore and Russell [the mad chap], then of Russell and Whitehead, with its explicit background in the logistics of Boole, Peano, and Frege. There are the attempts to establish semantic definitions of <truth> made by Tarski, by Carnap, and by the Logical Positivists during the 1930s, attempts carried forward, in a highly personal vein, by Wittgenstein. A 3rd focus is provided by <Oxford philosophy> and, most notably, by the 1950 debate on <truth> between Austin and P.F. Strawson and the extensive literature to which this exchange gave rise.”

linguistic analysis may do so thorough a job of exorcism that we might <come to see philosophy as a cultural disease which has been cured>.”

This distinction, with its scarcely concealed inference of vacuity in the other camp, applies to Husserl, to Heidegger, to Sartre, to Ernst Bloch. Consequently, there is historical and psychological justification for setting <linguistic philosophy> apart from <philosophy of language> (Sprachphilosophie). This separation is damaging. It is doubtful whether Austin’s well-known prognostication can be realized so long as the gap remains: <Is it not possible that the next century may see the birth, through the joint labours of philosophers, grammarians and numerous other students of language, of a true and comprehensive science of language?>”

J. Ayer, Foundations of Empirical Knowledge (London, 1963)

Schiller’s best-known paper: Must Philosophers Disagree?’, published in the Proceedings of the Aristotelian Society for 1933. (…) There is the linguistic empiricism or materialism of the Marxists with its stress on <what is out there>. But no less than in other branches of recent philosophic investigation, it is the analytic positions which have been the most influential and actively pursued. The matter of truth has been one of the relations between <words and words> more often than between <words and things>.”

WHO’S AUSTIN? “Wittgenstein belongs to the history of hermetic and aphoristic practices in German literature as do Hölderlin and Lichtenberg. The finesse of Austin’s acoustical sense for speech, his ability to spot the almost surrealistic turns of unguarded oddity in common diction were such that he would have been, had he so purposed, an acute philologist or literary critic.”

Meu nulo e autêntico dia se encontra no meio-termo fractional infinitesimal entre o zero sociológico e o um platônico.

Hume’s admonition in the first Book of the Treatise¹ inhibits him: all hypothetical arguments or <reasonings upon a supposition> are radically infirmed by the absence of any <belief of real existence>. Thus they are <chimerical and without foundation>. The entire terrain is a muddle.”

¹ Em breve no Seclusão. Reportar-se também a minha análise de Hume-Kant: https://seclusao.art.blog/2021/05/13/historia-das-ideias-introducao-a-epistemologia-hume-kantiana/.

Bloch is a messianic Marxist; he finds the best rudiments of futurity in dialectical materialism and the Hegelian-Marxist vision of social progress. But his semantics of rational apocalypse have general philosophic and linguistic application. More than any other philosopher, Bloch has insisted that <reasonings upon a supposition> are not, as Hume in his exercise of systematic doubt ruled, <chimerical and without foundation>.”

CONTINENTE VS. VERBUM: “The ontological and the linguistic-analytical approaches would coexist in mutual respect and be seen as ultimately collaborative. But we are still a long way from this consolidation of insight.”

In the Hippias minor Socrates enforces an opinion which is exactly antithetical to that of Augustine. <The false are powerful and prudent and knowing and wise in those things about which they are false.> The dialogue fits only awkwardly in the canon and its purpose may have been purely <demonstrative> or ironically a contrario.” Or you may be slow to understand.

<For I hate him like the gates of death who thinks one thing and says another>, declares Achilles in Book IX of the Iliad. Opposed to him stands Odysseus, <master deceiver among mortals>. In the balance of the myth it is Odysseus who prevails; neither intellect nor creation attenuate Achilles’ raucous simplicity.”

The shallow cascade of mendacity which attends my refusal of a boring dinner engagement is not the same thing as the un-saying of history and lives in a Stalinist encyclopedia.”

French allows alterité, a term derived from the Scholastic discrimination between essence and alien, between the tautological integrity of God and the shivered fragments of perceived reality. Perhaps <alternity> will do: to define the <other than the case>, the counter-factual propositions, images, shapes of will and evasion with which we charge our mental being and by means of which we build the changing, largely fictive milieu of our somatic and our social existence.”

MAN’S GENIUS LIES UNTOUCHED.

Swift’s emblem remains one of elemental centaurs, of an instinctual ethic across the borders from man. It may be that the rubric of camouflage extends to silence, to a withholding of response. At a higher level of evolution, in the primate stage perhaps, the animal will refuse an answer (there is something less than human in Cordelia’s loving reticence).”

Folk tales and mythology retain a blurred memory of the evolutionary advantage of mask and misdirection. Loki, Odysseus are very late, literary concentrates of the widely diffused motif of the liar”

There is a myth of hand-to-hand encounter – a duel, a wrestling bout, a trial by conundrum whose stake is the loser’s life – which we come across in almost every known language and body of legend.”

To falsify or withhold one’s real name – the riddle set for Turandot and for countless other personages in fairy-tales and sagas – is to guard one’s life, one’s karma or essence of being, from pillage or alien procurement.”

There is only one world, and that world is false, cruel, contradictory, misleading, senseless… We need lies to vanquish this reality, this <truth>, we need lies in order to live… That lying is a necessity of life is itself a part of the terrifying and problematic character of existence.”

It is our syntax, not the physiology of the body or the thermodynamics of the planetary system, which is full of tomorrows. Indeed, this may be the only area of <free will>, of assertion outside direct neurochemical causation or programming. We speak, we dream ourselves free of the organic trap.”

Gordon W. Hewes, “An Explicit Formulation of the Relationship Between Tool-Usings, Tool-Making, and the Emergence of Language” (in: Visible Language, VII, 1973)

The symbolic affinities between words and fire, between the live twist of flame and the darting tongue, are immemorially archaic and firmly entrenched in the subconscious.”

Über Wahrheit und Lüge im aussermoralischen Sinne

The craft of the translator is, as we shall see, deeply ambivalent: it is exercised in a radical tension between impulses to facsimile and impulses to appropriate recreation. In a very specific way, the translator <re-experiences> the evolution of language itself, the ambivalence of the relations between language and world, between <languages> and <worlds>. In every translation the creative, possibly fictive nature of these relations is tested. Thus translation is no specialized, secondary activity at the <interface> between languages. It is the constant, necessary exemplification of the dialectical, at once welding and divisive nature of speech.”

IV. THE CLAIMS OF THEORY

THE literature on the theory, practice, and history of translation is large. It can be divided into four periods, though the lines of division are in no sense absolute. The first period would extend from Cicero’s famous precept not to translate verbum pro verbo, in his Libellus de optimo genere oratorum of 46 BC and Horace’s reiteration of this formula in the Ars poetica some 20 years later, to Hölderlin’s enigmatic commentary on his own translations from Sophocles (1804). This is the long period in which seminal analyses and pronouncements stem directly from the enterprise of the translator. It includes the observations and polemics of Saint Jerome, Luther’s magisterial Sendbrief vom Dolmetschen of 1530, the arguments of Du Bellay, Montaigne, and Chapman, Jacques Amyot to the readers of his Plutarch translation, Ben Jonson on imitation, Dryden’s elaborations on Horace, Quintilian and Jonson, Pope on Homer, Rochefort on the Iliad. Florio’s theory of translation arises directly from his efforts to render Montaigne; Cowley’s general views are closely derived from the nearly intractable job of finding an English transposition for the Odes of Pindar. There are major theoretic texts in this first phase: Leonardo Bruni’s De interpretatione recta of c. 1420, for example, and Pierre Daniel Huet’s De optimo genere interpretandi, published in Paris in 1680 (after an earlier, less developed version of 1661). Huet’s treatise is, in fact, one of the fullest, most sensible accounts ever given of the nature and problems of translation. Nevertheless, the main characteristic of this first period is that of immediate empirical focus. This epoch of primary statement and technical notation may be said to end with Alexander Fraser Tytler’s (Lord Woodhouselee) Essay on the Principles of Translation issued in London in 1792, and with Friedrich Schleiermacher’s decisive essay Über die verschiedenen Methoden des Übersetzens of 1813.

2nd period:

It gives the subject of translation a frankly philosophic aspect.”

We owe to it many of the most telling reports on the activity of the translator and on relations between languages. These include texts by Goethe, Schopenhauer, Matthew Arnold, Paul Valéry, Ezra Pound, I.A. Richards, Benedetto Croce, Walter Benjamin, and Ortega y Gasset. This age of philosophic-poetic theory and definition – there is now a historiography of translation – extends to Valery Larbaud’s inspired but unsystematic Sous l’invocation de Saint Jerome of 1946.”

3rd period:

The first papers on machine translation circulate at the close of the 1940s. Russian and Czech scholars and critics, heirs to the Formalist movement, apply linguistic theory and statistics to translation. Attempts are made, notably in Quine’s Word and Object (1960), to map the relations between formal logic and models of linguistic transfer. Structural linguistics and information theory are introduced into the discussion of interlingual exchange. Professional translators constitute international bodies and journals concerned mainly or frequently with matters of translation proliferate. It is a period of intense, often collaborative exploration of which Andrei Fedorov’s lntroduction to the Theory of Translation (Vvednie v toriju perevoda, Moscow, 1953) is representative.”

In many ways we are still in this third phase. The approaches illustrated in these two books – logical, contrastive, literary, semantic, comparative – are still being developed. Yet certain differences in emphasis have occurred since the early 1960s. The <discovery> of Walter Benjamin’s paper Die Aufgabe des Übersetzers, originally published in 1923, together with the influence of Heidegger and Hans-Georg Gadamer, has caused a reversion to hermeneutic, almost metaphysical inquiries into translation and interpretation. Much of the confidence in the scope of mechanical translation, which marked the 1950s and early 60s, has ebbed. The developments of transformational generative grammars has brought the argument between <universalist> and <relativist> positions back into the forefront of linguistic thought. As we have seen, translation offers a critical ground on which to test the issues. Even more than in the 1950s, the study of the theory and practice of translation has become a point of contact between established and newly evolving disciplines. It provides a synapse for work in psychology, anthropology, sociology, and such intermediary fields as ethno- and socio-linguistics.”

<If there is no interpreter present, let the alien speaker be silent.>

<Translation would be blasphemy> (II Corinthians 12:4). An even more definite taboo can be found in Judaism.”

Traduced into French, said Heine, his German poems were <moonlight stuffed with straw>.”

nulla cosa per legame musaico armonizzata si può de la sua loquela in altra transmutare, senza rompere tutta sua dolcezza e armonia” Dante

To read Plato or Kant, to grasp Descartes or Schopenhauer, is to undertake an elaborate, finally <undecidable> task of semantic reconstruction.” Fiz meus 50% – tá bom né?

As early as the Cratylus and the Parmenides, we are made to feel the tension between aspirations to universality, to a critical fulcrum independent of temporal, geographic conditions, and the relativistic particularities of a given idiom.”

Strictly considered, no statement is completely repeatable (time has passed). To translate is to compound unrepeatability at second and third hand. L’intraducibilità is the life of speech.” Croce, Estetica, 1926

The exuberance of Rabelais, Montaigne, and, to a lesser extent, Shakespeare found in the classic precedent a ballast [lastro], a supple but steadying recourse to scale and order. But <ballast> is too static an image.”

The <untranslatability> of Aristophanes in the latter half of the 19th century was far more than a matter of prudery. The plays seemed <unreadable> at many levels of linguistic purpose and scenic event. Less than 100 years later, the elements of taste, humour, social tone, and formal expectation which make up the reflecting surface, had moved into focus.” “The argument against translatability is, therefore, often no more than an argument based on local, temporary myopia.”

Giacchè tradurre, in verità, è Ia condizione d’ogni pensare e d’ogni apprendere.” Gentile

The Dolmetscher [diplomata] is the <interpreter>, using the English word in its lower range of reference. He is the intermediary who translates commercial documents, the traveller’s questions, the exchanges of diplomats and hoteliers. He is trained in Dolmetscherschulen whose linguistic demands may be rigorous, but which are not concerned with <high> translation.”

The same ambiguity affects English interpreter and Italian interprete: he is the helpful personage in the bank, business office, or travel bureau, but he is also the exegetist and recreative performer. Truchement is a complicated word with tonalities inclusive of different ranges and problems of translation. It derives from Arabic tardjeman (Catalan torismani) and originally designates those who translated between Moor and Spaniard. Its use in Pascal’s Provinciales, XV, suggests a negative feeling: the truchement is a go-between, whose rendering may not be disinterestedly accurate. But the term also signifies a more general action of replacement, almost of metaphor: the eyes can be the truchement, translating, substituting for the silent meanings of the heart.”

When it is analysing complex structures, thought seems to favour triads. This is true of myths of golden, silver and iron ages, of Hegelian logic, of Comte’s patterns of history, of the physics of quarks.”

According to the modem view, the category of imitatio can legitimately include Pound’s relations to Propertius and even those of Joyce to Homer.”

Right translation is <a kind of drawing after the life>. Ideally it will not pre-empt the authority of the original but show us what the original would have been like had it been conceived in our own speech.”

Goethe’s involvement in translation was lifelong. His translations of Cellini’s autobiography, of Calderón, of Diderot’s Neveu de Rameau are among the most influential in the course of European literature. He translated from Latin and Greek, from Spanish, Italian, English, French and Middle High German, from Persian and the south Slavic languages. Remarks on the philosophy and technique of translation abound throughout his work, and a number of Goethe’s poems are themselves a commentary on or metaphoric treatment of the theme of translation. Deeply persuaded, as he was, of the continuity of life-forms, of the harmonious, though often hidden interweaving and cross-reference in all morphological reality, Goethe saw in the transfer of meaning and music between languages a characteristic aspect of universality. His best-known theoretical statement occurs in the section on translation in the lengthy prose addenda to the West-Östlicher Divan (1819).” “Fritz Strich’s well-known Goethe und die Weltliteratur (Bern, 1946) deals with the general theme of Goethe’s relations to other literatures. But, so far as I am aware, we have not had until now a full-scale study of Goethe’s translations and of their influence on his own writings and philosophy of form.”

Can he really have meant to say that Luther’s immensely conscious, often magisterially violent reading is an instance of humble style, imperceptibly insinuating a foreign spirit and body of knowledge into German?”

He knew that Wieland’s imitations of Cervantes and Richardson, and his translations of Cicero, Horace, and Shakespeare had been instrumental in the coming of age of German literature.”

Only the third class of translators can accomplish so much. Goethe’s example here is Johann Heinrich Voss whose versions of the Odyssey (1781) and Iliad (1793) Goethe rightly considered to be one of the glories of European translation and a principal instrument in the creation of German Hellenism.”

Now the dominant current is German. As has been often said by German poets and scholars, translation was the <inmost destiny> (innerstes Schicksal) of the German language itself. The evolution of modem German is inseparable from the Luther Bible, from Voss’ Homer, from the successive versions of Shakespeare by Wieland, Schlegel, and Tieck.”

After observing querulously in chapter 35 of the Parerga und Paralipomena, that no amount of labour or genius would convert être debout into stehen, Schopenhauer concluded that no less was needed than a <transference of soul>.”

No translator has recorded with more scruple his inner life between languages or has brought a more intelligent intensity to the problem of <letter> versus <spirit> than did Stephen MacKenna. MacKenna gave his uncertain physical and mental health to the translation of Plotinus’ Enneades. The 5 tall volumes appeared between 1917 and 1930. This solitary, prodigious, grimly unremunerative labour constitutes one of the masterpieces of modem English prose and formal sensibility.” “In a monumental letter of 15 October 1926 MacKenna comes as close as he can to defining the proper modernity of a good translation from the classics.

Whenever I look again into Plotinus I feel always the old trembling fevered longing: it seems to me that I must be born for him, and that somehow someday I must have nobly translated him: my heart, untravelled, still to Plotinus turns and drags at each remove a lengthening chain.”

At best, wrote Huet, translation can, through cumulative self-correction, come ever nearer to the demands of the original, every tangent more closely drawn. But there can never be a total circumscription. From the perception of unending inadequacy stems a particular sadness. It haunts the history and theory of translation.”

List Saint Jerome, Luther, Dryden, Hölderlin, Novalis, Schleiermacher, Nietzsche, Ezra Pound, Valéry, MacKenna, Franz Rosenzweig, Walter Benjamin, Quine – and you have very nearly the sum total of those who have said anything fundamental or new about translation.”

There is no treatise on translation comparable in definition or influence to Aristotle’s Poetics or Longinus On the sublime. It is only very recently (with the foundation of the International Federation of Translators in Paris in 1953) that translators have fully asserted their professional identity, that they have claimed a worldwide corporate dignity. Until then Valery Larbaud’s description of the translator as the beggar at the church door was largely accurate”

Though the Index translationum issued annually by UNESCO shows a dramatic increase in the number and quality of books translated, though translation is probably the single most telling instrument in the battle for knowledge and woken consciousness in the underdeveloped world, the translator himself is often a ghostly presence. He makes his unnoticed entrance on the reverse of the title-page. Who picks out his name or looks with informed gratitude at his labour?”

Who can identify the principal translators of Bacon, Descartes, Locke, Kant, Rousseau, or Marx? Who made Machiavelli or Nietzsche accessible to those who had no Italian or German?”

We speak of the <immense influence> of Werther, of the ways in which the European awareness of the past was reshaped by the Waverley novels. What do we remember of those who translated Goethe and Scott, who were in fact the responsible agents of influence? Histories of the novel and of society tell us of the impact on Europe of Fenimore Cooper and Dickens. They do not mention Auguste-Jean-Baptiste Defaucompret through whose translations that impact is made.”

It remains a piece of pedantic lore that Byronism, certainly in France, Russia, and the Mediterranean is mainly the consequence of the translations of Amédée Pichot.”

It is the translations into French, English, and German by Motteux, Smollett, and Tieck respectively of Cervantes which constitute the life at large, the intensity in the literate imagination, of Don Quixote.”

his role in making Dostoevsky or Proust available to us is underlined because it is felt that the work needs re-doing.”

In what ways does the development of crucial philosophic, scientific, or psychological terms depend on successive translations of their initial or non-native statement? To what degree is the evolution of western Platonism, of the image of <the social contract>, of the Hegelian dialectic in the communist movements, a result of selective, variant, or thoroughly mistaken translations? Koyré’s investigations of the history of the translations of Copernicus, Galileo, and Pascal, Gadamer’s inquiries into the theoretic and practical translatability of key terms in Kant and Hegel, J.G.A. Pocock’s study of the inheritance of the vocabulary of politics from the Florentine Renaissance to Locke and Burke, are pioneering efforts. There is until now only a rudimentary understanding of the language-aspects of intellectual history and of the study of comparative institutions. Yet they are absolutely central. Without a grasp of the nature of translation there can be no account of the current in the circuit.”

Schools for translators, such as are believed to have flourished in Alexandria in the 2nd century A.D. or in Baghdad, under the leadership of Hunain ibn Ishaq, during the 9th century, would be worth analysing and comparing.”

We collate and judge this or that Arabic version of Aristotle or Galen. We contrast Roy Campbell’s reading into English of a Baudelaire sonnet with the readings proposed by Robert Lowell and Richard Wilbur. We set Stefan George’s Shakespeare next to Karl Kraus’. We follow the transformation of Racine’s alexandrines into the hexameters of Schiller’s Phädra. We wonder at the recasting of Lenin on empirio-criticism into Urdu and Samoyed.”

To use a very rough analogy, the discipline of translation may be subject only to a Linnaean, not to a Mendelian type of formalization.”

How many false starts, what arcs of association, what doodles of the brain and of the hand underlie Chesterton’s uncannily evocative version of Du Bellay’s Heureux qui comme Ulysse or Goethe’s rendition, which is a masterpiece, of Manzoni’s Il Cinque maggio?”

The Valery Larbaud archive in Vichy contains a wealth of material, as yet unexploited, on the work in progress which led to the remarkable French translations of Moby Dick and Ulysses.” “It is doubtful whether Michel Butor will destroy the work-sheets of his current attempt to find a French mirroring for Finnegans Wake or whether Anthony Burgess’ efforts to do the same in Italian will not survive – notes, drafts, uncorrected proofs, final galleys and all – in the strong-room of some American university. The unformed fascinates us.

Because explication is additive, because it does not merely restate the original unit but must create for it an illustrative context, a field of actualized and perceptible ramification, translations are inflationary. There can be no reasonable presumption of co-extension between the source text and the translation. In its natural form, the translation exceeds the original or, as Quine puts it: <From the point of view of a theory of translational meaning the most notable thing about the analytical hypotheses is that they exceed anything implicit in any native’s dispositions to speech behavior.>

The conceptual claims, the idiom of Husserl, Merleau-Ponty and Emmanuel Levinas force on anyone concerned with the nature of translation a fuller awareness of, a more responsible discomfort at, notions of identity and otherness, of intentionality and signification. When Levinas writes that <le langage est le dépassement incessant de la Sinngebung par la signification> (significance constantly transcends designation), he comes near to equating all speech-acts with translation in the way indicated at the outset of this study.”

The totality of Geometries comprehends, is perfectly homologous with, the study of the properties and relations of all magnitudes in all conceivable spaces. This is the first sort of relation. A particular geometry, projective geometry for example, derives rigorously from, is a part of, the larger science. This is the second sort. But it is possible neither to have a <theory of projective geometry> nor a <theory of geometrical meaning> without a <theory of Geometry or Geometries> to begin with.” “On the crucial issues – crucial, that is, in regard to a systematic understanding of the nature of translation – linguistics is still in a roughly hypothetical stage. We have some measurements, some scintillating tricks of the trade and far-ranging guesses. But no Euclidean Elements.”

Only tautologies are coextensive with their own restatement. Pure tautologies are, one suspects, extremely rare in natural language. Occurring at successive moments in time, even repetition guarantees no logically neutral equivalence. Thus language generates – grammar permitting, one would want to say <language is> a surplus of meaning (meaning is the surplus-value of the labour performed by language).”

In an estimated 97% of human adults language is controlled by the left hemisphere of the brain. The difference shows up in the anatomy of the upper surface of the temporal lobe (in 65% of cases studied, the planum temporale on the left side of the brain was 1/3 longer than on the right).” Cf. Norman Geschwind & Walter Levitsky, ‘Human Brain: Left-Right Asymmetries in Temporal Speech Regions’ (1968).

E.H. Lenneberg, Biological Foundations of Language

Again a curious asymmetry or <slippage> turns up: the human ear is most sensitive to sounds whose pitch corresponds to a frequency of about 3,000 cycles per second, whereas the ordinary speaking voice of men, women and children is at least two octaves lower in the scale. This may mean that call-systems and language coexisted, at least for a long time, on neighbouring frequencies.”

Virtually everything we know of the organization of the functions of language in the human brain derives from pathology. It has been recorded under abnormal conditions, during brain surgery, through electrical stimulation of exposed parts of the brain, by observing the more or less controlled effects of drugs on cerebral functions. Almost the entirety of our picture of how language <is located in> and produced by the brain is an extrapolation from the evidence of speech disorders followed by the study of dead tissue. This evidence, which dates back to Paul Broca’s famous papers of the 1860s, is voluminous. We know a good deal about specific cerebral dominance, i.e. the unilateral control of certain speech functions by particular areas of the cortex. Damage to Broca’s area (the third frontal gyrus on the left side) produces a characteristic aphasia. Articulation becomes slurred and elliptic; connectives and word endings drop away. Damage to the Wernicke area, also in the left hemisphere but outside and to the rear of Broca’s area, causes a totally different aphasia. Speech can remain very quick and grammatical, but it lacks content. The patient substitutes meaningless words and phrases for those he would normally articulate. Incorrect sounds slip into otherwise correct words.”

There is a sense in which a great poet or punster is a human being able to induce and select from a Wernicke aphasia. The Sinbad the sailor sequence from Joyce’s Ulysses gives a fair illustration. But with a crucial difference: though aural reception of non-verbal sounds and of music may remain perfectly normal, a lesion in the Wernicke area will cut down severely on understanding.”

But it is by no means clear that a neurophysiological scheme and the deepening analysis and treatment of pathological states will lead to an understanding of the production of human speech. (…) A phenomenon can be mapped, but the map can be of the surface. To say, as do the textbooks, that the third frontal gyrus <transforms> an auditory input into a visual-verbal output or feedback, is to substitute one vocabulary of images for another.”

The gap is not only one of utterly different orders of complexity. It seems rather as if the concept of a neurochemical <explanation> of human speech and consciousness – the two are very nearly inseparable – were itself deceptive. The accumulation of physiological data and therapeutic practice could be leading towards a different, not necessarily relevant, sort of knowledge. There is nothing occult about this divergence. I have stressed throughout that the questions we ask of language and the answers we receive in (from) language are unalterably linguistic.” “We know no exit from the skin of our skin.”

These points cannot be proved.” Foda-se, viado!

It is conceivable that we have misread the Babel myth. The tower did not mark the end of a blessed monism, of a universal language situation. The bewildering prodigality of tongues had long existed, and had materially complicated the enterprise of men. In trying to build the tower, the nations stumbled on the great secret: that true understanding is possible only when there is silence. They built silently, and there lay the danger to God.”

The polyglot situation and the requirements which follow from it depend totally on the fact that the human mind has the capacity to learn and to house more than one tongue. There is nothing obvious, nothing organically necessitated about this capacity. It is a startling and complex attribute. We know nothing of its historical origins, though these are presumably coincident with the beginnings of the division of labour and of trade between communities. We do not know whether it has limits. There are reliable records of polyglots with some measure of fluency in anywhere up to 25 languages. Is there any boundary other than the time span of individual lives?” “Não conhecemos o limite da cognição para o poliglotismo. Há registros concisos de indivíduos que falam mais ou menos fluentemente até 25 línguas diferentes. Há mesmo algum limite (a não ser o tempo de vida do ser humano)?” Gostaria de ter sido a criança-cobaia perfeita de um centro de pesquisa e não ter uma ‘língua-mãe’, mas de ter duas dúzias…

The most detailed study remains that of W. Leopold, Speech. Development of a Bilingual Child: a Linguist’s Record (Northwestern University Press, 1939-47).” “Neither the Chomskyan model of competence/performance, nor socio-linguistic surveys of multilingual children or communities tell us what is meant by <learning a language> or by <learning two or more languages>, at the crucial level of the central nervous system.”

RUNNING IN CIRCLES AD AETERNUM: “If the change is focused and sustained, as occurs during the reception and internalization of <experience-information>, corresponding alterations take place in the properties of these neurones. There are experimental grounds for believing that their configurations and patterns of assembly change.” E aí estão as bobas conjeturas de Fraude no Projeto, uns 70 anos depois… Nem UM passo à frente!

Over the next years there may be a spectacular progress of insight into the biochemistry of the central nervous system.” Sábio uso do itálico, Steiner!

refinements in microbiology may lead to correlations between specific classes of information and specific changes in protein synthesis and neuronal assembly.” “On present evidence, however, it is impossible to go beyond rudimentary idealizations. The neurochemistry of language-acquisition, the understanding of the changes in RNA which may accompany the storage of a language in the memory centres and synoptic terminals of the cortex, necessitate models of a complexity, of a multi-dimensionality beyond anything we can now conceive of.”

It is on this point that Marxist critiques of Chomskyan linguistics as an <empty mentalism> no less naïvely-deterministic than the theories of Skinner have been most telling. [A grande ironia é que Chomsky é um marxista!]” Cf. Rossi-Landi, ldeologies of Linguistic Relativity (The Hague, 1973), Il linguaggio come lavoro e come mercato (Milan, 1968).

The sensation of a <near-miss> can be tactile. The sought word or phrase is a <micromillimeter away from> the scanner; it is poised obstinately at the edge of retrieval.” “The <muscles> of attention ache.” “a calming click which accompanies the instant of recall.”

Homonyms, paronomasia, acoustic and semantic cognates, synecdochic sets, analogies, associative strings proliferate, undulating at extreme speed, sometimes with incongruous but pointed logic, across the surfaces of consciousness. The acrostic or cross-word yields faster than our pencil can follow.” Para horror de Breton.

For the polyglot this impression is reinforced. He <switches> from one language to another with a motion that can have a lateral and for a vertical feel.” “A mixed, contingent usage of two languages can create interference effects, the phrase being sought in one idiom being <crowded out> or momentarily screened by a phrase in the other.”

Very recent work with bilingual schizophrenics (<schizophrenia> being itself an unsatisfactory, catch-all term) may provide a similar clue. Patients who hear <voices> or report hallucinations will locate these phenomena in only one of their two languages. Questioned in the other or <safe> tongue, their answers and introspective testimony reveal no pathological interference.”

When I have spent a few days in a country in which one of my <first> languages is native, I not only find myself re-entering that language with a strong sensation of recollected fluency and central logic, but soon have my dreams in it. In a short time-interval the language which I have been speaking in another country takes on a tangible shell of strangeness.” Acho que nunca sonhei em inglês ou espanhol, que vergonha! Mas já sonhei com muitos trocadilhos absolutamente geniais que são impossíveis de lembrar quando acordo – tudo de que lembro é que eram geniais!

This susceptibility of linguistic <placing> to the influence of the surrounding social, psychological, and acoustical milieu is, by itself, sufficient to refute the more extreme theories of transformational-generative innateness. The external world <reaches in> at every instant to touch and regroup the layers of our speech.”

SOMOS MICHELANGELOS: “When we learn a new language, it may be that these modes of evocative congruence are the most helpful. Often, as we shall see, great translation moves by touch, finding the matching shape, the corresponding rugosity even before it looks for counterpart of meaning.”

But no topologies of n-dimensional spaces, no mathematical theories of knots, rings, lattices, or closed and open curvatures, no algebra of matrices can until now authorize even the most preliminary model of the <language-spaces> in the central nervous system.”

We know next to nothing of the organization and storage of different languages when they coexist in the same mind. How then can there be, in any rigorous sense of the term, a <theory of translation>?

In view of the claims put forward by linguistics since the late 1950s I have, in the foregoing chapters, tried to show that the study of language is not now a science. In closing the abstract portion of this work, I am tempted to go further. Very likely, it never will be a science. Language is, at vital points of usage and understanding, idiolectic.”

An error, a misreading initiates the modern history of our subject. Romance languages derive their terms for <translation> from traducere because Leonardo Bruni misinterpreted a sentence in the Noctes of Aulus Gellius in which the Latin actually signifies <to introduce, to lead into>.”

Like mutations in the improvement of the species, major acts of translation seem to have a chance necessity. The logic comes after the fact. What we are dealing with is not a science, but an exact art.”

V. THE HERMENEUTIC MOTION

Nonsense rhymes, poésie concrète, glossolalia are untranslatable because they are lexically non-communicative or deliberately insignificant.” Yea, shan’t try mine!

<This means nothing>, asserts the exasperated child in front of his Latin reader or the beginner at Berlitz.”

The postulate that all cognition is aggressive, that every proposition is an inroad on the world, is, of course, Hegelian. It is Heidegger’s contribution to have shown that understanding, recognition, interpretation are a compacted, unavoidable mode of attack.” “Comprehension, as its etymology shows, <comprehends> not only cognitively but by encirclement and ingestion.”

Ortega y Gasset speaks of the sadness of the translator after failure. There is also a sadness after success, the Augustinian tristitia which follows on the cognate acts of erotic and of intellectual possession.”

Certain texts or genres have been exhausted by translation. Far more interestingly, others have been negated by transfiguration, by an act of appropriative penetration and transfer in excess of the original, more ordered, more aesthetically pleasing. There are originals we no longer turn to because the translation is of a higher magnitude (the sonnets of Louise Labé after Rilke’s Umdichtung).”

Translation does not take place in flat Earth.

Though they deny it, phrase-books and primers are full of immediate deeps. Literally: J’aime la natation (from Collins French Phrase Book, 1962). Word-for-word: <I love natation>, which is mildly lunatic though, predictably, Sir Thomas Browne used the word in 1646. <I like to go swimming> (omitting the nasty problem of differential strengths in aimer and like). <Swimming> turns up in Beowulf; the root is Indo-European swem, meaning to be in general motion, in a sense still functional in Welsh and Lithuanian. Nager is very different: through Old French and Provençal there is a clear link to navigare, to what is <nautical> in the governance and progress of a ship. The phrase-book offers: je veux aller à la piscine. <Swimming-pool> is not wholly piscine. The latter is a Roman fish-pond; like nager it encodes the disciplined artifice, the interposition before spontaneous motion, of the classical order. <I want to go…> / je veux aller . . . . <Want> is ultimately Old Norse for <lack>, <need>, the felt register of deprivations. The sense <to desire> comes only 5th among the rubrics which follow on the word in the OED (Old English Dictionary). Vouloir is of that great family of words, derived from the Sanskrit root var, signifying volition, focused intent, the advance of <will> (its cognate). The phrase-book is uneasily aware of the profound difference. <I want should not be translated by je veux. In French this is a very strong form, and when used to express a wish creates the unfortunate impression of giving a blunt and peremptory order rather than of making a polite request.> But the matter is not basically one of differing forces of demand. <Want> as Shakespeare almost invariably adumbrates, speaks out of concavity, out of absence and need. In French this zone of meaning would be circumscribed by besoin, manque, and carence. But j’ai besoin d’aller nager is instantaneously off-pitch or obscurely therapeutic.”

<It looks like rain> / le temps est à Ia pluie. No attempt here at bare literalism or point-to-point carry. <Rain> has no established cognates outside the Teutonic. The grammar of the phrase is elusive and infers futurity. <It> stands for an aggregate of sensory contexts, ranging from the indefinably atmospheric to the broadest markers of cloud, scent, or abrupt silence in the foliage. <It> is also purely syntactical, an ambiguous but indispensable member of the verb-phrase.” “Leaving aside a cosmogony – it is no Iess – in which <time> is homologous with <weather>, there is the grammar of être à Ia pluie. Here also there is contraction: the idiom elides intervening steps of conjecture: <the weather is such that it leads to the inference that . . .>. A highly-compacted argument about contiguity inheres in est à, almost as if we were saying <the hands of the clock are at . . .>. But the odd turn of <possession>, of time/weather being assigned to, being owned by the rain (i.e. ceci est à moi) is there, vestigially at least. It is abetted by the fact that pluie is not only or principally <rain> but pluvia. The Latin has a figurative weight which accords with possession.” “To know whether it will rain, we listen to the weather <forecast>; the Frenchman listens to the bulletin météorologique. Bulletins are in essence retrospective; there may be apologia and falsehood in them – the Napoleonic usage – but no augury.” “<Rain on the city>, <rain in the city>, <rain down on>: each is false. But why?”

Das Kind ist unter die Räder gekommen. Though it signifies violent, presumably sudden mishap and aims at instant communication, the German phrase encodes a fairly elaborate gesture of fatality. <The child has been run over>, which is the equivalent offered by the <teach yourself> manual, hardly reflects the cautionary dispassion of the original. In the German phrasing the wheels have a palpable right of way; somehow the child has interrupted their licit progress. The grammatical effect is undeniably apologetic and even accusing: the syntactic neutrality of das Rad together with the near-passivity of the verb form edges the onus of guilt towards the child. The wheels have not culpably <gone over it>; it is the child which has <come to be under them>. <Undergo> would be inadmissible as translation, but it in fact conveys the accusatory hint. L’enfant s’est fait écraser is even stronger in implicit blame. Any attempt at giving a naïve equivalence in English would generate a sense of volition: <the child has had itself run over>. The French idiom intends nothing so crass. But the nuance of indictment is there and more, perhaps, than a nuance. It results from the fact that se faire plus an infinitive can function as a kind of passive without losing altogether the substratum of purposeful action.”

Notoriously, the absence of the article in Russian can lead to pluralities and ambiguities which English misses or renders by expansive paraphrase. But the problem may arise as dramatically with regard to French. Genesis 1:3 is a well-known instance. Fiat lux. Et facta est lux has a memorable sequentiality. The phonetic and grammatical exterior proclaim a phenomenon at once stunning and perfectly self-evident (Haydn’s setting of the words in the Creation precisely communicates the effect of supremely astounding platitude). Italian Sia luce. E fu luce uses 5 words as against 6 and is, in that sense, even more lapidary. But the initial sibilant, the soft c and the stress on gender in luce (where Latin lux was, at least for part of its history, masculine), feminizes and musicalizes the imperiousness of the Vulgate. Es werde Licht. Und es ward Licht is perfectly concordant with the Latin except in one detail. The semantically elusive Es has to be there. Werde Licht would misrepresent the whole tenor and significance of the Creator’s illocution. The Es preserves the mystery of creation without previous substance. <Let there be light: and there was light> in the Authorized Version, or <Let there be light, and there was light> in the New English Bible, expand on the Latin. There are now 8 words in the place of 6. And the punctuation is lightened. The purpose, presumably, is to give a sense of instant consequence. But the omission of the full-stop together with lower-case <and> sacrifice the Latin pedal point. In the original the note of cosmic command is fully held while the division into 2 short sentences makes for a dynamic surge. This is exactly what is called for: an instant of pent breath above a groundswell of complete certitude. The French version is also 8 words long and opts for a punctuation precisely medial between the 2 English variants. Que Ia lumière soit; et Ia lumière fut. But much has altered. Latin, Italian, German, and English preserve the characteristically Hebraic repetition of the cardinal word <light> at the climax of the sentence(s). In each of the 4 cases the word-order is powerfully imitative of the action expressed.”

purely acoustically this is counter-productive, in so far as soit is more sonorous, more evocative of accomplished harmony than is fut with its clipped vowel-sound” “Es werde das Licht. Und es

ward das Licht is possible in a way the English is not. It is weaker, more oddly specific and inferential of some Plotinian discrimination between effulgences, but just possible. Indeed, in the German Bible the article comes with the third designation: Und Gott sah, dass das Licht gut war.” “<There was light there> differs from <there was a light there> in uncommitted generality and scale”

Être, ou ne pas être, c’est là Ia question

These are the crucial parameters throughout the early history of automatic translation. The translation machine attempts to maximize the coincidence between a word-for-word interlinear and the reconstitution of actual meaning. It hopes, as it were, to locate <rows of words> of which the mere superscription with a lexical equivalent will make adequate sense. The machine is no more than a dictionary <which consults itself> at very high speed. In its primitive versions, the automatic translator offers one lexical counterpart for every word or idiom in the original. More sophisticated mechanisms can suggest a number of possible definitions from which the human reader of the print-out will select the most apposite. This procedure is not in any complete hermeneutic sense an act of translation. The machine’s evaluation of context is wholly statistical: how many times has the given word appeared before in this particular text or body of similar texts, and do the words which immediately precede or follow it match a prepared unit in the programme? But it would be wrong to underestimate either the interest or potential utility of machine-literalism. Statistical bracketings and memory-bound recognitions of the kind employed by the machine are very obviously a part of the interpretative performance in the human brain, certainly at the level of routine understanding. A large mass of scientific literature, moreover, is susceptible to more or less automatic lexical transfer. <A monolingual reader, expert in the subject matter of the text being translated, should find it possible, in most instances, to extract the essential content of the original from this crude translation, often more accurately than a bilingual layman.> (Oettinger)”

By comparing Garvin’s treatment with Y. Bar-Hillel’s ‘Can Translation be Mechanized?’ (Journal of Symholic Logic, XX, I955), one obtains a general view of the changing climate in the field.”

But [all] this is not what translators of poetry, philosophy, or Scripture have meant when they claimed to be literalists.”

nec semper feriet quodcunque minabitur arcus.

verum ubi plura intent in carmine non ego paucis

offendar maculis, quas aut incuria fudit

aut humana parum cavit natura, quid ergo est?

ut scriptor si peccat idem librarius usque,

quamvis est monitus, venia caret; ut citharoedus

ridetur chorda qui semper oberrat eadem:

sic mihi qui multum fit Choerilus ille,

quem bis terve bonum cum risu miror; at idem

indignor quandoque bonus dormitat Homerus?”

Horácio, Ars poetica

Not alwayes doth the loosed bow hit that (A)

Which it doth threaten: Therefore, where I see (B)

Much in a Poem shine, I will not be (B)

Offended with a few spots, which negligence (C)

Hath shed, or humane frailty not kept thence. (C)

How then? why, as a Scrivener, if h’ offend (D)

Still in the same, and warned, will not mend, (D)

Deserves no pardon; or who’d play and sing (E)

Is laught at, that still jarreth in one string: (E)

So he that flaggeth much, becomes to me (B)

A Choerilus, in whom if l but see (B)

Twice, or thrice good, I wonder: but am more (F)

Angry, if once I heare good Homer snore.” (F)

tradução de Ben Jonson

Whoever thinks a faultless piece to see, (A)

Thinks what ne’er was, nor is, nor e’er shall be. (B)

In every work regard the writer’s end, (C)

Since none can compass more than they intend; (C)

And, if the means be just, the conduct true, (D)

Applause; in spite of trivial faults is due.” (D)

tradução de Pope

Where frequent beauties strike the reader’s view, (A)

We must not quarrel for a blot or two, (B)

But pardon equally to books or men, (C)

The slips of human nature, and the pen.” (C)

tradução de Byron

Ben Jonson’s is, obviously, a translation in a sense in which Pope’s and Byron’s imitative commentaries are not.”

According to the hermeneutic model I have put forward, Nabokov’s ‘Pushkin’ represents a case of ‘over-compensation’, of ‘restitution in excess’. It is a ‘Midrashic’ reanimation and exploration of the original text so massive and ingenious as to become, consciously or not, its rival. Such ‘rival servitude’ is probably central to Nabokov’s attitude to the Russian language which he, in part, deserted, and to his own eminent but also ambivalent location in the Russian literary tradition. But all this, though it may be fascinating in itself and instructive for the student of translation, does not refute Alexander Gerschenkron’s judgement: <Nabokov’s translation can and indeed should be studied, but despite all the cleverness and occasional brilliance it cannot be read> (‘A magnificent Monument?’, Modem Philology, LXIII, 1966, p. 340). ‘Nabokovians’ tend never to refer to this decisive article in which Gerschenkron, himself a virtuoso of Russian, meets the master on his own ground of literal exactitude.”

Texts concocted of unexamined lexical transfers, of grammatical hybrids which belong neither to the source nor to the target language are the inter-zone or rather limbo in which the rushed, underpaid hack translator works. For a representative sottisier of examples as between French and German, cf. Walter Widmer, Fug and (sic) Unfug des Übersetzens, pp. 57-70. At a slightly more elevated plane, we find the codified strangeness of most translations from the Persian, the Chinese, or the Japanese haiku.”

Chateaubriand’s prefatory Remarques to his translation of Paradise Lost (1836) are of the most vivid formal and pragmatic interest.”

What I have undertaken is a literal translation in the strongest sense of the term, a translation which a child and a poet will be able to follow line by line, word for word, as if they had an open dictionary in front of them.”

he has been compelled to use ablative absolutes without the auxiliary verb they require in French; he has resorted to archaicisms and formed new words, particularly negatives such as inadoré or inabstinence. Coming to <many a row of starry lamps . . ./ Yielded light / As from a sky>, Chateaubriand has written Plusieurs rangs de lampes etoilées . . . émanent Ia lumière comme un firmament.”

Or je sais qu’émaner en français n’est pas un verb actif; un firmament n’émane pas de Ia lumière, Ia lumière émane d’un firmament: mais traduisez ainsi, que devient l’image? Du moins le lecteur pénètre ici dans le génie de Ia langue anglaise; il apprend Ia difference qui existe entre les régimes des verbes dans cette langue et dans Ia nôtre.”

Chateaubriand not only matches Milton’s Latinity in circonférence, in orbe, in verre optique but goes, as it were, <behind> Milton to a point of common origin in marne – a modernization of Old French or Breton-Celtic marle from which Milton’s <burning marle> directly derives. In trempe éthérée the dislocation is subtle: the phrase is, in French, difficult to conceptualize and nearly an oxymoron; surprisingly, moreover, trempe is of Walloon origin (Littré gives treinp)”

In translations, as in word-play, false etymologies can take on a momentary truth.”

For this voice of all voices was beyond any speech whatsoever, more compelling than any, even more compelling than music, than any poem; this was the heart’s beat, and must be in its single beat, since only thus was it able to embrace the perceived unity of existence in the instant of the heart’s beat, the eye’s glance; this, the very voice of the incomprehensible which expresses the incomprehensible, was in itself incomprehensible, unattainable through human speech, unattainable through earthly symbols, the arch-image of all voices and all symbols, thanks to a most incredible immediacy, and it was only able to fulfil its inconceivably sublime mission, only empowered to do so, when it passed beyond all things earthly, yet this would become impossible for it, aye, inconceivable, did it not resemble the earthly voice; and even should it cease to have anything in common with the earthly voice, the earthly word, the earthly language, having almost ceased to symbolize them, it could serve to disclose the arch-image to whose unearthly immediacy it pointed, only when it reflected it in an earthly immediacy: image strung to image, every chain of images led into the terrestrial, to an earthly immediacy, to an early happening, yet despite this – in obedience to a supreme human compulsion – must be led further and further, must find a higher expression of earthly immediacy in the beyond, must lift the earthly happening over and beyond its this-sidedness to a still higher symbol; and even though the symbolic chain threatened to be severed at the boundary, to fall apart on the border of the celestial, evaporating on the resistance offered by the unattainable, forever discontinued, forever severed, the danger is warded off, warded off again and again…”

Taken <straight>, this bit of prose suggests Gertrude Stein seeking to transcribe and perhaps parody Kant.”

we come close to the poets’ dream of an absolute idiolect.”

There is from the bilingual weave of The Death of Virgil (1945) no necessary return to either English or any German text except Broch’s own.”

Reference to meaning or language <beyond speech> can be a heuristic device as at the end of Wittgenstein’s Tractatus. It can be a conceit, often irritating, in epistemology or mysticism.”

If we are to allow that this invocation of transcendence is more than a rhetorical turn and tactic of sublimity, the writer must give hostages. His accomplished work must be of a stature to justify the presumption that he has in fact mastered the available language and executive forms and that he has already extended both to the utmost of intelligibility.”

The silences, the insanities, the suicides of a number of great writers are rigorous affirmations of an experience of the boundaries of language. In Hölderlin there can be no doubt either as to the preceding mastery or the totality of the transcendent risk. And it is precisely via Hölderlin’s translations that the case for <the word beyond speech> is put most visibly.

In modem hermeneutics the poetry, letters, and translations of Hölderlin occupy a privileged place. Heidegger’s ontology of language is partly based on them, and it is from Hölderlin that Walter Benjamin deduces much of his theory of <the logos> and of translation.”

Allemann’s Hölderlin und Heidegger (Zürich and Freiburg, 1954) explores the relationship between the ontologist and the poet but tends to reconstrue Hölderlin in Heideggerian terms. Walter Benjamin’s ‘Zwei Gedichte von Friedrich Hölderlin’ dates back to 1914-5 (but was first published in 1955). Benjamin’s essay on ‘The Task of the Translator’ reaches its visionary apex with specific reference to Hölderlin’s versions of Pindar and of Sophocles [ver mais acima sobre essas traduções de autores antigos de Höld.].”

The pioneering work was Norbert von Hellingrath’s Pindarübertragungen von Hölderlin (Jena, 1911), followed by Günther Zuntz’s dissertation Über Hölderlins Pindar-Übersetzung (Marburg, 1928). Two basic works came next: Lothar Kempter’s Hölderlin und die Mythologie (Zürich and Leipzig, 1929) and Friedrich Beissner’s Hölderlins Übersetzungen aus dem Grieschischen (Stuttgart, 1933). Pierre Bertaux’s Hölderlin. Essai de biographie intérieure (Paris, 1936) brilliantly placed the translations in the context of the poet’s work as a whole. Since then detailed treatments have proliferated. I have drawn on the following: Meta Corsen, ‘Die Tragödie als Begegnung zwischen Gott und Mensch, Hölderlin’s Sophoklesdeutung’ (Hölderlin-Jahrbuch, 1948-9); Hans Frey, ‘Dichtung, Denken und Sprache bei Hölderlin’ (Dissertation, Zürich, 1951); Wolfgang Schadewaldt, ‘Hölderlin’s Übersetzung des Sophokles’ (Hellas und Hesperien, Zürich and Stuttgart, 1960); Karl Reinhardt, ‘Hölderlin und Sophokles’ in: J.C.B. Mohr (ed.), Hölderlin, Beiträge zu seinem Verständnis in unsern Jahrhundert (Tübingen, 1961); M.B. Benn, Hölderlin and Pindar (The Hague, 1962); Jean Beaufret’s admirable Preface to Hölderlin, Remarques sur Oedipe/Remarques sur Antigone (Paris, 1965); Rolf Zubberbühler, Hölderlins Erneuerung der Sprache aus ihren etymologischen Ursprüngen (Berlin, 1969). The translations themselves have been assembled in Volume V of the Grosse Stuttgarter Ausgabe but textual problems remain. Little in the literature, moreover, looks closely at Hölderlin’s translations from the Latin.”

[Reading Hölderlin is difficult mainly] due to historical-and psychological complications, to the difficulty which German sensibility, since Goethe and Schiller, has experienced in coping with Hölderlin’s idiosyncratic radicalism and collapse of reason. Hölderlin’s translations are unquestionably of the first importance. They represent the most violent, deliberately extreme act of hermeneutic penetration and appropriation of which we have knowledge.”

Again we see that literalism is not, as in traditional models of translation, the naïve, facile mode but, on the contrary, the ultimate.”

Hölderlin uses the figura etymologica (the reinterpretation of the meaning of words according to their supposed etymology) as does Heidegger:¹ he is seeking to <break open> modem terms in order to elicit their root-significance. He draws on Luther’s idiom and on the vocabulary of the Pietist movement. He enlists Swabian forms and reverts to the Old High German or Middle High German meanings and connotations of words. Hölderlin was not alone in so doing. His etymologizing is part of an anti-Enlightenment tactic of linguistic nationalism and numinous historicism. Herder and Klopstock were direct, influential forerunners. But Hölderlin pressed further.” “Hölderlin’s view was, in a sense, the reverse of the Aristotelian assertion that <names are of a finite number whereas objects are infinite>.”

¹ Aqueles que chamaram Heidegger de mau etimologista e arbitrário/falsificador seriam os ‘positivistas’ do séc. XX?!

das schwere Wort wird zum magischen Träger des Tiefsinns” Zuberbühler

A palavra complicada se torna o suporte mágico das profundezas”

As if in express defiance of Cowley’s famous warning that <if a man should undertake to translate Pindar word for word, it would be thought that one mad man had translated another>, Hölderlin strove for utmost literalism.”

THE GREAT YGGDRASIL: “Paradoxically unimpeded by frequent misunderstandings of the original Greek, these experiments in total penetration and similitude lead both to Hölderlin’s crowning poems and to his appropriations of Sophocles. Hölderlin seemed to derive from his work on Pindar the (reckless) confidence that he could pierce to the core of meaning in ancient Greek, that he could break through the barriers of linguistic, psychological remoteness to a <pre-logic> or universality of inspiration. He made of the act of understanding and restatement an archaeology of intuition. He went deeper than any philologist, grammarian, or rival translator in his obsessive search for universal roots of the poetic and of language (again, as with the speech-mystics of the 17th century and the Pietists, the borrowed image of the <root of words> is being used literally).”

HEGEL TRADUTOR DE TRAGÉDIAS? “The extent and quality of Hölderlin’s knowledge of Greek are still problematic, as are the probably crucial relations of his own treatment of Sophocles to that of Hegel. The whole topic of the role of Oedipus and Antigone, especially the latter, in the growth of German idealism, and in the works of Hegel, Kierkegaard, and Schopenhauer, demands thorough analysis. It may emerge that Hölderlin’s appropriations were somewhat less eccentric than it would seem. Hegel also was planning a translation of Sophocles and Kierkegaard’s <reconstruction> of Antigone in Either/Or is more extravagant than anything in Hölderlin.” “To Hölderlin’s contemporaries, Ödipus der Tyrann and Antigone seemed either wildly misconceived or farcical. The small circle which took note of them at all inclined to see in these versions symptoms of the mental disorder which soon enveloped the poet in silence. [Como acontece com toda formiga que tenta interpreter um dos grandes!] Modern commentators, on the contrary, have judged Hölderlin’s text to be not only the ultimate in reconstitutive understanding of Sophocles but an unequalled penetration of the meaning of Greek tragedy as a whole.” “These drastic differences of opinion reflect the enigmatic nature of Hölderlin’s enterprise.”

ihren Kunstfehler, wo er vorkommt, verbessern” H.

Onde outro artista errou, melhore-o.”

IN ANCIENT TIMES: “Speech did not stand for or describe the fact: it was the fact.”

Schiller’s mirth when he and Goethe listened to a reading of the choruses in Hölderlin’s Antigone, his urbane assurance that his sometime disciple had been deranged when writing them, are well known.”

Connectives, the inherent causal bias in idiomatic sentence-structures, create a deceptive surface and façade of logic.”

Only by challenging the autonomy of the divine, by invading the <space of the gods>, can man accomplish his own transcendent potential and simultaneously force the gods to observe and fulfil their own ambiguous contiguities to the mor[t!]al order.” “Antigone’s invocation of <my Zeus> in Hölderlin’s celebrated but debatable reading of line 450 is simultaneously an act of arbitrary appropriation, an incursion into the <absent> realm of divine justice, and a desperate affirmation of the relevance of that realm to the survival of mankind and society.” “We find ourselves here at the far limits of any rational theory or practice of linguistic exchange. Hölderlin’s is the most exalted, enigmatic stance in the literature of translation. It merits constant attention and respect by virtue of the psychological risks implied and because it produced passages of an intensity of understanding and <re-saying> such as to make commentary impertinent.” “Paradoxically, therefore, the most exalted vision we know of the nature of translation derives precisely from that programme of literalism, of word-for-word metaphrase which traditional theory has regarded as most puerile.”

Though writing today, the translator aims to translate Spenser into 16th-century Castilian, he produces a version of Marivaux in 18th-century Russian, he renders Pepys’ journals into 17th-century Japanese. This synchronicity has the charm of utter logic. It is (probably) absurd, but for reasons which are not trivial.” “he can translate Werther into a Dutch or a Bengali of the 1770s.” “The translator may choose the right word and grammatical turn, but he knows its later history; inevitably, the spectrum of connotations is that of his own age and locale.”

Leopardi intended to translate Herodotus into medieval Italian. Paul-Louis Courier’s experiments at reproducing Herodotus and Longus in Renaissance French are a case of ambiguous but highly suggestive <arbitrary contemporaneity>”

Littré, Hisroire de Ia langue française, 1863

Littré translated one book of the Iliad into 13th-century French. (…) L’Enfer mis en vieux langage

François appeared in 1879·”

Peu sont li jor que li destins vous file,

Li jor qu’avez encor de remanent;

Ne les niez à suivre sans doutance

Le haut soleil dans Ie monde sans gent.

Gardez queus vostre geste et semance;

Fait vous ne fustes por vivre com Ia beste,

Mais bien por suivre vertu et conoissance.

Mi compagnon, par ma corte requeste,

Devinrent si ardent à ce chemin,

Que parti fussent maugré mien com en feste.

Ore, tornant nostre arriere au matin,

0 rains hastames Ie vol plein de folie,

Aiant Ie bort sempre à senestre enclin.

Jà à mes ieus monstroit Ia nuit serie

Le pole austral; et li nostre ert tant bas,

Que fors Ia mer il ne se Ievoit mie.

By a Borges effect, it is Dante who appears to be translating Littré whose Enfer is older than the Inferno and related to the chanson de geste rather than the Virgilian epic.”

why had 13th-century German literature and civilization, poised as they were between the Teutonic north and the Mediterranean, in vital contact both with the pagan marches to the east and with Gallic Latinity, not produced a Comedia divina (the archaic spelling is Borchardt’s)? This hypothetical question engaged Borchardt, a somewhat enigmatic scholar-poet inclined to a pan-European mystique, from 1904 to ‘30.” “Dante’s absence from the history of the German language and of German sensibility in the period 1300-500 destroyed deep logical and material affinities between German feudalism and the <classical> Christendom of the Provence and of Tuscany. Far from being a sovereign renewal of German, the idiom of Luther was in many respects a defeat. Unlike medieval German, Luther’s Neuhochdeutsch was often helpless before the concreteness and sensuous force of the Biblical original. After Luther, argues Borchardt, came Opitz and Gottscheid and with them a palsied neo-classicism and bureaucratic academicism alien to fundamental strains in the German genius.”

der genuine Archaismus greift in die Geschichte narchträglich ein, zwingt sie für die ganze Dauer des Kunstwerks nach seinem Willen um, wirft vom Vergangenen weg was ihm nicht past, und surrogiert ihr schöpferisch aus seinem Gegenwartsgefühl was es braucht; wie sein Ausgang nicht die Sehnsucht nach der Vergangenheit, sondern das resolute Bewustsein ihres unangefochtenen Besitzes ist, so wird sein Ziel nicht ihre Illusion, sondern im Goethischen Sinne des Wortes die Travestie.”

Though it was noticed by Hesse, Curtius, Vossler and Hofmannsthal, Dante Deutsch has remained largely ignored.”

There are admirable nuances: untergang for occidente (with the premonitory touch of disaster), auferschliessung with its delicate suggestion of the image of outward motion latent in esperienza, mannheit for virtute – an equivalence which restores the force of etymology – toll zu fliegen in which Borchardt simulates both the phonetic and semantic relations of the original, tief in meres grunde liegen which exactly mirrors the quiet menace of del marin suolo. Through these precisions, the translator renders the principal intent of Dante’s text, the inference of catastrophe in the midst of the bracing thrust of Ulysses’ summons. For all its abruptness (Borchardt valued Schroffheit), this version produces a more immediate fluency of rhyme and linked motion than perhaps any other. (…) And notice how gier, although subterraneously as it were, gives an effect, both tactile and tonal, which exactly matches acuti at the corresponding point in Dante’s verse.”

The translator of a foreign classic, of the <classics> properly speaking, of scriptural and liturgical writings, of historians in other languages, of philosophic works, avoids the current idiom (or certainly did so until the modernist school).” “the translator combines, more or less knowingly, turns taken from the past history of the language, from the repertoire of its own masters, from preceding translators or from antique conventions which modern parlance inherits and uses still for ceremony.”

So the Wooers spake; but Odysseus, that many a rede did know,

When the great bow he had handled, and eyed it about and along,

Then straight, as a man well learned in the lyre and the song,

On a new pin lightly stretcheth the cord, and maketh fast

From side to side the sheep-gut well-twined and overcast:

So the mighty bow he bended with no whit of laboring. . . .”

But what is more retrograde than T.E. Shaw’s’ 1932 version of Homer, what could be more ‘literary’ in the trivial sense?”

Telemachus, the guest sitting in your hall does you no disgrace. My aim went true and my drawing the bow was no long struggle. See, my strength stands unimpaired to disprove the suitor’s slandering. In this very hour, while daylight lasts, is the Achaeans’ supper to be contrived: and after it we must make them a different play, with the dancing and music that garnish any feast.”

This to translate a poet who, as Matthew Arnold had urged, is neither <quaint> nor <garrulous> but always <rapid>, <plain> and <direct> in word and thought.”

Philosophic translation should seek to fix meaning uniquely and to render logical sequence transparent. To produce a <dated> version of a philosophic original is gratuitous unless the time-distance chosen specifically elucidates and makes unmistakable the sense, the technical status of the text.” Ex: a poesia de Platão ainda não pode ser transcrita como uma conversa de gírias de agora…

Readings of the Timaeus as an analogue to the Pentateuch, hermetically transmited via a <Mosaic-Orphic> tradition, or as a prefiguration of Trinitarian and Christological motifs, are at least as old as the Middle Ages. Jowett’s stated purpose when he published his translation of the Dialogues in 1871 was to achieve greatest possible clarity consonant with the exact meaning of the Greek.” “Jowett’s <Christianization> of the dialogue, moreover, misses a central aspect of Plato’s teaching on creation. The <demiurgus> (Thomas Taylor’s translation of 1804) operates on materials which pre-exist. Plato’s cosmic builder is resolutely conceived in the image of a human craftsman, not of an omnipotent Deity in the Judaic-Christian vein.”

The translator labours to secure a natural habitat for the alien presence which he has imported into his own tongue and cultural setting. By archaicizing his style he produces a déjà-vu. (…) It had been there <all along> awaiting reprise.” “Archaicism internalizes. It creates an illusion of remembrance which helps to embody the foreign work into the national repertoire. In the history of the art very probably the most successful domestication is the King James Bible.” “Only one set of working papers has until now turned up, and although it is among the most fascinating primary sources in the entire history of translation, it is also brief. Cf. Ward Allen (ed.), Translating for King James: Notes Made by a Translator of King James’s Bible. Allen’s discovery in 1964 of the notes taken by John Bois during the final revision of Romans through Revelation at Stationers’ Hall in London in 1610-11 is not only of extreme interest in itself, but holds out the possibility that further material may come to light.”

Tyndale, the greatest of English Bible translators”

By choosing or achieving almost fortuitously a dating some 2 or 3 generations earlier than their own, the translators of the Authorized Version made of a foreign, many-layered original a life-form so utterly appropriated, so vividly out of an English rather than out of a Hebraic, Hellenic or Ciceronian past, that the Bible became a new pivot of English self-consciousness.”

David Daiches, The King James Version of the English Bible: An Account of the Development and Sources of the English Bible of 1611 with Special Reference to the Hebrew Tradition, 1941.

Bowra, Primitive Song, 1963

The assumption that speech habits and the conventions of concordance between word and object have not altered <across the time distance of 10 or 20 centuries> is one that causes increasing discomfort.” “Nothing in Quine’s famous model of stimulation and stimulus meaning logically or materially excludes the notion of a tribe which would have agreed among its members to deceive the linguist-explorer. Schoolboy coteries, fraternal lodges, craft guilds proceed in just this manner.”

The difficulties of translating Chinese into a Western language are notorious. Chinese is composed mainly of monosyllabic units with a wide range of diverse meanings. The grammar lacks clear tense distinctions. The characters are logographic but many contain pictorial rudiments or suggestions. The relations between propositions are paratactic rather than syntactic and punctuation marks represent breathing pauses far more than they do logical or grammatical segmentations. In older Chinese literature it is almost impossible to demarcate prose from verse”

The novice, i.e. almost everyone, will find invaluable pointers in Arthur Waley, ‘Notes on Chinese Prosody’ (Journal of the Royal Asiatic Society, April 1918); I.A. Richards, Mencius on the Mind, Experiments in Multiple Definition (London, 1932); Arthur Waley, Introduction to Chinese Painting (London, 1933); Arthur Waley, The Way and its Power: A Study of the Tao Te Ching and its Place in Chinese Thought (London, 1934); Robert Payne, The White Pony, An Anthology of Chinese Poetry from the Earliest Times to the Present Day, Newly Translated (New York, 1947); Roy Earl Teele, Through a Glass Darkly: A Study of English Translations of Chinese Poetry (Ann Arbor, 1949); James J.Y. Liu, The Art of Chinese Poetry (Chicago, 1962).”

The oddity lies in the fact that so many of the best-known translators have no Chinese. Bishop Percy, whose translations appeared in 1761, worked from an earlier English manuscript and from the Portuguese. [!!] Stuart Merrill, Helen Waddell, Amy Lowell, Witter Bynner, Kenneth Rexroth have used prose trots, previous translations, French versions, the word-by-word aid of sinologists, to arrive at their results. Paradoxically, scandalously perhaps, these constitute an ensemble of peculiar coherence and they are, in one or two cases, superior in depth of recapture to translations based on actual knowledge of the original. The notorious challenge is, of course, that of Cathay (1915). This collection is, one feels, not only the best inspired work in Pound’s uneven canon, but the achievement which comes nearest to justifying the whole ‘imagist’ programme. (…) Waley’s translations into vers libre derive from the immediate precedent of Pound.”

Wai-lim Yip, Ezra Pound’s ‘Cathay’, 1969

Chinoiserie in European art, furniture and letters, in European philosophical-political allegory from Leibniz to Kafka and Brecht, is a product of cumulative impressions stylized and selected.” “Each translation in turn appears to corroborate what is fundamentally a Western ‘invention of China’. Pound can imitate and persuade with utmost economy not because he or his reader knows so much but because both concur in knowing so little.”

Judith Gautier’s Le Départ d’un ami in: Le Livre de Jade (1867) differs from Pound’s Taking Leave of a Friend in verbal detail, but the conventions of melancholy and cool space are precisely analogous”

The converse is true when Chinese artists sketch European or American cities and landscapes. These emerge delicately, characteristically uniform. New York shimmers on vague waters, like a vertical Venice.”

All English versions of the Arabian Nights, even Edward Powys Mathers’ which is taken entirely from the French of J.C. Mardrus, display the same rose-water tint. French, German, Italian, English renditions of Japanese haiku are intimately related and come out in hushed monotone.”

Whatever the archaeologists may tell us, we have come to envision antique statuary as pure white marble; and time’s erosion, having worn away the original loud colours, affirms our misprision.”

English ‘differs from’ French as it does not from German or from Portuguese. The German- or Portuguese-speaker experiences this difference in regard to his own language and, with complexly variable modulations, in regard to languages of which he will have a less certain grasp. Each ‘differing from’ is diacritical in a generalized formal, historical sense but also inexhaustibly specific.”

Chinese or Swahili are ‘immensely’ different from French. But this immensity is deceptively categorical and thin. It is a mainly inert ‘in-difference’ across an all but vacuous space. A ‘close distance’, on the other hand, as between French and English, is wholly energized by interactive differentiation.”

Modern French lacks that plaisante plasticité still shown by the language of Ronsard and Montaigne who are Shakespeare’s counterparts.” “Possibilities of verbal prodigality, of grammatical exuberance, of metaphoric licence present in 15th– and 16th-century speech and writing were suppressed or relegated to the argotic and eccentric by the centralizing neo-classicism of 17th-century reform.” “French can muster pomp and ceremony even in excess of English; but its altitudes are characteristically abstract and of a dry, generalized grandeur peculiarly grounded in elision.” “Voltaire’s change of front, the extremism of the Romantics, the to and fro of Gide point to a shared awareness of the ‘Shakespearean gap’ in French. French literature provides no figure as immediately universal (a fact aggravated by all but fitful Anglo-Saxon immunity to Racine).”

The modal completeness of French literature (major performances in every genre), the continuous strength but also originality of French literary movements and periods from the 13th century to today suggest, diacritically, that a Shakespeare in the history of one’s language and letters can be an ambiguous providence. (…) It may fatally debilitate, again by virtue of complete exploitation, the genre in which it is realized (the subsequent course of English verse drama).” “Conversely, if there is no Proust in the English novel, I mean no novelist who has made prose fiction inclusive of the uttermost of philosophic intelligence and, at the same time, of unbounded social, sexual, aesthetic exploration, Shakespeare’s central inherence in the language, in the very notion of English literature may, at some level, be a contributory cause. Certain reaches and deeps have never again been worth simulating.”

Horn-Monval, Les Traductions françaises de Shakespeare, 1963;

Brunel, Claudel et Shakespeare, 1971.

Cleopatra’s lament over Antony (IV. XV. 63ff.) is quintessential of Shakespeare’s late supremely-charged economy:

The crown o’th’earth doth melt. My lord!

O, withered is the garland of the war,

The soldier’s pole is fall’n: young boys and girls

Are level now with men: the odds is gone,

And there is nothing left remarkable

Beneath the visiting moon.

This successive propositions display Cleopatra’s bounding pace, her impatience with contingency. But a subtle closeness meshes each motion. If ‘crown’ sustains the imperial theme and relates obviously to ‘the garland of the war’, it also announces the spatial, cosmological image which connects ‘earth’ to ‘pole’ (the word may, as in Hamlet and Othello, stand for ‘lode-star’) and joins both to the visitations of the moon. More plainly, ‘pole’ conveys the picture both of Antony’s spear or baton of command and of the wreathed maypole with its ancient connotations of centrality – the world’s ritual axis – and of celebration. The festival theme is operative in ‘crown’ and ‘garland’ but also in the reference to ‘young boys and girls’. Such, however, is the compaction of the passage, that this reference to the immature and to ‘boys’ in particular immediately evokes Antony and Cleopatra’s scorn for the ‘boy’ Caesar. ‘Odds’ can signify both ‘advantage’ and ‘peculiar distinction’. With Antony’s eclipse the world literally declines into flat inertia and the cold of a lunar phase. Charmian’s instant rejoinder – <O, quietness, lady!> – is concisely twofold: it begs calm of the distraught queen but also proclaims the lifeless state of being.”

The alexandrine, native to, all but inseparable from, the French conception of heroic, lyrically elevated theatre, is inapposite to English blank verse. (…) But a French prose translation of Shakespeare also embodies the whole mechanism of dialectical differentiation and self-definition. (…) The ‘Shakespearean absence’ in French tragic drama is, from one point of view, related to the absence of prose. (…) Molière’s Don Juan gives a glimpse, but no more, of what might have been.”

« La couronne de l’univers se dénoue. Seigneur! La guirlande du combat se fane et l’étendard est abattu. À présent, les enfants et les hommes se valent. Tout s’égalise, et la lune en visitant la terre ne saura plus quoi regarder.

Though the difference in word-count is insignificant (40 as against 44), Gide’s reading, especially through its taut cadence, is meant to exemplify criteria of extreme concision. It is stringently alert to the expansionist latitude prevalent in literary translation.” “La couronne de l’univers se dénoue eliminates the topographical concreteness, the intimations at once material and emblematic, in ‘the crown of the earth melting’. Dénoue points clearly to a laurel wreath.” “Yet (…) guirlande du combat has no natural meaning in French, it only translates and it less than translates, combat being diminutive of ‘war’. Les enfans drastically (needlessly?) curtails ‘young boys and girls’, suppressing the sarcastic swerve towards Caesar. (…) He personifies the moon: it is ‘she’ – the feminine being, at this point so emphatic and symbolically laden in French – who will find nothing to look upon. (…) The whole distribution of feelings is altered. Charmian’s <Du calme, Madame!> not only trivializes; it omits the deadening fall towards extinction which is the cumulative sense and effect of Cleopatra’s lament.”

It would be unrealistic and a trivialization of the density of Shakespeare’s method to neglect the cumulative erotic of successive touches. The allusion to physical failure, the sense of a cadence from radiant virility to impotence, are graphic in ‘melting’ and ‘withering’. There is almost a direct sexual rhetoric in ‘The soldier’s pole is fall’n’. The ‘levelling’ of boys and girls with men, which follows at once, enforces the motif of erotic pathos, of a world in which there is no longer to be found the critical difference between man and boy. One asks also, though only conjecturally, whether there is not a pertinent hint of feminine sexuality in the ‘visiting moon’.”

The dramaturgy of Racine may fairly be termed discourse without body. It accomplishes extreme intensities of transubstantiation and ‘bodies forth’ a last violence of thought and feeling. But it is at no stage somatic.”

It would be a vulgar simplification to say that good French enacts, bears the imprint of, a Cartesian mind-body dualism. But in no other European tongue is this dualism so na[t]ive.”

[Conversely] Robert Lowell makes Jacobean melodrama of Phèdre. The hermeneutic of the translator’s (partial) return to his own native tongue is one of vulnerability.”

« Emma maigrit, ses joues pâlirent, sa figure s’allongea. Avec ses bandeaux noirs, ses grands yeux, son nez droit, sa démarche d’oiseau et toujours silencieuse maintenant, ne semblait-elle pas traverser l’existence en y touchant à peine, et porter au front la vague empreinte de quelque prédestination sublime? Elle était si triste et si calme, si douce à la fois et si réservée, que l’on se sentait près d’elle pris par un charme glacial, comme l’on frissonne dans les églises sous le parfum des fleurs mêlé au froid des marbres. Les autres même n’échappaient point à cette séduction. »

« Flaubert uses the economy of a certain syntactic duplicity to achieve a maximal richness of suggestion and correlation. »

Unfortunately, the metrics of prose and notations for stress patterns in prose remain rudimentary.” Itáli cus meus cul d’miel

Each time we return to a significant passage in Madame Bovary or in any other major text, we learn to hear more of its contained possibilities, more of the pulse of relation which gives it <internality>. Where language is fully used meaning is content beyond paraphrase.

Marx’s daughter, Eleanor Marx Aveling, published her translation in 1886. It was for a long time the sole English version and was taken up in the Everyman’s Library.” “Here, as in Ibsen’s Doll’s House, which the Aveling helped introduce to a circle of London readers, was a revolutionary exposure of the falsity of marriage and of family relations in a repressive capitalist system. The book had been prosecuted for obscenity in the courts of Napoleon III. Eleanor Marx saw in this prosecution a nakedly political attempt to silence an artist who, by sheer honesty of vision, had laid bare the cant [papo-furado] and corruption of life in the Second Empire.” “The translator has identified herself with Emma (there was, of course, to be a tragic concurrence in real life). All semantic options are decided in the heroine’s favour.” “Gerard Hopkins’s translation of 1948 is, linguistically, better informed.”

He has been here before he came. He has chosen his source-text not arbitrarily but because he is kindred to it. The magnetism can be one of genre, tone, biographical fantasy, conceptual framework.”

Once the translator has entered into the original, the frontier of language passed, once he has certified his sense of belonging, why go on with the translation? He is now, apparently, the man who needs it least. Not only can he hear and read the original for himself, but the more unforced his immersion the sharper will be his realization of a uniquely rooted meaning, of the organic autonomy of the saying and the said. So why a translation, why the circumvention which is the way home (the third movement in the hermeneutic)? Undoubtedly translation contains a paradox of altruism – a word on which there are stresses both of ‘otherness’ and of ‘alteration’. The translator performs for others, at the price of dispersal and relative devaluation, a task no longer necessary or immediate to himself. But there is also a proprietary impulse. It is only when he ‘brings home’ the simulacrum of the original, when he re-crosses the divide of language and community, that he feels himself in authentic possession of his source. Safely back he can, as an individual, discard his own translation. The original is now peculiarly his. Appropriation through understanding and metamorphic re-saying shades, psychologically as well as morally, into expropriation. This is the dilemma which I have defined as the cause of the fourth, closing movement in the hermeneutic of translation. After completing his work, the genuine translator is en fausse situation. He is in part a stranger to his own artifact which is now radically superfluous, and in part a stranger to the original which his translation has, in varying degrees, adulterated, diminished, exploited, or betrayed through improvement. (…) The need for compensation and restoration is obsessive in the distances, at once resistant and magnetic, of Hobbes to Thucydides, of Hölderlin to Sophocles, of MacKenna to Plotinus, of Celan to Shakespeare, of Nabokov to Pushkin.”

Albert Cohn’s Shakespeare in Germany in the 16th and 17th Centuries (1965), and Rudolf Genée’s Geschichte der Shakespeareschen Dramen in Deutschland (1871) remain useful. Roy Pascal’s Shakespeare in Germany (1937) is a good introduction to the main trends for the period 1740-1815. Joseph Gregor, Shakespeare, Der Aufbau eines Zeitalters (1935) is interesting because of its untroubled assumption of a central authority, textual, theatrical, psychological in the German-Austrian interpretation of Shakespeare. (…) Friedrich Gundolf, Shakespeare und der Deutsche Geist (1927).”

Die Shakespearomanie, As Grabbe termed it in 1827, could reach grotesque extremes: I have mentioned before the claims made, in the 1880s, that Shakespeare himself was of <Flemish-Teutonic> descent. (…) The 19th-century German pedagogues saw in Sh. a tragedian of middle-class morality, a more inspired version of Diderot and Lessing. Goethe, in his revealingly-entitled essay Shakespeare und kein Ende, came to the conclusion that Shakespeare is, above all, a poet to be read; staged, his plays are full of weakness and crudity. Goethe’s productions of Sh. in Weimar – notoriously the Romeo and Juliet of 1811 – drastically amended the infirm original. German philosophic readings of Sh., German schools of dramaturgy, made of their idol a Platonist and a radical materialist, a universal humanist and a bellicose nationalist, a bourgeois moralist and an advocate of pandemic sensuality, a symbolist so arcane as to have defied all previous unriddling and a naturalist in the manner of Hauptmann or Wedekind.” Conforme lido em Nietzsche’s Wayward Disciple, a peculiaridade da Literatura alemã é que ela parece ter saltado do Romantismo direto para o Naturalismo, pulando ou assimilando apenas ‘pelas beiradas’ o Realismo europeu (inglês-francês).

Shakespeare, como nenhum outro, foi o Criador do sentido da vida humana.” Gundolf

“Uma comparação parecida já havia sido estabelecida por Friedrich Schlegel em sua História da Literatura Antiga e Moderna (1812).”

The English text has not been translated into the German language, says Gundolf, it has become that language.”

O Soneto 87 do maior de todos – linhas traduzidas e intentadas:

SONHO 69 INC.: FENOMENOLOGIA DE BAUNILHA DE VERÃO

Até mais ver você é muit’area para minha pá,

E tá na cara que sabe o quanto vale

Seu preço é sua liberdade:

Tão alto que por mais que frenétiqueueinvista sei que não vou

Poder comprar todas as ações, estou no fim da fila!

Seu monopólio só compraria um trilionárioinfinitoinconcebível.

Porque como firmar, pactuar, assegurar-me, apossar-me

de você, Minha grandEmpresa, a maior transação,

Se dependo do livre-arbítrio de quem Pode mais?

Quem sou eu?

Perto dessa vertigem descomunal de cataratas de valor e valia e estima

O meu dom é ter carência e só possuir minhas mãos e mais nada

Minha Sociedade Identificada, Limitada, Nenhum Direito Reservado,

Meu escritório abandonado, micromundo autônomo se’Incentivo do ’stado

das coisas comélas são, parece que já sint’aquela dor

de quem só trabalh’em vão.

Es

tou

es

gotado.

Eis

que você se

deu – cedeu!, não reconhecendo seu valor,

Caiu em minhas mãos.

Ou eu a quem você o deu – o valor –,

Enganada, por não ser sujeito, Desse jeito,

Acaba que

seu dom é a exuberância do seu cativeiro inestimável,

Posto que quando está cativa volta a ser despreocupada perdulária,

Sem constrições ou amarras: Podes tudo novamente! Na minha mente!

A razão disso tudo é que com razão eu o novo dono devolvi

a quem merece (o valor no valor se multiplica): não ignoro sua riqueza incalculável!

Imensurável por qualquer Auditoria.

O que sou, o que sou de capital nesta História?!

Sou o imaterial, o ideal, tipo feudal, não-comercial, antiquaria, mitologia,

quimera, utopia, bruxaria!

Para ser mais claro que diáfano, sou fofas nuvens brancas sobre uma coroa doiro:

Sonho perfeito dum rei – Não! Tu és o sonho, eu sou o Rei que nada fez,

Só nasceu com sorte – Meu sonho lúcido preferido és Tu,

Consorte!

Porque tu és, e minha razão de ser é ser quem te sonhassim

O sonho é a vida vivida por um sujeito, predicado, cheia de seguimentos

Cheia de nuvens e fofuras cotadas em Libras esterlinas e muita sanha.

Eu (não sou o) sonho mas eu-sonho! Somos +2!

O bei!et0

&

ligação entre sonhador e sonhado

E diferente do inconsciente,

Saiba que a coisa que muita coisa ignora não vai

desaparecer quando

como e porque:

Eu não vou acordar!

The Italian language, furthermore, is intimately Latin in its phonetics, derivations, syntactic structure and matrix of historical, cultural reference.”

“‘Aiuto, Galatea, ti prego, aiuto, o padre, o madre,

nel vostro regno accogliete il figlio prossimo alla morte.’

E il Ciclope l’insegue, e staccato un pezzo di monte

lo lancia sul fuggiasco. Solo un estremo

della rupe lo colse, ma fu per lui la morte.

E perché Aci riprendesse la forza dell’avo

feci quello che potevo ottenere del fato.

Dalla rupe scorreva sangue vivo, ma ecco, quel rosso

comincia a svanire come colore di fiume

che torbido di pioggia schiarisce a poco a poco.”

Metamorfoses, XIII. 880-90

sangue vivo bypasses the suggestion of rubro which is nakedly Latin; obruit would evoke rovinare if Quasimodo had not put ma fu per lui la morte which looks antique and monumental but in fact is not, being vaguely operatic.”

Kierkegaard, Ibsen, Strindberg, Kazantzakis have been given their impact by translation. Translation can illuminate, compelling the original, as it were, into reluctant clarity (witness Jean Hyppolite’s translation of Hegel’s Phenomenologie).” “Faulkner returned to American awareness after he had been translated and critically acclaimed in France.”

his own sensibility and that of the author whom he is translating are discordant. Where there is difficulty the bad translator elides or paraphrases. Where there is elevation he inflates. Where his author offends he smoothes. 90% of all translation since Babel is inadequate and will remain so.”

Only Rabelais has ever matched the scope, the implacable sanity of Homer’s tragi-comic view of life. Even Niobe fell to her food after all her children had been done to death. If the translator misses or attenuates this mystery of common sense, he will have failed Homer.”

Hobbes’ Iliad of 1676 is the pastime of a very old man embittered by what he took to be the inadequate reception of his philosophical-political life-work.” “Hobbes felt that the essence of Homeric verse was one of speed. Hence his choice of decasyllabic lines often bone-spare. But Hobbes was no poet and the result is almost ludicrously thin”

Now you and I must remember our supper.

For even Niobe, she of the lovely tresses, remembered

to eat, whose twelve children were destroyed in her palace…”

Parry’s Homer

None of the translations I have quoted (and there are, at a very rough count, more than 200 complete or selected English renditions of the Iliad and Odyssey from 1581 to the present) is adequate to the original.”

Too often, the translator feeds on the original for his own increase. Endowed with linguistic and prosodic talents, but unable to produce an independent, free life-form, the translator (Pound, Lowell, Logue, even Pasternak) will heighten, overcrowd, or excessively dramatize the text which he is translating to make it almost his trophy.”

Implausible as the notion will seem in a context of Anglo-Saxon values, it can, I am persuaded, be reasonably maintained that Schlegel and Tieck have improved on numerous stretches of foolery, bawdy, and verbal farce in Shakespeare’s comedies (see their versions of The Two Gentlemen of Verona, As You Like It, and The Merry Wives of Windsor).”

Although it mimes the sound of the original (You are – Es rare), the -quette in Poussiquette has overtones of coquetterie, of diminutive elegance much beyond the back-yard ecstasies in Lear. And rare is, by definition, more choice than beautiful.”

To name a <short list> of supreme translations would be absurd. There are too many variables in historical circumstance and local purpose. One has competence in far too few languages, literatures, and disciplines.”

VI. TOPOLOGIES OF CULTURE

To study the status of meaning is to study the substance and limits of translation.”

The composer who sets a text to music is engaged in the same sequence of intuitive and technical motions which obtain in translation proper.” “The debate as to whether literalism or recreation should be. The dominant aim of translation is exactly paralleled by the controversy, prominent throughout the 19th century, as to whether the word or the musical design should be uppermost in the Lied or in opera.”

The musical case is precisely comparable. When Zeiter, Schubert, Schumann, and Wolf set the identical Goethe poem to music, when Debussy, Fauré, and Reynaldo Hahn compose music to the same lyrics by Verlaine, when both Berlioz and Duparc write music to Gautier’s Au cimetière, the contrastive aspects, the problems of mutual awareness and critique are exactly those posed by multiple translation.”

is Schubert right, in setting Schmidt von Lübeck’s Der Wanderer, when he concentrates the whole meaning of the song on the word nicht in the last line, making the word come on a poignant appoggiatura over a strange chord of the 6th?”

What brand of Platonism is expressed in Satie’s musical setting of passages from the Symposium and the Phaedo (the analogy with certain of Jowett’s edulcorations is striking [ver acima])?”

In all his 6 settings of Heine, Schubert misconstrues the poet’s covert but mordant irony. Often the musician will tamper with the words, altering, omitting or <improving> on the poem to suit his personal gloss or formal programme (the translator too adds or elides to his own advantage). Mozart tacks on an extra verse to Goethe’s Veilchen; wishing to obtain a rise of a full octave on the word, Schubert elides the e in Vögelein in Goethe’s Über allen Gipfeln; in Schumann’s opus 90, the composer alters Lenau’s text, changing words, leaving out several, inserting some of his own (being the most verbally-perceptive of songwriters, Hugo Wolf almost never modifies the lyric).”

Jack M. Stein, Poem and Music in the German Lied from Gluck to Hugo Wolf, 1971. Prof. Stein’s book is one of the very few extended treatments of the interaction of poetry and musical setting. John Hollander’s The Untuning of the Sky: Ideas of Music in English Poetry 1500-1700, 1961 remains invaluable, but deals only marginally with the actual musical treatment of literary texts.”

Patrick Smith, The Tenth Muse: A Historical Study of the Opera Libretto, 1970

« Goethe est un piège pour les musiciens; et la musique un piège pour Goethe » André Suarès

All too often there is cause for Nerval’s dictum that only the poet himself can set his own song”

The work of Panofsky, of F. Saxl, of Edgar Wind, of E.H. Gombrich and many others has taught us how much of what the painter sees before him is previous painting.”

Leishman’s long prefatory essay to Translating Horace, 1956 is a masterly introduction to the whole problem of the authority and transmission of classic forms in Western literature and feeling.”

Seneca makes a change in the relations (topology) of the agents: Phaedra repents and slays herself, falling on Hippolytus’ body. But this is only a minor variant on a set theme.”

Euripides does not describe the sea-bull. The dramatic pace and the indirection of confident art allow him to allude to a spectacle <more hideous than eyes can bear>. Seneca lingers on horror:

longum rubenti spargitur fuco latus.

tum pone tergus ultima in monstrum coit

facies, et urgens bellua immensam trahit

squamosa partem…

(His immense flanks are spotted with reddish slime. The extremity of his body is made up of a scaly tail which the monster drags behind him in writhing coils…)”

It was thus that the horses of the sun, realizing the

absence of their accustomed driver, incensed that a

false hand should be guiding the chariot of day,

hurled Phaethon down from the heights of heaven.”

On dit qu’on a vu même, en ce desordre affreux,

Un dieu qui d’aiguillons pressait leur flanc poudreux.”

How are our readings of Euripides now lit or obscured by our knowledge of Seneca and, particularly, of Racine?”

Horace’s Ode in praise of Lollius (IV. 9) is one of the templates for Western poetry and our image of the poet. Horace affirms that public achievement and heroism survive only through the poet’s commemoration. Eros and even the trivial joys sung by Anacreon achieve permanence in verse. This claim has been a talisman for the writer. No reprise has matched Horace’s compressed grandeur.”

Many heroes lived before Agamemnon, but all unwept…”

Vain was the Chief’s, the Sage’s pride!

They had no Poet, and they died.

In vain they schem’d, in vain they bled!

They had no Poet, and are dead.”

Pope

How is Orpheus’ return from the underworld, which is used emblematically throughout the whole tradition of elegy and celebration, to be reconciled to the Christian interpretation of death? In his remarkable study of Orpheus in the Middle Ages (Harvard University Press, 1970), John Block Friedman has shown how late-antique thought, Neoplatonism, and Christian iconography lead to the gradual evolution of an <Orpheus-Christus figure>. From the 12th century on this syncretic conception influences art and literature.”

The tension in Thomas Carew’s Elegy on the Death of Dr. Donne (1640) stems from a need to accord pagan with Christian counters. The need was the more acute because of Donne’s ecclesiastical status and the notorious distance between Donne’s profane and sacred poetry. The death of the Dean of St. Paul’s has left poetry <widdowed>.”

Como esse último capítulo é cansativo! O autor já esgotou completamente a originalidade do discurso, uugggh!

The poet’s limbs lay scattered far and wide. But, Oh Hebrus, you received his head and his lyre, and (oh miracle!) while they floated in mid-stream, the lyre sounded desolate notes, the lifeless tongue murmured mournfully, and the river-banks replied sorrowingly.”

Metamorphoses XI

Time that is intolerant

Of the brave and innocent,

And indifferent in a week

To a beautiful physique,

Worships language and forgives

Everyone by whom it lives;

Pardons cowardice, conceit,

Lays its honours at their feet.”

Auden

The poet in front of the blank page, the painter before the vacant canvas, the sculptor facing the native stone, the thinker in the felt but undeclared proximity of the unthought, are very nearly a cliché for solitude.”

there can be no doubt that Anna Karenina embodies Tolstoy’s close experience and partial denial of the presentation and moral judgement of adultery in Madame Bovary. Such cases are less rare than might appear.”

The self-consciousness of men and women, so far as it is externalized in scenes of ideal or of drastic occurrence, was imprinted by Rousseau’s narrative (La nouvelle Héloïse, 1761).” “The geography of the hook, its scenario of lake, orchard, and alp, constituted a new, yet seemingly definitive, landscape of private sentiment. The diverse aspects of this landscape, its colorations, seasonal attributes, meteorologies acted as graphic objectifications of and incitements to social, philosophic, and erotic modes.” “Werther (1774) has its independent genius but belongs to the family.” “The lovers part; but there is between them a contract of desolation. They are dead to their own future. Subsidiary to these main motifs is that of the children of the beloved, or of her younger brothers or sisters. The lover’s relation to these – didactic, fraternal, conspiratorial – is one of pathos and duplicity.” “L’Éducation sentimentale, in its definitive version, appears in 1869. The title itself conveys Flaubert’s express realization of the central motif in Rousseau.” “Flaubert seems to have felt, as did other 19th-century readers, that, for all its splendour, Le Lys dans la vallé had vulgarized the psychological fineness of the material, that Balzac had, characteristically, injected a dose of melodrama (Lady Dudley and her fierce steeds) into an ambiguous tragedy of private feeling. Hence Flaubert’s special alertness to Volupté (Saint-Beuve).” “Sainte-Beuve died on 13 October 1869. The following day Flaubert wrote to his niece: <In part I had written L’Éducation sentimentale for Sainte-Beuve. He will have died without knowing a line of it!>.” “The <abler soul> of the great precedent, the proximity of the rival version, the existence, at once burdensome and liberating, of a public tradition, releases the writer from the trap of solipsism.”

This is the agony of our human existence, that we can only feel things in conventional feeling patterns. Because when these feeling-patterns become inadequate, when they will no longer body forth the workings of the yeasty soul, then we are in torture.” Lawrence

CHINA CHINA CHINA, I SCREAM AND I PRAY: “Our Western feeling-patterns, as they have come down to us through thematic development, are <ours>, taking this possessive to delimit the Graeco-Latin and Hebraic circumference.” Reject tradition, embrace Übertradiktion!

Yielding to intuitive conviction, and in patent rebuke to his own construct of history, Marx proclaimed that Greek art and literature would never be surpassed. They had sprung from a concordance, by definition unrepeatable, between <the childhood of the race> and the highest levels of technical craft.”

The novelty of content and of empirical consequence in the natural sciences and technology have obscured the determinist constancy of tradition.”

Chomsky’s emphasis on the innovative character of human speech, on the ability of native speakers to formulate and interpret correctly a limitless number of previously unspoken, unheard sentences, served as a dramatic rebuttal to naïve behaviourism. It demonstrated the inadequacy of the stimulus-response paradigm in its Pavlovian vein. Chomsky’s observation, moreover, has had notable consequences for education and speech-therapy. But looked at from a semantic point of view, the axiom of unbounded innovation is shallow.”

Had we only Picasso’s sculptures, graphics, and paintings, we could reconstruct a fair portion of the development of the arts from the Minoan to Cézanne.”

The apparent iconoclasts have turned out to be more or less anguished custodians racing through the museum of civilization, seeking order and sanctuary for its treasures, before closing time.”

Long persuaded of the privileged dynamism of Western ways, of the presumably unique factor of iconoclasm and futurism operative in Western science and technology, we are now experiencing a subtle counter-current, a new understanding of our confinement within ancient bounds of mental habit.”

The flowering of a sub- and semi-literacy in mass education, in the mass media, very obviously challenges the concept of cultural canons. The discipline of referential recognition, of citation, of a shared symbolic and syntactic code which marked traditional literacy are, increasingly, the prerogative or burden of an elite. This was always more or less the case; but the elite is no longer in an economic or political position to enforce its ideals on the community at large (even if it had the psychological impulse to do so).”

The outward gains of barbarism which threaten to trivialize our schools, which demean the level of discourse in our politics, which cheapen the human word, are so strident as to make deeper currents almost impalpable.”


“A large part of the impulse behind the spread of English across the globe is obviously political and economic. In the aftermath of the Second World War, and building on earlier colonial-imperial foundations, English acted as the vulgate of American power and of Anglo-American technology and finance. But the causes of universality are also linguistic.
There is ample evidence that English is regarded by native speakers of other languages whether in Asia, Africa or Latin America, as easier to acquire than any other second language. It is widely felt that some degree of competence can be achieved through mastery of fewer and simpler phonetic, lexical, and grammatical units than would be the case in North Chinese, Russian, Spanish, German, or French (the natural rivals to world status).”

The bitter struggles between Walloons and Flemings, the language riots which plague India, the resurgence of linguistic autonomy in Wales and Brittany point to deep instincts of preservation. Norway now has 2 standard languages where it had only one at the tum of the century.”

Has there been an <English English> author of absolutely the first rank after D.H. Lawrence and J.C. Powys? The representative masters of literature in the English language, since James, Shaw, Eliot, Joyce, and Pound have been mainly Irish or American. Currently, West Indian English, the English of the best American poets and novelists, the speech of West African drama demonstrate what can be called an Elizabethan capacity for ingestion, for the enlistment of both popular and technical forms.”

One need only converse with Japanese colleagues and students, whose technical proficiency in English humbles one, to realize how profound are the effects of dislocation. (…) Only time and native ground can provide a language with the interdependence of formal and semantic components which <translates> culture into active life.”

NEO-BABEL: “More subtly, the modulation of English into an ‘Esperanto’ of world-commerce, technology, and tourism, is having debilitating effects on English proper. To use current jargon, ubiquity is causing a negative feedback. Again, it is too soon to judge of the dialectical balance”

AFTERWORD

In recent papers, Chomsky himself has been modifying his standard theory. He now allows that rules of semantic interpretation must operate on surface structures as well as deep structures. He is also prepared to shift key morphological phenomena from the grammatical model, whose power may have been exaggerated, to the lexicon. Developed further, both these modifications would bring transformational generative grammars nearer to sociolinguistic and contrastive approaches.” Meio-século atrás e ele não parece ter completado essa transição a contento!

By divorcing itself from that intimate collaboration with poetics which animates the work of Roman Jakobson, of the Moscow and Prague language-circles, and of I.A. Richards, formal linguistics has taken an abstract, often trivialized view of the relations between language and mind, between language and social process, between word and culture.”

When I began this book the question of Babel, and the history of that question in religious, philosophic, and anthropological thought were hardly respectable among ‘scientific’ linguists. Now, only 4 years later…”

For the most recent attempt to apply formal logic to vagueness, context dependence, metaphor, and polysemy in natural language, cf. M.J. Cresswell, Logics and Language (London, 1973). Nothing in this acute treatment seems to overcome Wittgenstein’s admonition against the derivation of systematic logic from ordinary language or Tarski’s theorem that <there can be no general criterion of truth for sufficiently rich languages> – all natural languages being <sufficiently rich>.”

« J’ai connu un fou qui croyait que Ia fin du monde était arrivée. II faisait de Ia peinture. Je l’aimais bien. » Beckett

The Kabbalah, in which the problem of Babel and of the nature of language is so insistently examined, knows of a day of redemption on which translation will no longer be necessary. All human tongues will have re-entered the translucent immediacy of that primal, lost speech shared by God and Adam. We have seen the continuation of this vision in theories of linguistic monogenesis and universal grammar. But the Kabbalah also knows of a more esoteric possibility. It records the conjecture, no doubt heretical, that there shall come a day when translation is not only unnecessary but inconceivable. Words will rebel against man. They will shake off the servitude of meaning. They will <become only themselves, and as dead stones in our mouths>. In either case, men and women will have been freed forever from the burden and the splendour of the ruin at Babel.”

SELECTED BIBLIOGRAPHY

(Além das dezenas de obras já destacadas dentro dos capítulos regulares!)

1881

Giles, ‘The New Testament in Chinese’, In: The China Review, X

1920

Ezra Pound, ‘Translators of Greek: Early Translators of Homer’, reprinted in Literary Essays of Ezra Pound

1928

Albert Dubeux, Les Traductions françaises de Shakespeare (homônimo de outro livro citado acima!)

1929

Marcel Granet, Fêtes et chansons anciennes de la Chine

1934

André Thérive, Anthologie non-classique des anciens poètes grecs

1935

Georges Bonneau, Anthologie de la poésie japonnaise

1954

Olaf Blixen, La traducción literaria y sus problemas

1957

Cary, ‘Théories soviétiques de la traduction’, Babel, III

1963

Alfred Malblanc, Stylistique comparée du français et de l’allemand

1969

Orlinsky, Notes on the New Translation of the Torah

Zemb, Les structures logiques de la proposition allemande

1971

Leisi, Der Wortinhalt. Seine Struktur im Deutschen und Englishschen (4th edition, revised)

First issued in Paris in 1932 and taken over by UNESCO in 1947, the annual Index Translationum is an indispensable guide to trends and areas of concentration in world translation.”

* * *

PRECISO ORGANIZAR UM MAPA DE PRIORIDADES DE PRÓXIMAS LEITURAS! Primeiro, neste documento só já seria um ganho e tanto – e depois no blog inteiro!…